de Leitura e Literatura...Este Guia apresenta três textos com dicas de leitura e de atividades para...
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Governo do Paraná, Secretaria de Estado da Cultura
e Audi do Brasil apresentam
e Literaturade Leitura
2018
Percur
sos
O guia Percursos de Leitura e Literatura é uma
publicação do projeto Agentes de Leitura do
Paraná, realizado pela Secretaria de Estado da
Cultura, com o reinvestimento da Audi do Brasil,
por meio do Programa Paraná Competitivo,
e conta também com a parceria da Biblioteca
Pública do Paraná.
Os textos apresentados neste percurso
convidam o leitor para um passeio no universo
dos efeitos da ficção literária, tendo o agente
de leitura como fio condutor deste trajeto. O
conteúdo deste material está em consonância
com as metas e objetivos do Plano Estadual do
Livro, Leitura e Literatura do Paraná, atendendo
principalmente aos eixos I - Democratização do
Acesso ao livro, leitura e literatura e II - Fomento
à leitura e à formação de mediadores.
A literatura proporciona a diversidade cultural,
a ampliação de horizontes, também contribui,
sobremaneira, para o estímulo e ampliação de
conhecimento pelas suas múltiplas linguagens.
É a arte da palavra que nos coloca em contato
com inúmeras experiências sem nunca tê-las
vivido. É o ponto de vista do autor que nos leva
a reinventar a realidade.
João Luiz Fiani Secretário de Estado da Cultura
Está mais do que provado pela ciência, pela filosofia e outras
áreas, que a pessoa que lê amplia seus conhecimentos
e oportunidades. Mas apenas afirmar isso não basta.
É necessário internalizar que ler é importante para que a
prática da leitura seja intrínseca ao cotidiano.
Não se trata, porém, de simplesmente adquirir o hábito da
leitura, e sim de viver este hábito. Agir, partir para a ação,
pegar o livro nas mãos, sentir seu peso, volume, perfume,
abrir o livro. Iniciar a jornada entre o saber e o fazer.
Às vezes é difícil percorrer esse trajeto sozinho. Receber
incentivo à leitura nesse primeiro momento é fundamental.
O agente de leitura é aquele que pode estimular o leitor
nessa transição para o mundo dos livros. Ele mostra o
quanto ler é bom, divertido e prazeroso, faz contação de
histórias, lê em voz alta, faz despertar o desejo de ler. No
entanto, é primordial passar do desejo à ação e somente
o leitor poderá dar o primeiro passo, ler a primeira página,
virar a segunda, engrenar a terceira, entrar de cabeça na
quarta e manter o ritmo a partir da quinta. Depois dessa
experiência, os caminhos da leitura estarão abertos.
Apresentação
Este Guia apresenta três textos com dicas de leitura e de
atividades para os mediadores que almejam fazer do livro
e da leitura potências essenciais na formação de leitores
e de cidadãos. Os textos convidam o agente de leitura à
reflexão do seu papel enquanto mediador das ações de
incentivo à leitura e à cultura e de formador de leitores.
No Décalogo do Leitor, José Roberto Torero apresenta um
conjunto de 10 dicas muito bem-humoradas sobre onde
e como encontrar o livro certo, sobre espaço e tempo
da leitura, e a autonomia do leitor. Para o experiente
autor, o acúmulo de experiências literárias diversas, sem
preconceito na seleção de gêneros, autores e temas, ajuda
a formar um leitor cada vez mais autônomo.
O segundo texto “A literatura fala e a gente faz”, de Marta
Morais da Costa, nos mostra que se abre um campo de
possibilidades infinitas “Quando pensamos em literatura...”.
A autora relata que ler tem várias funções, mas ela tem
como foco a leitura da literatura. O texto literário interage
com o real e fará sentido na medida em que o leitor
trouxer suas contribuições e percepções para entendê-lo,
interpretá-lo e reinterpretá-lo.
O texto também expressa a importância do agente de
leitura no processo de construção da cidadania e formação
do leitor. Esse profissional tem conquistado cada vez
mais espaço nas comunidades em que atua. A mediação
é feita nas escolas, nas bibliotecas públicas, comunitárias,
nos centros de convivência, e para diversos públicos, da
criança ao idoso. Todos gostam de uma boa história! Mas
o mediador tem o desafio de dar um passo além. Depois
de conquistar o público, precisa ir do texto oral ao texto
escrito, mostrar a beleza e a força da palavra escrita. A
pesquisadora compartilha, então, propostas e sugestões
de ordem prática que podem ser utilizadas pelos agentes
de leitura em suas atividades.
Por fim temos “O Presente”, de Paulo Venturelli, para os
“Agentes de Leitura do Paraná” – projeto que motivou o
início deste percurso. No conto, a literatura é também
personagem. Ela nos mostra que o mundo não é plano,
tem dobras, precisa de explicação, e vivemos em busca
de desdobrar essas camadas. O personagem-leitor é
levado pelo indiozinho Peri para aventuras da floresta
até a lua, mas em outro momento é ele quem conduz:
“Aí fui eu que peguei Peri pela mão. E o acompanhei pela
mata.” A leitura da literatura tem essa capacidade de
provocar estranhamentos, de nos fazer ver a pluralidade
de versões do nosso mundo e de outras realidades, ou
como diz o menino do conto a história “pipoca na mente”.
Os percursos para se chegar até a leitura são muitos, mas
ler é o melhor caminho. Que os textos desse guia possam
contribuir para a formação dos Agentes de Leitura do
Paraná e de futuros leitores.
No site da Secretaria de Estado da Cultura você
poderá baixar a versão do guia em formato PDF para
consultar e compartilhar com os amigos e os familiares.
www.cultura.pr.gov.br
Boa leitura!
Tatjane Garcia Albach Coordenadora do Plano Estadual
do Livro, Leitura e Literatura do Paraná – PELLL/PR
Aos escritores José Roberto Torero,
Marta Morais da Costa e Paulo Venturelli pela
cessão gratuita dos textos para este material.
À Comissão do Plano Estadual do Livro,
Leitura e Literatura do Paraná – COMPELLL/
PR pela leitura atenta e reflexiva dos textos.
E aos colaboradores que de alguma forma
contribuíram para a realização deste Percurso
de leitura e literatura: Eliana Yunes, Ricardo
Azevedo, Rosália Guedes e Wilson Sagae.
Agradecimentos
1. Fuce os livros nas bibliotecas e livrarias, lendo um
pouquinho de cada um, até encontrar um que te apeteça,
2. Largue o livro depois de 30 páginas se não gostar dele,
3. Rabisque o livro à vontade (se ele for seu),
4. Não rabisque o livro de jeito nenhum (se for emprestado),
5. Leia em qualquer lugar (no ônibus, no metrô, na rede,
na cama, andando (mas com cuidado para atravessar a
rua), na banheira, num galho de árvore, na privada e até
sentado numa cadeira com o livro apoiado na mesa,
6. Não tenha preconceito de gênero (no caso, gênero
literário) nem preconceito geográfico (livros bons vêm de
qualquer país, inclusive daqui do Brasil),
do leitorOdecálogo
José Roberto Torero
7. Não tenha vergonha do que gosta nem do que desgosta.
Cada leitor é quem sabe o que é bom para si.
8. Leve sempre um livro com você. Ele pode ser útil na fila do
banco, na fila do correio, na sala de espera do consultório
médico e, duplamente, no caso de uma dor de barriga.
9. Leia na sua velocidade. Não adianta ler rápido se você
não entende direito o que lê.
10. Se quiser ler em voz alta, leia mesmo, porque às vezes
só assim a gente entende o que está escrito. Os antigos
só liam em voz alta, e diziam que assim as palavras
ganhavam vida.
do leitordecálogo
José Roberto Torero nasceu em Santos (SP) em 1963.
É jornalista, escritor, cineasta e roteirista. Iniciou sua
carreira de cronista no Jornal da Tarde, de São Paulo,
e também escreveu textos sobre futebol para a revista
Placar e para o jornal Folha de S.Paulo. É autor do best-
seller O Chalaça, vencedor do Prêmio Jabuti em 1995,
e do romance Papis et circenses, vencedor do Prêmio
Paraná de Literatura de 2012. Também transita pela
literatura infantojuvenil, tendo escrito, entre outros,
Naná descobre o céu (2005), Pequeno rei e o parque real
(2007), e a coleção Fábrica de Fábulas, em parceria com
Marcus Aurelius Pimenta, que recria com muito humor os
grandes clássicos da literatura infantojuvenil.
Entre as perguntas feitas às pessoas sobre leitura e sobre
literatura, existe uma que, de tão repetida, é até previsível
em sua resposta. Talvez você já tenha passado por ela, seja
como alguém que a perguntou ou como alguém que a
respondeu: “você gosta de ler?”
Sabe aquele olho esbugalhado, o coração dando
cambalhota e a boca entreaberta? A pessoa que se
a literatura
FALA
Quando pensamos em literatura...
Marta Morais da Costa
e a gente
FAZprepara para responder dá um tempo, porque pode
estar pensando algo como: “se eu falar a verdade, vou
passar vexame porque direi ‘não, não gosto!’. Se mentir
e disser que gosto, talvez me perguntem o que estou
lendo. Daí será outro vexame!”. É melhor sair de fininho,
pela tangente: “olha, gosto, sim! Mas não tenho tempo
para ler. E também não gosto de histórias compridas. Ou
românticas. Prefiro assistir ao filme.”
Pronto! Já temos alguns elementos para pensar a leitura
da literatura. Querem ver?
1. Nem sempre leio porque gosto. Este verbo é subjetivo
e amplo, porque gostar é infinito. Muitas vezes leio
porque preciso ler. Ou me obrigo a ler.
2. A leitura toma tempo porque o correr dos olhos
precisa fazer sentido e fazer pensar. Não é apenas
correr. Nem sempre temos o tempo: precisamos criar
o tempo para ler.
3. Leitura rima com literatura. E apenas rima, porque são
ações que têm objetos e objetivos diferentes. Se você
seguir este texto, depois haverá uma explicação mais
longa sobre isso.
4. A literatura não é composta apenas por histórias
românticas. Ela abrange a poesia, o teatro e as
narrativas, geralmente em prosa. E cada uma das três
tem diferentes formatos e diferentes tipos de texto.
Não são uma coisa só!
5. Um filme baseado em um texto literário não é
literatura: é cinema! Uma linguagem que dá corpo
aos personagens, que movimenta os cenários, que
cria sons ambientais ou de fala altera o que os leitores
imaginaram. Por isso, trata-se de outra arte.
Estamos no depois e é hora da explicação. Temos todos
os tipos de texto em jornal, em livro, nas telas e até em
cartazes e placas. Esses são os suportes. Os textos têm
várias funções: informar, aconselhar, descrever, convencer,
emocionar, provocar reflexão e muitas outras. Essas são
finalidades. Mas nem todos os textos são inventivos
ou surpreendem pelo uso não habitual da língua e da
linguagem, e pulsam como se fossem vivos, como se
fossem a realidade em trajes incomuns. Essa é a literatura.
Quer ver? Leia uma notícia de jornal sobre meio ambiente.
Depois leia um romance ou um conto com a descrição
de uma paisagem. O primeiro texto provavelmente
tentará criar ou consolidar nos leitores a consciência
da importância da preservação. O segundo formará a
imagem mental que, somada ao contexto global da
história, provocará sensações, descobertas, lembrará
outras paisagens e estabelecerá pontes com personagens,
situações, clima emocional. Todos juntos e misturados.
Sem querer convencer os leitores sobre a importância da
preservação ou das catástrofes climáticas.
A leitura da literatura não gosta de questionários e
avaliações quantitativas. Ela encaminha os leitores para o
campo das questões essenciais da vida:
quem? (a personagem ou o leitor é, será e foi)
quando? (requer um trabalho com o tempo
da memória, o do relógio e o psicológico)
por quê? (refere-se à origem da vida,
dos sentimentos, dos fracassos)
como? (trabalha com os comportamentos,
as decisões, as dúvidas)
para quê? (trata da vida em sua essência, em seu
sentido real, concreto e imaginário: a razão de se estar vivo)
As respostas a essas questões não se dão no modo
verdadeiro, mas na perspectiva da ficção, isto é, da criação
imaginária, na ficção. A leitura em geral pode acontecer em
textos que pedem aos leitores uma compreensão exata,
fixa, concreta. Nomes, situações, dados, acontecimentos.
No caso da literatura, a leitura pede imaginação, aventura
na linguagem, sensibilidade para a beleza e o horror,
uma realidade paralela e, muitas vezes, perfeita ou
inexistente. Mal comparando, leitura é termo de sentido
amplo; literatura é termo de sentido exclusivo, particular
e singular.
Ler narrativas escritas, poemas e peças de teatro não tem
como objetivo tornar cultos os leitores. Torna, sim, os
leitores mais humanos. Se os textos forem de qualidade,
os leitores poderão se tornar mais sábios e mais
compreensivos. A literatura de boa qualidade humaniza.
Um poema pode conter em sua curta extensão as
maravilhas do mundo e alguma(s) verdade(s) sobre a
vida. A extensão na literatura não equivale a um nível de
qualidade: é apenas um dado quantitativo. O mais curto
pode ser denso e o mais longo, superficial. Um livro grosso
pode ser apenas um livro com muitas páginas e pouca
qualidade literária. Ler muitos livros somente terá valor se
eles forem bons textos literários. Um bom leitor não é um
esportista que tem parâmetros quantitativos a alcançar:
pontos, tempos, vitórias, recordes.
A leitura abre portas; a literatura abre as janelas da alma.
Tenho certeza que você gostaria de algumas sugestões
de ordem prática, porque um agente de leitura age na
comunidade e na vida real. Para tanto, nunca é demais
ter alguma orientação de práticas leitoras desenvolvidas a
partir da literatura. Se for essa a expectativa, siga-me.
Comece o dia com um poema, com um conto ou romance
(os dois últimos podem ser lidos aos poucos). Leia
simplesmente, sem interrupções e de forma expressiva.
Se houver comentários dos ouvintes, durante ou ao final
da leitura, que sejam espontâneos e relevantes. Se
não houver, deixe o texto pairar no ar, no silêncio, na
memória dos ouvintes. Imagine se ao final de um filme
emocionante, os espectadores tivessem que responder
a um questionário! O prazer experimentado sofreria um
choque e poderia desaparecer.
Sempre que possível, mostre o livro de onde saiu o texto
lido. Ele é seu álibi, sua isca para atrair leitores. Os leitores
precisam conviver com o objeto livro.
Se for ler um texto literário em voz alta, prefira textos
completos (poemas e contos curtos) ou capítulos inteiros
de um texto longo (lidos aos poucos e na sequência da
narrativa: capítulo 1, capítulo 2 e assim por diante).
Não trate o texto literário como um texto qualquer: ele
traz beleza e humanidade aos leitores, como nenhum
outro o faz.
Propostas a serem compartilhadas
(ou não)
Nenhuma imagem, nem filme, nem música substitui o texto
literário: a arte da literatura se mostra e vive nas palavras,
na capacidade da linguagem criar mundos imaginários.
As demais linguagens artísticas (pintura, cinema, dança,
música, encenação teatral) obedecem a outras sintaxes,
outras normas, outra evolução histórica, outros fazeres,
outros modos de ler.
Nos livros infantis por vezes a ilustração limita o
imaginário dos leitores porque traz a imagem pronta,
nascida da interpretação do ilustrador. Procure livros
que tragam uma ilustração desafiadora, surpreendente e
provocativa, tanto quanto o texto verbal escrito.
Ler individualmente ou de modo compartilhado impõe
diferentes comportamentos. O silêncio e a fala são vividos
de modo específico a cada modo de ler. Os dois modos de
leitura de textos literários podem e devem ser praticados
para estimular leitores a ler continuadamente.
Se quiser desenvolver atividades POSTERIORES à leitura
do texto literário, escolha atividades igualmente criativas,
inovadoras, estimulantes, diversificadas. Um bom texto
literário pode ser assassinado por práticas leitoras
repetitivas, enfadonhas, desestimuladoras.
Basicamente a poesia é ritmo, a prosa é tempo
sequenciado e o teatro, ação. Por isso, a riqueza da
literatura está na DIVERSIDADE. Não pare no mesmo
lugar o tempo todo: a rotina acaba com a alegria e a
surpresa daquilo que é o diferente.
Personagens são ideias que agem. Cada leitor constrói as
suas imagens dos personagens e cenários que lê. Mesmo
um personagem de olhos verdes terá diferentes tons de
verde em cada olhar leitor. Deixe emergir esta diversidade
de compreensão da literatura na leitura compartilhada.
A boa literatura não tem tempo definido: textos antigos
podem continuar a ter significado e a fazer sentido
na atualidade! Ítalo Calvino escreveu que um texto
“clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo
que tinha para dizer.”.
Quanto mais aumentam o repertório de leitura, mais
críticos se tornam os leitores. E, por comparação entre
os livros que conheceram anteriormente e o que estão
lendo, se tornam capazes de distinguir, entre tantos
textos, aquele que é bom, que é relevante e que trouxe
contribuições para seu repertório. Por isso, os leitores
constantes acabam criando os próprios parâmetros de
qualidade literária.
Que você faça boas leituras e um excelente trabalho na
formação de leitores!
Marta Morais da Costa, professora
e escritora, tem artigos e livros
publicados na área da leitura, como
Sempreviva, a leitura, 2009, Mapa do
mundo: crônicas sobre leitura, 2006,
Metodologia do ensino da literatura
infantil, 2016, além de crônicas,
dramaturgia e literatura infantil. É
membro da Academia Paranaense
de Letras do Paraná e – Rede de
Pesquisadores em Leitura do iiLer na
Cátedra UNESCO de Leitura PUC-Rio.
o presente Naquele tempo, papai trabalhava
até o final da tarde. Vinha da fábrica, tomava
banho, comia alguma coisa. Mamãe, de
vestido rodado e florido, lábios pintados de
vermelho o esperava. Eu ia colocar o uniforme
do Corinthians, pernas finas, calção muito
largo. A gente saía – olhar as vitrines. Como
era tempo de Natal, as lojas ficavam abertas
até de noite. E foi num desses passeios que
vi a bicicleta – vermelha e preta. Luzia atrás
do vidro. Fiquei enlouquecido. Puxei papai
– é esse o presente que eu quero. Filho,
respondeu, não tenho condições de comprar.
Eu nem aí – quero a bicicleta. E de tanto
desejar, fiquei na certeza de que ela viria.
Na noite de Natal, o pinheiro
iluminado, cantamos a música do Menino
Jesus. Nem prestei atenção. Os olhos
pregados nos pacotes de papel colorido.
Nenhum grande. Papai foi até lá, pegou
Paulo Venturelli
embrulho pequeno – foi isso que pude comprar. Abri com
o maior desânimo do mundo – um livro. Livro? eu não
quero livro, quero a bicicleta. E atirei o coitado num canto.
Neste momento, vovó apareceu – fofo, não dê esse trato
ao presente mais maravilhoso do mundo. Emburrado eu
resmungava – quero a bicicleta. Vovó me levou ao quarto,
me fez sentar na cama – querido, vou ler a história pra
você. Minha birra – não quero escutar nada. Com voz
mansa, pausada, vovó começou a ler.
Era a história de um indiozinho chamado Peri. Ele
nasceu dentro de uma vitória-régia, nadou até a margem
do rio. De repente, encontrou a escada de cristal e subiu
até a lua. Comecei a prestar atenção – o que esse carinha
vai inventar? Ao chegar à lua, Peri encontrou a turma de
crianças morenas. Brincou e brincou. Passei a me imaginar
naquele lugar, a fazer algazarra com eles. Estava fisgado,
só que não aguentei e dormi.
Na manhã seguinte, acordei com sensação
estranha. Algo pipocava na mente. Parece que tinha
sonhado com um índio menino. Sonhei? O raio na cabeça
– que nada, é história que vovó leu. Saltei da cama. Vovó
a tomar café. Cheguei perto. Pedi – vó, continua aquele
livro? Fomos à varanda. Ela abriu as páginas que estavam
me dando cosquinhas na cabeça.
Peri, depois de se divertir, parou e descansou.
Viu lá embaixo a taba no meio da floresta. Sem precisar
da escada, voou até sua gente. Ali foi cercado por outras
crianças. Corpos pintados. Por papagaios e araras. Mais
além, o rio murmurava cálido. Peri e a pivetada correram
naquela direção. Um índio pequerrucho não sabia nadar.
Peri o pegou no colo, o levou ao meio das águas e com
cuidado depositou o picucho frágil na água dançante. Foi
ensinando Tuti a nadar. Depois de ir ao fundo algumas
vezes, ele perdeu o medo. Nadou. Gritos. Tapas no rio.
Agarrou a mão de Peri – agora somos amigos a vida toda. E
vovó foi lendo. Pedi – vó, eu posso ler? Claro, meu querido.
Me ajeitei na cadeira de balanço. Aí fui eu que peguei Peri
pela mão. E o acompanhei pela mata. Lendo, percebi que
a história ganhava mais cor, mais sustância. Ela deixava
de entrar pelos ouvidos. Entrava pelos olhos. Fazia meu
coração estremecer o peito. E lá veio outra tristeza – o
livro terminou. Vovó bordava manto vermelho. Cheguei e
perguntei – tem mais livro com índio e brincadeira e mata?
Claro que tem. Compra pra mim. Ih, meu pimpolho, isso
é coisa lá pro teu pai. Esperei ele chegar da fábrica – pai,
compra outro livro? Ué, a troco de quê? Adorei o Peri.
Ah, é? esqueceu da vermelha e preta? E papai comprou.
Livro com índio, com caravelas, com negros escravos, com
porões, com cavalos pelos prados do sertão.
E eu fui seguindo a estrada que mais e mais me
levou aos braços de obras e escritores. Fui acolhido por
tanta gente. Cresci, estudei, me formei. Os livros foram
sendo acumulados dentro de casa. A tal ponto que precisei
adquirir outra só a fim de guardar os mundos, os livros,
muitos livros. Tenho biblioteca frondosa. Seus galhos se
distendem pelo universo. Quando me ponho a ler, lembro
daquelas sensações pulsantes que Peri me causou. Fui
descobrindo outras. E mais que sensações – pensamentos,
ideias, enredos de puro fascínio. Mas cada vez que abro um
volume, fico nervoso, cheio de ansiedade e expectativa – o
que encontrarei nas palavras? quem conhecerei? Verdade.
Suo frio. É como estar na estação e pegar o trem que não
sei onde vai dar. Sempre chega num lugar inesperado. A
mente ferve, o sangue corre veloz no meio de tanta gente
desconhecida que logo se torna vizinho, parente, Peri com
outra personalidade. Degusto sabores estranhos, culturas
exóticas e empolgantes, entro em casas cuja existência
desconhecia.
Ler é pão quente, broa de fubá feito pela vovó.
Lembram dela? Já se foi. Mas a voz aveludada envolve meus
ouvidos. Velho que sou nunca me senti velho. Leio a toda
hora. Ganho bocados de juventude. Acho que nem vou
morrer. Os personagens não acabam, vivem na eternidade
do encanto. Comigo se dá o mesmo. E se eu me for, vou
entrar em céu especial – biblioteca gigantesca. Poderei ler
em todas as línguas, dono do tempo. E no final da tarde,
em vez de visitar vitrines, tomo cafezinho com Machado
de Assis, Cecília Meireles, Clarice Lispector, Thomas Mann,
Tolstói, Dostoiévski, Lúcio Cardoso, Borges, Cortázar, Lima
Barreto, Helena Kolody, Philip Roth, Manuel Bandeira,
Drummond, Mário de Andrade, Pagu, Rachel de Queiroz,
Nelson Rodrigues, Hemingway, Virginia Woolf, Fernando
Pessoa, Keats, Sartre, Byron, Hilda Hilst, Orides Fontela,
Castro Alves, Fernando Sabino, Verlaine, Guimarães Rosa,
Maria Helena Cardoso, Graciliano, Maria Lopes Cançado,
Rubem Braga, Stendhal, Poe, Henry Miller, Faulkner, Anna
Akhmátova, Alejandra Pizarnik, Marina Tsvetáieva..., ih,
credo, é tanta gente, tanta gente que a eternidade vai
parecer muito curta. Não haverá tempo de papear com
tanto escritor, tanta escritora. Por enquanto, tomo um café
com a criação que me legaram. E se eu falar nos novos? Já
viu que turma de resistência que está chegando de todo
lado e com cada maravilha...
Paulo Venturelli, nasceu em Brusque, SC,
no Verde Vale do Itajaí, de uma família
de operários. Em 74, transferiu-se para
Curitiba, onde se formou em Letras, pela
UFPR. Na mesma universidade fez seu
mestrado e doutorou-se pela USP em
2001. É professor de Literatura Brasileira
da UFPR, aposentado. Membro da
Academia Paranaense de Letras. Vencedor
do Prêmio de melhor obra para criança,
da Fundação Nacional do Livro Infantil e
Juvenil - FNLIJ, em 2013, com Visita à
baleia (Editora Positivo) e segundo lugar
do Prêmio Jabuti, na categoria infantil.
Autor de diversos livros, entre os quais:
O anjo rouco (1994), Fantasmas de caligem
(2006), Meu pai (2012), Madrugada de
farpas (2015), Bilhetes para Wallace
(2017), Maçãs argentinas (2014), Histórias
sem fôlego (2012).
Governadora do Paraná Cida Borghetti
Secretário de Estado da Cultura João Luiz Fiani
Diretor-Geral da SEEC Jader Alves
Diretor da Biblioteca Pública do Paraná Rogério Pereira
Coordenadora de Ação Cultural | SEEC Ingrid Kelly Dias Bozza
Coordenador de Comunicação | SEEC Alisson Diniz
Coordenadora de Desenho Gráfico | SEEC Rita Solieri Brandt
AGENTES DE LEITURA DO PARANÁ
Coordenadora do projeto Tatjane Garcia Albach
Assessor técnico Daniel Marcondes
Estagiária Ana Paula Ocampos
Diagramação Adriana Salmazo Zavadniak
Revisão Marjure Kosugi
Revisão de conteúdo Comissão do Plano Estadual do Livro, Leitura e
Literatura do Paraná – COMPELLL/PR
Titulares | Adilson Carlos Batista, Ana Cristiny Tigrinho, Cátia Toledo
Mendonça, Daniel Marcondes, Deivid Carlos Santos Lima,
Georgeana Barbosa de França, Gilmar Roberto Cosmo, Maria Marta
Sienna, Marta Morais da Costa, Norbert Padilha Heinz, Rogério Pereira,
Sérgio Miguel, Sirlei da Silveira Pinto, Tatjane Garcia de Meira Albach,
Vilma Lenir Calixto.
Suplentes | Edilson José Krupek, José Maia, Julmar Rubens Leardini, Lilian
Tedeschi de Felipe, Lucas Gabriel de Marins, Luiz Rebinski Jr., Luci Maria
Dias Collin, Marcos Pedri, Márcio Norberto, Nilva Conceição Miranda,
Priscila Angélica dos Santos Sehnem, Marcia Cristina Knopik, Rogério
Luiz Oliveira Bozza, Rogério Luís Tonetti.
Audi do Brasil
Presidente e CEO – Johannes Roscheck
Diretor de Sustentabilidade – Roberto Braun
Coordenador de Implementação – Vinicius Milani
Suporte Técnico e implementação – Rafael Machioni
Produção executiva do projeto
Instituto de Educação, Arte & Cultura Dom Miguel
Coordenadora de Produção - Grimalda Amorim
Direção de Produção - Lucas Buchile