David Harvey - O direito à cidade
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8/13/2019 David Harvey - O direito cidade
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O direito cidade*
A qualidade da vida urbana virou uma mercadoria. H uma aura de liberdade deescolha de servios, lazer e cultura desde que se tenha dinheiro para pagar
por DAVID HARVEY
ivemos numa poca em que os ideais de direitos humanos tomaram o centro do pal-
co. Gasta-se muita energia para promover sua importncia para a construo de um
mundo melhor. Mas, de modo geral, os conceitos em circulao no desafiam de maneira
fundamental a lgica de mercado hegemnica nem os modelos dominantes de legalidade e
de ao do stado. !ivemos, afinal, num mundo em que os direitos da propriedade privada
e a ta"a de lucro superam todas as outras no#es de direito. $uero e"plorar aqui outro tipo
de direito humano% o direito & cidade.
!
'er( que o espantoso ritmo e a escala da ur)ani*ao nos +ltimos anos contri-
)uram para o )em-estar do homem/ 0 cidade, nas palavras do socilogo e ur)anista 1o-
)ert 2ar3, a tentativa mais )em-sucedida do homem de refa*er o mundo em que vive
mais de acordo com os dese4os do seu corao. Mas, se a cidade o mundo que o homem
criou, tam)m o mundo onde ele est( condenado a viver daqui por diante. 0ssim, indire-
tamente, e sem ter nenhuma noo clara da nature*a da sua tarefa, ao fa*er a cidade o ho-
mem refe* a si mesmo.
'a)er que tipo de cidade queremos uma questo que no pode ser dissociada desa)er que tipo de vnculos sociais, relacionamentos com a nature*a, estilos de vida, tecno-
logias e valores estticos ns dese4amos. 5 direito & cidade muito mais que a li)erdade in-
dividual de ter acesso aos recursos ur)anos% um direito de mudar a ns mesmos, mudan-
do a cidade. 0lm disso, um direito coletivo, e no individual, 4( que essa transformao
depende do e"erccio de um poder coletivo para remodelar os processos de ur)ani*ao. 0
li)erdade de fa*er e refa*er as nossas cidades, e a ns mesmos, , a meu ver, um dos nossos
direitos humanos mais preciosos e ao mesmo tempo mais negligenciados.
6esde seus primrdios, as cidades surgiram nos lugares onde e"iste produo e"ce-dente, aquela que vai alm das necessidades de su)sist7ncia de uma populao. 0 ur)ani-
*ao, portanto, sempre foi um fenmeno de classe, uma ve* que o controle so)re o uso
dessa so)reproduo sempre ficou tipicamente na mo de poucos 8pense, por e"emplo,
num senhor feudal9. 'o) o capitalismo, emergiu uma cone"o ntima entre o desenvolvi-
mento do sistema e a ur)ani*ao.
5s capitalistas t7m de produ*ir alm de seus custos para ter lucro: este, por seu
lado, deve ser reinvestido para gerar mais lucro. 0 perptua necessidade de encontrar ter-
ritrios frteis para a gerao do lucro e para seu reinvestimento o que molda a poltica
* Publicado em http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-82/tribuna-livre-da-luta-de-classes/o-direito-a-cidade
http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-82/tribuna-livre-da-luta-de-classes/o-direito-a-cidadehttp://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-82/tribuna-livre-da-luta-de-classes/o-direito-a-cidade -
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do capitalismo. Mas os capitalistas enfrentam uma srie de )arreiras & e"panso contnua
e desimpedida. 'e a mo de o)ra escassa e os sal(rios so altos, a mo de o)ra e"istente
tem de ser disciplinada, ou ento preciso encontrar mo de o)ra nova atravs da
imigrao e investimentos no e"terior. 5 capitalista tam)m deve desco)rir novos recursosnaturais, o que e"erce uma presso crescente so)re o meio am)iente.
0s leis da competio tam)m levam ao desenvolvimento contnuo de novas tecno-
logias e formas de organi*ao, que permitem ao capitalista superar os concorrentes que
utili*am mtodos inferiores. 0s inova#es definem novos dese4os e necessidades, redu*em
o tempo de giro do capital e a distncia que antes limitava o m)ito geogr(fico onde o capi-
talista pode procurar outras fontes de mo de o)ra, matrias-primas, e assim por diante.
'e no houver poder aquisitivo suficiente no mercado, ento preciso encontrar no-
vos mercados, e"pandindo o comrcio e"terior, promovendo novos produtos e estilos devida, criando novos instrumentos de crdito, e financiando os gastos estatais e privados.
'e, finalmente, a ta"a de lucro for muito )ai"a, a regulamentao estatal da ;concorr7ncia
destrutiva>>, que arquitetou um golpe
de stado em ?C e se proclamou imperador no ano seguinte.
D
2ara so)reviver politicamente, ele recorreu & represso generali*ada dos movimen-tos polticos alternativos. 'ua maneira de lidar com a situao econmica foi implantar um
vasto programa de investimentos em infraestrutura, tanto no pas como no e"terior. >sso
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significou a construo de ferrovias em toda a uropa, chegando at o 5riente, )em como
apoio para grandes o)ras, como o Danal de 'ue*. =o m)ito interno, veio a consolidao
da rede ferrovi(ria, a construo de portos grandes e pequenos, a drenagem de pntanos.
, acima de tudo, a reconfigurao da infraestrutura ur)ana de 2aris. m ?CE, =apoleo>>> chamou Georges-ugFne aussmann para cuidar das o)ras p+)licas da cidade.
aussmann entendeu claramente que sua misso era a4udar a resolver o pro)lema
do capital e do desemprego por meio da ur)ani*ao. 1econstruir 2aris a)sorveu enormes
volumes de dinheiro e mo de o)ra pelos padr#es da poca, e, 4untamente com a supresso
das aspira#es dos tra)alhadores parisienses, foi um veculo primordial para a esta)ili*a-
o social. aussmann adotou ideias dos planos que os seguidores dos socialistas utpicos
Dharles Hourier e 'aint-'imon haviam de)atido na dcada de ?@ para remodelar 2aris,
mas com uma grande diferena% ele transformou a escala em que o processo ur)ano foiimaginado.
$uando o arquiteto Iacques >gnace ittorff mostrou a aussmann seus planos para
uma nova avenida, aussmann os atirou de volta, di*endo% ;=o )astante larga J...K. 5
senhor quer @ metros de largura, e eu quero L.< le ane"ou os su)+r)ios e transformou
)airros inteiros, como Aes alles. 2ara fa*er tudo isso, aussmann precisou de institui#es
financeiras e de crdito. le a4udou a resolver o pro)lema da destinao do capital criando
um sistema proto3enesiano de melhorias ur)anas de infraestrutura financiadas por ttu-
los de dvida.5 sistema funcionou muito )em por uns quin*e anos, e envolveu no s a transfor-
mao da infraestrutura ur)ana como tam)m a construo de um novo modo de vida e
uma nova personalidade ur)ana. 2aris tornou-se a Didade Au*, o grande centro de consu-
mo, turismo e pra*er: os cafs, as lo4as de departamentos, a ind+stria da moda, as grandes
e"posi#es N tudo isso modificou a vida ur)ana de modo que ela pudesse a)sorver o di-
nheiro e as mercadorias, por meio do consumismo.
Mas foi ento que o sistema financeiro especulativo e as institui#es de crdito su-
perdimensionadas que)raram, em ?O?.aussmann foi demitido: =apoleo >>>, em deses-pero, foi & guerra contra a 0lemanha de Bismarc3 e saiu derrotado. =o v(cuo que se seguiu
surgiu a Domuna de 2aris, um dos maiores episdios revolucion(rios da histria do capita-
lismo ur)ano N nascida, em parte, de uma nostalgia daquele mundo que aussmann tinha
destrudo, e do dese4o de retomar a cidade por parte dos que se viram despossudos pelas
o)ras que ele imps.
altemos agora para a dcada de P@ nos stados Qnidos. 0 enorme mo)ili*ao para
o esforo de guerra resolveu temporariamente a questo de como investir o capital e"-cedente, pro)lema que parecera to intrat(vel na dcada de E, e do desemprego que o
acompanhava. =o entanto, todos temiam o que aconteceria depois da guerra. 2oliticamen-'
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te a situao era perigosa% o governo federal adotava, na verdade, uma economia nacionali-
*ada e estava em aliana com a Qnio 'ovitica comunista, enquanto fortes movimentos
sociais com inclina#es socialistas haviam surgido na dcada de E.
Domo na poca de =apoleo >>>, uma )oa dose de represso poltica foi e"igida pelasclasses dominantes da poca: a histria su)sequente do macarthismo e da poltica da
Guerra Hria, da qual 4( havia sinais a)undantes no incio dos anos @, )em conhecida. =a
frente econmica, restava a questo de sa)er de que modo o capital poderia ser reinvesti-
do.
m P@L, uma e"tensa avaliao dos esforos de aussmann foi pu)licada na revis-
ta 0rchitectural Horum. 0 matria documentava em detalhes o que ele tinha feito e tentava
analisar seus erros, mas procurava recuperar sua reputao como um dos maiores ur)anis-
tas de todos os tempos. 5 autor do artigo foi ningum menos que 1o)ert Moses, que de-pois da 'egunda Guerra Mundial fe* com =ova Ror3 o que aussmann tinha feito em 2a-
ris. 5u se4a, Moses mudou a escala com que se pensava o processo ur)ano.
2or meio de um sistema de rodovias, transformao da infraestrutura, e"panso
para os su)+r)ios e uma reengenharia total, no s da cidade como de toda a regio metro-
politana, ele a4udou a resolver o pro)lema da aplicao do dinheiro. 2ara tanto, Moses uti-
li*ou novas institui#es financeiras e esquemas tri)ut(rios que li)eravam o crdito para fi-
nanciar a e"panso ur)ana. Aevado, em m)ito nacional, a todos os grandes centros me-
tropolitanos do pas, esse processo teve papel crucial na esta)ili*ao do capitalismo glo)aldepois de P@C, perodo em que os stados Qnidos conseguiram impulsionar toda a econo-
mia mundial no comunista acumulando dficits comerciais.
0 chamada su)ur)ani*ao dos stados Qnidos no envolveu apenas a renovao
da infraestrutura. Domo na 2aris do 'egundo >mprio, acarretou uma transformao radi-
cal no estilo de vida, tra*endo novos produtos, desde casas at geladeiras e aparelhos de ar-
condicionado, assim como dois carros na garagem e um enorme aumento no consumo de
petrleo. Sam)m alterou o panorama poltico, pois a casa prpria su)sidiada para a classe
mdia mudou o foco de ao da comunidade, que passou para a defesa dos valores da pro-priedade e da identidade individual, inclinando o voto dos su)+r)ios para o conservadoris-
mo. 6i*ia-se que os donos da casa prpria, so)recarregados de dvidas, seriam menos pro-
pensos a entrar em greve.
sse pro4eto conseguiu garantir a esta)ilidade social, em)ora ao custo de esva*iar o
centro das cidades e gerar conflitos ur)anos entre aqueles, so)retudo negros, a quem foi
negado o acesso & nova prosperidade.
=o fim dos anos O, outro tipo de crise comeou a se desenrolar% Moses, tal como
aussmann, caiu em desgraa, e suas solu#es passaram a ser vistas como inapropriadas einaceit(veis. 5s tradicionalistas deram apoio & ur)anista e ativista Iane Iaco)s, autora de
Morte e !ida das Grandes Didades, e procuraram se contrapor ao modernismo )rutal dos
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pro4etos de Moses propondo uma esttica que voltava a valori*ar a vida nos )airros. Mas os
su)+r)ios 4( tinham sido construdos, e a mudana radical de estilo de vida que estes sim-
)oli*avam teve muitas consequ7ncias sociais, levando as feministas, por e"emplo, a procla-
mar que o su)+r)io era o sm)olo de todos os seus descontentamentos )(sicos.'e o pro4eto de aussmann teve papel importante na dinmica da Domuna de 2aris,
a vida sem alma dos su)+r)ios tam)m teve papel fundamental nos acontecimentos dra-
m(ticos de PO? nos stados Qnidos. studantes da classe mdia )ranca, insatisfeitos, en-
traram numa fase de revolta, )uscaram alianas com grupos marginali*ados que reivindi-
cavam seus direitos civis e uniram foras contra o imperialismo americano, criando um
movimento para construir um mundo diferente N incluindo uma e"peri7ncia ur)ana dife-
rente.
m 2aris, a campanha para deter a via e"pressa na margem esquerda do rio 'ena e adestruio de )airros tradicionais por torres e arranha-cus, como a Sorre Montparnasse,
influenciaram a revolta de O?. Hoi nesse conte"to que o socilogo e filsofo mar"ista enri
AefF)vre escreveu 0 1evoluo Qr)ana, que afirmava que a ur)ani*ao era essencial para
a so)reviv7ncia do capitalismo e, portanto, estava destinada a tornar-se um foco crucial da
luta poltica e de classes: e que a ur)ani*ao estava apagando as distin#es entre a cidade
e o campo, com a produo de espaos integrados em todo o territrio do pas. 2ara Aefe)-
vre, o direito & cidade tinha de significar o direito de comandar todo o processo ur)ano,
que ia ampliando seu domnio so)re o campo, por meio de fenmenos como o agronegcio,as casas de campo e o turismo rural.
Iunto com a revolta de O? veio a crise das institui#es de crdito que tinham alimen-
tado o )oom imo)ili(rio nas dcadas anteriores. 0 crise ganhou fora no final dos anos O,
at que todo o sistema capitalista entrou em queda, comeando com o estouro da )olha
imo)ili(ria mundial em PTE, seguido pela fal7ncia fiscal da cidade de =ova Ror3 em PTC.
aamos outro salto adiante, agora para a atualidade. 5 capitalismo internacional 4(
vinha de uma montanha-russa de que)ras regionais N a crise asi(tica de PPTNP?: arussa de PP?: a argentina de L N, mas at recentemente tinha evitado uma que)ra glo-
)al, mesmo diante de uma incapacidade crnica de utili*ar o capital e"cedente.H$ual foi o papel da ur)ani*ao para esta)ili*ar essa situao/ =os stados Qnidos,
o consenso que o setor imo)ili(rio foi um importante esta)ili*ador da economia, em es-
pecial aps o estouro da )olha da alta tecnologia do fim dos anos P. 5 mercado imo)ili(-
rio a)sorveu diretamente grande volume de dinheiro, atravs da construo de resid7ncias
e escritrios no centro das cidades e nos su)+r)ios: ao mesmo tempo, o aumento do preo
dos imveis N apoiado por uma onda perdul(ria de refinanciamento de hipotecas a um4uro )ai"o recorde N impulsionou o mercado interno americano de servios e )ens de con-
sumo.
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0 e"panso ur)ana americana serviu para esta)ili*ar, parcialmente, a economia glo -
)al, com os stados Qnidos acumulando enormes dficits comerciais em relao ao resto
do mundo e tomando emprestado cerca de L )ilh#es de dlares por dia para alimentar seu
insaci(vel consumismo e suas guerras no 0feganisto e no >raque.Mas o processo ur)ano sofreu uma transformao de escala. m resumo, ele se glo-
)ali*ou. Booms imo)ili(rios na Gr-Bretanha, na spanha e em muitos outros pases a4u-
daram a alimentar uma dinmica capitalista muito parecida com a que se desenvolveu nos
stados Qnidos.
0 ur)ani*ao da Dhina nos +ltimos vinte anos teve um car(ter diferente, com foco
intenso no desenvolvimento da infraestrutura, mas ainda mais importante que a dos s-
tados Qnidos. 'eu ritmo se acelerou enormemente depois de uma )reve recesso em PPT,
a tal ponto que a Dhina vem usando quase a metade de todo o cimento mundial desdeL. Mais de cidades chinesas 4( ultrapassaram a marca de milho de moradores
nesse perodo, e lugares que antes eram pequenas aldeias, como 'hen*hen, se tornaram
grandes metrpoles de O a milh#es de pessoas. !astos pro4etos de infraestrutura, inclu-
indo )arragens e autoestradas, esto transformando a paisagem.
0 Dhina no passa do epicentro de um processo de ur)ani*ao que agora se tornou
verdadeiramente glo)al, em parte devido & espantosa integrao dos mercados financeiros,
que usam sua fle"i)ilidade para financiar o desenvolvimento ur)ano em todo o mundo. 5
Banco Dentral chin7s, por e"emplo, teve forte atuao no ;mercado secund(rio de hipote-cas< nos stados Qnidos, enquanto o )anco Goldman 'achs esteve muito envolvido na alta
do mercado imo)ili(rio em Mum)ai, na Undia, e o capital de ong Vong vem investindo na
cidade americana de Baltimore.
m meio a uma en"urrada de imigrantes po)res, a construo civil disparou em
Ioanes)urgo, Saipei e Moscou, assim como em cidades dos pases capitalistas centrais,
como Aondres e Aos 0ngeles. 2ro4etos de megaur)ani*ao espantosos, quando no crimi-
nalmente a)surdos, surgiram no 5riente Mdio, em lugares como 6u)ai e 0)u 6ha)i, a)-
sorvendo o e"cesso da rique*a petrolfera com o m("imo possvel de ostentao, in4ustiasocial e desperdcio am)iental.
ssa escala glo)al torna difcil entender que o que est( acontecendo , em princpio,
semelhante &s transforma#es que aussmann comandou em 2aris. 2ois o )oom da ur)a-
ni*ao glo)al dependeu, tal como todos os outros antes dele, da construo de novas insti-
tui#es e arran4os financeiros que organi*em o crdito necess(rio para sustent(-la. 0s ino-
va#es financeiras iniciadas nos anos ? N como a revenda em todo o mundo de papis las-
treados nas dvidas hipotec(rias N tiveram papel crucial. 'eus muitos )enefcios incluam a
disperso do risco, o que no significou elimin(-lo.'em controles adequados, essa onda de ;financeiri*ao< se transformou na chama-
da crise das hipotecas podres e do valor dos imveis. 0s consequ7ncias se concentraram,
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primeiro, nas cidades americanas e em torno delas, com implica#es particularmente
graves para os negros de )ai"a renda e famlias chefiadas por mulheres solteiras. 0 crise
tam)m afetou aqueles que, sem poder pagar os preos e"or)itantes da ha)itao nos
centros ur)anos, foram forados a morar nas semiperiferias metropolitanas. =esseslugares, as pessoas compraram a 4uros, inicialmente )ai"os, casas padroni*adas em
condomnios construdos especulativamente: com a crise, passaram a enfrentar o aumento
do custo do transporte para o tra)alho e das presta#es da hipoteca.
omo em todas as fases anteriores, a e"panso mais recente do processo de ur)ani*a-
o trou"e consigo mudanas incrveis no estilo de vida. 0 qualidade da vida nas ci-
dades virou uma mercadoria, num mundo onde o consumismo, o turismo e as ind+strias
culturais e do conhecimento se tornaram aspectos importantes da economia ur)ana.
D0 tend7ncia ps-modernista de incentivar a formao de nichos de mercado, nos h(-
)itos de consumo e nas e"press#es culturais, envolve a e"peri7ncia ur)ana contempornea
numa aura de li)erdade de escolha N desde que se tenha dinheiro. 2roliferam os shopping
centers, cinemas multiple" e lo4as padroni*adas, as lanchonetes e as lo4as artesanais. Se-
mos agora, nas palavras da sociloga 'haron Wu3in, a ;pacificao pelo cappuccino
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nam muito mais difceis de sustentar. 0 redistri)uio privati*ada por meio de atividades
criminosas ameaa a segurana individual a cada passo, provocando a demanda popular
pela represso policial. 0t mesmo a ideia de que a cidade possa funcionar como um corpo
poltico coletivo, um lugar dentro do qual e a partir do qual possam emanar movimentossociais progressistas, parece implausvel. (, porm, movimentos sociais ur)anos tentan-
do superar o isolamento e remodelar a cidade segundo uma imagem diferente daquela
apresentada pelas incorporadoras imo)ili(rias, apoiadas pelos financistas, as grandes cor-
pora#es e um aparato estatal local com mentalidade cada ve* mais influenciada pelos ne-
gcios.
investimento capitalista na transformao das cidades tem um aspecto ainda mais
sinistro. le acarretou repetidas ondas de reestruturao ur)ana atravs da ;des-truio criativa
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=os dois casos, 2aris e =ova Ror3, depois que a resist7ncia conseguiu conter as de-
sapropria#es promovidas pelo stado, um processo mais insidioso se instalou por meio
da especulao imo)ili(ria e da destinao dos terrenos para os que deles fi*essem ;maior
e melhor usosso acontece, so)retudo, com as casas dos tra)alhadores
que t7m uma locali*ao central e cu4o aluguel, mesmo com o m("imo de superlo-tao, no poder( 4amais, ou apenas muito lentamente, aumentar acima de um cer-
to limite. las so derru)adas e no seu lugar so construdas lo4as, arma*ns e edi-
fcios p+)licos.
m)ora essa descrio se4a de ?TL, ela se aplica diretamente ao desenvolvimento
ur)ano contemporneo em )oa parte da Ysia N =ova 6elhi, 'eul, Mum)ai N e & gentrifica-
o de =ova Ror3. Qm processo de deslocamento, e o que chamo de ;acumulao por desa-
propriao
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da terra mais rent(vel, com condomnios ou lo4as. $uando esse procedimento foi contesta-
do na 'uprema Dorte americana, os 4u*es decidiram que era constitucional que os munic-
pios se comportassem dessa maneira, a fim de aumentar sua arrecadao com os impostos
imo)ili(rios.=a Dhina, milh#es de pessoas esto sendo despe4adas dos espaos que ocupam h(
longo tempo N E milh#es s em 2equim. Domo no possuem direitos de propriedade, o s-
tado pode simplesmente remov7-las por decreto, oferecendo um pequeno pagamento para
a4ud(-las na transio antes de entregar a terra para as construtoras, com grandes lucros.
m alguns casos, as pessoas se mudam de )oa vontade, mas tam)m h( relatos de resis-
t7ncia generali*ada: contra esta, a reao ha)itual a represso )rutal do 2artido Domu-
nista.
o que di*er da proposta aparentemente progressista de conceder direitos de pro-priedade privada a popula#es de assentamentos informais, fornecendo-lhes recursos que
lhes permitam sair da po)re*a/ Sal sistema est( sendo sugerido para as favelas do 1io de
Ianeiro, por e"emplo. 5 pro)lema que os po)res, sofrendo com a insegurana de renda e
frequentes dificuldades financeiras, podem ser facilmente persuadidos a trocar sua casa
por um pagamento relativamente )ai"o em dinheiro. 5s ricos normalmente se recusam a
ceder seus ativos a qualquer preo, e por isso que Moses pde atacar com sua machadi-
nha o Bron", uma (rea de )ai"a renda, mas no a 2ar3 0venue.
5 efeito duradouro da privati*ao feita por Margaret Shatcher da ha)itao socialna Gr-Bretanha foi criar uma estrutura de renda e de preos em toda a (rea metropolitana
de Aondres que impede as pessoas de )ai"a renda, e at mesmo de classe mdia, de ter
acesso & moradia em qualquer lugar perto do centro ur)ano. 2osso apostar que dentro de
quin*e anos, se as tend7ncias atuais continuarem, todos os morros do 1io agora ocupados
por favelas estaro co)ertos por prdios altos com uma vista fa)ulosa, enquanto os antigos
moradores das favelas tero sido filtrados, e"cludos e estaro morando em alguma perife-
ria remota.
ur)ani*ao, podemos concluir, vem desempenhando um papel fundamental no
reinvestimento dos lucros, a uma escala geogr(fica crescente, mas ao preo de criar
fortes processos de destruio criativa que espoliaram as massas de qualquer direito & ci-
dade. 5 planeta como canteiro de o)ras se choca com o ;planeta das favelas
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( sinais de re)elio por toda parte% as agita#es na Dhina e na Undia so crnicas,
travam-se fero*es guerras civis na Yfrica, a 0mrica Aatina est( em efervesc7ncia. $ual-
quer uma dessas revoltas pode se tornar contagiosa. 0o contr(rio do sistema financeiro,
entretanto, os movimentos sociais ur)anos e das periferias das cidades no t7m em geralcone"o uns com os outros. se, de alguma forma, eles vierem a se unir, o que deveriam
e"igir/
0 resposta a essa pergunta )astante simples em princpio% um maior controle de-
mocr(tico so)re a produo e a utili*ao do lucro. uma ve* que o processo ur)ano um
dos principais canais de uso desse dinheiro, criar uma gesto democr(tica da sua aplicao
constitui o direito & cidade. 0o longo de toda a histria do capitalismo, uma parte do lucro
foi tri)utada, e em fases social-democratas a proporo & disposio do stado aumentou
significativamente. 5 pro4eto neoli)eral dos +ltimos trinta anos caminhou para privati*aresse controle.
5s dados para todos os pases da 5rgani*ao para a Dooperao e 6esenvolvimen-
to conmico mostram, porm, que a fatia estatal da produo )ruta tem sido mais ou me-
nos constante desde os anos T. 0ssim, a principal conquista neoli)eral foi evitar que a
parcela p+)lica se ampliasse, como ocorreu nos anos O. 5 neoli)eralismo tam)m criou
novos sistemas de governana que integraram os interesses estatais e empresariais, garan-
tindo que os pro4etos governamentais para as cidades favoream as grandes empresas e as
classes mais altas. 0umentar a proporo do dinheiro em poder do stado s ter( um im-pacto positivo se o prprio stado voltar a ficar so) controle democr(tico.
0 cada m7s de 4aneiro, o stado de =ova Ror3 pu)lica uma estimativa do total de
)nus concedidos aos altos e"ecutivos pelos )ancos e financeiras de [all 'treet nos do*e
meses anteriores. m LT, um ano desastroso para os mercados financeiros, os )nus to-
tali*aram EE,L )ilh#es de dlares, apenas L\ menos que no ano anterior. m meados de
LT, os )ancos centrais americano e europeu in4etaram )ilh#es de dlares em crditos de
curto pra*o no sistema financeiro para garantir a sua esta)ilidade: em seguida o Banco
Dentral americano redu*iu drasticamente as ta"as de 4uros e in4etou vastas quantidades dedinheiro no mercado a cada ve* que o ndice da Bolsa de !alores ameaava despencar.
nquanto isso, cerca de L milh#es de pessoas foram despe4adas por no poder mais
pagar as presta#es de suas casas. Muitos )airros em diversas cidades americanas foram
co)ertos de tapumes e vandali*ados, destrudos pelas pr(ticas predatrias de emprstimos
das institui#es financeiras. ssa populao no rece)eu nenhum )nus. ssa assimetria
no pode ser interpretada como nada menos que uma forma macia de confronto de clas-
ses.
=o entanto, ainda no vimos uma oposio coerente a esses fatos no sculo ZZ>. I(e"istem em muitos pases, claro, movimentos sociais focados na questo ur)ana. m L,
o Brasil aprovou o statuto da Didade, depois de anos de presso de movimentos sociais
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pelo reconhecimento do direito coletivo & cidade. Mas esses movimentos no convergiram
para o o)4etivo +nico de ganhar mais controle so)re os usos do dinheiro N e muito menos
so)re as condi#es da sua produo.
=esse ponto da histria, essa tem de ser uma luta glo)al, predominantemente con-tra o capital financeiro, pois essa a escala em que ocorrem ho4e os processos de ur)ani*a-
o. 'em d+vida, a tarefa poltica de organi*ar um tal confronto difcil, se no desanima-
dora. Mas as oportunidades so m+ltiplas, pois, como mostra esta )reve histria, as crises
eclodem repetidas ve*es em torno da ur)ani*ao e a metrpole ho4e o ponto de confron-
to N ousaramos chamar de luta de classes/ ] a respeito da acumulao de capital pela de-
sapropriao dos menos favorecidos e do tipo de desenvolvimento que procura coloni*ar
espaos para os ricos.
Qm passo para a unificao dessas lutas adotar o direito & cidade, como slogan ecomo ideal poltico, precisamente porque ele levanta a questo de quem comanda a relao
entre a ur)ani*ao e o sistema econmico. 0 democrati*ao desse direito e a construo
de um amplo movimento social para fa*er valer a sua vontade so imperativas para que os
despossudos possam retomar o controle que por tanto tempo lhes foi negado e instituir
novas formas de ur)ani*ao. Aefe)vre estava certo ao insistir em que a revoluo tem de
ser ur)ana, no sentido mais amplo do termo: do contr(rio, no ser( nada.