de Leitura e Literatura...Este Guia apresenta três textos com dicas de leitura e de atividades para...

32
Governo do Paraná, Secretaria de Estado da Cultura e Audi do Brasil apresentam e Literatura de Leitura 2018 Per cur sos

Transcript of de Leitura e Literatura...Este Guia apresenta três textos com dicas de leitura e de atividades para...

Governo do Paraná, Secretaria de Estado da Cultura

e Audi do Brasil apresentam

e Literaturade Leitura

2018

Percur

sos

“O prazer de ler

é também uma

descoberta.” Eliana Yunes

“A leitura abre portas;

a literatura abre as

janelas da alma”.

Marta Morais da Costa

O guia Percursos de Leitura e Literatura é uma

publicação do projeto Agentes de Leitura do

Paraná, realizado pela Secretaria de Estado da

Cultura, com o reinvestimento da Audi do Brasil,

por meio do Programa Paraná Competitivo,

e conta também com a parceria da Biblioteca

Pública do Paraná.

Os textos apresentados neste percurso

convidam o leitor para um passeio no universo

dos efeitos da ficção literária, tendo o agente

de leitura como fio condutor deste trajeto. O

conteúdo deste material está em consonância

com as metas e objetivos do Plano Estadual do

Livro, Leitura e Literatura do Paraná, atendendo

principalmente aos eixos I - Democratização do

Acesso ao livro, leitura e literatura e II - Fomento

à leitura e à formação de mediadores.

A literatura proporciona a diversidade cultural,

a ampliação de horizontes, também contribui,

sobremaneira, para o estímulo e ampliação de

conhecimento pelas suas múltiplas linguagens.

É a arte da palavra que nos coloca em contato

com inúmeras experiências sem nunca tê-las

vivido. É o ponto de vista do autor que nos leva

a reinventar a realidade.

João Luiz Fiani Secretário de Estado da Cultura

Está mais do que provado pela ciência, pela filosofia e outras

áreas, que a pessoa que lê amplia seus conhecimentos

e oportunidades. Mas apenas afirmar isso não basta.

É necessário internalizar que ler é importante para que a

prática da leitura seja intrínseca ao cotidiano.

Não se trata, porém, de simplesmente adquirir o hábito da

leitura, e sim de viver este hábito. Agir, partir para a ação,

pegar o livro nas mãos, sentir seu peso, volume, perfume,

abrir o livro. Iniciar a jornada entre o saber e o fazer.

Às vezes é difícil percorrer esse trajeto sozinho. Receber

incentivo à leitura nesse primeiro momento é fundamental.

O agente de leitura é aquele que pode estimular o leitor

nessa transição para o mundo dos livros. Ele mostra o

quanto ler é bom, divertido e prazeroso, faz contação de

histórias, lê em voz alta, faz despertar o desejo de ler. No

entanto, é primordial passar do desejo à ação e somente

o leitor poderá dar o primeiro passo, ler a primeira página,

virar a segunda, engrenar a terceira, entrar de cabeça na

quarta e manter o ritmo a partir da quinta. Depois dessa

experiência, os caminhos da leitura estarão abertos.

Apresentação

Este Guia apresenta três textos com dicas de leitura e de

atividades para os mediadores que almejam fazer do livro

e da leitura potências essenciais na formação de leitores

e de cidadãos. Os textos convidam o agente de leitura à

reflexão do seu papel enquanto mediador das ações de

incentivo à leitura e à cultura e de formador de leitores.

No Décalogo do Leitor, José Roberto Torero apresenta um

conjunto de 10 dicas muito bem-humoradas sobre onde

e como encontrar o livro certo, sobre espaço e tempo

da leitura, e a autonomia do leitor. Para o experiente

autor, o acúmulo de experiências literárias diversas, sem

preconceito na seleção de gêneros, autores e temas, ajuda

a formar um leitor cada vez mais autônomo.

O segundo texto “A literatura fala e a gente faz”, de Marta

Morais da Costa, nos mostra que se abre um campo de

possibilidades infinitas “Quando pensamos em literatura...”.

A autora relata que ler tem várias funções, mas ela tem

como foco a leitura da literatura. O texto literário interage

com o real e fará sentido na medida em que o leitor

trouxer suas contribuições e percepções para entendê-lo,

interpretá-lo e reinterpretá-lo.

O texto também expressa a importância do agente de

leitura no processo de construção da cidadania e formação

do leitor. Esse profissional tem conquistado cada vez

mais espaço nas comunidades em que atua. A mediação

é feita nas escolas, nas bibliotecas públicas, comunitárias,

nos centros de convivência, e para diversos públicos, da

criança ao idoso. Todos gostam de uma boa história! Mas

o mediador tem o desafio de dar um passo além. Depois

de conquistar o público, precisa ir do texto oral ao texto

escrito, mostrar a beleza e a força da palavra escrita. A

pesquisadora compartilha, então, propostas e sugestões

de ordem prática que podem ser utilizadas pelos agentes

de leitura em suas atividades.

Por fim temos “O Presente”, de Paulo Venturelli, para os

“Agentes de Leitura do Paraná” – projeto que motivou o

início deste percurso. No conto, a literatura é também

personagem. Ela nos mostra que o mundo não é plano,

tem dobras, precisa de explicação, e vivemos em busca

de desdobrar essas camadas. O personagem-leitor é

levado pelo indiozinho Peri para aventuras da floresta

até a lua, mas em outro momento é ele quem conduz:

“Aí fui eu que peguei Peri pela mão. E o acompanhei pela

mata.” A leitura da literatura tem essa capacidade de

provocar estranhamentos, de nos fazer ver a pluralidade

de versões do nosso mundo e de outras realidades, ou

como diz o menino do conto a história “pipoca na mente”.

Os percursos para se chegar até a leitura são muitos, mas

ler é o melhor caminho. Que os textos desse guia possam

contribuir para a formação dos Agentes de Leitura do

Paraná e de futuros leitores.

No site da Secretaria de Estado da Cultura você

poderá baixar a versão do guia em formato PDF para

consultar e compartilhar com os amigos e os familiares.

www.cultura.pr.gov.br

Boa leitura!

Tatjane Garcia Albach Coordenadora do Plano Estadual

do Livro, Leitura e Literatura do Paraná – PELLL/PR

Aos escritores José Roberto Torero,

Marta Morais da Costa e Paulo Venturelli pela

cessão gratuita dos textos para este material.

À Comissão do Plano Estadual do Livro,

Leitura e Literatura do Paraná – COMPELLL/

PR pela leitura atenta e reflexiva dos textos.

E aos colaboradores que de alguma forma

contribuíram para a realização deste Percurso

de leitura e literatura: Eliana Yunes, Ricardo

Azevedo, Rosália Guedes e Wilson Sagae.

Agradecimentos

1. Fuce os livros nas bibliotecas e livrarias, lendo um

pouquinho de cada um, até encontrar um que te apeteça,

2. Largue o livro depois de 30 páginas se não gostar dele,

3. Rabisque o livro à vontade (se ele for seu),

4. Não rabisque o livro de jeito nenhum (se for emprestado),

5. Leia em qualquer lugar (no ônibus, no metrô, na rede,

na cama, andando (mas com cuidado para atravessar a

rua), na banheira, num galho de árvore, na privada e até

sentado numa cadeira com o livro apoiado na mesa,

6. Não tenha preconceito de gênero (no caso, gênero

literário) nem preconceito geográfico (livros bons vêm de

qualquer país, inclusive daqui do Brasil),

do leitorOdecálogo

José Roberto Torero

7. Não tenha vergonha do que gosta nem do que desgosta.

Cada leitor é quem sabe o que é bom para si.

8. Leve sempre um livro com você. Ele pode ser útil na fila do

banco, na fila do correio, na sala de espera do consultório

médico e, duplamente, no caso de uma dor de barriga.

9. Leia na sua velocidade. Não adianta ler rápido se você

não entende direito o que lê.

10. Se quiser ler em voz alta, leia mesmo, porque às vezes

só assim a gente entende o que está escrito. Os antigos

só liam em voz alta, e diziam que assim as palavras

ganhavam vida.

do leitordecálogo

José Roberto Torero nasceu em Santos (SP) em 1963.

É jornalista, escritor, cineasta e roteirista. Iniciou sua

carreira de cronista no Jornal da Tarde, de São Paulo,

e também escreveu textos sobre futebol para a revista

Placar e para o jornal Folha de S.Paulo. É autor do best-

seller O Chalaça, vencedor do Prêmio Jabuti em 1995,

e do romance Papis et circenses, vencedor do Prêmio

Paraná de Literatura de 2012. Também transita pela

literatura infantojuvenil, tendo escrito, entre outros,

Naná descobre o céu (2005), Pequeno rei e o parque real

(2007), e a coleção Fábrica de Fábulas, em parceria com

Marcus Aurelius Pimenta, que recria com muito humor os

grandes clássicos da literatura infantojuvenil.

Entre as perguntas feitas às pessoas sobre leitura e sobre

literatura, existe uma que, de tão repetida, é até previsível

em sua resposta. Talvez você já tenha passado por ela, seja

como alguém que a perguntou ou como alguém que a

respondeu: “você gosta de ler?”

Sabe aquele olho esbugalhado, o coração dando

cambalhota e a boca entreaberta? A pessoa que se

a literatura

FALA

Quando pensamos em literatura...

Marta Morais da Costa

e a gente

FAZprepara para responder dá um tempo, porque pode

estar pensando algo como: “se eu falar a verdade, vou

passar vexame porque direi ‘não, não gosto!’. Se mentir

e disser que gosto, talvez me perguntem o que estou

lendo. Daí será outro vexame!”. É melhor sair de fininho,

pela tangente: “olha, gosto, sim! Mas não tenho tempo

para ler. E também não gosto de histórias compridas. Ou

românticas. Prefiro assistir ao filme.”

Pronto! Já temos alguns elementos para pensar a leitura

da literatura. Querem ver?

1. Nem sempre leio porque gosto. Este verbo é subjetivo

e amplo, porque gostar é infinito. Muitas vezes leio

porque preciso ler. Ou me obrigo a ler.

2. A leitura toma tempo porque o correr dos olhos

precisa fazer sentido e fazer pensar. Não é apenas

correr. Nem sempre temos o tempo: precisamos criar

o tempo para ler.

3. Leitura rima com literatura. E apenas rima, porque são

ações que têm objetos e objetivos diferentes. Se você

seguir este texto, depois haverá uma explicação mais

longa sobre isso.

4. A literatura não é composta apenas por histórias

românticas. Ela abrange a poesia, o teatro e as

narrativas, geralmente em prosa. E cada uma das três

tem diferentes formatos e diferentes tipos de texto.

Não são uma coisa só!

5. Um filme baseado em um texto literário não é

literatura: é cinema! Uma linguagem que dá corpo

aos personagens, que movimenta os cenários, que

cria sons ambientais ou de fala altera o que os leitores

imaginaram. Por isso, trata-se de outra arte.

Estamos no depois e é hora da explicação. Temos todos

os tipos de texto em jornal, em livro, nas telas e até em

cartazes e placas. Esses são os suportes. Os textos têm

várias funções: informar, aconselhar, descrever, convencer,

emocionar, provocar reflexão e muitas outras. Essas são

finalidades. Mas nem todos os textos são inventivos

ou surpreendem pelo uso não habitual da língua e da

linguagem, e pulsam como se fossem vivos, como se

fossem a realidade em trajes incomuns. Essa é a literatura.

Quer ver? Leia uma notícia de jornal sobre meio ambiente.

Depois leia um romance ou um conto com a descrição

de uma paisagem. O primeiro texto provavelmente

tentará criar ou consolidar nos leitores a consciência

da importância da preservação. O segundo formará a

imagem mental que, somada ao contexto global da

história, provocará sensações, descobertas, lembrará

outras paisagens e estabelecerá pontes com personagens,

situações, clima emocional. Todos juntos e misturados.

Sem querer convencer os leitores sobre a importância da

preservação ou das catástrofes climáticas.

A leitura da literatura não gosta de questionários e

avaliações quantitativas. Ela encaminha os leitores para o

campo das questões essenciais da vida:

quem? (a personagem ou o leitor é, será e foi)

quando? (requer um trabalho com o tempo

da memória, o do relógio e o psicológico)

por quê? (refere-se à origem da vida,

dos sentimentos, dos fracassos)

como? (trabalha com os comportamentos,

as decisões, as dúvidas)

para quê? (trata da vida em sua essência, em seu

sentido real, concreto e imaginário: a razão de se estar vivo)

As respostas a essas questões não se dão no modo

verdadeiro, mas na perspectiva da ficção, isto é, da criação

imaginária, na ficção. A leitura em geral pode acontecer em

textos que pedem aos leitores uma compreensão exata,

fixa, concreta. Nomes, situações, dados, acontecimentos.

No caso da literatura, a leitura pede imaginação, aventura

na linguagem, sensibilidade para a beleza e o horror,

uma realidade paralela e, muitas vezes, perfeita ou

inexistente. Mal comparando, leitura é termo de sentido

amplo; literatura é termo de sentido exclusivo, particular

e singular.

Ler narrativas escritas, poemas e peças de teatro não tem

como objetivo tornar cultos os leitores. Torna, sim, os

leitores mais humanos. Se os textos forem de qualidade,

os leitores poderão se tornar mais sábios e mais

compreensivos. A literatura de boa qualidade humaniza.

Um poema pode conter em sua curta extensão as

maravilhas do mundo e alguma(s) verdade(s) sobre a

vida. A extensão na literatura não equivale a um nível de

qualidade: é apenas um dado quantitativo. O mais curto

pode ser denso e o mais longo, superficial. Um livro grosso

pode ser apenas um livro com muitas páginas e pouca

qualidade literária. Ler muitos livros somente terá valor se

eles forem bons textos literários. Um bom leitor não é um

esportista que tem parâmetros quantitativos a alcançar:

pontos, tempos, vitórias, recordes.

A leitura abre portas; a literatura abre as janelas da alma.

Tenho certeza que você gostaria de algumas sugestões

de ordem prática, porque um agente de leitura age na

comunidade e na vida real. Para tanto, nunca é demais

ter alguma orientação de práticas leitoras desenvolvidas a

partir da literatura. Se for essa a expectativa, siga-me.

Comece o dia com um poema, com um conto ou romance

(os dois últimos podem ser lidos aos poucos). Leia

simplesmente, sem interrupções e de forma expressiva.

Se houver comentários dos ouvintes, durante ou ao final

da leitura, que sejam espontâneos e relevantes. Se

não houver, deixe o texto pairar no ar, no silêncio, na

memória dos ouvintes. Imagine se ao final de um filme

emocionante, os espectadores tivessem que responder

a um questionário! O prazer experimentado sofreria um

choque e poderia desaparecer.

Sempre que possível, mostre o livro de onde saiu o texto

lido. Ele é seu álibi, sua isca para atrair leitores. Os leitores

precisam conviver com o objeto livro.

Se for ler um texto literário em voz alta, prefira textos

completos (poemas e contos curtos) ou capítulos inteiros

de um texto longo (lidos aos poucos e na sequência da

narrativa: capítulo 1, capítulo 2 e assim por diante).

Não trate o texto literário como um texto qualquer: ele

traz beleza e humanidade aos leitores, como nenhum

outro o faz.

Propostas a serem compartilhadas

(ou não)

Nenhuma imagem, nem filme, nem música substitui o texto

literário: a arte da literatura se mostra e vive nas palavras,

na capacidade da linguagem criar mundos imaginários.

As demais linguagens artísticas (pintura, cinema, dança,

música, encenação teatral) obedecem a outras sintaxes,

outras normas, outra evolução histórica, outros fazeres,

outros modos de ler.

Nos livros infantis por vezes a ilustração limita o

imaginário dos leitores porque traz a imagem pronta,

nascida da interpretação do ilustrador. Procure livros

que tragam uma ilustração desafiadora, surpreendente e

provocativa, tanto quanto o texto verbal escrito.

Ler individualmente ou de modo compartilhado impõe

diferentes comportamentos. O silêncio e a fala são vividos

de modo específico a cada modo de ler. Os dois modos de

leitura de textos literários podem e devem ser praticados

para estimular leitores a ler continuadamente.

Se quiser desenvolver atividades POSTERIORES à leitura

do texto literário, escolha atividades igualmente criativas,

inovadoras, estimulantes, diversificadas. Um bom texto

literário pode ser assassinado por práticas leitoras

repetitivas, enfadonhas, desestimuladoras.

Basicamente a poesia é ritmo, a prosa é tempo

sequenciado e o teatro, ação. Por isso, a riqueza da

literatura está na DIVERSIDADE. Não pare no mesmo

lugar o tempo todo: a rotina acaba com a alegria e a

surpresa daquilo que é o diferente.

Personagens são ideias que agem. Cada leitor constrói as

suas imagens dos personagens e cenários que lê. Mesmo

um personagem de olhos verdes terá diferentes tons de

verde em cada olhar leitor. Deixe emergir esta diversidade

de compreensão da literatura na leitura compartilhada.

A boa literatura não tem tempo definido: textos antigos

podem continuar a ter significado e a fazer sentido

na atualidade! Ítalo Calvino escreveu que um texto

“clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo

que tinha para dizer.”.

Quanto mais aumentam o repertório de leitura, mais

críticos se tornam os leitores. E, por comparação entre

os livros que conheceram anteriormente e o que estão

lendo, se tornam capazes de distinguir, entre tantos

textos, aquele que é bom, que é relevante e que trouxe

contribuições para seu repertório. Por isso, os leitores

constantes acabam criando os próprios parâmetros de

qualidade literária.

Que você faça boas leituras e um excelente trabalho na

formação de leitores!

Marta Morais da Costa, professora

e escritora, tem artigos e livros

publicados na área da leitura, como

Sempreviva, a leitura, 2009, Mapa do

mundo: crônicas sobre leitura, 2006,

Metodologia do ensino da literatura

infantil, 2016, além de crônicas,

dramaturgia e literatura infantil. É

membro da Academia Paranaense

de Letras do Paraná e – Rede de

Pesquisadores em Leitura do iiLer na

Cátedra UNESCO de Leitura PUC-Rio.

o presente

o presente Naquele tempo, papai trabalhava

até o final da tarde. Vinha da fábrica, tomava

banho, comia alguma coisa. Mamãe, de

vestido rodado e florido, lábios pintados de

vermelho o esperava. Eu ia colocar o uniforme

do Corinthians, pernas finas, calção muito

largo. A gente saía – olhar as vitrines. Como

era tempo de Natal, as lojas ficavam abertas

até de noite. E foi num desses passeios que

vi a bicicleta – vermelha e preta. Luzia atrás

do vidro. Fiquei enlouquecido. Puxei papai

– é esse o presente que eu quero. Filho,

respondeu, não tenho condições de comprar.

Eu nem aí – quero a bicicleta. E de tanto

desejar, fiquei na certeza de que ela viria.

Na noite de Natal, o pinheiro

iluminado, cantamos a música do Menino

Jesus. Nem prestei atenção. Os olhos

pregados nos pacotes de papel colorido.

Nenhum grande. Papai foi até lá, pegou

Paulo Venturelli

embrulho pequeno – foi isso que pude comprar. Abri com

o maior desânimo do mundo – um livro. Livro? eu não

quero livro, quero a bicicleta. E atirei o coitado num canto.

Neste momento, vovó apareceu – fofo, não dê esse trato

ao presente mais maravilhoso do mundo. Emburrado eu

resmungava – quero a bicicleta. Vovó me levou ao quarto,

me fez sentar na cama – querido, vou ler a história pra

você. Minha birra – não quero escutar nada. Com voz

mansa, pausada, vovó começou a ler.

Era a história de um indiozinho chamado Peri. Ele

nasceu dentro de uma vitória-régia, nadou até a margem

do rio. De repente, encontrou a escada de cristal e subiu

até a lua. Comecei a prestar atenção – o que esse carinha

vai inventar? Ao chegar à lua, Peri encontrou a turma de

crianças morenas. Brincou e brincou. Passei a me imaginar

naquele lugar, a fazer algazarra com eles. Estava fisgado,

só que não aguentei e dormi.

Na manhã seguinte, acordei com sensação

estranha. Algo pipocava na mente. Parece que tinha

sonhado com um índio menino. Sonhei? O raio na cabeça

– que nada, é história que vovó leu. Saltei da cama. Vovó

a tomar café. Cheguei perto. Pedi – vó, continua aquele

livro? Fomos à varanda. Ela abriu as páginas que estavam

me dando cosquinhas na cabeça.

Peri, depois de se divertir, parou e descansou.

Viu lá embaixo a taba no meio da floresta. Sem precisar

da escada, voou até sua gente. Ali foi cercado por outras

crianças. Corpos pintados. Por papagaios e araras. Mais

além, o rio murmurava cálido. Peri e a pivetada correram

naquela direção. Um índio pequerrucho não sabia nadar.

Peri o pegou no colo, o levou ao meio das águas e com

cuidado depositou o picucho frágil na água dançante. Foi

ensinando Tuti a nadar. Depois de ir ao fundo algumas

vezes, ele perdeu o medo. Nadou. Gritos. Tapas no rio.

Agarrou a mão de Peri – agora somos amigos a vida toda. E

vovó foi lendo. Pedi – vó, eu posso ler? Claro, meu querido.

Me ajeitei na cadeira de balanço. Aí fui eu que peguei Peri

pela mão. E o acompanhei pela mata. Lendo, percebi que

a história ganhava mais cor, mais sustância. Ela deixava

de entrar pelos ouvidos. Entrava pelos olhos. Fazia meu

coração estremecer o peito. E lá veio outra tristeza – o

livro terminou. Vovó bordava manto vermelho. Cheguei e

perguntei – tem mais livro com índio e brincadeira e mata?

Claro que tem. Compra pra mim. Ih, meu pimpolho, isso

é coisa lá pro teu pai. Esperei ele chegar da fábrica – pai,

compra outro livro? Ué, a troco de quê? Adorei o Peri.

Ah, é? esqueceu da vermelha e preta? E papai comprou.

Livro com índio, com caravelas, com negros escravos, com

porões, com cavalos pelos prados do sertão.

E eu fui seguindo a estrada que mais e mais me

levou aos braços de obras e escritores. Fui acolhido por

tanta gente. Cresci, estudei, me formei. Os livros foram

sendo acumulados dentro de casa. A tal ponto que precisei

adquirir outra só a fim de guardar os mundos, os livros,

muitos livros. Tenho biblioteca frondosa. Seus galhos se

distendem pelo universo. Quando me ponho a ler, lembro

daquelas sensações pulsantes que Peri me causou. Fui

descobrindo outras. E mais que sensações – pensamentos,

ideias, enredos de puro fascínio. Mas cada vez que abro um

volume, fico nervoso, cheio de ansiedade e expectativa – o

que encontrarei nas palavras? quem conhecerei? Verdade.

Suo frio. É como estar na estação e pegar o trem que não

sei onde vai dar. Sempre chega num lugar inesperado. A

mente ferve, o sangue corre veloz no meio de tanta gente

desconhecida que logo se torna vizinho, parente, Peri com

outra personalidade. Degusto sabores estranhos, culturas

exóticas e empolgantes, entro em casas cuja existência

desconhecia.

Ler é pão quente, broa de fubá feito pela vovó.

Lembram dela? Já se foi. Mas a voz aveludada envolve meus

ouvidos. Velho que sou nunca me senti velho. Leio a toda

hora. Ganho bocados de juventude. Acho que nem vou

morrer. Os personagens não acabam, vivem na eternidade

do encanto. Comigo se dá o mesmo. E se eu me for, vou

entrar em céu especial – biblioteca gigantesca. Poderei ler

em todas as línguas, dono do tempo. E no final da tarde,

em vez de visitar vitrines, tomo cafezinho com Machado

de Assis, Cecília Meireles, Clarice Lispector, Thomas Mann,

Tolstói, Dostoiévski, Lúcio Cardoso, Borges, Cortázar, Lima

Barreto, Helena Kolody, Philip Roth, Manuel Bandeira,

Drummond, Mário de Andrade, Pagu, Rachel de Queiroz,

Nelson Rodrigues, Hemingway, Virginia Woolf, Fernando

Pessoa, Keats, Sartre, Byron, Hilda Hilst, Orides Fontela,

Castro Alves, Fernando Sabino, Verlaine, Guimarães Rosa,

Maria Helena Cardoso, Graciliano, Maria Lopes Cançado,

Rubem Braga, Stendhal, Poe, Henry Miller, Faulkner, Anna

Akhmátova, Alejandra Pizarnik, Marina Tsvetáieva..., ih,

credo, é tanta gente, tanta gente que a eternidade vai

parecer muito curta. Não haverá tempo de papear com

tanto escritor, tanta escritora. Por enquanto, tomo um café

com a criação que me legaram. E se eu falar nos novos? Já

viu que turma de resistência que está chegando de todo

lado e com cada maravilha...

Paulo Venturelli, nasceu em Brusque, SC,

no Verde Vale do Itajaí, de uma família

de operários. Em 74, transferiu-se para

Curitiba, onde se formou em Letras, pela

UFPR. Na mesma universidade fez seu

mestrado e doutorou-se pela USP em

2001. É professor de Literatura Brasileira

da UFPR, aposentado. Membro da

Academia Paranaense de Letras. Vencedor

do Prêmio de melhor obra para criança,

da Fundação Nacional do Livro Infantil e

Juvenil - FNLIJ, em 2013, com Visita à

baleia (Editora Positivo) e segundo lugar

do Prêmio Jabuti, na categoria infantil.

Autor de diversos livros, entre os quais:

O anjo rouco (1994), Fantasmas de caligem

(2006), Meu pai (2012), Madrugada de

farpas (2015), Bilhetes para Wallace

(2017), Maçãs argentinas (2014), Histórias

sem fôlego (2012).

Governadora do Paraná Cida Borghetti

Secretário de Estado da Cultura João Luiz Fiani

Diretor-Geral da SEEC Jader Alves

Diretor da Biblioteca Pública do Paraná Rogério Pereira

Coordenadora de Ação Cultural | SEEC Ingrid Kelly Dias Bozza

Coordenador de Comunicação | SEEC Alisson Diniz

Coordenadora de Desenho Gráfico | SEEC Rita Solieri Brandt

AGENTES DE LEITURA DO PARANÁ

Coordenadora do projeto Tatjane Garcia Albach

Assessor técnico Daniel Marcondes

Estagiária Ana Paula Ocampos

Diagramação Adriana Salmazo Zavadniak

Revisão Marjure Kosugi

Revisão de conteúdo Comissão do Plano Estadual do Livro, Leitura e

Literatura do Paraná – COMPELLL/PR

Titulares | Adilson Carlos Batista, Ana Cristiny Tigrinho, Cátia Toledo

Mendonça, Daniel Marcondes, Deivid Carlos Santos Lima,

Georgeana Barbosa de França, Gilmar Roberto Cosmo, Maria Marta

Sienna, Marta Morais da Costa, Norbert Padilha Heinz, Rogério Pereira,

Sérgio Miguel, Sirlei da Silveira Pinto, Tatjane Garcia de Meira Albach,

Vilma Lenir Calixto.

Suplentes | Edilson José Krupek, José Maia, Julmar Rubens Leardini, Lilian

Tedeschi de Felipe, Lucas Gabriel de Marins, Luiz Rebinski Jr., Luci Maria

Dias Collin, Marcos Pedri, Márcio Norberto, Nilva Conceição Miranda,

Priscila Angélica dos Santos Sehnem, Marcia Cristina Knopik, Rogério

Luiz Oliveira Bozza, Rogério Luís Tonetti.

Audi do Brasil

Presidente e CEO – Johannes Roscheck

Diretor de Sustentabilidade – Roberto Braun

Coordenador de Implementação – Vinicius Milani

Suporte Técnico e implementação – Rafael Machioni

Produção executiva do projeto

Instituto de Educação, Arte & Cultura Dom Miguel

Coordenadora de Produção - Grimalda Amorim

Direção de Produção - Lucas Buchile