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Texto & Contexto Enfermagem

ISSN: 0104-0707

texto&[email protected]

Universidade Federal de Santa Catarina

Brasil

Teixeira Santos, Jessica Adrielle; Seleghim, Maycon Rogério; Marangoni, Sônia Regina; Gonçalves,

Aline Mária; da Silva Lira Ballani, Tanimária; de Oliveira, Magda Lúcia Félix

GRAVIDADE DE INTOXICAÇÕES POR SANEANTES CLANDESTINOS

Texto & Contexto Enfermagem, vol. 20, 2011, pp. 247-254

Universidade Federal de Santa Catarina

Santa Catarina, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=71421163031

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Texto Contexto Enferm, Florianópolis, 2011; 20 (Esp): 247-54.

Artigo Original - 247 -

GRAVIDADE DE INTOXICAÇÕES POR SANEANTES CLANDESTINOS1

Jessica Adrielle Teixeira Santos2, Maycon Rogério Seleghim3, Sônia Regina Marangoni4, Aline Mária Gonçalves5, Tanimária da Silva Lira Ballani6, Magda Lúcia Félix de Oliveira7

1 Vinculado ao Núcleo de Pesquisa Centro de Controle de Intoxicações do CNPq.2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Paraná, Brasil.

E-mail: [email protected] Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UEM. Paraná, Brasil. E-mail: [email protected] Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UEM. Paraná, Brasil. E-mail: [email protected] Graduanda em Enfermagem pela UEM. Paraná, Brasil. E-mail: [email protected] Mestre em Enfermagem. Enfermeira do Centro de Controle de Intoxicações do Hospital Universitário Regional de Maringá

(CCI/HUM), Paraná, Brasil. E-mail: [email protected] Doutora em Saúde Coletiva. Docente do Departamento de Enfermagem da UEM. Paraná, Brasil. E-mail: micoleao@wnet.

com.br

RESUMO: O presente estudo objetivou analisar as intoxicações por saneantes comercializados clandestinamente e notificadas no Centro de Controle de Intoxicações do Hospital Universitário Regional de Maringá, em um estudo do tipo quantitativo, com análise retrospectiva de fichas epidemiológicas de pessoas intoxicadas por estes agentes, no período de janeiro de 2005 a dezembro de 2009. Dos 118 casos notificados, 75 (63,5%) ocorreu no sexo masculino, 105 (88,9%) necessitaram de assistência em unidades de atenção às urgências e internações de alta complexidade, em 14 casos (11,8%) houve necessidade de internação em Terapia Intensiva, e foram registrados cinco óbitos, todos decorrentes de intoxicação intencional. Os dados encontrados demonstram a gravidade e letalidade deste tipo de intoxicação e indicam ações para medidas urgentes de fiscalização e controle da Vigilância Sanitária e de medidas de educação de consumidores, ressaltando o papel educativo da Enfermagem.DESCRITORES: Saneantes. Compostos químicos. Vigilância sanitária.

SEVERITY OF POISONING BY ILLEGAL SANITIZING

ABSTRACT: The present study aimed to analyze poisonings through illegally marketed sanitary products that were reported in the Poison Control Center of the Regional University Hospital in Maringá, Paraná, Brazil. This is a quantitative study using retrospective analysis of epidemiological records of people intoxicated by these agents from January, 2005, to December, 2009. Of the 118 cases reported, 75 (63.5%) occurred in males, 105 (88.9%) required assistance in care units and highly complex emergency room admissions. In 14 (11.8%) cases there was the need for intensive care unit hospitalization, with five deaths registered – all caused by intentional poisoning. The data found demonstrates the severity and lethality of this type of poisoning. We also indicate actions for urgent supervisory, fiscal, and control measures for Brazilian Health Surveillance, as well as measures for consumer education which emphasize the educational role of nursing.DESCRIPTORS: Sanitizing products. Chemical compounds. Health surveillance.

LA GRAVEDAD DE LAS INTOXICACIONES POR SANEATES CLANDESTINOS

RESUMEN: El presente estudio tuvo como objetivo analizar las intoxicaciones por saneantes comercializados clandestinamente, reportadas en el Centro de Control de Intoxicaciones del Hospital Universitario Regional de Maringá. Es un estudio cuantitativo, con análisis retrospectivo de registros epidemiológicos de personas intoxicadas por estos agentes, en el período de enero de 2005 a diciembre de 2009. De los 118 casos reportados, la mayoría (74-62,7%) se produjeron en varones, 105 (88,9%) necesitaron de asistencia en unidades de atención de emergencia y hospitalización de alta complejidad, en 14 casos (11,8%) requirieron de Cuidados Intensivos, y se reportaron cinco óbitos, todos por intoxicación intencional. Los resultados demuestran la gravedad y la letalidad de este tipo de intoxicación, sugieren la necesidad de medidas urgentes de fiscalización y control de la Vigilancia Sanitaria, así como de medidas para la educación de los consumidores, haciendo hincapié en el papel educativo de la Enfermería.DESCRIPTORES: Saneantes. Compuestos químicos. Vigilancia sanitaria.

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INTRODUÇãOSaneantes são substâncias ou preparações

destinadas à higienização, desinfecção ou desin-festação de ambientes e superfícies e ao tratamento de água, incluindo inseticidas, raticidas, desinfe-tantes e detergentes, que devem ser formuladas com substâncias que não apresentem efeitos comprovadamente mutagênicos, teratogênicos ou carcinogênicos em mamíferos e são classificados de acordo com o grau de risco, a destinação/res-trição e finalidade de uso.1

Quanto à finalidade de uso, são classificados em produtos para limpeza, que têm a finalidade de remover sujidades do ambiente, utensílios, objetos e superfícies; para desinfecção, utilizados para eliminar ou repelir animais sinantrópicos que se encontram em ambientes, objetos e superfícies inanimadas, através de processos físicos ou quí-micos; antimicrobianos, para destruir ou inibir o crescimento de microorganismos em ambientes, objetos e superfícies inanimadas; para jardinagem amadora, no controle de pragas em jardins e plan-tas ornamentais, além de revitalizar e embelezar; e os destinados à limpeza com ação antimicrobiana.1

O risco oferecido por esses produtos ocorre devido à toxicidade das substâncias e suas con-centrações nos produtos, à finalidade de uso, às condições e ao modo de uso, à população exposta, à frequência e duração de exposição e às formas de apresentação do produto final. Os profissionais da área da saúde, principalmente os que atuam nos hospitais, estão constantemente submetidos aos riscos trazidos por esses produtos, pois é necessária a limpeza e desinfecção constante de superfícies, de materiais e de equipamentos.2

A vigilância em relação ao uso dos sanean-tes pós-comercializados é realizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). A Vi-gilância Sanitária é um dos campos de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS), entendida por um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos para a saúde e de intervir nos pro-blemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de ser-viços de interesse da saúde, abrangendo: o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos da produção ao consumo; e o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde.3

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) tem como responsabilidade e missão

promover e proteger a saúde, garantindo segu-rança sanitária de serviços e produtos de saúde. Sua atuação abrange desde o registro até a auto-rização para entrada no mercado e acompanha o desempenho durante as fases subsequentes (pós--comercialização).3

Apesar dos esforços de fiscalização, muitos produtos clandestinos estão à venda sem permis-são e avaliação do Ministério da Saúde, circulam no mercado informal e são comercializados de forma ilegal, incluindo os saneantes. Sem qualquer garantia legal de bons resultados e de segurança ao serem utilizados, os saneantes clandestinos (ou piratas) são vendidos por ambulantes em ‘cami-nhões’, diretamente nas residências, mas também em estabelecimentos comerciais que revendem produtos e artigos para limpeza. Geralmente têm cores bonitas e atrativas, principalmente para crianças, e costumam ser vendidos em embalagens reaproveitadas de refrigerantes, sucos e outras bebidas.4

A circulação de saneantes clandestinos no país coloca em riscos a saúde da população, porque suas formulações não possuem ingredientes pró-prios para a finalidade informada, ou os contêm em quantidade insuficiente ou aumentada, por isso é considerada um problema para a Saúde Pública e um desafio para a Vigilância Sanitária, porque torna a população susceptível a eventos adversos e a intoxicações.4

Nesta perspectiva, intoxicação pode ser definida como um conjunto de efeitos adversos provocados por um agente químico, com conse-quências clínicas relevadas por um conjunto de si-nais e sintomas ou apenas alterações bioquímicas, resultante da exposição a substâncias químicas.5

Os saneantes, quando utilizados de forma inade-quada, representam risco para a saúde, devido à alta toxidade da maioria de seus compostos, levando a manifestações clínicas graves e à utili-zação de serviços de saúde de alta complexidade, que impactam na extensão de incapacidades, dor e desconforto, na família e em custos elevados de tratamento ao sistema de saúde.6

Apesar dos avanços na legislação brasileira e das campanhas de orientação aos consumidores sobre o uso indevido de produtos clandestinos, estes itens ainda continuam sendo utilizados em larga escala pela população, principalmente como produtos de limpeza e raticidas. Argumenta-se a necessidade de colocar em relevo essa temática na prática assistencial dos profissionais de saúde e da enfermagem em particular, para que a educação

Santos JAT, Seleghim MR, Marangoni SR, Gonçalves AM, Ballani TSL, Oliveira MLF

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em saúde possa estabelecer uma maior aproxima-ção com as práticas de vida da população.7

Para isso a existência de sistemas de informa-ção em saúde que identifiquem os efeitos adversos determinados por um agente tóxico são de extrema importância, pois possibilitam a implementação de medidas preventivas junto à população exposta à indústria ou às pequenas empresas fabricantes de produtos de limpeza, bem como a intervenções nas normas de fiscalização e registro/notificação de produtos no Ministério da Saúde por meio da ANVISA. O conceito de toxicovigilância não abrange somente a detecção do efeito adverso, mas a avaliação e o acompanhamento dos casos clínicos decorrentes da exposição humana aos agentes tóxicos.8

A toxicovigilância de evento adversos com produtos saneantes é, então, justificada pela grande utilização desses produtos, pelo risco co-tidiano na sua utilização e pela clandestinidade e produção inadequada, muitas vezes em produção artesanal. Informação adequada subsidiará a im-plementação de medidas preventivas, voltadas principalmente para a educação do consumidor, em programas inerentes à prática profissional do enfermeiro.

No entanto, apesar do visível problema de-corrente do uso indiscriminado de saneantes clan-destinos, observam-se poucos estudos publicados sobre o assunto nas bases de dados científicas nacionais. Os trabalhos existentes relatam apenas casos de intoxicação com saneantes, esquecendo-se da discussão produtos clandestinos.

Diante disso, o presente estudo tem como objetivo analisar a ocorrência de intoxicações por saneantes clandestinos, a partir dos registros de um centro de informação e assistência toxicológica, como forma de contribuir para a toxicovigilância de produtos clandestinos.

MATERIAIS E MÉTODOSO estudo é do tipo descritivo e exploratório,

quantitativo, com análise retrospectiva de fichas epidemiológicas arquivadas no Centro de Controle de Intoxicações do Hospital Universitário Regional de Maringá (CCI/HUM).

O CCI/HUM é um serviço de assessoria na área de urgência toxicológica, vinculado a Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Funciona em regime de plantão permanente, atendendo solici-tações de informação de profissionais de saúde e da população em geral, para auxílio diagnóstico

e conduta para acidentes toxicológicos, exercendo a toxicovigilância na região Noroeste do Paraná.

É um espaço acadêmico e multiprofissional e a integração entre os profissionais proporciona um incremento de atividades de divulgação e ação educativa, que são coordenadas pelos enfermeiros e por alunos de pós-graduação em enfermagem, vinculados a linhas de pesquisa do Centro.

A população em estudo foi representada por pessoas intoxicadas por produtos classificados como saneantes, cadastradas no CCI/HUM no período de janeiro de 2005 a dezembro de 2009, sendo excluídas os cadastros em que o item ‘clan-destino’ não estava assinalado.

Para fins deste estudo, os produtos saneantes foram classificados como: produtos de limpeza (detergentes, sabões, soda cáustica, desinfetan-tes, ceras, amaciantes e outros), raticidas, agro-tóxicos e outros produtos (substâncias químicas esterilizantes, artigos de cosméticos e produtos desconhecidos).

Os dados foram obtidos das fichas de Ocor-rência Toxicológica (OT) com registro de saneantes como agente causador e identificação deste como produto clandestino, de onde foram retiradas as seguintes variáveis:• Agente da intoxicação: classificado em ra-

ticidas, produtos de limpeza, agrotóxicos, outros produtos químicos.

• Sexo: masculino e feminino.• Circunstância da intoxicação: tentativa de

suicídio, acidente individual, acidente ocu-pacional.

• Nível de atenção em saúde e gravidade dos casos: residência/domicílio; unidade básica de saúde (UBS); observação em Pronto Socorro (PS) - até 12 horas; internação em PS - de 12 a 48 horas; internação hospitalar em enfermaria - acima de 48 horas; e internação hospitalar em unidade de terapia intensiva (UTI); enten-dendo a maior complexidade do atendimento como maior gravidade da ocorrência.

• Desfecho do caso: cura, óbito e evolução ignorada, quando o dado não foi registrado na ficha OT.As variáveis em estudo foram compiladas

das fichas OT e transcritas para uma planilha. Para processamento e análise dos dados foi cons-tituído um banco de dados, utilizando o software Excel 2003. Os mesmo foram apresentados em frequência absoluta e relativa e confrontados com literatura pertinente.

Gravidade de intoxicações por saneantes clandestinos

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No desenvolvimento do trabalho foram seguidas as diretrizes da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.9 Também foi solicita-da autorização para o Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, da Universidade Estadual de Maringá, sendo o mesmo aceito sob o Parecer n° 346/2008.

RESULTADOS E DISCUSSãO Foram encontrados 118 casos de intoxicação

por saneantes clandestinos nos anos estudados. A média anual foi de 26,3, com um desvio padrão de 5,85, e variação anual máxima de 32 casos, no ano de 2005, e mínima de 17 caso, nos anos de 2007 e 2009. (Tabela 1). No mesmo período, o total de casos notificados ao CCI/HUM foi de aproxima-damente 6.500 casos; entretanto, a casuística do agravo denota sua importância, sendo importante salientar que este valor engloba intoxicações por medicamentos, produtos químicos e industriais, to-xinas de animais peçonhentos, metais, entre outros.

A análise retrospectiva do número de ocor-rências/ano mostra uma diminuição de casos nos anos de 2007 e 2009, que podem indicar aumento da fiscalização e dificuldade em obter esses agen-tes. Porém, não se pode afirmar a relação absoluta entre acesso/fiscalização, principalmente porque nos dias atuais a Internet atua como um novo meio de veiculação de substâncias clandestinas, que, juntamente com vendedores ambulantes e lojas que revendem esses artigos de limpeza, contri-buem para o agravo do cenário de clandestinidade.

A tabela 1 indica os agentes das intoxicações. Observa-se que 70 casos tiveram como agentes tóxicos raticidas clandestinos e 30 se intoxicaram com produtos de limpeza comercializados clan-

destinamente, perfazendo juntos 100 casos (84,7%). Intoxicação com agrotóxicos apresentaram apenas 11 casos (9,3%). Os produtos classificados como outros (5,9%) incluem derivados do ácido clorí-drico, do ácido muriático e da benzina.

Entre os raticidas destacaram-se o Chumbi-nho e o ‘Mão branca’ ou ‘Era rato’, produtos que apresentam o aldicarb, um inseticida carbamato utilizado inadequadamente como raticida, e o monofluoracetado de sódio, como princípios ativos respectivamente. Ambos são extremamente tóxicos se ingeridos, inalados ou absorvidos pela pele.10

As intoxicações por ‘Chumbinho’, princi-palmente na população adulta e em tentativas de suicídio, são consideradas importante causa de morbimortalidade no Brasil. Do ponto de vista toxicológico, existem variações no quadro clínico e diferenças significantes na forma de tratamento quando se considera os inseticidas carbamatos e outros, tornando-se motivo de preocupação, pois, em grande parte dos casos emergenciais, o diagnóstico clínico é de difícil reconhecimento.11

Na maioria dos casos envolvendo o mono-fluoracetado de sódio, o produto comercializado era identificado como ‘Era rato’. Este produto não possui nenhum tipo de antídoto para reverter os sintomas, sendo o tratamento indicado apenas para manutenção e suporte vital, para controle dos sinais e sintomas da intoxicação, dentre os quais alucinações auditivas, nistagmo, fasciculações, alterações da sensibilidade na região da face; ex-citação do sistema nervoso central, progredindo para convulsões generalizadas; severa depressão neurológica; distúrbios de ritmo cardíaco, pulso alternado, longas sequências de batimentos ectó-picos e taquicardia ventricular podem evoluir para fibrilação ventricular e morte.10

Tabela 1 - Distribuição de produtos saneantes clandestinos segundo agente tóxico e ano de notificação. Período 2005-2009. Maringá-PR, 2009

Saneantes clandestinos

2005 2006 2007 2008 2009 Total %n % n % n % n % n %Raticida 15 46,9 14 51,8 10 58,8 17 68 14 82,3 70 59,3Produtos de limpeza 8 25,0 11 40,7 4 23,5 5 20 2 11,7 30 25,4Agrotóxico 5 15,6 1 3,7 3 17,6 2 8 - - 11 9,3Outros 4 12,5 1 3,7 - - 1 4 1 5,8 7 5,9Total 32 100 27 100 17 100 25 100 17 100 118 100

Com relação aos produtos de limpeza causa-dores das intoxicações estudadas, foram encontra-dos em maior quantidade derivados de hidróxido

de sódio (soda cáustica), que podem causar danos irreversíveis no sistema gastrointestinal, e do hi-poclorito de sódio, um oxidante forte e corrosivo,

Santos JAT, Seleghim MR, Marangoni SR, Gonçalves AM, Ballani TSL, Oliveira MLF

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capaz de liberar o gás cloro, altamente tóxico, quando misturado com um produto que contenha ácidos em sua composição.12

Hidróxido de sódio e hipoclorito de sódio são considerados substâncias cáusticas. Cáusti-co é o termo genérico para qualquer substância corrosiva, referindo-se tanto a produtos ácidos quanto alcalinos. De modo similar, alguns agen-tes não considerados tradicionalmente alcalinos ou ácidos, são classificados agora como cáusti-cos, incluindo detergentes e hidrocarbonetos. A ingestão destes produtos, embora relativamente frequente, não constitui propriamente uma emer-gência clínica, e sim endoscópica, visto a natureza local da manifestação sintomática, porém, tardia-mente pode ocorrer perfuração do esôfago com consequente peritonite.12

Os agrotóxicos foram os agentes com menor número de casos registrados, possivelmente pela existência de uma rígida legislação para registro e comercialização, além de processo de fiscalização

normatizado pela ANVISA, inclusive nas fronteiras brasileiras. Porém, isto não significa que os agentes clandestinos notificados sejam menos tóxicos: o BHC, denominação dada ao Hexaclorociclohexano, proibida no Brasil desde 1985 pelo seu potencial carcinogênico e mutagênico e pela persistência ambiental, foi o agrotóxico mais encontrado, sendo responsável por quatro casos, correspondendo a 36,3% das intoxicações nesta categoria.13

Quanto à circunstância das intoxicações, observou-se que 63 (53,3%) pessoas se intoxica-ram intencionalmente, por tentativa de suicídio, 48 (40,6%) em acidentes individuais e sete (5,9%) por exposição no local de trabalho, caracterizadas como acidente ocupacional. O número de casos de tentativas de suicídio pode estar relacionado à crença de que o produto clandestino é “mais for-te”, porque não é fiscalizado, e os casos acidentais geralmente acontecem nos domicílios, por armaze-namento e utilização inadequados, com potencial perigo às crianças e idosos (Figura 1).

Figura 1 - Distribuição das intoxicações segundo ano de notificação, circunstância e sexo. Período 2005-2009. Maringá-PR, 2009

A população masculina representou a par-cela mais expressiva do total de intoxicações, com 42 casos (66,6%) das tentativas de suicídio, 100% dos casos de intoxicação ocupacional (sete) e 24 (50%) dos acidentes individuais, apontando que o suicídio e a exposição ocupacional ao agente clandestino foram responsáveis pela tendência maior ao sexo masculino.

Entre os Estados brasileiros com maiores taxas de suicídio estão Rio Grande do Sul, Santa

Catarina e Paraná, com 7,1 suicídios por 100.000 habitantes. No Brasil, as taxas de tentativas de sui-cídios continuam a subir, no entanto, na região Sul são mais altas do que no restante do país. Quanto ao sexo das pessoas que tentaram suicídio, com exceção da China, onde as mulheres estão acima dos homens nas estatísticas de suicídio, nos de-mais países do mundo o predomínio se dá entre os homens em todas as faixas etárias.14 Embora as ideações suicidas e as tentativas sejam mais

Gravidade de intoxicações por saneantes clandestinos

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presentes durante a vida das mulheres, o suicídio efetivo é mais frequente entre homens.15

A substância mais utilizada para a tentativa de suicídio foi o raticida, com 45 casos (71,4%). De acordo com os dados do Sistema Nacional de Informações Toxico Farmacológicas (SINITOX), em 2007 os raticidas ocuparam o terceiro lugar como substância de escolha para a tentativa de suicídio, ficando atrás dos medicamentos e dos agrotóxicos de uso agrícola.16

Em estudo realizado no Rio de Janeiro, que objetivou investigar suicídios em um hospital geral por meio de levantamento de fichas de notificação compulsória, verificou-se que o principal método

utilizado pelo suicida foi a ingestão de agrotóxicos (52%) e medicamentos (39%). Dentre os 51 casos de tentativas de suicídio com agrotóxicos em que o agente estava especificado, quarenta e oito decor-reram de intoxicações pelo ‘Chumbinho’, produto ilegalmente vendido como raticida, que contém em sua composição o inseticida carbamato aldicarb.17

Considerando que o nível de complexidade da atenção à saúde, requerido após a intoxicação, demonstra a gravidade da ocorrência, realizou--se a classificação do atendimento dos casos por níveis de atenção, onde se verificou que a maioria necessitou de níveis mais complexos de atendi-mento (Tabela 2).

Tabela 2 - Distribuição das intoxicações por produtos saneantes clandestinos, segundo nível de atenção e local de atendimento como critério de gravidade. Período 2005-2009. Maringá-PR, 2009

Nível de atenção Gravidade Total %

Atenção primáriaResidência/Domicílio 2 1,6

Unidade Básica de Saúde 11 9,3

Urgência/EmergênciaObservação em Pronto Socorro 39 33,0Internação em Pronto Socorro 27 22,8

Internação hospitalarEnfermaria 25 21,1

Unidade de Terapia Intensiva 14 11,8Total 118 100,0

Dos casos 118 casos, apenas 13 (11 %) utili-zaram atendimento em nível primário de atenção, caracterizado com sendo atendimento na própria residência, após orientação telefônica da conduta pelo CCI/HUM e em unidades básicas de saúde e foram considerados como casos de baixa gravida-de. Este pequeno número de casos, provavelmente foi ocasionado por intoxicação com um produto saneante de baixa toxicidade, ou por um menor contato ou exposição à pequena quantidade do agente tóxico envolvido na ocorrência.

Os demais casos demandaram níveis mais complexos de atendimento, sendo que 66 (55,8%) dos casos foram encaminhados diretamente para serviços de atenção às urgências e emergências. Destes, 39 (60%) casos foram liberados imediata-mente após tratamento clínico, e 27(40%) neces-sitaram de observação clínica no Pronto Socorro por mais de 12 horas, consideradas internações de curta permanência.

Trinta e nove casos (33%) necessitaram de internação hospitalar, sendo 25(64,1%) internados em enfermaria e 14 (35,8%) em UTI. A internação hospitalar em enfermarias é uma conduta terapêu-

tica que disponibiliza cuidados de enfermagem para pessoas independentes ou semidependentes desses cuidados e monitorização contínua a pa-cientes com moderada ou potencial instabilidade fisiológica; dos casos que necessitaram assistência médica e de enfermagem neste tipo de unidade, três (12%) morreram. Dentre aqueles pacientes internados em UTI, unidade destinada a atender pacientes em condições críticas, potencialmente recuperáveis, que se beneficiem de cuidados de-talhados e intensivos de enfermagem e tratamento médico baseado na utilização ampla de recursos tecnológicos, dois (14,2%) morreram.

O desfecho de três casos (2,5%) foi conside-rado inconclusivo e registrado como ignorado, por falta de informações sobre a evolução do caso ou por evasão do paciente, porém, a evolução clínica da maioria dos casos de intoxicação tendeu para a cura (110- 93,2%).

Durante os anos estudados, no entanto, foram registrados cinco óbitos (4,2%), todos de-correntes da circunstância tentativa suicídio. Este número de óbitos é preocupante, se considerarmos que os dados são referentes a uma população res-

Santos JAT, Seleghim MR, Marangoni SR, Gonçalves AM, Ballani TSL, Oliveira MLF

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trita à região Noroeste do Paraná, principal área de abrangência do CCI/HUM.

De acordo com dados epidemiológicos do SINITOX, no ano de 2007 foram registrados 112.403 mil casos de intoxicação no Brasil, sendo que, destes, 538 evoluíram para óbito, (coeficiente de letalidade de 0,48%). Na região Sul foram regis-trados 32.121 mil casos, dos quais 107 resultaram em óbito (coeficiente de letalidade 0,33%).18

CONCLUSãODa mesma forma que não se pode precisar o

tamanho do universo dos produtos clandestinos, pela deficiência de fiscalização, o número de pes-soas intoxicadas pelo seu uso também está longe dos registros médicos.

Como nas ações de vigilância em saúde em geral, a informação também é um elemento crucial para o desempenho da Vigilância Sanitária, pois se trata de um instrumento fundamental para o de-senvolvimento das diversas atividades da prática profissional do enfermeiro. Indicar as limitações do sistema de informação e seus determinantes permite dimensionar as implicações nas decisões em saúde tanto no atendimento individual da intoxicação como em nível coletivo.

Pode parecer, então, que a casuística do pre-sente estudo seja pequena, porém, vale ressaltar que se trata de produtos clandestinos, ou seja, aqueles que não deveriam estar ao alcance da po-pulação e podem causar eventos ou complicações graves decorrentes de seu uso.

Dos 118 casos, 105 necessitaram de assistência em unidades de atenção às urgências e internação hospitalar, ocasionando aumento de custos ao SUS e ao sistema de Previdência Social, e custos intangí-veis à família e à rede social das pessoas envolvidas. Chamou atenção o uso de saneantes clandestinos para a tentativa de suicídio e em atividades profis-sionais, principalmente por empregados domésti-cos, e o número de casos que demandaram inter-nação em terapia intensiva, indicando a gravidade social e sanitária deste tipo de ocorrência.

A circulação de produtos saneantes clandes-tinos ocorre principalmente em virtude da defici-ência no serviço da Vigilância Sanitária. Espera--se uma reestruturação eficiente desse sistema, promovendo capacitação de recursos humanos, organização de banco de dados, desenvolvimento de vigilância de fatores de risco e o investimento em atividades de sensibilização da população quanto aos problemas gerados pela circulação

de saneantes clandestinos, para que as mudanças se concretizem e sejam evitados novos casos de intoxicações e óbitos por estes agentes.6

Para que medidas preventivas possam ser implementadas, é necessário que os sistemas de informação em saúde identifiquem os efeitos adversos determinados por um agente tóxico. Através do conhecimento dos casos, espera-se que concretize uma reestruturação dos meios de controle destas substâncias para que sejam evita-dos novos casos de intoxicações e óbitos por estes agentes e a implementação de políticas públicas de educação em saúde, com participação efetiva da enfermagem. Sem uma ação coletiva da enfermei-ra, compartilhada com o saber popular no espaço educativo em saúde, o conhecimento científico permanecerá desvinculado do mundo prático.

REFERÊNCIAS1. Ministério da Saúde (BR). Agência Nacional de

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Correspondência: Jessica Adrielle Teixeira SantosOsvaldo Cruz, 340, ap.303, Zona 0787020-200 - Maringá, PR, BrasilE-mail: [email protected]

Santos JAT, Seleghim MR, Marangoni SR, Gonçalves AM, Ballani TSL, Oliveira MLF