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1 DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DIRETIVO DA ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE (VERSÃO NÃO CONFIDENCIAL) I INTRODUÇÃO Considerando as atribuições da Entidade Reguladora da Saúde (doravante ERS) conferidas pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio; Considerando os objetivos da atividade reguladora da ERS estabelecidos no artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio; Considerando os poderes de supervisão da ERS estabelecidos no artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio; Visto o processo registado sob ERS n.º 70/13; II DO PROCESSO A. Da Introdução 1. No seguimento de notícias divulgadas pela Comunicação Social Nacional, teve a ERS conhecimento de dois episódios ocorridos na Maternidade Dr. Alfredo da Costa (MAC), que mereceram a sua atenção: - Um primeiro, no dia 5 de agosto, com a grávida S., internada naquela maternidade que, tal como os dois gémeos de que estava grávida, acabou por falecer; - Um segundo, que resultou na transferência de outra grávida para o Hospital de Santa Maria.

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DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DIRETIVO DA ENTIDADE REGULADORA DA

SAÚDE

(VERSÃO NÃO CONFIDENCIAL)

I

INTRODUÇÃO

Considerando as atribuições da Entidade Reguladora da Saúde (doravante ERS)

conferidas pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio;

Considerando os objetivos da atividade reguladora da ERS estabelecidos no artigo

33.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio;

Considerando os poderes de supervisão da ERS estabelecidos no artigo 42.º do

Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio;

Visto o processo registado sob ERS n.º 70/13;

II

DO PROCESSO

A. Da Introdução

1. No seguimento de notícias divulgadas pela Comunicação Social Nacional, teve a

ERS conhecimento de dois episódios ocorridos na Maternidade Dr. Alfredo da Costa

(MAC), que mereceram a sua atenção:

- Um primeiro, no dia 5 de agosto, com a grávida S., internada naquela maternidade

que, tal como os dois gémeos de que estava grávida, acabou por falecer;

- Um segundo, que resultou na transferência de outra grávida para o Hospital de Santa

Maria.

Aqui serão escritos

os despachos.

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B. Dos Factos

Quanto à primeira situação:

2. De acordo com a informação veiculada, a utente S. foi internada nos serviços da

MAC no dia 29 de julho “pois estava a perder líquido amniótico”.

3. A realização de exames revelou que um dos fetos estaria morto.

4. No dia 5 de agosto, após realização de ecografia, os médicos confirmaram a morte

do segundo feto, apesar de terem assegurado a existência de batimentos cardíacos,

no dia 4 de agosto.

5. Foi então decidido, pela equipa médica, que o parto deveria ser induzido, o que não

aconteceu, uma vez que a utente foi sedada “por estar muito nervosa”.

6. Quando foi transferida para o bloco de partos, a utente apresentava já sinais de

dificuldade respiratória.

7. A equipa do hospital solicitou a presença do INEM no local, sendo que após 10

minutos da sua chegada, a utente sofreu uma paragem cardiorrespiratória, acabando

por falecer.

Quanto à segunda situação:

8. De acordo com a informação veiculada, uma utente (identificada com o nome

fictício R.) foi internada nos serviços da MAC no dia 10 de julho, tendo sido

diagnosticado uma rutura do saco amniótico no dia 12 do mesmo mês.

9. “Nesse dia esteve desde as 9 horas da manhã com dificuldades respiratórias,

tremores, náuseas, tosse e febre (…), sintomas de uma alergia ao antibiótico e por

estar ansiosa.”

10. Pelas 15 horas, os médicos aperceberam-se de que estava com falência do

pulmão direito, tendo sido transferida para o Hospital da S. José, sem oxigénio, mas

com a respiração estabilizada.

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11. Neste último estabelecimento de saúde, não foi realizada qualquer vigilância fetal

nem foi observada por obstetrícia.

12. No dia 13 de julho, pelas 11 horas, verificaram a diminuição do ritmo cardíaco do

feto e a utente foi transferida para o Hospital Santa Maria.

13. Foi realizada cesariana de emergência, no entanto o bebé faleceu com dois dias

de vida.

14. A utente teve alta dos cuidados intensivos cerca de uma semana após a ocorrência

do incidente.

III

DA INSTRUÇÃO DO PROCESSO DE INQUÉRITO

A) Da abertura de processo de inquérito

15. Com fundamento na existência de situações preocupantes que podem constituir

risco para a segurança dos cuidados de saúde prestados aos doentes internados na

Maternidade Dr. Alfredo da Costa, o Conselho Diretivo da Entidade Reguladora da

Saúde deliberou a abertura de um processo de inquérito registado com o n.º

ERS_70/13 – cfr. documento 1 junto aos autos.

B) Da ação de fiscalização

16. No dia 13 de agosto do corrente, pelas 14:30, uma equipa de fiscalização da

Entidade Reguladora da Saúde deslocou-se às instalações da Maternidade Dr. Alfredo

da Costa, integrada no Centro Hospitalar Lisboa Central, E.P.E. com vista à realização

de uma ação de fiscalização.

17. A presente ação de fiscalização teve como objeto a recolha de informações in loco,

com recurso à inquirição dos responsáveis do estabelecimento no que se refere à

matéria em apreço e visita às respetivas instalações, de modo a apurar da veracidade

dos factos veiculados pelos meios de comunicação social e averiguar se na

Maternidade Dr. Alfredo da Costa se encontra garantida a observância de padrões

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mínimos de qualidade e segurança na prestação de cuidados de saúde e, de igual

modo, os direitos e interesses legítimos dos utentes.

C) Da documentação

18. No âmbito da ação de fiscalização o estabelecimento visado foi notificado para

apresentar um rol de documentos reputados essenciais à cabal instrução do presente

processo.

19. Dando cumprimento ao notificado, o citado estabelecimento juntou ao processo os

documentos solicitados, concretamente:

­ Procedimentos a adotar perante situações emergentes e coordenação de

esforços dos diferentes profissionais;

­ Normas de transferência de doentes;

­ Curso de formação “Reanimação de Grávida”;

­ Triagem,

­ Norma de serviço n.º 9 – normas de requisição de serviço de transporte de

doentes;

­ Distribuição de profissionais de saúde, e

­ Relatório de processos internos de inquérito - cfr. documento 2 junto aos autos.

20. Juntamente com os documentos, o estabelecimento prestador visado veio ao

processo informar que, seriam enviados os relatórios do processo interno de

averiguações, logo que concluídos os processos de inquérito instaurados em 07 e 14

de Agosto de 2013.

D) Do relatório de fiscalização

21. Apreciados os factos em apreço e fiscalizadas as instalações da Maternidade Dr.

Alfredo da Costa, foi emitido um relatório final, cujo teor se dá por integralmente

reproduzido, no qual se dá a conhecer a factualidade e as conclusões infra

reproduzidas – cfr. documento 3 junto aos autos.

22. A ação de fiscalização teve o seu início com a solicitação de esclarecimentos

referentes às situações noticiadas.

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23. “No que respeita à primeira situação, informaram que a grávida falecida foi

internada neste estabelecimento no dia 29 de julho, com o diagnóstico de perda de

líquido amniótico, tendo-se constatado que um dos fetos estaria morto. A doente

grávida tinha 21 semanas de gestação e manteve-se internada com antibioterapia

instituída (claritromicina 500 mg de 12/12 horas via oral). De acordo com os diários,

manteve-se estável do ponto de vista hemodinâmico. Vários períodos com febre, mas

com marcadores inflamatórios baixos.

24. Continuaram a informar que (…) pelas 15 horas do dia 5 de agosto, já foi possível

constatar febre, hipotensão, taquicardia. A doente mudou de enfermaria (o motivo terá

sido a existência de melhores condições na enfermaria de destino), tendo descido

para a urgência, no final da noite. Diligenciou-se a realização de ecografia e RX do

tórax e constatou-se feto morto. A partir deste momento há apenas o registo de

paragem cardiorrespiratória (PCR) em dissociação eletromecânica (DEM).

25. Mais foi comunicado que o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) foi

chamado para proceder ao transporte da doente, para os cuidados intensivos do

Hospital de São José (transporte que não chegou a ter lugar, pelo seu óbito), tendo

colaborado nas manobras de suporte avançado de vida.

26. Interpelada a Presidente do Conselho de Administração quando à eventual

averiguação interna, do presente episódio, respondeu afirmativamente, tendo

informado ter sido constituído um grupo para instruir um processo de averiguações.

27. A ação de fiscalização, para além da aferição das questões específicas das duas

situações que despoletaram esta intervenção, regeu-se pela verificação de alguns

aspetos que integram uma check-list em anexo, redigida com base nas normas

jurídicas aplicáveis a estabelecimentos com serviço de obstetrícia e neonatologia,

internamento e urgência.

28. A equipa da ERS, na segunda parte da fiscalização, fez uma visita às instalações

da maternidade, tendo sido acompanhada pela Enfermeira Diretora e pela Vogal do

Conselho de Administração, (…), tendo contado também com a colaboração da

enfermeira P.. Durante a visita às instalações foram dirigidas algumas questões a

outros profissionais (v.g. uma enfermeira que se encontrava de serviço na urgência),

de modo a confirmar algumas informações que tinham sido e iam sendo prestadas”.

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i. Conclusões resultantes da ação de fiscalização

29. “Sem prejuízo da investigação entretanto requerida, constata-se atraso na

perceção de uma situação clínica grave, de origem infeciosa (sepsis) cuja fonte de

infeção não terá sido apercebida atempadamente”.

ii. Considerações gerais

30. “As instalações apresentam um número elevado de barreiras arquitetónicas que

podem, de forma inequívoca, impedir uma abordagem eficaz, em situações de

urgência e/ou críticas, a saber: o espaço entre as camas é exíguo, obviamente

limitando o imediato socorro às doentes, em caso de necessidade.

31. Parte das instalações põe em causa a segurança das utentes, como é o caso de

ausência de rampas de oxigénio nas enfermarias.

32. Confirma-se a existência de uma bala de oxigénio, no corredor exterior às

enfermarias, naturalmente para utilização em situações clínicas programadas.

33. Para além da existência de alguns dos procedimentos exigíveis em situação de

doença grave, foi facilmente percetível o desconhecimento destes por alguns

profissionais abordados, a que acresce a inexistência de suporte informativo,

nomeadamente o respeitante aos algoritmos universais de suporte de vida avançado,

evidenciando a inexistência de uma organização coordenada, imprescindível à

prestação de cuidados a doentes críticos, enquanto suporte de atuação.

34. A localização do carro de emergência e respetivo desfibrilhador não é a

recomendável, de acordo com as boas práticas, naturalmente impedindo um processo

eficiente de ressuscitação cardiorrespiratória, quer pela demora inerente a esta

localização quer pelo próprio impedimento físico da perceção do ritmo desfibrilhável e

a sua consequente reversão.

35. Não há uma organização coordenada, podendo limitar de forma danosa a

prestação de cuidados a doentes críticos”.

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iii. No que concerne à prestação de cuidados a doentes críticos ressaltam os

seguintes aspetos:

­ “Inexistência de rampa de oxigénio na enfermaria visitada (Materno Infantil);

­ Múltiplas barreiras arquitetónicas que impedem acesso rápido e eficaz a meios

de suporte avançado de vida;

­ A localização do cardiodesfibrilhador (fora da enfermaria, com inúmeras

barreiras, como é o caso de portas e corredores labirínticos) impede uma

perceção de um ritmo desfibrilhável e a sua imediata reversão;

­ Ausência de sinalética com indicação de número de emergência e de

algoritmos de reanimação;

­ Inexistência de uma equipa de emergência interna, potenciando conflitos de

decisões e atuações, no contexto de doença aguda crítica. No contacto com

duas enfermeiras (uma da enfermaria materno-infantil), foi evidente a

contradição à pergunta que lhes foi colocada: para onde direcionar um doente

crítico em eminente PCR. As respostas foram antagónicas e reveladoras de

que não existe uma área/sala, que poderíamos apelidar de emergência, para

centralização destes casos;

­ Constatação de lacunas de conhecimentos básicos de formação do pessoal em

Suporte Avançado de Vida;

­ As lacunas de formação nesta área foram apontadas pela enfermagem”.

iv. Conclusões

36. “Correção pronta das lacunas graves constatadas, no âmbito do doente agudo

crítico:

­ Disponibilização dos carros de emergência e respetivos desfibrilhadores nos

locais apropriados;

­ Colocação de rampas de oxigénio nas enfermarias;

­ Formação do pessoal que permita uma pronta e eficaz intervenção”.

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IV

DA SUBSUNÇÃO DOS FACTOS AO DIREITO

A) Das atribuições da ERS

37. Compreendendo as atribuições da ERS a supervisão da atividade e

funcionamento dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, mormente no

que respeita ao cumprimento dos requisitos legais e regulamentares e à garantia dos

direitos dos utentes, nos termos do disposto no n.º 2 al. a) e c) do art. 3.º do Decreto-

Lei n.º 127/2009, de 27 de maio;

38. Competindo-lhe, de igual modo, analisar e avaliar os acontecimentos que possam

ser suscetíveis de prejudicar os direitos dos utentes, bem como avaliar a qualidade

dos cuidados de saúde prestados, tendo em vista a defesa do interesse público e dos

direitos dos utentes – nos termos do disposto no art. 36.º al. a), b) e c) do Decreto-Lei

n.º 127/2009, de 27 de maio e art. 4.º, n.º 2 al. a) e n.º 3 al. c) da Portaria n.º 418/2005,

de 14 de abril;

39. E que no exercício dos seus poderes compete à ERS “pronunciar-se e fazer

recomendações sobre os requisitos necessários para o funcionamento dos

estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde e velar pelo cumprimento dos

requisitos legais e regulamentares de funcionamento e sancionar o seu

incumprimento” – conforme disposto no art. 34.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de

maio;

40. Podendo fazê-lo mediante o exercício dos seus poderes de supervisão

consubstanciado no dever de “velar pela aplicação das leis e regulamentos e demais

normas aplicáveis às atividades sujeitas à sua regulação”, e na emissão de “ordens e

instruções, bem como recomendações ou advertências individuais, sempre que tal

seja necessário” – cfr. alíneas a) e b) do artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27

de maio;

41. Excluindo-se à partida a averiguação de matéria que se insere no âmbito das

atribuições e competências de outros organismos, a Entidade Reguladora da Saúde,

no âmbito da sua intervenção regulatória, propôs-se a analisar a segurança dos

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cuidados de saúde, tendo por base padrões mínimos exigíveis no âmbito da medicina

hospitalar, bem como a garantia dos direitos e interesses legítimos dos utentes.

B) Enquadramento legal da prestação de cuidados de saúde

42. O Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE. encontra-se registado no Sistema de

Registo de Estabelecimentos Regulados (SRER) da ERS sob o n.º 15961.

43. Este Centro Hospitalar foi criado pelo Decreto -Lei n.º 50-A/2007, de 28 de

fevereiro e integrou o Centro Hospitalar de Lisboa – Zona Central - Hospitais de S.

José e Hospital de Santo António dos Capuchos e os Hospitais de Santa Marta e de D.

Estefânia.

44. O Decreto-lei nº 44/2012 de 23 de fevereiro de 2012 procedeu à extinção e

integração por fusão no Centro Hospitalar de Lisboa Central, E. P. E. do Hospital de

Curry Cabral, E. P. E. e da Maternidade Dr. Alfredo da Costa.

45. Este centro hospitalar acha-se integrado no Serviço Nacional de Saúde1, o qual,

de acordo com o n.º 2 da Base XII da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto2, “(…) abrange

todas as instituições e serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde

dependentes do Ministério da Saúde que garantem a imposição constitucional de

“acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos

cuidados da medicina preventiva, curativa ou de reabilitação3”.

46. No setor da prestação de cuidados de saúde a necessidade de garantir requisitos

mínimos de qualidade e segurança, ao nível dos recursos humanos, do equipamento e

das instalações está presente de uma forma mais acentuada do que em qualquer

outra área.

47. A Lei de Bases da Saúde isenta os estabelecimentos prestadores de cuidados de

saúde do setor público da aplicação das regras previstas em matéria de licenciamento,

1 O SNS é definido como o “(…) conjunto ordenado e hierarquizado de instituições e serviços oficiais

prestadores de cuidados de saúde, funcionando sob a superintendência ou a tutela do Ministro da Saúde”

- cfr. art. 1.º do Estatuto do SNS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de janeiro de 1993. 2 Diploma legal que fixa a Lei de Bases de Saúde.

3 Cfr. al. a) do n.º 3 do artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa.

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isto porque é o próprio ato da sua constituição que os habilita ao exercício da atividade

a que se destinam.

48. No entanto, estão sujeitos ao poder orientador e de inspeção dos serviços

competentes do Ministério da Saúde, de forma a salvaguardar a qualidade e a

segurança dos serviços prestados, pelo que devem garantir o bom funcionamento das

instalações e equipamentos das suas unidades de saúde, a qualidade e eficiência dos

serviços, colaborar com a autoridade sanitária local e dar cumprimento às

recomendações e diretivas impostas.

49. Independentemente de a lei consagrar regimes jurídicos distintos para o exercício

da atividade e funcionamento dos estabelecimentos prestadores, quer no que toca à

sua natureza jurídica quer à sua tipologia, a prestação de cuidados de saúde pauta-se

pela observância de padrões de qualidade e segurança transversais a todos.

50. Posto que, a ratio legis que presidiu a tal distinção não foi seguramente

contemplar um regime mais permissivo e favorável para os certos estabelecimentos

prestadores e consagrar um regime mais gravoso para os demais.

51. E, nesse sentido, muito menos se poderá considerar que tal facto contemple uma

omissão legislativa, dado que a Lei de Bases de Saúde determina que a prestação de

cuidados de saúde se paute por critérios mínimos de qualidade e segurança, em

respeito do direito de proteção da saúde e, de igual modo, dos direitos e interesses

dos utentes.

52. Considerando o exposto, a atuação da ERS pautou-se pelas regras que

estabelecem os requisitos mínimos relativos à organização e funcionamento, recursos

humanos e instalações técnicas das unidades privadas que tenham por objeto a

prestação de serviços médicos e de enfermagem em obstetrícia e neonatologia4, os

quais são considerados parâmetros mínimos de qualidade e segurança, bem como

pelas recomendações e especificações técnicas relativas a edifícios hospitalares e

especificações técnicas para gases medicinais e aspiração em edifícios hospitalares5,

ambas publicadas pela Administração Central dos Sistemas de Saúde, I.P. (ACSS).

4 Portaria n.º 615/2010 de 3 de agosto

5 ET 03/2006

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53. De um modo sucinto, tendo por referência as Recomendações e Especificações

Técnicas do Edifício Hospitalar6 a conceção, construção e manutenção de um edifício

hospitalar deve considerar uma série de parâmetros, nomeadamente: contemplar a

eliminação de barreiras arquitetónicas; possuir vias de comunicação vertical; gozar de

apoios à mobilidade ou seja apoios sanitários em compartimentos de higiene de

doentes, instalações sanitárias para deficientes e para utentes; ter sinalização interior

e exterior que preste aos utentes uma informação clara e eficiente, sistematizada,

abundante e visível; contemplar soluções que permitam o conforto acústico, térmico,

visual e de ambiente interior, como elementos preponderantes para a humanização

dos cuidados de saúde; permitir uma eficaz articulação dos serviços; assegurar a

dignidade e a privacidade dos doentes; contemplar aspetos de segurança contra

radiações internas, resíduos perigosos, descargas atmosféricas e intrusão; considerar

todas as medidas que limitem o risco de eclosão e de desenvolvimento de incêndio,

que garantam a segurança dos utentes e facilitem a evacuação de pessoas e o

combate do mesmo, em cumprimento da legislação vigente; possuir um serviço de

esterilização de todos os equipamentos; criar condições para a gestão integrada de

resíduos hospitalares.

54. Já as especificações técnicas para gases medicinais e aspiração em edifícios

hospitalares – ET 03/2006, estabelecem no anexo I o número mínimo de tomadas de

gases medicinais e de aspiração, que no internamento será de uma tomada de O2 por

cama e uma tomada de O2 por sala de tratamentos, bem como uma tomada de

aspiração (vácuo) e outra de ar comprimido medicinal (ACM) 400 KPa, também uma

tomada por cama no quarto e uma tomada por sala de tratamentos.

55. Quanto aos requisitos mínimos a observar quanto a instalações, organização e

funcionamento, a Portaria n.º 615/2010 de 3 de agosto estabelece o regime

seguidamente enunciado.

56. No que respeita à organização e funcionamento das unidades de obstetrícia e

neonatologia, o citado diploma legal determina, nomeadamente, a obrigatoriedade de

um regulamento interno, informação relativa ao horário de funcionamento, os

procedimentos a adotar em situações de emergência e os direitos e deveres dos

utentes.

6 Publicadas no sítio da internet da ACSS.

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57. Ao nível dos recursos humanos, este tipo de unidades de saúde devem dispor,

para além do diretor clínico, de pessoal técnico necessário ao desempenho das

funções dos serviços. Nas unidades sem urgência aberta são requisitos obrigatórios

um obstetra, um pediatra (com diferenciação em neonatologia) e um anestesiologia

em regime de prevenção, bem como dois enfermeiros (um com a especialidade de

saúde materna e obstétrica).

Existindo urgência aberta, exige-se a presença física, por turno, na urgência de dois

obstetras, um pediatra com competência em neonatologia e um anestesiologista e dois

enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica, por cada 1000 partos por

ano.

Devem ainda dispor da colaboração de um farmacêutico responsável pelo serviço de

farmácia, conservação, identificação e distribuição dos medicamentos - vide artigos

14.º e 15.º.

58. As unidades de obstetrícia e neonatologia devem garantir, por si ou com recurso a

serviços de terceiros o transporte de doentes, o tratamento de roupa, o fornecimento

de refeições, de gases medicinais e de produtos esterilizados e ainda a gestão dos

resíduos hospitalares - vide artigo 16.º.

59. No que respeita a instalações consagra aquele diploma legal que a nível do meio

físico os estabelecimentos devem situar-se em “locais de fácil acessibilidade e que

disponham de infra -estruturas viárias, de abastecimento de água, de saneamento, de

energia elétrica e de telecomunicações”. “Preferencialmente, não devem ter no espaço

envolvente próximo indústrias poluentes ou produtoras de ruído, zonas insalubres e

zonas perigosas”. - vide art. 17.º.

60. E, relativamente ao edifício propriamente dito, a citada Portaria determina que a

construção deve contemplar a eliminação de barreiras arquitetónicas, nos termos da

legislação em vigor. A sinalética deve ser concebida de forma a ser compreendida

pelos utentes. Os acabamentos devem permitir a manutenção de um grau de

higienização compatível com a atividade desenvolvida nos locais a que se destinam.

As unidades de obstetrícia e neonatologia devem garantir a localização de instalações

técnicas, de armazenagem de fluidos inflamáveis ou perigosos e de gases medicinais,

caso existam, nas condições de segurança legalmente impostas. Devem ainda

garantir a fácil circulação e manobra de macas e cadeiras de rodas; bem como o

estacionamento para pessoas com mobilidade condicionada - vide artigo 18.º.

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61. Mais consagra o artigo 18.º da Portaria n.º 615/2010 de 3 de agosto que tais

unidades devem garantir as condições que permitam o respeito pela privacidade e

dignidade dos utentes. Os quartos ou enfermarias de internamento nas unidades de

obstetrícia e neonatologia devem dispor de arejamento e iluminação naturais em

condições satisfatórias e simultaneamente permitir o seu completo obscurecimento.

62. Igualmente dispõe o artigo 18.º que os equipamentos de suporte vital e de

emergência devem estar acessíveis e funcionais e devem ser objeto de ensaios

regulares documentados.

63. Por outro lado, exige a portaria em apreço que as portas dos quartos ou

enfermarias devem ter uma largura útil mínima de 1,10 m. Nos quartos com mais de

uma cama, a distância entre camas deve ser, no mínimo de 0,90 m. A distância entre

uma das camas e a parede lateral deve ser, no mínimo de 0,60 m. Deve também ser

considerada uma área livre na qual se inscreva um círculo de 1,50 m de diâmetro,

entre a outra cama e a parede lateral.

64. No que se refere às especificações técnicas, estabelece o art. 20.º que as

unidades de obstetrícia e neonatologia devem atender às especificações previstas nos

anexos I a XI, que fazem parte integrante da portaria, no que diz respeito aos

compartimentos e requisitos mínimos de equipamento técnico e médico.

65. A este respeito, ressalta-se o anexo VI que estabelece os requisitos mínimos a

considerar no que respeita aos gases medicinais e aspiração, exigindo-se no quarto

do internamento uma tomada de O2 por cama e uma tomada de O2 por sala de

tratamentos, bem como uma tomada de aspiração (vácuo) e outra de ar comprimido

respirável 300KPa, também uma tomada por cama no quarto e uma tomada por sala

de tratamentos. Na sala de partos exige-se uma tomada de O2, uma tomada de N2O,

uma tomada de aspiração (vácuo) e outra de ar comprimido respirável 300KPa, por

sala. Já no quarto de partos deve existir uma tomada de O2, uma tomada de N2O e

uma tomada de aspiração (vácuo) por cama.

66. No que se refere ao equipamento médico e equipamento geral, o anexo XII prevê

a necessidade de no internamento estar disponível, por unidade de 30 camas, um

carro de emergência, com monitor/desfibrilhador, aspiração, material de intubação

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traqueal equipamento de ventilação manual, bala de oxigénio, tábua e fármacos de

reanimação, dispensável se houver acesso fácil a carro de emergência a menos de

15m.

C) Da apreciação da factualidade verificada no decurso da ação de fiscalização

67. Em face destes normativos e analisada a factualidade supra descrita e vertida no

relatório de fiscalização resulta provada a existência de não conformidades infra

estruturais e dos fluxos funcionais e organizacionais.

68. Porquanto:

­ Existência de barreiras arquitetónicas nas instalações;

­ Ausência de rampas de oxigénio nas enfermarias;

­ Evidência de falta de formação de alguns profissionais e inexistência de suporte

informativo, nomeadamente no que se refere aos algoritmos universais de suporte

de vida avançado;

­ Localização inadequada do carro de emergência e respetivo desfibrilhador;

­ Inexistência de uma equipa de emergência interna, potenciando conflitos de

decisões e atuações, no contexto de doença aguda crítica;

­ Ausência de uma organização coordenada, podendo limitar de forma danosa a

prestação de cuidados a doentes críticos;

­ Falta de sinalética com indicação de número de emergência e de algoritmos de

reanimação.

69. Face ao exposto, o número e natureza dos factos verificados no estabelecimento

visado, violam os padrões de qualidade e segurança exigíveis, previstos nas normas

legais, recomendações e especificações técnicas supra referenciadas, e,

consequentemente, os direitos e interesses legítimos dos utentes, potenciando o risco

clinico na prestação de cuidados de saúde a doentes graves.

V

DA AUDIÊNCIA DE INTERESSADOS

70. Consignando o art. 41.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio, que “as

decisões administrativas da ERS seguem o procedimento administrativo comum

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previsto no Código de Procedimento Administrativo relativamente aos atos

administrativos, incluindo especialmente o direito de participação dos interessados”;

71. E, considerando que a realização da audiência dos interessados visa

essencialmente assegurar, no âmbito do procedimento, o princípio do contraditório,

permitindo a defesa de direitos e interesses personalizados diretamente implicados na

apreciação da pretensão e que possam ser postos em crise pelo projeto de decisão;

72. O Centro Hospitalar Lisboa Central, E.P.E. foi chamado a pronunciar-se

relativamente ao projeto de deliberação da ERS e respetivos fundamentos, incluindo

razões de facto e de direito, nos termos do art. 101.º, n.º 1 do Código de Procedimento

Administrativo (CPA) – conforme documento 4 junto aos autos.

A) Da pronúncia do Centro Hospitalar Lisboa Central, E.P.E.

73. O Centro Hospitalar Lisboa Central, E.P.E. exerceu o seu direito de pronúncia

relativamente ao projeto de deliberação em apreço, mediante ofício que deu entrada

nos serviços da ERS no dia 11 de Setembro de 2013 – cfr documento 5 adiante junto

aos autos.

74. E veio esta entidade, desde logo, afirmar que “a deteção de anomalias ou de

situações passíveis de correção ou de melhoria é encarada como um percurso para a

manutenção dos níveis de qualidade (…);

75. E, “sempre que algum evento adverso acontece, é política do serviço, analisar o

caso, na perspetiva de entender o que se passou e encontrar (…) situações evitáveis.

E foi com este objetivo que também o Conselho de Administração do Centro

Hospitalar Lisboa Central abriu uma auditoria à recente morte materna ocorrida na

MAC, que será enviada assim que concluída.”;

76. Relativamente ao projeto de deliberação da ERS, o citado Centro Hospitalar veio

ao processo declarar a implementação das medidas preconizadas pela ERS, à

exceção da correção das barreiras arquitetónicas e da colocação de rampas de

oxigénio nas enfermarias, cujas limitações dependem da adequação destas medidas a

decisões judiciais e autorizações superiores.

16

77. Concretizando,

78. Relativamente à disponibilização pronta e localização adequada dos carros de

emergência e respetivos desfibrilhadores, “foi elaborado o levantamento de

equipamento de suporte básico e avançado de vida na MAC. A composição dos carros

de emergência irá ser auditada de acordo com os procedimentos existentes na MAC e

os em vigor no CHLC. Na sequência da auditoria irão ser quantificadas as

necessidades e alocados os carros eventualmente necessários”;

79. Quanto à formação dos profissionais em Suporte Avançado de Vida, “estão já

calendarizadas formações em “Suporte Básico de Vida” para abrangerem novos e

antigos profissionais da MAC; parte desses profissionais realizarão a seguir formação

em “Suporte Avançado de Vida”, ações também já programadas”;

80. No que se refere à implementação de uma equipa de emergência interna, “o

CHLC possui EEMI e procedimentos aprovados em função das particularidades de

cada um dos seus seis hospitais. (…). Dadas as modificações no Serviço de

Anestesiologia, vai proceder-se à atualização e revitalização da equipa de emergência,

que continuará com a coordenação de anestesistas, integrando o/a Enfermeiro de

serviço na URCI”;

81. Já no que concerne à existência de uma organização coordenada, na área da

prestação de cuidados a doentes agudos graves, “já existe uma estratégia para a

prestação de cuidados a doentes agudos graves”, a saber:

­ “Existe um internista na MAC com diferenciação em patologia médica de

doentes graves e competências em situações agudas;

­ Existe articulação com o Serviço de Urgência Polivalente – Medicina Interna do

Hospital de São José – com disponibilidade de médicos que se deslocam à MAC;

­ Existe articulação com Unidade de Cuidados Intensivos (UUM) para onde são

encaminhadas as grávidas com doenças médicas agudas. (…);

­ Está em fase avançada de elaboração um procedimento para apoio integrado

da Medicina Interna do CHLC à MAC;

­ Existe um procedimento para articulação entre a área de Cuidados Intensivos e

a área de Ginecologia/Obstetrícia, que será revisto e adaptado à MAC.”

17

82. Quanto à colocação de sinalética com indicação de número de emergência e do

algoritmo universal de reanimação, “procedeu-se à renovação da sinalética

relacionada com os circuitos em caso de emergência e com os fluxogramas para

suporte básico de vida.”

83. No que respeita à correção das barreiras arquitetónicas “irá ser realizada uma

avaliação do risco que visará, entre outros aspetos, a identificação e manutenção de

vias de circulação desimpedidas para doentes, equipamentos e profissionais”.

84. Pois, “o edifício MAC é uma estrutura antiga com problemas estruturais que

limitam a intervenção, mas obviamente que serão adotadas medidas que minimizem

os riscos resultantes das condicionantes arquitetónicas que possam comprometer o

acesso ao atendimento a doentes graves.”

85. No entanto, “a implementação das medidas propostas na portaria 615/2010, à

estrutura antiga da MAC, tem condicionantes arquitetónicas e de engenharia civil que

modificam a gestão dos espaços e reduzem a lotação praticável na MAC.”

86. Sendo certo que, “por decisão judicial, o CHLC está impedido de alterar as

lotações praticadas abaixo de determinado número o que colide com a portaria

615/2010, nos aspetos regulamentares de espaços dedicados às enfermarias.”

87. “Esta alteração nas unidades de internamento, terá como consequência a

diminuição da lotação atualmente existente para execução dos trabalhos. Após obra

realizada (…) a lotação terá de ser reduzida nalgumas áreas e reestruturada noutras.

Implicará a ocupação de espaços de internamento atualmente não utilizados e, como

tal, será necessário reforçar o número de profissionais de enfermagem e assistentes

operacionais através de recurso a contratação externa.”

88. Quanto à “colocação de rampas de oxigénio e vácuo nas enfermarias, bem como

a instalação de outro tipo de gases noutros locais, é uma alteração que pode ser

efetuada, embora com alguns constrangimentos difíceis de ultrapassar”.

89. “O custo da obra é de cerca de 200 mil € o que implicará a obtenção de

autorização prévia da tutela para a sua realização, bem como a existência de verba

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disponível, o que também terá que ser assegurado com o apoio da tutela, face à não

existência de verba internamente.”

B) Da análise dos argumentos aduzidos na pronúncia

90. Refira-se, ab initio, que a argumentação apresentada no âmbito da pronúncia do

Centro Hospitalar Lisboa Central, E.P.E. foi considerada e ponderada pela ERS.

91. Assim, considerando tais argumentos verificou-se que os mesmos não são de

molde a infirmar os factos e a apreciação tal como constantes do projeto de

deliberação da ERS.

92. Outrossim, a argumentação apresentada sufraga o enquadramento factual e

normativo do projeto de deliberação da ERS, confirmando o entendimento aí

assumido; e

93. O Centro Hospitalar assume, perante a ERS, que serão, no prazo de 30 dias,

implementadas as medidas preconizadas no projeto de deliberação, com exceção do

cumprimento das medidas relativas à correção das barreiras arquitetónicas e à

colocação de rampas de oxigénio nas enfermarias, alegando a necessidade de

adequação destas medidas a decisões judiciais e autorizações superiores, conforme

informação vertida no documento 5 junto aos autos.

94. Consequentemente, analisam-se infra em maior profundidade os argumentos

aduzidos pelo Centro Hospitalar relativamente à dificuldade ou impedimento na

implementação de tais medidas no prazo determinado pela ERS.

95. Efetivamente, o estabelecimento visado declarou, no que respeita à correção das

barreiras arquitetónicas, que “irá ser realizada uma avaliação do risco que visará, entre

outros aspetos, a identificação e manutenção de vias de circulação desimpedidas para

doentes, equipamentos e profissionais”, prevenindo, no entanto, que por decisão

judicial, o Centro Hospitalar Lisboa Central, E.P.E. está impedido de alterar as

lotações praticadas abaixo de determinado número.

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96. Quanto à colocação de rampas de oxigénio nas enfermarias referiu que o custo da

obra é de cerca de 200 mil € o que implicará a obtenção de autorização prévia da

tutela para a sua realização, bem como a existência de verba disponível.

97. Tais argumentos encerram em si três vertentes distintas, a saber, as dificuldades

financeiras para a realização das alterações infra-estruturais, a necessidade de

obtenção de autorização prévia da Tutela para o financiamento e realização das

mesmas, e o impedimento que decorre de sentença judicial que proíbe o Centro

Hospitalar de proceder a alterações na Maternidade Alfredo da Costa,

designadamente impedindo de reduzir a sua capacidade.

98. Tais vertentes são distintas e devem, assim, ser analisadas individualmente.

99. No que concretamente respeita à questão de custos financeiros que decorreriam

da colocação de rampas de oxigénio, refira-se que tal argumento é aqui explicitamente

afastado, por o mesmo ser de valor e hierarquia inferior face aos bens jurídicos e

interesses que a ERS visa acautelar com a sua instrução.

100. Na realidade, mas sem se descurar as dificuldades financeiras da instituição, o

objetivo a salvaguardar pelas determinações da ERS não se reconduzem

simplesmente ao cumprimento de requisitos legais de funcionamento, ou à melhoria

de condições infraestruturais que visem elevar o patamar de qualidade e conforto das

mesmas;

101. Pelo contrário, a análise efetuada pela ERS, no seguimento dos episódios melhor

relatados supra, evidenciaram a existência de violações de padrões de qualidade e

segurança exigíveis, com o efeito de potenciação do risco clínico na prestação de

cuidados de saúde a doentes graves;

102. E, consequentemente, potenciando o risco de lesão aos bens saúde e vida dos

doentes.

103. Nesse sentido, os óbices financeiros apresentados, mesmo que devidamente

ponderados, não podem sobrepesar sobre tais bens superiores.

20

104. De igual forma, uma tal ponderação de valores é mutatis mutandis aplicável ao

argumento da necessidade de obtenção pelo Centro Hospitalar de autorização prévia

junto da Tutela para a realização das alterações em causa e correspondentes às

alíneas b) e c) do projeto de instrução emitido.

105. Efetivamente, reitera-se, e independentemente das considerações apresentadas

pelo estabelecimento prestador a respeito das limitações infraestruturais e

organizacionais, que uma das razões que presidiu a tal instrução reside na

necessidade de garantir a segurança dos utentes aquando da prestação de cuidados

de saúde, de modo a que aqueles não sejam expostos a riscos, clínicos e não clínicos,

e que a capacidade de atuação clínica dos profissionais para prestar os melhores

cuidados de saúde não seja prejudicada.

106. Ressalta-se, ainda, que, no que respeita às barreiras arquitetónicas, assume

especial relevo o espaço reduzido entre camas, por impossibilitar uma abordagem

célere e eficaz por parte das equipas de emergência em situações críticas, dada a

dificuldade de acesso às doentes, bem como aos meios de suporte avançado de vida.

107. Nesse sentido, tais argumentos não são de molde a afastar o dever do

estabelecimento prestador visado adequar as instalações de modo a assegurar o

acesso rápido e eficaz a meios de suporte avançado de vida, sem que se exija para tal

a alteração das lotações praticadas na Maternidade Dr. Alfredo da Costa.

108. O último argumento reside, assim, no impedimento resultante de sentença judicial

propalada pelo Tribunal Administrativo e de Círculo de Lisboa, e que impedem o

Centro Hospitalar de proceder a alterações na Maternidade.

109. Esclarece-se, a esse respeito, que a ERS é uma entidade administrativa

independente, de onde resulta que as suas determinações, em respeito do princípio da

separação dos poderes, não prevalecem sobre decisões judiciais.

110. Porém, o que igualmente se constata é que o referido impedimento será, por

natureza, temporário, ou seja, valerá enquanto a referida sentença judicial, proferida

em sede cautelar, produzir os seus efeitos.

21

111. Daqui decorrem várias consequências e, em concreto, uma primeira e mais

relevante, que é o dever de, em tal hiato temporal correspondente ao período em que

o impedimento decorrente da sentença judicial se mantenha em vigor, serem adotadas

todas as medidas alternativas que minimizem o acréscimo de risco clínico e não

clínico que foi detetado e decorrente de uma situação não consentânea com os

padrões de qualidade e segurança exigíveis;

112. Face à complexidade e risco clínico crescente das grávidas que têm vindo a ser

admitidas e internadas na MAC, devem ser adotadas medidas conducentes à sua

adequada referenciação, de modo a que possam ser-lhes prestados os cuidados de

saúde da máxima qualidade e acautelada a sua segurança.

113. A que poderão acrescer outras medidas, como sejam a disponibilização de

oxigénio nas enfermarias sob outra forma que não a de rampas, mediante a colocação

de balas de oxigénio.

114. Uma outra consequência será, naturalmente, a de condicionar o dever de

cumprimento destas concretas determinações emitidas pela ERS, e correspondentes

às alíneas b) e c) do projeto de instrução, à cessação dos efeitos da sentença judicial.

115. Ou seja, o Centro Hospitalar deverá cumprir as mesmas no prazo de 30 dias

contados a partir da data de cessação do impedimento judicial atualmente existente.

116. E uma última consequência consubstancia-se, pela preocupação que a situação

atual produz em termos de aumento de risco clínico e não clínico para as utentes, na

adequação de dar conhecimento ao Ministério da Saúde da presente deliberação,

recomendando no sentido de encetar todas as diligências necessárias à eliminação do

acréscimo de risco atualmente verificado, seja pelas correções das deficiências

detetadas, seja pela deslocação das utentes, atuais e futuras, para outros

estabelecimentos do SNS que garantam condições de acessibilidade e padrões de

qualidade adequados.

117. Considerando o supra anotado, deve a ERS garantir, mediante a manutenção da

instrução delineada e oportunamente notificada, o efetivo cumprimento dos deveres

impostos ao Centro Hospitalar Lisboa Central, E.P.E. de prover pelo direito de

prestação de cuidados de saúde com qualidade e segurança, solvendo as não

22

conformidades decorrentes das limitações infraestruturais e organizacionais da

Maternidade Dr. Alfredo da Costa.

VI

DA DECISÃO

118. O Conselho Diretivo da ERS delibera, assim, nos termos e para os efeitos do

preceituado no art. 42.º al. b) do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio, emitir uma

instrução ao Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE. relativa ao estabelecimento

Maternidade Dr. Alfredo da Costa, nos seguintes termos,

Deve:

a) Garantir a disponibilização pronta e a localização adequada dos carros de

emergência e respetivos desfibrilhadores;

b) Corrigir as barreiras arquitetónicas que impedem acesso rápido e eficaz a

meios de suporte avançado de vida;

c) Proceder à colocação de rampas de oxigénio nas enfermarias, ou

disponibilização sob outra forma, nomeadamente mediante a colocação de balas de

oxigénio;

d) Assegurar a formação dos profissionais em Suporte Avançado de Vida;

e) Promover a implementação de uma equipa de emergência interna;

f) Diligenciar para a existência de uma organização coordenada, na área da

prestação de cuidados a doentes agudos graves;

g) Colocar a sinalética com indicação de número de emergência e do algoritmo

universal de reanimação.

h) Adotar medidas conducentes à adequada referenciação das grávidas,

enquanto vigorar o impedimento decorrente de sentença judicial, de modo a que

possam ser-lhes prestados os cuidados de saúde da máxima qualidade e

acautelada a sua segurança.

119. Considerando o incremento do risco decorrente das não conformidades supra

citadas, o Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E. deve dar cumprimento imediato

à presente instrução, dando conhecimento à ERS, no prazo máximo de trinta (30) dias

contados da notificação da mesma, dos procedimentos adotados para efeito, com

exceção das alíneas b) e c) do número anterior, cujo início do referido prazo será

contado a partir da data de cessação dos efeitos da sentença judicial que impossibilite

a sua execução.

23

120. O Conselho Diretivo da ERS igualmente delibera dar conhecimento ao Ministério

da Saúde da presente deliberação, recomendando a adoção de todas as diligências

adequadas à eliminação do acréscimo de risco atualmente verificado, seja pelas

correções das deficiências detetadas, seja pela deslocação das utentes, atuais e

futuras, para outros estabelecimentos do SNS que garantam condições de

acessibilidade e padrões de qualidade adequados.

121. O Conselho Diretivo da ERS delibera, por último, proceder à abertura imediata de

processo de monitorização com a finalidade de acompanhar o comportamento

adotado pelo Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E. tendente ao cumprimento da

presente instrução.

122. Será dado conhecimento da presente deliberação à Administração Regional de

Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P.

123. A versão não confidencial da presente deliberação será publicitada no sítio oficial

da Entidade Reguladora da Saúde na internet.

O Conselho Diretivo