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Apelação Criminal n. 2014.009479-4, de Criciúma Relator: Des. Getúlio Corrêa APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE POLUIÇÃO (LEI N. 9.605/98, ART. 54, § 2º, V) - SENTENÇA ABSOLUTÓRIA (ART. 386, II, do CPP) - RECURSO DA ACUSAÇÃO. PLEITEADA A CONDENAÇÃO DOS APELADOS ANTE A SUFICIENTE COMPROVAÇÃO DA AUTORIA E MATERIALIDADE - SUSTENTADA A PRESCINDIBILIDADE DE PERÍCIA TÉCNICA ACERCA DO DANO AMBIENTAL - PROCEDÊNCIA. RELATÓRIO DE VISTORIA PRODUZIDO PELA POLÍCIA MILITAR AMBIENTAL, CORROBORADO PELOS DEPOIMENTOS POLICIAIS, EM AMBAS AS FASES, QUE COMPROVAM A AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA. "A materialidade do delito ambiental ficou assentada por meio de amplo material probatório, incluindo laudo produzido por policiais ambientais integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente, que gozam de fé pública, não existindo, portanto, qualquer irregularidade" (STJ, HC n. 252027, Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 16.10.2012). CRIME DE MERA CONDUTA QUE SE CONSUMA PELA MERA POSSIBILIDADE DE CAUSAR DANO AO MEIO AMBIENTE - PRESCINDIBILIDADE DE PERÍCIA TÉCNICA. "Tratando-se de delito de mera conduta, o simples fato de não terem sido adotados os procedimentos de cautela tendentes a evitar o possível dano configura, em princípio, o crime" (STJ, HC n. 58604, Min. Gilson Dipp, j. 19.09.2006). CONDUTA NEGLIGENTE DOS SÓCIOS-ADMINISTRADORES NA ADMINISTRAÇÃO AMBIENTAL DE SUA EMPRESA, VIOLANDO O DEVER DE CUIDADO OBJETIVO - DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME PARA A MODALIDADE CULPOSA PREVISTA NO § 1º DO ART. 54 DA LEI N. 9.605/98 - INVIABILIDADE DE CONDENAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA PELO CRIME CULPOSO - AUTORIA, MATERIALIDADE E CULPABILIDADE QUE JUSTIFICAM A CONDENAÇÃO DOS SÓCIOS - PRECEDENTES DESTA CORTE. DOSIMETRIA DA PENA - CONDENAÇÃO EM PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E MULTA NO MÍNIMO LEGAL - SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITO QUE SE MOSTRA SUFICIENTE -

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Apelação Criminal n. 2014.009479-4, de CriciúmaRelator: Des. Getúlio Corrêa

APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE POLUIÇÃO (LEI N.9.605/98, ART. 54, § 2º, V) - SENTENÇA ABSOLUTÓRIA (ART.386, II, do CPP) - RECURSO DA ACUSAÇÃO.

PLEITEADA A CONDENAÇÃO DOS APELADOS ANTE ASUFICIENTE COMPROVAÇÃO DA AUTORIA EMATERIALIDADE - SUSTENTADA A PRESCINDIBILIDADE DEPERÍCIA TÉCNICA ACERCA DO DANO AMBIENTAL -PROCEDÊNCIA.

RELATÓRIO DE VISTORIA PRODUZIDO PELA POLÍCIAMILITAR AMBIENTAL, CORROBORADO PELOSDEPOIMENTOS POLICIAIS, EM AMBAS AS FASES, QUECOMPROVAM A AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA. "Amaterialidade do delito ambiental ficou assentada por meio deamplo material probatório, incluindo laudo produzido por policiaisambientais integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente,que gozam de fé pública, não existindo, portanto, qualquerirregularidade" (STJ, HC n. 252027, Min. Marco Aurélio Bellizze, j.16.10.2012).

CRIME DE MERA CONDUTA QUE SE CONSUMA PELAMERA POSSIBILIDADE DE CAUSAR DANO AO MEIOAMBIENTE - PRESCINDIBILIDADE DE PERÍCIA TÉCNICA.

"Tratando-se de delito de mera conduta, o simples fato de nãoterem sido adotados os procedimentos de cautela tendentes aevitar o possível dano configura, em princípio, o crime" (STJ, HCn. 58604, Min. Gilson Dipp, j. 19.09.2006).

CONDUTA NEGLIGENTE DOSSÓCIOS-ADMINISTRADORES NA ADMINISTRAÇÃOAMBIENTAL DE SUA EMPRESA, VIOLANDO O DEVER DECUIDADO OBJETIVO - DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME PARAA MODALIDADE CULPOSA PREVISTA NO § 1º DO ART. 54 DALEI N. 9.605/98 - INVIABILIDADE DE CONDENAÇÃO DAPESSOA JURÍDICA PELO CRIME CULPOSO - AUTORIA,MATERIALIDADE E CULPABILIDADE QUE JUSTIFICAM ACONDENAÇÃO DOS SÓCIOS - PRECEDENTES DESTACORTE.

DOSIMETRIA DA PENA - CONDENAÇÃO EM PENAPRIVATIVA DE LIBERDADE E MULTA NO MÍNIMO LEGAL -SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE PORRESTRITIVA DE DIREITO QUE SE MOSTRA SUFICIENTE -

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PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA - SENTENÇA REFORMADA -RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n.2014.009479-4, da Comarca de Criciúma (2ª Vara Criminal), em que é apelante oMinistério Público do Estado de Santa Catarina, e apelado Angelgres RevestimentosCerâmicos Ltda e outros:

A Segunda Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, dar parcialprovimento ao recurso. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado em 27 de maio de 2014, osExcelentíssimos Senhores Desembargadores Sérgio Rizelo e Volnei Celso Tomazini.

Funcionou como representante do Ministério Público o ExcelentíssimoSenhor Procurador de Justiça Norival Acácio Engel.

Florianópolis, 12 de junho de 2014.

Getúlio CorrêaPRESIDENTE E RELATOR

Gabinete Des. Getúlio Corrêa

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RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra Angelgres RevestimentosCerâmicos Ltda., Ângela Fátima Pascoali Boeira e Marconi Leonardo Pascoali pelaprática, em tese, do crime de poluição (Lei n. 9.605/98, art. 54, § 2º, V), em razão dosfatos assim narrados na denúncia:

"No dia 2 de dezembro de 2007, uma guarnição do 10º Pelotão da GuarniçãoEspecial de Polícia Militar Ambiental, atendendo ao ofício nº 717/2007 da 9ªPromotoria de Justiça da Comarca de Criciúma, efetuou vistoria na empresadenunciada Angelgres Revestimentos Cerâmicos Ltda., e constatou que esta,administrada pelos denunciados Ângela Fátima Pascoali Boeira e Marconi LeonardoPascoali, desenvolvia a atividade de fabricação de material cerâmico eminconformidade com as condicionantes do licenciamento e, ainda, com LicençaAmbiental de Operação vencida.

Na oportunidade verificou-se a disposição de resíduos gerados da raspa doesmalte, de biscoito esmaltado, em contato direto com o solo e a céu aberto, bemcomo resíduos da manutenção e da limpeza, tais como estopas contaminadas comóleo, dispostos em conjunto com resíduos recicláveis em local impróprio, dispostosno solo, em bags e tonéis, causando, portanto, poluição pelo lançamento de seusresíduos industriais sólidos, em desacordo com as exigências estabelecidas em leiou regulamento." (fls. II-II).

Após a instrução do feito, as partes apresentaram alegações finais (fls.235-245 e fls. 248-263).

Em seguida, sobreveio sentença (fls. 269-277), donde se extrai da partedispositiva:

"DIANTE DO EXPOSTO: JULGO IMPROCEDENTE a denúncia de fls. I/II parao fim de ABSOLVER os acusados ANGELGRES REVESTIMENTOS CERÂMICOSLTDA, ÂNGELA FATIMA PASCOALI BOEIRA e MARCONI LEONARDO PASCOALI,nela qualificados, da imputação da prática do crime tipificado no art. 54, 2, inciso V,da Lei n. 9.605/98, o que faço com fundamento no art. 386, II, do Código deProcesso Penal." (fl. 276).

Irresignado, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina apelou(fls. 279-290), sustentando, em síntese, a necessária condenação dos apelados,alegando que o conjunto probatório dos autos comprova suficientemente a autoria e amaterialidade do delito imputado, e que, diante desse quadro, a perícia técnica não semostra imprescindível, além do que o crime é de perigo, consumando-se pela simplespossibilidade de causar dano.

Houve contrarrazões (fls. 298-318), pela manutenção da sentença.A douta Procuradoria-Geral de Justiça, por parecer do Procurador de

Justiça Pedro Sérgio Steil (fls. 324-326), manifestou-se pelo desprovimento do apelo.

Gabinete Des. Getúlio Corrêa

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VOTO

1. A juíza Débora Driwin Rieger Zanini absolveu os apelados emsentença fundamentada na inexistência de provas da existência do fato (CPP, art.386, inc. II), ou seja, da materialidade, em síntese porque: a) reputou indispensável apresença de laudo técnico-pericial, por se tratar de infração que deixa vestígios; b) aausência de prova acerca do grau de poluição ou de potencialidade lesiva; c) orelatório elaborado pela polícia ambiental militar (fls. 03/08) é nulo por não atender asnormas processuais, mormente o art. 159, § 1º, do CPP (sentença às fls. 269-277).

Como dito pelo Procurador de Justiça, "não se desconhece adivergência jurisprudencial sobre o tema" (fl. 325), porém há que se destacar que jáhá precedente da Seção Criminal desta Corte que referenda o entendimento atualdesta Câmara Criminal, o qual não reputa indispensável a prova técnico-pericial, seexistem nos autos provas, como o relatório da polícia militar ambiental (o qual goza defé pública, até prova em contrário), que atestem a existência do fato delituoso.

Nesse sentido:"PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES (CPP, ART. 609, PARÁGRAFO

ÚNICO). CRIME CONTRA A FLORA. DENÚNCIA QUE IMPUTA A PRÁTICA DEQUEIMADA EM FLORESTA NATIVA DA MATA ATLÂNTICA (LEI 9.605/1998, ART.41 C/C ARTS. 15, II, I, E 53, II, C). PRETENDIDA A PREVALÊNCIA DO VOTOVENCIDO QUE RECONHECEU A NECESSIDADE DE PROVA PERICIAL PARAVERIFICAR A ELEMENTAR NORMATIVA DO TIPO FLORESTA OU MATA.DESCABIMENTO. POSSIBILIDADE DE AFERIR A ELEMENTAR SEM PERÍCIATÉCNICA. ADVENTO DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL NÃO MODIFICOU ASELEMENTARES DO ART. 41 DA LEI 9.605/1998. MATERIALIDADECOMPROVADA POR BOLETIM DE OCORRÊNCIA AMBIENTAL, AUTO DEINFRAÇÃO AMBIENTAL, NOTIFICAÇÃO, AUTO DE CONSTATAÇÃO,LEVANTAMENTO FOTOGRÁFICO E RELATÓRIO DA POLÍCIA MILITARAMBIENTAL. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. DOCUMENTOSPÚBLICOS QUE GOZAM DE FÉ PÚBLICA ATÉ PROVA EM CONTRÁRIO.INCIDÊNCIA DO ART. 156 DO CPP. REJEIÇÃO DOS EMBARGOSINFRINGENTES. - A ausência de prova pericial não impede o reconhecimentoda prática da infração penal consistente na destruição de campos nativos,vegetação rasteira, árvores nativas de grande porte, capões nativos em estágio deregeneração e espécies ameaçadas de extinção em área integrante ao Bioma MataAtlântica, inclusive, contendo área de preservação permanente com diversasnascentes, veredas/banhados e pequenos cursos de água, quando o conjuntoprobatório confirma a ação sobre o objeto material do tipo. - A interpretação jurídicaem matéria ambiental não pode conduzir a resultado mais gravoso e lesivo ao direitode terceira dimensão, a saber, o meio ambiente. - Os autos de constatação erelatórios elaborados pela polícia militar ambiental gozam de fé pública atéprova em contrário. Incide o art. 156 do Código de Processo Penal. - Parecer daPGJ pelo conhecimento e provimento do recurso. - Recurso conhecido e desprovido"(EI n. 2013.010605-8, Des. Carlos Alberto Civinski, j. 27.08.2013, Seção Criminal)

Desta Câmara:

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"APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A FLORA. ART. 38-A DA LEI DOSCRIMES AMBIENTAIS. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECLAMO DA ACUSAÇÃO.PERÍCIA TÉCNICA. DISPENSABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIADEVIDAMENTE COMPROVADAS. MODALIDADE CULPOSA RECONHECIDA.RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. A ausência de prova pericial nos crimesambientais não conduz, inexoravelmente, à absolvição do agente por falta de provada materialidade delitiva, que pode ser comprovada por outros meios legais" (ACrimn. 2013.038910-2, Des. Sérgio Rizelo, j. 24.03.2014).

"APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES AMBIENTAIS. CAUSAR POLUIÇÃO EFAZER FUNCIONAR ESTABELECIMENTO POTENCIALMENTE POLUIDOR SEMLICENÇA OU AUTORIZAÇÃO DOS ÓRGÃOS AMBIENTAIS COMPETENTES. ART.54, § 2º, INC. V, C/C ART. 60, AMBOS DA LEI 9.605/1998. SENTENÇA QUEDECLAROU A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO COMRELAÇÃO AO CRIME DO ART. 60 DA REFERIDA LEI E ABSOLVEU O ACUSADODO DELITO DO ART. 54, § 2º, INC. V, FACE A AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL.RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRETENDIDA CONDENAÇÃO DO RÉUPELO CRIME DE CAUSAR POLUIÇÃO QUE POSSA RESULTAR EM DANO ÀSAÚDE HUMANA. ACOLHIMENTO. MATERIALIDADE DO CRIMESUFICIENTEMENTE DEMONSTRADA ATRAVÉS DE DOCUMENTOS JUNTADOSAOS AUTOS, DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS, TERMO CIRCUNSTANCIADO,LEVANTAMENTO FOTOGRÁFICO E DO PRÓPRIO ACUSADO QUE DECLAROUQUE SE UTILIZOU DE UMA MANGUEIRA PARA RETIRAR DEJETOS DE UMAESTERQUEIRA E JOGÁ-LOS NO GRAMADO PRÓXIMO. PRECEDENTEJURISPRUDENCIAL. CONDUTA ESTA QUE FEZ COM QUE OS DEJETOSESCORRESSEM PARA CURSO HÍDRICO, CONFORME CONSTATADO ATRAVÉSDE FOTOGRAFIAS. SITUAÇÃO QUE FACILMENTE PODERÁ RESULTAR EMDANOS À SAÚDE HUMANA, OU A MORTANDADE OU DESTRUIÇÃOSIGNIFICATIVA DA FLORA. ELEMENTAR CARACTERIZADORA DO DELITOPRESENTE. AUTORIA, DO MESMO MODO, VERIFICADA. CONDENAÇÃO QUESE IMPÕE. SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU REFORMADA. RECURSOPROVIDO" (ACrim n. 2012.018399-2, Des. Cinthia Beatriz da Silva BittencourtSchaefer, j. 23.04.2013)."

Ainda, acerca do tema da prescindibilidade da prova técnico pericial,mormente diante da presença do relatório da Policial Militar Ambiental, prova apta acomprovar a materialidade do delito, vale trazer à baila trecho voto doDesembargador Rodrigo Collaço, no qual são citados precedentes das CortesSuperiores, ao qual se adere:

"[...]entendo por bem adotar a orientação das Cortes de convergência quanto àviabilidade de se admitir o laudo firmado por autoridade policial ambiental comoelemento probante da existência do delito.

Com efeito, na Suprema Corte, ao apreciar o HC n. 86.249/SP acerca dapossibilidade de trancamento de uma ação penal ambiental em curso, o relator,Ministro Carlos Britto, expressamente reconheceu a prova de materialidade naquelecaso fundada em 'auto de infração ambiental da lavra do IBAMA" (suficiente àverificação do ilícito em época de defeso), no que foi acompanhado pela PrimeiraTurma à unanimidade. Também a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça já se

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pronunciou no sentido de admitir laudo firmado por autoridade policial, mas desdeque contenha elementos suficientes acerca da materialidade (v.g., HC n.252.027/SC, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 16.10.2012).

Observe-se que, no Estado de Santa Catarina, a Lei estadual 14.675/09(Código Estadual do Meio Ambiente), em seu art. 10, III, alça a Polícia MilitarAmbiental - PMA como órgão executor do Sistema Estadual do Meio Ambiente -SEMA, de modo a integrar, pois, o Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMAde que trata a Lei federal 6.938 /81. Aludido diploma estadual ainda atribuiexpressamente à PMA o poder de polícia ambiental (art. 15).

Assim, se por um lado as Cortes Superiores têm reconhecido a materialidadede crimes ambientais com base em laudos oriundos de órgãos executores doSISNAMA e, por outro, a própria Lei 9.605 /98 dispõe que "são autoridadescompetentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processoadministrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacionalde Meio Ambiente - SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização, bemcomo os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha', irrefutáveladmitir os laudos emitidos por agentes vinculados à Polícia Militar Ambiental comoefetiva prova da materialidade de infrações ambientais" (voto vencido in ACrim n.2013.010895-9, j. 20.03.2014).

Extrai-se do citado julgado do Superior Tribunal de Justiça: "Amaterialidade do delito ambiental ficou assentada por meio de amplo materialprobatório, incluindo laudo produzido por policiais ambientais integrantes do SistemaNacional do Meio Ambiente, que gozam de fé pública, não existindo, portanto,qualquer irregularidade" (HC n. 252027, Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 16.10.2012).

Logo, a conclusão do respeitável togado singular acerca da necessidadede prova pericial não se mostra a mais adequada.

2. O crime imputado aos denunciados (art. 54, § 2º, V, da Lei n.9.605/98), pela conduta acima descrita, possui a seguinte redação:

"Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem oupossam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade deanimais ou a destruição significativa da flora:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.[...]§ 2º Se o crime:[...]V - ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou

detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigênciasestabelecidas em leis ou regulamentos:

Pena - reclusão, de um a cinco anos."

Acerca do dispositivo em comento, extrai-se da jurisprudência destaCorte: "[...] a objetividade jurídica imediata é a tutela do meio ambiente, sob qualquerforma. O elemento subjetivo desdobra-se no dolo, id est, a vontade livre e conscientede poluir o ar, a água e o solo, representada pela intenção de expor a perigo aincolumidade humana, animal ou vegetal. O sujeito ativo, por sua vez, pode ser

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qualquer pessoa, natural ou jurídica" (ACrim n. 2012.092235-6, Des. LeopoldoAugusto Brüggemann, j. 04.06.2013).

A materialidade e autoria do delito restaram comprovadas através dorelatório de vistoria/inspeção n. 141/2007 da Polícia Militar Ambiental às fls. 03-08,termos de depoimento às fls. 110-112, e pelos depoimentos judiciais dos policiaismilitares ambientais (mídia de fl. 233). Há que se ratificar a exposição acerca damaterialidade tecida pelo Ministério Público: "a empresa denunciada, que possuíalicença ambiental de operação vencida e continha dispositivos de controle ambientalineficientes, e, ainda, depositava 'resíduos gerados da raspa do esmalte, de biscoitoesmaltado, em contato direto com o solo e a céu aberto', e também 'resíduos demanutenção e da limbeza, tais como estopas contaminadas com óleo, dispostos emconjunto com resíduos recicláveis em local impróprio, dispostos no solo, em bags etonéis', isto é, sem o necessário sistema de tratamento e destinação adequada,deve-se ter em vista que as provas documental, testemunhal e fotográfica sãosuficientes para comprovar o dano ambiental noticiado na peça vestibular" (alegaçõesfinais à fl. 237).

Consta no caderno processual o contrato social da empresa poluidora, oqual aponta como responsáveis legais os sócios-administradores Ângela FátimaPascoali Boeira e Marconi Leonardo Pascoali (fls. 31-32), reforçando a autoria pelosapelados, pela teoria da dupla imputação:

"A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e aculpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seuadministrador ao agir em seu nome e proveito. [...]. A pessoa jurídica só pode serresponsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua emnome e em benefício do ente moral" (REsp n. 564960, Min. Gilson Dipp, j.13.06.2005 ).

"Nos crimes ambientais, é necessária a dupla imputação, pois não se admite aresponsabilização penal da pessoa jurídica dissociada da pessoa física, que age comelemento subjetivo próprio" (RMS n. 27593, Mina. Maria Thereza de Assis Moura, j.04.09.2012).

Ainda, incide ao presente caso a prescrição legal do art. 2º da Lei deCrimes Ambientais: "Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimesprevistos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da suaculpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgãotécnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que,sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quandopodia agir para evitá-la".

O crime em tela se consumou pela mera possibilidade de causar danoao meio ambiente, pois, "tratando-se de delito de mera conduta, o simples fato de nãoterem sido adotados os procedimentos de cautela tendentes a evitar o possível danoconfigura, em princípio, o crime [...]" (HC n. 58604, Min. Gilson Dipp, j. 19.09.2006).

3. Por outro lado, quanto à culpabilidade, não logrou o órgão ministerial

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trazer aos autos substrato probatório suficiente para comprovar o dolo específico dosapelados, a vontade livre e consciente de poluir, a intenção de expor a perigo aincolumidade humana, animal ou vegetal. Razão assiste nesse ponto à defesa(contrarrazões às fls. 316-318).

Em verdade as condutas imputadas aos apelados decorrem danegligência na administração ambiental de sua empresa, de violação ao dever decuidado objetivo, e é "bem verdade que a conduta é grave e traz consequênciasdemasiadamente danosas ao meio ambiente, todavia, na seara penal, faz-senecessário aferir a efetiva intenção do agente, esta que, in casu, revelou-se culposa"(ACrim n. 2012.092235-6, Des. Leopoldo Augusto Brüggemann, j. 04.06.2013).Necessária, pois, a desclassificação da conduta para a modalidade culposa previstano § 1º do art. 54 da Lei n. 9.605/98, ante a ausência de provas acerca do elementosubjetivo, da intenção de causar dano.

Desclassificado o crime para sua forma culposa, inviável a condenaçãoda pessoa jurídica:

"É inadimissível imputar-se a pessoa jurídica o delito previsto no § 1º doart. 54 da Lei n. 9.605/98, pois, nos termos do art. 3º desse Diploma Legal, aempresa somente pode ser responsabilizada criminalmente quando presente odolo específico, ou seja, na hipótese em que houver 'decisão' do representante 'nointeresse da entidade', circunstância que afasta a possibilidade da prática domencionado crime culposo, já que na culpa não há vontade por parte do autor deobter o resultado lesivo ao direito, que sobrevém em consequência de imprudência,negligência e/ou imperícia, sendo certo também que a falta de previsão expressa dasanção correspondente, ainda que mediante remessa ao art. 21 da Lei, impossibilitaafirmar-se que os delitos do art. 54 - para os quais foram previstas penas privativasde liberdade, isoladas ou cumulativamente à multa - possam ser cometidos porpessoas jurídica. (TJSP, MS 349.440/8, 3ª C., rel. Des. Fábio Gouvêa, j. em1-2-2000, RTACrim 48/382)" (MARCÃO, Renato. Crimes ambientais. Anotações eInterpretação jurisprudencial da parte criminal da Lei n. 9.605, de 12-2-1998. Saraiva,São Paulo, 2011, p. 394-395 - destacou-se).

Desta feita, devidamente comprovada a prática da conduta ilícita, a suaautoria e a culpa dos agentes, a sentença combatida deve ser reformada paracondenar Ângela Fátima Pascoali Boeira e Marconi Leonardo Pascoali pela prática dainfração prevista no § 1º, do art. 54, da Lei n. 9.605/98.

4. Prossegue-se à aplicação das penas.Em análise às circunstâncias judiciais, tenho que a culpabilidade dos

réus, tida como grau de reprovabilidade da conduta, é normal ao tipo. Quanto aosantecedentes criminais, ambos são primários (certidões às fls. 162-165). Não constamdados sobre as suas condutas sociais e personalidades. O motivo foi o exercício deatividade comercial, normal ao tipo. As circunstâncias são normais à espécie. Nãoforam suficientemente provadas as consequências do delito, exceto aquelas que lhesão inerentes. A vítima, entendida como a sociedade, não contribuiu para o ilícito.

Assim, considerando a inexistência de circunstâncias desfavoráveis, a

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pena-base deve ser fixada no mínimo legal, 6 (seis) meses de detenção e 10 (dez)dias-multa para os acusados.

Na segunda fase, inexistem agravantes ou atenuantes. Mantida, pois, apena base.

Na etapa derradeira, ausentes causas de aumento ou diminuição depena, pelo que as sanções definitivas devem ser fixadas em 6 (seis) meses dedetenção e 10 (dez) dias-multa para os réus Ângela Fátima Pascoali Boeira e MarconiLeonardo Pascoali.

Tendo em vista a condição financeira dos réus, enquantoadministradores de pessoa jurídica, presente no caderno processual seu contratosocial, do qual se lê que o seu capital social é de R$ 650.000,00 (seiscentos ecinquenta mil reais) (fl. 30), o valor do dia-multa deve ser arbitrado em 1 (um) saláriomínimo vigente à época dos fatos.

O regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade deveráser o aberto, uma vez que se tratam de réus primários e o quantum não ultrapassaquatro anos (art. 33, § 2º, "c", do CP).

Todavia, as reprimendas corporais devem ser substituídas por restritivasde direito, pois atendidos os requisitos do art. 44 do CP - a pena é inferior a quatroanos, o delito foi cometido sem violência ou grave ameaça e não há circunstânciasjudiciais desfavoráveis - sendo medida suficiente. Sendo as penas privativas deliberdade inferiores a um ano, a substituição se dará por uma pena restritiva dedireitos (art. 44, § 2º, do CP).

Assim, deverão cada um dos reús realizar o pagamento de prestaçãopecuniária no valor de 10 (dez) salários mínimos, valor fixado tendo em consideraçãoa condição financeira dos apelados, já vista alhures. O valor deverá ser revertido paraentidade que promova a preservação do meio ambiente, a critério do juízo daexecução.

Deixa-se de fixar valor mínimo para reparação dos danos, pois nãodemonstrados nos autos.

Concede-se o direito de recorrer em liberdade aos réus, uma vez queassim responderam a todo o processo, não havendo notícia de ocorrência dequalquer das hipóteses previstas no art. 312 do CPP.

5. À vista do exposto, voto pelo parcial provimento do recurso,reformando-se a sentença combatida para condenar os apelados Ângela FátimaPascoali Boeira e Marconi Leonardo Pascoali a 6 (seis) meses de detenção e 10 (dez)dias-multa pela prática da infração prevista no § 1º, do art. 54, da Lei n. 9.605/98,substituída por pena restritiva de direito consistente na prestação pecuniária individualno valor de 10 (dez) salários mínimos.

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