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1 DE COMERCIANTE A LÍDER FARROUPILHA: A ASCENSÃO COMERCIAL E A PARTICIPAÇÃO DE ANTONIO VICENTE DA FONTOURA NA REVOLUÇÃO FARROUPILHA (1835 1845) CRISTIANO SOARES CAMPOS Mestrando do PPGH UFSM [email protected] 1. Vicente da Fontoura: Sua família, a vila de Cachoeira, a fronteira platina, e os primeiros passos no Comércio e na Política. Em 1835, na província do Rio Grande de São Pedro, um grupo da elite, composto por estancieiros, militares, charqueadores, comerciantes e sacerdotes, articulou uma rebelião contra as autoridades representativas do Império brasileiro. Aos poucos, com justificativas que atendiam a situação econômica da Província e com propostas políticas visando interesses pessoais, conquistaram grande parte dos municípios rio-grandenses. Existe uma vasta historiografia produzida sobre a Revolução Farroupilha, entretanto, apesar da importância dos comerciantes na economia e na politica durante o período colonial e depois da Proclamação da Independência há certo silenciamento historiográfico a respeito da inserção e atuação dos comerciantes no conflito. Em função disso, torna-se imprescindível compreender melhor a participação de indivíduos desse grupo econômico durante a Guerra dos Farrapos e, Antonio Vicente da Fontoura foi um dos indivíduos mais destacados naquela conjuntura. Segundo Antunes (1935), Antônio Vicente da Fontoura, nasceu em 8 de Janeiro de 1807, em Rio Pardo. Segundo os dados estatísticos da província para o ano de 1814, o município, era um dos centros mais populosos do território Rio-grandense, contava, então, com 10.445 habitantes, enquanto Cachoeira, Rio Grande e Porto Alegre tinham uma população muito inferior a esse número. Entre as famílias que moravam em Rio Pardo, na época, uma das de maior prestígio na região era a do agrimensor Euzébio Manuel Antônio, casado com Dª Vicência Cândida da Fontoura. Euzébio era filho do português Crisonio Gonçalves, casado com uma lisboeta Dª Brígida Ignacia. A esposa do agrimensor, Dª Cândida, era

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DE COMERCIANTE A LÍDER FARROUPILHA: A ASCENSÃO COMERCIAL

E A PARTICIPAÇÃO DE ANTONIO VICENTE DA FONTOURA NA

REVOLUÇÃO FARROUPILHA (1835 – 1845)

CRISTIANO SOARES CAMPOS

Mestrando do PPGH – UFSM

[email protected]

1. Vicente da Fontoura: Sua família, a vila de Cachoeira, a fronteira platina, e os

primeiros passos no Comércio e na Política.

Em 1835, na província do Rio Grande de São Pedro, um grupo da elite,

composto por estancieiros, militares, charqueadores, comerciantes e sacerdotes,

articulou uma rebelião contra as autoridades representativas do Império brasileiro. Aos

poucos, com justificativas que atendiam a situação econômica da Província e com

propostas políticas visando interesses pessoais, conquistaram grande parte dos

municípios rio-grandenses.

Existe uma vasta historiografia produzida sobre a Revolução Farroupilha,

entretanto, apesar da importância dos comerciantes na economia e na politica durante o

período colonial e depois da Proclamação da Independência há certo silenciamento

historiográfico a respeito da inserção e atuação dos comerciantes no conflito. Em função

disso, torna-se imprescindível compreender melhor a participação de indivíduos desse

grupo econômico durante a Guerra dos Farrapos e, Antonio Vicente da Fontoura foi um

dos indivíduos mais destacados naquela conjuntura.

Segundo Antunes (1935), Antônio Vicente da Fontoura, nasceu em 8 de Janeiro

de 1807, em Rio Pardo. Segundo os dados estatísticos da província para o ano de 1814,

o município, era um dos centros mais populosos do território Rio-grandense, contava,

então, com 10.445 habitantes, enquanto Cachoeira, Rio Grande e Porto Alegre tinham

uma população muito inferior a esse número.

Entre as famílias que moravam em Rio Pardo, na época, uma das de maior

prestígio na região era a do agrimensor Euzébio Manuel Antônio, casado com Dª

Vicência Cândida da Fontoura. Euzébio era filho do português Crisonio Gonçalves,

casado com uma lisboeta Dª Brígida Ignacia. A esposa do agrimensor, Dª Cândida, era

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filha do mato-grossense João Peixoto de Azevedo e de uma rio-pardense Dª Jeronyma

Velloso da Fontoura. Antônio Vicente da Fontoura era filho de Euzébio e Cândida, e

representava o protótipo das gerações que sucederam os colonizadores da província.

O termo “família”, no contexto do século XIX, difere do conceito ao qual

estamos habituados atualmente. Segundo Mota (2012):

*

O termo “família” compreendia um grupo que ia além da consanguinidade e

coabitação, podendo abranger membros de outras famílias, sugerindo

“relações rituais, como as de compadrio, ou de aliança política”. Alianças

tecidas em torno de um “chefe de família”. Permeando estas relações estavam

os laços de parentesco. (p. 41).

*

É importante entendermos de que forma funcionava essa relação familiar, pois

estas relações se entrelaçavam com as alianças políticas e comerciais. O que fica

evidente no caso de Antonio Vicente da Fontoura, que após o findar da Revolução

Farroupilha, retornou para Cachoeira e fundou o Partido Liberal junto a seu cunhado

Portinho.

A importância da região de Cachoeira, nos meados dos oitocentos favoreceu a

ascensão comercial de Antônio Vicente da Fontoura. Segundo Fagundes (2009) o

destaque da região está ligado a sua localização estratégica geográfica, devido a sua

proximidade com a bacia hidrográfica do Jacuí, rio que era uma das rotas mais

importantes para o deslocamento de mercadorias e de pessoas na província.

Talvez por essa razão, Vicente da Fontoura mudou-se para a vila de Cachoeira,

onde este iniciou sua carreira comercial como caixeiro. Fontoura permaneceria neste

emprego por dois anos e soube aproveitar as oportunidades surgidas para desenvolver

sua carreira comercial.

Para um comerciante, o fato de Cachoeira ser banhada pelo Jacuí, que possuía

ligação direta com a Lagoa dos Patos, que, por sua vez, liga-se ao porto de Rio Grande,

é algo muito importante. Era através dessa conexão fluvial que o centro da Província

alcançava o litoral, por onde se espraiavam as primeiras formas de ocupação dos

campos de Viamão, além de Porto Alegre e arredores, sendo um ponto no comércio

marítimo no período. Segundo Fagundes (2009), pelo rio Jacuí e seus afluentes deu-se a

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penetração e ocupação efetiva no sentido leste/oeste do Rio Grande do Sul desde o

inicio da ocupação das terras do interior da capitania depois da província.

O comércio dentre tantas ligações envolvia zona rural e zona urbana, entre

centros administrativos e/ou portos da Província. Nesse contexto os comerciantes eram

os intermediários dos criadores de gado e dos charqueadores e, devido aos seus

interesses e negócios, transitavam pela fronteira. O que lhes possibilitava oportunidades

de lucros suficientes para, até mesmo, adquirir propriedades na região da Banda

Oriental, como nos discutiu Vargas (2013) sobre as estancias da fronteira.

*Além das vantagens apresentadas por Vargas (2013), Souza (2008) nos fala que

a segurança e os valores dos frentes atraiam os comerciantes farroupilhas ao espaço

fronteiriço platino. Segundo Souza (2008):

Além dos fretes e seguros mais baratos, de qualquer parte do mundo para

Montevidéu, devia-se agregar ainda os prejuízos que no litoral rio-grandense

resultavam das resultavam das baldeações, mutilações de volantes, extravios

e avarias que representavam capitais imobilizados. (p. 161).

Entendemos que o conceito de Fronteira tem recebido atenção especial na

historiografia nos últimos anos. Atualmente o conceito de fronteira vem de encontro

com a ideia de entender esta como um espaço socialmente construído, com

características e dinâmicas próprias, abandonando a perspectiva de que a fronteira

apenas enfatiza o conflito e a violência.

As complexas e variadas relações que se desenvolvem em tal espaço tem sido

analisadas a partir da ótica social que compreende um extenso leque de

manifestações, tais como as relações intra e interétnicas, os processos de

mestiçagem, de etno-gênese, os intercâmbios econômicos e culturais entre

outros. (S.LOPES; ORTELLI, 2006. p.13).

A fronteira no século XIX ao qual desenvolvemos nossos estudos transcende o

que hoje conhecemos como limites políticos, no caso dos farroupilhas a fronteira

presente no século XIX pode ser caracterizada que se estendia até onde iam seus

interesses econômicos, o comércio e suas influências, não se restringindo a limites

políticos.

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Devemos entender a fronteira no século XIX como um espaço de integração, de

trocas comerciais, de interesses econômicos e de grande circulação intelectual, em que

elite farroupilha soube muito bem se utilizar deste espaço para formar suas ideias a

serem implementadas na República Rio-grandense e período posterior. Comerciantes,

como Antônio Vicente da Fontoura, pertencente à elite farroupilha, por diversas vezes

utilizaram-se do porto de Montevidéu para escoar sua produção, o que mais uma vez

indica a integração característica desse espaço fronteiriço platino ao longo do século

XIX.

Entendermos os negócios realizados pelos comerciantes neste espaço fronteiriço

platino requer que observemos outros aspectos sociais, como, por exemplo, os

casamentos. Antonio Vicente da Fontoura casou-se, em 1829, com Dª. Clarinda Porto.

Segundo Mota (2012), neste período os casamentos eram considerados uma

possibilidade de bons negócios, poderiam ser utilizados como estratégia pelas famílias

de elite com o objetivo de multiplicar suas fortunas, e também maneira para o

estabelecimento de serem formadas alianças com comerciantes melhores situados. O

vínculo se forjava quase sempre através dos rapazes, que desposavam filhas de

negociantes prósperos.

Casado e estabelecido comercialmente Antônio Vicente da Fontoura iniciaria

sua carreira política em 1830, elegendo-se vereador de Cachoeira pelo Partido Liberal.

Já em 1831, foi nomeado procurador fiscal da Câmara Municipal, (ROSA, 1935).

A ascensão política de Vicente da Fontoura se dá de forma bastante rápida, já em

1832, segundo Flores (2008), Fontoura recebeu a patente de Capitão da recém-criada

Guarda Nacional, sendo promovido pouco depois a Major. Segundo Ribeiro (2005), até

1837, os oficiais da Guarda Nacional eram eleitos por votos dos Guardas nacionais, o

que caracteriza então a destacada posição de Fontoura neste momento. Reeleito

Vereador, exerceu também as funções de Juiz de Paz e de Juiz Ordinário em Cachoeira,

cargo que ocupava quando teve início a Revolução Farroupilha em 1835.

2. A inserção e os postos assumidos por Vicente da Fontoura ao longo da Guerra

dos Farrapos.

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Segundo Fagundes (2009), devemos analisar a Revolução Farroupilha como

uma rebelião feita por uma “elite” e para uma “elite”, uma vez que procurou suprir

interesses próprios, e a busca das liberdades individuais não ultrapassou os limites que

circundavam o grupo. As questões cruciais como a escravidão, foram tratadas na

medida em que o esforço de guerra necessitava de novos braços armados, mesmo de

cativos.

Sobre o grupo dos Farrapos, Padoin (2001) destaca que este era composto não só

por estancieiros, militares, charqueadores, comerciantes, sacerdotes, que pertenciam à

elite farroupilha, mas também por soldados, muitos deles negros e mulatos, que foram

considerados por Raul Carrion (2005, p.7) a “Tropa de choque do exército farroupilha”,

onde estes acabaram pagando “com o serviço militar a liberdade do cativeiro”

(GUAZZELLI, 2005, p.2-3).

Essas elites, no entanto, não foram para o campo de batalha sozinhas, para isso

tiveram de arregimentar homens (escravos, ex-escravos e pobres livres), que nem

sempre foram espontaneamente para o front de batalha. Como mostra Ribeiro (2005), a

convocação militar muitas vezes “aterrorizava” os chefes de famílias, camponeses, e

seus filhos, obrigando-os a ocultar-se nos matos, como forma de deixar o perigo se

afastar. Quanto aos escravos, a promessa de liberdade serviu como forma de cooptação

na esperança de liberdade; (FAGUNDES, 2009).

Como observamos, parte dos líderes da Revolução Farroupilha eram

comerciantes e estancieiros, e estes, possuíam terras e gados ou eram grandes

negociantes, como no caso de Antonio Vicente da Fontoura. Podemos analisar o

significado dessa condição no que a historiadora Sandra Pesavento (1985), chamou de

“inserção de classe”, ao se referir ao general Bento Gonçalves “como integrante da

camada dominante rio-grandense, que tinha seus interesses ligados ao gado, à terra e aos

escravos”, (PESAVENTO, 1985, p.48).

Segundo Fagundes (2009), o exército farroupilha necessitava destes grandes

proprietários, pois eles possuíam condições de se armar com financiamento próprio e

também arregimentar homens durante a guerra. Nos períodos críticos de guerra, que

exigiam a proteção do espaço, era necessário alguém que pudesse financiar um batalhão

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de soldados, possuindo condições para comprar além do armamento, a farda e prover o

seu sustento da tropa.

Não devemos entender que os estancieiros e comerciantes participaram da

Guerra dos Farrapos apenas por interesses dos líderes Farroupilhas. Deve-se observar

que estancieiros e comerciantes viam-se contrariados em seus interesses econômicos

pela política imperial, que prejudicava os negócios da indústria charqueadora ao facilitar

a entrada da produção dos saladeiros platinos a preços menores. Sendo assim também

possuíam interesses particulares para participarem do conflito, (FAGUNDES, 2009)

Como escreveu Spencer Leitman (1979, p.102), os comerciantes e estancieiros

“se tornaram porta-vozes das reivindicações políticas e econômicas da Província” e as

“forças políticas eram centristas e separatistas”.

Os comerciantes foram inseridos à Revolução Farroupilha devido à militarização

que era cada vez mais comum como estratégia política portuguesa. Segundo Fagundes

(2009) a militarização da sociedade, em especial da província sulina, fazia parte de uma

estratégia portuguesa que foi sendo construída ainda nos tempos coloniais. Desde as

primeiras capitanias, os donatários receberam poderes militares. Segundo Ribeiro

(2005), essa foi a fórmula encontrada pela Coroa para garantir os domínios sobre o

território.

Com isso a posse da terra e o militarismo foram meios largamente utilizados

pelos portugueses, bem como a concessão de poderes militares a alguns donatários que

passaram a ter poder de mando. Em contrapartida, os demais colonos deviam-lhe

obediência e, quando necessário, eram incorporados as forças armadas.

Segundo Antunes (1935), a primeira ação de destaque de Antonio Vicente da

Fontoura durante a Guerra dos Farrapos teria como palco justamente a sua terra natal,

Rio Pardo. Na ocasião, José Joaquim de Andrade Neves, que mais tarde receberia o

titulo de Barão do Triunfo, então Major Imperial, reuniu imediatamente seus

correligionários numa tentativa de eliminar os Farroupilhas que buscavam o domínio

político da região. No dia 26 de Setembro, Antonio Vicente da Fontoura partiu de

Cachoeira a frente de duzentos Guardas Nacionais, tendo como demais companheiros e

comandantes, Gaspar Francisco Gonçalves e Manduca Carvalho, para auxiliar os

Liberais da região de Rio Pardo.

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A batalha entre o exército de Vicente da Fontoura e Andrade Neves durou de 29

de setembro à 3 de outubro, com vitória de Antonio Vicente da Fontoura, não foi um

embate de maiores consequências devido a uma intervenção de Bento Gonçalves, que

resultou na renúncia ao posto de Andrade Neves e sua retirada da região, (ANTUNES,

1935).

Este episódio solidifica a confiança das lideranças Farroupilhas sob Vicente da

Fontoura e torna cada vez mais crescente a importância e a influência deste na região de

Cachoeira. Evidência disto é que João de Araújo Ribeiro, indicado presidente da

Província, e Bento Manoel procuraram seu apoio por ocasião da reunião da Assembleia

Provincial que não reconheceu a autoridade de Araújo Ribeiro como presidente da

Província.

Com o aumento do prestígio sua ascensão comercial e política é cada vez mais

intensa, e em 14 de dezembro de 1835, Marciano Pereira Ribeiro, então vice-Presidente

da Província, mandaria um ofício a Vicente da Fontoura nomeando-o Major da Guarda

Nacional, cargo que viria a assumir de forma oficial em 3 de fevereiro de 1836,

(ANTUNES, 1935).

Os primeiros meses de Vicente da Fontoura frente o cargo de Major de Legião

foram de trabalho incessante, reunindo e disciplinando seus homens, recrutas, e pondo

os líderes do movimento a par dos movimentos de Bento Manoel, que continuava sendo

um inimigo perigoso às pretensões farroupilhas. Depois dos acontecimentos em que

Vicente da Fontoura foi personagem ativo, desde abril de 1836, até o fim de 1837,

viajando a diversas localidades como Cachoeira, Caçapava, Piratini, São Gabriel e Rio

Pardo, (ANTUNES, 1935).

Em novembro de 1836, foram eleitos pelos Republicanos os homens que

deveriam governar o novo Estado Republicano. Dessa eleição saíram vitoriosos os

nomes de Bento Gonçalves para Presidente e de Antonio Paulo da Fontoura, parente

próximo de Vicente da Fontoura, para a Vice-presidência, sendo ao mesmo tempo

organizado o Ministério dos Farrapos. Dentre os farrapos, Vicente da Fontoura possuía

outros parentes, além de Antonio Paulo, seu cunhado, José Gomes Portinho, e seu

primo, Fructuoso Borges da Fontoura.

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Os Farroupilhas eleitos logo enfrentariam problemas com seus adversários. Dias

depois das eleições, ocorridas ainda em novembro de 1836, é expedida uma ordem de

prisão contra Vicente da Fontoura e os demais defensores dos ideais farroupilhas, pelo

então Juiz de Paz de Porto Alegre, Manoel José da Câmara, que colocava Vicente da

Fontoura como um dos principais líderes da Revolução Farroupilha. A ordem de

Câmara consistia em prender os principais líderes da Revolução Farroupilha e enviá-los

para uma prisão no Rio de Janeiro.

Segundo Antunes (1935), anos mais tarde, em 1838, ocorreria um dos momentos

mais importantes dos Farroupilhas ao longo da Guerra dos Farrapos, no dia 30 de abril,

os farroupilhas conquistaram a vila legalista de Rio Pardo. Vicente da Fontoura é então

nomeado Chefe da Polícia de Rio Pardo, e em junho deste ano como vereador da

Câmara de Cachoeira. Então resolveu reunir seus colegas e reiniciar os trabalhos há

muito tempo suspensos devido ao conflito, exemplo disso foram as diversas câmaras

municipais que tiveram suas atividades suspensas neste período. Talvez em parte como

reflexo disso, Vicente da Fontoura renunciou o cargo de Vereador da Câmara de

Cachoeira em julho de 1838, para assumir o cargo de Chefe de Polícia de Rio Pardo.

O cargo fez com que Vicente da Fontoura se retirasse dos serviços de campanha,

tendo em vista os diversos compromissos e tarefas que o trabalho exigia. Em novembro

do mesmo ano, foram expedidas ordens, declarando que os coletores, escrivães e

guardas de coletorias, ficavam dispensados dos serviços da campanha por não poderem

ser distraídos de suas funções. Vicente da Fontoura ficaria da função de chefe de Polícia

de Rio Pardo por um ano, quando em 1839 seria transferido para Cruz Alta, onde

encontramos seus registros até 1840.

O ano de 1841 seria marcado por ser um dos momentos mais importantes de nosso

personagem durante a Guerra dos Farrapos. Neste ano Fontoura chefiou a missão

diplomática da República Rio-Grandense a Montevidéu, ocasião em que selou aliança

entre os farroupilhas e o líder uruguaio Fructuoso Rivera, de quem Vicente da Fontoura

tornaria-se amigo. Este acontecimento é importante, pois será utilizado mais tarde pelos

farroupilhas como justificativa a indicação de Vicente da Fontoura como negociador da

paz com o governo central brasileiro, (ANTUNES,1935).

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O governo Farroupilha via-se cercado pelas mais duras necessidades. Num

determinado momento em 1841, Domingos José de Almeida (então Ministro da

Fazenda), desgastado pelos problemas, como, por exemplo, falta de recursos e a perda

de confiança naqueles que por muito tempo considerou como aliados, resolveu chamar

Antonio Vicente da Fontoura para que este o substitui-se no cargo de Ministro da

Fazenda.

Segundo Antunes (1935), Vicente da Fontoura não hesitou em aceitar o cargo,

porém, meses mais tarde, Vicente da Fontoura se tornaria inimigo de Domingos José de

Almeida. Ao assumir seu novo cargo de Ministro da Fazenda, em dezembro de 1841,

Fontoura iniciou suas ações promovendo o saneamento das contas da República e

concentrou verbas no esforço de guerra, em contraste com as diretrizes orçamentárias

menos pragmáticas de seu antecessor, Domingos José de Almeida.

Alguns indícios apontam o que poderia ter causado essa briga entre Fontoura e

Almeida. Na obra de Antunes (1935), observaremos agora um exemplo, de erros

cometidos na administração de Domingos de Almeida que é uma das hipóteses da briga

entre estes comerciantes:

*

No tempo da administração de Almeida havia o Governo Farroupilha

encampado a chamada Estância da Música, porém, com graves

irregularidades, não tendo sido cumprido o contrato como deveria sê-lo. Por

isso procurou Fontoura averiguar o que havia e mandar avaliar a existência

da referida Estância. (p.67).

Antonio Vicente da Fontoura sofreu dos mesmos problemas de seu antecessor

Domingos de Almeida e, exausto dos compromissos exigidos pelo cargo, pediu

demissão um ano depois, sendo substituído por Luiz José Ribeiro Barreto.

Nos anos de 1842 e 1843, já podemos observar em Vicente da Fontoura o

proposito de transferir-se com a família para a República do Paraguai, desgastado pelos

incômodos políticos causados pelos trabalhos nos ofícios e compromissos assumidos ao

longo da Guerra dos Farrapos.

Conforme Spalding (1969), no final de 1844, Vicente da Fontoura depois de ver

prevalecer seu ponto de vista contrário à manutenção da guerra, foi escolhido pelo

governo Rio-Grandense para conduzir as negociações de um Tratado de Paz com o

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governo central brasileiro. No dia 2 de novembro de 1844, David Canabarro reúne-se

com Vicente da Fontoura para dizer-lhe que o Presidente da Província desejava que ele

fosse ao Rio de Janeiro com o intuito de dar seguimento às negociações de Paz. Esta

indicação é descrita pelo próprio Antonio Vicente da Fontoura em seu Diário (1984):

*

Passo real do Jaguarão, no Menezes, 3 de Novembro de 1844.

Ontem, logo depois do toque de alvorada, mandou o General Canabarro

chamar-me para dizer-me que o Presidente desejava que eu fosse com o

Padre Chagas ao quartel general do Barão de Caxias, a fim de prosseguirem

as negociações de paz. Respondi que estava pronto e depois de havermos

conferenciado com o Presidente, marchamos e hoje temos parado neste

ponto, esperando a contestação do Barão, que deve ser o salvo-conduto para

nossa entrada no campo imperial. [...]” (p. 141).

*

Após a indicação, Vicente da Fontoura é enviado ao Rio de Janeiro, com o

objetivo de negociar os termos de acordo que possibilitaria a reintegração do Rio

Grande do Sul ao Império do Brasil, além de “trocar” alguns prisioneiros imperiais por

farroupilhas, como relata em seu Diário (1984):

*

“Amanhã é minha marcha para o Rio de Janeiro. Devo primeiro ir ao campo

do Barão de Caxias para reunir-me com o outro que ele manda de sua parte.

Vão comigo uns prisioneiros para serem trocados por outros que estão no

campo imperial.” (p. 143-144).

*

O retornar ao Rio Grande, Fontoura empreendeu diversas viagens pelos

territórios sob controle farroupilha a fim de convencer as lideranças locais e militares a

aceitar os termos da Paz, assinado. Concluída em 1º de março de 1845, a Paz de Ponche

Verde proibiu punições ou retaliações aos líderes republicanos rio-grandenses, concedeu

compensações financeiras para o Rio Grande do Sul garantiu a emancipação de todos os

escravos que serviram no Exército Rio-Grandense, (LAYTANO, 1983).

Com o fim da Guerra dos Farrapos, Vicente da Fontoura voltou a dedicar-se ao

comércio e à política local em Cachoeira, onde permaneceria até o final de seus dias em

1860.

Observamos neste trabalho que Fontoura foi alguém muito influente, o

comerciante valeu-se de seus contatos comerciais e familiares para ascender

comercialmente, e inserir-se aos trabalhos no governo farroupilha.

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Longe de nos oferecer análises esgotadas as bibliografias e documentos

utilizados para a realização deste trabalho nos apresentam que o conhecimento histórico

carece ainda de estudar e analisar o “destino” dos líderes e outros personagens pós o

período revolucionário farroupilha.

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