Degradação da lagoa e sua relação com o gabarito dos prédios

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A DEGRADAÇÃO SANITÁRIA E AMBIENTAL DA LAGOA IMBOASSICA E SUA RELAÇÃO COM O AUMENTO DO GABARITO DOS PRÉDIOS LOCALIZADOS EM SUA BACIA HIDROGRÁFICA A lagoa Imboassica é sabidamente um dos ecossistemas mais importantes do município de Macaé. Esta importância pode ser atribuída seja por seu papel social como fonte de recursos pesqueiros e como importante área de lazer tanto para a pesca desportiva quanto para a prática de outros esportes e atividades de recreação aquáticas; ou seja, também, como por ser um patrimônio histórico, cultural e ambiental ímpar. Não menos relevante é a sua beleza cênica, que já no século XIX chamou a atenção de ilustres naturalistas e viajantes estrangeiros, os quais produziram estudos e relatos que hoje nos ajudam a contar a história de Macaé e região. Charles Darwin, por exemplo, nela coletou espécimes de peixes que contribuíram para o avanço do conhecimento científico que se tinha na época, além de ter descrito, em seu diário de campo, paisagens de ecossistemas cada vez mais escassos e que a Lagoa de Imboassica é ainda um dos poucos remanescentes. Esta beleza cênica é, inclusive, um dos motivos principais para a valorização imobiliária do seu entorno e também atrativo para as atividades de turismo na cidade e em toda a região. Somando-se a estas peculiaridades, a lagoa Imbossica tem sido estudada por um grande número de cientistas de diferentes áreas do saber do Brasil e do exterior, tornando-se um dos ecossistemas UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Núcleo em Ecologia e Desenvolvimento Sócio-Ambiental em Macaé

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Estudo realizado pelo maior especialista da Lagoa de Imboassica. O Professor Francisco Esteves já estuda a região a mais de 20 anos, é diretor geral do Núcleo em Ecologia e desenvolvimento Sócio-ambiental de Macaé (NUPEM-UFRJ) e possui diversos trabalhos publicados sobre este ecossistema. O estudo do professor fala sobre o laçamento de esgoto "in natura", assoreamento, aberturas artificiais e afirma que o aumento do gabarito dos prédios da Praia do Pecado e o consequente aumento da população, agravará ainda mais o quadro de degradação ecológica e sanitária da Bacia Hidrográfica de Imboassica.

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A DEGRADAÇÃO SANITÁRIA E AMBIENTAL DA LAGOA IMBOASSICA

E SUA RELAÇÃO COM O AUMENTO DO GABARITO DOS PRÉDIOS

LOCALIZADOS EM SUA BACIA HIDROGRÁFICA

A lagoa Imboassica é sabidamente um dos ecossistemas mais

importantes do município de Macaé. Esta importância pode ser

atribuída seja por seu papel social como fonte de recursos pesqueiros

e como importante área de lazer tanto para a pesca desportiva

quanto para a prática de outros esportes e atividades de recreação

aquáticas; ou seja, também, como por ser um patrimônio histórico,

cultural e ambiental ímpar.

Não menos relevante é a sua beleza cênica, que já no século XIX

chamou a atenção de ilustres naturalistas e viajantes estrangeiros, os

quais produziram estudos e relatos que hoje nos ajudam a contar a

história de Macaé e região. Charles Darwin, por exemplo, nela

coletou espécimes de peixes que contribuíram para o avanço do

conhecimento científico que se tinha na época, além de ter descrito,

em seu diário de campo, paisagens de ecossistemas cada vez mais

escassos e que a Lagoa de Imboassica é ainda um dos poucos

remanescentes. Esta beleza cênica é, inclusive, um dos motivos

principais para a valorização imobiliária do seu entorno e também

atrativo para as atividades de turismo na cidade e em toda a região.

Somando-se a estas peculiaridades, a lagoa Imbossica tem sido

estudada por um grande número de cientistas de diferentes áreas do

saber do Brasil e do exterior, tornando-se um dos ecossistemas

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Núcleo em Ecologia e Desenvolvimento Sócio-Ambiental em Macaé

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aquáticos mais conhecidos cientificamente do nosso país. Os

resultados obtidos das pesquisas realizadas na lagoa Imbossica têm

sido divulgados em periódicos científicos nacionais e internacionais.

Por sua importância como berço de muitas tecnologias para a

recuperação de ambientes aquáticos, a lagoa Imboassica se encontra

entre as mais conhecidas do Brasil entre os cientistas ambientais.

Em que pese sua importância ecológica, econômica e social, a

lagoa Imboassica tem sido vítima do uso inadequado de sua bacia

hidrográfica. Este ecossistema tem sido, há mais três décadas,

progressivamente impactado por diferentes agentes antropogênicos.

Uma caraterística dos impactos sobre as condições ambientais da

lagoa Imboassica é que são, na quase totalidade, conseqüência do

forte processo de especulação imobiliária e de outras formas de usos

não racionais de seu entorno. Nas últimas duas décadas, grande

parte das áreas alagáveis da lagoa Imboassica foram aterradas para

dar lugar a loteamentos, construção de empreendimentos ligados à

cadeia produtiva do petróleo e plantação de pastos para atender o

agronegócio. Como resultado deste processo, a área ocupada pelo

espelho d’água atual da lagoa Imboassica corresponde, apenas à

cerca de 58% da área que esta lagoa tinha quando foi visitado por

Charles Darwin em 1831.

Como resultado da ocupação da Bacia Hidrográfica da Lagoa

Imboassica, ou seja, de seu processo crescente de urbanização,

passaram a ocorre também três processos que têm contribuído de

maneira significativa para a perda de suas características ecológicas

naturais, até o ponto no qual se encontra de total degradação

sanitária e ecológica. Estes processos são: lançamento de esgoto “in

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natura”, assoreamento de bacia e aberturas artificiais da barra que a

separa do mar.

LANÇAMENTO DE ESGOTO “IN NATURA”

A carga de esgoto “in natura” que é lançada na lagoa

Imboassica tem sido crescente e proporcional ao crescimento da

ocupação humana em sua Bacia de Hidrográfica. A consequência do

fato de que a lagoa Imboassica atualmente tem como funçãoprincipal

receber e degradar o esgoto de grande parte da população macaense

foi transformá-la num ambiente impróprio para o banho, para a

prática de esportes aquáticos e com reduzido estoque de pescado,

especialmente aquele de interesse econômico. Não menos

importante é o fato de que a lagoa Imboasica é atualmente uma

fonte de agentes patogênicos causadores de doenças como diarréias,

hepatites, dermatoses, entre muitas outras doenças. Em outras

palavras, a lagoa Imboassica perdeu por completo suas funções

ambientais, com sérios desdobramentos ecológicos, econômicos e

sociais.

ASSOREAMENTO DE BACIA DA LAGOA IMBOASSICA

O assoreamento, ou seja, a preenchimento da bacia da

lagoaImbossica com sedimentos, especialmente argilas esta

diretamente relacionada com a ocupação desordenada de sua Bacia

Hidrográfica, especialmente na porção sul, próxima à região

conhecida como Parque de Tubos, tanto na parte localizada no

município de Macaé como na parte da Chamada Zona de Negócios do

município de Rio das Ostras. Nesta região ocorre constantemente

revolvimento de terras para fins de construção de galpões e outras

edificações ligadas principalmente à economia do petróleo. No

período das chuvas parte considerável do barro destas áreas é

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transportado pelas águas para o rio Imboassica e deste para a lagoa

Imboassica, onde ocorre sedimentação, tornando progressivamente

a lagoa mais rasa. Este fenômeno é facilmente perceptível através da

cor avermelhada que as águas do rio e da lagoa Imboassica assumem

durante o período de chuvas.

Os dados obtidos pelos pesquisadores do NUPEM/UFRJ

apontam para a perda constante de profundidade e o consequente

avanço dos bancos de plantas aquáticas, como a Taboa, em direção à

parte central da lagoa. Este avanço das plantas aquáticas contribui

para a perda de espelho d’água da lagoa Imboassica. Cálculos

realizados pelos pesquisadores do NUPEM/UFRJ, no ano de 2006,

indicaram que persistindo o processo de assoreamento nas taxas

verificadas, em aproximadamente 130 anos o espelho d’água da

lagoa Imboassica terá sido substituído por um brejo poluído e/ou

contaminado, caso o lançamento de esgoto não seja interrompido.

Destaca-se que novos cálculos realizados em 2011 apontam não mais

para 130 anos, mas sim para 90 anos, demonstrando o agravamento

da situação nestes últimos anos.

ABERTURAS ARTIFICIAIS DA BARRA QUE A SEPARA DO MAR

As aberturas artificiais da barra que separa a lagoa Imboassica

do mar tem sido realizada praticamente todos os anos e não

raramente mais de uma vez ao ano. Este procedimento é para

reduzir, rapidamente, o nível da agua da lagoa Imboassica e desta

maneira evitar a inundações dos imóveis, que foram construídos em

áreas de aterro dentro deste ecossistema ou que foram construídos

nas suas áreas de inundação.

Estudos pioneiros realizados pela equipe de pesquisadores do

NUPEM/UFRJ demostraram que as aberturas artificiais da barra

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representam um grande impacto negativo à lagoa Imboassica. Entre

estes impactos destacam-se:

a) a desestruturação das comunidades aquáticas, com grandes

prejuízos às comunidades de peixes de elevado valor econômico;

b) aceleração do processo de assoreamento;

c) aceleração da expansão da área ocupada pelas plantas

aquáticas como a taboa etc.; e

d) aumento repentino e considerável da degradação sanitária

devido a redução drástica da capacidade da lagoa em diluir o esgoto.

CONCLUSÃO

Concluindo, pode ser afirmado que o aumento do gabarito dos

prédios na Praia do Pecado e o consequente aumento da população

da Bacia Hidrográfica de Imboassica sem a devida implementação de

medidas realmente eficazes - como a coleta e tratamento de todos os

esgotos que são lançados atualmente na neste corpo d’ água –

agravará ainda mais o quadro que já é de gravidade elevadíssima no

tocante as suas caraterísticas ecológicas e sanitárias.

Nas discussões sobre a temática de ocupação da Bacia

Hidrográfica de rios e lagos no Brasil é comum gestores públicos,

empresários e políticos, geralmente ligados aos interesses

imobiliários, afirmarem que após a construção dos prédios irão tratar

todos os esgotos gerados pela população que irá ocupar os imóveis

construídos.

Deve ser destacado, no entanto, que quando as estações de

tratamento de esgoto são construídas (casos muito raros no Brasil),

estas são de baixo custo e se caracterizam por possuir apenas o

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primeiro estágio, que visa apenas retirar parte da matéria orgânica

contida nos esgotos. Desta maneira estas estações lançam efluentes

nos ambientes aquáticos totalmente impróprios do ponto de vista

ecológico, pois ainda contêm elevadas concentrações de compostos

orgânicos e ricos em fosfato e em nitrogênio. Com estas

características os efluentes são capazes de prover o crescimento

descontrolado - denominado de eutrofização artificial - de algas e

outros vegetais e desta maneira continuar a degradação do ambiente

aquático.

Sendo assim, recomendamos que iniciativas que levam à

promoção do adensamento da Bacia Hidrográfica da lagoa

Imboassica devam ser implementadas somente quando as questões

de saneamento básico, que atualmente estão muito precárias,

estejam totalmente equacionadas. Esta recomendação é de

fundamental importância para a preservação do pouco que ainda

resta de ecossistemas importantes como a lagoa Imboassica.

Macaé, 23 de maio de 2013.

Dr. Francisco de Assis Esteves

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Professor Titular