Decisões de 1a. Instância - TRT da 3ª Região · à revelia do réu por ausência de citação...

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458 AÇÃO DECLARATÓRIA - NULIDADE DE SENTENÇA - AUSÊNCIA DE CITAÇÃO VÁLIDA ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO Nº 764/87-87/95-259/95 Data: 12.05.95 DECISÃO DA 1ª. Junta de Conciliação e Julgamento de JUIZ DE FORA/MG Juiz-Presidente: Dr. JOSÉ MIGUEL DE CAMPOS Proposta a solução do dissídio e colhidos os votos dos Srs. Juízes Classistas, a JUNTA proferiu a seguinte SENTENÇA: Vistos, etc... "É sem dúvida de mister consagrar a autoridade da coisa julgada, mas não é menos essencial consagrar o império da verdade e da justiça, quando se patenteia tal que não se pode delle duvidar. Nas ciências moraes poucas vezes é permitido levar as disposições humanas ao absoluto, sem que se cometam algumas e graves injustiças: convém evitá-las." (PIMENTA BUENO). WILSON ANASTÁCIO DA SILVA, qualificado na inicial, propôs ação a que denominou de AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE ABSOLUTA DE ATOS PROCESSUAIS, NULIDADE DA SENTENÇA E DO PROCESSO, em face de SIDNEI JORGE DE SOUZA, SIANEI CARDOSO, ALBERTO MEDEIROS, JOSÉ ANTÔNIO DA SILVA e EUCLIDES JOSÉ TODESCO, objetivando nulidade de todos os atos praticados no processo 1ª JCJ/JF-764/87, subseqüentes às citações inicial e da fase executória, posto que referido processo, consoante alentadas razões expendidas às fls. 03 usque 32, foi mutilado por nulidade absoluta , tanto na fase cognitiva quanto na executória, por falta de citação válida, eis que ambas foram procedidas via editalícia, provocada pela malícia com que se houve a advogada dos então reclamantes, Dra. DARCY DÉBORA DA SILVA, que incidiu entre outros crimes, em estelionato, ao conluiar-se com seus constituintes (reclamantes naquele processo), ao mesmo tempo em que era mandatária do autor (reclamado na reclamatória), constituída por instrumento público em 19.05.87, consoante procuração lavrada no Cartório do 1º Ofício de Notas desta Comarca, enquanto, aduz, naquela época, o A. cumpria pena privativa da liberdade no presídio de Piedade (SP). Completa informando que também lhe foi substabelecida procuração com poderes "ad judicia", passada pelo advogado José Renato de Souza Vasques, para defender o A. na causa criminal. Então, aproveitando-se da situação, a Dra. DARCY DÉBORA DA SILVA, aliando-se aos reclamantes, agora réus, numa verdadeira formação de quadrilha , promoveu, em nome deles, mas no seu próprio interesse , o processo trabalhista 1ª JCJ/JF-764/87, instruindo-o com reclamação sem fato gerador lícito, apoiado em relação jurídica inexistente, fazendo-o aeticamente, com malícia e sem direito à tutela jurisdicional do Estado, objetivando alcançar enriquecimento ilícito , o que se evidencia com a posterior adjudicação do bem penhorado e sua posterior transferência à VALDIR SILVA , coincidentemente irmão da I. advogada. Registra, por derradeiro, que somente agora, em liberdade , ciente da violação dos seus direitos constitucionais, busca o A. o agasalho adequado. Redargüindo, os réus apresentaram a suscinta defesa de fls. 41/42, afirmando que o A. pretende, sem intentar ação rescisória, já prescrita, desconstituir decisão trabalhista inatacável, em tentativa impossível juridicamente, seja pela incompetência deste Juízo, seja pela incidência da coisa julgada , com espeque nos artigos 463 e 467 do CPC. Juntados documentos, manifestando-se amplamente as partes. Requerida às fls. 43 e determinada às fls. 60-verso, a juntada a este, do processo 1ª JCJ/JF-087/95, ao qual já se encontrava acoplado o de nº 1ª JCJ/JF-764/87, para melhor instrução do feito, evitando-se o traslado de peças. Instrução encerrada, com razões finais orais, revelando-se impossível a conciliação. Tudo visto e bem examinado. 1. DA COMPETÊNCIA Prima facie , a perlenga parece de fácil desate, como pareceu aos réus, com singela aplicação dos artigos 836, CLT e/ou 463 c/c 267, IV, CPC. Mas o caminho correto é o apontado na inicial e não o da rescisória, como pretende a peça de resistência. É que, in casu , discute-se a nulidade da sentença em razão de vício de origem - falta de citação válida. Buscando luzes no direito civil, encontra-se em ORLANDO GOMES (Introdução ao Direito Civil, Forense, Rio, pág. 357): "quando a imperfeição do ato jurídico provém da ausência de elemento indispensável à sua formação, diz-se que é inexistente; se resulta de inobservância de requisito essencial à sua validade, o ato, traduzindo-se em uma infração legal, é dito nulo. Finalmente, se o defeito se manifesta na declaração de vontade do agente, é ato anulável." Já COQUEIJO COSTA dilucida: "Processo sem citação, ou com citação irregular, sem a comparência ou a resposta sanadora do réu, e ainda sem que, na execução, o réu, revel, haja alegado o defeito para ser anulado o processo es radice , é nulo e a sentença nele proferida também o é.

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458AÇÃO DECLARATÓRIA - NULIDADE DE SENTENÇA - AUSÊNCIA DE CITAÇÃO VÁLIDA ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO Nº 764/87-87/95-259/95 Data: 12.05.95 DECISÃO DA 1ª. Junta de Conciliação e Julgamento de JUIZ DE FORA/MG Juiz-Presidente: Dr. JOSÉ MIGUEL DE CAMPOS Proposta a solução do dissídio e colhidos os votos dos Srs. Juízes Classistas, a JUNTA proferiu a seguinte SENTENÇA: Vistos, etc...

"É sem dúvida de mister consagrar a autoridade da coisa julgada, mas não é menos essencial consagrar o império da verdade e da justiça, quando se patenteia tal que não se pode delle duvidar. Nas ciências moraes poucas vezes é permitido levar as disposições humanas ao absoluto, sem que se cometam algumas e graves injustiças: convém evitá-las." (PIMENTA BUENO).

WILSON ANASTÁCIO DA SILVA, qualificado na inicial, propôs ação a que denominou de AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE ABSOLUTA DE ATOS PROCESSUAIS, NULIDADE DA SENTENÇA E DO PROCESSO, em face de SIDNEI JORGE DE SOUZA, SIANEI CARDOSO, ALBERTO MEDEIROS, JOSÉ ANTÔNIO DA SILVA e EUCLIDES JOSÉ TODESCO, objetivando nulidade de todos os atos praticados no processo 1ª JCJ/JF-764/87, subseqüentes às citações inicial e da fase executória, posto que referido processo, consoante alentadas razões expendidas às fls. 03 usque 32, foi mutilado por nulidade absoluta, tanto na fase cognitiva quanto na executória, por falta de citação válida, eis que ambas foram procedidas via editalícia, provocada pela malícia com que se houve a advogada dos então reclamantes, Dra. DARCY DÉBORA DA SILVA, que incidiu entre outros crimes, em estelionato, ao conluiar-se com seus constituintes (reclamantes naquele processo), ao mesmo tempo em que era mandatária do autor (reclamado na reclamatória), constituída por instrumento público em 19.05.87, consoante procuração lavrada no Cartório do 1º Ofício de Notas desta Comarca, enquanto, aduz, naquela época, o A. cumpria pena privativa da liberdade no presídio de Piedade (SP). Completa informando que também lhe foi substabelecida procuração com poderes "ad judicia", passada pelo advogado José Renato de Souza Vasques, para defender o A. na causa criminal. Então, aproveitando-se da situação, a Dra. DARCY DÉBORA DA SILVA, aliando-se aos reclamantes, agora réus, numa verdadeira formação de quadrilha, promoveu, em nome deles, mas no seu próprio interesse, o processo trabalhista 1ª JCJ/JF-764/87, instruindo-o com reclamação sem fato gerador lícito, apoiado em relação jurídica inexistente, fazendo-o aeticamente, com malícia e sem direito à tutela jurisdicional do Estado, objetivando alcançar enriquecimento ilícito, o que se evidencia com a posterior adjudicação do bem penhorado e sua posterior transferência à VALDIR SILVA, coincidentemente irmão da I. advogada. Registra, por derradeiro, que somente agora, em liberdade, ciente da violação dos seus direitos constitucionais, busca o A. o agasalho adequado. Redargüindo, os réus apresentaram a suscinta defesa de fls. 41/42, afirmando que o A. pretende, sem intentar ação rescisória, já prescrita, desconstituir decisão trabalhista inatacável, em tentativa impossível juridicamente, seja pela incompetência deste Juízo, seja pela incidência da coisa julgada, com espeque nos artigos 463 e 467 do CPC. Juntados documentos, manifestando-se amplamente as partes. Requerida às fls. 43 e determinada às fls. 60-verso, a juntada a este, do processo 1ª JCJ/JF-087/95, ao qual já se encontrava acoplado o de nº 1ª JCJ/JF-764/87, para melhor instrução do feito, evitando-se o traslado de peças. Instrução encerrada, com razões finais orais, revelando-se impossível a conciliação. Tudo visto e bem examinado.

1. DA COMPETÊNCIA

Prima facie, a perlenga parece de fácil desate, como pareceu aos réus, com singela aplicação dos artigos 836, CLT e/ou 463 c/c 267, IV, CPC. Mas o caminho correto é o apontado na inicial e não o da rescisória, como pretende a peça de resistência. É que, in casu, discute-se a nulidade da sentença em razão de vício de origem - falta de citação válida. Buscando luzes no direito civil, encontra-se em ORLANDO GOMES (Introdução ao Direito Civil, Forense, Rio, pág. 357):

"quando a imperfeição do ato jurídico provém da ausência de elemento indispensável à sua formação, diz-se que é inexistente; se resulta de inobservância de requisito essencial à sua validade, o ato, traduzindo-se em uma infração legal, é dito nulo. Finalmente, se o defeito se manifesta na declaração de vontade do agente, é ato anulável."

Já COQUEIJO COSTA dilucida:

"Processo sem citação, ou com citação irregular, sem a comparência ou a resposta sanadora do réu, e ainda sem que, na execução, o réu, revel, haja alegado o defeito para ser anulado o processo es radice, é nulo e a sentença nele proferida também o é.

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Donde se conclui que a espécie versa sobre a nulidade de ato essencial ao curso válido do processo. E não divergem os autores, no sentido de que atos nulos não podem ser rescindidos:

"... os atos nulos não podem ser rescindidos." (COQUEIJO COSTA, in Ação Rescisória, LTr, SP, pág. 33). Na lição de SILVA PACHECO, "as sentenças podem ser inexistentes, nula ipso jure e rescindíveis. As primeiras não precisam de ser rescindidas (inidônea a rescisória) porque, se inexistentes, não são sentenças, improcedendo a rescisão... As sentenças nulas ipso jure, igualmente, embora existentes, não valem, não tem eficácia (logo, não produzem coisa julgada). Se nulas de pleno direito, não precisam de ação para rescindi-las, porque incapazes, por si só, de valor. Só ensejariam rescisória as sentenças rescindíveis, eivadas de nulidade, de acordo com a lei expressa. A rescindibilidade das sentenças depende da lei. A lei é que estabelece quando é possível a ação rescisória e baseada em que espécie de nulidade. A nulidade ipso jure, porém, independe de rescisória, o mesmo acontecendo com as sentenças inexistentes." (Direito Processual Civil, vol. II, ed. 1976, páginas 428/429).

LIEBMAN esposa posicionamento semelhante:

"... todo e qualquer processo é adequado para constatar e declarar que um julgado meramente aparente é na realidade inexistente e de nenhum efeito."

Idem, idem, LOPES DA COSTA, para quem as nulidades absolutas da sentença não figuram entre as hipóteses reservadas para a ação rescisória ("Direito Processual Civil Brasileiro", Vol. III, nº 470, pág. 452). Ultima ratio, a jurisprudência dominante foi estratificada pelo Eg. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, em sua Súmula nº 7, verbis:

"A ação declaratória é meio processual hábil para se obter a declaração de nulidade do processo que tiver corrido à revelia do réu por ausência de citação ou por citação nulamente feita." (RT 629/206).

Destarte, inquestionável e induvidosa a possibilidade jurídica questionada, bem como a adequação da via escolhida. E, tratando-se de ação declaratória, a competência deste Juízo é irreprochável, aliás, como adequadamente dilucida LIEBMAN:

"A nulidade pode ser alegada em defesa contra quem pretende tirar da sentença um efeito qualquer, assim como pode ser pleiteada em processo principal, meramente declaratório. Porque não se trata de reformar ou anular uma decisão defeituosa, função esta reservada a uma instância superior (por meio da ação rescisória); e sim de reconhecer simplesmente como de nenhum efeito um ato juridicamente inexistente."

Também COQUEIJO COSTA:

"A anulatória se propõe no órgão de 1º grau... Seu procedimento é o ordinário ou o sumaríssimo." (op.cit., pág. 84).

Portanto, afastada, na hipótese, a incidência dos artigos 836, CLT e 463 c/c 267, IV, CPC.

2. DA COISA JULGADA

No que tange à coisa julgada, derradeiro tema agitado pela defesa, incorporando os fundamentos de direito acima expendidos, acrescento ser indiscrepante a doutrina e a jurisprudência, no sentido de que não ocorre coisa julgada com relação a sentenças nulas ipso jure, como in casu. HUMBERTO TEODORO JÚNIOR, com a precisão e segurança peculiares, valendo-se do ensinamento dos doutos, resume:

"Tanto as sentenças inexistentes com as nula ipso jure não têm aptidão para gerar a res iudicata (PONTES DE MIRANDA, apud SILVA PACHECO, op.cit. nº 1658, página 429). Mas, a sentença nula existe como tal e até pode produzir algum efeito enquanto não declarada nula. "O suporte fático é suficiente, mas deficiente", no dizer de PONTES DE MIRANDA. "A nulidade supõe existência do ato jurídico, mas invalidade..." de sorte que "a nulidade acontece no plano da validade; não no plano da eficácia; nem, com mais forte razão, no plano da existência" (op.cit. pág. 632). Sobre o tema, lembra LOPES DA COSTA que as nulidades da sentença "podem nascer dela mesma", ou podem advir de nulidade do processo na sua integridade, "por vício da relação processual" (op. cit., III, nº 470, pág. 452). Urge, pois, distinguir nulidades parciais do processo e nulidade total do proprio processo. As nulidades de atos avulsos do processo, mesmo não sanadas ao tempo de sua prática, se não argüidas na oportunidade adequada, tornam-se preclusas e são definitivamente sanadas pelo efeito maior da res iudicata. Assim, não podem servir de

460fundamento para rescindir a sentença, nem muito menos para inquinar-lhe o vício da nulidade. Quando, todavia, o defeito ataca o processo e não permite que se estabeleça ou prossiga sobre o suporte indispensável da relação jurídica processual válida, nula será a sentença que se proferir e coisa julgada não haverá. Por isso, "a falta ou nulidade da citação inicial, essa, se não foi suprida com a comparência, atravessa todo o processo executivo, como atravessaria o processo de cognição e resistiria à sanção pela sentença". E, por isso mesmo, conclui PONTES DE MIRANDA, que "o citado nulamente e o não citado, que não compareceu, tem a actio nullitatis..." ("Comentários ao CPC", ed. 1949, vol. VI, págs. 431-432, apud SILVIO PACHECO, op. cit., II, pág. 429). Inutilizado o processo como um todo a nulidade da relação processual se projeta, também, no dizer de LOPES DA COSTA, sobre a sentença (op. cit., III, nº 470, pág. 452)."

Respaldo encontra-se, também, na jurisprudência, inclusive do Excelso Supremo Tribunal Federal:

"RESCISÓRIA - VÍCIO DE CITAÇÃO NO PROCESSO DE CONHECIMENTO - ART. 741 DO CPC - Para a hipótese prevista no art. 741, I, do atual CPC - que é a de falta ou nulidade de citação, havendo revelia, persiste no direito positivo brasileiro, a querela nullitatis, o que implica dizer que a nulidade, nesse caso, pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, independentemente do prazo para a propositura da ação rescisória, que, em rigor, não é a cabível." (STF - RE 96.374-O-GO, Rel. Min. MOREIRA ALVES, 2ª T., in "DJ", 11.11.83).

"RESCISÓRIA - FALTA DE CITAÇÃO 'QUERELA NULLITATIS'. A citação tem o cunho e a marca da indeclinabilidade, sendo insanável a nulidade resultante de sua inobservância ou infringência e tão importante e essencial é a citação, que sua falta ou nulidade não convalesce nem a coisa julgada e pode invalidar, por isso, o título executivo constituído por sentença condenatória. Assim, ou sua falta acarreta o não surgimento da relação jurídica processual com relação à parte não citada, ensejando a propositura da ação declaratória de nulidade - querela nullitatis - independentemente do prazo para propositura da ação rescisória, que, em rigor, não é cabível para essa hipótese. Daí porque a nulidade pode e deve ser proclamada mesmo sem a demonstração ou prova de prejuízo." (TJSP - Ap. 1.122.570-1, Rel. Des. SOUZA LIMA, ac. 9.8.89, COAD Bol. 01/1990, pág. 014/47.413).

3. MÉRITO

Quanto ao mérito, as falcatruas imputadas aos réus e sua advogada, não foram contestadas, constituindo-se assuntos incontroversos(art. 302, CPC) Mas, ad abundantia, a documentação acostada atesta a atuação maliciosa da patrona dos réus no processo 1ª JCJ/JF-764/87, em especial, as procurações que lhe outorgaram o Autor e sua esposa, para defesa de seus interesses (fls. 84 a 87), além do termo de fls. 88, todos não impugnados e que bem demonstram o relacionamento profissional da Dra. DARCY DÉBORA DA SILVA com o A., sendo impossível conceber que à época da propositura da reclamatória contra seu próprio cliente, desconhecesse ela o endereço de sua esposa e a circunstância de estar ele sob prisão, cumprindo pena em localidade distante. Completando a trajetória criminosa, advogada e reclamantes adjudicaram o bem penhorado na execução da sentença, o qual, consoante afirmado na exordial (fls. 8, nº 2) e não contestado pela peça de resistência, mediante cessão dos direitos da adjudicação, foi cedido ao Sr. VALDIR DA SILVA, irmão da Dra. DARCY DÉBORA DA SILVA, e também procurador do Autor (fls. 85 ). A incursão em outras áreas que não a trabalhista deve-se à necessidade constitucional de fundamentação da decisão. Deixa-se de abordar outras nulidades apontadas, v.g., da execução, por falta de citação válida, porquanto, em sendo nula, ex radice, a citação inicial, como ensina o insigne Mestre AROLDO PLÍNIO GONÇALVES, "reputam-se de nenhum efeito todos os (atos) subseqüentes, que dele dependam". (NULIDADES NO PROCESSO, Aide, RJ, pág. 39) Isto posto, sendo "a citação ato fundamental do processo, a condição sine qua non, portanto, de eficácia do próprio processo", como preleciona HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, demonstrada, quantum satis, a insanável irregularidade citatória do processo 1ª JCJ/JF- nº 764/87, de nenhum efeito todos os atos praticados posteriormente e, inevitavelmente nula a sentença nele prolatada. Por tais fundamentos, Julgo PROCEDENTE a ação, declarando nulos todos os atos praticados no processo 1ª JCJ/JF- nº 764/87, onde figuram os aqui réus como reclamantes e o autor como reclamado. Usando o "poder geral de cautela" que o CPC me confere, no art. 798, determino seja oficiado ao Cartório de Registro de Imóveis respectivo, noticiando sobre a ineficácia da Carta de Adjudicação passada no Processo 1ª JCJ/JF- nº 764/87, proibindo qualquer averbação ou transferência do imóvel a que se refere sem autorização deste Juízo. Custas, no importe de R$300,00, calculadas sobre o valor arbitrado de R$15.000,00, pelos reclamados e, por aplicação do art. 32 da Lei nº 8.906/94 c/c parágrafo 1º do artigo 18 do CPC, solidariamente a I. patrona destes, Dra. DARCY DÉBORA DA SILVA. Intimem-se. Nada mais."

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ADMISSÃO APÓS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 - RESPONSABILIDADE PELA CONTRATAÇÃO. ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO Nº 443/94 Data: 17.11.94 DECISÃO DA Junta de Conciliação e Julgamento de CARATINGA/MG Juiz-Presidente: Dr. ATAÍDE ASSIS ATAÍDE Proposta a solução do dissídio e colhidos os votos dos Srs. Juizes Classistas, a JUNTA proferiu a seguinte SENTENÇA: Vistos, etc...

I - RELATÓRIO

MARGARIDA BRÁS DA SILVA, qualificada na inicial, ajuizou reclamatória trabalhista, alegando admissão em 03.03.92, na função de cantineira, e dispensa imotivada em 28.02.94, sem receber as reparações legais; que percebia 50% do salário mínimo, cumprindo uma jornada de trabalho das 06:00 às 16:00 horas, sem intervalo, sendo que, até 12:00 laborava na escola e, a partir de então até às 16:00 horas, em sua residência, cozinhando alimentos; que sua CTPS não foi anotada; que jamais recebeu pelas horas extras trabalhadas, assim como nunca gozou férias, sendo certo também, que a Reclamada não lhe pagou os 13ºs salários. Fez os pedidos elencados de 01 a 1.8, na inicial, requerendo ainda, os benefícios da Assistência Judiciária. Deu à causa o valor de R$2.600,00. Regularmente notificado (fls.11), defendeu-se o Reclamado, oralmente, aduzindo preliminarmente, carência de ação, impossibilidade jurídica do pedido e ilegitimidade passiva, uma vez que o Município é parte ilegítima para figurar no pólo passivo da demanda, à medida em que a irregularidade foi cometida pelo ex-prefeito, que contratou a servidora, após o advento da Constituição/88, sem concurso público, em afronta ao disposto no seu Art. 37, II; no mérito, contestou o horário noticiado na inicial, alegando que a obreira laborava das 07:00 às 11:00 horas, não havendo que se falar em diferença salarial e seus reflexos; que são indevidos o aviso prévio, o repouso semanal remunerado, férias acrescidas de 1/3, salários integrais em dobro, 13ºs salários e FGTS + 40%, pugnando, ao final, pela improcedência do pedido e requerendo, em caso de condenação, a compensação. Na oportunidade, resolveu o Colegiado, que o ex-prefeito, Sr. Adão Soares Ferreira, deveria integrar a lide (fls.12/13), designando-se para tanto, nova audiência inicial. Regularmente notificado (fls.24), defendeu-se o 2º Reclamado, Sr. Adão Soares Ferreira, aduzindo, em síntese: que, por duas vezes, encaminhou à Câmara Municipal projeto de lei para implantação do Estatuto do Funcionário Público, não logrando êxito; dada a necessidade de seus serviços, a Reclamante foi contratada como cantineira, para cumprir uma jornada de trabalho de 04(quatro) horas diárias, percebendo salário proporcional e que as férias e 13ºs foram pagos. Pediu a improcedência do pedido. Nos autos, prova documental e testemunhal. Razões finais orais. Conciliação final recusada. Designou-se o dia 18.11.94 às 10:00 horas, para publicação de sentença, cientes as partes na forma do Enunciado 197/TST. É o relatório.

II - FUNDAMENTOS

DA COMPOSIÇÃO DA LIDE

O Art. 37, § 2º, da Constituição Federal/88, bem assim o Art. 159 do Código Civil, ambos invocados às fls. 12, trazem à baila a questão da responsabilidade dos atos e omissões que, no caso particular dos autos, originaram-se da Administração Pública. Antes de passar ao exame da questão posta em análise, vale citar ensinamento do professor José Nilo de Castro, alusivo à responsabilidade, constante no capítulo "Responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores":

O que é nuclear, tratando-se de responsabilidade, é a perquirição do dever da pessoa humana, dever esse não cumprido ou insuficientemente cumprido, segundo a descrição ínsita nos contornos da norma. Sendo assim, na violação normativa ou na obrigação incessantemente reclamada e exigida, do agente diante da norma, é que reside e se aloja a responsabilidade. O ato, manifestação da vontade humana, violador da norma, repercutindo-se-lhe os efeitos na ordem social, com prejuízos para pessoas naturais ou jurídicas, traduz e, iniludivelmente, identifica a responsabilidade jurídica. Por outro lado, a responsabilidade jurídica desdobra-se em civil, penal, funcional, administrativa e político-administrativa, em face da possível incidência da manifestação da vontade humana nalgum ilícito sancionado pela lei e respeitante a um ou a vários tipos de responsabilidade"( Direito Municipal Positivo - José Nilo de Castro- Ed. Del Rey - pag. 317).

Hely Lopes Meirelles, em sua obra Direito Administrativo Brasileiro, 17ª Edição, às fls. 72, também afirma que, "os Prefeitos Municipais, como agentes políticos, podem incidir em crime de responsabilidade e em

462infrações político-administrativas." Conclui-se, pois, que dita responsabilidade é incontestável, inexistindo pretensão em refutá-la. Cabe-nos, todavia, apreciá-la nos limites da lide trabalhista, claramente delineados pelo Art. 114 da CF/88: "Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas." Dito isto, indaga-se: a quem caberia então, a responsabilidade da contratação da Reclamante? Ao Administrador, agente público sob cuja administração o empregado foi contratado ou à Administração, verdadeira empregadora, a teor do Art. 114/CF e com a qual se estabeleceu e se manteve o vínculo, mesmo após o término do mandato? Entendemos que a responsabilidade da contratação e de todos os atos dela advindos, no âmbito da Justiça do Trabalho, deve recair sobre a Administração, que detém, como mencionado, as características de empregador e não o prefeito municipal, simples agente público. Tal fato, todavia, não o exime da responsabilidade que a própria lei lhe impinge, apenas transfere a apreciação para outra esfera, que certamente não é a trabalhista. Neste sentido, decisão do E. TRT, 3ª Região:

"Pela violação das normas que impõem o concurso, responde o administrador nas esferas civil e penal, mas pelos créditos devidos ao servidor, ainda que irregularmente admitido, responde a administração, no foro trabalhista. Só assim se poderão compatibilizar os princípios constitucionais que resguardam a moralidade administrativa com os que impõem respeito à dignidade humana, pregam a valorização do trabalho e prometem uma sociedade livre, justa e solidária - Juiz Márcio Túlio Viana (TRT/RO/07406/93 - DJ/MG 30.11.94.). Assim, em que pese as judiciosas opiniões em contrário (RO-8.156/93), entende este Colegiado, em sua atual composição, que apenas o Município de Bom Jesus do Galho deverá figurar no pólo passivo da demanda, excluindo-se, dessa forma, o ex-prefeito Municipal, Sr. Adão Soares Ferreira, que deverá responder por seus atos na forma da lei. Na hipótese de vir a ser condenado, poderá e deverá o Poder Público se servir de uma Ação Regressiva em face do administrador público responsável pela contratação irregular (Art. 37, §§ 2º e 6º da CF/88). De se observar, também, que a própria Reclamante entendeu por bem acionar apenas o Município, manifestando, em diversas oportunidades, sua contrariedade à participação do ex-prefeito na demanda, não podendo o Julgador, "ex-officio", determinar a sua inclusão no processo, s.m.j.

DA CONTRATAÇÃO

É fato incontroverso que a Reclamante foi contratada após o advento da CF/88, sem a prévia submissão a concurso público. Incontroverso também o liame empregatício, com os seus elementos caracterizadores (Art. 3º da CLT). Escuda-se o Reclamado, apenas, no obstáculo inserto na Constituição, argüindo a nulidade da contratação para se eximir de qualquer responsabilidade, entendendo deva recair na pessoa do ex-prefeito. A matéria é polêmica e vem merecendo decisões conflitantes nas Cortes Trabalhistas. A contratação de servidor sem concurso público após o advento da CF/88, é nula, consoante dispõe o § 2º do Art. 37. Não há o que se discutir. Há de se perquirir, entretanto, quanto aos efeitos dessa nulidade, no âmbito do Direito do Trabalho. Partilhamos do entendimento de que a norma cogente é direcionada ao Poder Público, que não pode invocá-la para desobrigar-se, não podendo se valer de sua própria torpeza. "Nulidade contratual invocada por quem lhe deu causa não merece acolhida, a teor do arts. 97 da Constituição, 243 do CPC e 796, b do Diploma Consolidado" (Ac. TRT - 7ª Reg, LTr 55-07/814). Da lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, aprende-se: "Com efeito, se o ato administrativo era inválido, isto significa que a administração, ao praticá-lo, feriu a ordem jurídica. Assim, ao invalidar o ato, estará, ipso facto, proclamando que fora autora de uma violação da ordem jurídica. Seria iníquo que o agente violador do Direito, confessando-se tal, se livrasse de quaisquer ônus que decorressem do ato e lançasse sobre as costas alheias todas as conseqüências patrimoniais gravosas que daí decorreriam, locupletando-se, ainda à custa de quem, não tendo concorrido para o vício, haja procedido de boa-fé" (Curso de Direito Administrativo, p.239). A prestação de serviços gera efeitos para quem, de boa-fé, empenhou sua força de trabalho, não podendo ser penalizado por violação da norma legal por parte de quem, obrigatoriamente, deveria observá-la. "A hierarquia constitucional, em casos tais, deve ceder aos princípios tutelares que norteiam e estão insertos na legislação laboral" (TRT - 3ª Reg, RO - 22085/92). Argumenta-se que a validação e o reconhecimento desses contratos contribuiria ainda mais para a prática de fraudes, de novas contratações sem a observância da legislação. Pelo contrário, desobrigar o Poder Público, desonerá-lo, significará um incentivo muito maior à infringência da lei. Presentes os pressupostos da relação de emprego, o contrato de trabalho, a nosso ver, deve ser

463reconhecido, com o pagamento de todos os direitos previstos em lei, competindo à Administração procurar ressarcir-se, acionando o responsável pela contratação irregular, nos termos da lei (Art. 37, § 2º, da CF/88). Nos termos da lei, significa observar o que dispõe o DL nº 201/67, Art. 1º, inciso XIII:

"Art. 1º - São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:

. . . . . . . . . . . . . . XIII - Nomear, admitir ou designar servidor contra expressa disposição de lei."

Ante o exposto, tendo em vista as normas tutelares do Direito do Trabalho (norma mais favorável ou mais benéfica, desigualdade de tratamento, presunção de boa-fé e de desconhecimento das formalidades exigidas para a formação do contrato) esposa este Colegiado o entendimento de que o contrato em questão deve ser reconhecido, rejeitando-se as preliminares eriçadas pela defesa.

DOS PEDIDOS PROPRIAMENTE DITOS

DA DATA DE ADMISSÃO

O Reclamado, em sua defesa (fls.12), não contestou a data de admissão alegada na inicial e, fato não contestado, reputa-se verdadeiro. No caso, há o depoimento da testemunha arrolada pelo Município, depoimento este, insuficiente para formar o convencimento do Colegiado em relação à verdadeira data de admissão da Autora, prevalecendo, dessa forma, aquela noticiada na exordial, ou seja, 03.03.92, ante à ausência de contestação específica. A inicial e a defesa estabelecem os limites da litiscontestação. Necessário ainda dizer, que não se verificaram, no aludido depoimento, elementos ensejadores da caracterização do crime de falso testemunho, como pretendido pela autora. A testemunha apenas se limitou a responder às perguntas que lhe foram formuladas, cabendo ao Colegiado sopesá-lo com as demais provas existentes nos autos, e atribuir-lhe o valor probante pertinente. O fato de não ter a defesa contestado a data de admissão, não significa que a Autora tenha, de fato, ingressado na data alegada e nem tampouco que a testemunha, no particular, estaria mentindo. Juridicamente, entretanto, há de prevalecer a data informada na inicial. A defesa oral, embora prevista em lei, impossibilita ao Reclamado, por vezes, a apreciação mais acurada de todo o pedido, podendo advir daí sérios prejuízos. O Reclamado deverá proceder às devidas anotações na CTPS da obreira, devendo ser observada a data de 03.03.92, como de admissão, sob pena de fazê-lo a Secretaria da Junta.

HORAS EXTRAS

Contestado o horário de trabalho informado na inicial, cabia à Reclamante fazer a prova de suas alegações (Art. 818/CLT). Pela prova existente nos autos, sobretudo a testemunhal, a alegada prestação de serviços na residência da obreira no preparo de merendas escolares, até às 16:00, não restou sobejamente provada. A testemunha por ela trazida (fls. 71), afirma apenas que a mesma retornava do serviço por volta de 11:00/12:00/12:30, trazendo comestíveis para fazer em casa. Afirma também que a obreira saía para o serviço após as 06:00 horas, o que não significa que iniciava a prestação laboral neste horário, não convencendo este Colegiado. Assim sendo, não restou provada a jornada de trabalho alegada. É razoável deferir, todavia, 01(uma) hora extra diária, pelo preparo das merendas em sua própria residência, consoante prova oral, acrescidas de 50%, com reflexos no aviso prévio, repousos semanais remunerados, férias acrescidas de 1/3, 13ºs salários e FGTS + 40%.

DA DIFERENÇA SALARIAL

Nada a deferir. A Reclamante percebia salário proporcional à jornada empreendida, ou seja, 04(quatro) horas diárias, nada lhe sendo devido a título de diferença salarial, pleiteada em razão de uma jornada não acolhida. Indefere-se.

FÉRIAS ACRESCIDAS DE 1/3

O pedido, como formulado, não pode ser acolhido, eis que existentes nos autos comprovantes de pagamentos, ainda que insuficientes (fls. 08 e 14). No que respeita àquele constante às fls. 08, verifica-se o pagamento a menor, considerando-se o salário proporcional, acrescido de 1/3, relativo ao mês de janeiro/94, sendo devidas as diferenças. Incabível o pagamento em dobro, por ainda não ter-se expirado o período concessivo.

464 O mesmo ocorreu com as férias proporcionais, pagas na rescisão, à base de 8/12, sem o acréscimo do terço constitucional (fls. 14). Aí também, cabível o pagamento da diferença, levando-se em conta o postulado, ou seja, 11/12. A alegação de que a obreira jamais gozou as férias não merece acolhida, uma vez que a própria Autora, em depoimento pessoal (fls. 7l), confessou que folgava durante as férias escolares. Reflexos no FGTS + 40%.

13os SALÁRIOS Também em relação à parcela acima, há nos autos comprovantes de pagamentos do 13º salário de 1993 e proporcional à base de 2/12, respectivamente às fls. 44 e 14, que, inobstante terem sido juntados pelo 2º Reclamado, excluído da lide, não foram impugnados quanto à veracidade de seu conteúdo, razão pela qual a eles foi conferida validade. Inexistem, entretanto, comprovantes de pagamento do 13º salário de 1992. Constatando-se que a importância paga relativamente ao ano de 1993, foi a menor, pois não baseada no salário proporcional percebido pela Reclamante, defere-se-lhe a diferença no respectivo ano, bem como o pagamento integral do 13º de 1992. Quanto à proporcionalidade, nada a deferir, uma vez que houve pagamento (fls. 14). Reflexos no FGTS + 40%.

AVISO PRÉVIO, FGTS + 40% e RSR

Defere-se o pagamento do aviso prévio e do FGTS, acrescido da multa de 40%, ante a ausência de provas neste sentido. Sendo celetista e havendo dispensa injusta, o aviso prévio é devido, independentemente da concessão de outra vantagem concedida por vontade própria. Incabível o recebimento dos repousos, eis que, sendo a Reclamante mensalista, os mesmos já se encontravam embutidos no salário percebido.

3 - CONCLUSÃO

EX POSITIS, resolve a MMª Junta de Conciliação e Julgamento, por unanimidade de votos, julgar PROCEDENTE EM PARTE o pedido inicial, condenando o Reclamado MUNICÍPIO DE BOM JESUS DO GALHO a pagar à Reclamante MARGARIDA BRAZ DA SILVA, as seguintes parcelas: a) 01(uma) hora extra diária, acrescida do percentual de 50%, com reflexos no aviso prévio, férias acrescidas de um terço, 13ºs salários, repousos semanais remunerados e FGTS + 40%; b) diferença das férias relativas ao período de 92/93 e proporcionais, acrescidas de 1/3, com reflexos no FGTS + 40%; c) 13º integral de 1992 e diferença do 13º salário relativo ao ano de 1993 com reflexos no FGTS + 40%; d) aviso prévio; e) FGTS, acrescido da multa de 40% por todo o período trabalhado, tudo conforme se apurar em regular liquidação de sentença, observados os parâmetros da fundamentação, que passam a integrar este decisum. Juros e correção monetária na forma da lei. Descontos previdenciários e fiscais, na forma da legislação aplicável. Oficie-se ao Tribunal de Contas do Estado e ao Ministério Público, para apuração das irregularidades verificadas no tocante à contratação da Reclamante, remetendo-lhes cópia desta decisão. Deverá o Reclamado proceder às anotações na CTPS da obreira, dela fazendo constar como data de admissão, 03.03.92 e de demisso 28.02.94, tendo como salário, metade do mínimo legal. Custas pelo Reclamado, no importe de R$20,00, calculadas sobre R$1.000,00, valor arbitrado à condenação. Recurso ex officio. Cientes as partes na forma do Enunciado 197/TST. Audiência encerrada.

465

AIDS - REINTEGRAÇÃO ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO Nº 1605/94 Data: 21.10.94 DECISÃO DA 16ª Junta de Conciliação e Julgamento de BELO HORIZONTE/MG Juíza-Presidente: Dra. KÁTIA FLEURY COSTA CARVALHO Proposta a solução do dissídio e colhidos os votos dos Srs. JuÍzes Classistas, a JUNTA proferiu a seguinte SENTENÇA: Vistos, etc...

1 - RELATÓRIO

1.1- ISABELLA D'AMICES CAMPOS, qualificada à f.02, ajuizou reclamação trabalhista em face de ASSOClAÇÃO DOS SERVIDORES DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS, alegando, em síntese, que foi admitida em 01.07.92 e dispensada, injustamente, em 03.12.93. Que a partir de abril de 1983, por apresentar problemas de saúde, começou a faltar ao serviço. Que em 06.08.93, comunicou à chefia imediata que era portadora do vírus da AIDS e, a partir de então, começou a ser discriminada e humilhada no ambiente de trabalho, até ser dispensada, o que afronta o disposto no artigo 5º da CF. Que não recebeu o adicional de produtividade (média) nas férias. Que exercia funções de auxiliar administrativo, apesar de ter anotada na CTPS a função de recepcionista, indicando como paradigmas os funcionários: Sormane Soares Vieira e Jean Carlos Paulino Cordeiro. Que habitualmente, laborava horas extraordinárias, sem, contudo, recebê-las. No acerto das verbas rescisórias não recebeu a média das horas extras e nem a média de produtividade. Pleiteia as verbas elencadas no petitório à f. 04/05, dando à causa o valor de R$1.000,00. Com a inicial, vieram aos autos os documentos de f.07/19. 1.2- A reclamada apresentou defesa escrita, f.23/32, aduzindo que a reclamante não foi dispensada por motivo de discriminação, e sim, por ser desidiosa em suas funções, sendo que a dispensa imotivada, foi mera liberalidade, pois a reclamante poderia ter sido dispensada por justa causa. Que na rescisão contratual, quitou corretamente a parcela referente ao adicional de produtividade ( 8,2%) conforme documentos anexos. Que os paradigmas apontados exerciam funções diferentes das desempenhadas pela reclamante. Que a reclamante não laborava em jornada extraordinária. Requer a total improcedência do pedido. Com a defesa, vieram aos autos os documentos de f. 34/64, sobre os quais manifestou-se a reclamante à f. 68. Na audiência em prosseguimento, foram interrogadas as partes e inquiridas duas testemunhas pela reclamante e uma pela reclamada (f.69/71). Designada nova audiência para tentativa de conciliação ( f.71 ). Encerrada a instrução processual. Razões finais orais pela reclamante e escritas pela reclamada à f.74/78. Sem êxito, ambas as tentativas conciliatórias. É o RELATÓRlO, tudo visto e examinado.

2 - FUNDAMENTOS

2.1 - DA REINTEGRAÇÃO

Postula a reclamante a sua reintegração ao emprego aduzindo, para tanto, que a sua dispensa foi ocasionada por motivo discriminatório, em razão de ser portadora do vírus HIV, o que é vedado por Lei. A reclamada sustenta que outro foi o motivo da resilição contratual, qual seja, a desídia da reclamante, caracterizada pelas constantes faltas ao serviço de forma injustificada. Assevera, ainda, que nunca teve ciência da doença da reclamante já que a mesma não apresentava nenhum sintoma aparente, e que, por mera liberalidade não a dispensou por justa causa. No que concerne ao procedimento desidioso da autora, a reclamada não comprovou as inúmeras faltas alegadas, só carreando aos autos um único cartão de ponto. Ademais, despicienda qualquer argumentação nesse sentido, posto que houve o perdão tácito do empregador, ao não lhe aplicar penalidades graduais e pedagógicas.

Quanto ao desconhecimento de que a reclamante era portadora do vírus da AIDS, o que só veio a acontecer por ocasião da ação trabalhista ajuizada perante a 15ª JCJ, tal assertiva não é verdadeira, considerando o depoimento da testemunha GLÍCIA APARECIDA ALVES LIMA, que afirmou: "já havia um comentário na reclamada de que a reclamante poderia estar com AIDS e que seria perigoso a mesma continuar trabalhando" (f. 70). Ora, é sabido que tal tipo de doença sofre atemorização pelas pessoas, sendo certo ainda, que a notícia se espalha rapidamente, por uns, com sentido de maledicência, por outros, com intuito de se protegerem contra o "mal incurável", como se o vírus se alastrasse no ar que respiramos. Tal conceito, obviamente, é próprio das pessoas desinformadas sem nenhum sentimento de solidariedade. De qualquer sorte, ainda que não tenha havido relação de causa e efeito entre a doença e a dispensa, o certo é que a autora já vinha apresentando um quadro patológico de incapacidade mental desde novembro/93,

466conforme atestados de f. 60/61, estando àquela época internada em tratamento psiquiátrico. O quadro clínico da reclamante agravou-se consideravelmente, conforme pode ser aferido pela declaração de f. 40, reproduzida pela defesa (f. 25), merecendo destaque os dizeres:

"... É do ponto de vista da infectologia, encontra-se em bom estado de saúde, sem evidências clínicas de imunodeficiência em atividade, caracterizando-se como portadora assintomátlca do vírus HIV. Necessita porém de acompanhamento psicoterápico intensivo devido a quadro de distúrbio afetivo da personalidade não relacionado ao quadro de infecção pelo HIV." ( grifamos)

Referida declaração foi datada em 02.12.93 e a dispensa ocorreu em 03.12.93, quando a autora estava doente, necessitando de acompanhamento psicoteráplco intensivo, certamente por saber ser portadora do vírus HIV, o que é plenamente compreensível, pois uma pessoa em tais condições perde às vezes, a vontade de viver, e de lutar pela vida que se esvai aos poucos, dia a dia, hora a hora, minuto a minuto. Ora, se a reclamante estava psiquicamente enferma não poderia ser dispensada, pois necessitava de tratamento médico, sendo que a reclamada obstou à mesma de receber até auxílio-doença previdenciário nos termos da Lei 8.213/91 e Decreto 611/92. Aplica-se à hipótese dos autos o art. 476 da CLT que dispõe: "em caso de seguro-doença ou auxílio-enfermidade, o empregado é considerado em licença não remunerada, durante o prazo desse benefício." E, se a reclamante não estava em gozo do benefício previdenciário é porque foi obstada pelo empregador (art.120 do CCB). A jurisprudência citada corrobora a assertiva:

"EMENTA: AlDS - DOENÇA JÁ MANlFESTADA- Quando o empregado já não é simplesmente um portador do vírus HlV, ou seja, quando a doença denominada AlDS, já se manifestou, a dispensa sem motivo, mesmo não comprovada a discriminação pela doença letal, é vedada, pois caracteriza-se como obstativa ao percebimento do direito previdenciárlo contido na Lei 7.670 de 08 de setembro de 1988. É sobejamente sabido que o empregado gravemente enfermo, com doença letal em desenvolvimento, não pode ser demitido; o artigo 476 da CLT é claro ao informar que o empregado que está em auxílio-doença ou auxílio-enfermidade é considerado em licença não remunerada, durante o prazo desse benefício, não se pondere no sentido de até que o autor não estava em seguro doença ou auxílio-enfermidade, uma vez que a reclamada impediu-Ihe a obtenção desse benefício quando o demitiu. Não pode a reclamada obstar o reclamante de perceber o benefício previdenciário e talvez a sua aposentadoria." (TRT SP- 25414/92 (o) 2ª Região -7ª T. Acórdão 035453/94- Publicado em 06/06/94 (grifos acrescidos).

Estando a reclamante física e mentalmente doente, o procedimento correto seria o seu afastamento, sendo os primeiros 15 dias por conta do empregador e os subsequentes por conta da Previdência Social, uma vez que a saúde é direito de todos e dever do Estado (art. 196 da CF). O procedimento da reclamada, indubitavelmente, violou preceito constitucional, obstando que a reclamante tivesse o tratamento indicado pelo médico, já que despida dos seus salários e impedida de usufruir dos benefícios previdenciários. Desde a Conferência de Havana em 1939, já se recomendava que "o enfermo deve conservar o seu emprego". O legislador pátrio trabalhista adotou tal recomendação, tanto que a CLT contém vários dispositivos impondo a suspensão do contrato de trabalho durante o período em que o empregado perceber da Previdência Social auxílio-doença. Como já dito, não se pode dizer que a reclamante não estava recebendo nenhum benefício previdenciário, porque a tanto foi obstada por seu empregador. O certo é que era inviável a resilição contratual à época, em razão da doença da reclamante. A incapacidade para o trabalho, comprovada de fato, motivada pela enfermidade ou incapacidade biológica impede a execução contratual pelo empregador em razão de estar suspenso o contrato de trabalho, sendo que a inexecução permanece até a aptidão para o trabalho ou pela aposentadoria definitiva. Discorrendo sobre os aspectos jurídicos da INTERRUPÇÃO e SUSPENSÃO do contrato de trabalho, ensina a ínclita juíza ALlCE MONTElRO DE BARROS:

" Outro traço comum entre os dois institutos jurídicos consiste na impossibilidade de o empregador dissolver o contrato de trabalho, durante a cessação temporária da obrigação de trabalhar, mesmo que arque com as reparações devidas, salvo em se tratando de justa causa cometida pelo obreiro e reconhecida pela justiça do Trabalho ou extinção da empresa, que impossibilite a continuidade da relação jurídico-laboral. " ( InCurso de Direito do Trabalho, Estudos em Memória de Célio Goyatá, vol. II, LTR, p. 409).

O direito do trabalho dá ênfase ao princípio da continuidade da relação de emprego priorizando os contratos por prazo indeterminado e mantendo as relações laborais mesmo na ocorrência da inexecução provisória da prestação de serviços. A suspensão do contrato de trabalho não extingue o contrato, apenas cessa provisoriamente os seus efeitos. A reclamante, inquestionavelmente, necessita de tratamento médico, cabendo à empregadora encaminhá-la ao órgão competente. Assim, injusta e ilegal a dispensa, declara-se a sua NULIDADE, determinando-se a RElNTEGRAÇÃO da reclamante no emprego, voltando as partes ao "status quo ante", com pagamento dos salários vencidos, desde o

467afastamento até a efetiva reintegração, nas mesmas funções anteriormente exercidas, salários vincendos, com observância de todas as vantagens salariais ocorridas no período de afastamento, pagando-se-lhe ainda, 13ossalários, férias, e depósitos do FGTS em sua conta vinculada, sob pena de indenização substitutiva. Para que não haja enriquecimento sem causa, a reclamante deverá devolver as parcelas referentes ao aviso prévio, multa de 40% do FGTS e FGTS do mês anterior e sobre o aviso prévio, Férias e 13º salário, conforme TRCT, devendo tais valores serem compensados, originariamente, por ocasião da liquidação de sentença. O não cumprimento pela reclamada da obrigação de fazer importará em multa diária de R$20,00, a favor da reclamante, nos termos do art. 729 da CLT, sem prejuízo da condenação das parcelas supra.

2.2 - PRODUTlVIDADE

Não assiste razão à reclamante quando diz que não recebeu a parcela "produtividade" por ocasião de suas férias. Restou provado que tal parcela era paga indistintamente a todos os funcionários à razão de 8,2% sobre o salário-base. O documento de f.15 em confronto com o de f. 09, n.01 e 10 n. 07; demonstram que a parcela foi considerada no pagamento das férias sem prejuízo do adicional de 1/3. lndefere-se.

2.3 - EQUIPARAÇÃO SALARIAL

A reclamante pretendeu a equiparação salarial com os modelos indicados, aduzindo que exercia a função de auxiliar administrativo junto com os paradigmas, embora fosse anotado em sua CTPS o cargo de recepcionista. Ora, se a autora pretendeu alegar o desvio de função o pedido de equiparação é totalmente incompatível. Por outro lado, o fato de exercer a função de auxiliar juntamente com os modelos, não gera o direito à equiparação, uma vez que o requisito básico é a identidade de função, situação não declarada na inicial. Ainda que, pelo princípio do informalismo se quisesse dar uma interpretação ao pedido, a prova oral demonstrou que não havia igualdade funcional. A testemunha WANIA APARECIDA VINHAL disse que "a reclamante não emitia guia de computador e os paradigmas o faziam ". Aliás, a própria reclamante declarou em seu depoimento que "O Sr. Sormane Soares era digitador e o Jean era recepcionista; que a depoente nunca foi digitadora" ( f. 69). Portanto, nada a deferir, no particular.

2.4 - HORAS EXTRAS

A reclamante não logrou provar o fato constitutivo do seu direito (art. 818/CLT). A testemunha GLÍCIA disse que "o horário da reclamante era de 9:00 às 18:00 horas, com 01 hora de intervalo" (f. 70). Logo, não ultrapassava o limite legal. Indeferem-se o principal e o acessório.

2.5 - MÉDIA DE PRODUTIVIDADE NA RESCISÃO

Razão não assiste à reclamante. A reclamada pagou corretamente as verbas rescisórias considerando na remuneração a parcela "produtividade", conforme f.19. Indefere-se.

2.6 - COMPENSAÇÃO

A compensação foi deferida no tópico próprio. A reclamada não comprovou o alegado pagamento a maior (art. 333. II, CPC). Nada a deferir nesse aspecto.

2.7- LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

Não se pode imputar à reclamante a litigância de má-fé por utilizar de um direito assegurado pela Carta Constitucional. O resultado sentencial, por si só, já demonstra não ter ocorrido as hipóteses mencionadas pelo art.17 do CPC.

2.8 - RETENÇÕES LEGAIS

Por ser imperativo legal, a reclamada deverá recolher a contribuição previdenciária e do imposto de renda na fonte, se for o caso, na forma da Iegislação aplicável, podendo reter a parcela atribuída ao autor, juntando nos autos os comprovantes de recolhimento no prazo regulamentar.

Ill - CONCLUSÃO

Isto posto, resolve a 16ª Junta de Conciliação e Julgamento de Belo Horizonte, à unanimidade, em julgar PROCEDENTES EM PARTE os pedidos, para condenar a reclamada ASSOCIAÇÃO DOS SERVIDORES DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS, a reintegrar a reclamante ISABELLA D'AMICES CAMPOS no emprego, nas mesmas funções anteriormente exercidas, voltando as partes ao status quo ante, com

468pagamento dos salários vencidos, vincendos, 13º salários, férias, depósitos do FGTS e todas as vantagens ocorridas no período do afastamento, até a efetiva reintegração, devendo a reclamante devolver as verbas rescisórias, exceto o saldo de salário, observando-se a compensação e critérios deferidos, (item 2.1), tudo como se apurar em liquidação de sentença, nos termos da fundamentação, parte integrante do decisum. O não cumprimento pela reclamada da obrigação de fazer importará em multa diária de R$20,00 a favor da reclamante, nos termos do art. 729 da CLT, sem prejuízo da condenação das parcelas supra. Incidem juros e correção monetária, na forma do E. 200/TST. Custas pela reclamada, no importe de R$60,00, calculadas sobre R$3.000,00, valor arbitrado. Recolhimento previdenciário pela reclamada, nos termos da Lei 8.620/93, autorizados os descontos legais cabíveis. Oficie-se ao INSS. Cientes as partes (E. 197/TST). Encerrou-se a audiência.

469

CONTRATO DE TRABALHO - CONTINUIDADE - SERVENTUÁRIO DE CARTÓRIO. ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO Nº 1211/94 Data: 22.09.94 DECISÃO DA 3ª Junta de Conciliação e Julgamento de CONTAGEM/MG. Juiz-Presidente: Dr. JOSÉ ROBERTO FREIRE PIMENTA. Proposta a solução do dissídio e colhidos os votos dos Srs. Juízes Classistas, a JUNTA proferiu a seguinte SENTENÇA: Vistos, etc...

I - RELATÓRIO

AILA DE SOUZA MATTIUZZI FERREIRA, qualificada na inicial de fls. 02/03, ajuizou reclamação contra CARTÓRIO DO REGISTRO DE IMÓVEIS DE CONTAGEM, dizendo que: foi admitida em 01.03.82; em 01.06.84 foi dada baixa em sua CTPS, mas continuou prestando os mesmos serviços para o reclamado, o que ocorre até a presente data; os depósitos do FGTS não estão sendo efetuados desde junho de 1984, como também não estão sendo recolhidas as contribuições previdenciárias; a partir do citado mês o reclamado passou a descontar de seu salário as contribuições previdenciárias para o IPSEMG - porém, não se enquadra como funcionária pública; em março de 1987 o reclamado a inscreveu no plano de saúde da Golden Cross, tendo suprimido tal benefício em abril/93; no período de fevereiro/92 a setembro/92 recebeu uma gratificação mensal que já havia se integrado em seu salário e foi unilateralmente suprimida pelo reclamado. Pleiteou, em conseqüência, o deferimento dos pedidos formulados nas alíneas a até d do petitum. Dando à causa o valor de CR$ 5.000.000,00, juntou documentos (fls. 04/05) e procuração (fl. 06). Regularmente notificado, o reclamado apresentou na inauguração da audiência (ata de fl. 08) sua resposta de fls. 09/17, acompanhada de documentos (fls. 18/57) e procuração (fl. 58), onde, após argüir em preliminar a incompetência deste Juízo, a carência de ação da autora e a prescrição total e parciária, alegou que: não há que se falar em pagamento do FGTS, vez que a situação jurídica estável da reclamante não é compatível com tal parcela; o plano Golden Cross nunca teve natureza salarial; nunca houve incorporação ou pagamento de gratificação ajustada (de resto não habitual); quando a reclamante recebeu acréscimo em sua remuneração, foi em decorrência do aumento temporário do volume de registro de imóveis feitos naquele período, não havendo que se falar em incorporação; na eventualidade de condenação, devem ser compensadas as parcelas já quitadas. Às fls. 59/60, a reclamante manifestou-se sobre os documentos que acompanharam a defesa. No prosseguimento da audiência (ata de fl. 61), não havendo mais provas a produzir e com razões finais oralmente aduzidas, encerrou-se a instrução processual. Conciliação sempre recusada. É a lide, em síntese.

II - FUNDAMENTOS

II.I - PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO E DE CARÊNCIA DE AÇÃO DA AUTORA

Ao fundamento de não ter a reclamante jamais sido empregada do reclamado mas sim exercente de cargo e função públicos, remunerada com recursos destinados ao Estado, argüiu a bem elaborada defesa a incompetência da Justiça do Trabalho para instruir e julgar o presente dissídio, bem como a carência de ação por ilegitimidade ad causam. Não tem razão, todavia. Para começar, é incontroverso que, de 01.03.82 a 31.05.84 (como reconheceram ambas as partes na audiência em prosseguimento - ata de fl. 61), existiu contrato de trabalho entre as partes, devidamente registrado na CTPS da demandante, fato aliás alegado na peça de ingresso e que é uma das premissas fundamentais dos pedidos iniciais ali formulados. O que já é suficiente para fixar a competências dessa Justiça Federal Especializada para apreciar o litígio. Ainda que assim não fosse, é pacífico no direito processual civil moderno e tem sido reiteradamente proclamado pela jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça que "a competência é firmada pela natureza da lide delineada na petição inicial". Em outras palavras, se o autor, ao ajuizar sua ação (com ou sem razão, do ponto de vista do direito material), alega em sua exordial a existência de relação de emprego entre as partes (portanto regida pela legislação trabalhista), e pleiteia direitos que em tese só são devidos a empregados, estará fixada em definitivo a competência da Justiça Laboral para proferir pronunciamento jurisdicional a respeito. Afinal, se a sentença aqui prolatada, ao examinar se houve vínculo empregatício entre os litigantes (o que em alguns casos é um dos pedidos iniciais e em outros é pelo menos pré-requisito necessário da apreciação das postulações do reclamante), declara sua inexistência, estará sendo decidido o próprio cerne da lide (isto é, seu mérito), solucionando-a em definitivo. Como admitir que, nesse caso, o Juízo trabalhista possa reconhecer sua incompetência absoluta para em seguida remeter o processo à Justiça Comum, se todos os pedidos iniciais formulados têm por única base a legislação trabalhista federal, configurando matéria que é constitucionalmente vedada a esta última conhecer? Rejeita-se, pois, a exceção de incompetência argüida pelo demandado já que, à luz do artigo 114 da Carta Magna em vigor, esta Justiça do Trabalho é a única constitucionalmente competente para apreciar, instruir e julgar

470demandas que têm por base as normas federais do Direito do Trabalho. No que se refere à carência de ação argüida pelo mesmo fundamento, a situação é análoga. A simples e indiscutida existência de pacto laboral entre as partes pelo menos até 1984 já bastaria à rejeição de tal preliminar. Ademais, a despeito do respeitável e tradicional entendimento doutrinário e jurisprudencial a respeito da questão, filia-se este Colegiado à posição sustentada, dentre outros, por MANOEL ANTÔNIO TEIXEIRA FILHO (in "As Ações Cautelares no Processo do Trabalho", LTr, 1988, págs. 73/74) e ORESTES CAMPOS GONÇALVES (in"Contrato de Trabalho ou Relação de Emprego: Carência ou Improcedência de Ação", Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região nº 47/50, págs. 35/40) de que a existência ou não de vínculo empregatício entre os dois litigantes é questão de direito material indissoluvelmente vinculada ao fundo da lide (constituindo em alguns casos um dos pedidos iniciais e em outros questão prejudicial e incidental de mérito), nada tendo a ver com o direito de ação da reclamante, de natureza abstrata. Assim se pronuncia a respeito o jurista paranaense, na obra citada:

"Erro inveterado em que vem incidindo a jurisprudência trabalhista, no que tange ao assunto em exame, é declarar o autor carecedor da ação sempre que não se reconhece o vínculo de emprego com o réu, por ele pretendido. Até onde sabemos, não há, no ordenamento legal, qualquer regra vedatória de um pedido dessa natureza; além disso, o réu, na hipótese, não seria parte ilegítima para responder à ação, tão certo como o autor teria inegável interesse de agir em juízo. O caso é, portanto, de rejeição de pedido (reconhecimento da relação de emprego), que envolve exame do mérito e não de imaginária "carência de ação", que acarretaria a extinção do processo sem julgamento das questões de fundo (mérito)".

O ilustre Juiz do Egrégio TRT-3ª Região antes citado acrescenta de forma conclusiva:

"A decisão judicial que transitar em julgado sobre a matéria de mérito faz coisa julgada (CPC/73, art. 468; CLT. art. 836), enquanto a decisão sobre o juízo de admissibilidade, principalmente sobre as condições de ação, não o faz e pode ser renovada, conforme o caso (CPC, art. 268). Ao se utilizar da expressão carência ou não de ação para caracterizar o julgamento do pedido de reconhecimento do contrato de trabalho expressa-se a falsa idéia de decisão não envolvente do mérito de causa, relacionada com uma das condições da ação, não fazendo coisa julgada, podendo ser renovada. Sabemos que os Tribunais Trabalhistas assim não entendem, ou seja, quando se decide sobre a existência ou não do contrato de trabalho, a decisão é tida como de mérito, fazendo coisa julgada, embora com aceitação da expressão carência de ação. Conseqüentemente o que está errado, data venia, é o uso da expressão, não o entendimento sobre a natureza do julgamento."

Por todo o exposto, não há como deixar de reconhecer que, no caso presente, possui a autora todas as condições para o exercício de seu direito de ação trabalhista (possibilidade jurídica do pedido, legitimidade das partes e interesse de agir). Se, no campo do direito material, houve entre os litigantes vínculo de emprego em todo o período em discussão, o que por sua vez poderá ensejar o deferimento de todos ou de parte dos pedidos iniciais, isto só poderá ser estabelecido no exame do meritum causae, à luz das provas constantes dos autos - o que se fará em outro item da fundamentação. Repele-se, portanto, a segunda preliminar em tela.

II.2 - PRESCRIÇÃO

Argüiu também a defesa a prescrição total do contrato de trabalho que teria existido entre as partes, na medida em que teria ele sido extinto em junho de 1984, com a nomeação e a posse da autora, no âmbito do demandado, como Auxiliar de Cartório. Ocorre todavia que a alegação básica da reclamante é que, na esfera decisiva da realidade, aquele mesmo pacto laboral nunca deixou de existir, mantidas as mesmas condições de trabalho, sem qualquer solução de continuidade e estando ainda hoje em pleno curso - razão suficiente para que tal questão seja apreciada juntamente com o mérito da controvérsia, vez que se for reconhecida a procedência de tais alegações sequer terá tido início o curso da prescrição do pleito de retificação de sua CTPS, nos termos do Enunciado nº 64/TST, in verbis:

"PRESCRIÇÃO (ANOTAÇÃO). A prescrição para reclamar contra anotação de Carteira Profissional ou omissão desta flui da data da cessação do contrato de trabalho".

Sob outro ângulo, não há que se falar em prescrição total decorrente de ato único do empregador em 31.05.84, quando este formalizou a rescisão do contrato de trabalho em tela e teria buscado transformá-lo, no dia seguinte, no vínculo de natureza diversa sustentado pela defesa. É que o próprio Enunciado nº 294/TST, que hoje consagra o entendimento jurisprudencial dominante sobre a matéria, é expresso ao estabelecer, ao seu final, que embora a regra seja a prescrição total da demanda decorrente de alteração do pactuado, as prestações sucessivas somente prescrevem parcialmente, "quando o direito à parcela esteja também assegurado por preceito de lei". Aqui, aliás, não se cogita de prestações sucessivas, mas sim do reconhecimento da continuidade do

471mesmo contrato de trabalho antes mantido pelas partes e que teria sido rescindido apenas formalmente, naquela data. Além disso, se não se admite a prescrição total de direitos reiteradamente descumpridos pelo empregador se estes estão diretamente assegurados pela legislação trabalhista (que por princípio estabelece direitos sociais mínimos e irrenunciáveis), com muito maior razão não se poderá admitir a prescrição total da alegada lesão a todos os direitos trabalhistas em tese assegurados à autora pela ordem jurídica, situação decorrente do não reconhecimento pelo demandado do próprio pacto laboral com ela mantido. Aqui, não se tratará de ofensa a um único preceito legal, por mais relevante que seja, mas a todo o sistema normativo de proteção ao trabalho subordinado - o que é muito mais grave. Quanto à prescrição qüinqüenal parciária, cumpre desde logo afastá-la. Sua incidência no presente caso determinaria a prescrição dos créditos trabalhistas da autora anteriores a 15.06.89, o que não se aplica aos depósitos de FGTS não efetuados a partir de junho de 1984 pelo reclamado (cuja prescrição é trintenária, em decorrência do que dispões o Enunciado nº 95/TST), bem como às pretensões de restabelecimento das vantagens do seguro-saúde GOLDEN CROSS e de pagamento de gratificação mensal ajustada (que foram incontroversamente suprimidas em março de 1993 e em setembro de 1992, respectivamente).

II.3 - A CONTINUIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO AJUSTADO PELAS PARTES APÓS 01.06.84

Em primeiro lugar, cumpre fixar os contornos fáticos do litígio, que aliás não foram objeto de controvérsia entre as partes em seus aspectos essenciais. Reconheceu pessoalmente o Sr. Oficial de Registro de Cartório demandado, na audiência em prosseguimento (ata de fl. 61), que de fato houve contrato de trabalho entre as partes no período de 01.03.82 a 31.05.84, como foi registrado na CTPS da reclamante. Esta, de sua parte, reconheceu na mesma ocasião que sua carteira profissional registrou sua dispensa naquela última data e não em 01.06.84, como afirmado na inicial. A defesa, com louvável lealdade, não negou as assertivas do item 2 da peça de ingresso de que a autora, após junho de 1984 e sem qualquer solução de continuidade, nunca se desligou de suas atividades naquele Cartório não oficializado, "prestando-lhe os mesmos serviços, nas mesmas condições estabelecidas no contrato de trabalho" (fl. 02) - com o que tais fatos devem ser presumidos verdadeiros, em decorrência do estabelecido nos artigos 300 e 302 do CPC c/c o artigo 769 da CLT e da falta de prova em contrário, no curso da instrução processual. A mesma peça de resposta no entanto, com a profundidade e o brilho costumeiros de seus ilustres subscritores, alega em síntese que a reclamante, a partir de 01.06.84 (data em que foi nomeada e empossada como Auxiliar daquele Cartório através do termo de fl. 18), passou a exercer cargo e função públicos, sendo remunerada indiretamente por verbas devidas ao Estado (os "emolumentos" cartorários) e submetida ao controle e à fiscalização da Secretaria de Estado de Interior e Justiça e da Corregedoria do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado. Acrescentou que passou ela, desde então, a ser compulsoriamente filiada ao Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (IPSEMG), do qual sempre usufruiu (como demonstrariam os documentos de fls. 37 e 38), estando-lhe assegurados todos os direitos dos funcionários públicos estaduais. Sob outra linha de raciocínio, sua situação teria sido então constitucionalmente regulada pelo artigo 106 da Constituição Federal de 1967, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 01/69, enquadrando-se ela no regime jurídico estatutário. Transcreveu vários precedentes jurisprudenciais do Colendo Supremo Tribunal Federal e de Egrégios Tribunais pátrios, em suporte de sua tese. Ocorre todavia que todo este entendimento está, data venia, superado pelo tratamento dado à questão pela Constituição Federal de 1988 e pela Constituição Estadual de 1989, fator que inclusive ensejou, recentemente, uma completa mudança no entendimento do Pretório Excelso acerca da questão. Com efeito, assim estabelece o caput do artigo 236 da Carta Fundamental brasileira (repetido ipsis litterispelo caput do artigo 277 da Constituição mineira):

"Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos EM CARÁTER PRIVADO, por delegação do Poder Público" (grifos nosso).

Tal preceito constitucional, por si só, faz cair por terra a alegação defensiva de que a autora, a partir de 1984, passou a ocupar cargo público, que, como se sabe, é o lugar instituído na organização funcional do Estado, criado por lei, com denominação e atribuições próprias, em número certo e estipendiado pela entidade de direito público interno correspondente. Aqui é o próprio titular do cartório extrajudicial não oficializado quem dirige e organiza a prestação dos serviços daqueles por ele contratados, por pessoas pelo mesmo admitidas sem concurso público, e exclusivamente por ele remunerados de forma fixa (sem qualquer participação percentual deles nos "emolumentos" pagos pelos cidadãos que fazem uso de seus serviços). É quase desnecessário lembrar, na mesma linha de raciocínio, que não é o exercício de uma função pública que atribui a alguém a qualidade de funcionário público, mas sim sua investidura em cargo público, na forma da lei e da própria Constituição - o que obviamente não ocorreu no presente caso. Note-se que mesmo os artigos 206 e 207 da anterior Constituição Federal, decorrentes da Emenda Constitucional nº 22, de 29.06.82, ao oficializarem as serventias extrajudiciais, mediante remuneração de seus servidores exclusivamente pelos cofres públicos e com provimento de seus cargos mediante nomeação dos aprovados em concurso público de provas e títulos, haviam ressalvado de forma expressa a situação de seus titulares de então e seus respectivos subordinados, dentre os quais incontroversamente se encontravam o Sr.

472Oficial de Registro do cartório aqui demandado e a própria autora. O que significa, a contrario sensu, que a situação do reclamado, de prestador de atividade privada exercida por delegação do Poder Público era então constitucionalmente reconhecida e resguardada. Do ponto de vista das normas estaduais, não é outro o tratamento dado a tal situação pela Resolução nº 61, de 08.12.75, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, citada pela defesa, a qual em seu artigo 215, parágrafo único (ainda em vigor, vez que não revogado pela Lei Estadual nº 7.655/79) assim dispõe expressamente a respeito dos órgãos auxiliares do foro extrajudicial:

"Art. 215 - (...)

Parágrafo único - Submetidos à disciplina do Poder Judiciário, mas com exercício autônomo de suas funções, funcionarão no foro extrajudicial os órgãos encarregados da tutela administrativa de interesses privados e da formação, documentação e publicidade dos atos jurídicos" (grifos nossos).

Como se vê, a atuação de Secretaria de Estado e da Corregedoria da Justiça Estadual não tem por si só o condão de transformar a natureza da relação jurídica mantida entre as partes. Com efeito, é ela meramente fiscalizadora e disciplinar, com a finalidade de preservar a probidade e a moralidade no exercício de uma atividade delegada pelo Poder Público, mas sem afastar o titular do Cartório da direção da prestação pessoal de serviços por seus contratados, nos precisos moldes do artigo 2º da CLT. Quanto à filiação "compulsória" dos servidores da Justiça "não remunerados diretamente pelo Estado" ao IPSEMG, estabelecida pelo artigo 1º do Decreto Estadual nº 21.204, de 20.02.81 (fl. 34), não tem ela o condão de fazer desaparecer o vínculo empregatício existente entre as partes. Primeiro, porque a vinculação do prestador de trabalho ao regime previdenciário nacional é determinada por sua condição de empregado regido pela CLT, e não o contrário (ou seja, se ele, certa ou erradamente, estiver filiado a outro sistema previdenciário, nem por isso deixará de ser empregado). Ademais, tal vinculação compulsória através de simples decreto não pode produzir qualquer efeito jurídico inovador ou constitutivo, por ferir o princípio constitucional da legalidade (então consagrado no §2º do artigo 153 da denominada EC nº 01/69 e hoje reiterado no artigo 5º, II, da Constituição Federal de 1988). Embora os documentos de fls. 37 e 38 demonstrem que a reclamante, ao longo do tempo, usufruiu de empréstimos bancários e filiou-se voluntariamente a Seguro Coletivo oferecidos por aquele instituto previdenciário estadual, isto não demonstra de maneira suficiente que lhe eram assegurados todos os benefícios notoriamente assegurados aos funcionários públicos do Estado de Minas Gerais (tais como adicionais por tempo de serviço ou férias prêmio pura e simplesmente ausentes dos "contracheques" de fls. 40/56, sintomaticamente rotulados neles próprios de "Recibos de Pagamento de Salário"). Em síntese, não demonstrou o demandado, como lhe competia por força do artigo 818 da CLT e do artigo 333,II, do CPC, que a autora usufruía de todos os direitos e benefícios garantidos aos servidores públicos estaduais (fato extraordinário que não pode pura e simplesmente ser presumido). Quanto à Resolução nº 372/89 da Secretaria de Estado da Justiça (fl. 35) que, segundo o demandado asseguraria estabilidade no serviço público à reclamante, é antes de mais nada de duvidosa aplicabilidade aos simples auxiliares de cartório não-oficializado como ela. Além disso, baseia-se ela no artigo 19 do Ato das Disposições Transitórias da CF/88, que assegurou tal vantagem também aos servidores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho. Por fim, não restou provado que a autora tenha sequer requerido tal estabilidade no serviço público estadual, como exige a própria norma em referência como condição de sua concessão. Por fim, é de se ressaltar que o artigo 106 da anterior Carta Fundamental invocado pelo reclamado não previa o regime jurídico estatutário para os servidores admitidos sob sua égide, mas sim um terceiro regime dito "especial" que não foi mantido pela Constituição Federal de 1988. Ademais, este regime excepcional se destinava apenas aos servidores admitidos em serviços de caráter temporário ou contratados para funções de natureza técnica especializada, situações nas quais a reclamante claramente não se enquadra. Como já salientado anteriormente, a jurisprudência do Excelso Supremo Tribunal Federal modificou-se recentemente no sentido até aqui exposto, como bem demonstra a seguinte ementa:

"CONSTITUCIONAL - TRABALHO - COMPETÊNCIA - SERVENTUÁRIO DE CARTÓRIO - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. I - Reclamação trabalhista promovida contra Cartório não oficializado por serventuário que não mantém relação de trabalho, pelo regime estatutário, com o Estado: competência da Justiça do Trabalho. II - Conflito negativo de competência conhecido, declarando-se a competência do Tribunal Superior do Trabalho" (Supremo Tribunal Federal, CC-7.012-9-MG-Ac TP (unânime), 03.03.94, Relator Ministro Carlos Mário da Silva Velloso, in LTr. 58-06/685-687 (na íntegra).

Cumpre salientar, por relevante, que tal precedente é originário desta 3ª Região e teve origem em reclamação ajuizada contra um dos Cartórios de Registro de Imóveis da Capital, tendo o conflito sido suscitado pelo eminente Juiz Ernane Fidélis dos Santos, titular da 2ª Vara da Fazenda Pública de Belo Horizonte. Por sua profundidade e por seu caráter incisivo, merecem ser transcritos os votos proferidos pelo ilustre Ministro Relator e pelo igualmente ilustre Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello (aliás Relator do precedente mais antigo em contrário do Colendo Tribunal Superior do Trabalho transcrito na defesa, às fls. 13/14 dos autos):

473

"Voto: O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): "(...)

Tem razão o suscitante.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é, na verdade, no sentido da competência, em casos como este, da Justiça do Trabalho. É conferir, por exemplo, a decisão proferida no CJ 6.964-DF, Relator o Sr. Ministro Néri da Silveira, cujo acórdão porta a seguinte ementa:

"Ementa: - Conflito de Jurisdição. Competência. Reclamação trabalhista movida por empregado de Ofício extrajudicial, não-oficializado, do Distrito Federal contra o respectivo titular. Lei nº 6.750/1979 (Lei de Organização Judiciária do Distrito Federal e Territórios), arts. 81 e 82. A remuneração dos empregados das serventias não-oficializadas do Distrito Federal deve ser paga pelos titulares, únicos responsáveis pelas obrigações trabalhistas.Os direitos dos empregados não-remunerados pelos cofres públicos, vinculados ao titular da serventia, são os previstos na legislação do trabalho. A intervenção da Corregedoria-Geral da Justiça do Distrito Federal, nos referidos contratos de trabalho (Lei nº 6.750/1979, art. 81, §3º), é meramente de natureza fiscalizadora e disciplinar. Constituição, arts. 114 e 236. Competência da Justiça do Trabalho e não da Justiça Comum do Distrito Federal. Conflito de Jurisdição conhecido, declarando-se no caso, a competência do Tribunal Superior do Trabalho" ("DJ" de 10.04.92). Ora, tem-se, no caso, uma reclamação trabalhista promovida por serventuário de cartório não oficializado, vale dizer, por serventuário que não mantém relação de trabalho, pelo regime estatutário, com o Estado. A competência, portanto, é da Justiça do Trabalho. Do exposto, conheço do recurso e declaro a competência, no caso, do Tribunal Superior do Trabalho, pelo que os autos deverão ser remetidos a essa Corte, para que prossiga no julgamento do recurso. Voto: O Senhor Ministro Marco Aurélio - Senhor Presidente, perante o Tribunal Superior do Trabalho, quando o integrava, cheguei a sustentar, na espécie, a competência da Justiça Comum. Ao fazê-lo, considerei alguns arestos desta Corte, do próprio Supremo Tribunal Federal, que potencializariam a supervisão dos trabalhos executados pelo serventuário, pela Corregedoria da Justiça local. Esse aspecto seria, segundo a óptica que prevaleceu quando dos julgamentos que desaguaram nesses provimentos do Supremo Tribunal Federal, suficiente a definir a competência da Justiça Comum. Todavia, conforme foi salientado pelo Senhor Ministro Carlos Velloso, houve uma evolução, e recentemente esta Corte assentou que, na hipótese, se não se cuida de serventia oficializada, a competência é mesmo da Justiça do Trabalho. A lide, aí, é entre o titular do cartório e o prestador dos serviços. Senhor Presidente, ressalvando o entendimento pessoal sobre o tema, porque é bem capaz de haver até alusão a precedentes do Tribunal Superior do Trabalho dos quais tenha participado, acompanho o Relator. O Senhor Ministro Carlos Velloso (Relator) - Senhor Ministro, realmente a jurisprudência do Supremo Tribunal, em inúmeros acórdãos, era no sentido do que informa V. Exª., mas estes acórdãos são todos anteriores à Constituição de 1988. A jurisprudência no sentido da competência da Justiça Comum foi firmada tendo em vista a supervisão do Corregedor que fiscaliza e parece que autoriza os contratos de trabalho, o que me parece irrelevante. O Senhor Ministro Marco Aurélio - Haveria a participação do próprio Tribunal de Justiça. Assim, acompanho o Senhor Ministro-Relator, conhecendo do recurso e declarando a competência do Tribunal Superior do Trabalho" (grifos nossos).

No mesmo sentido também decidiu recentemente o Colendo Tribunal Superior do Trabalho, in verbis:

"RELAÇÃO DE EMPREGO. CARTÓRIO. MUDANÇA DE TITULAR. DIREITOS DOS EMPREGADOS ADMITIDOS PELO ANTIGO OCUPANTE DO CARGO. Os titulares de cartório extrajudicial recebem uma delegação do Estado, tendo em vista que prestam serviços públicos. A legislação estadual autoriza a contratação de servidores, regidos pelas normas trabalhistas. Dúvida não resta, também, que desenvolvem uma atividade econômica, posto que a renda decorrente da exploração do cartório reverte para seu titular. Equiparam-se, assim, a empregadores, para os efeitos da legislação trabalhista, sendo que o titular é mero representante da serventia pública. Havendo mudança de titular, os direitos dos empregados não são afetados em decorrência dessa alteração, incidindo o disposto nos arts. 10 e 448 da CLT. Recurso de revista a que se nega provimento" (grifos nossos - TST, RR 52.522/92.2, Relator Ministro Indalécio Gomes Neto, Ac. 1ª Turma 4.010/92, DJU de 12.02.92, p. 1576, apudVALENTIN CARRION, in "Nova Jurisprudência em Direito do Trabalho - 1994", ementa 420, p. 67).

Também o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho dessa 3ª Região tem se pronunciado de forma reiterada nesse sentido ao examinar a situação dos Cartórios não-oficializados de Minas Gerais, como bem exemplificam os seguintes Arestos:

"AUXILIARES DE CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. INEXISTÊNCIA DE REGIME JURÍDICO ESPECIAL. Se inexistente regime jurídico especial, os auxiliares de cartório extrajudicial, admitidos pelo titular, longe de serem estatutários acham-se protegidos pelo broquel do diploma consolidado, porque vincadamente caracterizada a relação de emprego. A serventia extrajudicial, a teor do art. 215, parágrafo único, da Lei de Organização

474Judiciária, citada nos autos, conquanto submetida à disciplina do Poder Judiciário, goza de autonomia no exercício de suas funções. A referida norma, expressamente, dispõe que essa entidade constitui "uma empresa que funciona a expensas e sob a responsabilidade do titular" (TRT-3ª Região, 3ª Turma, Relator Juiz Ari Rocha, RO 2.511/87, in DJ-MG de 09.09.88, apud "Boletim de Legislação, Jurisprudência e Pesquisa - TRT-3ª Região", vol. 09, nº 03, set./dez. 88, nº 87.3, pág. 343).

"RELAÇÃO DE EMPREGO. CARTÓRIO. TITULAR. Empregado de Cartório Judicial, admitido e remunerado pelo titular daquele, dele é empregado e não do Estado, especialmente se a CTPS foi anotada sem qualquer alusão a vínculo com o Poder Público." (TRT-3ª Região, 1ª Turma, Relator Antônio Miranda, RO 5.451/90, in DJ-MG de 12.07.91, apud "Boletim de Legislação, Jurisprudência e Pesquisa - TRT-3ª Região", vol. 12, nº 02, maio/agosto 91, nº 62.3, pág. 232).

Em conseqüência e também em aplicação direta do princípio tutelar da primazia da realidade sobre a mera aparência das formas, deve ser reconhecido e proclamado que o mesmo contrato de trabalho celebrado pelas partes em 01.03.82, na verdade, teve continuidade após 01.06.94 e ainda está vigente na presente data (o que aqui se proclama expressamente), sendo absolutamente inválidas, nos termos do artigo 9º da CLT, a rescisão contratual apenas formalmente operada e a conseqüente anotação da dispensa da autora em 31.05.92. Pelos mesmos motivos, é de se proclamar de forma expressa inexistir aqui qualquer prescrição a proclamar, nos exatos termos do antes citado Enunciado nº 64/TST. Procede pois o pleito inicial de cancelamento daquela anotação de saída em sua CTPS, o que deverá ser registrado naquele documento pelo empregador, no prazo legal (aplicando-se, se necessário, o que estabelece o artigo 39, § 1º, da CLT). Após o trânsito em julgado dessa decisão, deverá a Secretaria da Junta oficiar ao órgão local do Ministério do Trabalho e à Previdência Social comunicando o ocorrido, para os efeitos do Direito.

II.4 - DEPÓSITOS DE FGTS A PARTIR DE JUNHO DE 1984

Havendo a autora, no item 3 da peça inicial (fl. 02), noticiado que no período de seu contrato de trabalho anotado em sua CTPS eram recolhidos seus depósitos fundiários e não tendo a peça de resposta impugnado tal afirmação, não há dúvida sobre a condição da obreira de optante por tal regime jurídico. Como já se concluiu no item anterior dessa fundamentação que a reclamante não está submetida ao regime jurídico estatutário estadual e continua sendo empregada do demandado, não há incompatibilidade de seu direito a FGTS após 31.05.84 com a estabilidade no serviço que seu empregador apenas alegou mas não provou existir. Ademais, após a promulgação da Constituição de 1988 o direito ao FGTS foi estendido a todo e qualquer empregado, sem necessidade de opção, sendo perfeitamente possível sua coexistência com as garantias de emprego especiais estabelecidas em lei ou em normas coletivas de trabalho. Contudo, na medida em que o contrato de trabalho celebrado pelas partes ainda continua em curso, não faz jus a autora a receber diretamente do reclamado a importância correspondente ao FGTS a partir de 01.06.84 e até o trânsito em julgado dessa decisão. Tal verba, no entanto, após sua liqüidação (efetuada a partir da variação da remuneração da autora no período e de acordo com os índices de atualização e critérios estabelecidos pela legislação específica aplicável), deverá ser depositada pelo reclamado, no prazo legal, em nova conta por este aberta em seu nome na Caixa Econômica Federal (sob pena de não o fazendo, pagar-lhe diretamente a indenização correspondente). Após o trânsito em julgado dessa decisão, deverá a Secretaria da Junta, em seu ofício ao órgão local do Ministério do Trabalho, comunicar também a não realização pelo reclamado dos depósitos fundiários em tela, para os efeitos do artigo 22 da Lei nº 8.036/90.

II.5 - RESTABELECIMENTO DAS VANTAGENS DO SEGURO-SAÚDE SUPRIMIDO EM ABRIL DE 1993

Estando demonstrado pelos recibos salariais de fls. 44/45 que, como já admitia a própria peça inicial (item 4, fl. 02), era descontado da autora percentual de seu salário (cujo valor aliás nada tinha de simbólico), com a alegada (mas não provada) participação de seu empregador, não há como atribuir natureza salarial a tal plano de saúde contratado pela obreira com a terceira seguradora. Como também não provou a reclamante que a supressão de tal contrato com tal entidade partiu do demandado, só resta indeferir por completo a pretensão em exame.

II.6 - PAGAMENTO DA GRATIFICAÇÃO MENSAL SUPRIMIDA A PARTIR DE OUTUBRO DE 1992, COM SEUS REFLEXOS

A defesa reconheceu, à fl. 16, e está registrado nas cópias de recibos salariais de fls. 51/55 a ela anexados, que a autora recebeu, de fevereiro a setembro de 1992, parcela mensal variável de valor quase sempre superior a seu salário, rotulada de "gratificação". Alegando erro escusável do reclamado quanto a tal rotulação, a peça de resposta atribuiu a tal vantagem a natureza jurídica de "prêmio", decorrente de aumento extraordinário do número de registros imobiliários em Contagem por conta do lançamento de um condomínio vertical que apontou, o qual teria perdido sua razão de ser com o retorno do cartório a seu movimento habitual, após setembro de 1992. Contudo, absolutamente nenhuma

475prova de tais fatos produziu o reclamado no curso da instrução pessoal, embora fosse seu o onus probandicorrespondente (CLT, artigo 818 e CPC, artigo 333, II). Ademais, não se pode esquecer que também o prêmio pago com habitualidade não pode ser suprimido unilateralmente pelo empregador, como salienta dentre outros MASCARO NASCIMENTO (in "Manual do Salário", Ltr, 2ª edição revista, 1.985, págs. 337/338) e RUSSOMANO (in "Curso de Direito do Trabalho", Ed. José Konfino, 1.972, pág. 371) e há muito restou assentado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, ao aprovar sua Súmula nº 209. Havendo o empregador pago à autora por 08 (oito) meses consecutivos, de forma discriminada nos correspondentes recibos salariais constantes dos autos, gratificação cuja periodicidade mensal e relativa uniformidade em seu valor são inegáveis, restou suficientemente caracterizada sua habitualidade, para os pretendidos efeitos de sua incorporação a seu contrato de trabalho, nos termos dos artigos 444 e 457, § 1º, da CLT e da Súmula nº 207 do Pretório Excelso. Em decorrência da incorporação de tal vantagem ao pacto laboral ajustado pelas partes, deve ser proclamada a nulidade de sua supressão unilateral pelo empregador, a partir de outubro de 1992, em direta aplicação do disposto no caput do artigo 468 da Consolidação Laboral. Em conseqüência, faz jus a autora ao pagamento da referida gratificação a partir de 01.10.92 e até o trânsito em julgado da presente decisão, no valor mensal original de CR$857.490,82 (a ser atualizado em liqüidação) que a tal título lhe foi paga em setembro de 1992 (item 5 da inicial, às fls. 02/03, e recibo salarial de fl. 55). Por força do entendimento jurisprudencial consagrado no Enunciado nº 78/TST, faz jus ainda a reclamante ao pagamento dos reflexos dessa gratificação, pelo duodécimo de seu valor atualizado, sobre as férias (acrescidas do terço constitucional) e os décimos-terceiros salários do mesmo período de apuração, devendo ainda o reclamado depositar na conta vinculada de FGTS da autora, a ser aberta nos termos do item II.4 da fundamentação, os valores correspondentes aos seus reflexos sobre os depósitos fundiários do idêntico período (também aqui sob pena de, não o fazendo, pagar-lhe diretamente a indenização correspondente), tudo como se apurar em liqüidação.

II.7 - COMPENSAÇÃO

Havendo aqui sido deferidas apenas verbas inteiramente não pagas pela demandada, não há qualquer compensação em favor do empregador a autorizar no caso presente.

III - CONCLUSÃO

Pelo exposto, resolve a 3ª Junta de Conciliação e Julgamento de Contagem-MG, por unanimidade, julgar PROCEDENTE EM PARTE o pedido inicial para proclamar a continuidade e a persistência, a partir de 01.06.84, do contrato de trabalho celebrado pelos litigantes a partir de 01.03.82 e para condenar o reclamado a cancelar a data de saída de 31.05.84 anotada na CTPS da reclamante (aplicando-se, se necessário, o que estabelece o artigo 39, § 1º, da CLT) e a pagar-lhe, no prazo legal, com juros e atualização monetária, como se apurar em liqüidação efetuada com observância dos critérios estabelecidos nos fundamentos que expressamente integram este dispositivo, importância correspondente à gratificação habitual paga de fevereiro a setembro de 1992, a partir de 01.10.92 e até o trânsito em julgado da presente decisão, no valor mensal original de CR$857.490,82 (a ser oportunamente atualizado), com seus reflexos, por seu duodécimo também atualizado, sobre as férias (acrescidas do terço constitucional) e os décimos-terceiros salários do mesmo período de apuração. Deverá ainda o demandado, no mesmo prazo, proceder ao depósito dos valores correspondentes ao FGTS da reclamante no período de 01.06.84 até a data do trânsito em julgado da presente decisão e aos reflexos da gratificação mensal acima deferida sobre o FGTS, em conta aberta em nome da autora na Caixa Econômica Federal para tal finalidade (sob pena de, não o fazendo, pagar-lhe diretamente os valores indenizatórios correspondentes). Custas pelo reclamado, no importe de CR$80,00, calculadas sobre CR$4.000,00 (quatro mil reais), valor arbitrado à condenação para os efeitos legais. Após o trânsito em julgado desta decisão e até o dia útil imediatamente posterior a sua liqüidação, deverá o demandado efetuar o recolhimento da importância correspondente às contribuições previdenciárias devidas em decorrência da presente condenação, nos termos do artigo 68 do Regulamento da Organização e do Custeio da Previdência Social, o que deverá ser comprovado nos autos. Da mesma forma, faculta-se ao reclamado proceder oportunamente aos descontos determinados pela legislação tributária aplicável, devendo fornecer à autora os comprovantes correspondentes. Passada em julgado a presente decisão, oficie-se ao órgão local do Ministério do Trabalho e ao INSS, dando-lhes ciência de seu inteiro teor para os efeitos do Direito. Cientes as partes (Enunciado nº 197/TST). Encerrou-se a audiência.

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CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE FAZER E DE NÃO FAZER. ACIDENTE DE TRABALHO. ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO Nº 1675/94 Data: 03.95 DECISÃO DA 1ª. Junta de Conciliação e Julgamento de PASSOS/MG Juiz-Presidente: Dr. RAUL MOREIRA PINTO Proposta a solução do dissídio e colhidos os votos dos Srs. Juízes Classistas, a JUNTA proferiu a seguinte SENTENÇA: Vistos, etc...

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, regional de Minas Gerais, ajuizou AÇÃO CIVIL PÚBLICA contra CIA. AÇUCAREIRA RIO GRANDE, USINA AÇUCAREIRA PASSOS S/A, USINA ITAIQUARA DE AÇÚCAR E ÁLCOOL S/A e SERVITA - SERVIÇOS E EMPREITADAS RURAIS S/C LTDA., alegando: que instaurou inquérito civil público para apuração de denúncias de sindicatos da região; que no âmbito administrativo, tentou obter um "compromisso de ajustamento de conduta empresarial, sem êxito"; que as empresas não se sensibilizam com o elevado número de acidentes, sempre transferindo para os trabalhadores a responsabilidade por aqueles eventos; que através de fiscalizações do Ministério do Trabalho restaram comprovadas inúmeras lesões a direitos constitucionalmente assegurados, exemplificando desobediência ao intervalo mínimo para repouso durante a jornada, número excessivo de horas extras, não fornecimento de EPI e desrespeito a "outras normas de segurança"; que tem legitimidade e interesse para propor a ação, por força de regras legais que informa; que os interesses que busca defender são coletivos e que é a presente Junta o juízo competente para conhecer e julgar a ação. Pediu sejam condenadas as Rés a observar o intervalo mínimo intra-jornada e o limite máximo da jornada, a fornecerem os EPI necessários, a promoverem cursos ou palestras específicas sobre segurança do trabalho, a cumprirem as Portarias que ditam normas de higiene e segurança do trabalho e fixação de multa, pela violação de cada uma das obrigações, revertidos os recursos ao FAT. Com a inicial vieram os autos do Inquérito Civil Público. Defenderam-se as Rés, sustentando que a hipótese não comporta cumulação subjetiva de ações, pelo que inadmissível o litisconsórcio. Tem que existe "incompetência absoluta parcial", vez que, relativamente aos "cursos", trata-se de matéria relacionada a observância das normas de segurança do trabalho. fazendo referencia à ação indenizatória para reparação de danos e sustentando a tese de que o foro da ação para a prevenção é o mesmo da reparação. Argumentando com a "carência. de jurisdição, pedem seja extinto o processo sem julgamento do mérito. Sustentam ainda a incompetência absoluta funcional ou hierárquica, ao fundamento de que a ação guarda indiscutível natureza de lide coletiva", pelo que a competência originária é do E. T.R.T. No mesmo tema, afirmam que, por atingir os efeitos da sentença estabelecimentos das Rés situados em Minas Gerais e São Paulo, a competência originária seria do C. T.S.T. Falam ainda em inépcia da inicial, utilizando-se dos mesmos argumentos despendidos na sustentação da impossibilidade de cumulação de ações e afirmando serem imprecisos e vagos os pedidos. Ainda nessa questão, argumentam com o fato de que o Autor busca que a lei," genericamente, seja a observada", aduzindo que os direitos a serem observados hão de ser "inquestionáveis". Trazem à discussão outra preliminar, qual seja, a da falta de legitimação ativa e falta de interesse, ao argumento de que os interesses que procura proteger o Autor seriam de competência exclusiva dos sindicatos. Na mesma preliminar, argumentam que a ação civil pública não tem como fito reduzir o número de reclamatórias ou evitar recurso ao judiciário e que o Autor não tem atribuição supletiva ou concorrente a dos sindicatos. Procuram justificar os acidentes de trabalho e os excessos de jornadas pelo fato de possuírem número elevado de trabalhadores e das características das indústrias. Alegam mais que em inúmeras decisões do E. T. R. T. registrou-se que as Rés fornecem regularmente os EPI. Afirmam que são pagas as horas extras laboradas e que há necessidade de prorrogação de jornadas, frente as peculiaridades dos serviços. No mérito, dizem que a Ré Servita não é "empreiteira interposta" pelo que não pode a ação alcançar terceiros. Sustentam que o pedido de cumprimento dos limites da jornada e dos descansos é matéria infraconstitucional e que fornecem regularmente os EPI. Quanto a essa última alegação, dizem que a afronta a normas constitucionais se faz de maneira oblíqua. Alegam, que poucos são os safristas, sendo que a maioria dos trabalhadores "são permanentes", prestando serviços nas safras e nas entressafras, "fato conhecido não só dos ilustres juízes-presidentes das Juntas de Passos, mas como de todo o E.T.R.T.". Esse fato, continuam as Rés, torna pouco prático o ministrar cursos no início de cada safra. Ainda no tema aduzem que "orientam seus empregados", através dos serviços especializados de engenharia de segurança. Fazem considerações sobre a qualificação dos seus empregados, aduzindo que a maioria dos acidentes do trabalho ocorre por negligência dos trabalhadores. Sustentam que mantêm as CIPAS, atuando com "plena eficiência". Esclarecem que se recusaram a aderir ao "termo de ajustamento ", por não concordarem com a amplitude do mesmo. Afirmam também que a multa "está sendo pedida em razão de recusa a assinatura do malsinado e injurídico termo de compromisso de ajustamento". Registram que inexiste lei que destine os recursos da multa ao FAT. Juntos à defesa inúmeros documentos. No prosseguimento, não se produziu prova testemunhal, encerrando-se a instrução. Razões finais, restando sem êxito a renovada proposta conciliatória. É o relatório. Decide-se. Como se observa, na longa e bem elaborada defesa das Rés, maior fôlego se despendeu nas "preliminares". Hodiernamente, vem se percebendo que toda a evolução da ciência do processo, ocorrida neste século,

477não teve reflexos positivos naquilo que mais importa, ou deveria importar, aquela ciência: a efetividade e rapidez na solução dos litígios. Complexas e variadas doutrinas sobre o direito de ação causam viva dissidência entre doutores. Debatem-se os mestres, sem menor empenho, sobre a concepção das condições da ação, sem uma definição exata sobre carência de ação e, conseqüentemente, aquilo que é decidido pelo mérito e ou sem julgamento desse. Mas o processo, como instrumento a serviço da paz social. longe está de cumprir sua finalidade. Com efeito, os litígios se tornam intermináveis, ante a insustentável quantidade de recursos e formalismos inúteis. O decantado direito de defesa confundiu-se com o direito ilimitado de contestar, abrindo-se para o réu privilégios inaceitáveis. 0 advogado adquire notoriedade não pela capacidade de convencer, através do seu trabalho, sobre a procedência do direito de seu cliente, mas pela habilidade em procrastinar os feitos, especialmente na habilidade de os levar a exame da última instância. E sem se falar nas nulidades processuais, às vezes decretadas quando a demanda já se arrasta há muitos anos, provocando repetição de inúmeros atos. Se estivéssemos ao tempo das criações mitológicas da Grécia antiga, ao lado dos suplícios de Sísifo, de Tântalo e das Danâides, teríamos o castigo para crimes certamente horrendos o enfrentar um processo. São trabalhos feitos e desfeitos, como a mortalha de Laertes na qual o que se fazia de dia se desfazia a noite, sem a perspectiva de utilidade e de término deles no tempo. Mas sempre presente a incerteza do sucesso, às vezes sem mesmo ter a parte a oportunidade de ver julgada sua ação pelo mérito. O suposto devedor, seja de obrigação de pagar, ou de fazer ou de não fazer, tem posição tranqüila no processo. Ordinariamente, a maior carga probatória é de ônus do pretenso credor. Basta-lhe negar a existência dos fatos alegados como constitutivos do direito do autor. O ônus da demora do processo recai, inexplicavelmente, sobre o credor de forma exclusiva. O juiz, envolvido por tecnicismo que, a bem da verdade somente serve para demonstrar que ele e os demais partícipes na condução do processo bem estudaram as lições dos grandes processualistas faz andar o feito totalmente alheio ao resultado da demanda, se justa ou injusta a decisão final. Sentença justa é aquela que foi proferida dentro do rigor das regras processuais, ainda que nada resolva, como quando extingue o processo sem julgamento do mérito, nas hipóteses em que pode o autor renovar o pedido. Vale aqui transcrever as palavras do professor José Eduardo Faria: "No campo específico dos processos judiciais e agora retomando em novos termos a problemática já examinada com os exemplos das ações de reintegração de posse de terrenos urbanos ocupados por movimentos coletivos, essas concepções manifestam uma ampla consciência dos riscos de perversão, deturpação e manipulação da verdade dos fatos pelos ritos processuais e pelas categorias jurídicas, pois os atos se transformam em autos, os fatos se convertem em versões e os problemas concretos são sutilmente substituídos pelos argumentos dos advogados, os quais costumam extrair da realidade apenas os aspectos que mais se adequem e reforcem seus respectivos discursos. (in Justiça e Conflito, Editora Revista dos Tribunais, 2ª ed., 1.992, pag. 73 - os grifos não são do original). Se já não é fácil para os que lidam com as coisas do direito entender o porque de certos princípios e regras processuais, imagine-se o que venha a passar na cabeça do jurisdicionado leigo. O descrédito na justiça se tornou incontornável. Como diz Cândido Rangel Dinamarco, "A descrença de todos na Justiça é efeito das mazelas de um sistema acomodado no tradicional método introspectivo, que não inclui a critica do sistema mesmo e dos resultados que ele é capaz de oferecer aos consumidores finais do seu serviço - ou seja. aos membros da população. " (A Instrumentalidade do Processo, Malheiros Editores, 3ª edição, 1.993, pág. 11) Assim, surgiu a nova concepção do processo. Democrático, ao alcance de todos, com proteção aos direitos da coletividade, trazido pelos movimentos em prol do acesso fácil a justiça. Tendente a universalização da jurisdição, se reduzem os casos de impossibilidade jurídica do pedido. Efetividade do processo, tornando-se-o útil e proveitoso ao jurisdicionado. Desformalizado, o fim se sobrepõe à forma, ou mesmo a elimina. Daí, as "três ondas" a que se referem Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido R. Dinamarco: a) uma consistente nos estudos para a melhoria da assistência judiciária aos necessitados; b) a segunda voltada à tutela dos direitos supra-individuais, especialmente no tocante aos consumidores e a higidez ambiental (interesses coletivos e interesses difusos); e c) a terceira traduzida em múltiplas tentativas com vistas à obtenção de fins diversos, ligados ao modo-de-ser do processo (simplificação e racionalização de procedimentos, conciliação, eqüidade social distributiva, justiça mais acessível e participativa, etc. ( in Teoria Geral do Processo, Ed. Malheiros Editores, 9ª ed., pag, 43). Nesse novo enfoque, estendeu-se a legislação processual à proteção dos mais fracos, proteção essa mais facilmente até então verificável na lei material. Veja-se, v.g., o Código de Defesa do Consumidor, onde regras antigas de distribuição dos ônus de prova foram renegadas, valendo lembrar que muitas das disposições desse diploma foram inseridos no CPC (Lei nº 8.952/94), que, aliás, já eram aplicáveis à ação civil pública. A proteção dos interesses coletivos e difusos, tratada inclusive na atual Constituição, onde se busca alcançar a defesa dos interesses de grande número de cidadãos, com uma única ação. A simplificação e racionalização do processo, tendo-se como exemplo a Lei nº 8.951/94, onde se alterou profundamente a ação de consignação em pagamento, permitindo o credor-réu. nos próprios autos da consignatória, executar o crédito que lhe reconhecer a sentença. Aqui, desprezou-se um dos mais graníticos e

478intocáveis princípios do processo, que é o da demanda. No plano da efetividade, vejam-se disposições de natureza cautelar do Código de Defesa do Consumidor, também transplantadas para o C.P.C. Já não soa como dogma intocável que a cautelar não se presta a tutelar direito material. O citado professor José Eduardo Faria aponta um caso em que diversas normas processuais foram relegadas pelas partes e pelo juiz, especificamente os artigos 213, 214, e 215, do C. P. C. . Tal ocorreu na invasão de terrenos urbanos em Recife, na década de setenta. Os invasores se recusaram a se identificar, usando isso como tática de defesa. Também desprezados os artigos que os advogados dos invasores representaram tantos os seus constituintes legais quanto os demais invasores que nunca foram citados. Não observados ainda os artigos 444 e 450, vez que tendo os invasores, citados e não citados, comparecido em massa a audiência, obrigou o juiz a permitir o comparecimento de apenas alguns representantes, sendo que a juridicidade do ato processual teria sido assegurada pela publicidade decorrente das reuniões posteriores promovidas pelos advogados com a participação dos réus que assistiram à audiência. O mesmo ocorreu com relação a prazos; foram eles desrespeitados por decisões mutuamente acordadas entre os juízes e as partes. Enfim, descobre-se que o processo é um processo. Isto é, o método, o sistema, o modo de fazer com que a lei seja cumprida. Não se assemelha ao leito de Procusto, no qual o conteúdo, na hipótese, o direito material, deveria se medir pelo continente, o processo. Dentro dessa nova visão, as prejudiciais de mérito tomam a feição de instrumentos de tortura medievais. Conseguirá o direito do autor sobreviver a elas? Terá do estado jurisdicional uma resposta sobre a procedência da sua pretensão, o que verdadeiramente interessa, ou simplesmente um manifestação deste no sentido de que o processo, por razões várias, não pode dar solução de mérito? A sentença ainda que técnica, erudita, trabalhada, que conclui pela inviabilidade do processo, extinguindo-o sem julgamento do mérito, na verdade não passa de mera e desvaliosa declaração de incompetência do juiz e do advogado, que permitiram, este, que se instaurasse e, aquele, se desenvolvesse processo que não deveria nascer. Porque o judiciário tem sua razão de ser na solução de conflitos e se não os resolve pelo mérito, apenas os posterga. perde o sentido de sua existência. Fazendo observação sobre um julgado da Corte de Cassação italiana, que decretou anulação de ato penhora por questão mínima de forma, Satta exprimiu com grande felicidade o sentimento deste juízo a respeito: "O que impressiona é que decisões símiles não serão nunca diligentes, assim como será dado pensar em soluções negligentes, porém antes elaboradíssimas, plenas de falsos silogismos, frutos, pois, de ímproba lida, muito maior daquela que teria exigido a decisão de mérito. " E diz que o episódio, não obstante passados mais de dois mil anos, sugere ressurgir a famosa "arboribus succisis", símbolo máximo do excessivo formalismo do Direito Romano. De valia transcrever-se ainda lição de Cândido Rangel Dinamarco, apud Celso Ribeiro Bastos, citada por Edis Milaré, in Ação Civil Pública na Nova Ordem Constitucional, Ed. Saraiva, 1.990, pag. 34: "não é dever do juiz somente participar de cada processo em que atua, lembrando-se a cada momento de seu solene compromisso com a justiça e afastando-se de posturas burocráticas e cínicas, como quem não se importa com o desfecho dos dramas que é chamado a julgar; compete-lhe, ainda, voltar-se para o mundo exterior ao processo, seja quando de lá extrai elementos para julgar com fidelidade aos valores da sociedade, seja quando leva a outros centros de decisão o peso de sua voz em busca de uma ordem jurídica mais perfeita. " Mostra aqui o autor com felicidade e extremo vigor que não mais pode subsistir a concepção do "juiz ente inanimado" de Montesquieu. Ainda em Milaré, mais um precioso ensinamento de Celso Ribeiro Bastos: "o que não é possível é continuarmos assistindo a um Estado e uma Sociedade que delinqüem à moda do século XX, pressagiando à do XXI, enquanto que o judiciário reage à moda do século XIX, com pontos de atavismo a pensadores do século XVII, como Montesquieu, que, com dificuldades, alcançava a especificidade da função jurisdicional, na qual não via senão uma modalidade da administração da Justiça. O que cumpre é instar o Poder Judiciário que faça da Justiça coisa sua." (idem ibidem pag, 35). Como conseqüência, tem-se a lenta e progressiva substituição dos tradicionais atores jurídicos (juízes, advogados, promotores) por órgãos de outros poderes ou mesmo por organizações não estatais, como Procons e outras entidades que defendem os consumidores. Veja-se que até a mídia eletrônica ocupa esse espaço, com repórteres aproximando as partes, ouvindo-lhes as razões e propondo soluções. Não foi por outra razão que um repórter paulista teve uma votação estrondosa, nas últimas eleições daquele Estado. Na verdade, o que se tem é um número expressivo, que não são detectados em estatísticas por razões óbvias, de "conflitos contidos" ou "litigiosidade contida" não levados ao judiciário por motivos vários, o que é preocupação de alguns estudiosos ligados à Nova Escola Processual de São Paulo. Como reação à ineficiência do Judiciário e falta de efetividade das decisões e, por isso mesmo, causa de soluções injustas, surgiu a doutrina do direito alternativo ou do uso alternativo do direito, de origem na Itália nos anos sessenta e agora muito debatida nos Estados do sul do Brasil. O juiz não é mais um "servus legis"; não serve à lei, dela se serve. E essa tendência alternativa não se faz apenas com relação ao direito material. Não há dúvida que as novas exigências de efetividade dos direitos são um fenômeno peculiar às sociedades contemporâneas. Como expressa, com rara felicidade, Ovídio A. Batista da Silva, comentando acórdão da lavra do Desembargador Luiz Melíbio Machado, do E. TJRS: "Hoje na sociedade contemporânea, as coisas só têm sentido se prontamente atendidas. Eis aí, descritas com a maior transparência a ideologia que mantém a doutrina ainda

479prisioneira a pressupostos que as transformações sociais da sociedade moderna tornaram anacrônicos, e seu brutal descompasso ante as necessidades e expectativas geradas pela sociedade contemporânea." (Curso de Processo Civil, Sérgio Antônio Fabris Editor, 1.993, pag. 60). O jurisdicionado, agora transformado em cidadão não pode se sujeitar a ter solucionado o seu caso em lapso de tempo que, se não inútil o provimento judicial pela demora, pelo menos oneroso e desgastante. A atual legislação processual, observando a tendência de "universalização da ordinariedade" com redução de ações de ritos sumários, acabou por tornar ainda mais morosa a Justiça, trazendo, como reação, um uso generalizado das ações cautelares inominadas nos últimos tempos. O mesmo virá a ocorrer com relação a tutela antecipada, como se pode ver das recentes alterações do C. P. C., que, se não abrevia o feito, dá pronta satisfação ao credor. A Justiça do Trabalho hoje é satisfatória para os seus atores jurídicos. Em torno dela, vivem centenas de juízes, togados e classistas, milhares de funcionários burocráticos e de advogados, e de número expressivo de procuradores. Todos, se não ganhando bem, pelo menos com renda bem superior a média do trabalhador brasileiro. E o mais importante, com certa estabilidade econômica. Entretanto, para o jurisdicionado, em especial o empregado, principal alvo dela, a Justiça do Trabalho se mostra ineficiente, fato que tem levado alguns juristas até a sustentar a sua extinção. Enfim, há mudanças feitas e muitas ainda a se fazerem. E não podemos, agarrados a conceitos clássicos e ultrapassados, desconhecer as primeiras e opormos resistências às segundas. O Betinho, que tanto se bate pela cidadania plena no nosso País e que nos faz lembrar diariamente, pela televisão, que há brasileiros "mais cidadãos que outros", tem belas palavras a respeito: "Projetar o futuro é temer ou desejar"... "Pensar o futuro atrai, desafia e engana. E mudar o futuro depende de mudar a maneira como se pensa o presente". (Pão Nosso, Revista Veja, 25 anos, 1.993, apud Ernesto Passos, in Gênesis, vol. III, 14, fevereiro de 1.994, pag. 142). As mudanças são necessárias para que tenhamos todos uma melhor imagem do judiciário trabalhista, em especial, do que a da socióloga Maria Célia Paoli, para quem "Os rituais da justiça trabalhista criaram uma multidão de clientes de direitos e não de cidadãos; de fato, ratificou seu desamparo político ao impor este estilo de amparo social." (apud Ricardo Sampaio, in Gênesis, vol. 25, janeiro de 1.993 pag. 49). Mas as preliminares suscitadas pelas Rés e a sua visão acanhada da ação civil pública, querendo-a, limitadíssima, não são desprezadas pelo tão só desejo do juiz em compor a lide pelo mérito ou por ver nelas apenas artifícios para que não se dê uma verdadeira prestação jurisdicional. Mesmo sob o "tecnicismo" do processo civil, como se demonstrará, são elas insustentáveis.

Da impossibilidade jurídica de cumulação subjetiva e dá inépcia da inicial. Essas duas preliminares são enfrentadas conjuntamente, eis que têm um fundamento em comum. Sustentam as Recldas. a impossibilidade de cumulação subjetiva, não obstante admitam pertencer a um grupo econômico. Não obstante as críticas ao legislador consolidado, ao definir o empregador como "empresa" (artigo 2º, caput, da C.L.T.), e não como pessoa, jurídica ou física, o certo é que, propositadamente ou não, possibilitou se ampliasse o conceito de responsabilidade além do que se possa admitir para aquela pessoa, natural ou moral. Essa interpretação ganha força com a regra do parágrafo segundo, do referido artigo 2º, da Lei Consolidada, onde com mais ênfase se abraça a doutrina do "disregard of legal entity", ao erigir a figura do empregador único, na hipótese de existência de grupo de empresas controladas. Comentando o referido parágrafo 2º, Mozart Vitor Russomano leciona que: "É preciso, sem dúvida, um exame meticuloso da situação das empresas, porque, não raro, exatamente para que a aparência esconda a realidade, tais empresas atuam desvinculadas, no que possuem de ostensivo em seu funcionamento, mas, em um plano oculto, invisível aos olhos do grande público, estão de tal maneira interpenetradas que ficam submetidas a um controle geral, como diz a lei pátria." (Comentários à C.L.T., Ed. Forense, 13ª ed. vol. I, pag. 6). "In casu", a Ré Servita presta serviços nas terras onde se planta cana. Tais terras são de propriedade da Ré Agropecuária Vale do Rio Grande S/A e da Cia Agropastoril do Rio Grande, esta última também pertencente ao grupo, e até mesmo em propriedades de sócios majoritários do mesmo grupo. A cana se destina à produção de açúcar pelas Rés Usina Açucareira Passos e Cia Açucareira Rio Grande. Produzem ainda o melaço, que é destinado à fabricação de fermento pela Ré Itaiquara. Como se vê, as atividades de cada Ré, embora bastante características, convergem para a produção de açúcar e de fermento, com notável promiscuidade daquelas mesmas atividades entre as empresas. Induvidoso que as Rés são partícipes de um grupo econômico, Itaiquara, o que aliás é admitido em defesa. De se notar que a Ré Servita, até hoje, nas suas defesas, invoca prescrição qüinqüenal, em sede de entendimento do cancelado Enunciado nº 57, do C. T. S. T. , ao argumento de que as lavouras de cana são exploradas para fabricação de açúcar pelas duas usinas do grupo. Veja-se, mais, que o documento de fls. 214 contraria o que afirmam as Rés no item 4.1, segundo parágrafo, da defesa, as fls. 240. Se se interpenetram as atividades agrícolas e industriais, com fins empresariais certos e bem definidos (produção de açúcar e fermento), sendo certo, como já afirmado, que essa interpenetração também se dá no plano jurídico, pela existência do grupo, não há menor dúvida que o litisconsórcio passivo formado é mais do que legítimo. Se estivéssemos no domínio do Código de Processo de 1.939, teríamos um litisconsórcio facultativo irrecusável. (De observar-se que recente alteração do C.P.C.- Lei nº 8.952/94 - trouxe de volta o antigo instituto,

480não com a extensão da antiga lei, ao permitir que o juiz limite o número de litisconsortes). Aliás, outra solução não apresenta o bom senso. Veja-se, como já afirmado, que a Ré Servita presta serviços à Agropastoril e à Agropecuária, em propriedades diversas e distintas, mas em iguais condições. Se desmembrados os autos, haver-se-iam de examinar mesmos fatos, alegações e questões em processos distintos, com o risco de se terem conclusões conflitantes. Oportuno trazer-se à colação um julgado da quarta turma do E. Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, sendo relator o MM Juiz Tobias Macedo Filho, no qual se entendeu que o litisconsórcio passivo era perfeitamente possível, ainda que os réus, bancos comerciais, nenhum vínculo possuíssem entre si. Transcreve-se a ementa: "Não é necessário que a totalidade das hipóteses elencadas nos incisos I a IV do artigo 46 do CPC concretizem-se porque seja possível a figura do litisconsórcio na Ação Civil Pública. Uma delas preenchidas já é o bastante. No voto condutor, lê-se: "Conforme anteriormente analisado, os direitos e obrigações aqui analisados derivam da mesma causa de pedir, havendo sem dúvida entre as causas conexão. Perfeitamente possível o litisconsórcio passivo, não havendo que se falar em ausência de pressuposto processual." (TRT-PR-RO-6.6659/94 - Ac. 4ª Turma, publ. in Revista Genesis, fevereiro de 1.995, nº 26, pags. 240/242). Não custa repetir que, no caso julgado os réus eram bancos comerciais, de grupos distintos. Não fossem todas essas razões suficientes, já navegando nas águas da "teoria da aparência", irmã da teoria da desconsideração por possuírem o mesmo princípio-matriz e adotada para definir a subjetivação passiva em casos como o ora tratado, tem-se no caso "sub examine" um só "dominus negotii", que é o grupo detentor do controle das empresas. Assim, é perfeitamente própria a subjetivação passiva de todas as empresas, em litisconsórcio, já que todas elas atuam "cum contemplatione domini", isto é, atuam em nome do verdadeiro empresário. Não fora isso, a peculiaridade da ação civil pública admite o litisconsórcio nos moldes do aqui formado. A legitimação passiva alcança todos os responsáveis pelo dano, como nas "class actions" do direito americano. De notar-se que, se procedente fosse a alegação das Rés, a solução não seria a extinção do processo, sem julgamento do mérito, mas a exclusão de umas ou outras Rés, para aproveitamento do processo. Pelo exposto, não há se falar também em inépcia da inicial, pela cumulação subjetiva. Ainda quanto ao tema inépcia, tem as Rés que os pedidos "são imprecisos e vagos". Mas isso não é real. Nota-se a dificuldade de todos os atores jurídicos, talvez com maior grau para esse juízo, no enfrentar a presente ação. Com toda certeza pelo fator novidade e a natureza do feito, tão distante das tradicionais reclamações trabalhistas. Veja-se que as Rés, perplexas, quase chegam a afirmar que, se procedente a ação, se declarará que o direito é procedente. Na verdade, o que se deve ter em mente é que a ação persegue efeitos futuros. Não tem natureza reparatória. Pede-se, nela, que as Rés cumpram obrigações de fazer e de não fazer, obrigações estas de origem legal, precisamente constitucional, com adoção de medidas tendentes a forçar o cumprimento do julgado. Preocupa as Rés o fato de que se a obrigação existe no plano legal se teria um pronunciamento judicial inútil sobre a existência dessa mesma obrigação, com desnecessidade de produzir qualquer prova. Desgarrada hipótese, assim, da máxima de que "pedido procedente é pedido provado". Na verdade, os fatos que devem ser provados, no caso "sub examine" são os descumprimentos ou violações das mencionadas obrigações e não outros. E muito menos que exista regra de direito positivo criando as mesmas obrigações. Apontou o Autor o não cumprimento daquelas infrações detalhadamente e requereu providências específicas para possibilitar que a lei seja cumprida. E estas providências não são vagas nem imprecisas, como alega a defesa. A ação civil pública, por mais especial que seja, não fica imune ao princípio de que cabe à parte trazer os fatos e ao juiz dizer o direito, como insinuam as Rés no item 4.5., fls. 241, da defesa. Não é nenhum recurso de natureza extraordinária em que o recorrente há de apontar as regras eventualmente malferidas pela decisão atacada. E os fatos constitutivos estão claramente narrados na inicial. Aqui não há como, se não caminhar em seara de mérito, pelo menos não se o rodear. Os interesses coletivos que o Autor busca defender pela presente ação verdadeiramente tem correspondência com direitos sociais constitucionalmente garantidos aos trabalhadores. Isto não trazendo a discutir maior amplitude da ação, vale dizer. aceitando-se a orientação limitadora, adotada pelo professor Aroldo Plínio Gonçalves, cujas lições foram muitas vezes invocadas pelas Rés na sua defesa. (Há posições ampliativas, como observa Ronaldo José Lopes Leite. in Revista LTr, 59/01 pag. 28/31. Bastaria, a embasar a ação, invocar-se o artigo 6º, da Carta Magna. Pelos preceitos gerais ali estabelecidos, tais como direito à saúde, ao lazer, à segurança, já se asseguraria o fundamento da ação. Com efeito, o excesso de trabalho, com jornadas incompatíveis com princípios de ergonomia e sem intervalo e ou com intervalo inferior ao de lei para repouso e alimentação agridem a saúde do trabalhador e o levam, pela fadiga, a acidentar-se em serviço. Mas há regras especificas, insistindo as Rés em vê-las mencionadas. Vejam-se os incisos XII, XIV e XXII, do artigo 7º da Constituição Federal. Retornando a questão dos pedidos "imprecisos e vagos", mister que se façam algumas considerações a

481respeito. O que parece incomodar as Recldas são as medidas que o Autor entende ser necessárias ao cumprimento do julgado. É bem verdade que tais medidas não estão descritas na lei; a sua adoção e mesmo especificação ficam dentro da discrição do julgador, discrição esta concedida expressamente na lei, especificamente no C.D.C. e mais recentemente no C.P.C., na nova redação do "caput" do artigo 461. Não há que se confundir o pedido com medidas destinadas a garantir o cumprimento da obrigação de fazer e a de não fazer, esta sim, objeto do pedido. Verdadeiramente, o pedido é de estabelecimento de preceito cominatório ("facere" e "non facere" ), característica da ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho já que não tem natureza reparatória, e não de sanções e medidas sugeridas para constranger as Rés a cumprirem o julgado, se procedente o mesmo pedido. Veja-se que o parágrafo 5º, do artigo 84, do C.D.C., já transplantado para o C.P.C. (nova redação do artigo 461, dada pela Lei nº 8.952/94) é aplicável à ação civil pública, prevê que o juiz, mesmo de ofício, determine medidas necessárias à efetivação da tutela específica ou obtenção do resultado prático equivalente. Crê-se não ser necessário aqui fazer a sustentação de que a especificação de medidas é meramente exemplificativa, comportando, pois, outras de natureza diversa das elencadas no referido parágrafo 5º, do artigo 84, do C.D.C. Isto em razão de o legislador ter deixado claro que não seria "numerus clausus" o rol das medidas ao usar a expressão "tais como" anteposta à descrição destas. Ora, se o juiz pode de ofício determinar medidas tendentes a efetivação da tutela específica, mais se justifica a aplicação do principio da dispositividade. Isto é, nada impede que o autor requeira e seja determinada pelo juiz a instituição daquelas medidas. Naquele dispositivo (parágrafo 5º, do artigo 84, do C.D.C.), aumentaram-se os poderes do juiz, sendo que na hipótese específica possibilita a ele instituir medida que, na realidade, se constitui em uma outra e nova obrigação de fazer por parte do devedor, a fim de garantir o cumprimento de distinta e originária obrigação, derivada do contrato ou da lei. Essa obrigação, nova, lhe foi permitida instituir pelo legislador. Não tem a mesma natureza da multa prevista no artigo 287, do C.P.C. A medida tem como finalidade, como já dito, propiciar a "efetivação da tutela especifica" e não cominar (comminor = ameaçar vivamente, Dic. Latino-Português, Torrinha, Gráficos Reunidos Lda., Porto), como o faz a multa. Pode-se sustentar, data venia pela ousadia, que a aludida medida tem a mesma natureza jurídica do poder cautelar geral, tratado no artigo 798, do C.P.C. Como este, tem a medida "natureza discricionária e, em regra, jurisdicional", na lição de Galeno Lacerda, in Comentários ao C.P.C., vol. VIII, 4ª ed., Forense, pag. 75. Ainda segundo o mesmo autor, a tese de que a atividade jurisdicional é sempre vinculada já está superada. Daí porque legítima a instituição de medida pelo juiz, ainda que ela traga nova obrigação de fazer, sem se resvalar para o arbítrio. "Discricionariedade, como se define, é liberdade de escolha e de determinação dentro dos limites da lei", segundo ainda Galeno Lacerda. Fritz Baur, tratando dos pedidos e providência nas cautelares, indaga se pode o tribunal determinar que o demandado em ação que vise a cessação de emanações poluidoras, seja, obrigado a construir determinadas instalações protetoras, e responde afirmativamente. "O tribunal só pode decidir por uma conseqüência jurídica que corresponda ao fim processual visado pelo autor e decorra, na consonância do direito material, da situação fática exposta pelo autor. " Em outro exemplo, em ação que vise a remoção de uma janela, o juiz pode determinar que o réu coloque um vidro fosco ou que a mantenha permanentemente fechada, rematando: "Essa sentença acha-se compreendida no fim processual visado pelo autor, e declara a conseqüência jurídica de direito material". (Tutela Jurídica Mediante Medidas Cautelares, trad. Armindo Edgar Laux, Sérgio Antônio Fabris Editor, 1.985, Porto Alegre, pags. 91/92 - grifo nosso) Como no procedimento cautelar, o autor nem mesmo precisa apresentar um pedido determinado; é suficiente que a finalidade da tutela jurídica que busca advenha de sua exposição. Nesse aspecto, o órgão judicial é "soberano na escolha da providência a tomar, por conseguinte, não está vinculado a um pedido que porventura tenha sido formulado pelo Autor". A respeito, tem-se a lição de Kasuo Watanabe, ao se referir aos parágrafos 4º e 5º, do artigo 84, do C.D.C. e a linha evolutiva, da multa da Lei da Ação Civil Pública as medidas tratadas naqueles dispositivos e conclui: "Não se afigura exagerado afirmar-se que o nosso sistema processual é dotado de ação mandamental de eficácia bastante assemelhada da injunctio do sistema da commom law e a "ação inibitória" do direito italiano. Após lembrar a pena do artigo 600 do C.P.C., revogado recentemente, ensina que: "Se é possível entender-se assim em relação aos atos processuais voltados à realização da execução, com maior razão se poderá colocar a conduta recalcitrante do demandado, em relação ao provimento expedido pelo magistrado para a tutela efetiva dos direitos dos consumidores, no plano da ofensa à dignidade da Justiça e ao regular exercício da função estatal de tutela jurídica processual. Certamente, está consagrado nesses dispositivos um instituto semelhante ao contempt of court dos ordenamentos da commom law". (in C.B.D.C. Comentado, pag. 520/521) No mesmo sentido, Rodolfo de Camargo Mancuso, ensina: "... uma larga faixa de discricionaridade cercará a atuação do juiz, seja na identificação da representação adequada da pessoa ou grupo que se apresenta como portador desses interesses, seja na discriminação necessária entre as situações possíveis de tutela a nível jurisdicional e aquelas que desbordam por se inserirem na esfera de atuação dos outros Poderes, seja na criaçãopretoriana de solução in concreto, na falta, insuficiência ou ineficácia da previsão normativa para espécie." (Ação Civil Pública. R.T., 3ª ed., 1.994, pag. 24 - grifos nossos).

482 Como a tutela cautelar, as medidas de que se fala o artigo 84, parágrafo 5º, do C.D.C., não são um direito da parte e sim um direito do Estado, na lição de Chiovenda, apud Ovídio Batista da Silva, in curso de Processo Civil, Vol. III, Sérgio Antônio Fabris Editor, Porto Alegre, 1.993, pag. 27). Busca-se com elas o "imperium iudicis", garantindo a seriedade e a eficiência da função jurisdicional. Assim, pedindo-se venia pela longa fundamentação, afirma-se que de nenhuma procedência a alegação de inépcia da inicial.

Da incompetência originária e hierárquica. Sustentam ainda as Recldas. que seria incompetente esta Junta, em razão da hierarquia, forte em lição de Ives Gandra Martins e escorado em acórdãos do T.S.T. e de Regional. Não há controvérsia sobre a "competência de jurisdição", isto é, qual a "justiça competente". Aliás, nem poderia haver, ante os termos claros do artigo 83, inciso III, da Lei Complementar nº 75/93, combinado com o artigo 114, da Constituição Federal. O argumento básico seria no sentido de que a ação seria coletiva e, portanto, de competência do E. T.R.T. da 3ª Região. A ação coletiva de que trata a C.L.T. é a específica do "dissídio coletivo". "Data venia" do entendimento, a ação civil pública nem mesmo se aproxima do dissídio coletivo, como afirma o Min. Manoel Mendes de Freitas, no TST-ACP 93,71, do qual foi relator, publicado na íntegra na Rev. LTr vol. 58, nº 05. A bem da verdade, o único ponto de aproximação entre ambas ações está no fato de, eventualmente, uma e outra buscarem a defesa de interesses coletivos de determinada categoria. Aliás, a da ação civil pública, pelo entendimento do professor Aroldo Plínio Gonçalves, seria apenas dos interesses coletivos ligados a direitos sociais constitucionalmente garantidos. Observe-se que a ação civil pública tem sempre natureza condenatória. Já o dissídio coletivo terá sentença declaratória ou constitutiva, seja ele de natureza jurídica ou econômica. Se improcedente essa última, meramente declaratória. A sentença constitutiva exarada no dissídio coletivo por si só exaure a prestação jurisdicional possível, o mesmo ocorrendo com relação à simplesmente declaratória. A execução possível do que se estabelece na sentença normativa se faz através de outra ação, a de cumprimento, na chamada "actio judicati". Dentro da tese da defesa a competência para julgar originariamente a ação civil pública seria do Tribunal Regional, e sendo a decisão condenatória, típica daquela ação, haveria de ser executada individualmente (artigo 872, da C.L.T.), em ação plúrima ou não, através de outra ação ( "actio judicati" ), o que nos parece despropositado. Registre-se que as circunstâncias fáticas que levaram o Min. Manoel Mendes de Freitas a inacolher a alegação de incompetência originária do T.S.T. nesta ação não estão presentes. Com efeito, a) a ação civil pública julgada pelo C. T. S. T. foi proposta por sindicato de âmbito nacional; b) abrangeu atividades e relações desenvolvidas além das fronteiras de um só Estado-membro; e c) conexidade entre o dissídio coletivo instaurado contra as mesmas rés e a ação civil pública. Como se observa, nenhuma daquelas circunstâncias envolvem a presente demanda. Embora fora do tema ora enfocado, ainda ousa-se divergir da opinião do Min. Relator, quanto às hipóteses de cabimento da ação civil pública no âmbito da Justiça. O entendimento do ilustre Ministro torna a ação civil pública uma via angusta, especialíssima, destinada a certas situações de quase calamidade, quando não é esse o destino das "class actions". Ou então substitutiva do dissídio coletivo, o que, data venia, nos parece inadmissível. Fica-se com a opinião do professor Aroldo Plínio Gonçalves a respeito, para quem a ação civil pública "é uma ampla via para a defesa da ordem jurídica, que a constituição a ele (M.P) confiou". (LTr 58 - vol. 10 - pag. 1.229). Quanto ao acórdão da 6ª Região, também mencionado pelas Rés, com o devido respeito, também se discorda do que ali se disse com relação à competência. Mesmo porque utilizou de argumentos equivocados, como, v.g., admitir que coletiva seria a ação porque ocupavam o pólo passivo da demanda sindicatos patronais. Ademais, a posição daquele Regional, verdadeiramente, repousa no entendimento do V. Acórdão do T. S. T., e, por conseqüência, nos fundamentos acima mencionados. Não fossem essas razões suficientes para afastar a preliminar de incompetência desta Junta, outras há de natureza também jurídica e de mais peso. Quando se fala em competência hierárquica, que é funcional, está se tratando mais de tema de competência recursal. Os tribunais de segunda, de terceira instância ou de instância especial têm, como princípio geral, a competência recursal. Isto é, são instâncias por natureza revisoras. Eventual e excepcionalmente têm competência originária. Já o exatamente oposto ocorre com a primeira instância, onde se revela o princípio da universalização da competência originária. Isto é, por regra geral, todas as ações, ordinárias ou especiais, são de sua competência, com quase inexistente competência recursal. E isso se explica pela própria razão de ser da existência de instâncias revisoras. Os tribunais de revisão não existem apenas porque, em tese, teriam no seu corpo juízes mais bem preparados do que os de instância inferior, pelo que poderiam melhor julgar os feitos. Se assim fosse, se remeteriam desde logo todas as ações para os ditos tribunais, jogando a inutilidade os juízos de primeira instância.

483 O que justifica a revisão, na verdade, é o levar o feito até um número maior de juízos. Isto é, quanto mais instâncias revisoras mais apurado seria o julgamento, com perspectiva de decisão mais justa já que se eliminariam possíveis erros das instâncias precedentes. E é por esse enfoque que se explica a excepcionalidade da competência originária de tribunais revisores. Com efeito, se se alarga a competência originária deles, ter-se-á verdadeiramente supressão, por diminuição, de instâncias, esvaziando a principal razão de ser dos recursos, que, se repita, é dar melhor julgamento pelo exame e reexame da questão por um maior número de juízes. Como se observa, nos tribunais a competência originária é sempre prevista expressamente em lei, seja de natureza constitucional ou ordinária, dado o seu caráter de excepcionalidade. Note-se que o C.P.C. dita inúmeras regras de competência, mas não repete que ações de indenização, cominatórias, de obrigação de fazer e de não fazer, as ações dos procedimentos especiais e várias outras sejam de competência do primeiro grau. Mesmo quando faz referência a "juiz de direito", no artigo 93, não deita regra de competência originária; apenas firma que o juiz para julgar as causas descritas nos incisos I e II do referido dispositivo deve gozar das garantias conferidas constitucionalmente ao magistrado. Por outro lado, trata do processo nos Tribunais nos artigos 476 e seguintes, onde expressamente cuida das competências originária e recursal. E isso porque, repita-se, a regra geral é da competência da primeira instância o processamento e julgamento da generalidade das ações. Não há qualquer dispositivo legal, seja na C.L.T., seja na Constituição Federal, seja na Lei nº 7.347/85, seja na Lei Complementar nº 75/93, que determine que a Ação Civil Pública no âmbito da Justiça do Trabalho seja julgada originariamente por Tribunal Regional ou pelo C. T.S.T. O silêncio do legislador, quanto a competência originária para julgar a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, não é caso de "omissão involuntária". Se a Lei Complementar nº 75/93, ao atribuir ao Ministério Público do Trabalho legitimidade para propor ação civil pública nesta Especializada, não cuidou de competência originária, é porque quis que se aplicasse a regra geral, que, como já afirmado, é a da competência da primeira instância para a generalidade das ações. Tem-se, no caso, ao invés da "omissão involuntária", a "exclusão desejada". (conf. intervenção de Alcalá-Zamora y Castilho, na conferência de Eduardo J. Couture. in Interpretação das Leis Processuais, Ed. Forense, 3ª ed., 1.993, pag. 65). Isto é, ao omitir-se, quis o legislador que a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho fosse tratada como a generalidade das ações, relativamente a competência hierárquica. Não se tem dúvida alguma de que a competência para julgar a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho é da primeira instância, especificamente, Junta de Conciliação e Julgamento. E se dúvida houvesse quanto a essa competência, aquela se resolveria em favor da primeira instância, invocando-se aqui em prol deste entendimento a lição de Carlos Maximiliano: "Quando a norma atribui competência excepcional ou especialíssima, interpreta-se estritamente, opta-se, na dúvida, pela competênciaordinária." (Hermenêutica e Aplicação do Direito, Forense, 12ª edição, pág. 265 - grifo nosso). Argumente-se, finalmente, que o artigo 2º, da Lei nº 7.347/85, dispõe que "As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa". Na exposição de motivos da Lei nº 7.347/85, o então Ministro da Justiça explicava: "Deu-se a competência a natureza absoluta, já que funcional, a fim de não permitir a eleição de foro ou a sua derrogação pela não apresentação de exceção declinatória. Este critério convém ao interesse público existente naquelas causas." (Apud Rodolfo de Camargo Mancuso, in Comentários ao C.D.C. Saraiva, 1991, pág. 321 - grifo nosso). Ora se se tem que a competência é funcional, não obstante faça referência a foro do lugar, o que ocorre é o que chama Liebmann de "competência territorial funcional", portanto não derrogável. A respeito, traz-se lição de Ada Pelegrini Grinover, ao comentar o artigo 93, do Código de Defesa do Consumidor: "O legislador guiou-se abertamente pelo critério do local do resultado, que vai coincidir, em muitos casos, com o do domicílio das vítimas e da sede dos entes e pessoas legitimadas, facilitando o acesso à Justiça e à produção da prova. Em mais esse ponto, o Código acompanhou o disposto na Lei nº 7.347/85, cujo artigo 2º também opta pelo critério do local do dano." (C.B.D.C., Comentado pelos Autores do Anteprojeto, Forense Universitária, 2ª ed., 1992, pág. 545). Daí, se vê claramente o que a lei pretende é que o processo corra no foro do dano e isso por razões práticas, tais como facilidade de colheita de provas, conhecimento por parte do juiz de circunstâncias que auxiliem a produção das mesmas provas, proximidade do julgador dos lugares onde ocorreram ou devam ocorrer os danos, facilitação do acesso à justiça, etc. A propósito, cita-se o Sub-procurador Geral da República, ao se manifestar sobre a proposta do governo pela qual se estabelece efeito vinculante de decisões do Supremo Tribunal Federal e dos demais tribunais superiores. Mostrando a necessidade da manutenção da, por assim dizer, capilaridade dos juízos, afirma que a "oxigenação do poder judiciário depende do juiz singular, que vivencia diretamente o desespero do cidadão. Ao tribunal compete dizer o direito existente no processo pronto, aflorando questões jurídicas e não o olhar sofrido do réu ou do autor".(Folha de São Paulo, 25.02.95, primeiro caderno, pág.03). O deslocamento de competência que as Rés pretendem vem, exatamente, contrariar o que a lei procura e o que aconselha o bom senso. Isto é, levar o processamento para local longínquo, com desprezo daquelas vantagens práticas apontadas, mormente a facilidade para a produção da prova, e, conseqüentemente, com

484possibilidade de uma decisão, face a deficiência da mesma prova, não justa. A bem da verdade, as Rés deveriam estar sustentando a competência desta Junta, eis que neste foro tem melhores condições de se defender, pois aqui é que se sucederam os fatos. A menos que o deslocamento da competência desejado busque apenas procrastinar o desfecho da ação, o que viria confirmar tudo aquilo que se disse no preâmbulo dessa sentença. Assim, se a competência da causa é da justiça local, (in casu, esta Junta) nada pode fazê-la deslocar, seja para instâncias superiores, seja em favor de juízo do mesmo grau, em foro de lugar diverso daquele onde ocorreram os danos, não se admitindo que, por circunstâncias outras, tais como presença de sindicatos, envolvimento de interesses de categorias, etc., se possa prorrogar aquela competência, por assemelhação da causa a dissídio coletivo. Não restasse prejudicada a pretensão declinatória relativamente a competência originária ou hierárquica de Regionais, de se dizer que não se cogita na inicial da presente ação de danos ocorrentes em outros locais senão aqueles dentro das atividades das Rés no Município de Passos e em outros vizinhos, abrangidos pela competência territorial desta Junta. Aliás, é de se crer que, pela maior fiscalização por parte do MTb no Estado de São Paulo, as alegadas infrações aos direitos constitucionalmente garantidos aos empregados não ocorram nos estabelecimentos das Rés naquele mesmo Estado.

Da ilegitimidade ativa do MPT e da falta de interesse. Seguramente, esta é a preliminar que menos esforço traz ao juízo para afastá-la. Aqui a Constituição e a lei legitimaram o Ministério Público do Trabalho para, como autor, propor ação civil pública, para defesa de interesses coletivos no âmbito da Justiça do Trabalho.(há autores que entendem até defesa de direitos difusos, como Ives Gandra e Ronaldo José Lopes). Não procura o autor ver reconhecidos direitos trabalhistas aos empregados da Rés, individualmente considerados. Como afirma o professor Aroldo Plínio Gonçalves, a Ação Civil Pública no âmbito trabalhista busca defender "o interesse coletivo que decorre da observância dos direitos constitucionalmente assegurados aos trabalhadores, ou seja, a própria defesa da ordem jurídica" (Rev.LTr 58-vol.10). Quanto a inexistência de interesse processual, também não se acolhe a tese das Rés. Segundo Edis Milaré, "como a participação do Ministério Público no processo é sempre ditada pelo interesse público, está implícita, na legitimidade concedida pela lei, a existência do interesse processual, isto é a necessidade, em nome do interesse público, de pedir a tutela jurisdicional". (in Ação Civil Pública na Nova Ordem Constitucional, Ed.Saraiva, 1990, pág.11 - grifo do original). Na mesma linha, Hugo Nigri Mazzili, citado por Rodolfo de Camargo Mancuso: "Se o autor da ação for o Ministério Público, parece-me que o interesse é presumido, porque o Ministério Público é, diante do artigo 1º, da Lei Complementar nº 40/81, encarregado de defender perante o Judiciário os interesses indisponíveis da sociedade. Ora, se a lei o considera defensor de interesses transindividuais, assim porque a lei lhe dá legitimação para defender interesses difusos, deve-se-lhe presumir que tenha legítimo interesse para tal fim" (Mancuso, idem, ibidem, pág.35). Em outras palavras, "o interesse está pressuposto (in re ipsa) na própria outorga de legitimação: foi ele identificado previamente pelo próprio legislador, o qual, por isso, mesmo, conferiu a legitimação" (Mancuso, idem, ibidem, pág.36). Como já observado, o Autor defende interesses coletivos correspondentes a direitos sociais dos trabalhadores, constitucionalmente garantidos. Pode-se até discutir se o sindicato teria legitimidade concorrente para ajuizar ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho. Mas jamais entender que não teria o Ministério Público do Trabalho legitimidade e interesse para tal, porque tais pressupostos são declarados pela lei. "Data venia", o ensinamento de Lélia Guimarães Carvalho Ribeiro, citado na defesa, especificamente às fls.242/243, é totalmente equivocado e, talvez por isso mesmo, se constitua em entendimento isolado. Ainda que se se admitisse como correto o entendimento do multicitado acórdão do C. T.S.T., da lavra do Min. Manoel Mendes de Freitas, no que limita o campo da ação civil pública, a hipótese não seria de ilegitimidade ativa, pois esta é dada pela lei, como já mostrado. Ora, se a defesa dos interesses coletivos se identifica com a defesa da ordem jurídica, ou se é espécie desse gênero, resta difícil entender-se que exista ilegitimidade ativa por parte do Ministério Público do Trabalho, ao defender os interesses coletivos relacionados aos direitos constitucionalmente garantidos aos trabalhadores. É dever do Ministério Público do Trabalho a defesa da ordem jurídica e, no caso, ela se concretiza na ação proposta, que busca a proteção específica de interesses coletivos. O Autor não procura com a presente reparação em prol dos trabalhadores das Rés, como já afirmado. As novas exigências de efetividade dos direitos são um fenômeno peculiar às sociedades contemporâneas. Luta-se pela efetividade, em primeiro lugar, do processo. Mas não temos dúvida que o processo "massivo" tem ambição maior, ao contrário do que sustentam as Rés. Com efeito, abarcando um número expressivo de interessados, identificáveis ou não, busca esse tipo de processo a efetividade da lei, com medidas apropriadas a tornar real, no plano concreto, as disposições das regras jurídicas substantivas, pois de há muito já se mostra insuficiente a garantia do direito de ação, no sentido de direito material, ("ação-direito" em traço distintivo da "ação-atividade"), lançada no artigo 75, do C.C.B. Já não satisfaz que o direito seja garantido por uma ação; é necessário que seja respeitado e cumprido.

485 A respeito da necessidade e utilidade das ações "massivas", veja-se a lição de José Carlos Barbosa Moreira: "Tanto de um lado como de outro, tanto do lado ativo como do lado passivo, há evidentes vantagens práticas nas ações coletivas: o processo fica mais limpo, corre com maior tranqüilidade. Por outro lado, essa evolução tem também um significado político e social. Político, evidentemente, no sentido mais nobre da expressão, sem nada de vinculação à política partidária, na medida em que a facilitação da ação coletiva pode constituir um fator de correção ou pelo menos atenuação de certa desigualdade substancial das partes. Todos nós sabemos que o litigante individual sofre certas desvantagens, sobretudo quando luta contra adversário de grande poder político ou de grande poder econômico. Além disso, o litigante individual, em regra, é um litigante que eu chamaria de incidental; ele em regra litiga uma ou duas vezes na vida, ao passo que uma pessoa jurídica de direito público ou grande empresa são, em regra, litigantes habituais. Tem um grande número de processos, participam de uma imensa quantidade de litígios judiciais; e com isso naturalmente se beneficiam da experiência, tem seus fichários de jurisprudência, tem seus repositórios, tem sua bibliotecas, tem uma porção de pessoas que se conjugam, que trabalham em colaboração para colher elementos, para reunir subsídios. É evidente que tudo isso representa vantagem". (...) "Ora, quando afirmamos o princípio da igualdade das partes do processo, na verdade, devemos estar afirmando algo mais do que uma simples equiparação formal. Nós hoje não podemos mais contentarmo-nos com as declarações de direitos postas em plano puramente formal: as mesmas oportunidades formalmente consideradas, os mesmos riscos formalmente considerados, quando sabemos que a vida não é assim. A derrota num pleito, para o litigante individual, geralmente é muito mais danosa, muito mais prejudicial do que a derrota, digamos, para o Município, para o Estado, para a União, ou para a Brahma, ou Petrobrás, ou para a TV Globo. Na verdade, as conseqüências não são as mesmas. "Assim, o florescimento das ações coletivas pode representar um fator muito importante nessa evolução, de que temos tanta necessidade no Brasil, sobretudo neste momento da história brasileira, de uma consideração individualista de certos problemas para uma consideração de outra natureza, em outra perspectiva, por outro ângulo, que eu não quero chamar de socialista". (...) O que eu quero dizer é que nós temos de imprimir a uma série de coisas em nosso país, e também porque não, ao processo, um caráter mais social (...) E acho que as ações coletivas podem servir de instrumento para incentivar, para estimular esta evolução." ( in RePro 61/199, transcrito em acórdão do TAMG, publicado na Revista de Direito do Consumidor, vol.11, julho/setembro, 1.994, pág. 241/242 - os grifos são nossos). Considerando que somente poderia inexistir (em discussão meramente acadêmica porque a lei não permite entender ao contrário) interesse processual por parte do Autor se demonstrassem as Rés que não interessa a ordem pública o descumprimento e inobservância dos direitos sociais constitucionalmente garantidos da generalidade dos empregos da empresas e tendo em vista as demais razões já expostas, também se despreza a preliminar de falta de interesse. Finalmente, se enfrenta o mérito e é o que efetivamente interessa. Muitas das questões a ele relativas já foram solvidas, no enfrentamento das preliminares, por isso que pouco resta a examinar nessa parte. Como já salientado, a Ré Servita presta serviços nas propriedades rurais do grupo econômico. Na verdade não é "empresa interposta", como bem salienta na defesa. Entretanto, nenhuma repercussão tem esse fato, pois, se inexistem empresas "interpostas", as medidas postuladas pelo Autor ficarão restritas ao âmbito dos empregados das Rés. Também sem razão as Rés quando falam que a legislação violada é infraconstitucional. Tal alegação já foi objeto de enfrentamento quando do exame das preliminares, pelo que se pede venia para fazer remissão àquela parte da sentença. Conforme se vê do inquérito civil público, o número de acidentes de trabalho nas empresas -Rés é elevado. O fornecimento de EPI é deficiente, como admitem as Rés, na defesa de fls. 191/196. O que narram as Rés naquela peça, a título de justificação, não pode ser aceito. As empresas, na época de safra, exceção feita praticamente ao corte de cana ante a dificuldade de se realizar esse serviço à noite, têm atividades contínuas, de vinte e quatro horas ao dia, de segunda-feira a domingo. Tais atividades, tanto no campo como na área industrial, são complexas. Ora, se têm as Rés uma estrutura organizacional e administrativa ágil, a lhe permitir que mais de seis mil trabalhadores prestem serviços continuamente, inadmissível que não consigam controlar uma simples reposição de EPI. Pior ainda é que aquela defesa insinua que a responsabilidade pelo uso do EPI seria do trabalhador, vez que não se submeteria a ganhar menos, no caso a "diária", na hipótese de suspensão dos serviços por falta daquele equipamento. Ora, se o EPI não é fornecido por fato da empresa, não se pode lançar ao empregado os riscos que são exclusivos do empregador, na situação de não poder trabalhar. E muito menos, se permite que o empregado labore sem o EPI, se sustente que a responsabilidade por ocasional acidente é do obreiro.

Data venia, não se discute se o número de acidentes é elevado (e verdadeiramente o é) ou não, em relação ao número de trabalhadores das Rés. Se, como se diz, a paz não é mera ausência de guerra, segurança também não é apenas eventual ausência de doenças profissionais ou acidentes, ou, condescendentemente, de inexistência de número expressivo deles.

486 Muitos empregados do campo das Rés atuam no combate a formigas, a lagartas que atacam o canavial e outras pragas dos cafezais, e fazem aplicação de herbicidas. São pessoas sem a menor qualificação. E, como disse o ex-Secretário Nacional do Meio Ambiente, José Lutzemberger, "não há manuseio seguro de agrotóxicos". Não impressionam os julgados trazidos a colação, em xerocópia, pelas Rés. Primeiro porque, numa empresa de quase cem anos, com número elevado de empregados, como alegado em defesa, e um enorme patrimônio, se se erigir como padrão de excelência o não ter empregados sem registro, as coisas realmente vão mal. Em segundo lugar, não se reconheceu a existência de insalubridade naqueles casos julgados seja por deficiência de prova, seja porque efetivamente os Autores, por razões várias, não chegaram a trabalhar com agrotóxicos. Igual ou maior número de reclamatórias tiveram solução diametralmente oposta. Ademais, não se compreende o inconformismo das Rés quanto a se verem obrigadas a promover cursos e palestras aos empregados, no início de cada safra. Se se pudesse ver a questão somente sob a óptica econômica, o que aliás seria um absurdo, os custos com tais cursos seriam compensados plenamente com os ganhos que as empresas obteriam. Com efeito, os afastamentos por motivo de acidentes de trabalho são, na quase totalidade, inferiores a quinze dias, portanto com altas despesas para as empresas, já que cabe ao empregador o pagamento dessa licença remunerada. É bem verdade que a Ré Servita não contrata trabalhadores por prazo determinado, ou por safra. As Rés Usina Açucareira Passos S/A e a Cia. Açucareira Rio Grande celebram contratos de safra. Entretanto, como se observa do documento de fls. 172, elaborado pela Reclda. Servita, a rotatividade de mão-de-obra é elevadíssima. Veja-se que as admissões e demissões, em alguns anos, ultrapassaram a cinqüenta por cento do número de empregados ativos. De registrar-se que a quase totalidade dos trabalhadores que deixam as Rés ajuízam reclamatórias contra elas. As empresas, por seu lado, não readmitem ex-empregados que as tenham acionado. Disso resulta que, ano a ano, há uma enorme quantidade de empregados totalmente ignorantes quanto a segurança no trabalho, especificamente, quanto a prevenção de acidentes. Mesmo que se considere como fato provado que as Rés já orientam seus empregados, através de seus serviços de engenharia especializados em medicina e segurança do trabalho, o fato é que não estaria a orientação a produzir os resultados esperados. De aditar-se que as próprias Rés, na defesa, admitem as deficiências dos seus trabalhadores. Veja-se o perfil que traçam de seus trabalhadores do campo: "o descuido, a falta de atenção, a negligência enfim do empregado, são os maiores causadores de acidentes, e não o comportamento omissivo ou comissivo da empresa". Nada mais eloqüente para convencer sobre a necessidade dos cursos palestras requeridas pelo Autor. Insurgem-se as Recldas. contra o pedido de número 3.1.4, argumentando que estão em funcionamento as CIPAS, atuando com plena eficiência, revelada pelas dezenas de fichas de análise de acidentes elaboradas pelos integrantes daquelas comissões.

Data venia, funcionarem as CIPAS com eficiência não é meramente analisarem os acidentes. Como a própria denominação da comissão sugere, eficiência delas se traduz na prevenção de acidentes. Quanto às jornadas excessivas, mostrou o inquérito civil público que efetivamente as Rés Usina Itaiquara, Usina Açucareira Passos e Cia. Açucareira Rio Grande as impõe, especialmente na época das safras. Note-se que os controles de freqüência trazidos pelas Rés aos autos, estrategicamente, não cobrem os períodos de safra e nem se referem à Ré Itaiquara, vez que na fábrica de fermento as atividades são quase que permanentemente em turnos ininterruptos de revezamento. Há labor em turnos ininterruptos de revezamento, com cumprimento de jornadas de oito horas, sem que haja acordo através do sindicato da categoria, como previsto na Constituição Federal. Nesses turnos ininterruptos, não inexiste repouso para alimentação, pelo menos com intervalo mínimo, obrigatório, como decidiu recentemente o Colendo T.S.T. ( in revista Genesis, fevereiro de 1995, nº 26, págs. 211/213). Na Ré Servita, os "amarradores", "guincheiros", "catraqueiros", "talãozeiros", e outros de funções não ligadas ao corte de cana propriamente dito cumprem jornadas de dez até doze horas. Aliás, as próprias Rés, ao prestarem informações no inquérito civil público admitiram os excessos, confirmando, assim, os autos de infrações lavrados pelo MTb. juntados em xerocópias aos autos, junto com os do inquérito. Os trabalhadores na Ré Servita, quando não trabalham por "diária", têm reduzido o intervalo para almoço a menos de uma hora. Pouco importa que isso é de interesse do empregado; cabe as Rés impedirem que isso aconteça. Sustentam que a multa, que se pede a fixação, tem valor elevadíssimo, além do que teria ela origem na recusa de firmatura do "termo de compromisso de ajustamento". Em primeiro lugar, a segunda afirmativa não encontra respaldo no processado. A multa que se pede estabelecer é para o caso de descumprimento das obrigações de fazer e de não fazer, além das medidas que se impuserem para que se dê fiel cumprimento ao julgado. Em segundo lugar, a multa há de ser mesmo elevada. Na lição de Liebman, "caracteriza-se a astreinte pelo exagero da quantia em que se faz a condenação, que não corresponde ao prejuízo real causado ao credor pelo inadimplemento, mas depende da existência de tal prejuízo. É antes uma pena imposta com caráter cominatório para o caso em que o obrigado não cumprir a obrigação no prazo fixado pelo juiz." (ainda em A.C.P., Mancuso, pág. 122). Vicente Greco Filho, também citado por Mancuso, na mesma obra, leciona que a multa deve ser fixada

487"em valor suficiente para causar o efeito compulsivo, não pode, portanto, ser irrisória." (pág. 147). Pela relevância das questões, segurança e saúde de um enorme número de trabalhadores, talvez milhares, a multa não é alta, por que proporcional aos valores que se busca proteger. Agora enfrentam-se propriamente os pedidos. Como já afirmado alhures, o juiz pode, de ofício, estabelecer medidas tendentes a garantir o cumprimento do julgado. Obviamente, cabe ao juiz aquilatar, dentro de seu poder discricionário, se as medidas a serem adotadas se situam no plano da razoabilidade. "In casu", parece a esse juízo altamente salutar a determinação de realização de cursos e palestras a serem adotadas antes do início das safras e condizentes estas medidas com os interesses os quais busca a ação proteger, no caso, a salubridade e segurança do trabalho. Para se tornar possível a fiscalização da perfeita execução da obrigação, determina-se que as Rés, no prazo de vinte dias após a data do início da safra, assim tida aquela data informada aos órgãos governamentais, remetam a esse juízo relação dos trabalhadores que se submeteram aos cursos e palestras, contendo carga horária destes, e informem as datas em que se realizaram e os nomes dos expositores e palestristas. Por dia de atraso no cumprimento dessa obrigação, fixa-se a multa de 3.000 (três mil UFIR), sem prejuízo de outras penalidades ou mesmo multas que forem impostas por este "decisum" para violações diversas. Pelo não cumprimento da obrigação de ministrar os cursos e palestras, deverão as Rés pagar uma multa igual a 5.000 (cinco mil) UFIR, para cada trabalhador, como postulado. As Rés deverão se abster de impor jornadas superiores a dez horas, nos casos de carga mensal máxima de duzentas e vinte horas, concedendo repousos intra-jornadas, pelo intervalo mínimo de lei, a todos os seus trabalhadores, inclusive os submetidos a turnos ininterruptos de revezamento. Também para efeito de fiscalização, deverão as Rés, ao final de cada safra, trazer, por amostragem, cartões de ponto dos empregados das usinas de açúcar, especificamente, de motoristas, de mecânicos de manutenção e de auxiliares de laboratórios. Da fábrica de fermento, cartões de empregados envolvidos diretamente no processo de fabricação daquele produto. Informarão, ainda, a média mensal de horas extras laboradas. Quanto aos trabalhadores rurais, juntarão as Recldas. os pontos analíticos dos motoristas que transportam cana, dos "catraqueiros", dos "amarradores" e dos "talãozeiros", tudo também por amostragem, no mesmo prazo e também informando o excesso médio mensal das horas extraordinárias. Pelo descumprimento da obrigação de entregar a documentação acima referida, pagarão as Recldas. a mesma multa fixada para o não atendimento das medidas preconizadas para possibilitar a fiscalização da realização dos cursos e palestras, isto é, 3.000 (três mil) UFIR por dia de atraso na entrega daqueles documentos. Pelo descumprimento da obrigação principal, qual seja, não exigir jornadas excessivas e conceder os repousos ao meio das jornadas, a multa é nos moldes do postulado no item 3.2, qual seja, de 5.000 (cinco mil) UFIR, para cada trabalhador. Também se fixa igual multa para o caso de não fornecimento de EPI adequados aos empregados, determinando-se que as Recldas., também por amostragem, juntem aos autos xerocópias das "Fichas de Controles de Equipamentos de Proteção Individual", relativamente aos que trabalham nas câmaras frias da fábrica de fermento da Itaiquara, aos trabalhadores que prestam serviços próximo às caldeiras e turbinas das duas usinas de açúcar e, quanto aos trabalhadores da lavoura, dos empregados que prestaram serviços no "combate às pragas". Tal documentação deverá ser juntada aos autos trinta dias após o término de cada safra, pena de multa de 3.000 (três mil) UFIR por cada dia de atraso. Não há prova de fatos que justificassem o atendimento do pedido de nº 3.1.4, de fls. 05, da inicial. Vale dizer, não se demonstrou a existência de fatos que levem a se concluir que o cumprimento das NR e NRR se evitará violação, presentemente já ocorrente, de direito social previsto constitucionalmente. Em conseqüência, não é possível determinarem-se medidas tendentes a garantir o cumprimento de obrigações correspondentes aos direitos, de nível constitucional, dos trabalhadores das Rés, vez que, se repita, não narradas, e não surgidas nos autos, as violações específicas. O deferimento do pedido de multas, de nº 3.2 fica restrito às acima mencionadas, já que também não háprova de existência de violação a outros direitos que não os discutidos no processado. Todas as determinações e medidas deverão ser observadas a partir da próxima safra, 1.995/96, sob as cominações e multas já fixadas. Finalmente, de dizer-se que não têm as Rés qualquer interesse em discutir a destinação dos recursos das multas. Entretanto, considerando que a Medida Provisória nº 913/95, de 25.02.95, pelo seu artigo 1º, parágrafo 3º, ampliou consideravelmente a destinação tratada no revogado Decreto nº 407/91, artigo 7º, podendo-se incluir na referida destinação a modernização administrativa dos órgãos de fiscalização concernentes à segurança, higiene e medicina do trabalho, os recursos das multas deverão ser recolhidos ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD). Isto posto, resolve a 1ª Junta de Conciliação e Julgamento de Passos, à unanimidade, julgar procedente, em parte, a ação civil pública promovida pelo Autor em face das Rés, para condenar a estas a cumprirem as obrigações de fazer e as de não fazer, bem como darem observância às medidas tendentes a garantir a execução do julgado, tudo como explicitado na fundamentação, sob pena de pagamento das multas também tratadas

488naquela parte do "decisum". Custas, pelas Rés, no importe de R$, calculadas sobre R$10.000,00, valor fixado à condenação. Em seguida, encerrou-se.

489

DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. RESCISÃO INDIRETA. ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO Nº 117/95 Data: 07.04.95 DECISÃO DA Junta de Conciliação e Julgamento de GUAXUPé - MG. Juiz-Presidente: Dr. FREDERICO LEOPOLDO PEREIRA. Proposta a solução do dissídio e colhidos os votos dos Srs. Juízes Classistas, a JUNTA proferiu a seguinte SENTENÇA: Vistos, etc...

DEVAIR JOSÉ DA SILVA, APARECIDO DOS SANTOS E VITOR MIGUEL JANUÁRIO ajuizaram reclamatória em face de CARLOS MANOEL MAGALHÃES RIBEIRO, ZÉLIA MAGALHÃES RIBEIRO, RENATO RIBEIRO, ANA RITA MAGALHÃES RIBEIRO, MARIA REGINA MAGALHÃES RIBEIRO, para os quais alegam ter iniciado prestação de serviços a 02-01-95, e relatando que os reclamados, no dia 26-01-95, deixaram de cumprir obrigação contratual já consolidada, ao sonegarem o transporte dos laboristas para o retorno do trabalho, como era habitual, o que redundou na necessidade de os próprios litisconsortes ativos providenciarem condução: dizem ainda, que no dia seguinte os reclamados enviaram para transporte dos autores até o local de trabalho um caminhão de transporte de gado, o qual, além de desatender as normas de transporte, apresentava-se sujo com dejetos de bovinos; dizem que diante de tais atitudes patronais, consideraram rescindidos, pela via oblíqua, os contratos do trabalho; relatam a prestação de serviços em regime de sobrejornada, sem a ocorrência da paga dos valores respectivos; noticiam, ainda, horas suplementares "in itinere"; dizem que os repousos hebdomadários eram pagos em valores inferiores aos devidos; relatam, colacionando jurisprudência, a ocorrência de dano moral, e finalmente postulam a paga de aviso prévio indenizado, natalina e férias proporcionais com 1/3, horas extras, inclusive de transporte, com reflexo nas verbas rescisórias, FGTS e repousos semanais, diferenças sobre os repousos remunerados, liberação do FGTS, com a paga de seu adicional e multa do art. 477, § 8º da CLT, além de indenização pelo dano moral. Dão à causa, cada um, o valor de R$150,00. As iniciais, de Fls. 02/08, 25/31 e 46/52 foram instruídas com os documentos de fls. 11/12, 34/35 e 55/56. Os reclamados ofertaram contestações às fls. 16/19, 37/40 e 58/61, nas quais, em síntese, inicialmente noticiam o litisconsórcio passivo descrito às fls. 14, e no mérito dizem que os reclamantes foram admitidos no dia 17-01-95, e que todos pediram demissão a 26-01-95; que a falta do caminhão no dia 26-O1-95 se deveu a falha mecânica no veículo, e que os reclamantes se recusaram a embarcar no veículo de socorro, demitindo-se, ato contínuo, e tendo ocorrido retardamento no retorno em face dos "acertos" feitos com os demandistas e demais empregados; que os reclamados não autorizaram o embarque dos trabalhadores em veículo destinado a transporte de gado, mas apenas o motorista da fazenda que dirigia tal veículo, no dia, 27-01-95, de passagem pelo ponto ofereceu "carona" aos trabalhadores; que o transporte dos empregados em carretas de trator e caminhões ocorreu eventualmente, em pequenos trechos de estradas vicinais; negam a prestação de horas extras e alegam ser a localidade servida por transporte público regular; que o pedido de dano moral descabe, face à sua natureza civilista; que ademais não ocorreu a prática do ato injurioso imputado aos réus; que as verbas devidas foram pagas "por acordo", fazendo jus os reclamados à devolução ou à compensação de valores pagos a maior. Impugnam, uma a uma, as pretensões das peças de exórdio, bem como salários apontados, requerendo a improcedência. As contestações foram instruídas com os documentos de fls. 20/23, 41/44 e 62/65. Inconciliáveis. Manifestação dos autores às fls. 73/74. Na audiência em prosseguimento foram colhidos os depoimentos dos autores e após foram ouvidas duas testemunhas de cada pólo. Sem mais provas, encerrada a instrução. Debates orais remissivos. Persistiu a inconciliação. É o relatório, tudo visto e examinado.

F U N D A M E N T O S

DAS HORAS EXTRAS

A alegação dos reclamantes de que ocorria trabalho habitual em regime de sobrejornada não encontrou eco nas provas carregadas aos autos. O encargo probatório lhes pertencia, à luz do que dispõem os artigos 818, da CLT e 333, I, do CPC. Improvada a jornada alongada, é de se indeferir o pedido de horas extras e seus consectários.

DAS HORAS "IN ITINERE"

O débito de horas de percurso foi reconhecido pelos próprios reclamados, eis que juntaram aos autos prova documental de seu parcial pagamento, às fls. 23, 44 e 64. A verba é, portanto, devida na forma postulada, e com os reflexos pretendidos, dada a natureza salarial e

490tendo em vista o caráter de habitualidade de sua prestação. Para que se evite o enriquecimento sem causa, aquelas horas "in itinere" já comprovadamente quitadas deverão ser deduzidas, em fase de acertamentos.

DAS DATAS DE ADMISSÃO

Relativamente ao início da vigência dos pactos laborais, mais uma vez a prova produzida não favoreceu aos reclamantes. Em face dos termos das contestações, constituía o ônus de prova dos autores a contratação no dia 02-02-95, e não no dia 17, do mesmo mês, como reconhecido nas peças tuitivas. São tidas como corretas, portanto, as datas de admissão informadas pelos réus.

DA RESCISÃO INDIRETA

A celebração do contrato individual de trabalho para cláusulas criadoras de obrigação recíprocas, as quais devem ser respeitadas por ambos os sujeitos do contrato de trabalho. No caso sub examine certo é que os demandados pactuaram com os reclamantes o fornecimento de transporte, cláusula esta praticamente irreversível, face ao disposto no artigo 468, da CLT. Relativamente à ausência do transporte para retorno após a jornada no dia 26-01-95, a alegação dos reclamados foi a de que a inadimplência quanto à obrigação assumida se deveu a uma falha mecânica de seu veículo, e que houve pedido de socorro a uma fazenda vizinha. Tendo então a si chamado o ônus da prova, temos que dele não se desvencilharam a contento, porquanto vago e impreciso o depoimento de sua segunda testemunha, neste particular, eis que se constata, às fls. 82/83, que referido depoente sequer presenciou o fato narrado, de vez que prestou declarações usando a expressão "... pelo que sabe o depoente..." (fls. 82). Inservível a prova, à luz do que vem decidindo o Tribunais Superiores, como se vê no seguinte aresto:

"Testemunhar implica em ter visto, em ter presenciado, ou em ter ouvido. Quem não viu, não presenciou, nem ouviu, não pode ser testemunha." (TRT 8ª Região, RO 194/87, rel. Juiz ARTHUR FRANCISCO SEIXAS DOS ANJOS, in BOMFIM, B. CALHEIROS e OUTRO, "Dicionário de Decisões Trabalhistas", Edições Trabalhistas, 21ª ed., p. 851).

O fato em si já constituiria violação do contrato de trabalho. Porém há mais. Inicialmente é de se destacar que a alegação empresária de que os reclamantes haviam se demitido a 26-01-95, com a paga dos valores devidos, quedou por terra, diversos fatores. Nota-se que as contestações falam em pedido de demissão e, contraditoriamente, na ruptura do contrato naquela data "por acordo". Dita assertiva calcou-se na documentação de fls. 21/22, 41/42 e 62/63. Todavia, a própria segunda testemunha dos réus, às fls. 83, declarou ser praxe na fazenda o ato de se colher a assinatura dos trabalhadores em documentos em branco, e que os termos de rescisão contratual tiveram as assinaturas dos autores colhidas no primeiro dia de trabalho. Demais disto, a primeira testemunha dos reclamados, firme e coerente, ás fls. 82, informou que recebeu ordem do fiscal da fazenda para, no dia 27 de janeiro, apanhar os obreiros no ponto habitual. E, além disto, a ordem foi para que tal se desse em um caminhão "boiadeiro", sujo e impróprio para transportes de seres humanos. Não se trata, neste caso, somente de uma violação do contrato de trabalho, porém de vulneração da resolução de número 683, de 02-10-87, do Conselho Nacional de Trânsito, a qual veda expressamente, em seu artigo 6º, o transporte de passageiros naquela modalidade de veículo. Além disso, e como adiante se observará, a atitude dos reclamados redundou em prática de ato lesivo da honra dos reclamantes, e, ipso facto, plenamente autorizada a ruptura do vínculo com base nas alíneas "d" e "e", do artigo 483, Consolidado. São deferidos, portanto, os pedidos de pagamento de verbas reparatórias, bem como é acolhida a postulação de liberação do FGTS, com a paga do adicional legal.

DO DANO MORAL

Os reclamados agitam, no preâmbulo da impugnação ao pedido de indenização por dano moral, a tese de que se trata de matéria apreciável apenas pala Justiça Comum. Sem razão, todavia. Além dos arestos trazidos pelos reclamantes nas peças de gênese, cristaliza-se no Egrégio Sodalício da 3ª Região, o entendimento jurisprudencial de que o dano moral perpetrado no âmbito da relação empregatícia deve ser apreciado por esta Justiça Especializada. Tal modalidade de contenda se encarta perfeitamente na competência delineada pelo artigo 114, da Lex Legum, quando se refere a norma à competência material para a apreciação de "... outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho...".

491 Ousamos furtar ao Eminente Magistrado e Professor, Exmo. Sr. Juiz AROLDO PLÍNIO GONÇALVES, o lapidar escólio materializado na veneranda decisão pelo mestre relatada no RO de nº 18.532/93, onde se vê:

"EMENTA: A Justiça do Trabalho é competente para conhecer e julgar pedido de indenização por danos decorrentes da relação de emprego que existiu entre as partes. Recurso Ordinário parcialmente provido."

Pedimos vênia ao douto Magistrado para tomar de empréstimo algumas linhas dos fundamentos da referida v. decisão:

"... O Reclamante pleiteia indenização contra a Reclamada não na condição de uma empresa que atua na vida civil mas, sim, especificamente, na condição de uma empresa com a qual manteve relação de emprego, pois, conforme expôs na inicial, foi na qualidade de sua ex-empregadora que a Reclamada atuou, prestando informações a outras empresas sobre o ex-empregado, de que teriam sido gerados os prejuízos por ele alegados.

Deve ser ressaltado que, além da indenização por danos, o Reclamantes postula a imposição de obrigação de fazer á Reclamada, pedindo que seja condenada a desfazer, perante outras empresas, o mau conceito que divulgou do Autor e a lhe dar carta de apresentação, na qual fiquem caracterizados seus bons antecedentes e os bons serviços por ele prestados.

Está patente que os fatos narrados na inicial e a pretensão nela exposta decorrem de um contrato de trabalho que vigorou entre as partes e de uma ação trabalhista ajuizada contra a reclamada.

A Justiça do Trabalho é competente para apreciar a matéria que se ajusta perfeitamente ao modelo definido no art. 114 da Constituição da República...".

Superada como definitivamente o foi a questão da competência, resta o exame no terreno dos fatos, para que se indague da ocorrência ou não do dano imputado aos réus e de sua ressarcibilidade. Toda a cizânia ocorrida na transata doutrina acerca da possibilidade de ocorrência do dano moral e de sua reparação, foi diluída com a promulgação da nova Carta Política, que em seu art. 5º, incs. V e X, remete o juslaboralista à regulamentação da matéria, e em sede da Lei Maior. Como já examinado alhures, a própria testemunha dos réus, ouvida ás fls. 82, corroborou a tese dos autores de que por ordem dos reclamados, encarnados em seu preposto (fiscal), foi destinado aos reclamantes, como veículo de transporte, o caminhão "boiadeiro" recoberto de dejetos de bovinos e absolutamente impróprio ao transporte de seres humanos. O fato, aliás, foi confirmado pelas duas testemunhas dos autores. A sociedade evoluída e juridicamente organizada deve conter em seu ordenamento mecanismos de tutela da dignidade e honorabilidade do ser humano, independentemente de quaisquer características de seu "status". No caso vertente a situação de fato traduziu extrema violência ao decoro dos trabalhadores. São homens do campo e como tal, em seu dia a dia, testemunham a utilização do bovino como ser absolutamente submisso ao homem (o "rei da criação"), e a docilidade e passividade comuns àqueles seres representam a linha lindeira entre o racional dominante e o irracional dominado. O vocábulo vaca, aliás, habita os dicionários também com conotação chula, designando, segundo Aurélio Buarque de Holanda, em seu "Novo Dicionário Aurélio", Nova Fronteira, 1994, "... mulher leviana, que aceita qualquer homem...". Por outro lado, o estado de imundície da carroceria do caminhão, também fartamente descrito na prova falada, mais acresce ao agravo perpetrado contra os autores, por supinamente humilhante o convite ou ordem de embarque no veículo em tais condições. Foram tratados os reclamantes ao nível do gado, do semovente, da coisa (res), equiparados a um instrumento de produção que não obstante ser vivo em nada difere, em última análise, da ferramenta, do objeto, do não-humano. A valorização do trabalho, e conseqüentemente de seu prestador, é dever do estado e de seus súditos. A bofetada moral que lançaram os reclamados às faces dos reclamantes constituiu grave afronta à sua dignidade, pois como já dito, simbolizou o menoscabo, o desprezo, o derribar dos autores de sua posição de homens voltados ao labor não só por mera questão de sobrevivência, senão também pela busca da elevação espiritual ínsita em toda atividade operária. Esta definição das funções transcendentes do lavor pode ser colhida da pena magistral de FELICE BATTAGLIA, no seu "Filosofia do Trabalho", Saraiva, São Paulo, 1958, pp. 295 e seguintes:

"... O trabalho é, portanto, moralidade. Por seu intermédio, o impulso instintivo das necessidades se converte numa ação para um fim. Em vez de submeter-se ás coisas, o homem as domina, vence-as, transforma-as, dá-lhes preço e as utiliza, numa atividade que é libertação, alforria, fixando-se numa meta que é o valor. De outro lado, acrescentamos, tal trabalho é a oportunidade exclusiva, através da qual o homem adquire a consciência de si como ser inteligente e como vontade, constitui-se e se eleva verdadeiramente à ordem moral. Falamos de plano, de acordo com o qual é buscada a ação, falamos de eleição de fins, de aperfeiçoamento: que é isto senão revelar-se e explicar-se sujeito racional e volitivo, senão tornar concreta na moral a nossa humanidade? Enquanto o homem não concebe planos e não exercita o querer, não é moral; torna-se moral quando pensa e aprofunda as condições da vida, quando, propondo-se em fim conseqüente, age. Submetido às coisas, é coisaentre as coisas, não verdadeiramente indivíduo e pessoa...".

492"... O homem torna-se sujeito moral num empenho criador de si mesmo e do mundo, responsável e livre

no trabalho. Portanto, o trabalho é dever, é dever absoluto - repetimos - no plano terreno; e é-o de tal maneira que com base nele o homem se valoriza. Não há estima que dele se possa fazer mundanamente que não se traduza na pergunta de como ele cumpre o seu dever de trabalho...".

"... No trabalho, ou melhor, na atividade, o homem sai de si próprio; a satisfação das necessidades o induz a evadir a solidão e a procurar, pois, as coisas e, mais do que as coisas os outros. Os outros ele reconhece na mesma dignidade de que se encontra investido, reconhecendo-os como sujeitos na ordem ética. Se reconhece osoutros, exige ser reconhecido conforme a uma exigência de paridade e de reciprocidade...".

É evidente, portanto, que fundo calou no espírito dos autores a atitude injuriosa dos reclamados, e os reclamantes bem deram a medida de sua dor e estupefação, recorrendo á única autoridade que na ocasião vislumbraram como apoio ante a agressão sofrida: a autoridade policial. Caracterizado está pois que da atitude dos empregadores/reclamados surgiu como conseqüência uma lesão "... sofrida pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal em contraposição ao material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico...", conforme clássica definição de WILSON MELO DA SILVA, no seu "O Dano Moral e sua Reparação", Belo Horizonte, 1949, p. 7, ou, no dizer de LUDWIG ENNECCERUS, apud, CLAYTON REIS, "Dano Moral", Forense, Rio, 1991, p. 2: "...Desvantagem sofrida em nossos bens jurídicos (patrimônio, corpo, vida, saúde, honra, crédito, bem estar, capacidade de aquisição, etc)...". E a jurisprudência doméstica já concedeu guarida à tese dos litisconsortes ativos, como se confere do seguinte aresto:

"DANO MORAL - OFENSA À HONRA DO EMPREGADO - O empregador responde pela indenização do dano moral causado ao empregado, porque a honra e a imagem de qualquer pessoa são invioláveis (art. 5º, X, da Constituição Federal). Esta disposição assume maior relevo no âmbito do contrato laboral porque o empregado depende de sua força de trabalho para sobreviver. "La indenización tarifada de la Lei de Contrato de Trabajo no excluye una reparación complementaria que signifique un amparo para el trabajador, cuando es agredido en su personalidad" (Santiago Rubenstein). A dor moral deixa feridas abertas e latentes que só o tempo, com vagar, cuida de cicatrizar, mesmo assim, sem apagar o registro." (TRT da Terceira Região, RO 03608/94, 2ª Turma, Rel.: Juiz SEBASTIÃO G. OLIVEIRA, MGDJ, 08.07.94).

Surge então a problemática de se fixar o "quantum" devido pela injúria praticada, indicando porém o caminho SILVIO RODRIGUES, "Direito Civil", vol. 4, Ed. Saraiva, São Paulo, 1993, p. 35, quando diz que: "... O art. 1547, do Código Civil, que cuida da matéria no âmbito da responsabilidade , contempla a hipótese da injúria ou da calúnia trazerem prejuízos de ordem patrimonial ao ofendido; e o seu parágrafo único cuida da reparação de eventual dano moral...". Assim sendo, merecem os reclamados a condenação imposta pelo artigo evocado, qual seja, a do dobro da multa em grau médio fixada pela Lei penal. Não procede, portanto, o valor pretendido pelos autores, ainda que não impugnado, mas devendo a indenização ser fixada com base nos artigos 140 e 49 , do "Codex" Punitivo, e o parágrafo único do já citado artigo 1547, da Lei Civil. É fixada, portanto, multa em favor de cada um dos reclamantes equivalente a duas vezes o valor médio da sanção pecuniária penal sou seja, 370 dias multa, o que ora se traduz em R$863,33.

MULTA DO ARTIGO 477, § 8º, DA CLT

Não há razão de ser para aplicação da multa pretendida pelos autores, de vez que a norma se endereça aos empregadores que descumprem obrigação de pagar valores líquidos e certos aos empregados, no prazo de lei, ou seja, mora voluntária. O débito das parcelas rescisórias apenas ora é reconhecido por provimento judicial. Improcede.

DIFERENÇAS SOBRE REPOUSOS REMUNERADOS

Os recibos carreados aos autos pelos reclamados demonstram que o cálculo dos repousos remunerados pagos aos reclamantes desrespeitou o contido no artigo 7º, alínea "c", da Lei de n. 605/49, em prejuízo dos reclamantes, razão pela qual procede o pedido das diferenças, que deverão ser apuradas em liquidação de sentença.

DOS SALÁRIOS PERCEBIDOS

Servirão de estribo ao cálculo das parcelas deferidas, salvo a indenização por dano moral, os salários declinados na documentação acostada pelos réus, única prova de seu valor.

493CONCLUSÃO

Por tais fundamentos, a JCJ de Guaxupé, por unanimidade, julga PROCEDENTES, EM PARTE, os pedidos da reclamação ajuizada por DEVAIR JOSÉ DA SILVA, APARECIDO DOS SANTOS E VITOR MIGUEL JANUÁRIO em face de CARLOS MANOEL MAGALHÃES RIBEIRO, ZÉLIA MAGALHÃES RIBEIRO, RENATO RIBEIRO, ANA RITA MAGALHÃES RIBEIRO, MARIA REGINA MAGALHÃES RIBEIRO condenando estes, solidariamente, a pagarem àqueles, em 48 horas, conforme apurado em liquidação, respeitadas as deduções previdenciárias e tributárias eventualmente ocorrentes, e conforme salários estampados na documentação carreada, e respeitada, ainda, a dedução das horas de percurso comprovadamente pagas, o seguinte: horas "in itinere" de todo período, em média diária de 40 minutos; indenização substitutiva do aviso prévio; 1/12 de gratificação natalina proporcional; 1/12 de férias proporcionais com acréscimo de 1/3; diferença dos repousos hebdomadários; reflexos das horas de percurso nas verbas rescisórias, FGTS e descansos semanais remunerados, bem como indenização pelo dano moral no valor de R$863,33, valor na presente data. No mesmo prazo os reclamado comprovarão o integral recolhimento das parcelas fundiárias dos reclamantes, liberando-as por documento próprio, e ainda pagando-lhes o adicional de 40%. Atualização monetária na forma da lei. Juros moratórios conforme enunciado 200/TST. Expeçam-se ofícios à CEF, à DRT e ao INSS. Custas processuais de R$60,00, calculadas sobre R$3. 000, 00, valor arbitrado à condenação, pelos reclamados, Cientes as partes da publicação. Nada mais havendo, encerrou-se.

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DANOS MORAIS - INDENIZAÇÃO - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO Nº 792/95 Data: 13.09.95 DECISÃO DA Junta de Conciliação e Julgamento de ALFENAS/MG Juiz-Presidente: Dr. OSWALDO TADEU BARBOSA GUEDES Proposta a solução do dissídio e colhidos os votos dos Srs. Juizes Classistas, a JUNTA proferiu a seguinte SENTENÇA: Vistos, etc...

VALTENCIR CACHETA, qualificado na inicial, ajuíza Ação Trabalhista contra a EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS, dizendo-se admitido em 22/06/81, como optante pelo regime regido pela C.L.T. e do F.G.T.S., nas funções de "auxiliar de serviços-carteiro", sendo que, ultimamente, passou a exercer as funções de "balconista", quando não estava substituindo os chefes das agências localizadas nas cidades menores, cumprindo a sua jornada das 7:30 às 19:00 horas, de segunda à sexta-feira, com 30 minutos de intervalo para repouso e alimentação e, aos sábados, das 7:30 às 16:00 horas ou, quando em substituição, das 8:00 às 18:00 horas, de segunda à sexta-feira, com uma hora de intervalo para repouso e alimentação e, aos sábados, das 8:00 às 12:30 horas, sendo demitido, sob a imputação de justa causa, no dia 23 de julho de 1993. Alega que não recebia as horas extras trabalhadas; que os seus salários sofriam descontos não autorizados pela legislação vigente; que o processo administrativo que resultou na sua demissão conteve uma série de irregularidades, inclusive com o seu depoimento sendo tomado sob coação e que as supostas faltas imputadas ao autor ocorreram quando encontrava-se substituindo os chefes nas cidades de Divisa Nova e Juruaia, devendo ser anulada a justa causa aplicada pela reclamada, além de se justificar o pleito de indenização por danos morais, até em razão da repercussão que o fato gerou na comunidade de Alfenas e região. Reclama: Anulação da demissão por justa causa; aviso prévio; horas extras, com o adicional de 50%; autorização para o levantamento do saldo depositado na sua conta vinculada ao F.G.T.S.; multa de 40% calculada sobre os depósitos do F.G.T.S.; diferenças dos depósitos do F.G.T.S. e da multa de 40%, decorrente da projeção das horas extras; diferenças das férias, 13os. salários e repousos semanais, pelo reflexo das horas extras; multa do artigo 477, parágrafo 8º , da C.L.T.; indenização substitutiva do seguro-desemprego; restituição dos descontos efetuados ilegalmente sobre os salários; indenização por dano moral; lucros cessantes; benefícios da justiça gratuita; expedição de ofícios ao I.N.S.S., à C.E.F. e à D.R.T.; aplicação do artigo 467, da C.L.T. e, saldo de salários do mês de julho de 1993. Deu à causa o valor de R$ 6.000,00, para fins de alçada. Juntou documentos (fls.20/36). Notificada, compareceu a reclamada que, em resposta à ação, argüiu exceção de incompetência em razão da matéria, entendendo que escapa da competência desta Justiça especializada para apreciar o pedido de indenização por dano moral e material; que a excipiente, por se tratar de empresa pública, deve ter as ações contra si ajuizadas, julgadas pela Justiça Federal. Em preliminar, sustenta haver impossibilidade jurídica para o pedido de indenização por dano moral, em razão da ausência de dispositivo legal regulando a matéria enfocada. No mérito, argüiu a prescrição das parcelas anteriores a 07/07/90; que o reclamante foi dispensado por justa causa, após haver reconhecido a sua participação numa série de atos ilícitos verificados na agência de Alfenas, inclusive na violação de correspondências de terceiros, fato tipificado pelo artigo 40, da Lei n. 6.538/78; que, em face da justa causa existente para ensejar o rompimento do contrato de trabalho mantido entre as partes, não há se falar na indenização por danos morais, impugnando, ainda, os valores pretendidos na inicial, sob tal título; que o reclamante jamais trabalhou no horário indicado na peça vestibular, e que, as horas extras efetivamente prestadas, foram corretamente pagas, conforme poderá ser verificado através dos seus cartões de ponto; que os descontos aplicados aos salários do autor foram expressamente autorizados, sendo indevida a sua devolução. Requereu que fossem aplicadas as penas de litigante de má-fé ao reclamante. Juntou documentos às fls. 77/434, sobre os quais se manifestou o reclamante através da petição de fls. 436/438. A requerimento das partes, o valor dado à causa foi reduzido para R$ 1.000,00, conforme se verifica através da ata de fls. 39. Em face da exceção de incompetência desta Justiça do Trabalho apresentada pela reclamada, fundada no fato de ser uma empresa pública, o que desloca a competência para a Justiça Federal, ser prejudicial do mérito, independendo de qualquer outra prova, resolveu a Junta apreciar a questão antes de enfrentar o seu mérito, com a expressa concordância das partes, havendo, por unanimidade, rejeitado a referida exceção, conforme decisão de fls. 445/448. A reclamada requereu a juntada aos autos dos documentos de fls. 450/468 e 470, o que foi deferido com fulcro no artigo 397, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente à espécie, havendo o reclamante se manifestado sobre os mesmos através da petição de fls. 472/473. Na audiência em prosseguimento, após serem ouvidos os depoimentos pessoais das partes e de três testemunhas, sem outras provas, foi encerrada a instrução. Razões finais orais. Rejeitadas as propostas conciliatórias.

É O RELATÓRIO.

495

DA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO

É de ser rejeitada a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido de indenização por danos morais, uma vez que o pedido do autor encontra fulcro no entendimento majoritário dos doutrinadores nacionais e alienígenas e, sem tentar empanar o brilho inconteste dos ilustres mestres citados na defesa da reclamada, suas idéias já se encontram superadas, valendo a sua lembrança apenas para servir como referência. O entendimento hodierno vem sendo sedimentado na idéia básica de que, apesar de ser impossível ser medido o dano moral, em razão da subjetividade da dor que o indivíduo sente ao ser caluniado, difamado ou injuriado, deve ser estabelecido pelo Judiciário um ressarcimento pecuniário para os danos sofridos, muito mais para ser reconhecido esses danos, com sua valoração material. No mesmo sentido do ora modestamente exposado por este Colegiado já se pronunciaram, no âmbito do Egrégio Supremo Tribunal Federal, os ilustres juristas OROZIMBO NONATO, LAUDO CAMARGO e PEDRO LESSA, que acabaram por quebrar toda a resistência daqueles que se opunham à hipótese de ressarcimento de dano moral. Na III Conferência Nacional dos Desembargadores do Brasil, realizada no Rio de Janeiro, no já longínquo ano de 1965, foi aprovada uma proposição de reparação pelo dano moral e, após tal encontro, a tese do reconhecimento da reparação dos danos morais passou a ter ingresso nos nossos tribunais, conforme bem ressaltado pelo insigne juiz ANTÔNIO LINDBERGH C. MONTENEGRO, às fls. 152, do seu compêndio "Ressarcimento de Danos". Finalmente, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, no seu artigo 5º, inciso X, estabelece que é "assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação", não se podendo dizer que tal dispositivo, por falta de regulamentação não pode ser aplicado, uma vez que o julgador deve utilizar-se da legislação já existente para estabelecer a reparação que seria devida, ainda que por analogia, conforme autorizado expressamente pelo artigo 126, do Código de Processo Civil, aplicável à espécie. Por tais fundamentos, rejeita-se, pois, a preliminar argüida pela reclamada juntamente com a sua defesa.

DA PRESCRIÇÃO

Impõe-se acolher a prescrição das parcelas anteriores a 07 de julho de 1990, a teor do disposto pelo artigo 7º, inciso XXIX, letra "a", da Constituição Federal, ou seja, respeitado o prazo de cinco anos anteriores à data da propositura da presente ação.

DA JUSTA CAUSA

A rescisão do contrato de trabalho por justa causa, por se tratar da maior penalidade estabelecida para a punição do trabalhador - ensinam os doutrinadores - deve ser comprova à saciedade, quando trazida para o exame do Judiciário e, no caso em exame, entendemos que a razão invocada pela reclamada na sua defesa não atendeu a tal circunstância. Com efeito, o reclamante foi dispensado, sob a alegação de justa causa, caracterizada pelo extravio e destruição de correspondência colocada sob a responsabilidade da reclamada, num procedimento caracterizado como criminoso pela legislação penal e, além de acusado pelos seus companheiros de trabalho, acabou confessando os fatos que lhe eram imputados na Comissão de Sindicância instaurada pela empresa. Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que as declarações prestadas extra-judicialmente, apenas adquirem o caráter de prova em face de terceiros, quando confirmadas em Juízo, conforme a inteligência dada ao assunto pelo artigo 368, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente à espécie e, como as declarações que acusaram o reclamante foi prestada numa mera Comissão de Sindicância formada pelo empregador, não tem o condão de fazer prova contra o reclamante, constituindo-se, quando muito, como mero indício. Quanto a confissão feita pelo reclamante perante a Comissão de Sindicância da reclamada, a mesma não foi confirmada em Juízo, sendo permitido que se admita, ainda que por mera presunção, que a mesma foi conseguida do empregado através de evidente constrangimento, alcançado através da sua oitiva em um quarto de hotel transformado em cartório pela empresa, na presença de apenas e tão somente de dois outros funcionários da ré, numa situação, no mínimo, embaraçosa. A negativa peremptória da participação do autor nos fatos denunciados acaba por encontrar fulcro na maneira como foram colhidos os depoimentos pela Comissão de Sindicância e, além disso, conforme confessado pelo preposto da reclamada no seu depoimento pessoal, há alguns meses, desde que voltou de uma substituição nas proximidades desta cidade de Alfenas, suas funções haviam passado por transformações, ocupando-se de serviços meramente internos, deixando as atividades de entrega de correspondências, típicas do cargo de "carteiro", onde teriam ocorrido as irregularidades. Através da prova oral produzida nos autos, verificou-se que foram encontrados restos de correspondências incineradas na casa de um carteiro, correspondências retidas irregularmente na residência de outro e atiradas nos fundos de um terreno, quando de deveria ter sido entregue ainda por um colega do reclamante, não havendo nenhum indício como este contra o autor, mais uma vez o excluindo do rol daqueles que estariam envolvidos nos lamentáveis fatos. Finalmente, através do confronto dos depoimentos das testemunhas trazidas pela reclamada verifica-se

496que os mesmos não se encontram afinados, uma vez que o inspetor MATEUS esclareceu que perguntava ao reclamante e, a seguir, ditava as respostas ao datilógrafo, enquanto que o datilógrafo HENRIQUE MENDES afirmou que as perguntas eram feitas pelo inspetor e diretamente por ele datilografadas, sendo que, nesta última situação, o reclamante ficava impedido de saber se o que foi dito era o que realmente era transcrito, assinando o seu depoimento sem tempo para lê-lo, oprimido pelas circunstâncias da situação inusitada que se viu envolvido. Desta forma, não comprovada à saciedade os fatos que teriam levado a reclamada a dispensar o reclamante por justa causa, temos que a sua demissão ocorreu a partir do mero exercício do empregador de rescindir o contrato de trabalho quando entendeu de sua conveniência e, assim, sendo, tem-se como devido o pagamento do aviso prévio, da liberação dos depósitos efetuados na sua conta vinculada ao F.G.T.S., com a entrega da autorização de movimentação e a multa de 40% calculada sobre os depósitos, acrescidos de juros e correção monetária, do F.G.T.S. Não há se falar na liberação da comunicação da dispensa para percepção do seguro desemprego (CD/SD), uma vez que, conforme confessado no seu depoimento pessoal, em menos de 60 (sessenta) dias, o reclamante já havia encontrado outra colocação, hipótese que escapa da aplicação da regra contida no artigo 2º, da Lei n. 7.998/90.

DAS HORAS EXTRAS

Competia ao reclamante fazer prova da jornada de trabalho apontada na exordial, ex vi do disposto no artigo 818, da C.L.T. , sendo que desse ônus não se desincumbiu, permitindo que o seu pedido caísse no terreno da mera alegação. Com efeito, nenhuma dúvida paira a respeito do cumprimento da jornada normal de trabalho durante os períodos em que esteve em substituição ou no exercício de atividades meramente internas, mas, sim, no período em que trabalhou como "carteiro", uma vez que o informante WILSON APARECIDO COSTA, assim qualificado em razão de haver deixado patente o seu interesse no resultado da lide, expressamente declarou que o horário de trabalho em tais funções era das 7:30 às 19:00 horas, com 30 minutos de intervalo para alimentação, de segunda à sexta-feira e, aos sábados, até às 16:00 horas, enquanto que HENRIQUE MENDES esclareceu que o distrito coberto pelo autor era o menor da região, encerrando a entrega das correspondências colocadas sob a sua responsabilidade até por volta das 15:00 horas e, após a sua demissão, apesar de ser acrescentado mais dois bairros ao seu roteiro, feito por um "carteiro" do sexo feminino, esta encerra os trabalhos por volta das 16:00 horas. Por outro lado, é fato notório nesta cidade, que os "carteiros" efetivamente realizam as entregas de correspondências até por volta das 15:30/16:00 horas, não havendo nos autos qualquer prova que estivessem no exercício de qualquer atividade após este horário, não sendo crível que estes "carteiros", após o seu extenuante serviço, percorrendo inúmeras ruas sob todas as intempéries climáticas, ainda tivessem que, diariamente, fazer uma faxina na agência central da reclamada localizada nesta cidade, conforme pretendeu fazer com que este Juízo laborasse em equívoco, o informante WILSON APARECIDO COSTA, mais uma vez, evidenciando a sua intenção de privilegiar a tese do reclamante. Desta maneira, tem-se como improcedentes as horas extras vindicadas pelo reclamante e, via de conseqüência, também improcedente a sua projeção na base de cálculo das demais parcelas postuladas.

DA MULTA PELO ATRASO DO PAGAMENTO DAS VERBAS RESCISÓRIAS

A multa estabelecida pelo artigo 477, parágrafo 8º, da C.L.T., tem como objetivo punir o empregador que, agindo deliberadamente ou por força de uma situação financeira, acaba por atrasar no pagamento das parcelas reconhecidas como devidas ao empregado no instante da rescisão do contrato de trabalho. No caso ora em exame, apenas algumas parcelas deixaram de ser pagas pela reclamada, que entendeu não serem devidas em face da justa causa imputada para a rescisão do contrato de trabalho, apenas sendo reconhecidas como devidas após a manifestação deste órgão do Judiciário e, ainda assim, dentro dos pressupostos legais, sujeita a sua revisão pela instância ad quem. Dessa maneira, entendemos que, por não haver o interesse de fraudar o direito do reclamante, além da controvérsia que impera sobre os direitos deferidos, incabível a aplicação da multa supracitada, atendendo, assim, à mens legis que acabou gerando a sua vinda ao quadro das normas jurídicas vigentes.

DA RESTITUIÇÃO DOS DESCONTOS SALARIAIS

A forma como foi apresentada a causae petendi do pedido de devolução dos descontos salariais sofridos pelo reclamante, apesar de obedecer ao dispositivo contido pelo artigo 840, parágrafo 1º, da C.L.T., contendo uma exposição, ainda que breve, dos fatos que resultaram no dissídio, esta a impedir que uma maior análise possa ser feita, uma vez que a exordial limita-se a apontar várias siglas, sem qualquer interpretação das mesmas. Assim sendo, é de ser julgado inepto tal item do pedido inicial, extinguindo-o, sem o julgamento do mérito, na forma prevista pelo artigo 267, inciso I, c/c. artigo 295, parágrafo único, inciso II, ambos do Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária à espécie.

DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

497

Apesar de não concordarmos, em hipótese alguma, com o argumento do autor de que a sua dispensa foi ilícita e ilegal, uma fez que não há qualquer obrigação legal no sentido de ser mantido íntegro o contrato de trabalho indesejável a qualquer das partes, os fatos que lhe foram imputados, por ocasião da sua dispensa, sem qualquer sombra de dúvida, acabou por trazer marcas indeléveis à sua personalidade, bem como do conceito que desfrutava perante a sociedade local. A reclamada, antes de permitir que se tornassem públicos os fatos que resultaram na demissão do reclamante, haveria de aguardar que os fatos restassem sobejamente demonstrado e, em razão da sua natureza, que envolve inclusive matéria de natureza criminal, esperar, até mesmo, o pronunciamento do Juízo competente para processar e julgar tais fatos, impedindo que a imagem moral do empregado sofresse qualquer dano. Não há qualquer diferença se os fatos foram ou não tornados públicos pelo empregador, até porque a sua repercussão apenas serve como agravante do dano moral sofrido com a imputação feita pelo empregador, uma vez que, subjetivamente, a sua repercussão encontra-se implícita em cada um dos indivíduos e, o seu simples envolvimento já é o suficiente para trazer danos morais à sua personalidade, sempre respeitando as características pessoais. Apesar da dificuldade de ser estabelecida uma valoração para os danos morais sofridos pelo reclamante, que, no entendimento do notável RIPERT, varia de pessoa para pessoa, uma vez que nem todos têm a mesma sensibilidade e o prejuízo é exatamente aquele que sofre com a denuncia injusta, da sua receptividade, acentuando, verbis: "Um estóico de coração seco não sofre com a morte de um parente; um amigo de coração sensível sofre uma grande dor com a morte de seu amigo. É, de resto, por isso que o número de vítimas do prejuízo moral é limitado, embora todos se julguem vítimas", como diz o poeta:

"Se o coração no rosto se estampasse, Quanta gente que ri talvez chorasse! "

Assim sendo, temos como procedente o pedido de indenização por danos morais, neste ato arbitrados no valor equivalente a cem vezes o salário mínimo, conforme estabelecido pelo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n. 4.117, de 27 de agosto de 1962), aplicado por analogia autorizada pelo artigo 126, do Código de Processo Civil, atendendo, assim, ao entendimento dominante da doutrina relativa à matéria cristalizada no sentido que o julgador deve graduar a reparação do dano em concreto, sempre com a finalidade de impedir que a estimativa do dano moral fique ao sabor de magnitudes ou mesquinharias, mas evitando que se propiciem abusos, especulações, além do enriquecimento injustificado, conforme bem acentuado pelo insigne jurista ANTÔNIO LINDBERGH C. MONTENEGRO, MM. Juiz do Egrégio Tribunal de Alçada Civil do Rio de Janeiro, no seu livro "Ressarcimento de Danos", na sua 4a. edição.

DOS RESSARCIMENTOS PELOS LUCROS CESSANTES

Postula o reclamante uma indenização por lucros cessantes, fundamentando o seu pleito com a tese de que o contrato de trabalho é celebrado para perdurar por prazo indeterminado e o seu rompimento, num momento imprevisível, levado por uma atitude ilegal, injusta e ilícita, acaba por trazer evidentes prejuízos para o empregado. Faz-se mister ressaltar, porque importante, que, ao contrário do que informa o reclamante e, conforme já ressaltado anteriormente, a demissão provocada pela reclamada foi injusta, no entanto, está longe de poder ser considerada como ilegal, uma vez que o seu direito potestativo de rescindir o contrato de trabalho mantido com o autor encontra-se absolutamente garantido, já que a legislação em vigor não concede qualquer garantia à manutenção do contrato de trabalho, garantia esta que representa, meramente, uma suspensão, provisória ou definitiva, desse direito potestativo, da mesma maneira que não pode ser considerada ilícita, pois a rescisão do contrato de trabalho não foi feita contra as normas legais ou contra o próprio direito. Além do mais, os salários são a contra-prestação dos serviços prestados, sendo que não podemos concordar, em absoluto, que a força da mão-de-obra dispendida reverta-se em renda, conforme entendem os economistas que se transvestem de legisladores para regulamentar a cobrança do imposto de renda e, muito menos, em lucro, conforme pretendeu o reclamante. O reclamante encontra-se trabalhando, conforme confessou no seu depoimento pessoal e, acumular os seus ganhos atuais com a indenização pretendida pelos "lucros cessantes", acabaria por se transformar no enriquecimento, aí sim, ilícito, percebendo uma vantagem de forma absolutamente sem causa, até porque os "lucros" decorrentes do seu trabalho retornaram no instante em que foi contratado por outro empregador, cessando a sua dependência à reclamada.

DOS JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA

As parcelas deferidas serão acrescidas de juros de 1% ao mês, desde a propositura da ação e, correção monetária, desde o débito, considerado o mês do efetivo trabalho, conforme a legislação em vigor. Será observada a aplicação do Enunciado n. 200, da súmula do Colendo T.S.T. PELO EXPOSTO, resolve esta MM. Junta de Conciliação e Julgamento de Alfenas - M.G., por unanimidade, julgar PROCEDENTE EM PARTE o pedido inicial, condenando a EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS a pagar ao reclamante VALTENCIR CACHETA, conforme for apurado em

498liquidação, com juros e correção monetária, aviso prévio; multa de 40% sobre os depósitos do F.G.T.S. e indenização por danos morais, no valor equivalente a 100 (cem) salários mínimos legais, além da obrigação de fazer a entrega da autorização de movimentação dos depósitos efetuados na sua conta vinculada ao F.G.T.S., com os acréscimos legais, tudo conforme a fundamentação supra. Custas, pela reclamada, no importe de R$ 120,00, calculadas sobre R$ 6.000,00, valor dado à causa. Cientes as partes da data designada para a leitura e publicação da sentença, a teor do Enunciado n. 197, da súmula do Colendo T.S.T. Em seguida, foi encerrada a instrução.

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ESTABILIDADE PROVISÓRIA DE DIRIGENTE SINDICAL. ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 297/94 Data: 31.08.94 DECISÃO DA 1ª. Junta de Conciliação e Julgamento de CONGONHAS/MG Juíza-Presidente : Dra. NANCI DE MELO E SILVA Proposta a solução do dissídio e colhidos os votos dos Srs. Juízes Classistas, a JUNTA proferiu a seguinte SENTENÇA: Vistos, etc...

I - RELATÓRIO

SISENANDO EUGÊNIO DOS SANTOS e ROBERTO DA SILVA GUIMARÃES, qualificados na inicial, ajuizaram Reclamação contra AÇO MINAS GERAIS S.A. - AÇOMINAS, alegando, em síntese, que: 1. foram admitidos em 02.01.85 e 17.10.84, dispensados em 04.02.94 e 08.02.94 respectivamente; 2. houve convocação para realização de eleições sindicais, através de chapas, deu-se o registro e os reclamantes tiveram suas candidaturas registradas na chapa 2; 3. houve coleta de votos e a então diretoria do Sindicato "que também se candidatava só que, à reeleição, fraudou as eleições, furtando os votos reais dos trabalhadores" tendo sido determinada pelo Juiz de Direito de Ouro Branco a busca e apreensão dos votos após o que foi ajuizada ação ordinária de nulidade "de coleta e apuração dos votos" pela chapa dos reclamantes, processo em fase de perícia grafotécnica, não tendo havido "vencedores ou perdedores" no pleito sindical; 4. para resguardar o direito dos candidatos concorrentes na chapa dos reclamantes foi notificada judicialmente a empresa reclamada consumada em 01.07.93, mas apesar disso foram os reclamantes dispensados, não tendo havido suspensão de contratos e ajuizamento de competente inquérito para apuração de falta grave, ato que discriminou os reclamantes que tinham direito à estabilidade nos termos do art. 543, § 3º da CLT e art. 8º, VIII da Constituição da República, sendo nulos "o ato demissional e rescisório".

REQUEREM:

- imediata reintegração com pagamento de salários vencidos e vincendos, acrescidos das vantagens. Os reclamantes atribuíram à causa o valor de CR$1.000.000,00. Notificada, respondeu a reclamada, sustentando que: 1. os reclamantes aderiram ao Programa de Incentivo à Demissão, tendo recebido as importâncias relativas ao incentivo, renunciando, assim, à estabilidade; 2. receberam também todas as verbas rescisórias, incluindo o aviso prévio; 3. estabilidade têm os componentes da chapa 1, que foi vencedora e não há decisão que ilegitime a chapa eleita, apesar de ação ordinária intentada pelos componentes da chapa 2; 4. a ação intentada foi ajuizada por pessoa física e a notificação é apenas medida preparatória, não teve regular processamento com as mesmas partes da ação ordinária; 5. existe mera expectativa de direito de que a ação ordinária vá ser procedente não havendo que se falar, ainda, em gerar "direitos" e "obrigação" a terceiros; 6. não pode a reclamada conceder estabilidade a candidatos derrotados nas chapas 2 e 3 por tempo indeterminado, nem se pode falar em continuidade do pleito eleitoral porque a partir de 18.06.93, quando houve a apuração dos votos e declarada vencedora a chapa 1, que tomou posse, ficou encerrado o pleito eleitoral; 7. junta a reclamada as razões da Procuradoria de Justiça da Comarca de Ouro Branco, bem como a sentença proferida pelo MM. Juiz da Comarca revogando a liminar anteriormente deferida e determinado a posse da chapa vencedora; 8. foram omitidos pelos reclamantes fatos imprescindíveis ao deslinde do feito, juntaram a notificação e certidão da ação ordinária mas se esqueceram de juntar a cassação da medida liminar; 9. invariavelmente citam os reclamantes as eleições como fraudulentas, como se verifica pelo parecer da Promotoria Pública da Comarca, argumento acolhido pelo MM. Juiz que deu posse à chapa 1, acrescentando que o pedido de reintegração caracteriza má-fé. Foram juntados documentos, aqueles juntados pela reclamada todos devidamente autenticados conforme art. 830 da CLT (fls. 36 a 161). Na audiência inicial o reclamante ROBERTO DA SILVA GUIMARÃES não compareceu, sendo arquivada a reclamatória em relação a ele, nos termos do art. 844/CLT (Ata, fl. 30). Na audiência em prosseguimento (Ata, fl. 204), foi indeferido o requerimento de suspensão da reclamatória até a decisão da Ação Ordinária, feito através da petição de fls. 202/203. Sem mais provas, encerrou-se a instrução. Razões finais orais. Conciliação impossível.

II - FUNDAMENTAÇÃO

Alega o reclamante estabilidade porque membro da chapa 2 que perdeu as eleições, sendo que a chapa vencedora "fraudou as eleições". Antes de qualquer observação, ressalte-se que foi intentada ação ordinária para tentar anular a "coleta e apuração dos votos" da eleição que, presume-se, pela leitura da petição inicial, foi perdida pela chapa 2, a que pertencia o reclamante.

500 Sem dúvida, os fatos fraudulentos são atacáveis judicialmente. E há requisitos, sendo um deles a necessidade de o autor provar o "eventus damni", isto é, o prejuízo que o ato considerado fraudulento lhe tenha causado. Aqui, sem dúvida, considera o reclamante que foi prejudicado, tanto que ingressou-se com ação para anular a "coleta e apuração de votos". O prejuízo, se procedente a ação cível, percebe-se, é antes de tudo de ordem moral ou ética. Não se pode falar no caso em tela, em dano material ou "prejuízo" ao reclamante neste sentido. E não se pode porque o que tinha ele era mera expectativa do direito de ser eleito. E se eleito, nunca é demais repetir-se, a estabilidade de que gozaria e foi expressa no art. 543, § 3º da CLT e garantida constitucionalmente no art. 8º, VIII, não é uma garantia individual do reclamante, mas existente para proteger os interesses da categoria que representa. Na hipótese dos autos, o reclamante não se referiu a tais interesses, mas pleiteou tão somente salários e benefícios individuais. E se não foi eleito, não há interesse de categoria que representa a defender. Enquanto empossada outra chapa, os integrantes desta, estes sim, têm a garantia da estabilidade no interesse dos seus representados. Não se pode esquecer, também, a extensão da coisa julgada que resultará do provimento, ou não, da ação ordinária ajuizada. No pólo ativo consta José Maria da Silva (fl. 11) e não ficou especificado se representante da chapa prejudicada, se representante do Sindicato, consta, tão somente seu nome, qualificado como pessoa física. Não poderá tal ação estender seus efeitos ao ora reclamante, a exato teor do art. 472 do CPC (e art. 769, CLT), "verbis":

"A sentença faz coisa julgada às partes entre quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros...".

Ora, não foi provada ainda, qualquer fraude na eleição em que foi vencida a chapa integrada pelo reclamante. Há uma outra chapa eleita e empossada (doc. de fls. 79/81). E assim, não se pode garantir ao reclamante qualquer estabilidade visto que, ao dispensá-lo sem inquérito judicial, usou a reclamada de seu direito potestativo de dispensa de seus empregados. Não se pode pretender que a reclamada ficasse indefinidamente a aguardar solução para a ação ordinária ajuizada na Justiça comum para então dispensar ou não, seus empregados, ainda mais existindo outra chapa eleita, empossada em 17.08.93 (fls 80-v) antes da dispensa do reclamante, ainda que a ação ordinária tivesse sido ajuizada pelo próprio reclamante, o que não aconteceu, como já se observou. Além disso, a omissão da juntada de documentos tais como o parecer da Procuradoria da Justiça e a revogação da liminar pelo MM. Juiz de Direito, ambos da Comarca de Ouro Branco, bem como a omissão da notícia da posse já consumada da chapa 01, vencedora, chegam a caracterizar a má-fé a exato teor do art. 17, II e V, do CPC e art. 769, da CLT. Também não prospera a alegação de que foi o reclamante dispensado para ser afastado de seus "votantes" como dito na inicial (fl. 05). Trata-se de mera suposição do autor, porque não se noticiou que teriam sidos dispensados todos os integrantes da referida chapa 2. Não comprovada a dispensa por qualquer razão que não o mero exercício do direito de dispensa de seus empregados pela reclamada indefere-se o pedido da reintegração e seus consectários.

Litigância de má-fé:

Relativamente à aplicação das penalidades previstas no art. 18 do CPC, entende o juízo que houve apenas a defesa de um ponto de vista jurídico e não, propriamente, má-fé, como caracterizada nos incisos do art. 17 do mesmo CPC.

III - CONCLUSÃO

PELO EXPOSTO, resolve a 1ª Junta de Conciliação e Julgamento de Congonhas, por maioria, vencido o Juiz Classista representante dos empregados, julgar IMPROCEDENTE a ação ajuizada por SISENANDO EUGÊNIO DOS SANTOS contra AÇO MINAS GERAIS S/A. Custas, pelo reclamante, no importe de R$21,25, calculadas sobre R$1062,61, valor da causa (fl. 04) atualizado. Partes intimadas Encerrou-se.

501

INQUÉRITO PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE. EMPREGADO COM ESTABILIDADE SINDICAL. ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO Nº 1299/94 Data: 02.03.95 DECISÃO DA 13ª Junta de Conciliação e Julgamento de BELO HORIZONTE/MG Juiz-Presidente: Dr. FERNANDO LUIZ GONÇALVES RIOS NETO Proposta a solução do dissídio e colhidos os votos dos Srs. Juizes Classistas, a JUNTA proferiu a seguinte SENTENÇA: Vistos, etc...

Pela inicial de fls. 02/05, o SESI - Serviço Social da Indústria ajuizou inquérito para apuração de falta grave contra Ernesto Passos de Andrade, dizendo que o Requerido foi admitido no Requerente em 13-05-80, com opção pelo FGTS, no cargo de Técnico I, sendo que foi eleito diretor do SENALBA/MG e, detendo estabilidade provisória, só pode ser dispensado mediante inquérito, conforme entendimento da Súmula 197 do S.T.F.; que o Requerido vem se esquivando furtivamente de receber o comunicado de suspensão para responder ao presente, pelo que requer a citação por mandado, a fim de que se reafirme a suspensão a contar de 01-07-94; que o Requerido praticou atos e excessos caracterizadores de falta gravíssima, capitulada no art. 482, letras "b", "h", "j" e "k" c/c art. 493, da C.L.T., tratando-se de irrogação caluniosa e difamatória, agindo de forma ofensiva e comprometedora, com o objetivo de expor a público a reputação do empregador e superiores e a José Alencar Gomes da Silva, Diretor Regional do SESI afastado para disputar eleição para Governador do Estado, sendo industrial e também contribuinte do SESI com suas empresas, sendo que a entidade é mantida pelas contribuições das indústrias, inclusive os empregos; que de meados para o final de junho/94, foram feitos manifestos e passeatas com a participação ativa do Requerido, que por atos, gestos, palavras e outras expressões visaram atingir o empregador, superiores e o mencionado cidadão que se afastou do cargo de Diretor Regional para fins eleitorais, alardeando inverdades, palavras de baixo calão, com pública manifestação de desonra e diminuindo o conceito moral daqueles; que alto e bom som, foi colocada em dúvida a honestidade, a honra e a boa fama daqueles, vinculando maliciosa, desfundamentada e gratuitamente questão de atividade político-partidária, agressiva à honradez e honestidade deles; que os fatos caracterizam falta grave, ensejando a procedência do presente para ser reconhecida a resolução do contrato de trabalho na data de 01-07-94, ou, ainda, na data do ajuizamento deste ou da ciência pelo Requerido desta ação; que o salário mensal do Requerido é de R$ 676,80, sendo o valor da causa no importe de R$ 4.060,80, sobre o qual devem ser calculadas as custas para pagamento no prazo legal; requer a citação do Requerido e o normal processamento, a produção de provas e que seja julgado procedente o inquérito, decretando-se a rescisão do contrato de trabalho por falta grave, condenando-se o Requerido em custas e demais cominações. Antes da audiência inaugural, foram recolhidas as custas pelo Requerente, fls. 28/30. Realizada a primeira audiência conforme ata de fls. 35, apresentou o Requerido defesa escrita, fls. 36/59, argüindo preliminares de incompetência absoluta em razão da matéria, de inépcia da petição inicial e de carência de ação, ainda nulidade de citação e cerceamento ante a exigência do depósito antecipado das custas como formalidade essencial; e no mérito, aduzindo que se trata a presente ação de perseguição política de nítido caráter ideológico, como argumenta; que o Requerido, em face da atividade intensa nos meses de maio e junho quando se acumulam as datas-base, não pode afirmar que tenha estado presente ao ensejo descrito como causador de sua dispensa e nem se reconhece na figura semi-oculta das fotos juntadas com a inicial, ainda, por ser pessoa culta e experiente, com recursos dialéticos e até contido por certa timidez, não faz uso de palavras de baixo calão, nem manifesta inverdades, tampouco faz gestos incompatíveis; que o Requerido tem mais de 14 anos de vida profissional como empregado do Requerente, pelo que se afigura excessiva a punição pretendida, tanto mais que não houve aplicação de penas em escala pedagógica como exigível; que não há atualidade ou necessária imediatidade entre a falta alegada e o ajuizamento do inquérito, configurando-se o perdão tácito; que por ocasião do clamor público contra a instrumentalização da entidade de classe patronal (Sistema FIEMG), compareceu o Sr. José Alencar perante a imprensa para insinuar que o SENALBA-MG estaria sendo pago para desestabilizar sua campanha, o que, sendo mentiroso e injusto, não poderia deixar de configurar desforço com relação à polêmica, não podendo o SENALBA permanecer eternamente sujeito a punição do Estado após tão extravagante gesto de auto-tutela; que não se configura a justa causa, conforme considerações feitas de forma minuciosa, ao exame de cada uma das alíneas invocadas do art. 482 da C.L.T., bem como do art. 493 consolidado; a independência do sindicato de empregados frente ao empresário é preconizada com apoio na doutrina, também a imunidade do dirigente sindical é enfatizada com argumentos jurídicos aliados a considerações acerca do caso em questão; algumas considerações finais são tecidas em prol da pacificação do conflito e demonstrando a normalidade dos fatos, pedindo o Requerido que se acolha uma das preliminares ou que seja julgado improcedente o inquérito, condenado-se o Requerente em honorários advocatícios; protesta por provas e requer ofícios. Produziram provas documental e testemunhal, foram transcritas fitas de áudio e vídeo apresentadas pelas partes, foram tomados depoimentos pessoais das partes e, por fim, ficou encerrada a instrução em audiência última realizada segundo a ata de fls. 529/530, com razões finais orais. Foram infrutíferas as tentativas de conciliação. É o relatório.

FUNDAMENTOS

502

Ficam rejeitadas as preliminares argüidas pela defesa, de incompetência absoluta em razão da matéria, de inépcia da petição inicial e de carência de ação, pelos diversos fundamentos com que suscitadas. As razões que as sustentam confundem-se com o mérito da causa, eis que se referem aos fatos que dão contorno à lide, sendo incontroverso que o Requerido é empregado do Requerente e detém estabilidade como dirigente sindical. A ele são atribuídas autoria e/ou responsabilidade por fatos e atos faltosos que a inicial reputa caracterizadores de falta grave a ensejar o inquérito, que foi ajuizado com escopo de dispensar o empregado estável. A matéria é, pois, da exclusiva competência da Justiça do Trabalho (arts. 114 da C.F., 492/496 e 853/855 da C.L.T.) e sendo adequada a ação proposta para o fim pretendido. Ainda, verificam-se presentes todas as condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual. Também não se há de falar em inépcia, já que a petição de ingresso é clara nas descrições e pedidos, tendo possibilitado defesa útil e ensejando exame de mérito. Não faltou requisito essencial, sendo que o recolhimento das custas é formalidade exigível no curso do processo e até o julgamento, dirigindo-se ao Juízo e, de resto, tendo sido cumprida antes mesmo da realização da primeira audiência, fls. 28/30, sem nenhuma argüição posterior por parte do Requerido até o encerramento da instrução, o que torna preclusa a possibilidade de qualquer discussão a respeito. Aliás, quanto à petição inicial, a exigência é tão-só de indicação do último salário mensal do Requerido como fator integrante do valor da causa, que se atribuiu corretamente na peça vestibular, sendo que não houve impugnação oportuna e específica ao dito valor como dado à causa nestes autos. Descabe falar em nulidade qualquer, em sede de defesa, neste processo, sequer de citação, que nestes autos ficou materializada a tempo e modo com a intervenção antecipada e espontânea do Requerido, fls. 31/32, quando juntou procuração e pediu vista fora de Secretaria, depois comparecendo na audiência inaugural, fls. 35, para produzir sem empecilhos sua robusta e eficaz defesa, inclusive com contestação de mérito. A "citação cartorial" dita não realizada seria mera notificação extrajudicial e sem formalidade específica exigível, referindo-se à suspensão prévia do Requerido para ajuizamento posterior do inquérito, o que ficou suprido com a citação feita no processo e já para a ação, como pediu a inicial, tendo em vista que a própria suspensão é facultativa, a teor do art. 494 da C.L.T. Fica controvertida, em decorrência, somente a data em que se terá como efetivada a rescisão no caso de procedência do inquérito com a confirmação da falta grave para dispensa do Requerido, o que constitui matéria de mérito. De todo modo, certo é que a suspensão prévia não se realizou no presente caso a partir de 01-07-94, como quer o Requerente, sendo que em data posterior (12-07-94), o SENALBA protocolou o ofício de fls. 237, solicitando a liberação do Requerido para a atividade de dirigente sindical, tendo obtido do Empregador a resposta de fls. 238, datada de 15-07-94. Quanto ao endereço residencial do Requerido, ficou retificado às fls. 353 dos autos, sendo que o do SENALBA não foi alterado. E ficou esclarecido o equívoco da notificação cartorial de fls. 17/18, bem como da inicial deste processo, eis que o Reclamante já se tinha mudado desde março/94, conforme certidão do Oficial de Justiça de fls. 34. Quando da sua anterior reclamatória perante a 8ª J.C.J. de B.H., o Requerido ainda morava no endereço antigo da Rua Vitorio Marçola, até o término do processo por decisão transitada em julgado, fls. 06/16. De se inferir do item 3 da exordial, fls. 03/04, que a falta grave imputada ao Requerido consiste em "atos e excessos" que teria ele praticado durante participação ativa em manifestações e passeatas ocorridas em meados de junho/94, quando por atos, gestos, palavras e outras expressões foi feita irrogação caluniosa e difamatória ao empregador, superiores e ao cidadão José Alencar Gomes da Silva, sendo este Diretor afastado do Requerente, que se licenciou para disputar eleição para governador do Estado. Diz a acusação que foram alardeadas inverdades e palavras de baixo calão, com pública manifestação de desonra, diminuindo o conceito moral daqueles e colocando em dúvida sua honestidade, honra e boa fama, além de vincular "maliciosa, desfundamentada e gratuitamente questão de atividade político-partidária agressiva à honradez e honestidade deles". Registre-se, de antemão, que após detidamente compulsados os autos, por todas as suas peças e provas carreadas pelas partes (documental, gravações de áudio e vídeo, depoimentos pessoais e testemunhais), não se viu provado qualquer ato ou manifestação do Requerido que fosse ofensivo, comprometedor e com irrogação caluniosa ou difamatória contra o Requerente, seja em sua visão institucional seja por algum ou alguns dos seus diretores, muito menos superiores hierárquicos outros. Verificou-se que os fatos a serem examinados ocorreram na confluência da campanha salarial do SENALBA/MG com a campanha eleitoral de 1994, para eleições a Presidente da República, Governador do Estado, Senadores, Deputados Federais e Deputados Estaduais. Constatou-se que o SENALBA/MG representa os empregados do SESI, que integra o Sistema FIEMG, sendo que a data-base vinha sendo em 1º de maio e, no ano de 1994, desde antes já se realizaram esforços para acordo em negociação coletiva, que perdurou até junho/94, sendo após instaurado dissídio coletivo, fls. 221/230, 231, 232/238, 242, 289/291, 452/457 e 483/494. O que se vislumbra retratado pela prova tomada em seu conjunto, dentro do que foi alegado na inicial, é que ocorreram duas manifestações públicas convocadas pelo SENALBA/MG, de meados para o final de junho/94, sendo a primeira à porta do edifício-sede da FIEMG e a segunda em frente ao comitê eleitoral do candidato José Alencar, no prédio onde também está sediada a sua empresa COTEMINAS, tendo o Requerido participado de ambas na qualidade de dirigente do referido Sindicato-convocante. Nas aludidas manifestações, com cerca de 50 a 60 pessoas participando, não se pôde comprovar que o próprio Requerido tenha dito palavras de baixo calão, agressivas ou difamantes contra o SESI nem contra qualquer superior hierárquico ou dirigente da entidade/empregadora. As três primeiras testemunhas do Requerente, fls. 465, viram a certa distância (de dentro do prédio da FIEMG) a primeira manifestação, tendo admitido que ouviram palavras agressivas e de baixo calão,

503mas, sem poderem afirmar que tenham sido pronunciadas pelo Requerido, que chegou a adentrar no edifício por algum tempo, como integrante de uma comissão dos manifestantes, que foi reunir-se com a Superintendente Jurídica da FIEMG. As cinco testemunhas do Requerido, fls. 466/473, em maior número, participaram todas da manifestação e negaram a ocorrência de ofensas, agressões verbais e de palavras de baixo calão, muito menos por parte do Ernesto, que atestam ser um dirigente sindical zeloso e consciente, que não costuma se exaltar e não usa de linguagem imoderada. Já a segunda manifestação, foi vista em parte pela 1ª testemunha do Requerente, que ali orientou fotógrafo e cinegrafista para documentar o evento, tendo sido tiradas, na ocasião, as fotografias de fls. 19/24 e de fls. 282/288, bem como foi ali realizada a filmagem da fita de videocassete apresentada pelo Requerente e transcrita às fls. 505/506. Também participaram desta manifestação as cinco testemunhas do Requerido, que negam a ocorrência de ofensas ou agressões verbais, afirmando unissonamente que o enterro simbólico ali realizado foi da contraproposta patronal para o aumento de salário da categoria, no que desmentem a 1ª testemunha do Requerente, que diz ter sido feito o "enterro de José Alencar". A filmagem do próprio Requerente confirma a versão majoritária das testemunhas do Requerido, no particular. A 4ª testemunha do Requerente, fls. 465/466, além de não ter visto nem presenciado as duas manifestações, demonstrou falta de isenção ao revelar-se gerente administrativa do SESI, exercendo notoriamente cargo de confiança e desconhecendo, com relação ao Requerido, sua própria situação funcional, chamando-o de "ex-funcionário" por ouvir dizer. Trouxe tal testemunha fatos não catalogados na inicial e que de resto não encontraram ressonância nos demais depoimentos e provas do processo, pelo que ficaram isoladas e inconvincentes as suas declarações, sendo a única testemunha que mencionou ter visto o Requerido falar especificamente de um dirigente do SESI. Note-se que ninguém mais presenciou a referida manifestação solitária do Requerido, ficando demonstrado pelas demais testemunhas deste que a dita acompanhante de nome Maria de Lourdes e apelido Lú já não era mais dirigente do SENALBA e nem foi vista nas atividades da última campanha salarial. Finalmente, cabe registrar que o conjunto probatório revela não ter existido nenhuma passeata, no que ficou desmentida a inaugural. Excluída a possibilidade de ter havido agressões verbais ou ofensas caluniosas e difamatórias contra o SESI, seus dirigentes e/ou superiores hierárquicos, muito menos que possam ser imputadas à responsabilidade do Requerido enquanto empregado ou na condição de dirigente sindical, cabe analisar a questão, em separado, sob a ótica específica do candidato José Alencar Gomes da Silva como suposto ofendido. Aqui, já se excluiu de plano a extensibilidade ao SESI, de quaisquer manifestações agressivas que possam ter sido lançadas ao político e candidato a governador José Alencar. É que, desde março/94, o mencionado empresário e cidadão já se tinha afastado da direção da FIEMG e do SESI para desincompatibilizar-se por exigência legal e tornar-se elegível, durante o processo eleitoral para o governo do Estado. A circunstância foi confessada pela preposta do Requerente em depoimento pessoal, fls. 458, e pelo próprio candidato José Alencar nas duas entrevistas dadas publicamente ao rádio e à televisão, conforme transcrições de fitas cassete (áudio) e de videocassete (áudio e vídeo) apresentados pelo Requerido e transcritas às fls. 502/505. Foi o próprio José Alencar que, no programa "Alta Tensão", transmitido pela TV-Minas, respondendo ao questionamento do repórter e apresentador acerca da manifestação ocorrida naquele mesmo dia à porta do seu Comitê Eleitoral, disse textualmente que, "verbis": "- Isto é uma ação deletéria que não tem o menor sentido, pelo seguinte: este sindicato deve saber que eu estou licenciado da FIEMG desde março. E licenciado sem, obviamente, nenhuma ingerência nos assuntos da Federação, porque nem posso. Então, eu não posso, de forma alguma, decidir uma questão, seja ela qual for, porque o Presidente da Federação, desde março, é o Dr. Paulo Maluf Teixeira, não é José Alencar". Nesse contexto, não se pode aceitar que o Requerente tome as dores de José Alencar, por supostas ofensas ocorridas em manifestações públicas realizadas no curso do mês de junho/94, quando ele já não era mais dirigente da FIEMG e do SESI e nem poderia mais imiscuir-se nos assuntos internos das entidades, como o próprio revelou e até por exigência da legislação eleitoral, posto que já estava candidato em campanha pelo PMDB ao governo do Estado de Minas Gerais. E o que é pior, não poderia o SESI tomar as dores que o referido candidato nem sentiu, tanto que não tomou nenhuma medida judicial contra o SENALBA/MG e/ou o Requerido na esfera da Justiça Comum, como lhe seria dado fazer em caso de calúnia ou difamação. Se o fêz, do que não se tem notícia nos autos, somente aquele seria o caminho adequado para se examinar e decidir sobre a configuração ou não das apontadas figuras penais, que seriam examinadas sob o ponto de vista pessoal do candidato supostamente ofendido, e não do SESI ou do Sistema FIEMG como um todo. Neste processo de natureza trabalhista, não se vê maculada a imagem do SESI enquanto empregador do Requerido, nem ofendidos os dirigentes e superiores hierárquicos deste, não o sendo mais à época o Sr. José Alencar, quando das manifestações públicas realizadas e já mencionadas. Os cartazes da campanha salarial e demais publicações de fls. 277/281, são da responsabilidade da entidade sindical de que o Requerido é dirigente em órgão colegiado, além de terem sido empunhados por este na segunda manifestação pública, como se vê das fotos de fls. 282/288 e 19/24, em consonância com o depoimento pessoal de fls. 458/459 e com o filme apresentado pelo Requerente em fita de videocassete e transcrito na íntegra às fls. 505/506. Todavia, não se entende que ali se tenha praticado falta grave contra o Empregador, tampouco as justas causas das alíneas "b", "h", e "k" do art. 482 da C.L.T. Já a capitulação na letra "j" do mesmo dispositivo legal se torna de todo impossível quanto à configuração no caso, eis que não estava o Requerido em serviço quando das ocorrências descritas e faltas a ele imputadas. Diz a sabedoria popular que "quem sai na chuva tem que se molhar", e José Alencar sabia disso quando se dispôs a ingressar na política, seara onde as discussões são mais acirradas e os ataques tanto às idéias e propostas como também pessoais são freqüentes, expondo o homem público a considerações de toda ordem e até quebrando a sua privacidade, pelo que não pode o político se prostrar por meras susceptibilidades feridas. E se José Alencar, que já era empresário e líder sindical da categoria econômica, deixou a direção do Sistema

504FIEMG para ingressar na política, candidatando-se diretamente a governador do Estado, por campanha que foi precedida de intensa publicidade e divulgação de suas realizações à frente do SESI e SENAI, veiculada na imprensa e notadamente na televisão, como é público e notório, não podia querer impedir e nem ter a ingenuidade de esperar que seu nome não fosse vinculado ao poderio econômico e associado, pelos opositores políticos, à origem na FIEMG e entidades coligadas como base para o salto dado à culminância da carreira política. Os dirigentes do SENALBA/MG, pelo que se vê, tiraram proveito dessa situação ao se utilizarem, na campanha salarial da categoria, da imagem de candidato do ex-dirigente da FIEMG, fazendo paralelos e críticas e dando a entender que ele ainda comandava o pólo patronal nas negociações coletivas que então se entabulavam. As manifestações escritas e faladas podem não ter sido do agrado dos sucessores no Sistema FIEMG e dos correligionários de José Alencar, mas, também não podem ser taxadas de ofensivas, difamatórias e caluniosas a ponto de caracterizarem a falta grave que se pretende configurada para dispensa motivada de um antigo empregado e veterano dirigente sindical, que nunca foi antes punido ou sequer advertido, sendo até laureado, fls. 155/159 e 199/203. O próprio José Alencar deu mostras, em ambas as entrevistas concedidas ao rádio e televisão e transcritas às fls. 502/505 destes autos, de ter consciência do seu papel e de ter capacidade de responder e até repelir com veemência, quando necessário, por si, as críticas mais severas e contundentes que lhe fossem dirigidas. Como se vê, na primeira entrevista de fls. 502/503 ele demonstra que tem como base de sua experiência administrativa, que pretendia levar para o governo do Estado, a gestão à frente do Sistema FIEMG, especialmente as entidades SESI e SENAI, inclusive quanto à política de pessoal e de salários. Já na segunda entrevista de fls. 503/505, ele reitera tal experiência que tem como positiva e exitosa, bem como política salarial e de tratamento com os empregados, e comenta especificamente a manifestação do SENALBA/MG em frente do seu Comitê Eleitoral, quando, além do trecho já reproduzido em que reafirma não ser mais dirigente do Sistema FIEMG, acrescenta que, "verbis": "- (...) o que eles estavam fazendo ali é tentando macular o meu nome. E eu fico indignado. E ao mesmo tempo certo de que a minha campanha está preocupando os meus adversários. Porque alguém lhes pagou para que eles fossem ali fazer aquilo. Mas, é isso mesmo, ninguém atira pedra em árvore que não dá frutos. Se o meu nome não fosse forte e se eles não soubessem que corre o risco de José Alencar ganhar essa eleição, que eles têm medo. Eles têm medo de José Alencar ganhar essa eleição. E têm que ter medo de José Alencar mesmo, tem que ter medo. Porque eu estou entrando é para mudar as coisas, eu estou entrando é para botar ordem nesta casa, que está abandonada e que pertence a quase 20 milhões de mineiros. Então eu estou entrando é para mudar. De maneira que as pessoas que querem evitar que eu entre lá, elas devem saber por que. E, provavelmente, até tentem evitar com mais violência. E eu não estou com medo delas não". Mais uma vez a sabedoria popular entra em cena para dizer que "chumbo trocado não dói". Mais adiante, na mesma segunda entrevista, que foi dada ao programa "Alta Tensão" da TV-Minas no mesmo dia da manifestação do SENALBA diante de seu Comitê, ao ser indagado sobre a pergunta de um telespectador acerca do "uso da máquina da FIEMG na publicidade que antecedeu a homologação de sua campanha", o candidato explica que já tinha sido acusado por abuso do poder econômico perante o T.R.E. e confirma que esteve "abusando de fazer escola, abusando de fazer centro de saúde, abusando de fazer centro cultural, abusando de fazer clube para o trabalhador, com piscina semi-olímpica, piscina infantil, play-ground para a criançada, abusando de fazer bibliotecas, abusando de fazer escolas para alfabetizar adultos nas indústrias, abusando de levar em unidades volantes tratamento preventivo para doenças difíceis, especialmente no campo do câncer ginecológico, por exemplo, em todo o Estado. Então, isto eu gostaria de ser acusado por um abuso desses. E gostaria que todas as pessoas que tivessem oportunidade de ser alguma coisa no nosso País, fossem acusadas de estar fazendo esse tipo de abuso. Abusar de trabalhar pelo interior do meu Estado". Tais confissões são de interpretação controvertida e até confirmam algumas das denúncias do SENALBA/MG, sendo que tiveram repercussões e desenvolvimentos no decorrer da campanha eleitoral de José Alencar, cuja candidatura chegou a ser ameaçada até por impugnação do representante do Ministério Público junto à Justiça Eleitoral, conforme publicações de fls. 348/351. Tudo isso posto e considerado, resta verificar, por último, que a improcedência deste inquérito fica também patenteada pela falta de imediatidade da pretensa punição, configurando o perdão tácito, como argüido na defesa. É que os ditos excessos e atos faltosos do Requerido, segundo a qualificação da inicial, teriam ocorrido de acordo com a prova e como já examinado, nas duas manifestações públicas realizadas pelo SENALBA/MG em meados de junho/94. Em decorrência, pretendeu o Requerente que tenha tentado a suspensão do Requerido a partir de 01-07-94, para posterior ajuizamento do inquérito. Certo é que a dita suspensão não se efetivou, por motivo que não pode ser imputado ao Requerido, como visto. Ora, se não foi concretizada nenhuma suspensão, resta extemporâneo o inquérito como ajuizado somente em 29-07-94, mais de trinta dias depois de ocorridos os pretensos atos faltosos. Se tal interregno já seria suficiente para que se presumisse o perdão tácito, tal se configura de modo mais enfático com os ofícios trocados por SENALBA/MG e SESI em 12 e 15 de julho/94, fls. 237/238, sendo que na resposta o Requerente nada fala de suspensão ou de falta grave, concedendo a disponibilidade requerida sob a forma de licença como prevista no art. 543, parág. 2º, da C.L.T. Com isso, ficou implicitamente revogada qualquer iniciativa anterior de suspensão ou punição, acarretando o perdão de qualquer falta anteriormente cometida, posto que incompatíveis as conseqüências com a licença concedida. Tais são as razões de decidir do Colegiado em maioria, ficando vencido o Sr. Juiz Classista Representante dos Empregadores, que reconhecia a falta grave e dava pela procedência da acusação e do inquérito, tornando rescindido o contrato de trabalho das partes a partir de 01-07-94. Quanto aos honorários advocatícios pretendidos pelo Requerido, não podem ser deferidos, embora sucumbente a parte autora, porquanto não se acham atendidos os requisitos e formalidades exigidos para

505deferimento da Assistência Judiciária, nos termos da Lei nº 5.584/70 e do Enunciado nº 219, da Súmula do T.S.T., que ainda se aplicam com especificidade ao processo do trabalho, a teor do recente Verbete sumular nº 329/T.S.T. Encerrada a audiência.

506

REPRESENTANTE DOS EMPREGADOS - ART. 11 DA CF/88: ESTABILIDADE NO EMPREGO POR FORÇA DE INSTRUMENTO NORMATIVO. ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO Nº 1540/95 Data: 25.09.95 DECISÃO DA 5ª Junta de Conciliação e Julgamento de BELO HORIZONTE/MG Juíza-Presidente: Dra. MARTHA HALFELD FURTADODE MENDONÇA SCHMIDT Proposta a solução do dissídio e colhidos os votos dos Srs. Juizes Classistas, a JUNTA proferiu a seguinte SENTENÇA: Vistos, etc...

AFONSO SOARES DE OLIVEIRA E ELIAS HENRINQUE RODRIGUES ajuizaram reclamação trabalhista em face de COLÉGIO MARISTA DOM SILVÉRIO, dizendo terem sido admitidos pelo reclamado em 01/03/67 e 01/02/84, respectivamente. O primeiro deles é diretor do Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais, desde 20/01/95 e o segundo foi eleito “representante sindical” no reclamado (CCT). No dia 23/08/95, a maioria dos professores do reclamado paralisou sua atividades, conforme deliberação da Assembléia Geral do Sindicato. No dia seguinte, o reclamado demitiu três professores, bem como procedeu ao afastamento dos reclamantes. Estão impedidos de acessar o estabelecimento do reclamado, inclusive sendo contratados seguranças para “barrar os reclamantes”. O segundo reclamante, Elias, está impedido de lecionar no estabelecimento. Recorreram ao sindicato da categoria, que marcou uma reunião entre as partes, tendo o reclamado confirmado os fatos, alegando “motivos administrativos”. Sofreram humilhação. Foram violados os arts. 468/CLT e 6º/CF e 5º, caput inciso II/CF, bem como a Lei 9.029/95 e o art. 5443/CLT. Com fundamentos na nova redação do art. 273 do CPC, pedem a antecipação da tutela. Requerem a aplicação do art. 287 do CPC (aplicação de pena pecuniária diária ao reclamado), assim como a satisfação dos direitos conseqüentes do que expõem (inicial de fls. 11/12, letras “a” até “d”). Deram à causa o valor de R$5.000,00. Procurações outorgadas pelos reclamantes a fls. 13/14. A Juíza Presidente proferiu o despacho de fls. 74 v. O reclamado se defendeu, aduzindo que não houve paralisação legal no dia 23/08/95, já que não foram notificados com a antecedência que determina a lei. O primeiro reclamante está lecionando suas disciplinas, tendo acesso às dependências que lhe são afetas. O segundo está em disponibilidade remunerada, não sofrendo prejuízo salarial. No exercício de seu poder diretivo, pode limitar o acesso às suas dependências, para manutenção da harmonia e continuidade na prestação dos serviços. Reconhece a condição de diretor sindical do primeiro reclamante, mas não reconhece a condição de “representante sindical” do segundo, porque não houve a observância das formalidade legais. Não há falar em “fumus boni juris” ou em “periculum in mora”, ou mesmo em multa pecuniária. Requer a exibição de documentos. Preposição e procuração a fls. 83/84 e 120. Juntaram-se documentos. Os reclamantes se manifestaram, ratificando o pedido de antecipação da tutela. A instrução foi encerrada. As partes arrazoaram e não se conciliaram.

ISTO POSTO:

1. A Secretaria retificará o nome da reclamada, que é UNIÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO E ENSINO (fls. 78, defesa, e docs. de fls. 85 e segs.).

2. 2.1. Sem se adentrar na questão da legalidade ou ilegalidade da paralisação levada a efeito no dia 23/08/95 (a reclamada não requereu a decretação de ilegalidade do ato através do meio próprio, ou seja, o dissídio coletivo), o certo é que restaram incontroversos – já o eram quando da reunião na Delegacia Regional do Trabalho, fls. 37, e continuaram a ser no presente processo judicial – os fatos articulados na inicial, a saber: 1) a partir do dia seguinte da paralisação, o primeiro reclamante (AFONSO) foi impedido de “transitar em local diverso de onde leciona (anexo), a não ser as necessárias comunicações ao departamento pessoal e contabilidade, que deverá ser procedido através de acesso pela sala do vice-diretor administrativo” (fls. 37, grifou-se). 2) a partir do mesmo dia (24/08/95), o segundo reclamante (ELIAS), além de ter impedido seu acesso ao estabelecimento principal do reclamado, onde leciona suas aulas, também foi comunicado verbalmente que não mais daria suas aulas, devendo esperar o pagamento de seu salário em casa (fls.37). 3) para o cumprimento destas ordens, a reclamada contratou “seguranças” (não houve contestação específica quanto a este fato, sendo hipótese de aplicação do art. 302, caput, do CPC).

2.2 Incontroversos os fatos, passa a JCJ a analisar o direito aplicável à espécie. Os reclamantes estão cobertos de razão. o primeiro deles, AFONSO SOARES DE OLIVEIRA é diretor do Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais (fls. 19 e 20), situação aliás, reconhecida pela reclamada, na defesa. O segundo, ELIAS HENRIQUE RODRIGUES, foi eleito representante dos empregados (o que é diferente de representante sindical ou dirigente sindical), na forma das cláusulas XLIV das CCTs (fls. 46 verso e 59 e fls.

50730/36), que dão vida ao disposto no art. 11 da Carta Fundamental, garantindo uma democracia participativa, nas empresas. A reclamada argumenta que o abaixo-assinado de fls. 30/36 não pode ser considerado eleição e que, ainda que fosse eleição, o mandato se extinguiria em fevereiro/95 data em que expirou a vigência da CCT 93/94. Sem razão, porém, a ré. O documento de fls. 30/36 retrata que houve uma manifestação maciça dos professores da reclamada para que se elegesse o reclamante Elias representante dos empregados. As cláusulas XLIV das CCTs não especificam qualquer forma para a respectiva eleição, devendo, pois, incidir a norma prevista no art. 129 do Código Civil. De outro lado, não há que se falar em “cessação dos efeitos da eleição juntamente com a CCT que o estabeleceu”, de vez que a cláusula XLIV, foi mantida na CCT seguinte, com a mesma redação (fls. 46 verso e 59), não exigindo, em contrapartida, a realização de nova eleição. Assim, com a renovação da cláusula, apenas se manteve a garantia convencional, sendo que o “eleito” (o reclamante Elias) já existia. O segundo reclamante tem, pois, estabilidade no emprego, com todas as garantias do art. 543 e seus parágrafos da CLT (conforme redação da cláusula XLIV da CCT, fls. 59, em vigor quando da ocorrência dos fatos), na qualidade não de dirigente sindical, mas de representante dos empregados. A estabilidade conferida aos dois (dirigente sindical e representante dos empregados) é a mesma, por força do instrumento normativo, que instituiu a estabilidade do representante dos empregados igual à dos dirigentes sindicais. Porém, a natureza jurídica é diversa (uma é legal; outra é convencional).

2.3. Ainda que assim não fosse, o certo é que o direito pleiteado na presente ação independe da condição de estáveis dos reclamantes. Desde o dia 24/08/95, a reclamada alterou, unilateralmente e ilegalmente, as condições de trabalho dos autores, em flagrante afronta ao disposto no art. 468 da CLT.

2.4. Em sua vã tentativa de justificar (ou explicar) o injustificável, argumenta a reclamada com o fato de que "O primeiro reclamante está lecionando normalmente em seu local de trabalho, tendo acesso às dependências que lhe são afetas". Falta com a verdade, data venia, a reclamada. É que, em primeiro lugar, o reclamante AFONSO não está lecionando normalmente (houve alteração das condições de trabalho, inclusive ambientais, ou psicológicas). E, em segundo lugar, o "acesso às dependências que lhe são afetas" é restrito, às "comunicações ao departamento pessoal e contabilidade, que deverá ser procedido através de acesso pela sala do vice-diretor administrativo" (fls. 37). A reclamada restringiu as áreas de acesso do reclamante, ao departamento pessoal e contabilidade. Mas, e se o reclamante, no intervalo entre as aulas, quiser tomar um cafezinho na cantina? E se o reclamante precisar ir ao banheiro? Deve pedir permissão? E se ela for negada? Contudo, não é só isto: a reclamada até impôs um itinerário a ser seguido pelo reclamante, quando de sua ida ao departamento pessoal e contabilidade: "através de acesso pela sala do vice-diretor administrativo"... Não há dúvidas de que a intromissão da reclamada na atividade do reclamante extravasa, em muito, os limites do poder diretivo, já que influem, diretamente, na vida particular e íntima do autor, tolhendo-lhe a capacidade de se locomover e de "ir e vir", dentro de seu local de trabalho. Imagine-se um professor, com 28 anos de casa, que dá aulas em um estabelecimento de ensino e não pode freqüentar os mais variados lugares (por exemplo: secretaria, gabinete do diretor, sala de professores, cantina, etc.), mas somente tem acesso "ao departamento pessoal e contabilidade". E a movimentação deste professor é observada por "seguranças" contratados. O que a reclamada quer? Os reclamantes argumentam que se trata de punição pela participação na paralisação efetuada em 23/08/95... Não se cuida, aqui, de "obter em juízo mais do que estipularam as partes na CCT da categoria" (fls. 80). É princípio basilar de Direito do Trabalho que devem prevalecer as normas mais favoráveis ao trabalhador. Assim, se o próprio contrato de trabalho estipula norma mais favorável que a CCT, aquela primeira deve vigorar. É o que ocorreu in casu. A reclamada nunca exigiu o cumprimento da cláusula XLV da CCT (fls. 59), quanto ao credenciamento ou ao prévio entendimento quanto à data e horário da visita. Não pode, pois, agora, simplesmente, passar a exigi-lo. As condições práticas do contrato de trabalho (não exigência) passam a prevalecer. Ademais, a ré é sabedora da condição de dirigente sindical do primeiro reclamante, sendo desnecessário, pois, o credenciamento.

2.5. Quanto ao segundo reclamante, a reclamada argumenta que "nada impede que o empregador, não necessitando momentaneamente da mão-de-obra contratada, nem pretendendo rescindir o pacto laboral unilateralmente, mantenha o empregado à disposição, sem prejuízo de seus direitos e vantagens, especialmente o pagamento de salários". Assim, diz que o autor não sofre prejuízo salarial e que ela, empresa, está exercendo o seu poder diretivo. Não se questiona que o empregador é detentor do poder diretivo e que o empregado está obrigado a obedecer às ordens dele emanadas, desde que legítimas. No caso dos autos, a empregadora disse que não necessita, "momentaneamente" dos serviços do reclamante Elias. Contudo, no início do ano letivo, necessitou... Somente a partir da paralisação é que não mais precisou... Por quê? Ocorreu fechamento de turmas? Os alunos estão em greve? O professor que o reclamante substituía retornou? A reclamada não respondeu. Ainda que as respostas para todos estes questionamentos sejam afirmativas, a atitude da reclamada não

508se justificaria. A principal obrigação do empregador, no contrato de trabalho, é a de pagar salários. E, em contrapartida, a principal obrigação do empregado é a de prestar os serviços afetos ao seu cargo. Se, todavia, o empregador não fornece meios para que o empregado preste serviços (e, ainda, impede o exercício das suas atividades, inclusive através da contratação de "seguranças", que barram a sua entrada no estabelecimento), caracterizado está o descumprimento de uma das obrigações contratuais, qual seja, a de fornecer serviços ao empregado (art. 6° da Lei Maior: direito ao trabalho). A situação do segundo reclamante não é melhor que a do primeiro: com 11 anos de casa, não pode dar aulas, nem entrar no estabelecimento de ensino (nem mesmo para receber salários), devendo permanecer em casa à disposição da reclamada. Pergunta-se: até quando pretende a reclamada manter esta situação?

2.6. Não se pode pois, de forma alguma, concessa venia, argumentar que a limitação de acesso às suas dependências se deu "para garantia da harmonia e regularidade da prestação de serviços". A atitude tem nítida intenção punitiva e discriminatória (infringindo o disposto no art. 5°, caput, da CF/88: princípio da isonomia) e não visa a "garantia da harmonia", mas a manutenção de uma autoridade que a reclamada julga possuir.

2.7. E é de se estranhar que tal atitude provenha de uma entidade como a ré, instituição da Igreja Católica, que, em seu estatuto fez incluir o objetivo de "criar, congregar, dirigir instituições que visem a assistência social, a promoção humana, a cultura, o ensino e a educação, quanto realizar, ela própria, estas mesmas atividades" (fls. 85, grifou-se).

2.8. Como se vê, os reclamantes têm direito ao que pleiteiam, independentemente dos cargos que ocupam (diretor sindical e representante dos empregados). Mas, o exercício destes cargos lhes dá mais substância na sua postulação. É que o art. 543 da CLT estabelece que os empregados ocupantes destes cargos não poderão ser impedidos do exercício das funções inerentes aos cargos para os quais foram eleitos. O que a reclamada fez foi mais do que isto: está impedindo (2° reclamante) ou dificultando (1° reclamante) o exercício das funções inerentes ao próprio cargo de professor. Quanto mais se diga, com relação às funções de dirigente sindical e de representante dos empregados. Assim, além do caráter individual da lesão, tem-se por caracterizada a infração, no âmbito coletivo, de vez que os reclamantes, representantes do sindicato ou dos empregados, não podem, mais, exercer, livremente, as funções dos cargos para os quais foram escolhidos.

2.9. Por todo o exposto, procedem os pedidos das letras "a" e "b" de fls. 11.

3. Os reclamantes postulam a aplicação do art. 273 do CPC, com a redação dada pela Lei n° 8.952/94 (antecipação da tutela):

O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação

Contudo, o pedido da letra "c" de fls. 11 perdeu o objeto, já que, aqui, cuida-se não de tutela antecipada, mas de provimento judicial definitivo (sentença de mérito).

4. A JCJ defere o pedido da letra "d", com fundamento no art. 287 do CPC, fixando a pena de R$200,00 diária, a favor de cada reclamante, a contar do dia seguinte ao da publicação desta decisão, ou seja, a partir de amanhã, em caso de descumprimento da ordem de retorno ao status quo ante, na forma dos pedidos das letras "a" e "b" de fls. 11, já deferidos. O valor da multa, caso não se cumpra a presente ordem judicial, deverá ser atualizado até o efetivo pagamento.

Fundamentos pelos quais,

RESOLVE a 5ª Junta de Conciliação e Julgamento de Belo Horizonte (MG), unânime, na forma da motivação supra que faz parte integrante deste decisum, julgar PROCEDENTE EM PARTE a pretensão deduzida em Juízo pelos reclamantes, para condenar a reclamada a reverter a situação dos autores, retomando o status quo ante, na forma dos pedidos das letras "a" e "b" de fls. 11, deferidos, sob pena de multa diária de R$200,00, em favor de cada reclamante, a contar da data de 26/09/95. O valor da multa será atualizado até o efetivo pagamento, caso haja o descumprimento da ordem judicial. Custas pela reclamada, calculadas sobre R$5.000,00, valor arbitrado à condenação, no importe de R$100,00. Cumpra-se o disposto no número 1 da motivação supra. Dão-se as partes por intimadas (En. 197/TST e ata de fls. 119). A seguir, encerrou-se a audiência.

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SERVIDOR PÚBLICO - ADMISSÃO SEM CONCURSO - RESPONSABILIDADE PELA CONTRATAÇÃO. ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO Nº 1048/95 Data: 23.08.95 DECISÃO DA 2ª Junta de Conciliação e Julgamento de MONTES CLAROS/MG Juiz-Presidente: Dr. AMAURI MARTINS FERREIRA Proposta a solução do dissídio e colhidos os votos dos Srs. Juizes Classistas, a JUNTA proferiu a seguinte SENTENÇA: Vistos, etc...

1. RELATÓRIO 1.1 VALDECI RODRIGUES DOS SANTOS, qualificado na inicial de fl. 02, ajuizou, em 13.07.95, reclamação trabalhista em face do MUNICÍPIO DE MONTES CLAROS e LUIZ TADEU LEITE, aduzindo, em suma, o seguinte: que foi contratado em 27.12.93, com jornada semanal de 44 horas e folgas nos finais de semana, sendo demitido, injustamente, em 31.12.94, quando percebia R$93,07 ao mês; que, quando da dispensa, foi efetuado o acerto rescisório, deixando os reclamados de lhe pagarem o FGTS, e, como sua CTPS não estava anotada, não foi liberado para ele o seguro-desemprego; que não recebeu as guias para saque do FGTS depositado, com a multa legal; que não recebeu, durante todo o pacto laboral as 05 cotas de salário-família a que faz jus. RECLAMA:FGTS com 40% de multa; 05 cotas de salário-família por todo o período; indenização substitutiva do seguro-desemprego. Protesta pela produção de provas, dá à causa o valor de R$924,94 e junta os documentos de fls. 04/10. 1.2 Regularmente notificados, comparecem os reclamados à audiência designada para 14.08.95, às 13 horas, oferecem defesa escrita conjunta, sustentando, em síntese, o seguinte: Preliminarmente, a incompetência desta Justiça Especializada, pois, a Lei Municipal nº 2.020/92 prevê as hipóteses da contratação temporária por um período de 90 dias, prorrogável por igual período; que o Município celebrou convênio com o Estado de Minas Gerais, objetivando a execução de Programas de Frentes Produtivas de Trabalho; que o reclamante foi contratado com base na legislação municipal mencionada, ou sejam, os Convênios 018/93, 020/94 e 056/94, e os recursos para acobertarem essas mesmas contratações, estavam previstos nestes convênios e em seus aditivos; carência de ação por ilegitimidade passiva da parte, por não estarem presentes os requisitos dos artigos 2º e 3º do Estatuto Consolidado, caracterizadores da relação de emprego, com a conseqüente exclusão da lide do segundo reclamado, ao argumento de que foi o Município quem contratou o reclamante, não tendo sustentação jurídica a notificação do Prefeito Municipal; impossibilidade jurídica do pedido, tendo em vista a impossibilidade de reconhecimento de vínculo empregatício entre as partes por falta de amparo legal e, por se tratar de contrato temporário, de natureza administrativa, o firmado entre reclamante e reclamados, celebrado de maneira lícita, com a observância de todos os requisitos e formalidades legais, sendo, portanto, impossível juridicamente o reconhecimento de qualquer vínculo empregatício entre as partes, impondo a extinção do processo, sem julgamento do mérito, com fulcro no artigo 267, inciso VI, do Digesto Processual Civil. No mérito, sustentam que o seguro-desemprego não tem amparo legal para ser pleiteado, uma vez que o reclamante não é regido pela CLT; que o salário-família é indevido, pelas mesmas razões do seguro-desemprego e por não terem nos autos quaisquer documentos que comprovem a existência e o número de filhos do reclamante; que o FGTS, bem como a multa, também são indevidos por falta de amparo legal e que, por lapso do Departamento Pessoal do Município, foram pagos ao reclamante conforme se comprova pelo TRCT anexo. Pedem o acolhimento das preliminares, variando com a improcedência do pedido, protestam pela produção de provas e juntam os documentos de fls. 15/17 e 29/70. 1.3 Manifestação do reclamante sobre a defesa e documentos à fl. 72. Realizou-se audiência em prosseguimento em 18.08.95, às 09 horas e 10 minutos, com a presença das partes e seus procuradores. Não produziram outras provas. As partes aduziram razões finais orais. Recusada a tentativa conciliatória. É o relatório.

2. A DECISÃO E SEUS FUNDAMENTOS 2.1 PRELIMINARES 2.1.1 INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA Rejeita-se. Argúem os reclamados a incompetência absoluta do Colegiado, em razão da matéria, ao argumento de que, contratado sob o regime jurídico único, com amparo na Lei Municipal 1.988/91, Lei Municipal 2.020/92 e Decreto do Executivo Municipal nº 1.352, de 18.05.83, e Lei Federal nº 8.651/93, em face da qual celebrou com o Estado de Minas Gerais convênio para execução de "frentes produtivas de trabalho", a matéria foge à sua competência, devendo o processo ser remetido para a Justiça Comum. Não têm razão os reclamados, pois, já se constitui em jurisprudência pacífica, no Superior Tribunal de Justiça, órgão competente para julgar os conflitos de competência entre as Juntas de Conciliação e Julgamento e os Juízes de Direito que, ainda que o direito material não ampare a pretensão deduzida, se esta o foi como matéria trabalhista, a competência para conhecimento e decisão é desta Justiça Especializada, ainda que para declarar o reclamante carecedor da ação proposta, a teor do que consta do artigo 114 da Constituição Federal,

510pois, somente esta Especializada tem competência para decidir da existência ou não de direito trabalhista: "De início, determina-se a competência pela natureza da pretensão. Se a petição inicial vem como reclamatória trabalhista, cabe à Justiça especializada dizer nos autos, em princípio. Se ficar constatado não se cuidar de tema trabalhista, dirá sobre a solução a ser dada à reclamatória. Conflito conhecido e declarado competente o suscitado. STJ - CC 1.388 - Pará (90072) - 2ª Seção, 10.10.90 - Rel. Min. Nilson Naves." (cf. LTr 55-1/57). Ou ainda: "Se a pretensão afirmada em juízo é de natureza trabalhista, ainda que formulada por servidor público estatutário, compete à Justiça Laboral, não à Justiça Comum, decidir a matéria, inclusive quanto às condições da ação. Conflito procedente, declarada a competência da Justiça do Trabalho. STJ-CC 747-SE 89.0011230-9 -Ac. 2ª Seção, 08.08.90. Rel. Min. Athos Carneiro." Cf. LTr. 56-05/595). E mais: "PROCESSO CIVIL - LIDE DE NATUREZA TRABALHISTA - COMPETÊNCIA. I - Se a inicial expõe lide de natureza trabalhista, competente será a Justiça do Trabalho. Não correspondendo os fatos como afirmados, a conseqüência será o desacolhimento da pretensão do reclamante, mas não modificação da competência, que esta se determina em função do litígio, tal como exposto pelo autor. II - Conflito conhecido para declarar competente a 33ª Junta de Conciliação e Julgamento do Rio de Janeiro" (STJ - Conflito de Competência nº 8.568-3 - Rio de Janeiro, Rel. Ministro Waldemar Zveiter, DOU 17.10.94, pág. 27.853). O Supremo Tribunal Federal, no Conflito de Competência nº 6.959-6, do Distrito Federal, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, concluiu "não importar à determinação da competência da Justiça do Trabalho dependa a solução da lide de questão de direito civil, mas sim que o fundamento do pedido assente na relação de emprego..." (Apud Pinho Pedreira, LTr. 55-05/559). A estes fundamentos e subsídios, tomados de empréstimo, deve a preliminar ser rejeitada.

2.1.2 CARÊNCIA DE AÇÃO 2.1.2.1 IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO E ILEGITIMIDADE PASSIVA "AD CAUSAM" DO

SEGUNDO RECLAMADO Rejeita-se. Atualmente, em face do que consta do inciso XXXV, do artigo 5º da Constituição Federal/88, somente esta pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Acontece que a Constituição Federal/88, em seu artigo 37, parágrafo segundo, só afastou do mundo jurídico a pretensão contra o Município, não o fazendo no que se refere ao administrador, cabendo ao judiciário integrar a norma nos termos do artigo 8º do Estatuto Consolidado. Por outro lado, não tem sustentação jurídica a invocação do reclamado de nulidade da contratação com o Município, para se eximir de eventual obrigação, em relação ao reclamante, pois, é princípio universal de direito que a alegação de nulidade não aproveita a quem lhe deu causa. Além disso, não pode o reclamado invocar, em benefício próprio direito alheio, salvo se autorizado por lei, o que não se configura no caso concreto. A legitimidade passiva do reclamado encontra-se justificada no parágrafo segundo do artigo primeiro do Decreto-lei nº 201, de 27.02.67, devendo, assim, ser rejeitada esta preliminar.

2.1.3 MEDIDAS SANEADORAS 2.1.3.1 EXCLUSÃO DA LIDE Rejeita-se. Labora em evidente equívoco o segundo reclamado, ao pretender sua exclusão da lide, pois, a lide, assim entendida a pretensão jurídica resistida, não comporta exclusão de parte. Poderia ser parte ilegítima, caso em que ocorreria a carência de ação em relação ao mesmo, ou, ainda, se parte legítima, poderia não ser parte justa, caso em que seria rejeitada a pretensão. Jamais sua exclusão da lide, pois, o direito subjetivo de ação, constitucionalmente garantido, foi contra ele exercido.

Data venia, não existe, no ordenamento processual pátrio, a figura jurídica invocada. Provavelmente, o reclamado tenha confundido exclusão do processo, com exclusão da lide. O primeiro, efetivamente, tem assento na legislação processual, mas só na hipótese prevista no inciso III do artigo 13, do Código de Processo Civil, que não se configura do caso concreto. 2.2 PREJUDICIAIS DE MÉRITO 2.2.1 NULIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO 2.2.1.1 PRIMEIRO RECLAMADO Acolhe-se. Embora a matéria tenha sido argüida como preliminar, sua natureza processual melhor se ajusta como prejudicial ao exame do mérito das parcelas pleiteadas, e nesta condição será conhecida e decidida. Articulam os reclamados defesa comum, com duplo fundamento, de resto incompatíveis entre si, pois, ao mesmo tempo em que invocam contratação baseada em convênio para as frentes produtivas de trabalho, o fazem, também, com supedâneo em contratação temporária autorizada pela Lei Municipal nº 2.020/92. Trata-se, à evidência, de institutos jurídicos completamente diversos, regulando situações jurídicas

511distintas, e instituídos para atender finalidades diversas, um excludente do outro. Ainda que a boa técnica processual recomende a desconsideração da defesa baseada em fatos excludentes entre si, o Colegiado entende por bem apreciá-la em todos os seus aspectos e fundamentos. No que se refere à vinculação da contratação do reclamante com o convênio 018/93, embora haja exigência na cláusula 15ª, alínea "o", do Convênio firmado com a Coordenadoria de Defesa Civil de existência de Lei Municipal que autorize o Chefe do Executivo a celebrá-lo e executá-lo, a prova de existência da mesma não se encontra nos autos. A destinação da verba liberada pela Coordenadoria de Defesa Civil, encontra-se vinculada na cláusula quinta (fl. 41) e discriminada em 04 itens a saber: 01) Calçamento de ruas; 02) Recuperação de prédios públicos na zona rural; 03) Construção de módulos sanitários/fossas; 04) Abastecimento de águas. Ora, tornou-se fato incontroverso ter sido o reclamante admitido para desempenho da função de ajudante de motorista, não prevista na destinação da verba conveniada, e que somente foi dispensado em 31 de dezembro de 1.994, sem qualquer vinculação expressa com a execução do Convênio. Ademais, o documento de fl. 29, juntado pelos próprios reclamados, comprova que o reclamante foi admitido sob o regime celetista, e não por intermédio de contrato administrativo; aliás, ausente dos autos. Além disso, o Convênio 018/93 foi firmado em 03.09.93, com as disposições do termo aditivo de fls. 43/45, expirou em 15.02.94, quando o reclamante só foi dispensado em 31 de dezembro de 1.994, e os reclamados não carrearam aos autos a prova de que a remuneração paga ao reclamante foi empenhada à conta vinculada do Convênio e não à conta do orçamento ordinário do Município. A questão não se prende a filigrana jurídica, mas constitui matéria de alta relevância para solução da lide, pois, em se tratando de contratação vinculada ao convênio, as despesas são empenhadas à conta do mesmo, na forma prevista na cláusula terceira, parágrafo 2º (fl. 38), e não à dotação orçamentária ordinária do Município, custeada com dinheiro do contribuinte Municipal, o que muda, por completo, o vetor da responsabilidade passiva. Assim, conclui-se que, na realidade, não há qualquer vinculação da contratação do reclamante com a execução dos convênio 018/93, ficando, assim, afastada a defesa quanto a este fundamento jurídico. Resta, pois, perscrutar quanto ao enquadramento da contratação do reclamante nas disposições da Lei Municipal nº 2.020/92. O artigo 41, da citada lei, em seu inciso III, autoriza o executivo a contratar pessoal, para atender situação de calamidade pública, mediante contrato administrativo, não enquadrado como servidor, como previsto no parágrafo 1º do referido artigo. O parágrafo 2º do artigo 41, da Lei Municipal nº 2.020/92, estatui que as contratações temporárias serão feitas pelo prazo máximo de noventa dias, prorrogáveis por igual período. Admitido o reclamante em 27.12.93, seu contrato venceu em 28.02.94, e a prorrogação, que deve ser expressa, não se encontra provada nos autos. Vencido o contrato por prazo certo, sem pactuação expressa de prorrogação pelo período legalmente admitido, sem solução de continuidade na prestação laboral, a mesma se deu por prazo indeterminado. Acontece que se tornou fato incontroverso que o reclamante foi dispensado em 31 de dezembro de 1.994. Ora, como enquadrar a contratação do reclamante nas disposições do Regime Jurídico Único do Município, é solução jurídica que os reclamados ficam a dever à Justiça. Após a promulgação da atual Constituição Federal de 05.10.88, os trabalhadores que prestam serviços aos entes de direito público interno, na administração direta, autárquica e fundacional, têm que se enquadrar nas seguintes categorias funcionais: a) funcionários (regime jurídico único, art. 39, e art. 37, inciso II, CF/88); b) detentores de função pública, em face da conversão do regime jurídico, para os servidores portadores de estabilidade, que ainda não tenham sido submetidos a concurso público, ou, se submetidos, não tenham logrado aprovação (artigo 19, das Disposições Constitucionais Transitórias, CF/88); c) contratados para exercício de função pública temporária, mediante contrato administrativo (inciso IX, art. 37, CF/88); d) designados para exercício de função pública comissionada, declarada em lei de livre nomeação e exoneração (inciso II, art. 37, CF/88). Não se enquadrando o servidor em nenhuma destas hipóteses, a vis atractiva é para contrato de emprego, pois, este, nos estritos termos do artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho, é o acordo tácito ou expresso correspondente à relação de emprego. A relação de emprego, por sua vez, emerge da prestação pessoal e não eventual de serviços subordinados de uma pessoa física a outra pessoa, física ou jurídica, e mediante salário. Assim, ainda que haja nulidade da contratação em face do que consta do parágrafo 2º do artigo 37 da Constituição Federal/88, a relação de trabalho entre o reclamante e o Município reclamado deve ser considerada como de emprego, pois, eventual não pode ser considerado o trabalhador que prestou sua força de trabalho, em atividade permanente, e em benefício da pessoa jurídica de direito público interno, sob subordinação jurídica e mediante salário. O reclamante, que não se enquadra em nenhuma das hipóteses acima arroladas, como restou exaustivamente demonstrado, deve ser considerado como celetista, e, sob este prisma jurídico, deve ser conhecida e decidida a res in iudicium deducta. Acontece que, nos termos do art. 37, inciso II, da Constituição Federal/88, o servidor público, fora daquelas hipóteses supra mencionadas, só pode ser admitido mediante concurso público de provas, ou de provas e título, estatuindo o parágrafo segundo, do referido artigo, que a infringência ao disposto no inciso segundo implica em nulidade do ato e punição da autoridade responsável. A nulidade é absoluta e discriminada constitucionalmente, não havendo possibilidade de ser convalidada pela concordância ou ajuste das partes envolvidas, nem pela natureza protetora da legislação obreira, norma de

512natureza infra-constitucional, pois, o preceito maior visa a proteger o bem público e a impor a moralidade administrativa. O próprio estatuto obreiro, em seu artigo 8º, estatui que na aplicação da lei a Justiça do Trabalho o fará de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. Ainda que se admita que os efeitos das nulidades em matéria trabalhista sejam ex nunc, os mesmos, que não são específicos da nulidade do contrato de trabalho, mas de todo contrato de trato sucessivo, só obrigam ao pagamento da contra-prestação ajustada, em face da impossibilidade de restituição das partes ao status quo ante, o que não é objeto do pedido, e não de outros direitos sociais legalmente reconhecidos ao trabalhador pela execução de um contrato válido. Mesmo porque, constitui absurdo jurídico reconhecer a nulidade de um contrato, oneroso sem que da mesma advenha qualquer efeito no plano econômico. Neste ponto, tem razão o Juiz Paulo Araújo, do Egrégio Tribunal desta Terceira Região, quando declara não se sensibilizar com o argumento de hipossuficiência presumida do trabalhador. É que, além de se tratar de argumento meramente sentimental, não há que falar, in casu, em exploração do pobre pelo rico, nem do trabalho pelo capital, já que não se encontra presente a exploração de qualquer atividade com fim lucrativo, em benefício de pessoa ou grupo econômico, mas prestação de um serviço público, de interesse da coletividade. Que, então, se extirpe da Constituição Federal o parágrafo 2º do artigo 37 e, de lege ferenda, se estabeleça que, em matéria de relação de trabalho, não haverá nulidades, mas apenas anulabilidades, pois, de lege lata, não há como alterar, por via de argumento doutrinário, a situação jurídica estabelecida pela lex fundamentalis. Assim, ou o Juiz reconhece a validade do contrato de trabalho, ao arrepio das normas constitucionais, o que se constitui em autêntica justiça de Magnaud, o bom Juiz de Château-Thierry, e não se concilia com o Estado Democrático de Direito, ou acolhe a sua nulidade absoluta, com a conseqüente rejeição liminar do pedido. Qualquer meio termo é atitude meramente magnaudiana, sem qualquer sustentação jurídica. Pede-se venia, para se discordar das abalizadas opiniões daqueles que entendem que o preceito é dirigido somente à autoridade administrativa, e que o trabalhador não pode ficar prejudicado por ter sido por aquela contratado irregularmente, e ainda que tem aplicação, no caso, o parágrafo 6º do artigo 37 da CF/88. É que o preceito é genérico e atinge o contrato em primeiro plano e, ipso facto, todas as partes nele envolvidas para, em seguida, acrescentar a responsabilização da autoridade administrativa. A responsabilização da autoridade administrativa é um adendo, e resulta da nulidade anteriormente declarada. Sem o reconhecimento da nulidade, não há penalidade para o administrador, pois, esta resulta daquela. É efeito subseqüente e subsidiário. É lógica a intenção do legislador em determinar a penalização apenas da autoridade administrativa. A uma, porque é o administrador que tem o dever de gerenciar a coisa pública dentro dos princípios da legalidade e moralidade. A duas, porque o prestador de serviços será automaticamente penalizado com a impossibilidade de receber, da pessoa jurídica de direito público interno, seus eventuais créditos originários da prestação pessoal, e não eventual, de serviços subordinados. A própria constituição excluiu, pelo parágrafo 2º do referido artigo, a responsabilização da pessoa jurídica de direito público interno pela irregularidade praticada pelo administrador, com a cominação de nulidade da contratação, e com a evidente intenção de preservar o bem comum e impor a moralidade administrativa. O dever de a administração pública indenizar os danos causados a terceiros por seus agentes, bem assim o direito de regresso previsto no parágrafo 6º do artigo 37, são pelos atos ilícitos, praticados pelos mesmos, com dolo ou culpa, não se incluindo, à evidência, a contratação irregular de servidor, por se tratar de culpa contratual, onde contribuiu o contratado com sua anuência na celebração do pacto nulo. Desse modo, a responsabilidade pelo ressarcimento ao erário a que se refere o parágrafo 4º, não deve ser entendida como sendo pelo que a pessoa jurídica de direito público, eventualmente, possa ser condenada em ação desta natureza, mas pelos valores desembolsados pela mesma como contraprestação dos serviços prestados irregularmente. Como bem acentua Roberto E. Luqui, tais condutas jamais poderiam ser consideradas como ato de Estado, mas apenas próprias e pessoais de seu agente ou funcionário, que se afastou das prescrições legais e, por isso, falta-lhes a causa que justifique a reparação por parte do poder público, diante de um ato cuja validade desconhece. Admitir-se - segundo La Fuente - que o pagamento por parte do poder público convalide o ato ilegítimo de seu agente ou funcionário equivale a encobrir a ilegalidade e a imoralidade administrativa, pois, recursos públicos seriam desviados das dotações orçamentárias específicas, e utilizados para financiar a arbitrariedade deste, autorizando, a priori, a prática de atos administrativos ilegais e imorais, ao sabor do gosto político, e capricho pessoal dos mesmos, com infringência ao caput do artigo 37 da Constituição Federal/88. Sem sustentação jurídica, data venia, a corrente defensora de que o vínculo empregatício deve ser reconhecido, a despeito da proibição constitucional, pois, na Justiça do Trabalho vige o princípio de aplicação da norma mais favorável. Em que pese tal argumento, mesmo porque está correto, em parte, já que este é um dos princípios basilares da autonomia da disciplina trabalhista, admitir que ele tem força jurídica para derrogar proibições constitucionais expressas, é o mesmo que admitir a existência de direito adquirido contra a Constituição. Tal princípio que deriva do princípio da proteção, na lição de Américo Plá Rodriguez, vale "para todas as normas trabalhistas, exceto, quando haja sido imposta inderrogabilidade absoluta, hipótese em que prevalecem as exigências da ordem pública".

513In casu, a inderrogabilidade absoluta está consagrada no parágrafo 2º, do artigo 37, da Constituição

Federal, de 05.10.88, e visa a proteger o bem público e a impor a moralidade administrativa, outro princípio ínsito no caput do artigo referido. No caso concreto, o reclamante foi admitido em 27.12.93, com infringência do inciso II, do artigo 37 da Constituição Federal, sendo, pois, nulo de pleno direito seu contrato de trabalho, devendo, assim, a prejudicial ser acolhida e rejeitado, de plano, o pedido inicial em relação ao primeiro reclamado.

2.2.2 INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE 2.2.2.1 AUSÊNCIA DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO 2.2.2.1.1 DA RESPONSABILIDADE LEGAL Invoca o segundo reclamado ausência de responsabilidade, em face da inexistência de vínculo empregatício entre ele e o reclamante e em face de ter praticado o ato na qualidade de Agente Político. No magistério do constitucionalista José Afonso da Silva, as funções do Chefe do Executivo Municipal são bipartidas em funções de governo e funções administrativas. As funções de governo se subdividem em função política, função co-legislativa e função executiva stricto sensu. A função política, relaciona-se com a representação do Município, direção geral dos negócios municipais e relações com outras autoridades; a função co-legislativa, consubstancia-se na sanção, promulgação e publicação de leis, veto em projeto de leis e envio de mensagens à Câmara sobre a situação do Município; a função executiva stricto sensu, relaciona com a fixação de diretrizes do governo municipal, o planejamento da administração local, a direção dos negócios municipais, etc. As funções administrativas, que absorvem grande parte de suas atividades, dentre elas a execução das leis, pondo em movimento a máquina administrativa, a nomeação e exoneração de seus auxiliares, o provimento de cargos públicos municipais, a expedição de atos referentes à vida funcional dos servidores locais, arrecadação e guarda das rendas municipais, a gestão do patrimônio e bens municipais. (cf. José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 10ª Ed. Malheiros, 1995, págs. 594/595). A nomeação de servidor não se insere na prática de ato no exercício da função de governo, mas mera prática de ato concernente à função administrativa, sujeita, assim, ao controle jurisdicional. Nem se argumente com o poder discricionário do administrador público, já que invoca o primeiro reclamado decreto de calamidade pública. É que mesmo os atos discricionários dos agentes públicos devem obedecer aos requisitos estabelecidos para os atos administrativos em geral, reservado ao arbítrio do administrador apenas a oportunidade e conveniência. Sobre o tema, traz brilhante explanação o Ministro Carlos Mário da Silva Veloso, do Supremo Tribunal Federal, em trabalho publicado sobre o controle externo do Judiciário, na revista da AMAGIS, volume XXIII, ano XIV, págs. 19/22, onde traça considerações de ordem histórica e tendências modernas, a partir da posição defendida pelo Juiz Américo Lacombe, sobre a preeminência do poder judiciário no século XXI:

"... as Constituições deste final de século conferem um novo sentido à cidadania. As novas Constituições querem fazer do povo o grande fiscal do poder político, despertando e convocando as pessoas para o exercício da cidadania consciente, cidadania no seu sentido mais amplo. Essa fiscalização do poder político se faz e se fará mediante a atuação do Poder Judiciário".

E continua: a Constituição de 1988, a mais democrática das Constituições que tivemos, fortaleceu essa fiscalização, ao ampliar o campo de proteção, por exemplo, da ação popular, que protege agora, também, a moralidade administrativa (CF, art. 5º, LXXIII). Aliás, fez da moralidade administrativa princípio constitucional, ao lado da legalidade, da impessoalidade e da publicidade, estabelecendo, expressamente, a sujeição da Administração Pública a esses princípios (CF, art. 37). Hoje na Europa, e também entre nós, há correntes doutrinárias de Direito Administrativo que inovam no tema do controle da Administração Pública pelo Poder Judiciário. Assim, as posições doutrinárias de Eduardo Garcia de Enterría, na Espanha, de Afonso Queiró, em Portugal, de Guido Falzone, na Itália, de Augustin Gordillo, na Argentina, de Celso Antônio Bandeira de Mello, no Brasil. Num Estado de Direito tudo se faz de conformidade com a lei, vale dizer, a Administração age dando execução à lei, observando rigorosamente a lei. Em certos casos, a lei estabelece o único comportamento a ser adotado pelo administrador perante casos concretos. Noutras palavras, casos há em que o legislador preestabelece a situação de fato e o modo de agir do administrador diante de tal situação. Tem-se, em caso assim, vinculação, ou o ato a ser praticado pelo administrador é um ato vinculado. Noutros casos, entretanto, o legislador permite ao administrador, diante de certas situações fáticas, determinada margem de liberdade para praticar ou não praticar o ato, ou concede-lhe competência para escolher o momento de praticar, ou defere-lhe opção quanto à forma do ato, ou autoriza o administrador a decidir sobre a providência a ser adotada entre as alternativas que lhe são oferecidas. Nestas hipóteses, estamos diante da discricionariedade administrativa, que Celso Antônio Bandeira de Mello resume da seguinte forma:

"Nestes casos, diz-se que há discricionariedade porque cabe interferência de um juízo subjetivo do

514administrador no que atina, isolada ou cumulativamente: a) à determinação ou reconhecimento - dentro de certos limites mais além referidos - da situação fática; ou b) no que concerne a não agir ou agir; ou c) no que atina à escolha da ocasião azada para fazê-lo; ou d) no que diz com a forma jurídica através da qual veiculará o ato; ou e) no que respeita à eleição da medida considerada idônea perante aquela situação fática, para satisfazer a finalidade legal." (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. São Paulo: Malheiros, 1992, p.17).

Posta assim a questão, indaga-se: quando a lei concede ao administrador a faculdade de decidir com discricionariedade, ela o faz com que sentido? Ela estaria, ao conceder discricionariedade ao administrador, permitindo que este deixe de adotar comportamento que satisfaça a sua exata finalidade? Responde Celso Antônio que, bem ao contrário, a discrição é "a prova de que a lei sempre impõe o comportamento ótimo."

É que, "quando a lei regula discricionariamente uma dada situação, ela o faz deste modo exatamente porque não aceita do administrador outra conduta que não seja aquela capaz de satisfazer excelentemente a finalidade legal."

Ora, se o legislador quer que o administrador, diante das circunstâncias fáticas, adote a melhor solução, "se o comando da norma sempre propõe isto e se uma norma é uma imposição, o administrador está, então, nos casos de discricionariedade, perante o dever jurídico de praticar, não qualquer ato dentre os comportados pela regra, mas, única e exclusivamente, aquele que atenda com absoluta perfeição à finalidade da lei." (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Op. cit., p.33). Então, a obrigação que a lei impõe ao administrador de tomar a melhor das decisões, para o fim de atender à finalidade posta na lei, não é apenas uma obrigação política, mas é, também, uma obrigação jurídica, mesmo porque, na lição de Guido Falzone, há um dever jurídico de boa administração e não apenas um dever moral, "porque a norma só quer a solução excelente." E se não for adotada a solução querida pela lei, que é a solução excelente, "haverá pura e simplesmente violação da norma de Direito, o que enseja correição jurisdicional, dado que terá havido vício de legitimidade." (FALZONE, Guido. Il Donere di Buona Amministrazione. Paris: Giuffrè, 1953, p. 87 et seq. Apud BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Op.cit., p.36-37). Se a lei quer que o administrador tome a solução melhor para o fim de satisfazer sua finalidade, vale dizer, a finalidade inscrita na lei, tem-se uma obrigação jurídica, por isso mesmo sujeita ao controle judicial. A doutrina é, na verdade, inovadora; inovadora e benfazeja. Ela altera conceitos, deixa longe o conceito clássico de mérito administrativo, aparta-se da afirmativa no sentido de que os motivos de oportunidade e de conveniência administrativa, utilizados pelo administrador, na prática do ato discricionário, são intangíveis ao controle judicial. Ora, diante de uma tal doutrina, o Juiz passa a ter uma atuação política - claro que quando falo em política, refiro-me à política em seu exato sentido, no seu sentido grego, não evidentemente, à política partidária, que esse tipo de política nós, Juízes, não praticamos e a queremos distante dos Tribunais - atuação política que confere preeminência à função jurisdicional. Essa doutrina de Direito Administrativo toma corpo, é objeto de considerações dos publicistas, constitui a tônica do moderno Direito Público. O que se percebe é que os povos, quanto mais tomam consciência de sua cidadania, mais desejam que os atos dos governantes sejam marcados pela moralidade. Há como que uma fome de moralidade. Isso é muito bom. É claro que a moralidade administrativa, a moralidade jurídica, se distinguem da moralidade comum:

Elas, entretanto, a moralidade jurídica e a moralidade comum, se entrelaçam nos seus objetivos. O que parece certo é que, erigida a moralidade administrativa em seu princípio constitucional, muitas vezes o Juiz terá que decidir a respeito de um ato administrativo formalmente perfeito, mas que é atentatório à moralidade administrativa. O Judiciário, por isso mesmo, deverá anulá-lo.

O argumento, além da origem abalizada, é coerente e absolutamente irrepreensível, em face dos princípios moralizadores impostos pela norma maior e que, de resto, seguem a orientação do direito novo incorporado pelo parágrafo 2º do artigo 37, da Constituição Federal, e das novas tendências mundiais do direito administrativo, em despir o agente político e administrativo daquela áurea de impunidade que impera nos regimes autoritários, cujo último bastião, em nosso País, foi o Ato Institucional nº 5, de tão triste memória, que retirou da apreciação do poder judiciário os atos administrativos baixados em conformidade com suas diretrizes. O inciso II, do artigo 37, da Constituição Federal/88, estatui que "a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração". O parágrafo 2º do mesmo artigo e diploma constitucional estabelece que "A não-observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável". O parágrafo 4º desse artigo determina que "os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento do erário, na forma e gradação prevista em lei, sem prejuízo da ação penal cabível".(grifou-se). Na dicção do parágrafo, encontra-se, à evidência, a conceituação do termo punição empregado pelo

515parágrafo anteriormente referido, isto é, na forma e gradação prevista em lei. O artigo 1º do Decreto-lei nº 201, de 27.02.67, em plena vigência, em virtude do princípio da recepção pela nova ordem constitucional, estatui, ipsis litteris:

"Artigo 1º - São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:

I... ....

XIII. Nomear, admitir, ou designar servidor, contra expressa disposição de lei; Parágrafo primeiro: Os crimes definidos neste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com pena de reclusão de 02 (dois) a 12 (doze) anos, e os demais, com pena de detenção de 3 (três) meses a 3 (três) anos. Parágrafo segundo: A condenação definitiva em qualquer dos crimes definidos neste artigo acarreta a perda do cargo e a inabilitação, pelo prazo de 5 (cinco) anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular". (grifou-se).

Vê-se, pois, que legem habemus a regulamentar a responsabilização, política, administrativa, penal e civil do Prefeito Municipal, em face da infringência do artigo 37, inciso II, da Constituição Federal/88. A responsabilização política (perda do cargo e inabilitação), administrativa (ressarcimento ao erário), e penal (privação de liberdade), é de competência da Justiça Comum, por iniciativa do Ministério Público, independente de manifestação da Câmara dos Vereadores, e a responsabilização civil é, no caso concreto, da Justiça do Trabalho. Que não se apressem os defensores de corrente contrária, no sentido de detectar, na afirmativa, contradição em face da pretensão deduzida, o que poderia afastar a competência desta Justiça Especializada. É que a autonomia do Direito do Trabalho, em face do Direito Comum, não lhe retira a natureza de disciplina civil, em contraposição aos Direitos Constitucional, Administrativo e Penal, que são normas de direito público. Quando a lei diz reparação civil, tem a intenção de regular a reparação no campo do direito privado, seja ele comum ou especial. O Direito do Trabalho é, apenas, um direito especial, em face de seu caráter protetor e do seu campo de incidência; mas regula relações contratuais de natureza privada. Ainda que assim não fosse, o parágrafo único do artigo 8º do Estatuto Consolidado admite, expressamente, a aplicação subsidiária do direito comum em matéria trabalhista. Como bem colocado por José Martins Catharino, in Compêndio de Direito do Trabalho, 3ª Ed. Saraiva, pág. 76:

"Sendo o Direito Civil quase todo privado, regulador dos direitos e obrigações relativos às pessoas, aos bens e às correspondentes relações, é indubitável que a Parte Geral do Código Civil, relativa a pessoas, domicílio, bens, fatos jurídicos, inclusive atos ilícitos, prescrição, decadência, e sua parte dedicada ao direito das obrigações são as mais mediatamente aplicáveis pelo Direito Individual do Trabalho, privado também quase todo". (grifou-se).

Na lição de José de Aguiar Dias, "o que interessa, quando se fala de responsabilidade, é aprofundar o problema na face assinalada de violação da norma ou obrigação diante da qual se encontrava o agente".

Marton estabelece com muita lucidez a boa solução, quando define responsabilidade como a situação de quem, tendo violado uma norma qualquer, se vê exposto às conseqüências desagradáveis decorrentes dessa violação, traduzidas em medidas que a autoridade encarregada de velar pela observação do preceito lhe imponha, providências essas que podem, ou não, estar previstas. Dessa forma, representa-se exteriormente toda responsabilidade precisamente pelo esquema sugerido pela etimologia, a dizer, na feição de interrogatório. O órgão emissor ou zelador da norma indaga e o violador responde, tal como figura Marton: "por que faltaste a teu dever, praticando (ou omitindo) tal ato?", ao que responde o interrogado de forma satisfatória, caso em que é desobrigado, ou de maneira irrelevante, e, então, é condenado. Adverte o próprio Marton que a resposta satisfatória se restringe a quatro pontos: a) ausência de obrigação a cargo do agente; b) existência de obrigação, sem que o agente tenha cometido o ato incriminado; c) prática do ato, sem envolver violação de dever; d) prática do ato com a conseqüência, em princípio, de violação do dever, mas forrado por uma escusa legal. (cf. Da Responsabilidade Civil, 4ª Ed. Forense, vol. I, págs. 11/12) Quando a lei se refere a condenação definitiva, entenda-se que este requisito é indispensável apenas quanto às responsabilidades política, administrativa e penal, pois, a responsabilidade civil é autônoma e objetiva; resulta da simples constatação da prática do ato ilícito, e do prejuízo advindo do mesmo, sem se cogitar de existência de culpa formada. É que a própria lei diz que ocorrerão as penalidades administrativa e penal, sem prejuízo da reparação civil. Poder-se-ia argumentar que na previsão constitucional não se encontra incluído o dever de ressarcir o prejuízo causado ao patrimônio particular, mas apenas o erário. Entretanto, a previsão legal de ressarcimento ao patrimônio particular, além de não encontrar vedação constitucional expressa, se concilia, perfeitamente, com a intenção do legislador de punir o administrador responsável pela infringência de norma, não estando, assim,

516maculada pela eiva de inconstitucionalidade. Teve a norma constitucional a intenção de regular, expressamente, apenas a responsabilização do administrador no campo do direito público, relegando à lei ordinária a regulação no campo do direito privado.

2.2.2.1.2 DA RESPONSABILIDADE POR ANALOGIA O ponto crucial da questão afrontada é a responsabilização do reclamado por eventuais créditos trabalhistas do reclamante, não em face da existência de vínculo empregatício entre eles (obrigação originária, pela sujeição do agente ao negócio jurídico livremente ajustado), o que realmente não houve, e nem se pretende ver declarada, mas da obrigação derivada da violação da norma, e do prejuízo causado com essa violação. O crédito trabalhista tem origem na prestação pessoal, e não eventual, de serviços subordinados e mediante salário, e da obrigação não adimplida pelo sujeito passivo da relação, ou por quem tenha o dever legal de satisfazê-la. Ainda que lei específica não existisse, prevendo a responsabilização do reclamado, em virtude de violação da norma constitucional, esta não se afiguraria questão extravagante, pois haveria de ser aplicada, analogicamente, a regra do artigo 455 da Consolidação das Leis do Trabalho. Como ensina Catharino, in obr. cit., pág. 96, sendo o Direito um todo orgânico, e o do Trabalho uma das suas espécies, lógico o apelo à analogia, como elemento integrativo. No caso concreto, analogia legis, em face da existência de norma legal, regulando situação semelhante. Doutrina Carlos Maximiliano, que a aplicação da analogia pressupõe: a) uma hipótese não prevista, caso contrário, tratar-se-ia de interpretação extensiva; b) a relação contemplada no texto, embora diversa da que se examina, deve ser semelhante, ter com ela um elemento de identidade; c) que esse elemento seja essencial, fundamental, não bastando afinidades aparentes, formal; exige-se afinidade real, verdadeira igualdade sob um ou mais aspectos, consistente no fato de se encontrar, num e noutro caso, o mesmo princípio básico e de ser uma só a idéia geradora, tanto da regra existente como da que se busca. (cf. Hermenêutica e Aplicação do Direito, 11ª Ed. Forense, 1.991, pág. 210/211). Resumindo a idéia de Maximiliano, a aplicação da analogia pressupõe inexistência de previsão legal para o caso concreto, e semelhança entre o caso regulado pela norma e o que se busca regular. No caso concreto, inexiste, no Estatuto Consolidado, a regulamentação da hipótese subjudice, sendo, portanto, possível a aplicação da analogia, posto que afastada a interpretação extensiva. Resta, pois, a identificação da semelhança real de que fala o Mestre da Hermenêutica e Aplicação do Direito. De lege lata tem-se como princípio básico a proteção do hipossuficiente contra a infração da norma pelo empreiteiro principal, contratando um subempreiteiro inidôneo para fugir do dever de pagar as obrigações trabalhistas, com prejuízo ao obreiro. Não é o empreiteiro principal parte no contrato de trabalho; não pode o empregado do subempreiteiro pretender que se declare a existência de relação jurídica de emprego entre ele e o empreiteiro principal, pois o artigo 455 do Estatuto Consolidado é expresso no sentido de que o vínculo jurídico de emprego se forma entre o prestador e o subempreiteiro. Entretanto, a norma obriga o empreiteiro principal a indenizar os direitos trabalhistas daquele (obrigação derivada), que são de responsabilidade deste (obrigação originária). Assim, o princípio básico gerador da norma existente, pode ser desdobrado em dois: a) proteção do hipossuficiente; b) responsabilização de terceiro pela infração da norma, ou seja, subempreitada a pessoa inidônea, com a deliberada intenção de se eximir do pagamento dos créditos gerados pela prestação pessoal, e não eventual, de serviços subordinados, por uma pessoa física a outra pessoa física ou jurídica. A inidoneidade resulta do fato de não poder o contratante adimplir a obrigação, seja por falta de recursos financeiros ou econômicos, seja pela indisponibilidade temporária de seus bens (embora economicamente idôneo), ou, ainda, em virtude de óbice legal. No caso concreto, os pontos de identificação entre a norma existente e a que se busca, são semelhantes, básicos, reais, derivados de uma mesma idéia geradora: a) proteção do hipossuficiente (o reclamante); b) penalização do reclamado (terceiro na relação jurídica de trabalho), pela contratação daquele com infração da norma e intenção deliberada de frustrar o recebimento dos créditos oriundos de uma prestação pessoal, e não eventual, de serviços subordinados, a uma pessoa jurídica de direito público interno da qual era administrador. A inidoneidade do tomador (o Município), in casu, resulta de óbice legal (art. 37, inciso II e parágrafo 2º da CF/88). Em se tratando de fraude à lei, é indiferente que esta vise ao benefício próprio do agente (o empreiteiro, segundo a norma existente), ou de terceiro (o Município, no caso concreto). O que realmente importa é o desvio inescusável de conduta do agente, frente à norma, e a integridade da malha de segurança e proteção mínima do trabalhador hipossuficiente, sem infringência à ordem constitucional vigente. Também, in casu, não é o reclamado empregador do reclamante; não pode este pretender que se declare a existência de um contrato de trabalho entre eles, com todas as conseqüências jurídicas a ele inerentes. No entanto, pode pleitear, por invocação de aplicação analógica da norma existente (em razão da semelhança real com a hipótese regulada pela mesma) que aquele seja responsabilizado pelos eventuais créditos de natureza trabalhista, cujo recebimento do tomador é frustrado pela imposição de norma cogente, infringida pelo reclamado que tinha o dever legal de obediência (artigo 37, caput, e inciso II, da CF/88). 2.2.2.1.3 DA RESPONSABILIDADE POR EQÜIDADE

517 Ainda que norma expressa não existisse, haveria de ser aplicado o princípio de eqüidade, admitido, expressamente, pelo artigo 8º do Estatuto Consolidado, pois, dentre duas interpretações possíveis, deve-se adotar aquela que melhor atenda ao interesse social, e não é justo que o hipossuficiente fique prejudicado e arque com as conseqüências do ato ilícito praticado pelo reclamado, numa verdadeira inversão de responsabilidade, quando o administrador público é que tem a seu cargo, como dever impostergável, o cumprimento das leis, e a gerência da coisa pública dentro dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, como inscrito no artigo 37, caput, da Constituição Federal/88. A estes fundamentos, deve a prejudicial ser rejeitada, pois, entende-se que o segundo reclamado é jurídica e legalmente responsável (obrigação derivada) pelo pagamento de eventuais créditos trabalhistas do reclamante, oriundos de sua contratação irregular para prestação pessoal, e não eventual, de serviços subordinados e mediante salário, ao Município de Montes Claros, com infringência do artigo 37, inciso II, da Constituição Federal/88, e na sua gestão como Prefeito Municipal.

2.3 NO MÉRITO 2.3.1 FGTS E MULTA Rejeitam-se. Embora seja fato incontroverso que não houve depósitos das contribuições para o sistema, o Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho de fl. 05 comprova que o reclamante recebeu indenização substituta acrescida da multa de 40%. Não procede o pedido, que deve ser rejeitado.

2.3.2 SALÁRIO-FAMÍLIA Acolhe-se. Defendem-se os reclamados desse pleito, ao argumento de não ser aplicado ao reclamante o regime celetista e de não haver, nos autos, prova da filiação alegada. Sem razão os reclamados. A contratação do reclamante sob o regime celetista restou amplamente demonstrada, e a filiação, ao contrário do que alegam, encontra-se comprovada às fls. 06/10. Procede o pedido, no valor líquido indicado e não impugnado.

2.3.3 INDENIZAÇÃO DO SEGURO-DESEMPREGO Acolhe-se. A irregularidade na contratação do reclamante pelo regime celetista resulta em responsabilidade do segundo reclamado, como acima já demonstrado, devendo o mesmo arcar com a indenização substitutiva desta parcela no valor líquido indicado e não impugnado.

3. C O N C L U S Ã O Por tais fundamentos, que ficam fazendo parte integrante deste decisum, resolve a 2ª Junta de Conciliação e Julgamento de Montes Claros, Estado de Minas Gerais, à unanimidade: a) rejeitar as preliminares de incompetência absoluta e carência de ação argüidas pelo segundo reclamado; b) acolher a prejudicial de nulidade do contrato de trabalho com o primeiro reclamado e rejeitar, de plano, o pedido inicial em relação ao mesmo; c) ACOLHER, EM PARTE, o pedido inicial, para condenar o segundo reclamado LUIZ TADEU LEITE a pagar ao reclamante VALDECI RODRIGUES DOS SANTOS, em oito dias, a quantia líquida de R$788,08. Juros e correção monetária incidem na forma da lei e do Enunciado 200 do Tribunal Superior do Trabalho. Custas, pelo segundo reclamado, no importe de R$15,76 calculadas sobre R$788,08, valor arbitrado à condenação. Transitada em julgado esta, recolha o reclamado as contribuições devidas à Previdência Social, comprovando nos autos, no prazo e na forma estabelecida no artigo 7º, do Provimento nº 02/93, da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, sob pena de ofício ao Instituto Nacional de Seguridade Social. Nos termos do artigo 40 do Código de Processo Penal, e à vista do que consta no artigo 1º, caput, e seu inciso VIII, do Decreto-lei nº 201, de 27.02.67, oficie-se ao Procurador Geral do Ministério Público Estadual e ao Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, enviando-lhes cópia desta sentença. Sentença publicada em audiência da qual estão cientes as partes, aplicável o Enunciado 197 do Egrégio Tribunal Superior do Trabalho. Encerrou-se.

518

SERVIDOR PÚBLICO - CONTRATAÇÃO POR EMPRESA INTERPOSTA - RELAÇÃO DE EMPREGO COM O TOMADOR DOS SERVIÇOS. ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO Nº 1366/93 Data: 17.11.94 DECISÃO DA 20ª Junta de Conciliação e Julgamento de Belo Horizonte/MG Juiz-Presidente: Dr. ALAOR SATUF REZENDE Proposta a solução do dissídio e colhidos os votos dos Srs. Juizes Classistas, a JUNTA proferiu a seguinte SENTENÇA: Vistos, etc...

I - RELATÓRIO

l. WILSON SANT'ANNA, qualificado às fls. 2, assistido pelo Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações de Minas Gerais - Sinttel/MG, ajuizou ação em face de TELECOMUNICAÇÕES DE MINAS GERAIS S/A - TELEMIG, GAP - ENGENHARIA E INSTALAÇÕES LTDA., FUNDEP - FUNDAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA, ESPRO - EMPRESA DE SELEÇÃO PROFISSIONAL LTDA. e de DJALMA BASTOS DE MORAIS, dizendo que sempre exerceu suas atividades profissionais na Telemig e em proveito desta empresa, apesar de formalmente admitido pelas outras empresas antes mencionadas; que, por força de contratações fraudulentas, deixou de receber vantagens próprias aos empregados regularmente contratados pela Telemig; que deixou de receber reajustes quando da implantação dos Planos Bresser, Verão e Collor e reclama a declaração da relação de emprego com a Telemig e conseqüente nulidade dos contratos com as demais empresas litisconsortes, enquadramento no PCCS da Telemig, com conseqüente pagamento de diferenças salariais, auxílio-refeição, cesta-básica, anuênios, diferenças salariais pelo resíduo do Plano Bresser, URP de fevereiro de 1989 e IPC de março de 1990, reflexos e honorários. A inicial veio aos autos com os documentos de fls. 10/399, aos quais se juntou o de fls. 416. 2. Citadas as Reclamadas, pessoas jurídicas, com exceção da Gap, compareceram elas à audiência (fls. 404), tendo sido determinada a emenda da inicial, o que foi feito, tendo o Reclamante explicitado ter tido a CTPS anotada pela Gap, de 4 de janeiro de l988 a 1º de fevereiro de 1991; pela Fundep, de 1º de fevereiro de 1991 a 3 de março de 1992; e, pela Espro desde 4 de março de 1992. 3. Em nova assentada (fls. 422), o Reclamante informou ter emendado a inicial (fls. 425) para pleitear gratificação de férias, que já era causa de pedir mas não fora lançado como pedido. 4. Outra sessão e o Reclamante emendou a inicial para que o presidente da Telemig, quando da propositura da ação, figurasse como um dos Reclamados (fls. 431). 5. Por força de liminar concedida nos autos do mandado de segurança nº 356/93 (fls. 437/438), impetrado por Djalma Bastos de Morais, a audiência foi adiada sine die. 6. Negada a segurança (fls. 448/467), o feito foi reincluído em pauta, tendo as partes comparecido à audiência (fls. 487), oportunidade em que se defenderam. 7. Em sua defesa (fls. 489/512), a Telemig diz ser indevida a assistência prestada pois o Reclamante não integra a categoria dos Trabalhadores em Telecomunicações, mas o Sintappi; que lícita e legítima a contratação por ela de empreiteiras, sendo prevista esta alternativa pela regra contida no art. 1.216 do Código Civil; que inaplicável do Enunciado nº 256 do TST, mesmo por ser inconstitucional eis que violado o princípio da legalidade, além de ser necessário examinar sua incidência caso a caso; que o Reclamante não sofreu qualquer lesão; que indevidas vantagens constantes dos instrumentos normativos, pois o Reclamante não integra a categoria; que o Reclamante não recebia salários inferiores aos de seus empregados; que a gratificação de férias é condicionada ao efetivo gozo destas e de toda forma deverá ser compensado o terço constitucional; que o anuênio só é devido após cada período completo de 12 meses de trabalho; que a cesta-básica e o auxílio-refeição dependem de requerimento; que não pode, ainda que pretendesse, contratar o Reclamante por não ter sido prestado concurso público; que não existiu direito adquirido aos reajustes podados pelos sucessivos planos econômicos; requer compensação; argúi prescrição e propugna pela improcedência. A defesa foi instruída com os documentos de fls. 513/630). A Gap defende-se (fls. 63l/637) argüindo prescrição pois o Reclamante deixou de ser seu empregado há mais de 2 anos, contados da propositura da demanda; que a Telemig é parte ilegítima pois lícito o contrato com ela mantido, tendo sido a efetiva empregadora do Reclamante até fevereiro de 1991; que não integra grupo econômico com a Telemig, sendo esta dona da obra e não empreiteira, não se podendo falar em solidariedade; que inaplicáveis os instrumentos normativos trazidos, pois o Reclamante não integra a categoria; que já pagou ao Reclamante tudo que lhe era devido; que o TST já se pronunciou sobre os planos econômicos; requer compensação e propugna pela improcedência. Com a defesa, vieram os documentos de fls. 638/646). Resiste a Fundep dizendo ser parte ilegítima pois se o Reclamante pretende a relação de emprego com a Telemig, não há razão para figurar no pólo passivo; que contratou o Reclamante para atender contrato que firmou com a Telemig, contratação esta com previsão no Decreto-Lei nº 200/67; que o Reclamante não é amparado pelas conquistas do Sinttel; que não existiu direito adquirido aos reajustes na época dos planos econômicos; que não é o caso da dobra; que seus empregados são representados pelo Sintappi, pelo que indevidos os honorários; que não é o caso de solidariedade. Instruiu sua defesa com os documentos de fls. 653/673). Por sua vez, defende-se a Espro argüindo a inépcia da inicial já que o pedido é dirigido à Telemig, mas foi

519estabelecido litisconsórcio passivo; ser incompetente a Justiça do Trabalho, pois se pretende a nulidade de contratos de natureza civil; que não é o caso de solidariedade e, na pior das hipóteses, ela só existiria no período em que o Reclamante lhe prestou serviços; que lícitos os contratos firmados pelas empresas Reclamadas e a Telemig; que pagou ao Reclamante tudo que lhe era devido em função do contrato com ele mantido; que inexistiu direito adquirido aos reajustes pretendidos; que indevidos os honorários; requer compensação e requer a improcedência. A defesa se fez acompanhar dos documentos de fls. 685/688. Finalmente, Djalma Bastos de Morais defendeu-se oralmente, reportando-se à defesa elaborada pela Telemig. 8. Dando seqüência à audiência, foram interrogados o Reclamante e os prepostos da Telemig e de Djalma Bastos de Morais, encerrando-se a instrução, à míngua de outras provas, sendo produzidas razões finais. As propostas conciliatórias não vingaram.

II - FUNDAMENTOS

1. DA INÉPCIA

1.1. Sustenta a Espro ser inepta a inicial pois inexistiria relação entre os litisconsortes, já que os pedidos são dirigidos à Telemig. 1.2. Embora não haja, data venia, precisão na inicial, não é o caso de inépcia. Com efeito, diz o Reclamante ter sempre prestado serviços na Telemig e em proveito desta sociedade de economia mista, bem como afirma terem "sido as outras reclamadas meras intermediárias de mão-de-obra". Tendo sido feita esta afirmação e considerando que o Reclamante especifica o período que teria trabalhado para as Reclamadas (fls. 414/415), constata-se a existência do necessário nexo de causalidade.

2. DA INCOMPETÊNCIA

2.1. A preliminar de incompetência, também argüida pela Espro, é ancorada na tese de que, efetivamente, a pretensão é de declaração de nulidade de atos civis que escapariam da delimitação da jurisdição feita pelo art. 114 da Constituição Federal. 2.2. A tese inteligentemente eriçada, como sói acontecer com o ilustre advogado da mencionada empresa, permissa maxima venia, retrata mero silogismo. 2.3. Isto, pois a pretensão do Reclamante não é a de questionar o relacionamento contratual existente entre sociedade de economia mista e sociedades particulares. Pretende o Reclamante haver as diferenças elencadas no pedido e entende que as Reclamadas são por ela responsáveis. Todavia, para se chegar ao exame do pedido será necessário examinar o relacionamento entre sociedades. Este exame, por óbvio, restringe-se aos limites necessários para apreciação do pedido formulado. Ainda que se declare a nulidade de algum contrato havido entre as Reclamadas, tal declaração limita-se ao caso concreto. Tem como escopo, apenas e tão-somente, viabilizar a pretensão de um empregado em face de seu empregador. 2.4. Em outras palavras, a competência da Justiça do Trabalho não se limita a aplicar a legislação do trabalho. Sua competência implica no completo exercício da jurisdição, examinando qualquer tipo de questão e matéria, sempre que necessário para solver conflito entre empregado e empregador.

3. DO RELACIONAMENTO DAS PARTES

3.1. Enquanto as Reclamadas sustentam terem mantidos lícitos contratos, de natureza civil, o Reclamante bate-se pela ocorrência de fraude que implicaria em ter sido seu vínculo de emprego, desde 4 de janeiro de 1988, com a Telemig. 3.2. Dentro de sua tese, a Telemig assevera que o Enunciado nº 256 da Súmula de Jurisprudência Predominante do Tribunal Superior do Trabalho seria inconstitucional pois teria a mencionada Corte invadido competência dos Poderes Legislativo e Executivo. Muito embora este Juiz Presidente concorde que, a pretexto de uniformização jurisprudencial, tenha o Colendo Tribunal Superior do Trabalho ultrapassado tal barreira e se imiscuído na seara legislativa, certo é que, em nosso ordenamento, inviável a declaração de inconstitucionalidade de enunciado ou verbete de súmula à míngua de normatividade - já que não obrigam as instâncias inferiores. Não era de adoção obrigatória o referido enunciado, como continua não sendo obrigatória a adoção da "norma" contida no extenso Enunciado nº 331 da Súmula de Jurisprudência Predominante do Tribunal Superior do Trabalho. Casos em que pretendeu o Colendo Tribunal Superior do Trabalho solucionar com os referidos verbetes 256 e 331 devem ser analisados individualmente para se aferir, com precisão necessária, a atração, ou não, do comando inserto no art. 9º da CLT. 3.3. Os contratos celebrados em matéria privada, em princípio, são válidos pois ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, nos termos do inciso II do art. 5º da Carta Política. Todavia, não se pode perder de vista que constituem-se fundamentos da República "a dignidade da pessoa humana" e "os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa" (incisos III e IV da Constituição Federal).

520 3.4. Ademais, a empresa não é mera fonte de ganho para seus acionistas. Tem ela obrigações com a sociedade na qual está inserida. O sempre erudito ALFREDO LAMY FILHO, em brilhante artigo publicado no nº 190 da Revista de Direito Administrativo (Ed. Renovar, nº 190, out-dez/92), ministra que

"O dever social da empresa traduz-se na obrigação que Ihe assiste, de pôr-se em consonância com os interesses da sociedade a que serve, e da qual se serve. As decisões, que adota - como vimos - têm repercussões que ultrapassam de muito seu objeto estatutário, e se projetam na vida da sociedade como um todo. Participa, assim, o poder empresarial do interesse público, que a todos cabe respeitar." (p. 58).

Após mencionar polêmica, acerca da responsabilidade das empresas, travado entre os Professores Adolf Berle e Merich Dodd Jr. nos anos de 1931/1932, e transcrever manifestação do Ministro Douglas, da Corte Suprema, arremata o Professor radicado na cidade do Rio de Janeiro:

"E, em verdade, a matéria não mais comporta divergência no direito brasileiro, pois já foi consagrada na vigente Lei de Sociedades por Ações (Lei 6.404/76) que, no seu art. 154, prescreveu:

"Art. 154 - O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto Ihe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa."

"Da mesma forma, no art. 116, parágrafo único, ao disciplinar a figura do acionista controlador, dispôs"

"O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a realizar o seu objetivo a cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos interesses deve lealmente respeitar e atender." (p. 59, destaques do original).

Constata-se, pois, não se tratar de discussão acerca de pontos programáticos contidos na Carta da República. Discute-se, de forma precisa, fulcrado na Lei das Sociedades por Ações. 3.5. É necessário, entretanto, ir um pouco além. Isto, por ser a Telemig constituída como sociedade de economia mista. A empresa paraestatal tem como finalidade precípua servir à comunidade que, em última análise, a criou. Neste sentido, assevera o grande mestre Caio Tácito que

"Nas empresas estatais, a affectio societatis, peculiar à sociedade privada (comunhão de vontades dirigida a um precípuo fim lucrativo) cede passo a um objetivo de utilidade pública, embora de teor econômico. A sociedade privada, nada obstante a função social da empresa, é voltada para o acionista. A empresa pública - e particularmente a sociedade de economia mista - devendo também considerar os interesses dos acionistas, é voltada para o usuário, ou seja, para a comunidade.

Na descrição de Hanson, "a empresa pública não é um negócio comum no qual o Estado mantém o capital; é uma agência de desenvolvimento econômico" (A. H. Hanson, Public Enterprise and Economic Development, Londres,1960, p. 441)." (RDA, 195, jan-mar/94, p. 2).

A função social da empresa e, em especial, da empresa paraestatal é elemento essencial para análise do relacionamento entre as partes. 3.6. Surge, portanto, a seguinte questão: Qual o motivo da contratação de empreiteiras pela Telemig? A resposta, mediante exame perfunctório, é de singeleza ímpar! Para se atender ao comando do Decreto-Lei nº 200/67, no sentido de descentralizar atividades executivas. Entretanto, analisando-se mais detidamente, no caso em apreço, não foi esta a finalidade da Telemig. Com efeito, o Reclamante - trabalhasse para a Gap, para a Fundep ou para a Espro, sempre desempenhou as mesmas atividades. Mais, aprovado em concurso público em 1994, continuou a desempenhar as mesmas funções. O local de trabalho e os chefes, também, sempre foram os mesmos, como se verifica pelo depoimento do preposto (fls. 714). Mais, pela mesma fonte probatória, verifica-se ter o Reclamante laborado, lado a lado e em idênticas atividades, com empregados contratados pela Telemig. Pior, pelo que se pode ver, o Reclamante foi admitido pela Gap que, sucedida pela Fundep foi por ela admitido e, quando esta foi sucedida pela Espro, passou a prestar-lhe serviços. Se é assim - e é - os contratos celebrados entre a Telemig e as demais empresas não representam lícitas empreitadas. Há mera intermediação de mão-de-obra, no mínimo.

4. DO RELACIONAMENTO ENTRE RECLAMANTE E TELEMIG

4.1. Como se viu no item anterior, os contratos mantidos pela Telemig com a Gap, Fundep e Espro não constituem empreitadas lícitas, mas mera intermediação de mão-de-obra.

521 4.2. Sendo assim, tendo o Reclamante trabalhado em atividades previstas no plano de cargos e salários da Telemig, lado a lado com empregados da estatal de telecomunicações, assim por ela reconhecidos, é de se declarar que o contrato de trabalho se estabeleceu entre eles, desde o início. Em outras palavras, declara-se a existência da relação jurídica de emprego, entre Reclamante e Telemig, com início em 4 de janeiro de 1988. 4.3. Entretanto, não pode este Colegiado passar da declaração, sendo inviável, até mesmo a determinação de anotação da CTPS - independentemente do exame dos pedidos que será oportunamente feito. Com efeito, a Constituição Federal estabelece, de forma peremptória, que a admissão em cargo ou emprego público se faça, exclusivamente (com a óbvia exceção das funções de confiança, especificadas em lei) por concurso público. Se se admitir, seja qual for a data de admissão, que, em casos como o presente seja imposta qualquer condenação, seja de dar, seja de fazer, estará aberta a brecha (quiçá, rombo) desejada pelos maus administradores. Bastará a admissão de apaniguados, por qualquer empreiteira, a sua inserção em atividades próprias do quadro de pessoal do órgão ou empresa e, passados 4 anos, terminado o mandado, virá ele à Justiça do Trabalho. Reconhecida a fraude, determina-se que o órgão ou empresa efetue as reparações legais, podendo-se chegar até ao concurso público judiciário se se pretender a declaração de estabilidade. 4.4. Em suma, a lesão aos cofres públicos e a ampla acessibilidade aos cargos e empregos públicos, objetivos que o legislador constitucional rejeitou e almejou, respectivamente, são sacrificados. No caso da ampla acessibilidade, até mesmo inviabilizado. Com as admissões pela Justiça do Trabalho, não mais existirão vagas e, conseqüentemente, concursos públicos.

5. DA RESPONSABILIDADE

5.l. Não se pode, contudo, simplesmente reconhecer a fraude e declarar a existência de relação jurídica de emprego entre o Reclamante e a Telemig. Esta seria uma decisão sem qualquer efetividade, o que repugna à função jurisdicional. A solução para a justa solução do conflito é dada pela própria Carta da República, em seu § 2º do art. 37. Deve responder por eventual condenação o último Reclamado, Djalma Bastos de Morais, presidente da Telemig quando da propositura da ação. 5.2. Com efeito, praticou - por ação ou omissão-ato em desconformidade com a finalidade legal. Contratou empreiteira quando precisava de empregado. Os atos administrativos, para formação válida, exigem a observância de seus requisitos, quais sejam: - competência, finalidade, forma, motivo e objeto. No caso dos autos - contratação do Reclamante e sua manutenção no cargo - só se vê o requisito da competência. Houve em verdade, desvio de poder. Pertinente a lição do festejado Celso Antônio Bandeira de Mello, senão vejamos:

"Sublinhe-se, uma vez mais, que tanto haverá desvio de poder quando a autoridade pratica um ato com objetivos alheios a qualquer interesse público (perseguição ou favoritismo) quanto nas hipóteses em que, embora buscando um interesse público, o faz mediante ato cuja destinação legal é diversa. Em tal caso a autoridade incorre em desvio de poder por haver-se valido de um meio jurídico inidôneo para servir ao fim que buscou, já que a via utilizada era - de direito - preordenada a satisfazer outro escopo administrativo e não aquele para o qual foi manejado. Como diz Eduardo Garcia de Enterria: "Los poderes administrativos no son abstractos, utilizables para cualquier finalidad; son poderes funcionales, otorgados por el ordenamiento en vista de un fin específico, con lo que apartase del mismo ciega la fuente de su legitimidad."

Com efeito, cada ato expressivo de uma competência traz insculpido em si um destino correspondente àquela competência. Ora, cada competência só pode ser exercitada para alvejar os fins em vista dos quais foi normativamente instituída; donde, os atos consectários de uma competência não podem ser expedidos senão para atender às finalidades a ela inerentes. Daí serem viciados de desvio de poder os comportamentos administrativos que miram dado objetivo público por meio de atos cujos escopos, a luz do direito positivo, sejam os de servir outros objetivos públicos distintos dos que foram coliminados." (RDA, nº 172, abr-jun/88, pp.12 e 13).

Como já dito, contratou-se empreiteira quando se necessitava de empregado. 5.3. Por outro lado, não seria o caso de condenação da Telemig que, posteriormente, buscaria ressarcimento do administrador? A resposta, data maxima venia, é negativa, pelos motivos expostos no item 4 retro. Nem se diga que há ou estaria havendo cerceamento do direito de defesa. Djalma Bastos de Morais foi validamente citado e só não produziu provas por desinteresse. Aplicável, por analogia, o entendimento adotado pela Excelso Supremo Tribunal Federal, a saber:

"A determinação contida em acórdão proferido em ação popular no sentido de que vereadores devolvam as parcelas de subsídios que receberam a mais é compatível com o disposto no art.11 da Lei nº 4.717/65, segundo o qual os autores de lesão patrimonial devem responder por perdas e danos.

522Os efeitos de atos nulos ou anuláveis não são diferentes no tocante à reparação devida por aquele considerado responsável pela lesão." (RE 74.248, Rel. Min. Aldir Passarinho, in RDA nº 157, jul-set/1984, p. 228).

Pouco importa o nome da ação, importa que se reconheça a lesão, observado o direito de defesa. 5.4. Finalmente, porque Djalma Bastos de Morais e não o presidente à época da contratação ou o presidente na data da prolação desta sentença? A resposta reside no instituto da perpetuação da jurisdição. Djalma Bastos de Morais era o presidente da Telemig na data do ajuizamento da demanda e, ainda que teoricamente, todo o processado ocorreu naquela data. 5.5. Se o Reclamante sempre foi empregado da Telemig (em face de quem se faz declaração) e o responsável por condenação é Djalma Bastos de Morais, Gap, Fundep e Espro são partes ilegítimas para figurarem no pólo passivo da relação processual, pois nulas as relações por elas mantidas com o Reclamante. Destaque-se que a solidariedade decorre da lei ou do contrato. 5.6. Concluindo, o último Reclamado é o responsável por condenação que vier a ser imposta nestes autos.

6. DOS DEMAIS PEDIDOS

6.1. Pretende o Reclamante haver diferenças salariais por ter recebido salário inferior àquele pago pela Telemig ao seu pessoal "direto", no que foi secundado ao argumento de que os salários pagos pelas "empreiteiras" era idêntico ao de seu pessoal. Negado o fato constitutivo - existência de diferenças - era do Reclamante o ônus da prova. Quedou-se inerte. O mesmo se dá com relação aos reajustes derivados de normas coletivas. 6.2. Tendo a Telemig praticado ato com desvio de poder, o Reclamante não pode requerer os benefícios auxílio-refeição e cesta básica, oportunamente. Desta forma, são devidos como se requerido tivessem sido. 6.3. Como os empregados da Telemig recebem gratificação de férias de 70% dos salários e o Reclamante recebeu apenas 1/3 sobre a remuneração de férias, devidas as diferenças. 6.4. Não tendo recebido anuênios, como os demais empregados da Telemig, são devidos até a data da admissão por concurso público, já que não se pode impor ao último Reclamado obrigação vitalícia impossível, ainda que se pretenda, de ser resolvida. 6.5. Argumenta o Reclamante ter sido violado direito adquirido ao reajuste em abril de 1990, pois o IPC de março daquele ano representava inflação já verificada quando da edição da Medida Provisória nº 154/90. Não há se falar, concessa maxima venia, em violação de direito adquirido. Em 16 de março de 1990, os trabalhadores não podiam exigir o pagamento dos salários de abril, quanto mais exigir o pagamento deles reajustados segundo determinada fórmula. Ofensa a direito adquirido existiria se suprimido o reajuste dos salários de março pelo IPC de fevereiro de 1990. Neste caso, a condição básica para aquisição do direito - trabalho no mês do reajuste - já tinha sido aperfeiçoada. Neste sentido, a decisão proferida pelo Excelso Supremo Tribunal Federal - guardião-mor da Carta, senão vejamos:

"Mandado de segurança contra ato omissivo do Presidente do Supremo Tribunal Federal, em virtude do qual ficaram privados os Impetrantes, funcionários da Secretaria da Corte, do reajuste de 84,32% sobre seus vencimentos, a decorrer da aplicação da Lei nº 7.830, de 28-9-89.

Revogada esta pela Medida Provisória nº 154, de 16 de março de 1990 (convertida na Lei nº 8.030-90), antes que se houvessem aperfeiçoados os fatos idôneos à aquisição do direito ao reajuste previsto para 1º-4-90, não cabe, no caso, a invocação da garantia prevista no art. 5o, XXXVI, da Constituição." (MS 21.216-1-DF, Rel. Min. Octávio Gallotti, in DJ, de 28/06/91).

Desta forma, a Reclamada apenas cumpriu a lei vigente em 1º de abril de 1990, merecendo ser lembrado que Roma locuta, causa finita sendo que, em sede constitucional, "Roma" é o Excelso Pretório. O caso da URP de fevereiro de 1989 é, em tudo, análogo ao antes examinado. Isto, pois, já era conhecido o índice de reajuste do mês subseqüente, ocorrendo a mudança da política salarial em 15 de janeiro de l989. Confirmando sinalização - via liminar concedida para cassar atos de Tribunais do Trabalho concessivos do reajuste a servidores - decidiu o Excelso Supremo Tribunal Federal

"REMUNERAÇÃO - REVISÃO - COMPETÊNCIA - ATO DE TRIBUNAL - IMPROPRIEDADE. A revisão remuneratória há de estar prevista em lei. Mostra-se inconstitucional, passível de sofrer o controle concentrado, ato de tribunal que implique determinação no sentido de proceder-se, de maneira geral, à revisão dos vencimentos, proventos e pensões devidos a servidores e beneficiários. A extensão do ato, a abranger todo o quadro funcional, bem como a inexistência de lei dispondo em tal sentido informam a normatividade."

"REVISÃO DE VENCIMENTOS - REPOSIÇÃO CONSIDERADAS A URP DE FEVEREIRO DE 1989 (26.06%) E AS PARCELAS COMPREENDIDAS ENTRE O CITADO MÊS E O DE OUTUBRO DE 1989. Até o advento da Lei

523nº 7.730, de 31 de janeiro de 1989, resultante da conversão da Medida Provisória nº 32, de 15 do mesmo mês, salários, vencimentos, soldos e benefícios devidos a servidores civis e militares ou por morte destes eram reajustados mensalmente pela Unidade de Referência de Preços (URP), calculada em face à variação do índice de Preços ao Consumidor no trimestre anterior e aplicada nos subseqüentes - artigos 3º e 8º do Decreto-Lei nº 2.335/87. A Lei nº 7.730/89, porque editada antes do início do mês de fevereiro de 1989, apanhou as parcelas a este correspondente, não se podendo cogitar de retroação. O período pesquisado para o efeito de fixação do índice alusivo ao reajuste não se confunde com o elemento temporal referente à aquisição do direito às parcelas a serem corrigidas. Mostra-se inconstitucional ato de tribunal que importe na outorga de tal direito, ainda que isto aconteça sob o fundamento de estar-se reconhecendo a aquisição segundo certas normas legais, mormente quando frente a diploma que, ao disciplinar a reposição, fê-lo de forma limitada quanto aos efeitos financeiros, como ocorreu com a edição da Lei nº 7.923/89, cujos artigos 1º e 20 jungiram o direito às parcelas devidas após 1º de novembro de 1989." (ADln-694-1-DF, Redator Min. Moreira Alves, in DJ, seção I, de 11.03.94, p.4095).

O Reclamante não era empregado da Telemig quando do chamado Plano Bresser. 6.6. Sendo o Reclamante empregado da Telemig, está bem assistido e, conseqüentemente, devidos os honorários.

7. DA PRESCRIÇÃO

7.1. Argüida a prescrição, deve ser ela acatada, na forma da parte inicial da alínea a do inciso XXIX do art. 7º da Constituição Federal, declarando-se prescritas as pretensões anteriores a 18 de setembro de 1988.

III - CONCLUSÃO

l. Posto isto, resolve a 20ª Junta de Conciliação e Julgamento de Belo Horizonte, por maioria, vencido o Juiz Classista representante dos empregadores quanto a responsabilidade do último Reclamado: 1) extinguir o processo sem julgamento de mérito com relação às Reclamadas Gap - Engenharia e Instalações Ltda., Fundep - Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa e Espro - Empresa de Seleção Profissional Ltda.; 2) declarar a existência da relação jurídica de emprego entre Wilson Sant'Anna e Telecomunicações de Minas Gerais S/A, desde 4 de janeiro de 1988; e, c) julgar PROCEDENTE EM PARTE o pedido para condenar Djalma Bastos de Morais a pagar a Wilson Sant'Anna, em 8 dias, observada a prescrição declarada, as seguintes parcelas: a) anuênios, na forma regulamentar, b) auxílio-alimentação e cesta-básica, na forma regulamentar; c) diferença entre o terço de férias e a gratificação de férias paga pela Telemig. 2. A 1ª Reclamada pagará custas de R$2,00, calculadas sobre R$100,00, valor arbitrado. 3. Intimem-se as partes. Encerrou-se.

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SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA - PRESIDENTE - RELAÇÃO DE EMPREGO. ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO Nº 2.061/94 Data: 27.04.95 DECISÃO DA 1ª Junta de Conciliação e Julgamento de UBERABA/MG Juiz-Presidente: Dr. ANTÔNIO CARLOS RODRIGUES FILHOProposta a solução do dissídio e colhidos os votos dos Srs. Juizes Classistas, a JUNTA proferiu a seguinte SENTENÇA: Vistos, etc...

JOãO AURéLIO ZAGO, engenheiro civil, devidamente qualificado às fls. 2, ajuíza reclamação trabalhista em face de GOHAGRA - Companhia Habitacional do Vale do Rio Grande, alegando, em síntese, que foi admitido em 2 de janeiro de 1989 e dispensado sem justa causa em 4 de janeiro de 1993. Ocupava o cargo de engenheiro civil, acumulado com o de presidente da Reclamada, percebendo em conseqüência salário fixo mais gratificação de função. A Reclamada efetuou corretamente os depósitos do FGTS, fez a respectiva liberação, no código 01, mas não lhe pagou a multa de 40%. Não recebeu as reparações legais por ocasião da dispensa e a Reclamada não procedeu ao lançamento da data de saída em sua Carteira de Trabalho. É o que pretende, conforme detalha às fls. 4 e 5 da petição inicial. Com a petição inicial, acosta os documentos de fls. 7/20. Atribuiu à causa o valor de R$300,00. Defendendo-se sustenta a Reclamada que o Reclamante é carecedor da ação, por impossibilidade jurídica do pedido, pois, a regra para ingresso na Reclamada é o concurso público. No mérito, o pedido é improcedente. O Reclamante não exerceu cargo de engenheiro, no período em que ocupou a Presidência da Reclamada. Não há falar em direitos trabalhistas, por ausência de causa. A contratação do Reclamante se limitou a aspectos puramente formais, não se materializando no plano dos fatos. O Reclamante foi eleito, pela assembléia, na condição de diretor, como seu representante maior, onde e no exercício do mister podia praticar todos os atos de gestão que os estatutos sociais lhe conferiam, pelo que não era um empregado, na verdadeira acepção da palavra. Cita excerto doutrinário e jurisprudencial acerca do tema. Impugna detalhadamente os itens do pedido. Reitera a preliminar de carência da ação e a improcedência. Com a defesa prévia, acosta os documentos de fls. 34/59, a respeito dos quais se manifestou o Reclamante, através da petição de fls. 60/65. Depoimento pessoal do Reclamante e do representante da Reclamada, conforme a ata de fls. 71. Foram ouvidas 4 testemunhas, conforme os depoimentos de fls. 72 e 73. Sem outras provas, encerrou-se a instrução processual, com razões finais orais. Recusadas ambas as propostas de conciliar as partes. É o relatório. Tudo visto e examinado.

Decide-se DA PRELIMINAR DE CARÊNCIA DA AÇÃO

Em síntese, sustenta a Reclamada que o Reclamante é carecedor da ação, por faltar possibilidade jurídica ao seu pedido, pois o Autor não se submeteu a concurso público para ingresso nos quadros da Reclamada. Assiste razão à Demandada, porém, data venia, por outro fundamento. O Reclamante, de fato, é carecedor do direito de ação, mas não por faltar possibilidade jurídica ao seu pedido, condição de ação, renegada, inclusive, pelo mestre italiano que criou tal categoria no direito processual. Na última edição de seu Manuale di diritto processuale civile, publicada por Dott. A. Giuffrè - Milão, 1974, Enrico Tulio Liebman, já havia cassado esta figura da categoria processual denominada condições da ação, fundindo-a em outra figura: interesse ad agire (op. cit. pág. 114, da edição espanhola). É por isto que o Código de Processo Civil de 1973 não fala em possibilidade jurídica no seu artigo 3º. Contrariamente, para propor e contestar ação, diz o Código, é necessário apenas ter interesse e legitimidade. Apanhou, pois, nesse passo, a atualização proposta pelo professor italiano, infelizmente, não aproveitada na redação do artigo 267, inciso VI. Mas se para propor demanda basta interesse e legitimidade, na análise destes requisitos restará respondida a questão preliminar de admissibilidade da demanda, ou seja, sobre a necessidade do processo para prover sobre a coisa debatida em juízo e a legitimação do Reclamante como titular da ação e da Reclamada como contraparte. Como no direito constitucional positivo, somente tem direito de demandar nesta Justiça do Trabalho quem é empregado, admitindo-se, v.g., com reservas, apenas, empreiteiro artíficie (CF/88, artigo 114), fora destas duas hipóteses, não há correspondência entre o titular do interesse e quem está no comando ou no pólo ativo do processo. Portanto, neste caso, especificamente, o demandante deve ser julgado carecedor do direito de ação. É o que acontece com o Reclamante. Muito embora tenha tido sua Carteira de Trabalho assinada, de fato, nunca foi ele empregado da Reclamada, na mais lídima acepção deste termo. Tratando-se a Demandada de uma sociedade de economia mista, cujo controle acionário pertence ao Município de Uberaba, foi o Autor indicado pelo prefeito municipal anterior para a Presidência da Companhia de Habitação do Vale do Rio Grande. Durante todo o período em que esteve vinculado à COHAGRA, o Reclamante exerceu a sua Presidência. Em momento algum acumulou ou exerceu cargo de engenheiro civil na Reclamada. Foi o seu efetivo presidente. Em razão de dúvidas surgidas por ocasião da posse do Reclamante, acerca da natureza jurídica do seu

525vínculo com a Companhia é que foi assinada a sua Carteira de Trabalho, cominando-se, no contrato, o cargo de engenheiro civil (documento de fls. 8); no entanto, desde a sua admissão até a data de seu efetivo desligamento, o Autor, frise-se, exerceu o cargo de presidente da Companhia, o que, data venia, exclui a possibilidade da existência de um contrato de emprego com a Reclamada. Caso contrário, de acordo com a melhor doutrina e com a jurisprudência predominante, ter-se-ia de admitir que, desde a admissão até a dispensa, o Reclamante esteve com o contrato de trabalho suspenso (TST - Súmula nº 269). Aliás, o próprio Reclamante dá razão à Reclamada quando esta afirma que o Autor jamais trabalhou como engenheiro civil (razões finais, fls. 76). O princípio da realidade, magistralmente sintetizado por De la Cueva e sistematizado por Plá Rodriguez tem mão dupla. Antes, revela o que se passou; efetivamente, quer-se dizer, em concreto, entre o Reclamante e a Reclamada. Apesar de o Reclamante ter sido registrado como empregado da Reclamada, de fato, nunca o foi. Sua contratação foi meramente formal, pois o Autor sempre ocupou o cargo de presidente da Companhia. Como membro e agente principal da Diretoria Executiva da Reclamada, o Autor jamais poderia ser seu empregado. Com efeito, o fato de o Reclamante, enquanto presidente, ter estado subordinado ao Conselho de Administração da Companhia, como órgão deliberativo ou, em última instância, à Assembléia de Acionistas, não autoriza a conclusão pela existência de subordinação em dose tal que se possa entender o liame entre as partes como um contrato de emprego. Não há relação entre a subordinação hierárquica funcional ou técnica devida entre a diretoria executiva de uma sociedade de economia mista e a subordinação decorrente de um contrato de emprego. O magistério, no caso, é de Délio Maranhão, que, para não deixar margem de dúvida a respeito, demonstra claramente a diferença entre estas espécies de relações:

As "sociedades nascem com os órgãos indispensáveis à sua vida de relação. São integrantes delas. O funcionamento desses órgãos é que depende de pessoas naturais". O diretor ou administrador de sociedade anônima, representante legal da pessoa jurídica, não como mandatário (o mandato pressupõe dois sujeitos), mas como uma pessoa física, da qual depende o funcionamento da própria pessoal jurídica, não pode ser conseguintemente, empregado da sociedade, um de cujos órgãos integra (in Maranhão, Délio - Direito do Trabalho - 16ª ed. - Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1992, pág. 58). Grifos nossos.

Não há, pois, como vislumbrar, no caso, a existência de um contrato de emprego. Induvidosamente, a ementa citada pelo Reclamante, em suas razões finais, data venia, constitui entendimento minoritário, sem respaldo na melhor doutrina e na jurisprudência predominante no Colendo Tribunal Superior do Trabalho, cuja tendência é determinada pelo enunciado na supra citada Súmula nº 269. Assim, como foi dito no início, não se verificando a correspondência entre a pessoa que demanda e a titularidade da situação material trazida a exame judicial (teoria da asserção), deve o Reclamante ser julgado carecedor da ação. A pesquisa toda foi desenvolvida no plano do direito material, mas as conseqüências ficaram restritas à ordem processual. De acordo com a ciência processual, assim deve ser.

Por tais fundamentos, Resolve a 1ª Junta de Conciliação e julgamento de Uberaba, à unanimidade, julgar o Reclamante carecedor da ação, por lhe faltar legitimidade ad causam. Custas, pelo Reclamante, no importe de R$20,00, calculadas sobre R$1.000, 00. Cientes as partes, nos termos da Súmula nº 197/TST. Em seguida, encerrou-se a audiência.

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TRABALHADOR RURAL - PARCERIA AGRÍCOLA - RELAÇÃO DE EMPREGO. ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO Nº 191/95. Data: 23.06.95 DECISÃO DA Junta e Conciliação e Julgamento de PATROCíNIO/MG Juiz-Presidente: Dr. ANTÔNIO GOMES DE VASCONCELOS Proposta a solução do dissídio e colhidos os votos dos Srs. Juízes Classistas, a JUNTA proferiu a seguinte SENTENÇA: Vistos, etc...

I - RELATA-SE:

SENI JOSÉ DA COSTA e MARIA APARECIDA DA COSTA, qualificados nos autos, pleiteiam nesta Justiça Especializada, aviso prévio com reflexos nos FGTS + 40% e RSR; férias vencidas em dobro (1991 a 1993) com acréscimo do terço e reflexos no FGTS + 40% e RSR; férias vencidas (1993/1994) com acréscimo do terço e reflexos no FGTS + 40% e RSR; férias proporcionais mais o terço com reflexos; 13º salário integral; horas extras com adicional de 50% com reflexos no 13º salário, férias + 1/3 e FGTS + 40%; domingos e feriados trabalhados; liberação do FGTS + 40% ou pagamento de indenização equivalente; multa do art. 477/CLT; salário família; guias para liberação do Seguro Desemprego; assinatura dos contratos nas CTPS, em ação ajuizada contra SEBASTIÃO NUNES, pelos fatos e fundamentos que aduzem. Alegam que trabalharam para o reclamado de 18.11.91 a 29.01.95 ambos na função de vaqueiro, quando foram injustamente dispensados; cumpriam jornada de trabalho de 04:00 às 17:00 horas com intervalo de 01:00 hora; faziam a ordenha duas vezes por dia, de manhã e à tarde; recebiam a contraprestação em porcentagem de 9% da produção do leite; tiravam em média 500 a 1200 litros de leite por dia; o último pagamento que receberam foi de R$700,00 por mês; residiam na Fazenda Jovissema; os seus filhos Sidney Denis da Costa (17 anos), Sirley Lérica da Costa (16 anos), Ilza Lérica da Costa (14 anos), Rejane Marília da Costa (12 anos) trabalhavam com os autores; nunca receberam comprovante de pagamento e "do leite"; conforme anotações particulares a produção de leite nos dias 31.12.94, 01.01.95, 02.01.95, 03.01.95, 04.01.95, 05.01.95 foi a seguinte, respectivamente: 1022, 1076, 1104, 1110, 1078, 963 litros, no total; não receberam aviso prévio, não receberam nem gozaram férias, bem como não receberam 13º salários, por todo o período de trabalho; o FGTS não foi depositado; as horas extras não foram pagas; as CTPS não foram anotadas; fazem jus ao terço constitucional sobre férias, multa de 40% sobre o FGTS e multa do art. 477/CLT; o reclamado não cumpriu suas obrigações trabalhistas e despediu injustamente os autores, ferindo o art. 483 "d" da CLT, ensejando a dissolução da relação de emprego por ato faltoso do reclamado. Valor da causa: CR$1.000,00. Em defesa, o reclamado alegou a preliminar de incompetência em razão da matéria afirmando que houve contrato de parceria, não sendo competente a Justiça do Trabalho para apreciar o feito; disse que os autores agem de má-fé, nunca foram seus empregados, não foram dispensados sem justa causa, não cumpriam a jornada de trabalho alegada; nega o vínculo de emprego, dizendo que houve contrato de parceria em cujas cláusulas consta a responsabilidade do reclamante Seni José da Costa pelo gado leiteiro e a extração do leite, bem como a contraprestação de 10% do leite e participação nas crias do gado; na parceria o autor podia dar a destinação que quisesse à sua porcentagem no leite; a parceria, a critério do autor, era executada pelo conjunto familiar; não havia subordinação, dependência, pessoalidade e salário, pois o autor podia contratar empregados para realizar o trabalho, as despesas e riscos corriam por sua conta, possuía vida econômica independente e estável, não recebia salário e sim parte da produção, não recebia ordens, realizou o trabalho sem interferência do reclamado; houve ruptura do contrato por parte do autor; os valores mensais recebidos pelo autor são os constantes dos recibos; impugnou uma a uma, as parcelas postuladas. Citou jurisprudência. Juntaram-se documentos. Determinada inspeção judicial às fls. 11. Auto de Inspeção às fls. 59/62. Razões finais orais. Conciliação duplamente rejeitada. Concedida vista dos autos ao Juiz Classista Representante dos Empregados por vinte e quatro horas, fls. 66. Eis o relatório.

II - FUNDAMENTOS:

De início, é de se rejeitar a EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA argüida. Se a pretensão é de natureza trabalhista a competência exclusiva para conhecer da matéria é desta Justiça Especializada, nos termos do art. 114, CF/88. A errônea qualificação jurídica dos fatos postulada pela parte não induz MÁ-FÉ, que restringe-se à matéria fática. Rejeita-se, outrossim, a preliminar de CARÊNCIA DE AÇÃO argüida. É incontroversa a relação de trabalho havida entre as partes, pelo que é regular a legitimação passiva do reclamado. A matéria atinente à averiguação da existência ou não do vínculo empregatício é matéria de mérito, onde será resolvida.

527 A subsunção dos fatos à norma trabalhista há de perquirir antes de tudo a realidade, inferindo-se daí que a prova pré-constituída, em Direito do Trabalho, tem valor relativo e, muitas vezes, cede lugar aos demais meios de prova constantes dos autos, seja por iniciativa da parte ou por atuação, de ofício, do próprio Juízo. Assim é que, dada a complexidade da relação jurídica que aqui se examina e a repercussão social da decisão que vier a por fim ao litígio, é que este colegiado, até certo ponto encaminhando-se para o que a recente doutrina tem designado por "ativismo processual", dividiu com as partes o ônus de trazer aos autos, de modo mais completo possível, a verdadeira base fática que dá supedâneo e conteúdo ao contrato celebrado entre o Sr. SENI JOSÉ DA COSTA e ESPOSA e o SR. SEBASTIÃO NUNES. Tudo sob inspiração do princípio da busca da verdade real. Neste diapasão, não se contentando com os fatos vindos ao processo, este Colegiado foi até os fatos para deles buscar sua expressão exemplar mais viva e melhor apreciar a prova documental e oral já produzida, para realizar "a inspeção judicial" cujo auto encontra-se às fls. 59/62.

BASE FÁTICA.

O reclamado dedica-se à atividade empresarial rural predominantemente concentrada na pecuária leiteira. Realizou-se inspeção judicial (fls. 59 e seguintes) nas fazendas "Jovissema" e "Engenho Velho" (onde o autor prestou seus serviços), que integram a empresa rural do reclamado. Todas as atividades afetas às propriedades inspecionadas estão direcionadas direta ou indiretamente à produção de leite e secundariamente à exploração da pecuária não leiteira. Neste mister, o reclamado, por critérios próprios de administração, procedeu à divisão de suas propriedades em retiros menores, nos quais polarizou a realização de suas atividades em proporções menores, de modo a permitir a formação de sub-empresas, integrantes de sua empresa rural. A estes núcleos sub-empresariais denomina-se "retiros", nos quais se entrega a determinado trabalhador a responsabilidade pelos trabalhos de extração de leite e pastoreio de parte do rebanho leiteiro, assim dividido pelos diversos outros "retiros" e entregue a demais outros trabalhadores. O autor recebeu nestas condições um destes retiros para onde se deslocou com toda a sua família (esposa e mais quatro filhos), que também o ajudava na realização de seus serviços por sua própria e exclusiva determinação (depoimento fls. 09). Assim consta do auto de inspeção (fls. 60): "... os retiros são conduzidos por família, de sorte que o "parceiro" contratante executa suas obrigações contratuais valendo-se do trabalho de todos os integrantes da família, esposa e filhos", estes maioria das vezes menores (fls. 60). De modo que não há qualquer vinculação entre os demais integrantes da família e o reclamado, a não ser a de prestar serviços em sua propriedade. A prestação de serviços foi celebrada sob a regência do que se denominou "CONTRATO DE PARCERIA AGRÍCOLA", cujo objeto é a entrega ao primeiro de uma partida de gado leiteiro para ordenha, tendo como contraprestação participação nos resultados da venda do produto na ordem de 10%, a ser apurada com base nas notas fiscais de venda feitas a laticínio local (cláusula 4ª, fls. 51); e, ainda, participação nas crias nas proporções fixadas na cláusula 5ª do mencionado contrato (fls. 51). Tais condições vêm confirmadas nos depoimentos das partes e testemunhas ouvidas (fls. 10/11). No desempenho de seu trabalho o autor contava com o auxílio da esposa e filhos por sua própria determinação, além do que permanentemente contava com os serviços de mais um peão contratado e pago por ele próprio (fls. 09, depoimento do autor), seguindo costume permitido ou ocorrente nos diversos retiros do reclamado. Fato comprovado pelo testemunho de Valdeci Alves de Oliveira (fls. 11) que foi contratado por conta e risco do próprio autor. De fato, outros "retireiros" como Salvador Eustáquio Lopes e José Francisco Crispim, ouvidos na inspeção judicial realizada (fls. 61), tinham a faculdade de contratar por sua própria conta, empregados auxiliares, para o cumprimento do contrato de prestação dos serviços de extração do leite. A circunstância veio retratada no auto de inspeção nos seguintes termos: "é ainda aceito e contratado pelas partes a possibilidade de o vaqueiro "parceiro" vir a contratar ajudantes para auxiliá-lo na tiração do leite segundo bem lhe convier e às suas expensas e sob sua responsabilidade, inclusive quanto aos salários e determinação dos serviços a serem prestados"(fls. 60). O retireiro, como ressai do auto de inspeção (fls. 60) tem liberdade de estabelecer seus horários de trabalho e procedimentos a serem adotados na execução de seus serviços, o que se aplica com veemente harmonia ao caso do autor que assim se expressou em seu depoimento: "... após acertado o serviço o depoente executava-o sem mais interferência do reclamado ... não tinha horário fixo..." (fls. 09). Assevere-se que no sistema adotado pelo reclamado o "retireiro" desejoso de aumentar sua produtividade poderá solicitar do reclamado a colocação de maior número de reses para ordenha em seu "retiro", como esclarece o Sr. Salvador Eustáquio Lopes (fls. 61). Enfim, verifica-se distinção entre a relação de trabalho celebrada com os "retireiros" (descrita acima) e aquela celebrada com trabalhadores que atuam em outros setores das fazendas (armazenamento nos silos, reparos e confecção de cercas, zelo do gado solteiro, etc...), os quais são contratados e reconhecidos pelo reclamado como empregados, percebem remuneração fixa e têm sua CTPS anotada. Quanto aos retireiros, em primeira mão, entende este Colegiado que cada caso, em concreto, há de ser examinado de acordo com a legislação trabalhista vigente, não se podendo emitir juízo de valor genérico e conclusivo em relação à totalidade dos casos, eis que cada um pode conter elementos jurígenos próprios e decisivos para a qualificação jurídica da relação de trabalho sob apreciação. Em todos os casos mencionados há prestação contínua, pessoal (não exclusiva) e contraprestada de

528serviços, mantendo-se como nó górdio da situação a averiguação acerca da existência de subordinação jurídica necessária à configuração do vínculo empregatício, bem como se a contraprestação recebida pelo autor é remuneração. Entendendo-a satisfatoriamente retratada nestes autos e descrita até aqui, passa-se ao enfrentamento da questão pertinente à qualificação jurídica da relação de trabalho havida entre o autor e o reclamado.

PARCERIA RURAL OU VÍNCULO EMPREGATÍCIO?

Nós juízes sempre temos visto com desconfiança contratos de "parceria" celebrados no meio rural. Ocorre que no mais das vezes tais contratos ocultam verdadeira relação de emprego, porque os requisitos necessários ao reconhecimento do vínculo empregatício estão subjacentes na realidade que vem maquiada pelo que se tem denominado na jurisprudência trabalhista por "falsa parceria". Quer-se dizer que em grande número de casos há a chamada "falsa parceria" que esconde em seu bojo um verdadeiro contrato de trabalho.

Caracteres da parceria: O Regulamento do Estatuto da Terra assim define a parceria rural:

"É o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não benfeitorias, outros bens e/ ou facilidades, industrial, extrativa, vegetal ou mista; e/ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal, mediante partilha de riscos de caso fortuito e de força maior do empreendimento rural, e dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais da Lei. (art. 4º, Dec. 59.566/66). Na parceria em lugar de empregado e empregador comparecem as figuras do parceiro-outorgante-cedente e do parceiro-outorgado-cedido. O parceiro outorgante é o proprietário dos bens cedidos; o parceiro outorgado é o trabalhador rural que entra no negócio com sua força de trabalho e com a organização dos serviços. Assim se manifesta o jurista Nelson Demétrio:

"...Parceiro-outorgado é o indivíduo que entra com as forças do seu trabalho e a direção do serviço, podendo comparecer à avença individualmente, ou o conjunto familiar" (Doutrina e Prática de Direito Agrário, 2ª. Ed., 1987, Julex, Campinas, pág. 114).

Ressalte-se que, do conceito legal, resulta que na parceira o prestador de serviços, o trabalhador rural ou o parceiro outorgado, participa dos resultados da atividade agrícola objeto da parceria por terça, por meia, ou por percentagem, conforme estipula o contrato. Desta sorte, a renda auferida pelo trabalhador poderá ser representada por divisão dos frutos, dos produtos ou lucros decorrentes da atividade econômica desenvolvida em parceria. É imanente à parceria divisão dos prejuízos e riscos do empreendimento, de sorte que se a lavoura é infrutífera ou o gado dado em parceria morre, ambos, outorgante e outorgado, suportam os prejuízos. Aqui o trabalhador partilha as perdas do empreendimento. (art. 1.412, CCB). As parcerias se dão nas diversas atividades rurais: agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa e mista (art. 96, Estatuto da Terra). Interessa-nos, em particular, distinguir e compreender as espécies de parceria pecuária e extrativa. A primeira corresponde àquela que tem por objeto a cessão de "animais para cria, recria, invernagem ou engorda" (Dec. 59.566/66, art. 5º, II); a segunda, comporta a cessão de bem imóvel ou semovente com o objetivo de ser exercida atividade extrativa de produto agrícola, florestal ou animal (Galdino, Dirceu e outro. in Manual do Direito do Trabalho Rural, LTr, 1993, 2ª Ed., pág. 102). A forma de retribuição do trabalho do parceiro outorgado, cessionário, verifica-se mediante participação nos resultados da produção ou extração, em que sua quantificação poderá se dar de modo "global-final" ou de modo "parcial-sucessivo", para nos valer das expressões utilizadas pelo douto Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena (Relação de Emprego, Saraiva, 1975, pág. 279). O dado fundamental e distintivo da parceria está em que nesta o trabalhador age com autonomia e tem em suas mãos a direção dos serviços. As vantagens da parceria, desde que se afigure legítima a celebração desta espécie de contrato (contrato associativo) para ambos os parceiros (proprietário e trabalhador), dentre outras, são aquelas identificadas pelo citado mestre Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena:

"O que se tem em vista na parceria, não é a assunção comum do risco ou do resultado, mas o asseguramento pelo dono da terra, de um sistema produtivo, em que o pagamento do trabalho se apresente sob uma forma imediata e intensamente estimuladora da atividade do trabalhador.

E mais adiante:

"O Estatuto (ETR) foi uma lei de valorização do trabalho autônomo também e, como tal, absorve as relações da prestação geral de serviços rurais, em que o prestador colabore com sua atividade e outro bem não possua". (Op.

529cit., págs. 279 e 282).

Caracteres da relação de emprego: Para não deixar de mencionar convém relembrar os elementos característicos do vínculo de emprego.

"Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob dependência deste e mediante salário" (art. 3º, CLT)

"Empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob dependência deste e mediante salário" (art. 2º, lei 5.889/73).

O Prof. José Luiz Ferreira Prunes, em seu Direito do Trabalho Rural, LTR, SP, 1991, pág. 120 apresenta como definição do empregado uma fusão do conceito genérico constante do texto consolidado (CLT) e aquele inserto na lei 5.889/73 e leciona que:

"O empregado rural regido por esta lei é a pessoa física que presta serviços a empregador, em prédio rústico, sob a dependência do dador de serviço, a ele subordinado e por ele remunerado".

O dado essencial a ser registrado, no caso do empregado rural, é que o sentido da expressão dependência utilizado no dispositivo da lei 5.889/73, há de ser entendido como dependência jurídica, equivalente à subordinação necessária à configuração de qualquer contrato de emprego. Também para a existência do contrato de trabalho rural são requisitos: a pessoalidade, não-eventualidade, remuneração (onerosidade) e subordinação. A situação dos autores: Passa-se a examinar a relação de trabalho havida entre os autores e o reclamado à luz dos princípios legais regentes dos contratos de parceria e de emprego para ao final proceder ao seu enquadramento jurídico numa das espécies citadas. Fá-lo-emos em relação a cada um dos autores, individualmente:

A) SENI JOSÉ DA COSTA

A configuração da relação empregatícia requer a presença simultânea de todos os seus elementos constitutivos (pessoalidade, não-eventualidade, remuneração e subordinação). De modo que a inexistência de um deles compromete a qualificação daquela relação jurídica, nos moldes do direito laboral protetor da prestação de serviços subordinada. O Sr. Seni foi quem contratou os serviços com o reclamado, tanto assim que apenas ele firmou o contrato de fls. 51/52. Neste ato contraiu a obrigação de executar os serviços de acordo com a previsão contratual. Como já assentado alhures a prova oral e depoimentos confirmam a veracidade do contrato celebrado tanto no tocante ao seu objeto (cláusulas segunda e quinta) como no tocante à inexistência de pessoalidade na prestação dos serviços. Em verdade, o empreendimento contratado pelo autor não seria viável exclusivamente com a utilização de sua própria força de trabalho. Tanto assim que a cláusula oitava (fls. 52) assim prescreve:

"O parceiro outorgado, poderá contratar outras pessoas para ajudá-lo na execução dos serviços, os quais, porém, não terão nenhuma relação com o parceiro outorgante, cabendo ao parceiro outorgado, todas as despesas com encargos sociais e trabalhistas com os mesmos".

Inobstante a cláusula referida tenha extrapolado os princípios laborais pertinentes à responsabilidade trabalhista, de conteúdo cogente e, por isto mesmo, inderrogáveis pelas partes, o que importa é que, na REALIDADE o autor podia e de fato valeu-se do trabalho de terceiros para alcançar seus objetivos contratuais, seja pela arregimentação de toda a sua família (esposa e filhos), seja pela contratação de terceiro empregado, como já mencionado a poucas linhas atrás. Trata-se, portanto, de empreendimento econômico ainda que de pequeno porte, no qual se aventurou o autor. De fato, a ele cabia a organização dos serviços, a ele cabia decidir sobre a necessidade ou não da contratação de empregados, por sua conta e risco. Ocorreu que, tendo ao seu lado, o grupo familiar, exerceu minimamente esta faculdade. Força é concluir que inexistiu o requisito da pessoalidade na prestação dos serviços contratados pelo autor, até porque, a responsabilidade por ele assumida exigiu o concurso de mais de um trabalhador. Pode-se mesmo dizer que verifica-se certa fungilidade subjetiva na execução dos serviços objeto da contratação. A análise da situação acima evolui para verificar que o autor agia com autonomia na execução dos serviços. Organizava-os conforme melhor lhe conviesse. É expressiva a confissão exarada às fls. 09, e já mencionada alhures, pela qual afirmou o autor que "após acertado o serviço o depoente executava-o sem mais interferência do reclamado". Equivale dizer que o objeto da contratação é o próprio serviço objetivamente considerado, qual seja, o resultado do trabalho e não a força de trabalho do autor, da qual não podia o reclamado dispor segundo lhe ditasse seu tino diretivo-gerencial e do modo que bem entendesse, como se empregador fosse; em outras palavras, ao se contratarem as partes fixaram como objeto de suas obrigações a extração do leite e as crias, o trabalho realizado para a consecução do mesmo é mero meio para alcançá-lo (e sempre o é em qualquer atividade) também em relação ao autor-reclamante (o que via de regra inexiste na prestação de serviços subordinada, já que nesta o trabalhador se obriga a por sua força

530de trabalho à disposição do empregador que, nos limites legais, poderá dela dispor da forma que melhor convier à movimentação de sua empresa). No caso do autor, embora sua força de trabalho tenha sido o único bem com qual se associou ao reclamado, esta estava à disposição do próprio autor, que deveria cuidar mesmo era do alcance do objeto do contrato, ainda que sequer utilizasse de sua própria força de trabalho, direta e pessoalmente, eis que, como já mencionado, poderia contratar terceiros. A circunstância acima descrita aponta que não se vislumbra na relação de trabalho autor-reclamado a subordinação jurídica necessária à configuração do vínculo de emprego, consistente no poder do tomador dos serviços de direcionar a força de trabalho do prestador de serviços no exercício de seu poder de mando. A única subordinação que se vislumbra é aquela comum a qualquer contrato, in genere, pela qual o contratante está obrigado a cumprir o que tratou e, neste sentido, permite-se ao credor averiguar se o devedor está cumprindo a obrigação contratada segundo os parâmetros avençados. Disto resulta que o fato de o reclamado comparecer a seus retiros para verificar o andamento dos trabalhos e se o gado está bem cuidado (como confessa o reclamado às fls. 10) não induz a subordinação empregatícia, mas, mera fiscalização dos serviços para prevenir possível inadimplemento contratual por parte do autor. Neste sentido o autor esteve subordinado à cláusula contratual que o obrigava o cumprir os serviços na forma contratada, mas, não à vontade do reclamado (como se dá no contrato de trabalho); se a adesão ao objeto do contrato havido entre as partes se deu por vontade do autor, exclusivamente, o que se disse logo atrás equivale dizer que o autor estava subordinado a si mesmo e, por conseqüência, era autônomo. Implica dizer que o reclamado não podia nem dava ordens para que o autor fizesse outra coisa além daquelas atividades necessárias à extração do leite, nem determinava o modo de fazê-lo.. De fato, a direção e organização dos serviços no retiro em que o autor laborou, relativamente à tiração do leite e zelo da partida de gado recebida, era do próprio autor. Não se dá conta nos autos de que o reclamado tenha contratado familiares do autor para a execução dos trabalhos, muito menos sua esposa, cuja situação vem examinada a seguir. O próprio autor foi quem declarou que a inclusão de seus parentes no conjunto da mão-de-obra necessária ao andamento do empreendimento por ele contratado, resultou de determinação sua e não do reclamado (fls. 09). Ademais o autor não tinha horário, nem estava sujeito a qualquer restrição indicativa de subordinação empregatícia. Doutro lado, a contraprestação recebida pelo autor e equivalente à participação no resultado da venda do leite (10%) não pode ser tida como remuneração para atrair classificação empregatícia para a relação havida entre as partes. O que se teve em mira foi a partilha dos resultados nas proporções fixadas. Se participação nos resultados da cria não permite a distribuição destes resultados em períodos curtos, por inviabilidade material, a extração do leite, porém, é resultado que pode ser averiguado, quantificado e distribuído até com freqüência diária. Por motivos práticos e óbvios, entenderam-se as partes que, embora a tiração e a entrega do leite na cooperativa ocorra diariamente a distribuição dos resultados ficou reservada para períodos mensais (à semelhança dos salários que, aliás, podem ser até diários). Se remuneração, sob o enfoque trabalhista, é contraprestação de serviços subordinados, no caso em questão, a contraprestação do autor há de ser vista como participação nos resultados (renda), já que entre as partes não havia relação de subordinação. Força é concluir que o autor, de fato, não percebia remuneração, mas, participação nos resultados, portanto, nos lucros (decorrentes de uma relação associativa entre as partes). Enfim, verifica-se que o único aspecto coincidente entre a relação autor-reclamado e a tipificação legal da relação empregatícia é a continuidade da prestação dos serviços que, por si só, é insuficiente para definir o vínculo de emprego.

Inexistência de vínculo de emprego.

A abordagem acima, que examina analiticamente os elementos típicos da relação de emprego frente à situação do autor, aponta que, de fato, inexistiu vínculo de emprego entre as partes. O conjunto de toda a prova produzida ratifica a manifestação de vontade formalizada pelo autor através do CONTRATO DE PARCERIA RURAL (fls. 51). A parceria celebrada pelas partes têm correspondência fática, não havendo mesmo vício de consentimento a ser considerado. Por todas estas razões e ponderações e considerando-se a realidade do meio rural local, todas as circunstâncias minuciosamente descritas reconhecemos a inexistência de vinculação empregatícia entre as partes. Quanto ao objeto da relação havida entre as partes denota-se que o contratação encerra classificação jurídica como parceria mista. Enquanto a cláusula quarta estabelece a participação do parceiro-outorgado-reclamante na produção do leite, portanto, o resultado que se tem em mira é a extração diária do leite, já que trata-se de gado leiteiro (parceria extrativa), já a cláusula quinta estabelece a participação do autor nas crias provenientes do gado que lhe foi entregue (parceria pecuária, art. 1.416, CCB), conforme proporção fixada naquela cláusula, pelas partes. A conjugação das duas espécies de parceria resulta no que se denomina parceria mista.

B) MARIA APARECIDA DA COSTA.

A prestação de serviços da autora inclui-se no rol das relações colaborativas e associativas do grupo

531familiar. Não há nos autos quaisquer elementos que induzam a existência de relação jurídica entre a mesma e o reclamado. Aliás, não só a esposa, mas, os quatro filhos do autor auxiliavam-no nos trabalhos do retiro (v. depoimento fls. 09). É curioso o fato de que estes, os filhos, não vieram a juízo acompanhando os pais. Isto significa que os próprios autores tiveram sentimento de que o trabalho dos filhos, embora diuturno como os dos pais, não poderia ser objeto de discussão sob ponto de vista trabalhista. Tal equivale a de certo modo se reconhecer que o trabalho da autora também não extrapolou os limites da associação familiar cooperativa e redundante em benefícios para o próprio grupo familiar, na medida em que o autor dispensou a oportunidade de valer-se de sua autonomia contratual para admitir maior número de empregados para cumprir a PARCERIA assumida com o reclamado. Aqui também não é possível que seja vislumbrada qualquer relação empregatícia.

E a proteção do trabalhador rural, nas hipóteses como a que se acaba de examinar?

A situação do autor frente à realidade social local aponta mesmo que ele se encontra em patamar acima da média dos trabalhadores rurais assalariados da região. Ele e seu grupo familiar - esposa e mais 4 filhos menores - vêm tendo rendimentos oscilante entre 8 e 9 SM, sem quaisquer despesas com habitação, água, luz, além de poder fazer uso ilimitado de leite, desde que somente para o consumo interno. Não é, portanto, sem motivo que alguns destes retireiros, conforme narrado no auto de inspeção, depois de trabalharem certo tempo, com persistência e economia, conseguem adquirir pequenas glebas de terra e com isto angariar relativa independência econômica. Outros há que preferem as fantasias da economia de consumo e partem para adquirir automóveis, etc., em lugar de seu próprio "torrão". Há ainda quem consiga adquirir residência na cidade, como o caso do retireiro Salvador Eustáquio Lopes (fls. 61) que vem pagando, com os rendimentos auferidos no retiro em que trabalha, um apartamento na cidade. É ainda notório nesta cidade aquele caso do retireiro que adquiriu terreno e gado, contratou empregado e, sem interromper seu contrato de parceria com o reclamado, mantém dupla atividade econômica: a) a parceira que lhe proporcionou a segunda atividade b) a exploração agropecuária de terreno rural de sua propriedade. Este colegiado numa das sessões preparatórias deste julgamento chegou a esboçar as possibilidades de um retireiro, trabalhador e persistente, juntamente com seu grupo familiar, vir a conquistar sua autonomia econômica: um retireiro, com esposa e três filhos, com contrato de parceria nas condições acima, poderá, se quiser e sem prejuízo do necessário para a sobrevivência do grupo, poupar três ou quatro salários mínimos mensais, o que ao cabo de três ou quatro anos de trabalho lhe permite adquirir pequena propriedade rural (como já aconteceu) ou iniciar qualquer outra atividade autônoma. A primeira inferência é a de que este trabalhador tem melhores condições de vida e econômica que o trabalhador assalariado e subordinado, eis que a este não se dá incentivo, nem possibilidade de prosperidade. Na região o empregado rural, portanto, subordinado e assalariado, tem tido rendimentos inferiores e tratamento bem mais restritivo quanto a vantagens indiretas. Assim, tem-se evitado conceder moradia e salário utilidade afim de que estes não venham a integrar a remuneração do empregado e onerar o custo trabalhista da empresa rural. Além disto não se pratica salários muito além do mínimo legal, como conduta preventiva dos considerados pesados encargos indiretos sofridos pelo patrão. Desta sorte, esta espécie de parceria nos parece dar maior possibilidades ao nosso sacrificado trabalhador rural, além de conferir ao empregador a tranqüilidade de uma produtividade melhor, com maior retorno dos seus investimentos, e estímulo para o reinvestimento e a geração de novos postos de trabalho. É mesmo preocupante a proteção previdenciária de todos os trabalhadores rurais. E é desta que deverá cuidar o Estado Brasileiro, carente de um sistema de saúde e previdenciário a altura de suas possilibilidades e do que merece o nosso povo que, com certeza, já poderia ser muito melhor do que o que está (?) aí à disposição da nossa população. Em todo caso, deveriam os parceiros outorgantes, proprietários rurais, os Sindicatos de Empregadores e de Trabalhadores, primeiro, conscientizar, depois, informar toda a comunidade rural de que há na atual legislação previdenciária o seguinte:

"São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: ..........................................................................

VII - como segurado especial: o produtor, O PARCEIRO (destaque nosso), o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam essas atividades, individualmente ou em REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR (destaque nosso), ainda que com o AUXÍLIO EVENTUAL DE TERCEIROS (destaque nosso), bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de quatorze anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo." (art. 12, VII, Lei 8.212/91). Nos parece, portanto, que o trabalhador exercente do trabalho rural nestas condições do autor não precisará quedar-se à margem do sistema previdenciário, podendo usufruir do mínimo que já se tem à disposição dos segurados da Previdência Social.

III- CONCLUSÃO:

532

Razões pelas quais, resolve a JCJ de Patrocínio, por unanimidade, julgar IMPROCEDENTE a pretensão deduzida em juízo por SENI JOSÉ DA COSTA e MARIA APARECIDA DA COSTA em ação ajuizada contra SEBASTIÃO NUNES. Custas pelos autores no importe de C$10,00 sobre R$500,00 que se arbitram. Isentos. Intimem-se as partes, com observância do enunciado 197 - TST.

533

VERBAS RESCISÓRIAS - DESISTÊNCIA DA AÇÃO - LEGITIMIDADE PASSIVA. ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO Nº 433/94 Data: 29.05.95 DECISÃO DA 2ª Junta de Conciliação e Julgamento de JOãO MONLEVADE/MG Juíza-Presidente: Dra. ADRIANA GOULART DE SENA Proposta a solução do dissídio e colhidos os votos dos Srs. Juízes Classistas, a JUNTA proferiu a seguinte SENTENÇA: Vistos, etc...

I - RELATÓRIO

José Carlos de Souza, José Carlos Placídio, José Cirilo, José Cláudio Ribeiro e José Domingos de Souza, qualificados à fl. 02, ajuizaram Ação Trabalhista (art. 7º., XXIX, CR/88) em face de Companhia Siderúrgica Belgo Mineira e Sider - Engenharia, Manutenção Ltda, dizendo-se admitidos e dispensados, pela 2ª. reclamada, em datas consignadas nos termos de rescisões que anexam. Informam que foram contratados pela 2ª. reclamada para prestarem serviços à 1ª. reclamada, no interior da Usina desta, sendo sua real empregadora nos termos da lei. Dizem da existência de contrato de empreitada, a qual a 2ª. reclamada fornecia à 1ª. reclamada mão-de-obra indireta a sua atividade meio-fim. Gizam que dispensados dos serviços da 2ª. reclamada em 02.03.94, quando esta paralisou suas atividades requerendo sua autofalência perante o Juízo Cível. Alegam a não percepção das reparações legais de direitos, além da não efetuação correta dos recolhimentos fundiários pela 2ª. reclamada. Aduzem responsabilidade legal e solidária da 1ª. reclamada como real empregadora ou como tomadora dos serviços da 2ª. reclamada, elencando o art. 455, Consolidado e aplicação do Enunciado 331/TST. Dizem que a presente ação tem também como objeto a interrupção da prescrição, em vista de outros direitos não consignados nos termos rescisórios e não postulados nesta. Portanto, elencam uma a uma as parcelas que entendem devidas. (fl. 04). Atribuíram à causa o valor de CR$500.000,00. Instrumentos de mandatos com firmas reconhecidas às fls. 20/24. Colacionaram os documentos de fls. 15/19. Declarações de miserabilidade às fls. 06, 08, 10, 12 e 14. Autorizações às fls. 05, 07, 09, 11 e 13. Despacho de fls. 27, noticiando a decretação da falência da 2ª. reclamada e prazo para informação do nome do síndico da massa falida. Certidão de fl. 28, informando o Síndico da massa falida da 2ª. reclamada. Desistência dos autores da reclamatória trabalhista em relação a Sider Engenharia, Manutenção Ltda - ata de fl. 29, com discordância da 2ª. reclamada. Regularmente notificada a 1ª. reclamada (fl. 26), defendeu-se, preliminarmente, aduzindo inépcia da inicial, conquanto não traz valores líquidos, até porque cerceadora do direito de defesa. Também em preliminar aduz ser parte ilegítima, pelos argumentos que elenca. Assevera nunca ter sido empregadora dos reclamantes e que a pactuação de contrato de empreitada foi com temporaneidade e autonomia rotativa sem constituir atividades meio-fim da empresa contratante. Argumenta que a empresa contratada é portadora de idoneidade econômica e técnica, sendo titular de um patrimônio de enormes proporções e alta fidúcia, cabendo-lhe os riscos de seus empreendimentos. Situa-se como dono da obra a quem não se comunica responsabilidade de empreiteiro e nem subsidiária, não vislumbrando-se qualquer fraude, até porque a falência já decretada da 2ª. reclamada estabelece a eficácia específica quanto à executoriedade das obrigações dos créditos trabalhistas através do procedimento falimentar, colacionando jurisprudência a seu prol. No mérito, aduz que a 2ª. reclamada não deixou de recolher regularmente o FGTS, além do que os pedidos de indenização adicional, multa do art. 477/CLT e aplicação do art. 467, Consolidados, esbarram no óbice da espécie da rescisão contratual alegada pelos autores, posto que decorrente da falência decretada. Foram colacionados aos autos os documentos de fls. 37/66, impugnados às fls. 69/73. Preposições às fls. 67 e 187. Procuração à fl. 68. Notificação da reclamada para manifestar sobre perícia e documentos pretendidos pelo reclamante. Manifestação à fl. 75. Despacho à fl. 76 determinando a realização de perícia. Ciência das partes às fls. 77/79. Quesitos da reclamada às fls. 82/83 e 94/95, dos reclamantes às fls. 91/92. Requerimento de fl. 85, quanto a isenção de custas. Despacho de fls. 86/87 isentando os reclamantes das custas. Ciência das partes às fls. 88/89. Requerimento à fl. 90 com manifestação da reclamada à fl. 96. Despacho às fls. 97/98 determinando ao perito o seu procedimento na peritagem. Ciência das partes às fls. 99/100. Certidão noticiando a nomeação de novo Síndico da Massa Falida à fl. 101. Quesitos suplementares da reclamada às fls. 102/103. Adiada a audiência em face da não realização da perícia às fls. 104/110 e 151. Substabelecimento à fl. 154. Laudo do perito oficial às fls. 111/150, do assistente às fls. 155/156. Manifestação das partes às fls. 157/161 - reclamantes - e 162/163 - reclamada -. Esclarecimentos às fls. 164/167, com manifestação das partes

534às fls. 169/171 e 174. Rol de testemunhas dos autores à fls. 172, notificadas a teor da certidão de fl. 173. Não havendo mais provas a serem produzidas, ficou encerrada a instrução processual. Razões finais escritas pelos autores às fls. 176/178, pela reclamada às fls. 179/182, anexando jurisprudência às fls. 183/186.

Impossível a conciliação. Tudo visto e examinado. É o Relatório.

II - FUNDAMENTOS

DESISTÊNCIA DA AÇÃO EM RELAÇÃO À SEGUNDA RECLAMADA - SÍDER ENGENHARIA MANUTENÇÃO LTDA.

Em face da controvérsia instaurada, faz-se mister o pronunciamento do Colegiado a respeito do pedido de desistência, conquanto discorde a reclamada. Todavia, faz-se imprescindível a análise se a discordância da reclamada tem o condão de impedir a homologação, pelo Sodalício, do pedido. É certo que a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil em sede jus laboral requer compatibilidade, omissão e, quase sempre, adaptações - art. 769, da CLT. Preceitua o Diploma Processual Civil que:

"Depois de decorrido o prazo para a resposta, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação" - parágrafo 4º, do art. 267.

A Consolidação das Leis Trabalhistas resta omissa no tocante a regulamentação específica da desistência da ação trabalhista (art. 7º., XXIX, CR/88 e art. 840, da CLT). Portanto, prevalece o dispositivo processual civil, todavia há de ser adaptado à sistemática trabalhista para poder ser aplicado. Sabido e consabido, até porque norma legal, que a defesa no processo do trabalho é oral (apenas a praxe forense a tornou escrita), sendo ato de audiência (art. 846, da CLT). Cotejando-se os autos depreende-se que quando do pedido de desistência pelos autores, a reclamada não havia apresentado defesa nos autos (fl. 29). Dessarte, adaptado o dispositivo civilista ao processo do trabalho, depreende-se que a concordância da reclamada não é mister para que a desistência desta ação possa ser homologada pelo Colegiado e, isso porque, produzida ANTES de decorrido o prazo de defesa. Tal interpretação jurídica resta uníssona na doutrina e jurisprudência (conforme, v.g., Valentim Carrion, "Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho", pág. 632; Amauri Mascaro do Nascimento, "Curso de Direito Processual do Trabalho", pág. 165). O fato da relação processual (utilizando expressão corrente, em que pese a doutrina mais moderna contestar a presença de relação jurídica - Roubier, Fazzalari - pois no processo não há vínculo entre as partes, porque nenhuma delas pode, juridicamente, impor à outra a prática de qualquer ato processual e, muito menos, entre o Juiz e as partes, porque ele não pode exigir delas qualquer conduta, ou a prática de qualquer ato, podendo, qualquer das partes, resolver suas faculdades, poderes e deveres em ônus, ao suportar as conseqüências favoráveis que possam advir de sua omissão) ter passado a existir com a citação, nenhum efeito produz quanto a desistência, pois há texto legal expresso aduzindo o momento legal permitido a tal. A desistência da ação faz com que o autor "abra mão" do processo, não do direito material que eventualmente possa ter perante o réu. Daí por que a desistência da ação provoca a extinção do processo sem julgamento do mérito e não impede que, futuramente, o autor venha outra vez a propor a mesma ação, posto que inexiste, "in casu", a eficácia da coisa julgada. A desistência é ATO UNILATERAL do autor, quando praticado antes de vencido o prazo para resposta, como ocorreu perante este Juízo. Em sendo ato unilateral não há falar em necessidade de motivação para que possa ocorrer. Ainda que assim não fosse, "salvo disposição em contrário, os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos" e, por isso, "os atos e omissões de um não prejudicarão nem beneficiarão os outros" - art. 48, do CPC. Ou seja, em regra, os litisconsortes se consideram como litigantes autônomos em seu relacionamento com a parte contrária. Desta feita, mesmo que tivesse sido produzida em momento oportuno, a ausência de concordância da 1ª. reclamada, não produziria efeitos na desistência dos autores em face da 2ª. reclamada. Assim nos posiciona este Égrégio Tribunal:

DESISTÊNCIA - É válida a desistência da ação, formulada pelo reclamante, sem o consentimento da reclamada, antes do ofere-cimento da contestação. TRT/RO/11161/93 - Rel. Juiz Roberto Marcos Calvo - DJ/MG 17.11.93, pág. 113.

À luz do exposto, resolve a 2ª. JCJ de João Monlevade, homologar a desistência de fl. 29, para que

535produza os seus jurídicos e legais efeitos, extinguindo o processo sem julgamento do mérito - art. 267, VIII do CPC e art. 158, parágrafo único do mesmo diploma legal - quanto à 2ª. reclamada - Síder Engenharia e Manutenção Ltda. Custas, pelos reclamantes, no importe de R$4,00, calculadas sobre R$200,00 valor atribuído à desistência, isentos.

TEMPESTIVIDADE DA APRESENTAÇÃO DO LAUDO DO PERITO ASSISTENTE

A redação dada ao art. 433, do CPC, em face da Lei 8455, de 24.8.92, consigna que "os assistentes técnicos oferecerão seus pareceres no prazo comum de dez dias após a apresentação do laudo, independentemente de intimação". Correndo independentemente de intimação o prazo para entregar o laudo, cumpre ao próprio assistente técnico e à parte a vigilância dos autos. No caso dos autos, o laudo do "expert" assistente foi protocolado (apresentado) no dia 17.04.95 e o do perito oficial em 04.04.95. Bem, considerando que na contagem de todos os prazos processuais o dia de início não se inclui, tem-se que o prazo se escoara em 14.04.95, todavia, recaiu em uma sexta-feira dia em que não houve expediente forense, por se tratar de dia santificado (sexta-feira santa), vencendo no primeiro dia útil imediato, ou seja, segunda-feira, dia 17.04.95. Bem, protocolado o laudo exatamente nesta data, inexiste extemporaneidade, falar não havendo em desconsideração daquela peça.

ILEGITIMIDADE PASSIVA "AD CAUSAM"

A legislação brasileira adota os princípios jurídicos: "Da Mihi Factum Dabo Tibi Ius" e "Jura Novit Curia". Alegam as partes os fatos e, em face desses fatos, ao Juízo cumpre aplicar as questões de direito, dentre o que se inclui o regramento legal ("jus cogens"). Cabe ao Judiciário a aplicação das normas legais incidentes, dirimindo o conflito de interesses mediante a aplicação das normas contidas no ordenamento jurídico. Às situações fáticas correspondem soluções com fulcro na lei, e a aplicação desta é ato de JURISDIÇÃO, constituindo obrigação do Estado disposta pela Constituição da República. A incidir os princípios da inevitabilidade e da inafastabilidade. A autoridade dos órgãos jurisdicionais, sendo uma emanação do próprio poder estatal soberano, impõe-se por si mesma, independente da vontade das partes. A situação de ambas as partes perante o Estado-Juiz é de sujeição, que independe de sua vontade e consiste na impossibilidade de evitar que sobre elas e sobre sua esfera de direitos se exerça a autoridade estatal. Incontroverso nos autos que a presença da 1ª. reclamada tem alicerce em dois fundamentos: "vínculo direto" ou "solidariedade", falar não havendo em busca de responsabilidade subsidiária, conquanto a primeira difere da segunda, sendo certo que na peça de ingresso só se vislumbra pleito de responsabilidade por solidariedade (fl. 03 - item 4.). De bom alvitre fixar, desde já, que a análise será feita, primeiramente, em face da pretendida busca de vínculo direto dos autores com a Belgo, quer pela forma exposta na peça de ingresso, quer pela peça contestante, quer pela própria ordem técnica incidente. Não menos primordial, sendo revelador e emergente, pontuar que o endereçamento da ação, após a desistência em face da Síder, restou APENAS em relação à Belgo. Dessarte, se porventura, um dos efeitos ou outorga de responsabilização vier a ser inviabilizado diante da referida desistência, atribua-se, desde já, TODA e INEQUÍVOCA culpa (ou responsabilidade) à atitude desistente dos reclamantes. Apesar de abstrato (em que pese toda a polêmica que até hoje se instala em nossa doutrina e jurisprudência a respeito) e ainda que até certo ponto genérico, o direito de ação resta submetido, segundo o legislador pátrio, a determinadas "condições da ação". Referidas condições existem para que legitimamente se possa exigir, na espécie, o provimento jurisdicional, a saber: possibilidade jurídica, interesse de agir, legitimação "ad causam". "In casu", eriça a reclamada remanescente a sua ilegitimidade "ad causam", posto que não empregadora, restando a Síder, quiçá o seu patrimônio (Massa Falida), hábeis a responder por eventual condenação. Cumpre salientar que o conceito de parte não interfere com o de parte legítima. A parte pode ser legítima ou ilegítima, nem por isso perdendo sua condição de parte. Todavia, no caso dos autos, considerando o primeiro ângulo da análise (vínculo direto), parte ILEGÍTIMA a Companhia Siderúrgica Belgo Mineira, conforme a seguir se analisará, quer pela situação fática, quer pelo enquadramento legal. Bem, analisando percucientemente a peça de ingresso depreende-se que os reclamantes pleiteiam o reconhecimento do vínculo direto com a Companhia Siderúrgica Belgo Mineira, aduzindo que, embora, contratado pela empresa Síder Engenharia Manutenção Ltda, o contrato de empreitada existente tinha como objeto o fornecimento de mão-de-obra indireta, para execução de tarefas ligadas a sua atividade meio-fim, notadamente na manutenção de máquinas e equipamentos. Inexistem dúvidas quanto à presença de contrato de empreitada entre as empresas, pois a própria exordial faz referência a tal contrato, sendo certo que segundo o laudo pericial, a Síder era uma empresa de porte médio, que mantinha um quadro funcional de 300 a 400 empregados em média e prestava serviços na área de manutenção mecânica a empresas siderúrgicas e outras, utilizando-se de pessoal próprio.

536 Por outro lado, a Síder veio a manter contrato de serviços de manutenção com outras empresas além da CSBM (Companhia Siderúrgica Belgo Mineira), quais sejam, Companhia Vale do Rio Doce, Acesita, Samarco Mineração S.A., S/A Mineração Trindade, FMB S.A., USIMINAS S.A., Cenibra Industrial S.A.. Mesmo considerando o que Samarco, Samitri e CAF pertençam ao Grupo CSBM, reste certo que a partir de maio de 1985, a Síder iniciou gradativamente a diversificação de seus clientes e que todos os autores foram admitido muito tempo depois (v.g., de 1994 a 1989). Na execução dos serviços de manutenção quer programada, quer corretiva, emergencial ou imprevisível, a Síder utilizava-se de pessoal tecnicamente especializado e hierarquicamente disposto em engenheiros, líderes de turma, encarregados e os operacionais - ajudantes, soldadores, mecânicos, etc. Vale salientar que os serviços prestados pela Síder eram realizados com a utilização de pessoal e equipamentos próprios. Restou apurado, também, que os empregados da Síder, do setor mecânico ou de manutenção, poderiam prestar serviços tanto na oficina desta empresa, como também em outras empresas com as quais a Síder mantinha vínculo contratual, em sistema rotativo. Exemplificativamente foram citados pelo sr. "expert" os seguintes nomes acolhedores da referida situação: José Geraldo Santana Chaves, José Geraldo Ribeiro, José Eduardo Rodrigues, José Geraldo Braga Barbosa, José Ailton de Araújo e José Antônio dos Santos. Por outro lado, na execução dos serviços no interior da Usina de João Monlevade, os empregados da Síder ficavam subordinados administrativamente aos seus líderes e/ou encarregados, que acompanhavam o desenvolvimento dos trabalhos no dia a dia. As funções dos líderes de Turma eram: coordenação do pessoal, receber as informações do Encarregado e passar para seus subordinados e substituições eventuais de Encarregados. E as funções dos Encarregados eram: receber ordens de serviços e analisá-las quanto à segurança e recursos necessários, participar de reuniões técnicas com clientes, providenciar treinamento para o pessoal e reportar ao gerente técnico da Empresa, sempre que necessário. Ora, se presente tais funções e com tal grau de responsabilidade e hierarquia, até porque existente um contrato de empreitada entre as empresas, contrato este que rezava (é óbvio) obrigações e serviços por parte da Síder e pagamento por parte da CSBM, resta claro e límpido que a "fiscalização" aduzida pelo sr. "expert" era uma fiscalização se a execução havia ou não obedecido ao cronograma estabelecido. Ora, é claro que qualquer empresa que pactuar qualquer tipo de contrato irá verificar o cumprimento ou não da obrigação por parte da outra, de molde a realizar ou não o pagamento. Não seria uma empresa do porte da Belgo que iria proceder de forma diferente. Aliás, o sr. Louvado, espanca qualquer dúvida ao responder o quesito nº. 9 (fl. 148) quando diz, textualmente, que "A Cia. Siderúrgica Belgo Mineira somente liberava o pagamento de determinada obra após certificar-se, através de seus Fiscais/Supervisores, que sua execução obedeceu ao cronograma por ela pré-estabelecido". Ora, a garantia de execução dos serviços para a realização do pagamento, é procedimento correto, precavido, contratual e legal. O contrato de empreitada gera obrigações para ambos os contratantes, sendo que a primeira obrigação do dono da obra é recebê-la na forma do ajustado, não podendo, arbitrariamente, enjeitá-la. Poderá, é claro, se o empreiteiro se tiver afastado das especificações ou descurado a aplicação das normas técnicas ou regulamentares. Cabendo a recusa, pois que não tem o dono da obra a obrigação de receber com imperfeições um trabalho que confiou a uma empresa especializada (art. 1242, CC), é legal e jurídico que seja certificado se os serviços obedeceram o cronograma e, também, a qualidade desejada pelo dono da obra. A empreiteira, a seu turno, assume, "em primeiro lugar, a obrigação de executar a obra de acordo com os planos, instruções e especificações recebidos, e com observância das regras técnicas e normas regulamentares, entregando-a na forma e nos prazos estipulados, sob pena de responder pelo seu inadimplemento, seja a rescisão do contrato com perdas e danos, seja a efetivação da responsabilidade do empreiteiro." (in "Instituições de Direito Civil, Vol. III, pág. 288, Caio Mário da Silva Pereira). Relembre-se e repita-se que "na execução dos serviços no interior da Usina Monlevade, os empregados da SÍDER ENGENHARIA ficavam subordinados administrativamente aos seus líderes de Turma e/ou Encarregados, que acompanhavam o desenvolvimento dos trabalhos no dia a dia" - quesito nº. 6 (fl. 147). Desta feita, o que efetivamente ocorria era a conferência dos resultados dos serviços ao final de cada parte do cronograma estabelecido em face dos contratos celebrados entre as empresas. A fiscalização dos serviços executados pela Síder era feita pelos seus funcionários, segundo elenco de funções e cargos já supra consignados. Fixe-se, de forma a elidir qualquer dúvida, que "a coordenação técnica e administrativa do pessoal era por conta do "LÍDER DE TURMA" ou "ENCARREGADO", ambos empregados da SÍDER ENGENHARIA. Pouco importa se os serviços são de forma regular, habitual, constante e de natureza permanente, pois tais condições ou critérios não têm o condão de configurar o vínculo direto ou tornar o contrato cível existente entre as partes nulo, posto que a incidência, "in casu", é legal. Registre-se que procedeu o sr. "expert", para um melhor entendimento da situação, uma classificação dos serviços prestados em três modalidades : 1 - Manutenção Geral da Usina, 2 - Manutenção de Linhas Férreas e 3 - Área de Vagonagem. A partir desta classificação concluiu o sr. "expert" que os serviços de Manutenção Geral (1) e Manutenção de Linhas Férreas (2) eram essenciais às atividades produtivas, sendo que os serviços ligados à Área de Vagonagem (3) não eram essenciais. Saliente-se que o "Juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos". É o que se extrai do Código de Processo Civil, em seu art. 436, sendo certo que inequívoca a sua aplicação subsidiária (art. 769, da CLT).

537 Assim, em que pese as conclusões do sr. "expert" supra mencionadas, a própria prova pericial produzida, considerada em sua totalidade, deixa claro que os autores não eram subordinados aos funcionários da Belgo e que as atividades das empresas eram: * Síder - indústria de construção mecânica, montagens industriais e prestação de serviços de manutenção, * Companhia Siderúrgica Belgo Mineira - fabricação de fio aço - fl. 128. Ou seja, os serviços supra mencionados, no entender do Juízo são ACESSÓRIOS, podendo ou não ser realizados pela própria empresa. Dessarte, a análise procedida pelo ilustre "expert" em face da permanência/eventualidade e de presença como custo de produção fixo de molde a estabelecer essencialidade ou não, não é acolitada pelo Colegiado, conquanto entende não ser esta a linha mestra ou ponto nevrálgico da questão para estabelecimento de essencialidade como ponto de consideração de atividade-fim empresarial. Na linha de raciocínio do sr. Louvado impossível qualquer contrato, quer de empreitada, quer de prestação de serviços, sendo certo que existem serviços acessórios que são permanentes, entram como custo fixo e, nem por isso são ligados à atividade-fim, v.g. vigilância, limpeza industrial, para não mencionar outros em que presente a necessidade de função especializada e de fidúcia especial (p. ex. serviços jurídicos). É certo que a ORDEM JURÍDICA não rechaça a presença de referidos contratos, ao contrário, os recepciona e os prevê - arts. 1216 e seguintes, 1237 e seguintes, 1324 e seguintes , todos do Código Civil. Limongi França ("Instituições de Direito Civil", pág. 786/787), a seu turno, assim nos distingue: "O contrato de execução de serviços e o de obra têm sido estudados dentro da contextura geral do "contrato de locação", cuja "summa divisio", há milênio, vem distinguindo locação de "coisas" e locação de "serviços".

O primeiro, correspondente à antiga "locatio operarum", é aquele em que, mediante certa remuneração, uma pessoa presta a outra trabalhos de variada natureza, material ou imaterial, desde que não condenados pela lei ou pelos bons costumes.

Ao seu turno, a execução de obra ou empreitada é a "locatio conductio operis", ou mesmo "empreitada", na própria terminologia do Código (v. arts. 1237 e s.). Não deixa de ser uma variedade de execução de serviços com a diferença específica de que, ao invés de ter por objeto "trabalho genéricos", a obrigação envolve a "prestação de obra determinada"." Nos ensina, sempre, o Prof. Caio Mário da Silva Pereira nas "Instituições de Direito Civil", vol. III, que "empreitada é o contrato em que uma das partes (empreiteiro) se obriga, sem subordinação ou dependência, a realizar certo trabalho para a outra (dono da obra), com material ou por este fornecido, mediante remuneração global ou proporcional ao trabalho executado". Muito bem, é exatamente o caso dos autos, sendo certo que resta presente um contrato bilateral, oneroso, consensual, comutativo entre Síder e Belgo. A incidir, também, o art. 5º., II e XXXVI, da Constituição da República. Dessarte, não se acolita a conclusão do laudo pericial de que as atividades de manutenção geral e manutenção de linhas férreas são essenciais para fins de configuração de atividade-fim. Em uma análise macro TODAS as atividades de uma empresa são essenciais, mas, óbvio, NEM TODAS estão ligadas à atividade-fim. Vale consignar que, no caso dos autos, os reclamantes José Cláudio Ribeiro, José Domingos de Souza, José Carlos de Souza e José Cirilo trabalharam na Manutenção Geral da Usina. O reclamante José Carlos Placício trabalhou na Manutenção de Linhas Férreas. Sendo certo que os reclamantes José Carlos de Souza e José Cirilo trabalharam na Vagonagem, por determinados períodos. Dessarte, mesmo que não se desconsiderassem aquelas conclusões supra, estes últimos autores, sequer teriam as suas situações funcionais, acolitadas pela prova pericial, por determinados períodos. Realmente fica impossível a análise de vínculo direto com a Belgo quanto a funcionários que trabalharam para outras empresas, que trabalharam na Oficina de Usinagem da Síder, ou ainda, no Escritório Administrativo da Síder, sendo verdadeira anomalia tal pleito, só se justificando em uma ação em que não se foi efetivamente analisada situação por situação, caso por caso. Exemplo marcante na indústria automobilística é a "terceirização", a tal ponto que hoje uma fábrica de automóveis não é mais fábrica e sim montadora. Partes elétricas, componentes eletrônicos, elementos plásticos, vidros e uma infinidade de componentes do veículo não são produzidos pela fábrica, mas sim por outras empresas, que acabam também por passar pelo processo de descentralização e terceirização. No caso dos autos não se está a tratar do denominado "leasing de pessoal" ou ainda "marchandage", esta sim hipótese rechaçada e inadmitida pela legislação própria. A Síder não tinha como atividade o fornecimento de mão-de-obra, mas sim prestação de serviços de Manutenção - geral, de linhas férreas e vagonagem. A atividade-fim da Belgo era fabricação de fio aço, sendo certo que nos esclarecimentos periciais o sr. "expert" atestou que "na área de sinterização, armazenamento e remessa de matéria prima dos silos para os altos fornos, não participavam funcionários da Síder." (fl. 164). No caso dos autos, não se verifica situação de intermediação de mão-de-obra, com mero fornecimento de pessoal e com o único resultado o fornecimento do trabalho alheio, ao reverso, presente prestação de serviços de manutenção, com utilização de pessoal e equipamentos PRÓPRIOS da Síder (fl. 120). Os reclamantes foram contratados e remunerados pela Síder. No que tange à assertiva pericial de que os serviços eram rotineiros (fls. 143/144), entende este Sodalício que presente impropriedade na construção verbal considerada em sua totalidade, pois se eram de manutenção mecânica, por ÓBVIO, eram especializados e não "rotineiros" como consignado na pergunta nº. 18 que acabou por induzir o sr. "expert" a uma construção verbal impertinente. A presença de fraude (art. 9º., da CLT) verifica-se na hipótese já mencionada de "marchandage", sendo esta repelida, e não na hipótese de empreitada, contrato civil, lícito e jurídico, como "in casu". Na hipótese

538fraudulenta, o locador, na realidade, atua como um verdadeiro "atravessador". É um especulador. O objeto da locação não encerra uma atividade produtiva, mas sim o fornecimento de trabalho alheio. Como já se verificou, os trabalhadores eram efetivamente vinculados à Síder, subordinados e dirigidos os seus serviços por esta empresa. Por outro lado, a Síder fabricava e recuperava peças para as empresas as quais mantinha contrato de empreitada. Afastada, também, por este ângulo a configuração de vínculo direto, verificada a incompossibilidade da "marchandage", no caso dos autos. Veja-se que ficou expressamente provada a rotatividade de trabalhadores, prestando serviço no escritório administrativo da Síder, nas diversas áreas de manutenção, na vagonagem e, até em outras empresas (fl. 146, nº. 4). Ora, trata-se efetivamente de execução de um determinado serviço, especializado, sendo efetiva contratação de serviços. Não há prova de fraude, sendo que esta não se presume. A diferença de salário aventada pelos autores, não causa espanto, sendo certo que empresas diversas, podem ter salários distintos. Por outro lado, as funções exercidas NÃO ERAM IDÊNTICAS, existindo alguns cargos que eram comuns, sendo que em torno de 40 cargos da Síder não existiam na Belgo, o que por si só já denota a diferenciação de organização empresarial. O pagamento, segundo o laudo pericial, era efetuado com base no relatório diário preenchido pelo Líder de Turma e entregue à CSBM, o qual registrava, entre outros, o número de hora/homem trabalhada durante o mês ou com base na quantidade de serviço realizado, no caso, do serviço ser prestado nas linhas férreas, área externa da Usina e vagonagem. Ora, o simples fato da menção a cálculo por hora/homem não tem o condão de formar o vínculo direto com a Belgo, haja vista que não há qualquer prova de que o trabalho envolvia trabalhadores identificados e com pessoalidade e subordinação em face da reclamada remanescente. Nem se argumente que o fato da oficina de usinagem da Síder restar instalada em área externa e de propriedade da Belgo, teria o condão, POR SI SÓ, de caracterizar a "interposição", pois tal não é requisito legal, doutrinário ou jurisprudencial de desconfiguração. Poderia, sim, ser um indício, todavia, as questões fáticas posteriores, acabaram por descaracterizar a hipótese interposta. O recente Enunciado 331 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho resta afastado do caso dos autos diante dos incisos I, II e III, conquanto a Síder não era empresa interposta (inciso I), sendo inaplicáveis os incisos II e III, posto que tratam-se de hipóteses diversas. O Inciso IV será objeto de análise em momento oportuno posterior. A terceirização (e não a "marchandage") é uma forma de desconcentração do processo produtivo, pelo qual uma empresa destaca uma ou várias das suas atividades componentes, principais ou acessórias, delegando-as a outra pessoa. É, sem dúvida alguma, hoje, uma tendência internacional, restando prevista no inciso IV do Enunciado 331 do TST. Amauri Mascaro Nascimento afirma que "terceirização" é terminologia do jargão empresarial, correspondendo, no plano jurídico, à subcontratação ou contrato de fornecimento (Revista de Direito do Trabalho, set. 1993, nº. 83). Entretanto, este Juízo não comunga do eminente mestre Amauri, conquanto no plano jurídico, "subcontrato" pressupõe um mesmo contrato que deriva de outro e, assim, tecnicamente, não há um adequado enquadramento diante da hipótese que dos autos advém. Mister a análise, também, dos pressupostos da relação de emprego: prestação, por pessoa física; de trabalho, com pessoalidade; não eventualidade; onerosamente; sob subordinação, a teor dos arts. 3º. e 2º., ambos da Consolidação das Leis do Trabalho. Habitam e circunscrevem o contrato de trabalho os princípios da "boa fé" e autonomia da vontade. Prevalece em Direito do Trabalho o princípio da "primazia da realidade", o que significa que os efeitos das relações são extraídos da forma pela qual se realizou a prestação de serviços. Logo, as relações jurídicas se definem e se conceituam pelo seu real conteúdo, pouco importando o nome que lhes foi atribuído pelas partes. Sempre prevalecerá a situação fática REAL ocorrida, não se curvando o Judiciário a leituras únicas, nem muito menos produzindo análise sem a devida, detida e acurada observação.

O caso dos autos, como já se consignou de forma exaustiva, não nos denota a presença de empresa interposta, falar não havendo em requisitos da relação de emprego em face da Belgo, posto que lícito o contrato firmado com a Síder.

Não verificados os pressupostos da relação empregatícia (trabalho prestado por pessoa física, com pessoalidade e sob remuneração, com subordinação), deixa de apresentar contexto de liame empregatício conquanto ausente o pressuposto disruptivo da prestação de labor. Por último consigne-se, como arremate que efetivamente há em direito um princípio que não pode nem deve ser esquecido, dada sua profunda significação moral e que reforça, inquestionavelmente, os indícios resultantes dos atos praticados pelas partes em suas condutas sociais, como tal. Assim, por qualquer ângulo que se analise a questão, depreende-se que inexistente relação de emprego entre as partes remanescentes. Em que pese toda a proteção que a legislação trabalhista estabelece, buscando desmascarar fraudes, a par privilegiar a realidade existente entre as partes, este Colegiado não depreendeu liame empregatício nos autos. Dividido o ônus da prova, o autor não se desincumbiu. Saliente-se que só a inversão do ônus da prova já autorizaria a negativa do vínculo laboral. Entretanto, não foi trazido ao cotejo nenhum dos pressupostos configuradores.

539 Com efeito, os pressupostos enunciados na regra jurídica - art. 3º. da CLT, não se enquadraram ao conceito, pois não há relação existente entre as partes, não "preenchendo aquela linha ideativa nela traçada".(Ribeiro de Vilhena, "Relação de Emprego", 1985, Ed. Saraiva).

Consiste e se legitima o Poder Judiciário como instrumento resgatador de valores considerados relevantes pela comunidade inclusiva, mediante a retificação de lesão a direitos, acaso existentes, ante a prova dos autos.

Em se tratando de ausência de trabalho através de empresa interposta, o caso dos autos transcende e não se enquadra nos limites e parâmetros fixados pelos arts. 3º. e 442 da CLT, Enunciado 331, incisos I, II e III do TST. O Decreto-lei 200, de 25 de fevereiro de 1967, (e, também a Lei 5645/70) determina que a execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada - art. 10 - e, no seu parágrafo 7º., estabelece: "Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução. " Vale consignar que o art. 5º., "caput", da Constituição da República, estatui como princípio fundamental que: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.....". Assim, quer pela impossibilidade de "discriminação", quer pela possibilidade de aplicação analógica do disposto no Decreto supra e quer, também, pela própria previsão jurisprudencial (Enunciado 331, IV, do TST), impossível falar em inexistência de campo jurídico à análise da terceirização lícita. O MM. Juiz Paulo Maurício Ribeiro Pires, em situação similar, nos autos nº. 515/93 da 1ª. JCJ de João Monlevade, assim decidiu, pedindo vênia para transcrevê-lo : "Registre-se, por oportuno, que a revisão do Enunciado 256/TST através do Enunciado 331/TST, se coaduna com a necessidade de flexibilização nas contratações de empresas de prestação de serviços (obviamente, desde que legalmente constituídas para tal finalidade), em virtude da realidade social, onde se depara com o alto índice de "trabalhadores-desempregados" e pequeno índice de "empresas em atividade", algumas sem as mínimas condições de atuação e competitividade no mercado interno e externo, cujo paradoxo, no âmbito nacional, é flagrante". Finalize-se, por oportuno, que o Ministério Público do Trabalho, no processo nº. ICP - 3ª. PRT - 001/93 - Inquirido - Companhia Siderúrgica Belgo Mineira e Denunciante - Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de João Monlevade, detectou, com a percuciência que lhe é peculiar, que após a edição do Enunciado 331 do TST houve ampliação das hipóteses permitidas de prestadoras de serviços, desde que não ligadas à atividade-fim da tomadora de serviços. Veja-se que a hipótese pertine ao caso dos autos, tendo a Procuradoria, na sua esfera de competência, opinado pelo arquivamento. (fls. 185/186). A jurisprudência não destoa e tem assente:

TERCEIRIZAÇÃO. VÍNCULO DE EMPREGO. RESPONSABILIDADE. A teor do previsto nos incisos I e III do Enunciado no. 331/TST, torna-se inviável, no presente feito, o reconhecimento do vínculo empregatício diretamente com a tomadora dos serviços, o que não afasta, porém, a sua responsabilidade subsidiária quanto aos direitos trabalhistas reconhecidos ao reclamante (Inteligência do Enunciado citado - IV). TRT/RO/2335/95 - Rel. Juiz Márcio Ribeiro do Valle - DJ/MG 29.04.95.

CONTRATAÇÃO DE TRABALHADOR POR EMPRESA INTERPOSTA - LEGALIDADE - Não forma vínculo de emprego com o tomador ou beneficiário, a contratação de trabalhador por empresa interposta, sempre que os serviços sejam de caráter temporário, de vigilância, de conservação e limpeza, ou especializados e ligados à atividade-meio do tomador e desde ainda que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta ao beneficiário. Inteligência do Enunciado 331 do Colendo TST. TRT/RO/2486/95 - Rel. Juiz Márcio Ribeiro do Valle - DJ/MG 29.04.95.

ENUNCIADO 256/TST - TERCEIRIZAÇÃO - Ocorrendo legalidade no contrato de prestação de serviços entre tomadora e prestadora, não há lugar para aplicação do Enunciado 256/TST. A terceirização, hoje, é aplicada em todos os níveis, tanto na atividade pública quanto na privada. TRT/RO/7500/94 - Rel. Juiz Itamar José Coelho - DJ/MG 11.02.95.

TERCEIRIZAÇÃO - ATIVIDADE - FIM - Mais do que superficial, d. v., é o critério diferenciador para a legitimação da terceirização, fulcrada sempre na atividade-meio, mas jamais na atividade-fim. Ora, atividade-meio é o único caminho a se alcançar o objetivo final, inexiste em qualquer processo produtivo, atividade-fim específica, o desenvolvimento da produção é composto de elos que se entrelaçam a formar a corrente final do objetivo negocial. Como fator de especialização a somar forças na obtenção de um resultado comum não se pode negar que a terceirização se dê, também, na atividade-fim, desde que em um setor autônomo do processo produtivo. TRT/RO/13812/93 - Rel. Juiz Antônio Fernando Guimarães - DJ/MG 12.02.94, pág. 74.

Esgotada a análise de todas as questões e argumentos que as partes trouxeram à colação no tocante ao

540vínculo direto, restando rejeitados "in totum", passa o Colegiado à análise da responsabilidade solidária pretendida pelos autores. Antes de qualquer análise da questão destes autos, de bom alvitre fixar, até porque ético, que, efetivamente, o trecho transcrito pelos autores às fls. 176 e 177, realmente trata-se de sentença deste Colegiado, todavia, naquela oportunidade, os autores trouxeram à colação tanto a empreiteira, quanto à Companhia Vale do Rio Doce, INEXISTINDO qualquer desistência. No caso dos autos, presente desistência em relação à Síder, assim, a análise será diversa. Mister salientar que os próprios autores INVIABILIZARAM qualquer condenação da Companhia Siderúrgica Belgo Mineira, primeiro porque só buscaram a responsabilidade solidária na peça de ingresso e, em outro momento, desistiram da ação em relação à empreiteira, a devedora principal. Com estas duas atitudes processuais os autores eliminaram qualquer possibilidade de averiguação e de exame da questão denominada responsabilidade. Os autores, até por precaução, deveriam ter requerido a condenação solidária ou subsidiária e, claro, não procedido desistência em relação à Síder, pois na hipótese de rejeição da primeira tese (vínculo direto), haveriam duas outras a serem analisadas, com grande chance de sucesso, diante dos fatos trazidos pela prova pericial e, pelo próprio encaminhamento jurisprudencial. Repita-se: a inviabilidade processual para que se atingisse, de alguma forma, um resultado agasalhador aos autores, foi por eles mesmo inviabilizada, quer pela ausência de pedido de responsabilidade subsidiária, alternativa, quer pela desistência da ação em relação à devedora principal. Mister fixar que a inicial e a defesa traçam os limites estabilizadores da demanda. Sob pena de malferir o contraditório, a par proceder julgamento "extra petita", o Juízo terá de se ater aos pedidos formulados pelas partes - art. 460, do CPC. Referido preceito legal vem de encontro aos princípios norteadores de uma sociedade democrática e que busca a igualdade de tratamento entre os litigantes, garantindo o devido processo legal. Princípio este incorporado pela ordem jurídica estando insculpido no diploma processual civil. Dessarte, não se levará em consideração nenhum pedido posteriormente procedido ou argumentação que modifique a litiscontestação. E, é exatamente por este fato processual que não se levará em linha de conta a alegação de sucessão procedida pela reclamada quando da sua manifestação quanto ao laudo. Extemporânea, passando ao largo da "littiscontestatio", não será analisada, até porque em face da desistência em relação à Síder em nada modificaria o deslinde da ação. Pelo mesmo motivo, não se acolhe o acréscimo constante nas razões finais escritas no tocante à subsidiariedade, pois a peça de ingresso só pretende solidariedade, sendo figuras jurídicas distintas, a não restar dúvidas, até porque o nível dos causídicos que patrocinam a causa não nos outorga qualquer possibilidade de que desconheçam tal distinção basilar. Sempre que da relação de trabalho seja possível extrair-se a responsabilidade solidária ou subsidiária de alguém, não se pode, por isso mesmo, afastá-lo da relação processual. O responsável solidário ou subsidiário deve figurar no processo de conhecimento para que, só assim, possa eventualmente integrar o título executivo. Ao reverso, a execução não poderá alcançá-lo. Até porque os limites subjetivos da lide, nessa hipótese, extravasam a ponto de atingir terceiros, ainda que não tenham sido partes na relação de direito material. Nem se argumente com o argumento falacioso de "celeridade", conquanto a prova pericial requerida pelo autor (fl. 73) e devidamente produzida consumiu mais de 10 meses. Ademais, referido argumento, não garante, nem outorga, qualquer possibilidade de descumprimento de pilares básicos processuais, sob pena de se ficar ao alvedrio de argumentos não jurídicos ou impertinentes. Cumpre consignar que, se, de um lado, a responsabilidade subsidiária legitima, na ação, a empresa contratante, de outro lado, é claro que ela não poderá figurar isoladamente no pólo passivo, já que a responsabilidade subsidiária é uma responsabilidade "acessória". Pontue-se que os reclamantes pretenderam assinatura de CTPS pela 2ª. reclamada. Ora, a 2ª. reclamada é a própria Síder, que mereceu a desistência da ação. Assim, nada a ser analisado. Os demais pedidos ("a", "b", "c", "d", e "e") poderiam ser analisados e talvez, pertinentes se, porventura, os autores não tivessem desistido da ação em relação à Síder, para, analisando a prejudicial de mérito - prescrição (interrupção, efeitos, etc.. - 3º. parágrafo de fl. 04), pudessem ser analisados no mérito. Todavia, não é isto que dos autos deflui, restando COMPLETAMENTE prejudicados, diante da incongruência processual perpetrada.

ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA

Conforme já se asseverou às fls. 86/87, após o advento da lei 7510/86, os atestados de pobreza tornaram-se desnecessários para fins judiciais. Mas, não obstante referida exclusão, o advogado, ao postular os benefícios da assistência judiciária deverá fazê-lo, declarando ser o reclamante pobre, "sob as penas da lei". Tendo sido feito, defere-se o pretendido. Todavia, para que não paire dúvidas, na Justiça do Trabalho, em face da Lei 5584/70, a assistência judiciária NÃO ABRANGE HONORÁRIOS DE PERITO E, MUITO MENOS PENA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ, não estando isento de tais pagamentos, mesmo em se deferindo a referida assistência. A jurisprudência equilibrada, assim nos posiciona:

541HONORÁRIOS PERICIAIS - JUSTIÇA GRATUITA. Os benefícios da Justiça Gratuita abrangem apenas as custas, uma vez que os honorários periciais são despesas do processo ônus das partes. Isenção negada. TRT/RO/12971/93 - Rel. Juiz José Murilo de Morais - DJ/MG 15.10.93 - pág. 91.

HONORÁRIOS PERICIAIS A CARGO DO RECLAMANTE - NEGATIVA DE ISENÇÃO - Não se isenta o reclamante dos honorários periciais, quando nos termos do Enunciado 236 do TST, sucumbe na pretensão relativa ao objeto da perícia e conta com a solidariedade do sindicato-assistente para seu pagamento. Tal negativa se funda na necessidade de se remunerar sempre a quem trabalha - "in casu", o perito - se reveste de intuito pedagógico, a fim de que os reclamantes perante esta Justiça, especialmente quando assistidos por seus sindicatos e, por isso, notoriamente bem orientados juridicamente, formulem pedidos que ostentem um mínimo de plausibilidade "- TRT/RO/17062/92 - DJ/MG 09.11.93 - pág. 77 - Rel. Juiz Antônio Álvares da Silva.

HONORÁRIOS PERICIAIS

Sucumbentes no objeto da perícia, deverão os reclamantes arcar com os honorários periciais que são arbitrados em R$400,00 (quatrocentos reais), no que tange à perícia produzida, tudo nos termos do Enunciado 236 do TST. Saliente-se, de modo a espancar eventual dúvida futura que o Sindicato, no caso dos autos, é mero assistente e não substituto processual, dessarte, a condenação de honorários pertine apenas aos autores e não ao Sindicato.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Nesta Justiça Especializada, à vista da presença do "jus postulandi", a parcela pertine apenas quando preenchidos os requisitos indispensáveis e indissociáveis da lei 5584/70. (Enunciado 219 e 220 do C. TST): renda limitada a dois salários mínimos ou necessidade econômica do reclamante e assistência prestada pelo respectivo sindicato. Não se pode proceder uma leitura restritiva do Texto Constitucional, apontando uma apreensão capaz de elidir o princípio de possibilidade do exercício de ação nesta Justiça do Trabalho (arts.791 e 839, "a", CLT) pela própria parte. Assevere-se, sem dúvida, que as normas especiais da Lei 5584/70 não foram derrogadas pelo art. 133, Constitucional, que enuncia, apenas em contexto de elevação de norma jurídica anterior (lei 4215/63) que o advogado é indispensável à função jurisdicional do Estado (art. 134, CR/88). No caso dos autos, inexiste qualquer condenação imposta à reclamada, desta feita, indefere-se a verba honorária pretendida.

III - CONCLUSÃO

RESOLVE a 2ª. Junta de Conciliação e Julgamento de João Monlevade, por maioria de votos, vencido o Juiz Classista Representante dos Empregados, consignar a homologação da desistência da ação em relação à 2ª reclamada; declarar a tempestividade do laudo do perito assistente; consignar que em face da desistência da ação em relação a Síder Engenharia Manutenção Ltda impossível a análise da responsabilidade solidária da Companhia Siderúrgica Belgo Mineira; e, acolhendo a preliminar de ilegitimidade passiva da Companhia Siderúrgica Belgo Mineira, sendo rejeitada a formação do vínculo direto, EXTINGUIR O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO que José Carlos de Souza, José Carlos Placício, José Cirilo, José Cláudio Ribeiro e José Domingos de Souza ajuizaram em face de Companhia Siderúrgica Belgo Mineira, nos termos do art. 267, IV, do CPC c/c art. 114 CR/88; consignar prejudicada a análise dos pedidos de letras "a", "b", "c", "d" e "e". Os reclamantes arcarão com os honorários periciais arbitrados em R$400,00 (quatrocentos reais) - Enunciado 236 do TST.

Custas, pelos reclamantes, no importe de R$3,64 , calculadas sobre R$181,82 , valor fixado à causa, já transposto o padrão monetário. Os honorários periciais serão atualizados monetariamente até a data do respectivo pagamento, observado o disposto no Decreto-Lei 2322/87 e na Lei 8177/91 e Enunciados 200 e 307 do TST, no que couber. Sobre os honorários periciais não incidem juros. Partes cientes nos termos do Enunciado 197 do TST. Encerrou-se.