De Olho Da Cultura Afro

download De Olho Da Cultura Afro

of 197

Transcript of De Olho Da Cultura Afro

  • De olho na Cultura 1

    DE OLHO NA CULTURA!

    PONTOS DE VISTA AFRO-BRASILEIROS

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:181

  • D278

    De olho na cultura: pontos de vista afro-brasileiros / Ana Lcia

    Silva Souza [et al...]. _Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais;

    Braslia: Fundao Cultural Palmares, 2005.

    196p.

    ISBN: 85-88070-030

    1. Negros - Cultura - Brasil. 2. Brasil - Civilizao - Influncias

    africanas 3. Negros - Identidade racial. I. Souza, Ana Lcia Silva. II.

    Universidade Federal da Bahia. Centro de Estudos Afro-Orientais. IV.

    Fundao Cultural Palmares.

    CDD - 305.896081

    Presidente da RepblicaLus Incio Lula da Silva

    Ministro da CulturaGilberto Gil

    Fundao Cultural PalmaresUbiratan Castro (Presidente)

    Universidade Federal da Bahia-UFBA

    Reitor da UFBANaomar Almeida

    Diretora da FFCHLina Aras

    Diretor do Centro de Estudos Afro-Orientais-CEAOJoclio Teles dos Santos

    Coordenador e consultorJoclio Teles dos SantosPaula Cristina da Silva Barreto

    EditoraoBete Capinan

    CapaNildo e Renato da Silveira

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:182

  • Andria Lisboa de Souza

    Ana Lcia Silva Sousa

    Heloisa Pires Lima

    Mrcia Silva

    D E O L H O N A C U L T U R A !

    PONTOS DE VISTA AFRO-BRASILEIROS

    Centro de Estudos Afro-OrientaisFundao Cultural Palmares

    2005

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:183

  • cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:184

  • Apresentao

    A Lei 10.639, sancionada em 9 de janeiro de 2003 pelo Presi-dente Lus Incio Lula da Silva, alterou a Lei de Diretrizes e Ba-ses da Educao Nacional e incluiu a obrigatoriedade do ensinoda Histria e Cultura Afro-Brasileira em todos os currculos es-colares. Este advento criou a imperiosa necessidade de produ-o de material didtico especfico, adaptado aos vrios graus es diversas faixas etrias da populao escolar brasileira.

    Considerando o atendimento demanda de projetos edu-cacionais empreendidos pelas associaes culturais e pelos gru-pos organizados do Movimento Negro, notadamente os cursosde pr-vestibular, os cursos profissionalizantes e os cursos no-turnos em geral, a Fundao Cultural Palmares, entidade vincula-da ao Ministrio da Cultura, adotou como prioridade a produ-o de suportes pedaggicos apropriados aos jovens e adultos,pblico alvo destes projetos. Para tanto foi estabelecido um con-vnio com a Universidade Federal da Bahia, atravs do Centrode Estudos Afro-Orientais-CEAO, para a realizao de concur-sos nacionais para a elaborao de dois vdeos documentrios ede trs livros, um dos quais este volume que apresentamos.

    O resultado exitoso deste projeto deveu-se participaode todos os especialistas que integraram as comisses julgadoras,ao empenho administrativo da Profa. Mestra Martha Rosa

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:185

  • Queirs, Chefe de Gabinete da Fundao Cultural Palmares e doProf. Dr. Joclio Telles, Diretor do CEAO-UFBA. Agradecemosespecialmente liderana acadmica do Prof. Dr. Joo Jos Reise da Profa. Dra. Florentina Souza.

    Para assegurar o acesso de todos educadores aos resulta-dos deste projeto, desde j esto franqueados os respectivos di-reitos de reproduo a todos os sistemas pblicos de ensino e atodos empreendimentos educacionais comunitrios.

    Acreditamos que o ensino da Histria e da Cultura Afro-Brasileiras representar um passo fundamental para um convviosocial caracterizado pelo mtuo respeito entre todos os brasilei-ros, na medida em que todos aprendero a valorizar a heranacultural africana e o protagonismo histrico dos africanos e deseus descendentes no Brasil.

    Ubiratan Castro de ArajoPresidente

    Fundao Cultural Palmares

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:186

  • SUMRIO

    Introduo 9

    Captulo 1A criao dos mundos pela cultura 11

    Captulo 2Cultura e formao de identidades 25

    Captulo 3Representaes do homem e da mulher 37

    Captulo 4Culturas e religies 51

    Captulo 5De olho na infncia e o esporte em jogo 67

    Captulo 6Memrias corporais afro-brasileiras 83

    Captulo 7Nossa lngua afro-brasileira 103

    Captulo 8 Modalidades culturais de linguagem 121

    Captulo 9Arte afro-brasileira: memria cultural 139

    Captulo 10Negro em cena 167

    Bibliografia 185

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:187

  • cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:188

  • Introduo

    Livros circulam em todos ambientes educacionais das socieda-des. Imagine a quantidade deles espalhados pelo planeta. Uma coisatodos tm em comum: so iguais por trazerem informao, co-nhecimento. Porm, podem ser diferentes no assunto de que tra-tam, no formato, uso de cores, espessura, tipo de acabamento,preo.

    Pense, por um momento, em algum assunto qualquer quepossa ser tratado em uma obra literria. Imagine esse nico con-tedo tratado sob a tica de diferentes autores. Faz diferena se oponto de vista for o de um homem ou o de uma mulher? A naci-onalidade de quem escreve pode influenciar? A idade? A condi-o social? Se o produtor morar no meio da Amaznia ou noPlo Norte? E a mesma matria, se buscada em uma obra escritaem algum sculo anterior, seria apresentada de modo diferente?

    A informao contida em um livro tambm , portanto,construda a partir de conjunturas sociais peculiares.

    A histria da populao afro-brasileira tambm vem sendoconstruda a partir de vrios fatores, sob vrias ticas e atendendoa interesses que impem um determinado modo de se divulgar osfatos histricos ao longo do tempo.

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:189

  • Os livros didticos, por exemplo, no trazem a figura donegro representada de modo expressivo, isso se considerarmosapenas o nmero de habitantes afro-descendentes no pas. Demodo geral, ainda trazem o negro retratado como caseiro, lavadorde carro, bab, lavadeira etc. O negro aparece tambm em situa-es que falam de escravido. Isso esconde toda uma riqueza deoutros aspectos do universo africano e da histria dos negros quevieram escravizados para o Brasil.

    Esta obra, que ora apresentamos, rene pontos de vistaconstrudos por quatro mulheres negras. E h alguma peculiarida-de nisso? Sim.

    O nosso principal propsito alargar a percepo de todosos leitores sobre a multiplicidade dos universos culturais afro-bra-sileiros.

    Os captulos foram estruturados em blocos temticos quedialogam entre si. Elaboramos cada um deles a partir de uma abor-dagem crtica, procurando tambm possibilitar a descoberta des-ses repertrios que so respostas de histrias to particulares denossos mais velhos que construram uma parte da nossa histria.

    A noo de cultura e a de identidade so os temas de abertu-ra que preparam o passeio pelas diferentes linguagens: a corporal,a oral e a escrita. O percurso que convidamos voc a fazer conoscoprope ainda leituras da imagem e da auto-imagem dos afro-bra-sileiros na arte e na mdia.

    Pontos de vista esto em permanente construo e necessi-tam da troca com outros, o que fundamental para compartilharcoletivamente os saberes. Esperamos que esta proposta seja auxi-liar na expanso de conhecimentos, sobre as questes das identi-dades afros na cultura brasileira.

    As autoras

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1810

  • A CRIAO DOS MUNDOS

    PELA CULTURAA gente tem uma vista,

    mas quando aprende um pouquinho

    a vista abre um pouco mais.

    (Antnio Benedito Jorge,morador de rea remanescente de quilombos /

    Eldorado, So Paulo)

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1811

  • 12 De olho na Cultura

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1812

  • De olho na Cultura 13

    Nomeando e julgando

    O ser humano tem necessidade de nomear tudo: as coisas, osseres animados e inanimados, os sentimentos, os costumes, as tra-dies e as crenas sua volta. As mensagens que circulam em umambiente jamais so elaboradas com neutralidade, pois vm carre-gadas de julgamentos, de valores, positivos ou negativos. So essessistemas de idias e julgamentos que organizam uma particular cir-cunstncia, o que podemos entender, de modo geral, pela noode cultura. Lngua, religio, as formas de casamento, trocas co-merciais: enfim, toda resposta humana na organizao da vida emsociedade. As diferentes respostas que formam contextos cultu-rais distintos.

    A linguagem, em todas as suas possibilidades de dar signi-ficao ao que pretende um falante, tambm um instrumentofundamental para veiculao de preconceitos, criao e difusode esteretipos. So problemas, expresses que se incorporamno cotidiano das sociedades, que naturalizam o que no deve sernaturalizado, banalizam situaes que no devem ser banaliza-das, inferiorizam pessoas e os lugares que estas ocupam nos gru-pos sociais.

    Considerando a leitura do texto:

    Observe as frases:

    O ministro denegriu sua imagem com essa declarao.

    Voc est denegrindo a nossa empresa!

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1813

  • 14 De olho na Cultura

    Se denegrir significa tornar negro, por que o termo sugereque isso ruim?

    Mas outras formas de comunicao podem dizer mais doque palavras escritas. Modelos de humanidade podem ser qualifi-cados positivamente ou desqualificados atravs da imagem visualque enreda uma mensagem. Observem a publicidade dirigida aosque almejam entrar na faculdade.

    Um futuro de sucesso a principal mensagem para esse pe-rodo de passagem na vida educacional. Bastante comum a cir-culao nesse tipo de mensagens, apenas de jovens brancos e semnenhuma anormalidade fsica. Ser que somente esses almejamfazer parte da vida universitria? Mais recentemente, j podemosacompanhar mudanas nos padres projetados para esse pblico.

    Considerando a leitura do texto:

    Levante aspectos para comparar as propagandas publicitri-as, considerando a presena de pessoas negras e no negras e osprodutos anunciados.

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1814

  • De olho na Cultura 15

    Afro-brasileiros, afro-descendentes,alunado negro no ambiente escolar

    A Cultura e seus diferentes significados

    Um belo dia passamos a existir no planeta. At o modo de senascer tem a ver com a cultura onde vivemos. Os gestos, a fala, acomida que comemos, as roupas que vestimos, os hbitos, a reli-gio em que somos iniciados na famlia, os jeitos de amar, a medi-cina que utilizamos, os tipos de trabalho, o modo de compreendera morte, as filosofias, os ensinamentos, as manifestaes artsti-cas, enfim, tudo o que semeado pela aprendizagem o que en-tendemos por cultura. As nossas crenas so formadas a partir dereferenciais anteriores a nossa existncia. a cultura que organizaos sistemas de comunicao entre os indivduos e constri umaparato comum para a coletividade. Portanto, as formas culturaisso diversas como a expresso humana. A histria particular decada uma delas que permite distinguirmos as unidades culturais.

    Considerando a leitura do texto:

    Defina, ento, com seus prprios termos: O que cultura?

    O significado da palavra cultura, no mbito acadmico, podese confundir com a noo popular de cultura como algo produzi-do por elites. Ser culto como sinnimo de erudio, por exemplo,ou cultura como um aperfeioamento do esprito produzido pelaampliao de conhecimento. O termo Cultura tambm pode sercompreendido em relao com o termo Raa. No exerccio inte-lectual de explicar as evidentes diferenas, seja entre os povos doplaneta, seja nas desigualdades internas de uma sociedade, a no-o de raa foi base para o pensamento racialista surgido no finaldo sculo XIX. Toda a variedade dos hbitos sociais era consi-derada uma essncia determinada biologicamente, ou seja, dadano nascimento e imutvel at a morte, e no um estado relaciona-do aos contextos sociais. A fenotipia passou a definir um gruporacial ao qual se atribuem caractersticas sociais. Esse foi umcaminho rpido para a produo de estereotipias, pois um gru-

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1815

  • 16 De olho na Cultura

    po todo passou a ser, nesse contexto, genericamente definido,visto como um tipo.

    Outro ponto importante a lembrar, a respeito da produ-o de conhecimento oitocentista, o processo que no apenasdistinguiu os grupos humanos, mas os hierarquizou. O universodo cientista europeu, ou seja, seu prprio modelo de vida e cos-tumes, passou a ser o critrio da normalidade. a visoeurocntrica se impondo como formadora de conceitos cientfi-cos e sociais. A partir dessa viso, tudo ou todos que estiveremfora desse padro passam a ser designados como os outros. Des-sa linha de raciocnio se desdobraram concepes que sobrevi-vem at os dias de hoje. No nvel inferior de uma escala, os pri-mitivos e, na outra ponta, os evoludos ou, mais modernamente,as sociedades simples e as sociedades complexas. Ser que existealguma sociedade que no seja complexa? De acordo com essaviso, os complexos e evoludos e os normais eram os que seencaixavam nos padres europeus.

    J no sculo XX aparecem sinais de mudana situao atento vigente. Claude Lvi-Strauss, antroplogo francs que mo-rou no Brasil, na dcada de 1940, por exemplo, procurou definircultura como uma reunio de sistemas simblicos (a linguagem,as regras matrimoniais, as relaes econmicas, a arte, a cincia, areligio). De acordo com o seu pensamento, cultura a capacida-de simblica de atribuir significados atravs dos modos de pensar,sentir, agir. Toda sociedade ou grupo social elabora estratgias paraa interiorizao de modelos culturais nos seus descendentes. isto que garante a conservao das crenas e valores do grupo e,principalmente, a estima do grupo por si mesmo.

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1816

  • De olho na Cultura 17

    As lentes da culturana representao da frica

    O ambiente escolar tambm um espao para infundir percep-es sobre o mundo que nos antecedeu. Vamos tomar um exem-plo: a aprendizagem sobre a Europa, a Amrica Latina ou mes-mo sobre o Brasil. A informao conduz os olhares a partir dasassociaes construdas em torno de determinado aspecto, diri-ge a ateno para um ou outro fato e vai construindo a opiniodos informados. O enredo elege partes do todo para uma versoa partir de um ngulo, de um ponto de vista.

    Querem acompanhar um caso? Vejamos a representaoda frica por uma HQ belga no incio do sculo XX.

    Estudos de caso so bons para mostrar relaes. Dentreelas, a que nos interessa no momento: a relao entre sociedades.A frica que conhecemos hoje, com a diviso poltica dos atuaispases, carrega uma histria de distribuio dos seus territriosentre naes europias. Foi em 1885 que um acordo entre as po-tncias definiu imprios coloniais. Assim constituram-se:

    Antigas colnias francesas

    Antigas colnias belgas

    Antigas colnias espanholas

    Antigas colnias italianas

    Antigas colnias inglesas

    Antigas colnias portuguesas

    A partilha da frica envolveu um jogo complexo com orga-nizaes e reorganizaes administrativas nas colnias pertencentess diferentes coroas. Delimitar os domnios era uma prtica con-junta com a administrao do trfico por sculos e sculos. Ocontinente passou a ser mais cobiado a partir do descobrimentodo diamante no Transvaal (1867). O resultado foi a exploso colo-nial entre 1890 e 1904, que acelera, ao fim do sculo XIX, o ani-

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1817

  • 18 De olho na Cultura

    quilamento de civilizaes seculares. Disputar o domnio dos ma-res, dos rios, dos territrios articulava uma poltica colonial queseguia uma poltica mais geral de alianas e rivalidades na Europa.Nesse panorama, prestemos ateno ao aspecto cultural da em-preitada de ocupar e se manter no continente desconhecido.

    Tomemos a histria em quadrinhos Tintin. Vamos compre-end-la como uma das narrativas do imaginrio sobre o mundoafricano. Difundidas durante o processo de colonizar o continen-te, apresentavam uma frica dos europeus. O personagem foi cri-ado por Herg, um jornalista belga, no ano de 1929. Um dos exem-plares que leva, no original, o ttulo Les aventures Tintin, reprter duPetit Vingtime au Congo, surgiu em 1931, no contexto da coloniza-o belga do Congo. Voltando um pouco no tempo, podemosafirmar que a bacia do Congo no apresentava interesse at 1870.Os governos europeus financiavam expedies para desbravar riose territrios, o que lhes dava o direito de posse, cujo reconheci-mento por outras naes (os pavilhes) era negociado. O reiLeopoldo, ento governante da Blgica, passa a financiar a desco-berta da embocadura do rio Congo. Ao mesmo tempo, financiauma associao Internacional, o Comit de Estudos do Alto Congo,que vai fomentar a fundao de um Estado negro livre, todavia,financiado e assessorado por esse Comit. O interesse pela regiomotivou inmeras disputas. A Frana, por exemplo, destina umoramento de 1.275.000 francos para expandir sua rea de domi-nao. Portugal invoca os direitos de prioridade histrica de suadescoberta no sculo XV, alegando que o reino do Congo haviasido seu aliado nos sculos XVI e XVII. A Inglaterra, que tentavao reconhecimento de outras fronteiras em frica, negocia o reco-nhecimento da regio. Foi em fevereiro de 1908 que uma Confe-rncia Internacional arbitrada por Bismarck deu a cesso do Esta-do do Congo Blgica, que manteria seu imprio africano atjunho de 1960. O propsito de glorificao do empreendimentocolonial parece ser o ponto comum entre as imagens produzidas apartir dos diferentes cantos europeus.

    Agora, vamos refletir sobre o modo como o Congo repre-sentado nos lbuns de Tintin, nesse contexto. A construo daface, a fisionomia dos habitantes nativos, a postura do corpo, o

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1818

  • De olho na Cultura 19

    Antigas colnias francesas

    Antigas colnias inglesas

    Antigas colnias italianas

    Antigas colnias espanholas

    Antigas colnias portuguesasAntigas colnias belgas

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1819

  • 20 De olho na Cultura

    cenrio e principalmente a relao entre os dois mundos, levamo leitor a concluir que um modelo de tipo humano, o brancoeuropeu belga, superior ao outro, o negro africano congols.

    o paternalismo que organiza a imagem em que os indge-nas so estpidos, subevoludos, ridculos, selvagens no patamarda animalidade, articulados num universo de desigualdade e troa.Temos a construo de um enredo simblico carregado de valo-res e crenas como substratos da ao poltica ou econmica. Comoprojees negativas, as faces so pintadas como carvo e de modogrotesco.

    No entanto, no encontraremos a mesma correspondnciano tipo humano branco, ali representado. A cor da pele no mostrada branca como papel, em oposio cor de carvo queretrata a figura do negro. Seu aspecto rosado como a pele realdos brancos. H um cuidado em desumanizar um tipo e humanizaro outro.

    Pesquisando a cultura:

    Voc encontra a imagem da capa da obra Tintin au Congo nosite da Fundao Tintin/ Moulinsart que no autorizam a publica-o da imagem pois os sucessores dos direitos no desejam a as-sociao da imagem com o colonialismo.

    Entre em http://www.tintin.be/

    Pesquise no cone Les aventures de Tintin a seo Les lbuns

    Voc pode tambm procurar a verso brasileira, publicadaem 1970, pela Editora Record, com o ttulo Tintin na frica.

    sempre necessrio prestar ateno s relaes de poderentremeadas nas mensagens visuais e perceber que as idias que acirculam vo entrando e se acomodando em nosso imaginrio. Noexemplo em destaque, Tintin satisfazia a necessidade de difundir in-formaes sobre a regio para quem? Para os europeus e, sobretudo,crianas e jovens da Blgica. O heri apresenta a regio desconhecidae contribui para a opinio a ser formada sobre ela. O ancoradourodos esteretipos explicita que o racismo um produto da histria e

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1820

  • De olho na Cultura 21

    de certas relaes sociais e econmicas, internacionais e internas. Serque a populao nativa se auto-representaria nos mesmos moldes?

    Representar a frica como perdedora social comum emmuitas publicaes didticas ou no. No entanto, vitrias sobre oscolonizadores so raramente evidenciadas quando o assunto omundo africano.

    Faa uma pesquisa sobre Jomo Keniatta, lder Kikuiu, queexpulsou os britnicos colonizadores do seu territrio, o Qunia efoi importante no processo de independncia

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1821

  • 22 De olho na Cultura

    As culturas trocam culturas

    No h cultura totalmente isolada. A comunicao propicia atroca de idias e saberes. O dinamismo de uma cultura pode pro-duzir impasses, questionamentos, conflitos, dvidas. Da necessi-dade de acomod-los surgem solues, quase sempre parciais,que geram futuras demandas. Administrar diferenas passa peloexerccio de acolher as posies divergentes.

    E sobre as relaes humanas em nossa sociedade? A idiado Brasil como um paraso nos trpicos foi difundida desde suadescoberta. Sobre essa idia se acrescentou a de paraso racial.Sobre essas, a idia de democracia racial. E sobre essas todas va-mos construindo a identidade sobre a vida brasileira.

    A tica e a memria

    A memria funda as percepes sobre o mundo. Essas percep-es podem ser construdas, mas tambm desconstrudas.Umnome de rua, de uma escola, de um teatro tambm uma mem-ria preservada.

    O que voc sabe sobre a origem do nome de sua cidade?

    Localize os monumentos que existem em sua cidade. Umbusto, uma esttua, uma escultura etc. Essas homenagens soselecionadas culturalmente. Uma sociedade elege o que deve per-manecer ou morrer na memria coletiva. Voc sabe como umacasa antiga passa a ser considerada patrimnio histrico?

    Reveja o que conservado como lembrana no que diz res-peito populao afro-brasileira na sua cidade. Pode tambm serrelativa aos indgenas ou orientais. O importante observar se hlugar para esses grupos na memria coletiva. E se h eqidade emrelao s demais representaes encontradas. quase a respostado quanto se valoriza essa presena na localidade. Quem decidesobre o que deve ou no ser resguardado?

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1822

  • De olho na Cultura 23

    1 http://www.iphan.gov.br

    Mas nem sempre a cultura a ser considerada apenas a ma-terial. Desde 17 de outubro de 2003, a Unesco convencionou umavertente imaterial dos bens a serem preservados:

    Entende-se por patrimnio cultural imaterial as prticas,

    representaes, expresses, conhecimentos e tcnicas jun-

    to com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares que lhes

    so associados que as comunidades, os grupos e, em al-

    guns casos, os indivduos reconhecem como parte integran-

    te de seu patrimnio cultural. Este patrimnio cultural

    imaterial, que se transmite de gerao em gerao, constan-

    temente recriado pelas comunidades e grupos em funo de

    seu ambiente, de sua interao com a natureza e de sua his-

    tria, gerando um sentimento de identidade e continuidade,

    contribuindo assim para promover o respeito diversidade

    cultural e criatividade humana.1

    Dicas culturais:

    O decreto 3.551 de 2000, assinado pelo presidente da Rep-

    blica, normatizou o registro dos bens imateriais culturais do

    Brasil para que eles sejam protegidos e no corram o risco

    de desaparecer. O registro renovado de dez em dez anos,

    com o objetivo de verificar se o bem cultural foi modificado

    pelo povo ou continua com os mesmos parmetros de quan-

    do recebeu a certificao. Entidades ligadas ao culto afro-

    baiano comearam a campanha pelo registro do acaraj como

    patrimnio cultural do Brasil, para ter a receita, os ritos de

    preparao e tradio preservados. Em 01/12/2004, o Insti-

    tuto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Iphan)

    tombou o bolinho feito com feijo fradinho e azeite de dend

    como bem imaterial, em reunio extraordinria na Igreja

    de Santa Teresa, em Salvador.

    O trabalho das baianas de acaraj tambm foi reconhecido

    como profisso pelo Iphan. O registro do ofcio no reco-

    nhece apenas o acaraj, mas todos os saberes e fazeres tradi-

    cionais aplicados na produo e comercializao das chama-

    das comidas da Bahia feitas com azeite de dend.

    O critrio descrito no texto em destaque importante paraa considerao de unidades culturais. No Brasil, a delimitao dasterras de populaes negras descendentes de antigos quilombos

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1823

  • 24 De olho na Cultura

    leva tambm em conta o universo da cultura imaterial.Em 1991,por exemplo, o governo do Estado de Gois reconheceu umarea onde vivem comunidades negras chamadas Kalunga comopatrimnio cultural brasileiro.

    Para alcanar a liberdade dentro de um sistema que escravi-zava homens e mulheres, os quilombolas necessitavam buscar pro-teo em lugares de difcil acesso. O prprio semi-isolamento fsi-co pode ter contribudo para a manuteno, at os dias atuais, determos lingsticos prprios e das tcnicas para a construo dascasas com recursos harmnicos com o ambiente. As festas Kalungatambm so formas de resguardar tradies, pois mantiveram for-mas de transmisso de sentimentos religiosos, cultivaram o toquedos tambores, as danas e cantigas, a confeco de adornos etc.

    Hoje, esses moradores vivem beira do rio Paran, ondeoutrora havia fartura de peixes. Contam que pescadores de fora,porm, costumavam entrar com o barco e levar grandes quantida-des, deixando apenas os peixes mais ariscos, que ento passaram ase esconder cada vez mais fundo no rio. Os Kalunga dizem queperderam terras para os fazendeiros grileiros. Terras onde planta-vam algodo. As mulheres que apanhavam o floquinho branqui-nho do algodo, descaroando, esticando em fios postos no tearpara a produo de tecidos, esto desaprendendo o ofcio. Cadavez mais os homens dependem do emprego na cidade. O queganham pouco e as bugigangas de baixa qualidade levam o gan-ho geralmente conquistado com grande esforo.

    Culturas singulares como a dos Kalunga, que sobrevive hsculos com seus modos de existir, tambm lidam com novos de-safios. Algumas delas revertem o quadro de adversidades econ-micas trabalhando na agricultura e preservando o que possuem demais tradicional em termos de cultura: produtos agrcolas semagrotxico. Esses produtos j comeam a ser comprados por re-des de supermercado nas redondezas.

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1824

  • De olho na Cultura 25

    CULTURAE FORMAO DE IDENTIDADES

    O negro pronto

    est se fazendo sempre

    ponto por ponto ...

    (Sumo - Carlos Assuno)

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1825

  • 26 De olho na Cultura

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1826

  • De olho na Cultura 27

    Quais so as relaes entre cultura e identidade? At que pontoconhecer o processo de construo identitria pode favorecer oentendimento sobre afro-brasileiros e suas culturas? Estas soalgumas das indagaes iniciais para refletirmos sobre a consti-tuio da identidade como algo dinmico. Nessa perspectiva, pre-cisamos conversar sobre as diferentes identidades que nos cons-tituem como indivduo na sociedade. O pertencimento a um gru-po definido em contraste com outros. Essa classificao identi-fica singularidades que podem ser submetidas a umahierarquizao, segundo os parmetros superior/inferior, bom/mau, feio/ bonito, civilizado/primitivo.

    A imensido do mundo atuale o miudinho das relaes sociais

    O crescente avano da tecnologia diversifica e imprime veloci-dade s formas de comunicao entre os povos. Atualmente possvel saber, em segundos, o que acontece do outro lado do

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1827

  • 28 De olho na Cultura

    mundo: conquistas, guerras, conflitos. Tambm possvel conhe-cer os modos de viver, de vestir, de comer, de dormir, de rezar,de trabalhar de todos os povos do planeta.

    Pessoas se colocam virtualmente em qualquer lugar. A pro-ximidade virtual ou real pode ser importante para pensar no ape-nas o distante, mas o prximo, o que est ao nosso lado. A todomomento somos desafiados a conhecer diferentes culturas e areelaborar a noo de identidade de pessoas e de grupos.

    As noes de tempo e de espao adquirem outros contor-nos em decorrncia das mudanas sociais, polticas e econmicaspelas quais passa a atual sociedade, tudo resultando em significati-vas transformaes culturais. Tal fenmeno causa a sensao dequebra de barreiras geogrficas ou fsicas. Por outro lado, provocatambm estranhamentos diante de posturas e princpios to di-versos, frutos da maneira como cada coletividade humana organi-zou-se para dar conta das necessidades concretas e simblicas desobrevivncia.

    Quem este outro? Como e para quem reza? Falares e sota-ques? Cor de pele, formato de rosto, tipo de cabelo? O que fazemos homens, o que fazem as mulheres na sua vida cotidiana? Comovivem as crianas e os jovens?

    por intermdio da cultura que se descortina o processode identidade. Ao nos considerarmos idnticos a uns, imediata-mente estabelecemos distines em relao aos outros. No entan-to, por meio do conhecimento e da aproximao com o outro,que ampliamos nossas vivncias e nosso repertrio de concep-es sobre a vida, o mundo e a existncia. Consideremos agora asreferncias associadas s culturas afro-brasileiras, independente-mente do pertencimento tnico-racial.

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1828

  • De olho na Cultura 29

    Identidades: pequenos grandes retratos

    A noo de identidade pode ser pensada a partir dos dicionrios.Vejamos a definio encontrada no Aurlio: um conjunto de caracteresprprios e exclusivos de uma pessoa: nome, idade, estado, profisso, sexo,defeitos fsicos, impresses digitais, etc.

    Essa definio se mostra fundamental para registrar que aidentidade constituda por vrios traos. Alguns destes, adquiri-dos ao nascer e imutveis, como as impresses digitais, outrosadquiridos ao longo da vida e passveis de redefinies, tais comoa sexualidade, a ocupao profissional e o gosto musical.

    Podemos, ento, nos perguntar: se a identidade um con-junto de caracteres prprios e exclusivos de uma pessoa, neces-srio considerar tambm o carter coletivo presente em sua cons-tituio? A identidade no construda isoladamente e sim emcontato com outras referncias. Nas palavras de Elisa Larkin (2003,p. 31), cientista social e pesquisadora das relaes tnico-raciais, aidentidade coletiva pode ser entendida como conjunto de referenciais que regemos inter-relacionamentos dos integrantes de uma sociedade ou como o complexode referenciais que diferenciam o grupo e seus componentes dos outros, gru-pos e seus membros, que compem o restante da sociedade. A pesquisadoraconclui que a identidade um processo, ganhando contornos apartir dos lugares sociais que ocupamos como indivduos, dentrode um espao ainda maior chamado sociedade.

    Aproveitando a definio sugerida pelo dicionrio, pode-mos observar as marcas de identidade nos documentos pessoais,que cumprem o papel de inscrever juridicamente as pessoas nomundo. Nos documentos como a certido de nascimento, porexemplo, pode-se verificar o ano e o local de nascimento, a cor dapele, a filiao e outros dados relevantes.

    Tambm no registro geral o RG, conhecido tambm comoCarteira de Identidade observam-se outras marcas singulares. nico o nmero que se refere a um tempo cronolgico e ao localde expedio do documento, assim como nica a impresso di-gital, a forma de assinar o nome e a fotografia.

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1829

  • 30 De olho na Cultura

    A fotografia da carteira de identidade fundamental paraa discusso, pois estampa os fentipos que revelam o pertenci-mento tnico-racial a cor da pele, o formato do rosto, donariz, da testa, da boca e tipo de cabelo. Diante da foto valoriza-mos ou no os traos? Como estes so vistos por outros que nopertencem ao mesmo grupo?

    A reflexo sobre identidade racial h muito tem ocupadodiversos pesquisadores. Para Kabengele Munanga, africano radi-cado no Brasil, professor da Universidade de So Paulo, a identida-de passa pela cor da pele, pela cultura, ou pela produo cultural do negro;passa pela contribuio histrica do negro na sociedade brasileira, na constru-o da economia do pas com seu sangue; passa pela recuperao de sua histriaafricana, de sua viso de mundo, de sua religio. O autor chama a atenopara os inmeros aspectos que envolvem a peculiaridade da po-pulao negra. Sob essa perspectiva, a cultura constituinte daidentidade.

    A cor da pele tem sido um dos fatores presentes nesse de-bate. Sueli Carneiro, pesquisadora e diretora do Geleds Institu-to da Mulher Negra escreveu instigante artigo, por ocasio dodebate em torno da instituio das cotas para a populao negrana universidade.

    Insisto em contar a forma pela qual foi assegurada,no registro de nascimento de minha filha Luanda, asua identidade negra. O pai, branco, vai ao cartrio,o escrivo preenche o registro e, no campo destina-do cor, escreve: branca. O pai diz ao escrivo que acor est errada, porque a me da criana negra. Oescrivo, resistente, corrige o erro e planta a novacor, parda. O pai novamente reage e diz que sua filhano parda. O escrivo, irritado, pergunta: entoqual a cor de sua filha? O pai responde: negra. Oescrivo retruca: Mas ela no puxou nem um pou-quinho o senhor?

    assim que se vo clareando as pessoas no Brasil eo Brasil. Esse pai, brasileiro naturalizado e defentipo ariano, no tem, como branco que de fato ,as dvidas metafsicas que assombram a racialidadeno Brasil, um pas percebido por ele e pela maioriade estrangeiros brancos como de maioria negra. (...)

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1830

  • De olho na Cultura 31

    Porm, independentemente da miscigenao de pri-meiro grau decorrente de casamentos inter-raciais,as famlias negras apresentam grande variedade cro-mtica em seu interior, herana de miscigenaespassadas que tm sido historicamente utilizadas paraenfraquecer a identidade racial dos negros. Faz-se issopelo deslocamento da negritude, que oferece aos ne-gros de pele clara as mltiplas classificaes de corque, por aqui, circulam e que, neste momento, pres-tam-se para a desqualificao da poltica de cotas.2

    Reafirma-se que, para se falar de identidade, necessriofalar de auto-percepo como eu me vejo e tambm deheteropercepo como os outros me vem. inevitvel: paraperceber a mim tenho de perceber o outro. Desse modo, a ima-gem positiva ou negativa de cada um vai sendo construda.

    Uma outra maneira de refletir sobre o assunto seria parar aofinal de um dia para pensar em tudo o que foi feito, com quemfalamos, por onde andamos, o que vimos e escutamos. Com isso,poderamos obter uma longa lista, que nos mostraria que estabe-lecemos contatos com muitas pessoas, com diferentes formas delidar com os problemas, de nomear e abordar acontecimentos efatos cotidianos.

    Ao circularmos por diferentes espaos sociais assumimospapis e nos posicionamos como homens, mulheres, filhos, pais,mes, estudantes, profissionais, religiosos. Estas muitas experin-cias cotidianas dizem respeito ao processo de construo oudesconstruo da identidade e da alteridade, do semelhante e dodiferente. O processo de identificar iguais conjuntamente produza distino.

    2 CARNEIRO, Sueli. Negros de pele clara. CorreioBraziliense: Coluna Opinio - 29/05/2004

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1831

  • 32 De olho na Cultura

    Vivncias cotidianas:eu, voc, ns

    Todo esse processo de construo de identidade ativo e marcacada um individuo. Inscreve-se no corpo, na fala, no olhar, nos ges-tos, na maneira de conceber o mundo que est nossa volta. Perce-ber como tudo isso acontece fundamental para que cada vez maisbrancos, negros, orientais e indgenas possam (re) conhecer a impor-tncia das histrias e das referncias culturais, sobretudo as afetivas,modelos para a constituio da identidade individual e social.

    O legado cultural constitui patrimnio, bem-comum, comono caso das comunidades remanescentes de quilombos. A despei-to de todas as diferenas no que se refere s condies de produ-o e circulao de bens simblicos, a cultura constituda e seconstitui na relao com o outro. Nesta relao os sujeitos comtodos os seus dados culturais, seu enraizamento imprimem signi-ficao sua herana cultural.

    De acordo com a revista Palmares (n 5, 2000:07), as comunida-des remanescentes de quilombos espalhadas por vrias regies doBrasil, ainda que reconhecidas como detentoras de direitos culturaishistricos, assegurados pelos artigos 215 e 216 da Constituio Fede-ral, que tratam de questes pertinentes preservao dos valores cul-turais da populao negra, enfrentam todos os dias a necessidade decontinuar a resistir e fazer frente a tantos desafios de sobrevivncia.

    Os trs textos que vm a seguir serviro como subsdiospara um maior conhecimento a respeito da realidade das popula-es remanescentes de quilombos.

    Construindo saberes:

    1 Os textos que voc vai ler agora retomam aspectos iden-titrios apontados ao longo deste captulo. Destaque al-guns deles.

    2 O texto C fala sobre 400 comunidades remanescentes dequilombos existentes no Maranho. Pesquise sobre ou-tras, identificadas na atualidade. Utilize livros, sites oucontate entidades afins.

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1832

  • De olho na Cultura 33

    Texto A

    Frechal: Terra de Preto3

    Terra de preto no guetoNo medoTerra de preto no becoNem favelaDe Angola, Mina, CambindaMandinga, Congo, Benguela(...) reserva extrativista quilombo Frechal(...)

    Canta negro, dana negro, quero ver teu tamborrufarTeus direitos conquistadosNingum vai poder roubar(...)Pra no morrer a culturaTodo povo se faz umTerra vida, vida luta (...)Luta negro, luta ndioE quem dela precisar

    Texto B

    Givnia nasceu em 1967, em Conceio das Criou-las, no serto de Pernambuco (...). Faz parte da his-tria familiar de seis mulheres, seis crioulas que aliiniciaram suas atividades h mais de 200 anos (...)S aos poucos Givnia foi reconstituindo a histriade sua prpria terra natal. Na escola, ningum fala-va; em casa, tambm no, mas desde que comeou aparticipar das Comunidades Eclesiais de Base ela,como muitos outros, fazia a mesma indagao; todomundo tem sua histria e ns no temos?

    Givnia foi uma das poucas mulheres que pde sairde Conceio das Crioulas para estudar e continuaros estudos at se formar em curso superior de Le-tras.4

    3 CD Terra de Preto - compositor Paulinho Akomabu -Bloco Afro Akomabu, Prolas Negras.Vol I - Cen-tro de Cultura Negra do Maranho

    4 Quilombos no Brasil Fundao Cultural Palmares,revista Palmares n. 5, ano 2000, nov. p. 7)

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1833

  • 34 De olho na Cultura

    Texto C

    No Maranho existem hoje mais de 400 comunida-des remanescentes de quilombos. No povoado de SoCristvo, na cidade de Viana, 40 famlias vivem emterra comprada do patro no perodo ps-abolio. chamada de terra sem partilha, porque todos soproprietrios por igual e resistem na preservaoda cultura herdada dos antepassados. A histria re-gistra uma grande tradio do Maranho na luta dequilombos. Os mais conhecidos so os da Lagoa Ama-rela (do negro Cosme, que foi um dos lderes daBalaiada), Turiau, Maracaum, So Benedito doCu, Curupuru, Limoeiro (em Viana) e Frechal (emMirinzal). Tambm foram muitas as lutas armadas.Uma luta conhecida a insurreio de escravos emViana (1867), quando negros quilombolas de SoBenedito do Cu ocuparam diversas fazendas.

    Considerando a leitura do texto:

    O texto a seguir destaca a figura do griot, parte das mem-rias de Amadou Hampt B, estudioso africano que dedicou suavida ao recolhimento e registro de depoimentos e da cultura departe do continente africano. Na frica, existe uma prtica cultu-ral de construo de verdadeiras epopias narradas por autorida-des como o Griot. O termo francs e se refere aos Dieli, comoeram chamados no Mali os recitadores de crnicas que revelam asgenealogias, as migraes, as guerras, as conquistas, as alianas, asintrigas das sociedades africanas.

    1 Descreva os aspectos que caracterizam essa sociedade.

    2 Identifique as situaes que podem contribuir para a for-mao da identidade desses jovens.

    3 Existem diferenas fundamentais entre a cultura que cir-cula nessa comunidade e a cultura em que voc vive?Existem semelhanas? Quais? Aponte-as.

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1834

  • De olho na Cultura 35

    Na escola dos mestres das palavras5

    Na primavera, amos noite a Krtel para ver os lutado-res, escutar os griots msicos, ouvir contos, epopias epoemas. Se um jovem estivesse em verve potica, ia lcantar suas improvisaes. Ns as aprendamos de cr e,se fossem belas, j no dia seguinte espalhavam-se portoda a cidade. Este era um aspecto desta grande escolaoral tradicional em que a educao popular era ministra-da no dia-a-dia.

    Muitas vezes eu ficava na casa de meu pai Tidjani aps ojantar para assistir aos seres. Para as crianas estes se-res eram verdadeiras escolas vivas, porque um mestrecontador de histrias africano no se limitava a narr-las,mas podia tambm ensinar sobre numerosos outros as-suntos, em especial quando se tratava de tradicionalistasconsagrados (...) Tais homens eram capazes de abordarquase todos os campos do conhecimento da poca, porqueum conhecedor nunca era um especialista no sentidomoderno da palavra mas, mais precisamente, uma espciede generalista. O conhecimento no era compartimenta-do. O mesmo ancio (no sentido africano da palavra, isto, aquele que conhece, mesmo se nem todos os seus cabe-los so brancos) podia ter conhecimentos profundos so-bre religio ou histria, como tambm cincias naturaisou humanas de todo tipo. Era um conhecimento mais oumenos global, segundo a competncia de cada um, umaespcie de cincia da vida, vida considerada aqui comouma unidade em que tudo interligado, interdependentee interativo; em que o material e o espiritual nunca estodissociados. E o ensinamento nunca era sistemtico, masdeixado ao sabor das circunstncias, segundo os momen-tos favorveis ou a ateno do auditrio.

    Neste aparente caos aprendamos e retnhamos muitascoisas, sem dificuldade e com grande prazer, porque tudoera muito vivo e divertido. Instruir brincando semprefoi um grande princpio dos antigos mestres malineses.Mais do que tudo, o meio familiar era para mim uma gran-de escola permanente: a escola dos mestres da palavra.

    Continuando a refletir:

    A linguagem, como uma produo social, longe de ser neu-tra, veicula, s vezes sem que se perceba, preconceitos, dependen-do das formas particulares de emprego de uma palavra em deter-

    5 Amkoullel, o menino fula, Amadou Hampt B,traduo Xina Smith de Vasconcelos. So Paulo: Pa-las Athena: Casa das fricas, 2003. p. 174-175.

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1835

  • 36 De olho na Cultura

    minados contextos. Leia os dos textos a seguir. Observe que tan-to o verbete de dicionrio como o poema trazem significadossemelhantes para as palavras negro/negra, porm comconotaes distintas. Expresse sua opinio sobre isso.

    A - Verbetes

    Negro

    Alm de designar a cor, raa ou etnia diz tambm:Sujo, encardido, preto: muito triste; lgubre. per-verso, nefando;

    Branco

    Claro, translcido. Diz-se de indivduo de pele cla-ra. Fig. Sem mcula, inocente, puro, cndido, ing-nuo: a cor branca. Homem de pele clara. Bras. Se-nhor, patro.

    Preto

    Que tem a mais sombria de todas as cores; da cordo bano, do carvo. Diz-se de diversas coisas queapresentam cor escura, sombria; negro: sujo,encardido. Diz-se do indivduo negro. Bras. Difcil,perigoso;6

    B - Poema Epgrafe de Elisa Lucinda, inspirado na fala deJuliano, seu filho, com, ento, quatro anos.

    Me, sabe por que eu gosto de voc ser negra?Porque combina com a escuridoEnto, quando de noite, eu nem tenho medo,...tudo me e tudo escurido.

    Este captulo apresentou alguns caminhos para refletir so-bre formao de identidade, enfocando as relaes cotidianas entreas pessoas. O prximo discutir representaes de homem e demulher e a importncia deste assunto para pensar a cultura de umponto de vista afro-brasileiro.

    6 Dicionrio Aurlio. Nova Fronteira

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1836

  • De olho na Cultura 37

    REPRESENTAES DO HOMEME DA MULHER

    Representar: 1) ser a imagem ou a reproduo de;

    trazer memria; figurar como smbolo;

    aparecer numa outra forma;

    2) significar, tornar presente, patentear

    (Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa -

    fragmento do texto sobre o verbete)

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1837

  • 38 De olho na Cultura

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1838

  • De olho na Cultura 39

    Em nossa sociedade muito se tem discutido a respeito dos sig-nificados culturais de ser homem e de ser mulher.

    Se, por um lado, ainda persistem esteretipos e preconcei-tos sustentados por idias naturalizadas, por outro lado, so cadavez mais questionadas as distines radicais que opem algumasfunes e papis sexistas, ou seja, exclusivamente de homem oude mulher. Vale destacar tambm as outras desigualdades geradaspelas diferenas econmicas e raciais.

    Para romper com o imaginrio social que ainda persiste nasociedade, importante questionar, problematizar tais aspectos; preciso conhecer outras histrias. Inmeros personagens de am-bos os sexos deixaram seus conflitos, seus desafios e suas vitriasainda por contar. Sobre elas nada ou quase nada aprendemos noespao escolar. Conhecer heris e heronas que merecem reve-rncia fundamental para a atribuio de novos significados sprticas culturais afro-brasileiras.

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1839

  • 40 De olho na Cultura

    Os muitos lugaresdas mulheres na cultura

    Uma dessas importantes personagens de nossa cultura a figuraaltiva de Aqualtume, uma princesa africana que, como tantas ou-tras, foi vendida e escravizada. Sabe-se que ela foi uma das lide-ranas do Quilombo de Palmares, tendo sido responsvel peloMocambo do Aqualtume. Outro nome a destacar o de Teresade Quariter, rainha do Quilombo de Quariter, Mato Grosso,cuja atividade principal era o trabalho com a forja e com o ferro.Teresa foi uma grande guerreira que comandou negros e ndios.Dandara, outro exemplo de liderana feminina negra, lutou aolado de Zumbi dos Palmares.

    Merecem ateno especial as mes-de-santo, mulheres queresguardaram repertrios e identidades culturais, ao cultivar as re-ligies de matriz africana. Elas se configuraram como patrimnioda cultura nacional.

    Helena Teodoro, professora de Direito e de Sexologia da Uni-versidade Gama Filho-RJ, afirma que as mulheres tiveram um papelfundamental na organizao das confrarias religiosas baianas, espe-cificamente da Ordem Terceira do Rosrio de Nossa Senhora dasPortas do Carmo e da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte.Essas organizaes tornaram-se espaos estruturadores de identidade e deformas de comportamento social e individual. O mesmo aconteceu em ou-tros Estados, nos quais essas comunidades acabaram por constituirum verdadeiro sistema de aliana, legando esprito cultural e de lutas diversas organizaes que, aos poucos, transformaram a vida demuitas mulheres negras no Brasil.

    Construindo saberes:

    Leia as biografias a seguir. Elas so de importantes mulhe-res da cultura afro-brasileira. Discuta a respeito dos pontos emcomum entre elas.

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1840

  • De olho na Cultura 41

    Me Hilda Jitolu

    Hilda Dias dos Santos nasceu na Bahia, em 1923, em umafamlia que tinha como religio o candombl. Na Bahia, sua parti-cipao foi decisiva para o surgimento do primeiro bloco afro noBrasil. Nos anos 80, no espao do terreiro que coordenava, come-a a funcionar a instituio Escola Me Hilda. Essa experinciaeducacional, mantida pelo bloco em escola pblica, deu origemao projeto de extenso pedaggica do Il Aiy. Atualmente MeHilda, com mais de 50 anos de iniciao na religio, tem sido con-siderada patrimnio cultural do Brasil.

    Me Andresa

    Andresa Maria de Sousa Ramos nasceu em 1850 e faleceuem 1954. Foi uma das mais famosas mes-de-santo no Maranho.Durante quatro dcadas, ela foi responsvel pela tradicional Casadas Minas, um dos terreiros mais antigos do Brasil. Com sua garrae f, no perodo em que a polcia preconceituosamente perseguiaos terreiros, abriu a Casa das Minas para o pblico externo e toca-va os tambores, durante as cerimnias religiosas, com liberdade.

    Me Menininha do Gantois

    Maria da Conceio Escolstica Nazar, conhecida como MeMenininha do Gantois, nasceu em 1894, na cidade de Salvador, efaleceu em 1986. At os 92 anos esteve frente de um dos maisfamosos terreiros de candombl da Bahia. Devido a seus conheci-mentos sobre a religio, sua fama se estendeu pelo pas, sendo can-tada em prosa e verso. Em vida, Menininha dizia que tinha nascidoescolhida para ser me-de-santo e que, ao aceitar essa misso, sabiaque estava entrando para uma vida de sacrifcios. Faleceu depois delonga enfermidade, tendo chegado a permanecer 64 anos na chefiado Gantois e completar 74 anos de iniciao no candombl.

    Me Aninha

    Eugnia Anna dos Santos.Vinda de uma famlia de africa-nos, nasceu em 1869 e faleceu em 1938. Em 1910, auxiliada porJoaquim Vieira da Silva, Obasanya, fundou o Terreiro Centro Cruz

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1841

  • 42 De olho na Cultura

    Santa do Ax do Op Afonj, em Salvador, e o comandou atsua morte. Aninha, Oba Biyi, como era conhecida, tinha portealto e majestoso, falava francs e tocava piano, se vestia de acor-do com as tradies africanas. Ela integrava a elite de mulherescomerciantes da poca, fazendo desse espao ponto de encontroe de trocas culturais em torno do candombl

    Maria Beatriz Nascimento

    Nasceu em Sergipe, em 1942, e morreu em 1995. Foi fun-dadora do Grupo Andr Rebouas, da Universidade Federal Flu-minense, em 1975, o primeiro grupo de estudantes negros den-tro de uma Universidade. Concluiu o curso de ps-graduaoem Histria, realizando pesquisa sobre os agrupamentos de afri-canos e seus descendentes como Sistemas alternativos organizadospelos negros dos quilombos s favelas.

    Beatriz foi a autora e narradora do texto e personagem dofilme ORI, dirigido por Raquel Gerber, um trabalho que levou dezanos de pesquisas, obra de grande importncia na histria do ci-nema brasileiro.

    Llia Gonzles

    Llia Gonzles nasceu em Minas Gerais, em 1935. Temposdepois mudou-se para o Rio de Janeiro, onde faleceu em 1994. Foiuma grande liderana do movimento negro brasileiro contempor-neo e na organizao de mulheres negras Nzinga. Sua preocupaocom a condio da mulher e do homem negros foi alm do territ-rio brasileiro, uma vez que ela teve a oportunidade de abordar essetema em outros pases. Lecionou Cultura Popular na PontifciaUniversidade Catlica do Rio de Janeiro, escreveu o livro Lugar doNegro e vrios artigos publicados dentro e fora do Brasil.

    Homens e Mulheres, Negros e Negras

    Se a mulher branca j considerada objeto sexual,imagina a negra, porque a primeira, ainda passvelde casamento, enquanto a segunda vista apenascomo objeto de prazer.

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1842

  • De olho na Cultura 43

    Esta uma conhecida frase da pesquisadora e militante LliaGonzles, ao questionar a faceta sexista e racista de nossa cultura,que se revela na representao da mulata de exportao vendidaem propagandas e em piadas dentro e fora do pas. O questiona-mento de tais idias tem sido parte importante do aprendizado deformas mais igualitrias de relacionamento entre homens e mu-lheres, mudando quadros e situaes at hoje pouco alentadores.

    Construindo saberes:

    1 Depois de ler o poema a seguir, Mulata Exportao, deElisa Lucinda, procure o significado e a origem do termomulata (o).

    2 Faa uma pesquisa sobre o que permanece e o que mudouna imagem da mulher negra em nossa sociedade. Consultejornais, revistas, sites de organizaes de mulheres negras.

    3 Certamente voc j ouviu as frases abaixo:

    Homem que homem no chora.

    Lugar de mulher na cozinha.

    Meninos e meninas podem desenvolver competnciaspara a liderana de equipe.

    A mulata sempre mais fogosa.

    a Dentre as frases em destaque, apenas uma no refletediscriminao pautada no sexo. Que relaes podemser estabelecidas entre essa frase e as demais?

    b Verifique em sua comunidade de que maneira estasfrases refletem ou no a realidade em que voc vive.

    c Que outras frases preconceituosas voc conhece?Onde as viu ou ouviu? Em que situaes?

    d Desenvolva, em grupo, frases que valorizem as rela-es de igualdade entre homens e mulheres.

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1843

  • 44 De olho na Cultura

    Mulata Exportao

    Elisa Lucinda

    Mas que nega lindaE de olho verde aindaOlho de veneno e acar!Vem nega, vem ser minha desculpaVem que aqui dentro ainda te cabeVem ser meu libi, minha bela condutaVem, nega exportao, vem meu po de acar!(Monto casa proc mas ningum pode saber, en-tendeu meu dend?)Minha torneira, minha histria contundidaMinha memria confundida, meu futebol, enten-deu, meu gelol?Rebola bem meu bem-querer, sou seu improvi-so, seu karaok;Vem nega, sem eu ter que fazer nada.. Vem semter que me mexerEm mim tu esqueces tarefas, favelas, senzalas,nada mais vai doer.Sinto cheiro doc, meu maculel, vem nega, meama, me coloreVem ser meu folclore, vem ser minha tese sobrenego mal.Vem, nega, vem me arrasar, depois te levo pragente sambar.Imaginem: Ouvi tudo isso sem calma e sem dor.J preso esse ex-feitor, eu disse: seu delegado...E o delegado piscou.Falei com o juiz, o juiz se insinuou e decretoupequena penacom cela especial por ser esse branco intelectual...Eu disse: Seu Juiz, no adianta! Opresso, Bar-baridade, Genocdionada disso se cura trepando com uma escura! minha mxima lei, deixai de asneiraNo vai ser um branco mal resolvidoque vai libertar uma negra:Esse branco ardido est fadadoporque no com lbia de pseudo-oprimidoque vai aliviar seu passado.Olha aqui meu senhor:Eu me lembro da senzala

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1844

  • De olho na Cultura 45

    E tu te lembras da Casa-Grandee vamos juntos escrever sinceramente outra his-triaDigo, repito e no minto:Vamos passar essa verdade a limpoporque no danando sambaque eu te redimo ou te acreditoV se te afasta, no invista, no insista!Meu nojo!Meu engodo cultural!Minha lavagem de lata!Porque deixar de ser racista, meu amor,no comer uma mulata!

    No que se refere mulher no contexto cultural no Brasil,em especial a mulher negra, registra-se ainda a permanncia demuitos tabus, preconceito e discriminaes. Por outro lado, regis-tram-se avanos, devido a dinamicidade dos processos de resis-tncia conduzidos por indivduos ou organizaes que reivindi-cam polticas pblicas, muitas das quais incorporadas em progra-mas governamentais. De qualquer forma, a resistncia no s uma marca, mas tambm uma necessidade de sobrevivncia coti-diana. Esse quadro realidade em todas as partes deste pas.

    Continuando a refletir:

    O texto a seguir, em que se relata parte desse cotidiano, foiescrito por Allan Santos da Rosa, jovem escritor e pesquisador daliteratura de cordel. Deste romance versado apresenta-se um tre-cho de uma bela histria que continua falando de vida e de sonho.

    1) Comente como so apresentadas, no texto, as ima-gens masculina e feminina.

    2) Identifique no texto referncias culturais que mar-cam a relao entre o corpo e o ritmo das persona-gens, associando-as identidade afro-brasileira.

    3) Depois de reler o texto, pesquise em jornais e revis-tas materiais que faam aluso imagem do homeme da mulher na atual sociedade. Elabore um textoargumentativo sobre as questes encontradas.

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1845

  • 46 De olho na Cultura

    No bairro onde ficaramPredomina a pindabaGuetos quentes sempre cheiosDe irmos da ParabaMoeda forte por ali malcia e catimba

    Zagaia

    Uma famlia sonhandoDo Norte de Minas partiuMe, filho e irmzinhasGamelas ocas do BrasilDescendentes de escravosNa estrada que se abriuAfunhanhada de fome

    Muitas curvas desde MinasConhecer ruas e becosTrazendo crias meninasParando em DiademaCarecendo vitaminas (...)

    Periferia paulistaVil masmorra disfaradaDiamba, bola, cachaaOpes da molecadaVielas, bares e sambasNa vida mil bofetadas

    bom lembrar o bvioSe no fica esquecidoTrocentos anos de senzalaNegro chicote sentidoHoje em morros crianasRosto preto ou curtido

    Pros bacanas ceguetasGarotos so marginaisCorrendo atrs de pipaCompetindo com pardaisBolso vazio sem vintmAlvo de dicas mortais (...)

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1846

  • De olho na Cultura 47

    Filhote no subrbioMulato, pardo ou pretoSobra futuro capengaDia-a-dia de espetoDe ancestral Moambique,Angola, Jeje ou Queto

    Cabra vindo do nordesteDe pele pouco mais claraTambm sofre do quebrantoPois justia jia raraFugindo da amarguraCom tristeza se depara

    Sua casa um miserMigalhas na geladeiraO teto era mambembeFina fonte de goteiraEstudante do noturnoIa Zagaia na beira

    Nessa trilha desamadaAprendendo capoeiraMontado na poesiaMas a fome foi primeiraTeve que dar uma ripaSer bananeiro na feira

    Zagaia batendo perna (...)Viu boi bumb e calunduJongo e coco de zambCiranda e maracatuCarimb, tor e lelRpi e samba de rodaMamulengo viu pra crer

    Litoral, pontes, abismosTubaro, ona, jabutiQuilombolas e vaqueirosMilenar terra caririCoronel, capangas, cercasSurrupiando cho tupi(....)

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1847

  • 48 De olho na Cultura

    Zagaia se emparceirouCom bela Mulher crianaFormosa em seu pixaimOu em colorida tranaPtala da flor do ventoSeu corpo a casa da dana

    Com a guerreira cultivouBuqus, fervuras e planosPintaram versos e gingasTeceram preces e panosMas surgiu um peixe azulSua fala causou danos

    Considerando a leitura do texto:

    Leia o texto a seguir. Ele pode gerar questionamentos im-portantes: como e por que nos tornamos o que somos? Como epor que gostamos de certas coisas e no de outras? Como e porque assumimos determinadas posturas? Refletir sobre estes as-pectos importante para visualizar o processo de construo denossa identidade em todas as dimenses, tambm como mulherou como homem.

    1) Depois de ler o texto a seguir, em roda de conversa, ogrupo pode expor idias e impresses a respeito das rela-es entre homens e mulheres brancos e negros, bem comosobre as expectativas e contribuies das organizaes doMovimento Negro e do Movimento de Mulheres Negras.

    2) Diante das respostas, pode-se pensar em como ampliar oentendimento acerca dessas relaes.Escreva a sua auto-biografia. O trabalho exige o reconhecimento e a seleode experincias vividas. Sem necessariamente seguir umacronologia, os relatos organizam acontecimentos impor-tantes, que podem ou no ser socializados com outraspessoas.

    Vamos comear pelos bebs. As pessoas nascem bebmacho ou fmea e so criadas e educadas conforme oque a sociedade define como prprio de homem e de

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1848

  • De olho na Cultura 49

    mulher. Os adultos educam as crianas marcando dife-renas bem concretas entre meninas e meninos. A edu-cao diferenciada que faz com que se d, por exem-plo, bola e caminhozinho para os meninos e boneca efogozinho para as meninas, tambm exige formas di-ferentes de vestir e conta histrias em que os papisdos personagens homens e mulheres so sempre mui-to diferentes. Outras diferenas aparecem de modo maissutil, por aspectos menos visveis, como atitudes, jeitode falar, pela aproximao com o corpo.

    Educados assim, meninas e meninos adquirem caracte-rsticas e atribuies correspondentes aos consideradospapis femininos e masculinos. As crianas so levadas ase identificar com modelos do que feminino e masculi-no para melhor se situarem nos lugares que a sociedadelhes destina. Os atribudos s mulheres no so s dife-rentes dos do homem, so tambm desvalorizados. Porisso, as mulheres vivem em condies de inferioridade esubordinao em relao aos homens.

    Linguagem representaesde feminino e de masculino

    Lus Gama, importante figura poltica do Brasil de meados dosculo XIX, escritor, republicano, abolicionista, advogado, reve-la sua origem e se orgulha dessa origem ao descrever sua me.Nota-se que a valorizao da identidade negra tem um cunhoafetivo, o reconhecimento de suas razes africanas.

    Sou filho natural de uma negra, africana livre, da CostaMina (Nag de Nao), de nome Luiza Mahin, pag, quesempre recusou o batismo e a doutrina crist.

    Minha me era baixa de estatura, magra, bonita, a corera de um preto retinto e sem lustro, tinha os dentesalvssimos como a neve, era muito altiva, geniosa, inso-frida e vingativa.

    Dava-se ao comrcio era quitandeira, muito labo-riosa, e mais de uma vez, na Bahia, foi presa como sus-peita de envolver-se em planos de insurreies de es-cravos, que no tiveram efeito.

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1849

  • cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1850

  • CULTURAS E RELIGIESDeus criou o mar, ns criamos os barcos;

    Ele criou os ventos, ns criamos as velas;

    Ele criou as calmarias, ns criamos os remos.

    (Provrbio swahili)

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1851

  • 52 De olho na Cultura

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1852

  • De olho na Cultura 53

    Um dos trs reis magos

    Todos os anos acompanhamos a reafirmao dos smbolos cris-tos atravs dos ritos e festejos natalinos. A montagem do pres-pio relembra a homenagem de reis ou sbios vindos de diferentescantos do mundo para reconhecer o filho de Deus nascido emBelm, conforme anunciado numa antiga profecia. Os trs reisofereceram como presentes ouro, incenso e mirra. So persona-gens criados pelo evangelista Mateus. Eram eles Melquior, quevinha da Prsia; Gaspar, que vinha da Europa, e Baltazar, que vi-nha da frica. Baltazar era um sbio negro, segundo alguns rela-tos. A histria da origem desses personagens varia nas diferentesverses acerca desse Natal primeiro. Mas, mesmo assim, a presen-a de um rei negro quase sempre mencionada. A imagem, com opassar dos tempos, foi acrescida de simbologias do imaginriomedieval e Baltazar passou a representar a realeza de uma frica.Um reino africano cristo. J no sculo XV, a notcia de um dom-nio fabuloso governado por um sbio mesclou-se s histrias so-bre o Preste Joo, pago que fora convertido ao cristianismo pe-los jesutas, no contato com os navegantes portugueses. Os rela-tos sobre ele falam de palcios com paredes de ouro macio, queiluminavam como o Sol, sendo de prata e pedras preciosas osornamentos das moblias. Seu figurino era de um requinteinigualvel. Para as rezas em louvor ao Cristo, havia construdouma capela do mais puro cristal.

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1853

  • 54 De olho na Cultura

    Geralmente podemos observar, por meio da representa-o dos trs reis magos, a eqidade entre os continentes. Todosos monarcas ou sbios apresentam equivalncia nos trajes e sm-bolos de realeza. Baltazar a presena crist entre a diversidadede religiosidades que existem na frica.

    A Rainha de Sab

    Junto aos smbolos cristos tambm encontramos os smbolos dareligiosidade judaica.

    Davi reinara quarenta anos em Israel, sete anos em Hebrome trinta e trs em Jerusalm. Ana, segundo interpretaes que cir-culam na literatura crist, ao morrer, transmitiu o trono ao filhoSalomo, que promoveu a construo de um palcio na Florestado Lbano (prximo regio de onde, 480 anos antes, os israelitashaviam sido expulsos).

    A rainha de Sab, ou Makeda para os etopes, soube da famaque Salomo tinha alcanado, graas ao nome do Senhor, e foi aJerusalm para coloc-lo prova com perguntas difceis. Coman-dou uma caravana com 797 camelos carregados de especiarias,pedras preciosas e quilos de ouro e cedro. Salomo, que se apaixo-nou por sua beleza negra, disse:

    Gostaria que da nossa unio viessem descendentes.

    E ento, beira do Nilo, um dos quatro rios vindos do Para-so terrestre, Sab, a esposa de Salomo, deu luz um filho chama-do Menelique. Foi ele que assegurou a dinastia salomnica de Aksum,a terra dos deuses e das rvores perfumadas, de onde descendem osjudeus negros que vivem na regio atualmente chamada Etipia.

    Dicas culturais:

    Falashas: judeus que vivem na Etipia. Pela Bblia falasha, seri-am descendentes do rei Salomo com a rainha de Sab. Eles resguar-dam um judasmo muito antigo onde no existe a figura do rabino.

    Considerando a leitura dos textos:

    Entreviste um religioso da comunidade judaica: para isso,organize uma lista de perguntas sobre judasmo, judeus negros esobre a rainha de Sab.

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1854

  • De olho na Cultura 55

    A Etipia e os rastas

    Foi na dcada de 1930 que surgiu na Jamaica o movimento rastafariem torno de uma previso atribuda ao ativista jamaicano MarcusGarvey: Olhe para a frica quando um rei negro for coroado, odia da salvao estar prximo. Na Etipia, em 1930, Rs Tafari foicoroado imperador e assumiu o ttulo de Hail Selassi I.

    Garvey foi um dos intelectuais que formalizaram a corren-te de pensamento conhecida como pan-africanista, cujo argumentoprincipal demandava a soberania negra na Dispora africana.

    O pan-africanismo organizou congressos, entidades e cor-rentes polticas.

    A Etipia tambm era uma referncia por ter sido poucoatingida pelo trfico, alm de ter uma histria de resistncia aocolonialismo. Esses elementos contriburam para a conexo entreafricanos na Dispora e um ponto na frica cujo novo smboloapontava para um continente africano e toda a Dispora reunidospor um rei africano.

    Ampliando o saber:

    Dispora um termo de origem grega que significa disper-so. Seu uso esteve primeiramente relacionado experincia dosjudeus que, sem ptria, se espalharam pelo mundo sem perder aidentidade cultural. Depois se estendeu para o caso dos armniose dos africanos. A Dispora africana ocasionada pelo trfico podeser atualizada nas formas culturais transnacionais que geram sen-timentos de unidade por uma identidade em comum.

    O antigo Estado etope cristo caracterizou-se por uma re-sistncia secular ao Isl. Durante o reinado de Hail Selassi hou-ve o incentivo ao uso do amrico, por exemplo, como lngua ofi-cial imperial, o que fortaleceu a tradicional Igreja Ortodoxa, se-guidora de uma tradio crist de um ramo muito antigo. No en-tanto, o movimento rastafari (nome em homenagem ao impera-dor etope Rs Tafari) formula um sistema filosfico e religiosoprprio. Foram adotadas as cores da bandeira da Etipia, verme-lho, preto e verde, e, como marca principal do movimento, os

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1855

  • 56 De olho na Cultura

    cabelos dreadlocks, em contraste aparncia ocidental. Garvey ins-tigava a derrota do sentimento de inferioridade, exercendo umaespcie de domnio mental por meio de prticas polticaspermeadas por um imaginrio bblico.

    A Cannabis sativa, marijuana para os jamaicanos, foi integra-da com sentido religioso nos rituais de venerao a Jah, uma for-ma de Jeov encontrada em antigas verses da Bblia. Em meadosde 1970, o movimento ganhou popularidade com o reggae de BobMarley (1945-1981), que retomava essa filosofia de vida.

    A nova f tambm encontrou abrigo no Brasil, notadamenteem So Lus do Maranho, a partir dos anos de 1970.

    Dica cultural:

    Durante todo o ms de janeiro de 2005, aconteceram as ce-lebraes dos 60 anos de nascimento de Bob Marley. Uma intensaprogramao ocorreu na Etipia, reunindo mais de 200 mil fs. Oevento foi apoiado pelo governo e pela igreja etope, Unicef eUnio Africana

    Rita Marley, viva do cantor, pretende transladar os restosmortais do esposo para a cidade de Shashemene, onde vrias cen-tenas de rastafaris vivem desde que ganharam as terras do ltimoimperador etope, Hail Selassi.

    No argumento de Rita, a Etipia o local de descanso espi-ritual de Bob.

    Considerando a leitura do texto:

    Retire elementos para interpretao dos sentidos envolvi-dos nas duas canes a seguir:

    Brilho de Marfrica

    Escrete (MA, poeta e compositor)1

    O reggae um som jamaicanoBalana o Equador Latino-americanoJimmy Cliff, Bob MarleyNegritude encantou No som da Jamaica, So Lus geg-nag (...)

    Bloco Afro Akomabu, criado em maro de 1984.

    Akomabu, na lngua fon falada na Repblica do Benin,

    significa a cultura no deve morrer.

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1856

  • De olho na Cultura 57

    Rasta Voice

    Edson Catende

    Ele se elevou da fumaa deSuas narinas e o mundo criou (...)Pra ser rastafariTem que ser muito legalNo bastam cabelos berlotasTem que ser muito realAmar as pessoas como Jah amouAndar pelo mundo sem alimentar rancor (...)Rastafari uma atitude, um jeito de amar a vidaBlack man, Jamaica eh, Rasta Voice, Liberdade eh

    Mouros negros

    As relaes sociais entre os mundos africano e rabe so milenares.Sob o aspecto religioso, a expanso islmica iniciada pelo norte,levando a palavra de Maom, pretendeu atingir o mais extremodo Bilad-es-Sudan, o pas dos negros. As Jihads, guerras santas,conquistavam cidades e, ao longo do tempo, as crenas sofriamadaptaes africanas. A converso ao islamismo muitas vezes foitrocada por proteo.

    Dicas culturais:

    Muss, governante do imprio Mandinga, entre 1312 e 1337,realizava legendrias peregrinaes a Meca propagando o poderioe o sucesso comercial e intelectual de seus domnios.

    Para o Brasil tambm vieram africanos islamizados. Os maisconhecidos so os que viveram escravizados na Bahia, os mals,que se insurgiram contra a escravizao atravs de uma ao coor-denada no ano de 1835. Existem tambm registros de africanosmarcados pelos preceitos do islamismo em Pernambuco, Alagoase Rio de Janeiro. Letrados pela prtica de leitura do Alcoro, elesse distinguiam pela altivez e insubmisso, inclusive no aspecto re-ligioso.

    O sistema econmico de escravizar gente fez surgir especi-alistas na compra e tambm na venda da vida humana transfor-

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1857

  • 58 De olho na Cultura

    mada em mercadorias. As expanses polticas por entre os terri-trios africanos resultavam em aprisionamentos de guerra quedesde o sculo XVI adquiriram novas dimenses sociais.

    As instabilidades causadas pelas guerras fomentaram a es-pecializao do trfico, que se apoiou, muitas vezes, em ideriosde conquistas religiosas.

    Santos catlicos negros

    Desde que os portugueses passaram a transitar pelas costa africa-na, a presena de habitantes negros na sociedade portuguesa setornou freqente. Em Lisboa, a primeira irmandade de africanosfoi instalada no ano de 1460, no Mosteiro de So Domingos: airmandade de Nossa Senhora do Rosrio, em cujo compromis-so se inspiraram as demais. Ali os africanos escravizados recebi-am o batismo e passavam a ser instrudos no cristianismo.

    No Brasil o batismo tambm foi uma prtica das freguesi-as durante a colonizao. Delas decorreram as inmeras irman-dades dos pretos, que adotavam santos como Santo Elesbo eSanta Efignia, ditos originrios do reino etope, So Benedito,Santo Antnio, So Martinho, e outros. A estrutura dessas ir-mandades inclua ttulos de nobreza, eleio de reis e rainhas, car-gos executivos e agremiaes festivas chamadas reinados. Da sededessas congregaes saam as Folias, que tomavam as ruas com omesmo fervor devotado aos oragos das igrejas.

    Os Maracatus e as Congadas so folguedos expressivos daidentidade negra dessas confrarias, resguardando um imaginriosobre a frica que relacionado realeza, cortejo, presena dacorte, da msica, da dana, etc. As irmandades de Nossa Senhorados Remdios, de Nossa Senhora do Carmo, do Senhor BomJesus, da Redeno dos Homens Pretos, da Boa Morte e dos Mar-trios reuniam africanos refazendo identidades.

    A possibilidade de conquista da alforria parece ter sido, noentanto, um forte motivo para esse tipo de associao entre os pre-tos, uma esfera daquele cotidiano. Como confrarias estabelecidas,

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1858

  • De olho na Cultura 59

    eram capazes de oferecer alternativas para o escape legal dentrodo sistema de escravido. Formas de financiamento de alforriaspossibilitavam a compra da liberdade aos filiados da congregao.

    Sob esse ponto de vista, pode-se conhecer um aspecto dareligiosidade catlica da populao negra ainda escravizada e deseus descendentes no Brasil. As confrarias, aparentemente, seguemregras de hierarquia e distino prprias do mundo europeu doAntigo Regime, mas, na verdade, recriam formas para expandirconvvios sociais, seja pela prtica religiosa e festiva, seja pelaadministrao econmica e poltica.

    Considerando a leitura do texto:

    A Irmandade de Nossa Senhora do Rosrio dos HomensPretos de So Paulo foi constituda em 2 de janeiro de 1711. Serque existiu alguma igreja s para escravos em sua cidade?

    As irmandades do Rosrio existem at hoje, espalhadas portodo o Brasil. Vale a pena conhecer a histria de cada uma delas.O culto Maria requer a recitao do rosrio como forma de me-ditao, mas as atividades extrapolaram os cultos religiosos. Asirmandades assistiam os enfermos e auxiliavam nos enterros, aju-davam os mais necessitados e at os presos.

    Tecendo afro-religiosidadesno Brasil

    Candombl era o nome dado s manifestaes dos cultos de ori-gem africana na Bahia, sobretudo, a partir do sculo XIX. As ceri-mnias de mesmo gnero recebiam o nome de Xang no Recife,macumba no Rio de Janeiro, Tambor-de-mina, no Maranho eBatuque, em Porto Alegre.

    Mais especificamente, os terreiros baianos desenvolviam ocandombl nag-queto, de origem ioruba. Os ritos jeje remetiam cultura fon, vizinha da cultura ioruba. Mas havia tambm o ritoangola, que apontava para uma origem bantu. Todas essas divisesresultaram em um dinamismo prprio das religies africanas re-

    Os orixs so divindades do panteo ioruba. Essa es-

    trutura religiosa se organiza em torno do orculo de

    If, sistema de adivinhao que contm 256 odus (con-

    tos mticos) reveladores dos segredos que revitalizam

    a fora da natureza.

    Bantu um termo cunhado pelo lingista alemo W. H.

    Bleek, em 1875, para se referir a quase 2/3 das lnguas

    africanas do sul do continente.

    So inmeras as formas de religiosidade nessa grande

    extenso cultural. Porm, as divindades bantu mais co-

    nhecidas no Brasil so os inquices.

    No panteo Fon, grupo tnico da regio do Benin, as

    divindades so chamadas de voduns.

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1859

  • 60 De olho na Cultura

    criadas no Brasil. Essas classificaes, segundo os modelos dosritos, no deixam de reportar idia de naes africanas.

    Considerando a leitura do texto:

    Procure o CD do cantor e compositor Caetano Veloso coma msica intitulada Milagres do Povo. Observe na construo da letrao tema proposto. Examine as estrofes. Escolha trechos da letra eproponha uma interpretao sobre religiosidade africana no Bra-sil.

    A letra da cano Milagres do Povo fala que Oju Ob ia l evia. Ob na lngua ioruba quer dizer rei e Oju, olhos. O grupotnico ioruba vive em uma parte da Nigria, no Togo e no Benin.Isto porque a diviso poltica resolvida por um tratado europeuno corresponde diviso cultural das etnias africanas. Entre osioruba existem os sacerdotes de If, orix que preside a adivi-nhao. Esse sacerdotes possuem o dom de ver o destino daspessoas ao consultar o orculo, o opel de If, um colar feito decaroos presos por uma corrente.

    Esse olhar ioruba pode revelar um complexo conjunto demitos que narram episdios da vida dos orixs. Neles, esto a ori-gem, as caractersticas, as qualidades e fraquezas das divindades.Essas narrativas foram passadas atravs das geraes e contmuma sabedoria singular na interpretao da origem dos tempos eda prpria vida do consultante.

    Orixs so foras da natureza. E cada pessoa tem uma na-tureza dentro de si a fora do orix. Oxum a divindade dasguas doces, menina quase sempre dengosa, dona da beleza eda fertilidade. J Iemanj orix dos reinos das guas salgadas, a dona do mar e me dos orixs, figura feminina madura, menutridora. Oi o feminino guerreiro, dona dos ventos simboliza-da pelo raio e pelas tempestades que transformam as situaes.Nan, orix associado lama de onde samos e para onde todosiremos voltar, o feminino representado pela senhora idosa.

    So tantos os orixs quanto os elementos que energizam anatureza. Mas, no Brasil, por causa da escravizao de povos africa-nos, a memria foi selecionando os cultos prioritrios. Restaramapenas por volta de 15 orixs bem lembrados. Entre eles, Xang.

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1860

  • De olho na Cultura 61

    Xang representa o poder do panteo. Ele rei (Ob), donoda justia. Por isso, associado ao trovo. O trovo assustadorquando mostra sua autoridade. Todos o temem. Seu smbolo omachado de duas pontas, que representa o equilbrio. Dois ladosaludem idia de ponderao para o julgamento. Quase sempreanda com os Ibeji, divindades poderosas, gmeas, que represen-tam a fartura, pois carregam o poder da multiplicao.

    Para os orixs, se reza cantando. As danas recontam mito-logias, as cores utilizadas nos ritos reverenciam ao mesmo tempoem que integram as foras dos orixs. Do mesmo modo, cadaorix tem uma comida que o representa. Diz-se que sua preferi-da, por isso lhe oferecida cerimonialmente. O alimento contma natureza da divindade, assim como o banho que rene o conhe-cimento das folhas. Os ritos so modos atravs dos quais se sa-da e se recebe a fora do orix.

    Considerando a leitura do texto:

    Organize uma pesquisa sobre o conhecimento das plantas,a esttica, os significados contidos na culinria, o acervo das can-tigas, o som dos tambores, a tcnica das danas, enfim, tudo o quelhe for possvel conhecer sobre a liturgia do candombl.

    Faz parte da cultura maranhense a Casa das Minas, de matri-zes religiosas relacionadas cultura fon africana, cujas divindadesso chamadas de voduns. A tradio matriarcal foi iniciada por MeAndresa, que coordenou a Casa entre 1914 e 1954. Vizinha a esta,h a Casa de Nag, tendo como sacerdotisa dirigente Me Dudu,que a coordenou entre 1967 e 1988. Dentre outros templos quepontuam uma importante memria sobre a religiosidade afro-bra-sileira, est a Casa de Fanti-achanti, tambm no Maranho, funda-da pelo sacerdote conhecido como Pai Euclides, em 1958.

    As rememoraes em torno dessas religies necessitam serampliadas a partir das inmeras histrias regionais que possamrevelar uma personalidade, uma estratgia de sobrevivncia da casa,um rito peculiar, a fora de uma tradio. Encontramos, por exem-plo, poucas referncias sobre os batuques do sul do Brasil. Toda-via, existe uma memria mais referida na cultura nacional a res-peito das origens africanas dos candombls na Bahia.

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1861

  • 62 De olho na Cultura

    Dicas culturais:

    A Casa Branca do Engenho Velho, em Salvador, foi funda-da por trs iorubanas, no incio do sculo XIX, originrias daregio de Ketu que haviam sido escravizadas e trazidas ao Brasil.Seus nomes eram Iya Adet, Iya Akal e Iya Nass, auxiliadaspor dois homens chamados Bab Assip e Bambox Obitic.Afora o ltimo, cujo nome de batismo conhecido (RodolfoMartins de Andrade) todos os demais so conhecidos apenaspelos seus ttulo. Iy Nass, segundo Vivaldo da Costa Lima,no era um nome prprio iorub, mas um ttulo altamentehonorfico restrito corte de Alafin Oy, isto , do rei de todosos iorubas. Este ttulo estaria ligado a uma funo religiosa espe-cfica e de alto significado nessa cultura. Preservando o culto aosorixs, as cantigas, comidas, rezas e preceitos, as trs iorubanasasseguraram a continuidade desse conhecimento religioso. So-bre essa presena feminina podemos dizer ainda que pertenciam Irmandade de Bom Jesus dos Martrios da Igreja da Barroquinha,no centro histrico de Salvador, nos fundos da qual a Casa Bran-ca foi fundada. Da Casa Branca saram os fundadores do terreirodo Gantois e do Ax Op Afonj, localizado em So Gonalodo Retiro.

    A umbanda uma das religies denominadas afro-brasilei-ras pertencentes ao universo das religiosidades bantu, que soinmeras e pouco conhecidas no Brasil. Como culto organizado,surgiu na dcada de 1920. Sua base doutrinria emancipou-se deprticas influenciadas pela religio esprita kardecista. A presen-a de espritos africanos desprezados no culto kardecista, pareceter provocado a derivao.

    Babassu, Cabula, Pajelana, Catimb, Xamb, Tor, sooutras denominaes regionais de manifestaes da religiosidadeafro-brasileira, cada qual com caractersticas prprias.

    Um ponto de considerao a vitalidade dessas manifesta-es de religiosidades para serem conhecidas. Outro, a difusodessas manifestaes na sociedade. Em mbito nacional, algunsdos ncleos que propiciam a identidade de um grupo religioso

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1862

  • De olho na Cultura 63

    so mais bem conhecidos do que outros. As expresses regio-nais so infinitamente maiores do que a produo de conheci-mento detectada pela pesquisa nas universidades, pelas histriasnos filmes, na literatura, nas msicas, pode acompanhar e difun-dir.

    As tentativas de estabelecer correspondncias entre origensde um panteo religioso existente no Brasil e em frica tambm bastante complexo. H dinamismos, tanto l quanto aqui, poucoconhecidos. Mas, apesar dos infinitos arranjos tecidos na socieda-de brasileira, eles resguardam uma identidade africana. O quadro aseguir traz algumas das referncias mais consolidadas nessa cor-respondncia. Ele no esgota, mas procura ajudar na localizaoinicial dessas tradies.

    O encontro entre o universo religioso cristo, as inmerasprticas religiosas indgenas, as religiosidades africanas e demaisorigens formadoras de campos de religiosidade, apresenta nuancesconstrudas ao longo da histria brasileira. Mais do que precisarcorrespondncias, o importante enfatizar que as crenas quecirculam sobre essas manifestaes devem estar diretamente rela-cionadas ao respeito da sociedade brasileira para com elas.

    A populao afro-brasileirae suas religiosidades

    As pessoas negras podem ter as mais diversas religies. Podem che-gar ao sacerdcio como ialorixs, babalas, babalorixs, humbonos,humbondos (denominao jeje), mametos, tatetos, tatas (denomi-nao congo-angola), mas tambm padres, rabinos, pastores, mon-ges. Ou podem ter a identidade principal numa religio e se interes-sar ou ter simpatia por preceitos de outra(s). No entanto, a religio-sidade caracterizada como afro-brasileira identificada imediata-mente, em nossa sociedade, com o candombl ou com a umbanda.Vale ressaltar que, da mesma forma que o cotidiano da populaonegra foi atingido por uma srie de sinais negativos, a vida religio-sa tambm foi alvo de muita condenao e perseguio.

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1863

  • 64 De olho na Cultura

    Uma das maiores dificuldades na sociedade brasileira tra-tar do tema das religies com todas as dimenses que ele mere-ce: a histrica, a esttica, a filosfica dos preceitos, a teraputica,a lingstica, a tica. Isto se constitui uma das piores faces da in-tolerncia que a perseguio religiosa.

    A Constituio garante a cada cidado o direito de ter suacrena, de pratic-la ou, at mesmo. o direito de no ter crena. preciso lembrar que houve muita luta at esse direito estar garan-tido. Todos ganham exercitando uma atitude de respeito s mani-festaes de f, pois entre elas h um circuito cultural de afetividade,solidariedade e identidade.

    Considerando a leitura do texto:

    Voc praticante de alguma religio? Hoje em dia, voc podepratic-la sem ser condenado por isso?

    Os homens e as mulheres que vieram escravizados para oBrasil trouxeram consigo suas religiosidades, mas, por geraesseguidas, foram entrando em contato com a religiosidade trazidada Europa, e outras influncias que, j em frica, aconteciam.

    O culto catlico, por exemplo, ofereceu repertrio ao modode vida religioso afro-brasileiro. Lembremos que toda a rica e va-riada ritualstica africana passou por perseguies e excomungaes.No caso do culto aos orixs, principalmente na Bahia, se contaque, numa sbia operao, os santos do hagiolgico cristo entra-ram em ao. Santos e orixs, unidos, abriram caminhos para per-manecer cultuados. Santa Brbara, na leitura africana, foi reco-nhecida como Ians, os gmeos S. Cosme e Damio foram reco-nhecidos como os gmeos ioruba Ibeji, Nosso Senhor do Bonfim,como Oxal, e assim por diante.

    Com a segregao, a separao de igrejas para brancos e paranegros, promovida pelo sistema escravagista, as irmandades cum-priram inmeras funes, dentre elas a de solidariedade entre osmalungos, isto , irmos. Havia identidades compartilhadas, ape-sar das origens e das lnguas diversas. Era um espao de solidarie-dade. Na devoo tambm se garantiu o culto aos mortos e atmesmo a organizao para o objetivo de alforriar os escravizados.

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1864

  • De olho na Cultura 65

    * As origens aqui direcionadas so apontadas pelas pr-prias comunidades. Seriam memrias que fundam umaespecfica identidade.

    1 Quem informa o dado o pesquisador Vagner Gon-alves da Silva

    Denominao

    regional

    Regio de concentrao

    no BrasilOrigem africana

    1

    Tambor de Mina Maranho e Par Relacionada aos voduns da etnia

    Fon.

    Candombl queto Bahia, mas encontrado em

    todo o Brasil.

    Relacionada ao panteo de

    divindades iorubas, os orix.

    Elegem a cidade de Queto, ao

    norte do Benin como origem.

    Candombl Angola Norte, nordeste, sudeste e

    sul

    Prticas de origem africana

    recebem os nomes de inquices.

    Umbanda Norte, nordeste, sudeste e

    sul

    Referidas a uma tradio

    genrica bantu; com influncia

    catlica, esprita e amerndia.

    Xang Pernambuco Os orix so de origem nag.

    Batuque Rio Grande do Sul Razes na Costa da Guin e na

    Nao Ijex na Nigria.

    Catimb Pernambuco, Amazonas,

    Par

    As origens dos candombls se

    fundem com a das religies

    indgenas.

    Xamb Pernambuco O culto dos orixs trazido por

    famlias que habitavam a regio

    dos Camares.

    Babau Par Baba remete lngua ioruba mas

    a origem indgena tambm

    referida.Fala-se de Brbara

    Suera, do qual o nome teria

    derivado.2

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1865

  • 66 De olho na Cultura

    Nas irmandades, um dos princpios era a liberdade conquistadapela compra da carta de alforria, o que era feito de forma comuni-tria.

    Considerando a leitura do texto:

    Nos primrdios do cristianismo, a pregao do Evangelhodeveria reunir todos os povos. O esprito da doutrina era o desuperao das diferenas. Que tal nos inspirarmos nessa prticapara uma atividade que rena os mais diferentes representantesdas diversas religies na localidade onde voc mora? Faa um le-vantamento das religies que existem em sua cidade. Elabore car-tazes, frases para afixar em murais, cartazes com cores simblicas,prepare comidas representativas. Organize, com seus colegas, umareunio ecumnica. Convide os sacerdotes e lderes das diversasmanifestaes religiosas.

    Comece a levantar perguntas, entre seus colegas, para seremdirigidas aos convidados. Uma sugesto comear pela idia deDeus em cada uma das religies.

    O captulo teve como objetivo incrementar o repertriopara uma reflexo sobre a temtica das religies afro-brasileiras.Trazer o repertrio religioso para dentro do ambiente escolarno implica em dogmatizao haja vista as escolas pblicas se-rem laicas. Mas ou no importante a garantia do direito dessasreligies a estarem presentes como referncia dentro do panora-ma religioso que existe no pas? A abordagem respeitosa devetrabalhar formas de superao, da segregao, da perseguio,da condenao sofrida em tempos pra l de opressores.

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1866

  • De olho na Cultura 67

    DE OLHO NA INFNCIAE O ESPORTE EM JOGO

    Assim como o movimento que gira o corpo,

    a cabea toca a terra e pe o mundo de ponta cabea.

    A inverso da perspectiva altera a percepo da vida

    ao redor e cria um ponto de vista.

    (a capoeira)

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1867

  • 68 De olho na Cultura

    cultura 23 maio 06.pmd 23/5/2006, 18:1868

  • De olho na Cultura 69

    O que os brinquedosesto falando?

    Quais as idias que vm mente quando o assunto populaoafro-brasileira? A formao de opinies a esse respeito passa tam-bm pelos ambientes educativos, atravs das bibliotecas,videotecas, visitas a museus, leitura de revistas, etc.

    Voltemos, por um instante, nossa infncia. Agora vamos to-mar outra via de conhecimento, aparentemente, muito ingnua: oacervo de brinquedos e brincadeiras que ficavam nossa disposio.

    possvel atestar que fomos uma sociedade daltnica naoferta de repertrios que trouxessem modelos afro-brasileiros: afalta