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DECAIMENTO RADIOATIVO: DIFERENTES ABORDAGENS EM UMA
ATIVIDADE DE MODELAGEM MATEMÁTICA
Karina Alessandra Pessôa da Silva, UEL
Rodolfo Eduardo Vertuan, UEL
RESUMO
Este trabalho apresenta algumas considerações sobre diferentes abordagens de uma
atividade de Modelagem Matemática e os diferentes registros associados aos objetos
matemáticos abordados. Apresenta, inicialmente, caracterizações da Modelagem, enquanto
alternativa pedagógica para o ensino e aprendizagem da Matemática e da Teoria dos
Registros de Representação Semiótica – uma teoria de aprendizagem em Matemática que
discute, a partir dos registros produzidos, as possibilidades de compreensão e apreensão
dos objetos matemáticos presentes em uma atividade. Em seguida, apresenta e discute uma
atividade de Modelagem proposta para ser desenvolvida tanto com alunos do Ensino
Médio quanto com alunos do Ensino Superior. Conclui que a coordenação dos diferentes
registros associados a um objeto matemático em atividades de Modelagem Matemática
acontece por uma questão de necessidade e que atividades deste tipo contribuem para a
compreensão e apreensão dos objetos matemáticos.
Palavras-chave: Educação Matemática; Modelagem Matemática; Decaimento Radioativo.
INTRODUÇÃO
Partindo do pressuposto de que ensinar não é transferir conhecimentos,
mas criar possibilidades para a sua construção ou produção, é que tomamos, neste trabalho,
a Modelagem Matemática como uma alternativa pedagógica para o ensino e a
aprendizagem da Matemática.
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Trata-se de enxergar situações do cotidiano através de lentes
matemáticas, ou seja, de interpretar, analisar e tomar decisões acerca de situações do
cotidiano por meio do ferramental matemático.
A perspectiva de Modelagem Matemática que adotamos diz respeito às
suas potencialidades enquanto oportunidade para os alunos compreenderem os objetos
matemáticos, conhecer e relacionar as várias representações destes objetos e utilizá-los
para interpretar fatos da realidade. Logo, não se trata de encarar os objetos matemáticos
simplesmente como ferramentas necessárias para a resolução de um problema, mas de
tomá-los, também, como objetos de estudo com um fim em si mesmos.
Visando contribuir para a compreensão do objeto matemático presente
nas atividades de Modelagem Matemática, é que faremos uso da Teoria dos Registros de
Representação Semiótica, de Raymond Duval. Para o autor, a utilização de diferentes
registros de representação associados a um mesmo objeto matemático e a coordenação
adequada entre estes registros representa uma possibilidade do aluno compreender o objeto
matemático como um todo.
Neste artigo, investigamos quais representações tornam-se presentes em
uma atividade de Modelagem Matemática e inferimos, à luz da fundamentação teórica,
aspectos que podem indicar a compreensão dos conceitos envolvidos na situação.
Para exemplificar, utilizamos uma atividade de Modelagem referente à
situação do césio-137 – decaimento radioativo – utilizando três diferentes abordagens:
Função do tipo Exponencial, Progressão Geométrica e Equações Diferenciais Ordinárias.
1. SEMIÓTICA E REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO SEMIÓTICA
1.1 Sobre o conceito de semiótica
A palavra semiótica provém do grego semeion, que significa signo. Dessa forma,
semiótica é a ciência dos signos, de toda e qualquer linguagem. Para Santaella (2008), essa
ciência tem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, tem por
137
objetivo o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno de produção de
significação e de sentido.
Peirce (2005) concebeu a Semiótica como a “doutrina formal dos signos”. Esse
autor definiu o signo como algo que, para uma pessoa, toma lugar de outra coisa (objeto),
não em todos os aspectos desta coisa, mas somente de acordo com certa forma ou
capacidade.
Um signo, ou representámen, é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria, na mente dessa pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido. Ao signo assim criado denomino interpretante do primeiro signo. O signo representa alguma coisa, seu objeto. Representa esse objeto não em todos os seus aspectos, mas com referência a um tipo de idéia que eu, por vezes, denominei fundamento do representámen (p. 46).
Nos estudos sobre Semiótica, Peirce estabeleceu que o signo tem natureza
triádica, ou seja, estabelece três níveis de relações fundamentais: consigo mesmo, nas suas
propriedades internas, no seu poder para significar, estabelecendo uma teoria das
potencialidades e dos limites da significação; com o objeto, em sua referência àquilo que
representa, se refere ou indica, extraindo uma teoria da objetivação; com o interpretante,
isto é, nos tipos de interpretação que tem o potencial de despertar nas pessoas que os
utilizam, obtendo-se uma teoria da interpretação.
O interpretante substitui o objeto real na mente do intérprete. Daí o “objeto real”
ser inatingível pela percepção, já que tudo é signo. A interpretação de um signo é um
processo dinâmico na mente do receptor.
Neste sentido, Santaella (2008) argumenta que:
[...] A partir da relação de representação que o signo mantém com seu objeto, produz-se na mente interpretadora um outro signo que traduz o significado do primeiro (é o interpretante do primeiro). Portanto, o significado de um signo é outro signo — seja este uma imagem mental ou palpável, uma ação ou mera reação gestual, uma palavra ou mero sentimento de alegria, raiva... uma idéia, ou seja lá o que for — porque esse seja lá o que for, que é criado na mente pelo signo, é um outro signo (tradução do primeiro) (p. 58-59).
O signo não é o objeto, ele está no lugar do objeto, fazendo referência ao objeto e
somente pode representá-lo de certo modo e em uma certa capacidade. Para serem
estudados, os objetos matemáticos necessitam de um signo, de uma representação para
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torná-los acessíveis. Na próxima seção apresentamos a ideia do uso de representações no
desenvolvimento de objetos matemáticos, abordando a teoria de Raymond Duval, que está
sendo cada vez mais utilizada quando as pesquisas se relacionam à constituição do
conhecimento matemático e à organização de situações que envolvem aprendizagem.
1.2 Sobre Registros de Representação Semiótica
Toda comunicação em Matemática é feita basicamente por meio de
representações. Para ensinar conceitos, propriedades, estruturas e relações advindas dos
objetos matemáticos, o professor precisa levar em consideração as diferentes formas de
representação desse objeto. O que se estuda e se ensina são as representações dos objetos
matemáticos e não os próprios objetos matemáticos.
Damm (1999) considera que a Matemática trabalha com objetos abstratos. Essa
autora afirma que “os objetos matemáticos não são diretamente acessíveis à percepção,
necessitando para sua apreensão o uso de uma representação” (p. 137).
Para Peirce (2005), representar é “estar em lugar de, isto é, estar numa relação
com um outro que, para certos propósitos, é considerado por alguma mente como se fosse
esse outro” (p. 61). Esse autor faz uma relação entre signo e representação: “Quando se
deseja distinguir entre aquilo que representa e o ato ou relação de representação, pode-se
denominar o primeiro de ‘representâmen’ e o último de ‘representação’” (p. 61). Assim,
Peirce (2005) considera que a representação é uma função do signo.
Uma característica que se destaca em atividades matemáticas é o uso de diversos
sistemas de representação, além da língua natural. Na Matemática existem variados
sistemas de escrita para os números, escritas algébricas para representar operações e
relações, figuras geométricas, gráficos cartesianos, diagramas, esquemas, etc.
Duval é um autor que tem se interessado pelo uso variado de sistemas de
representação semiótica. Afirma que não há um conhecimento que uma pessoa possa
mobilizar sem uma atividade de representação.
Segundo Duval (2004), as representações semióticas são produções constituídas
pelo emprego de signos pertencentes a um sistema de representação, os quais têm suas
dificuldades próprias de significado e de funcionamento. A escrita em língua natural, a
escrita algébrica e os gráficos cartesianos são exemplos de representação semiótica. Essas
139
representações podem ser convertidas em representações “equivalentes” em outro sistema
semiótico, mas podem tomar significações diferentes para a pessoa que as utiliza.
Para Duval (2003), um sistema de representação semiótico é considerado um
registro de representação quando permite três atividades cognitivas: a formação de uma
representação identificável; o tratamento de um registro de representação; a conversão de
um registro de representação.
Para que uma representação seja identificável é necessário, a partir de um registro
de representação, saber qual é o objeto matemático que está sendo representado. O
tratamento ocorre quando há transformações de representações dentro de um mesmo
sistema de registros. A conversão é a transformação da representação de um objeto dada
em um sistema de registros em uma outra representação deste mesmo objeto em outro
sistema de registros. Na conversão, conserva-se a totalidade ou parte do objeto em
questão1.
Para Duval (2003), “[...] do ponto de vista cognitivo, é a atividade de conversão
que, ao contrário, aparece como a atividade de transformação representacional
fundamental, aquela que conduz aos mecanismos subjacentes à compreensão” (p. 16).
Duval (2003) afirma que “a originalidade da atividade matemática está na
mobilização simultânea de ao menos dois registros de representação ao mesmo tempo, ou
na possibilidade de trocar a todo o momento de registro de representação” (p. 14).
Segundo Duval (2003), para que ocorra a conceitualização do objeto matemático
em estudo, além de se realizar conversões de um registro para outro, é necessário que
exista uma coordenação entre os registros, ou seja, é preciso compreender que os diferentes
registros referem-se ao mesmo objeto matemático e podem se complementar no sentido de
que um registro pode expressar características ou propriedades do objeto matemático que
não são expressas com clareza em outro registro.
Como salienta Dominoni (2005), sendo parcial, um registro pode complementar o
outro. No entanto, é preciso relacionar os diferentes registros de representação com suas
próprias especificidades para que se possa conceitualizar o objeto matemático.
1 Neste trabalho, adotamos a conversão como uma atividade cognitiva que envolve mudança de sistemas de registros. Embora consideremos que a atividade de conversão pode ser vista como mais complexa ou menos complexa de acordo com o fenômeno de congruência e não-congruência, não faremos essa análise neste trabalho.
140
Nas atividades matemáticas destaca-se o uso de diversos sistemas de
representação. Esse fato também é evidenciado em atividades de Modelagem Matemática.
Na próxima seção apresentamos um estudo que aborda que diferentes registros de
representação podem emergir em atividades de Modelagem Matemática. No entanto, antes
de apresentarmos essa abordagem, faremos uma descrição do que entendemos por
Modelagem Matemática.
2. REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO SEMIÓTICA E MODELAGEM MATEMÁTICA
Acreditamos que uma forma de contribuir para que as pessoas tenham o hábito de
duvidar, questionar e interpretar situações que usam argumentos matemáticos é, desde os
primeiros anos escolares, discutir situações-problema nas aulas de Matemática ao mesmo
tempo que se discute conceitos matemáticos. Para aprender a discutir problemas do
cotidiano por meio da Matemática é preciso fazer disso uma prática nas aulas de
Matemática.
Nesta perspectiva, a Modelagem Matemática surge como uma alternativa
pedagógica para o ensino e aprendizagem da Matemática, que discute, por meio da
Matemática, uma situação-problema que pode, inicialmente, ser apresentada num contexto
não matemático.
No desenvolvimento de uma atividade de Modelagem Matemática os alunos são
levados, entre outras coisas, a construir um modelo matemático que represente de algum
modo a situação estudada e que permita aos alunos responderem ao problema que se
propuseram a investigar. Neste caminho de análise de uma situação, muitos conceitos de
matemática, bem como assuntos de cunho social são discutidos.
Estudos apontam algumas contribuições da Modelagem Matemática para o ensino
e aprendizagem da Matemática (BASSANEZI, 2002; MASS, 2004; ALMEIDA e DIAS;
2004; BORSSOI e ALMEIDA, 2005; KAISER, 2006). Para Kaiser (2004), o envolvimento
com Modelagem pode contribuir para que os alunos tenham uma visão mais aberta dos
problemas matemáticos e passem a considerar a possibilidade de diversas formas de
resolução. Além disso, “a Modelagem pode tornar acessível a ligação entre vários
141
conteúdos, possibilitando ainda a retomada de conceitos já trabalhados, imprimindo, desse
modo, um caráter espiral ao currículo” (BARBOSA, 1999, p.78).
Neste sentido, atividades de Modelagem Matemática permitem que os alunos
utilizem constantemente determinados objetos matemáticos, o que pode contribuir para a
compreensão destes objetos matemáticos. Segundo Fonte et al (2005):
[...] ‘compreender’ ou ‘saber’ um objeto matemático consiste em ser capaz de reconhecer suas propriedades e representações características, relacioná-lo com os restantes objetos matemáticos e usar este objeto em toda a variedade de situações problemáticas prototípicas que lhe são propostas em aula. Deste ponto de vista a compreensão alcançada por um sujeito em um momento dado dificilmente será total ou nula, mas será parcial e progressiva (p.16, [tradução livre]).
Para Duval (2003), compreender um conceito matemático implica em ser capaz de
diferenciar o objeto matemático da representação que o torna acessível. Para o autor, “[...]
os objetos matemáticos, começando pelos números, não são objetos diretamente
perceptíveis ou observáveis com a ajuda de instrumentos” (p. 14) e o acesso aos objetos
matemáticos acontece por meio da utilização de uma representação.
O autor denomina a escrita em língua natural, a escrita algébrica e os gráficos
cartesianos como exemplos de representações semióticas. Para ele, estas representações
são produções constituídas pelo emprego de signos pertencentes a um sistema de
representação, os quais têm suas dificuldades próprias de significado e de funcionamento
(DUVAL, 2004).
Segundo Duval (2004), a utilização de diferentes representações semióticas
contribui para uma reorganização do pensamento do aluno e influencia a atividade
cognitiva da pessoa que as utiliza. Neste sentido, as representações semióticas são
essenciais para a compreensão dos conceitos matemáticos. Por isso, o autor considera que
entender estas representações simplesmente como suporte para as representações mentais
consiste numa visão ingênua e errônea.
142
O termo “registros de representação semiótica” é usado para designar os
diferentes tipos de representação semiótica. As representações língua natural, tabular,
gráfica, figural e algébrica são exemplos de tipos diferentes de registros de representação.
Cada uma delas consiste num registro de representação (ou sistema de representação)
diferente.
No decorrer do processo de Modelagem Matemática são vários os registros
utilizados para os alunos (textos, tabelas, gráficos e etc). Segundo Duval (2003), “[...] é a
articulação dos registros que constitui uma condição de acesso à compreensão em
matemática, e não o inverso” (p.22).
Neste sentido, parece importante relacionar constantemente os diferentes registros
de representação que se fazem presentes em atividades de Modelagem Matemática. Para
exemplificar, apresentamos, a seguir, a situação referente ao decaimento radioativo do
césio-137. Para esta situação problema, utilizamos três abordagens e diferentes objetos
matemáticos: Função do tipo Exponencial, Progressão Geométrica (PG) e Equações
Diferenciais Ordinárias (EDO).
3. Descrição de uma Proposta: Três Abordagens
A situação apresentada refere-se a um acidente ocorrido com césio-137 na cidade
de Goiânia, capital de Goiás. Esse acidente ocorreu no dia 13 de setembro de 1987,
quando dois sucateiros encontraram um aparelho de radioterapia em um prédio
abandonado da Santa Casa de Misericórdia de Goiânia. Os sucateiros levaram, então, o
aparelho, por eles desconhecido, para a casa de um deles e o desmontaram. Durante a
desmontagem do aparelho de radioterapia, os sucateiros expuseram no ambiente 19,26 g
de cloreto de césio-137 (CsCl), pó branco semelhante ao sal de cozinha, que brilha no
escuro com uma coloração azulada.
O acidente somente foi diagnosticado no dia 29 de setembro de 1987 depois de
muitas pessoas apresentarem sintomas de contaminação radioativa. Nos trabalhos de
descontaminação dos locais afetados foram produzidos 13,4t de lixo contaminado com
césio-137: roupas, utensílios, plantas, restos de solo e materiais de construção. O lixo do
143
maior acidente radiológico do mundo está armazenado em cerca de 1.200 caixas, 2.900
tambores e 14 contêineres em um depósito construído na cidade de Abadia de Goiás,
vizinha a Goiânia, onde deverá ficar pelo menos 180 anos.
Segundo a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN):
Cada elemento radioativo se transmuta a uma velocidade que lhe é característica. Meia-vida é o tempo necessário para que a sua atividade seja reduzida à metade da atividade inicial. Alguns elementos possuem meia-vida de milionésimos de segundos. Outros, de bilhões de anos. (CNEM, 2006).
A meia-vida do césio-137 é 30,2 anos. Mas para facilitar nossos cálculos vamos
considerar a meia-vida do césio-137 como sendo de 30 anos.
A partir destas informações, a atividade se propõe a estudar como se comporta a
concentração do césio-137 na cidade de Goiânia no decorrer do tempo.
Definição das variáveis: As variáveis utilizadas para resolver o problema são:
- variável independente: →t tempo (anos);
- variável dependente: →Q quantidade (gramas) de césio-137.
A formulação de hipóteses: Para realizar o estudo é necessário que algumas
hipóteses sejam estabelecidas para, a partir delas, fazer a dedução do modelo que descreve
a situação em estudo.
1H : A quantidade de césio-137 depende do ano.
2H : A quantidade inicial de césio-137 que contaminou Goiânia é 19,26g.
3H : A meia-vida do césio-137 é de 30 anos.
4H : O tempo inicial é 1987.
Dedução do modelo
Para a dedução do modelo, podemos utilizar três estratégias, abordando
diferentes conteúdos matemáticos: função do exponencial, progressão geométrica e
144
equações diferenciais ordinárias.
Abordagem 1: Função do tipo exponencial
Como a quantidade de césio-137 diminui pela metade a cada 30 anos,
construímos uma tabela, na qual tomamos o tempo inicial como sendo o ano de 1987,
somamos 30 a cada ano considerado e dividimos a quantidade anterior de césio-137 por 2.
Assim, obtemos os seguintes resultados:
Tabela 1: Quantidade de césio-137 de acordo com o ano.
Tempo (ano) Valor de n Quantidade de césio-137 (gramas)
1987 0=n 0
0
00
0 .21
226,19 Q
QQ ⎟
⎠⎞
⎜⎝⎛===
2017 (1987+30)
1=n 0
1
10
1 .21
2226,1963,9 Q
QQ ⎟
⎠⎞
⎜⎝⎛====
2047 (1987+60=1987+30.2)
2=n 0
2
20
2 .21
2426,19815,4 Q
QQ ⎟
⎠⎞
⎜⎝⎛====
2077 (1987+90=1987+30.3)
3=n 0
3
30
3 .21
2826,194075,2 Q
QQ ⎟
⎠⎞
⎜⎝⎛====
2107 (1987+120=1987+30.4)
4=n 0
4
40
4 .21
21626,1920375,1 Q
QQ ⎟
⎠⎞
⎜⎝⎛====
M M M
1987+30. n n 0
0 .21
2Q
n
nn ⎟⎠⎞
⎜⎝⎛==
A partir do registro de representação em língua natural, que constitui o registro
utilizado para apresentar a situação, foi feita uma conversão para o registro algébrico,
apresentado em um registro tabular. Nos registros algébricos foram feitos tratamentos para
a obtenção da quantidade de césio-137 no ano n , que é dado pela expressão:
n
n QQ ⎟⎠⎞
⎜⎝⎛=
21.0
145
Assim, utilizou-se três registros de representação distintos para o mesmo objeto
matemático – função do tipo exponencial – e, de acordo com Duval (2003), isso
representa uma originalidade da atividade matemática.
Considerando que o ano zero ( 0=n ) corresponde a 1987 e que a meia-vida do
césio-137 é de 30 anos, ou seja 1=n corresponde ao ano de 1987+30=2017, podemos
escrever que a quantidade de césio-137 num ano t qualquer é dada por:
301987
21.26,19)(
−
⎟⎠⎞
⎜⎝⎛=
t
tQ
Assim, no ano 2009=t , a quantidade de césio-137 em Goiânia é:
3019872009
21.26,19)2009(
−
⎟⎠⎞
⎜⎝⎛=Q
59,11)2009( =Q g
Nesse caso, para o trabalho com o tempo em anos foram feitos tratamentos no
interior do registro algébrico, pois, nesse caso, para obter a expressão, permaneceu-se no
mesmo registro.
A partir do registro algébrico, para visualizar como se comporta o decaimento
radioativo do césio-137, pode-se fazer uso da representação gráfica. Nesse caso,
consideramos que foi feita uma transformação do registro algébrico para o registro
gráfico, ou seja, ocorreu uma mudança de sistemas de registros — uma conversão. Este
registro gráfico é apresentado na Figura 1, construída utilizando-se o programa
computacional Maple 7.
t = anos (a partir de 1987)
Q(t) = quantidade de césio-137 (em gramas)
146
Figura 1: Quantidade de césio-137 (em gramas) de acordo com o ano.
Nesta abordagem, os registros utilizados foram: língua natural, algébrico, tabular
e gráfico. As atividades cognitivas (tratamento e conversão) estiveram presentes como
apresentadas na Figura 2.
Figura 2: Registros de representação e atividades cognitivas na abordagem da função do tipo exponencial.
Segundo Duval (2003), mais importante que a conversão é a coordenação entre
os registros. Isso implica em perceber nos diferentes registros o mesmo objeto
matemático, no caso, a função do tipo exponencial.
A escolha da utilização da expressão “função do tipo exponencial” deve-se ao
fato dela ser definida por f de IR em IR dada pela forma xaxf =)( , em que a é um
número real dado, 0>a e 1≠a . Uma função do tipo exponencial é definida por f de
IR em IR dada por xabxf .)( = , onde IRb∈ . No caso da expressão que representa o
decaimento radioativo do césio-137, 301987
21.26,19)(
−
⎟⎠⎞
⎜⎝⎛=
t
tQ , onde 1987≥t , temos uma
função do tipo exponencial, pois IRb ∈= 26,19 é um valor que multiplica a função
exponencial x
xf ⎟⎠⎞
⎜⎝⎛=
21)( , onde 30
1987−=
tx . Sendo 121<=a e a função exponencial
xaxf =)( multiplicada por 026,19 >=b , temos que se trata de uma função crescente.
Abordagem 2: Progressão Geométrica
A quantidade inicial de césio-137 que foi liberada no acidente em Goiânia é de
19,26g. Como esse material reduz-se pela metade a cada 30 anos, temos a sequência
Língua natural Registro tabular Registro algébrico Registro gráfico
Conversão Conversão Conversão
Tratamento
147
( )... 2,4075, 4,815, 9,63, ,26,19 , que corresponde à quantidade de césio-137 nos anos de
1987, 2017, 2047, 2077, …, respectivamente.
Assim, a partir do registro em língua natural, faz-se uma conversão para o
registro em linguagem matemática, apresentando-se a sequência numérica que descreve a
situação em estudo.
Podemos notar que a partir da sequência, temos que
21...
815,44075,2
63,9815,4
26,1963,9
==== , que corresponde a uma progressão geométrica (PG) de
razão 21
=q .
Nesse caso, faz-se um tratamento no registro em linguagem matemática, por
meio de operações, para perceber a regularidade existente entre os termos que definem
uma progressão geométrica.
Como:
26,191 =a
qqaa .26,19.12 ==
2123 .26,19... qqqaqaa ===
32134 .26,19... qqqaqaa ===
43145 .26,19... qqqaqaa ===
...
11
1 21.26,19.
−− ⎟
⎠⎞
⎜⎝⎛=⇒=
n
nn
n Qqaa .
Assim, o termo geral que define a situação em estudo é 1
21.26,19
−
⎟⎠⎞
⎜⎝⎛=
n
nQ .
Nesse caso, é feita uma conversão da linguagem matemática, apresentada na
sequência, para o registro algébrico que representa o termo geral da PG. Para obter o
termo geral da PG, fez-se tratamentos no registro algébrico, deduzindo-se a expressão que
rege o termo geral de uma PG.
148
Pode-se fazer outros tratamentos no registro algébrico 1
21.26,19
−
⎟⎠⎞
⎜⎝⎛=
n
nQ ,
obtendo os registros apresentados a seguir:
)69,0).(1(21ln).1(
21ln1
.26,19.26,19.26,1921.26,19
1
−−⎟⎠⎞
⎜⎝⎛−⎟
⎠⎞
⎜⎝⎛−
===⇒⎟⎠⎞
⎜⎝⎛=
−
nn
n
n
n eeeQQn
2..26,19..26,19.26,19 69,069,069,069,069,0 −−+− === eeeeQ nnn
nn eQ 69,0.52,38 −=
Nesta abordagem, os registros utilizados foram: língua natural, linguagem
matemática e registro algébrico. As atividades cognitivas (tratamento e conversão)
estiveram presentes como apresentadas na Figura 3.
Figura 3: Registros de representação e atividades cognitivas na abordagem da PG.
Quando apresentamos essa abordagem, junto à função do tipo exponencial, os
alunos relacionam a PG a essa função. Nesse caso, a PG é uma função do tipo exponencial
discreta, pois *Nn∈ .
Embora apresentemos três registros de representação para a abordagem da
progressão geométrica, esses não são os únicos. É possível apresentar outros registros para
tal objeto matemático. Neste aspecto, somos favoráveis à afirmação de Peirce (2005) de
que as representações não são os objetos matemáticos, elas estão apenas no lugar do
objeto, fazendo referência a ele.
Abordagem 3: Equações Diferenciais Ordinárias
O césio-137 decai a uma taxa proporcional à quantidade presente. Sabemos que
Língua natural Linguagem matemática Registro algébrico
Conversão Conversão
Tratamento
149
inicialmente existem 19,26g de césio-137 e, após 30 anos, o material perde metade de sua
massa original. Assim, fazendo a conversão da língua natural para o registro algébrico,
temos:
∫ ∫=⇒=⇒=⇒=⇒= kdtdQQ
kdtdQQ
kdtQdQQdtkdQQk
dtdQ 11..
cktcktQ eeQeecktQ .ln ln =⇒=⇒+= +
ktecQ .1= , em que cec =1 . (1)
Para 0=t , temos que 26,19=Q g. Realizando tratamentos no registro algébrico
(1), temos que 26,191.26,19.26,19 110.
1 =⇒=⇒= ccec k .
Dessa forma, ficamos com kteQ .26,19= . (2)
Além disso, temos que para anos 30=t , 20QQ = . Assim, realizando tratamentos
em (2), obtemos:
5,0lnln5,021.26,19
226,19.26,19
230303030300 =⇒=⇒=⇒=⇒= kkkkk eeeeeQ
023,030
69,069,030 −=−
=⇒−=⇒ kk .
Portanto, o decaimento radioativo do césio-137 é dado pela expressão:
tetQ .023,0.26,19)( −=
Nesta abordagem, os registros utilizados foram: língua natural e algébrico. As
atividades cognitivas (tratamento e conversão) estiveram presentes como apresentadas na
Figura 4.
Figura 4: Registros de representação e atividades cognitivas na abordagem da EDO.
Língua natural Registro algébrico
Conversão
Tratamento
150
Nesta abordagem, fizemos uso de três registros de representação semiótica. No
entanto, é importante deixar claro que esses não são os únicos que representam o objeto
matemático Equações Diferenciais Ordinárias.
Na atividade de Modelagem Matemática que apresentamos, é possível um
trabalho envolvendo diferentes objetos matemáticos e que pode ser desenvolvido em
diferentes níveis de escolaridade – no Ensino Médio (função do tipo exponencial e PG) e
no Ensino Superior (EDO).
4. Considerações Finais
Ao utilizar a Modelagem Matemática como alternativa pedagógica, inserimos os
alunos em um contexto de aprendizagem em que a discussão de situações-problema, a
participação ativa e o uso de diferentes registros se fazem essenciais. Mais do que
simplesmente utilizar diferentes registros, em Modelagem os alunos são levados a
relacionar estes registros ao buscar uma solução para a situação-problema em estudo, tal
como na situação do “decaimento radioativo do césio-137”, em que, para encontrar um
modelo matemático que representasse a situação investigada, é preciso coordenar os
registros língua natural, tabular, gráfico e algébrico. Estes registros, segundo Duval
(2004), evidenciam o modo como os alunos entendem determinado objeto matemático ao
mesmo tempo em que promovem novas interpretações acerca destes objetos e de outros
relacionados. Vale lembrar que “[...] passar de um registro de representação à outro não é
somente mudar de modo de tratamento, é também explicar as propriedades ou os aspectos
diferentes de um mesmo objeto” (DUVAL, 2003, p.22).
Em termos gerais, verificamos, por meio da atividade descrita neste trabalho e
por meio de outras atividades de Modelagem, que, de fato, as atividades de Modelagem
Matemática viabilizam a utilização e exploração de diferentes registros de representação
semiótica, bem como os processos de tratamento, de conversão e de coordenação entre
registros. Neste sentido, entendemos que a interação Modelagem Matemática e Registros
de Representação Semiótica contribui para a aprendizagem de conceitos matemáticos e,
consequentemente, para a discussão de situações da realidade.
Além disso, a Modelagem Matemática possibilita o trabalho com a mesma
situação em diferentes níveis de ensino, envolvendo diferentes objetos matemáticos.
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