Demandas Sociais Da Democracia e o Orçamento I

download Demandas Sociais Da Democracia e o Orçamento I

of 52

Transcript of Demandas Sociais Da Democracia e o Orçamento I

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    1/52Cdigo ISSN: 2358-0690

    ANO 03DEZEMBRO 15

    Eduardo Fagnani | Lucia Cortes da Costa |Rodrigo Octvio Orair | Srgio Wulff Gobetti

    REVISTA

    27 As demandassociaisda democraciano cabemno oramento?

    (Parte I)

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    2/52

    2

    Todas as fotos:

    plataformapoliticasocial.com

    EDITOREduardo Fagnani

    EDITOR ASSISTENTEThomas Conti

    JORNALISTA RESPONSVELDavi Carvalho

    REVISOCaia Fittipaldi

    PROJETO GRFICONata Design

    CONSELHO EDITORIALAna Fonseca

    NEPP/UNICAMPAndr Biancarelli

    Rede D - IE/UNICAMP

    Erminia Maricato

    USP

    Lena Lavinas

    UFRJ

    revistapoliticasocialedesenvolvimento.com

    CDIGO ISSN: 2358-0690

    APOIO

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    3/52

    ndice

    08

    Em busca de uma soluo democrticapara o ajuste social necessrio.

    Lucia Cortes da Costa

    32

    O mercado contra a cidadaniaEduardo Fagnani 14

    Fatos e verses sobre a poltica fiscalSrgio Wulff Gobetti

    Rodrigo Octvio Orair

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    4/52

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    5/52

    5

    O objetivo de construir uma sociedadejusta requer, dentre tantos desaf ios, apreservao da incluso social ocorridanos ltimos anos e a defesa dos direitos decidadania assegurados pela ConstituioFederal de 1988, marco do processo civi-lizatrio nacional.

    No obstante, ambos os desafios estoameaados. A estagnao da economiacorri os avanos sociais recentes, enfra-quece o governo democraticamente eleitoe amplifica a crise poltica e o eco das aesantidemocrticas.

    Por outro lado, a recesso funcional parao aprofundamento do projeto liberal, pois

    Eduardo FagnaniProfessor do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisadordo Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (Cesit/IE-Unicamp)e coordenador da rede Plataforma Poltica Social(www.plataformapoliticasocial.com).

    Apresentao

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    6/52

    6

    A S D E M A N D A S S O C I A I S D A D E M O C R A C I A N O C A B E M N O O R A M E N T O ? ( P A R T E I )

    no deixa outra sada a no ser a severaalterao da estrutura dos gastos governa-mentais exigida h dcadas pelo mercado.

    Nos ltimos meses ganhou robustez a visode que a estabilizao da dvida pblicarequereria a mudana no contrato socialda redemocratizao. Essa viso adquiriunovos contornos com a explicitao dodocumento Uma Ponte para o Futuro,divulgado pela Fundao Ulysses Guima-

    res, do PMDB.

    Dado este cenrio, a Revista Poltica Sociale Desenvolvimento dedica-se a enfrentara seguinte questo: As demandas sociaisda democracia no cabem no oramento?.

    Nesta Revista 27, iniciamos este debatecom o artigo de Lucia Cortes da Costa,Em busca de uma soluo democr-

    tica para o ajuste social necessrio.A autora destaca que o Brasil, ao logo deseus mais de 500 anos de histria, conso-lidou-se como sociedade profundamentedesigual. Aps sculos de escravido, aoliberto foi negado qualquer indenizaopelo trabalho forado, e no foi criadonenhum mecanismo de incluso social, defornecimento de ativos capazes de alterara reproduo da pobreza. Chegamos a uma

    Repblica sem o esprito republicano,num pas onde o Estado foi privatizadopelos interesses das elites oligrquicas.Dos anos 1930 em diante, o pas enve-redou pela aventura industrializante,sem desmontar as bases sociais, polticase econmicas do latifndio. Com a Seguri-dade Social estabelecida na Constituiode 1988, houve, formalmente, um pontode inflexo da nossa histria social. Pela

    primeira vez na histria do pas, conju-garam-se as dimenses polticas e sociaisdos direitos de cidadania. No entanto, aexpectativa democrtica de construir umpas mais igualitrio foi frustrada pelasrazes econmicas dominantes a partirde 1990. As tmidas iniciativas de redis-tribuio de rendas empreendidas poste-riormente no vieram acompanhadas dereformas profundas capazes de consolidaressa opo por um pas mais igualitrio. A

    miragem do curto prazo, da busca de umajuste fiscal recessivo s nos far repro-duzir a nossa histrica desigualdade. de ajuste social que esse pas precisa, depromover mecanismos de reduo da nossavergonhosa desigualdade social, poltica eeconmica, finaliza a autora.

    Em Fatos e verses sobre a polticafiscal, Srgio Wulff Gobetti e Rodrigo

    Octvio Orair procuram, inicialmente,desconstruir o mito da gastana e o erro dapoltica fiscal. Apontam que nos ltimosanos, o endividamento pblico brasileirofoi sensivelmente reduzido, passando de60% do PIB em 2002 para 31% do PIB em2013, s crescendo em 2014, para 34% doPIB, quando o governo registrou um dficitprimrio de 0,59% do PIB. Foi a primeira

    vez em 16 anos que os gastos primrios

    (exclusive juros) no couberam na receita,o que pode iludir os desavisados que tendema ver o fato como claro sinal da gastanapromovida pelo governo. Anlise maisqualificada dos dados, construda pelosautores, desmonta esse mito, em vrias dassuas dimenses. Em ltima instncia, apiora dos indicadores fiscais tem a ver comas desoneraes de tributos e, sobretudo,com a desacelerao econmica (taxa de

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    7/52

    7

    expanso do PIB despencou de 4,55% aoano entre 2007 e 2010, para 2,13% entre2011 e 2014), cujo efeito conhecido: asreceitas caem mais acentuadamente doque a produo, enquanto as despesas e seuritmo de crescimento so mais rgidos. basicamente isso que explica por que umsupervit primrio superior a 2% do PIB em2011 se deteriorou para dficit de 0,59% doPIB em 2014, afirmam os autores.

    Em seguida, os autores desmistificam aviso de que a gastana fiscal seria a causado endividamento pblico. Inicialmenteanalisam a situao fiscal brasileira emtermos comparativos. A dvida lquida noBrasil inferior mdia mundial. O paspossui resultados primrios superiores maioria dos pases, apesar do dficitprimrio de 0,6% do PIB em 2014. Porm, ocenrio distinto no tocante dvida bruta

    e o resultado nominal, que inclui a conta dejuros. Segundo os autores, o dficit nominaldeve triplicar de 3,1% do PIB em 2013 para9,3% do PIB em 2015, o dobro da mdiamundial. A se confirmarem as atuaisprojees, o Brasil passar a figurar entreos pases com maiores dficits nominais.Grande parte da deteriorao do resultadonominal deriva das contas de juros, quedevem saltar de 4,8% do PIB em 2013 para

    8,9% do PIB em 2015 (enquanto a mdiamundial gira em torno de 1,5% do PIB).O artigo aprofunda a anlise dos demaisfatores que explicam o paradoxo de termosbaixo nvel de endividamento lquido eelevada dvida bruta. Como possvel umgoverno com baixo nvel de endividamentolquido vir a ter a maior conta de juros entretodos os pases do planeta?, perguntam.Gobetti e Orair apontam alternativas para

    enfrentar o problema fiscal e econmico.Na atual conjuntura, pouco razovel crerna possibilidade de um equilbrio fiscalcom baixo crescimento, o que implica que,no curto prazo, deveramos no mnimomanter o investimento pblico estabilizadoe sinalizar uma reforma fiscal de mdioprazo que contribusse para controlar adespesa, aumentar a receita e, principal-mente, melhorar a estrutura tributria esta sim capaz de alterar as expectativas

    dos agentes econmicos, apontam osautores.

    Finalmente, em O capital contra a cida-dania, Eduardo Fagnani aponta que onovo ciclo liberalizante representa maisuma etapa do longo processo de ataque sconquistas sociais de 1988, iniciada antesmesmo que a Constituio da Repblicasasse da grfica do Congresso Nacional.

    Em ltima instncia, o que sempreesteve em jogo que as elites finaceirasjamais aceitaram que o movimento socialcapturasse uma parcela do oramento doGoverno Federal (cerca de 10% do PIB), amaior parte concentrada na PrevidnciaSocial (8% do PIB). Recapturar essesrecursos passou a ser tarefa obstinada.Essa ofensiva inicia-se ainda durante ostrabalhos da Assembleia Nacional Cons-

    tituinte (ANC), permanece nas dcadasseguintes e ganha vigor em 2015.

    Boa Leitura!

    APRESENTAO

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    8/52

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    9/52

    9

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    10/52

    1 0

    A S D E M A N D A S S O C I A I S D A D E M O C R A C I A N O C A B E M N O O R A M E N T O ? ( P A R T E I )

    indenizao dos donos de escravos quemobilizou os polticos no final do Imprioe incio da Repblica. A iniciativa de Rui

    Barbosa no Ministrio da Fazenda, emqueimar arquivos da escravido, livrou opas da faanha vergonhosa de indenizaro fazendeiro escravocrata. Ao eliminaros comprovantes fiscais que existiam noMinistrio da Fazenda, impediu o pleitoda indenizao (CARVALHO, 2011).

    Chegamos a uma Repblica sem o esp-rito republicano, num pas onde o Estado

    foi privatizado pelos interesses das elitesoligrquicas. O cmbio usado para favo-recer a lucratividade do setor exportador

    de produtos agrcolas, o endividamentopblico para dar solvncia ao capitalprivado, a falta de reformas sociais queampliassem os investimentos em educao,sade e proteo ao trabalhador. A Rep-blica Velha manteve intocada uma ordemsocial marcada pela desigualdade e umaeconomia que restringia os benefcios daproduo de riquezas para uma pequena eopulenta elite.

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    11/52

    1 1

    Dos anos 1930 em diante, o pas enve-redou pela aventura industrializante,sem desmontar as bases sociais, polticase econmicas do latifndio. O nascentemercado de trabalho urbano foi o alvodas reformas sociais, especialmente dalegislao trabalhista, sem, no entantoter o dinamismo necessrio para incluir amaioria dos trabalhadores. Consolidou-seum mercado de trabalho segmentado,uma economia formal mergulhada num

    mar da precariedade, da informalidadee da desproteo. O corporativismo foi aregra da proteo social e previdenciria,tornando a carteira de trabalho a certidode nascimento social do cidado, conformea anlise de Wanderley G. dos Santos (1987).De forma descompassada, a cidadania foiconstruda sob um regime de segregaosocial, entre os que passaram a ter acessoa alguma proteo social e os excludos.

    Numa fuso contraditria entre autori-tarismo e ditaduras com a ampliao dofrgil sistema de proteo social, somentena dcada de 1970 os trabalhadores ruraisforam inseridos de forma desigual naprevidncia social com aposentadoriasde salrio mnimo, para os idosos acimade 70 anos e pessoas com deficincia que

    vivessem em famlias pobres, foi criadoo benefcio da renda mensal vitalcia, a

    ateno individual sade continuavavinculada a previdncia social e as medidasde sade coletiva se limitavam as vacina-es pblicas e alguma ateno bsica.Esse trip consolidado no Ministrio daPrevidncia e Assistncia Social foi oprecursor daquilo que veio a ser a Segu-ridade Social na Constituio Federal de1988, incluindo a previdncia social numregime contributivo e organizado em um

    sistema de repartio, a sade para todose organizada num sistema nico, a assis-tncia para quem dela necessitar.

    Qual a novidade da atual forma de Seguri-dade Social estabelecida na Constituiode 1988? Podemos falar que o ponto deinflexo da histria social do Brasil se d,do ponto de vista jurdico e poltico, naconsagrao dos direitos sociais funda-mentais e na construo de um sistema de

    polticas pblicas para assegurar a efeti-vidade desses direitos. Pela primeira vezna histria do pas houve a conjugao dasdimenses polticas e sociais dos direitosde cidadania. A grande expectativa dereduzir as desigualdades sociais, presentenas mobilizaes populares na dcada de

    EM BUSCA DE UMA SOLUO DEMOCRTICA PARA O AJUSTE SOCIAL NECESSRIO

    Qual a novidade da atualforma de Seguridade Socialestabelecida na Constituiode 1988? Podemos falar que oponto de inflexo da histria

    social do Brasil se d, do pontode vista jurdico e poltico, na

    consagrao dos direitos sociaisfundamentais e na construo

    de um sistema de polticaspblicas para assegurar a

    efetividade desses direitos.Pela primeira vez na histria

    do pas houve a conjugao dasdimenses polticas e sociais

    dos direitos de cidadania.

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    12/52

    1 2

    A S D E M A N D A S S O C I A I S D A D E M O C R A C I A N O C A B E M N O O R A M E N T O ? ( P A R T E I )

    1980, resultou na construo de um aparatoinstitucional para assegurar a oferta deservios e benefcios para uma camadamais ampla da populao trabalhadorado pas.

    No entanto, a expectativa democrticade construir um pas mais igualitrio foifrustrada pelas razes econmicas domi-nantes. Os ajustes fiscais e os serviosda dvida pblica, assim como o pleitode indenizar os escravocratas, se fezsentir nas condies de vida dos mais

    pobres. Em nome de ajustes necessrios,se promoveu durante a dcada de 1990uma estabilizao monetria ancoradano sequestro de recursos da seguridadesocial, o famigerado Fundo de Estabili-zao Fiscal que sobrevive atualmente como nome de Desvinculao de Receitas daUnio (DRU), sistematicamente penalizaas reas que compe a seguridade social.Em nome da solvncia junto a um sistema

    financeiro que sobrevive da especulaocom os juros da dvida pblica, atrasamosnosso ajuste social. Uma democracia entredesiguais uma fantasia enganosa e servepara legitimar uma dominao poltica eeconmica. Chegamos ao sculo XXI comouma sociedade que no conseguiu resolveros problemas do sculo XIX, da inclusosocial e das reformas nas estruturas deconcentrao da renda e da riqueza.

    Da opo por um pas mais justo e solidrio,empreendida no perodo de 2004-2010,houve tmidas iniciativas de redistribuiode rendas, especialmente por meio da valo-rizao do salrio mnimo e da ampliaodos benefcios assistenciais e da coberturaprevidenciria, em razo do aumento naformalizao do trabalho. O resultadoimediato dessa opo foi o crescimentodo consumo no mercado interno e uma

    melhoria dos indicadores sociais, espe-cialmente na reduo da pobreza extrema.Os programas de transferncia de rendas,unificados em 2003 sob a chancela doPrograma Bolsa Famlia foi importantepara a reduo da pobreza, medida emrenda e na oferta de servios de sadee educao. No entanto, falta assegurarreformas profundas capazes de consolidaressa opo por um pas mais igualitrio,

    falta a reforma fiscal capaz de impor aossetores de maior renda e especialmente, riqueza acumulada, uma parcela maior deresponsabilidade na reverso do quadrosocial do pas.

    Dotar a economia de maior competitivi-dade exige construir um projeto de desen-

    volvimento que seja capaz de conciliarcrescimento com maior igualdade social.

    No entanto, falta assegurarreformas profundas capazes

    de consolidar essa opo porum pas mais igualitrio, falta areforma fiscal capaz de impor

    aos setores de maior rendae especialmente, riqueza

    acumulada, uma parcela maiorde responsabilidade na reverso

    do quadro social do pas.

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    13/52

    1 3

    Sendo nesse caso, imprescindvel o inves-timento em polticas sociais universais,como sade e educao. Manter a capa-cidade de formalizao do trabalho evalorizao do salrio mnimo condiopara alavancar o consumo interno e fazercrescer a economia.

    No entanto, tais medidas exigem mudanasno modelo econmico que ainda tem nosetor exportador de commodities o dina-

    mismo para balana comercial. Construiras bases para uma poltica industrialexige uma convergncia entre o inves-timento privado e pblico com vistas amudar a economia, ampliando um pactodesenvolvimentista.

    Esse um problema poltico relevantenum pas marcado pela atuao desetores conservadores que sobrevivem

    das benesses de um Estado cercado pelosinteresses patrimoniais. Nos falta umaclasse empresria capaz de mobilizarforas sociais, econmicas e polticas para

    junto com o Estado promover um ciclodesenvolvimentista.

    A miragem do curto prazo, da busca de umajuste fiscal recessivo s nos far repro-duzir a nossa histrica desigualdade. Ao

    considerar que o consumo da populaotrabalhadora um empecilho ao desen-vol vim en to, se re pro duz um mo de loeconmico dependente do dinamismoda demanda externa, num pas que aindatem no setor agroexportador sua alavancacomercial. Isso nada mais do que seguirno caminho do atraso, a lio da crise de1929 que no Brasil deflagrou a crise pol-tica de 1930, j deveria ter-nos ensinado a

    pensar num projeto de pas e na virtuosi-dade do mercado interno.

    Ao localizar o problema da economia naescassez do investimento, se esquece deque a demanda o componente necessriopara qualquer economia seguir crescendo.Negligenciar a demanda interna sintomade cegueira, num mundo em que o consumoexterno incerto e em queda. Celso Furtado(2003) brilhantemente nos ensinou que o

    problema do nosso subdesenvolvimentopassa tambm por uma formao culturaldependente, especialmente na formao damentalidade dos economistas, formadoscom base nos manuais das escolas deChicago sem conhecer os desafios do Brasile sem olhar para seu povo. de ajuste socialque esse pas precisa, de promover meca-nismos de reduo da nossa vergonhosadesigualdade social, poltica e econmica.

    REFERNCIAS

    CARVALHO, Jos Murilo. Cidadania no Brasil. O longo caminho. 14ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2011.

    FURTADO, Celso. Formao Econmica do Brasil. 32 Edio. SoPaulo: Companhia Editora Nacional, 2003.

    SANTOS, Wanderley Guilherme. Cidadania e Justia. A polticasocial na ordem brasileira.2 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1987.

    EM BUSCA DE UMA SOLUO DEMOCRTICA PARA O AJUSTE SOCIAL NECESSRIO

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    14/52

    14

    A S D E M A N D A S S O C I A I S D A D E M O C R A C I A N O C A B E M N O O R A M E N T O ? ( P A R T E I )

    1. O mito da gastana e

    o erro da poltica fiscal

    Um dos grandes problemas que acometem apopularizao do debate econmico, essen-cial e salutar nas democracias, o risco deque temas complexos e polmicos sejamtratados sob tica demasiado simplista.Geralmente por influncia de idelogos que

    Fatos e versessobre a poltica fiscal

    Srgio Wulff GobettiDoutor em Economia, tcnico de planejamento e pesquisa do

    Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea).Rodrigo Octvio OrairMestre em Economia, tcnico de planejamento e pesquisa do

    Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea) e do InternationalPolicy Centre for Inclusive Growth (IPC-IG).

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    15/52

    1 5

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    16/52

    1 6

    A S D E M A N D A S S O C I A I S D A D E M O C R A C I A N O C A B E M N O O R A M E N T O ? ( P A R T E I )

    querem tornar suas vises mais aceitveis,mas tambm pela fora que o senso comumexerce no mundo poltico.

    Em 2003, por exemplo, o ex-presidenteLuiz Incio Lula da Silva justificou o ajustefiscal que promovia com uma analogia economia domstica: o governo, como umafamlia, no poderia gastar mais do queganha, sob pena de falir. Isso verdade?O cidado comum o metalrgico ou oengenheiro haver de dizer que sim, claro! Mas a teoria econmica, ou uma

    parte dela pelo menos, nos ensina que aeconomia capitalista mais complexa eno est sujeita s mesmas restries que

    limitam o gasto de uma famlia comum.

    O economista polons Michal Kalecki,por exemplo, tem uma frase famosa ebastante simples, alis que diz muitosobre a questo: Os trabalhadores gastamo que ganham, mas os capitalistas ganhamo que gastam. O que ele queria dizer que os tomadores de decises de gastoesto inseridos de maneira distinta na

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    17/52

    1 7

    dinmica de uma economia capitalista.A dona de casa que gerencia a economiadomstica tem pouco acesso ao crdito, eseus rendimentos provm do trabalho oude benefcios previdencirios e assisten-ciais que recebe junto com seus familiares.Quase tudo gasto em bens e servios, hpouca margem para ajustar o oramentodomstico, e o pouco que se pode ajustarter impacto irrisrio sobre a economia.

    Essa situao completamente dife-rente das decises de investimentos deempresrios e executivos das grandesempresas. Suas decises de gasto envolvema contratao de inmeros trabalhadorese aumentam o volume de bens e serviosproduzidos. Independentemente de seremfinanciados por meio de endividamento,como, por sinal, geralmente o so. E essegasto que dinamiza a gerao de renda na

    economia, inclusive o prprio o lucro.

    De maneira semelhante, as decises degasto pblico podem ditar os rumos dosistema econmico. No somente porqueos investimentos e a oferta de serviospblicos so alguns dos principais deter-minantes da renda agregada da economia,mas tambm porque as decises das auto-ridades fiscais e monetrias influenciam

    decisivamente a distribuio dessa renda.O governo pode alterar a fatia da renda decada classe social, quando decide concederbenefcios fiscais aos empresrios, alterara taxa de juros que remunera os detentoresde ttulos da dvida pblica ou os benef-cios sociais que compem o oramentodomstico.

    O governo tambm pode se endividar para

    gastar, desde que canalize esse gasto paradespesas mais propensas a estimular odesenvolvimento econmico, de modo quea dvida no se converter em fardo topesado para a sociedade o que depende dataxa de juros, mas no apenas dela, comoveremos.

    Na ltima dcada e meia, por exemplo,o endividamento pblico brasileiro foisensivelmente reduzido, passando de 60%do PIB em 2002 para 31% do PIB em 2013,s crescendo em 2014, para 34% do PIB,quando o governo registrou um dficitprimrio de 0,59% do PIB. Foi a primeira

    vez em 16 anos que os gastos primrios

    FATOS E VERSES SOBRE A POLTICA FISCAL

    O observador mais afoito tende

    a ver essa queda do resultadoprimrio e, principalmenteo dficit de 2014, como claro

    sinal da gastana promovidapelo governo, sobretudo no ano

    de eleies. Alguns cidadosde boa f acreditam inclusive

    que o inchao da mquinapblica, por servidores oucargos de confiana, seja o

    responsvel pela situao quevivemos. Entretanto, uma

    anlise mais qualificada dosdados pertinentes desmontaesse mito, em vrias das suas

    dimenses.

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    18/52

    1 8

    A S D E M A N D A S S O C I A I S D A D E M O C R A C I A N O C A B E M N O O R A M E N T O ? ( P A R T E I )

    (exclusive juros) no couberam na receita,embora a tendncia de queda gradual nosresultados primrios fruto de uma pol-tica de flexibilizao fiscal seja anteriore remonte a 2006.

    O observador mais afoito tende a ver essaqueda do resultado primrio e, principal-mente o dficit de 2014, como claro sinal dagastana promovida pelo governo, sobre-tudo no ano de eleies. Alguns cidados de

    boa f acreditam inclusive que o inchaoda mquina pblica, por servidores oucargos de confiana, seja o responsvelpela situao que vivemos. Entretanto,uma anlise mais qualificada dos dadospertinentes desmonta esse mito, em vriasdas suas dimenses. Quais so os dadospertinentes?

    A despesa do governo vem cres-

    cendo em ritmo elevado e incrivelmenteestvel (acima do PIB) h mais tempo,antes mesmo da flexibilizao fiscal postaem marcha a partir de 2006, inclusive nosperodos de ajuste fiscal. As taxas mdiasde crescimento do gasto dos ltimos quatrogovernos, conforme vemos na Tabela 1,foram: FHC II (3,9%), Lula I (5,2%), LulaII (4,9%) e Dilma I (4,2%).

    O principal fator por trs do cresci-mento das despesas na esfera federal noso os gastos com pessoal. Estes crescemsistematicamente abaixo do PIB e tiveramsua menor taxa de expanso justamenteno ltimo quadrinio (0,2%), ao contrriodo que ocorre, por exemplo, nos estadose municpios, onde o gasto com salriose aposentadorias de servidores tem cres-cido a 5,5% ao ano, independentemente da

    colorao partidria do governante.

    O motor do gasto federal tem sidoos benefcios sociais (aposentadorias epenses do INSS, benefcios a idosos edeficientes, seguro-desemprego, bolsafamlia, etc.), que hoje consomem metadedo gasto da Unio (mais de R$ 500 bilhes)e crescem a taxas sistematicamente supe-riores ao PIB pelo menos desde 1999, porinfluncia principal de fatores demo-

    grficos, da formalizao e dos direitosconsagrados na Constituio e, secunda-riamente, pela poltica de valorizao dosalrio mnimo.

    A despeito de gastos elevados, ogoverno conseguiu manter resultadosfiscais positivos na ltima dcada e meiapelo aumento da carga tributria (1999-2005) ou pelo crescimento mais acele-

    rado do PIB (2006-2011). Contudo, desde2012, com a combinao de baixas taxasde crescimento econmico e desoneraestributrias, os resultados fiscais pioraramsignificativamente, mesmo que a taxa deexpanso das despesas tenha inclusivecado um pouco.

    Resultado que no se altera qualitati-vamente quando inclumos no clculo

    algumas rolagens de pagamentos e subs-dios que no integram a conta do resultadoprimrio, como aqueles operados por meiodo BNDES. Nesse caso, o que mais se modi-fica a taxa de crescimento das despesasno governo Lula II, que sobe de 4,9% para5,2%, mantendo-se quase inalterada a taxade crescimento do governo Dilma I.

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    19/52

    1 9

    Isso significa que o gasto no foi elevado

    substancialmente nos ltimos quatro anos?No, no significa. Contudo, as evidn-cias apontadas servem para relativizar aimpresso que se disseminou, mesmo entreos especialistas em finanas pblicas, deque o ltimo governo teria sido particular-mente irresponsvel com o nvel de gastopblico e expandido demais os gastos.

    Como argumentaremos adiante, o

    problema no tem tanto a ver com quanto ogoverno gastou, mas, sim, com como gastoue tambm com como desonerou. E peloinsucesso dessa poltica em manter o cres-cimento econmico, resultando em umataxa de expanso do PIB que despencoude 4,55% ao ano entre 2007 e 2010 para2,13% entre 2011 e 2014. O efeito da desa-celerao econmica sobre os indicadoresfiscais conhecido: as receitas caem

    1999-

    2002

    2003-

    2006

    2007-

    2010

    2011-

    2014

    1999-

    2002

    2003-

    2006

    2007-

    2010

    2011-

    2014

    Receita total 14.9% 14.1% 11.7% 9.3% 6.5% 4.8% 3.6% 2.2%

    Despesa total 12.1% 14.6% 13.1% 11.4% 3.9% 5.2% 4.9% 4.2%

    Pessoal 12.6% 10.4% 12.1% 7.2% 4.4% 1.3% 4.0% 0.2%

    Benefcios Sociais 14.3% 18.7% 12.6% 12.5% 5.9% 9.0% 4.4% 5.2%

    Custeio e capi ta l 8.3% 12.2% 15.2% 13.3% 0.4% 3.0% 6.8% 6.0%

    Custeio 9.7% 11.5% 13.2% 12.7% 1.7% 2.4% 5.0% 5.4%

    Inves ti mento 8.4% 5.7% 30.8% 6.4% 0.5% -3.0% 21.4% -0.5%

    Inverses e subsdios -2.7% 31.5% -0.6% 35.2% -9.8% 20.7% -7.8% 26.4%

    Taxa Cresc. PIB - - - - 2.3% 3.5% 4.5% 2.1%

    Discriminao

    Taxa nominal Taxa real

    Isso significa que o gastono foi elevado

    substancialmente nos ltimosquatro anos? No, no significa.

    Contudo, as evidnciasapontadas servem pararelativizar a impresso

    que se disseminou, mesmo

    entre os especialistasem finanas pblicas,

    de que o ltimo governoteria sido particularmenteirresponsvel com o nvel

    de gasto pblico e expandidodemais os gastos.

    TABELA 1 - TAXAS DE CRESCIMENTO DAS RECEITAS E DESPESAS PRIMRIAS DO GOVERNO CENTRAL, PORPERODO DE GOVERNO.Fonte: IMF World Economic Outlook (WEO), Abril 2015.

    Fonte: GOBETTI, S. W.; ORAIR, R. O. Flexibilizao fiscal: Novas evidncias e desafios. Texto para Dis-cusso n. 2132. Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea), 2015.

    FATOS E VERSES SOBRE A POLTICA FISCAL

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    20/52

    2 0

    A S D E M A N D A S S O C I A I S D A D E M O C R A C I A N O C A B E M N O O R A M E N T O ? ( P A R T E I )

    Pases 1995-1998 1999-2002 2003-2006 2007-2010 2011-2014

    Argentina 3,58% (55) -4,94% (99) 8,87% (11) 5,07% (28) 3,09% (51)

    Brasil 2,58% (75) 2,29% (71) 3,5% (72) 4,55% (37) 2,13% (68)

    Chile 6,9% (11) 2,3% (70) 5,57% (40) 3,25% (52) 4,35% (40)

    China 9,48% (5) 8,36% (4) 11,02% (5) 10,88% (3) 8,05% (5)

    Colmbia 2,8% (73) 0,68% (88) 5,16% (47) 4% (43) 5,03% (30)

    Alemanha 1,59% (85) 1,72% (82) 1,17% (91) 0,57% (80) 1,57% (78)

    Grcia 3,39% (58) 3,48% (48) 4,55% (57) -1,75% (97) -4,71% (98)

    ndia 6,33% (13) 5,31% (20) 8,58% (11) 8,08% (9) 6,47% (12)Itlia 1,77% (84) 1,82% (78) 1,17% (92) -0,88% (94) -1,09% (96)

    Coria do Sul 4,23% (39) 8,02% (8) 4,23% (59) 3,85% (45) 3,04% (52)

    Mxico 2,81% (72) 1,85% (78) 3,43% (74) 1,17% (74) 2,89% (56)

    Portugal 3,75% (51) 2,59% (65) 0,79% (94) 0,38% (82) -1,66% (97)

    frica do Sul 2,64% (75) 3,23% (53) 4,59% (56) 2,48% (61) 2,29% (67)

    Espanha 3,72% (52) 4,17% (35) 3,56% (70) 0,3% (84) -0,65% (95)

    Reino Unido 2,81% (72) 3,01% (58) 3,15% (77) -0,08% (87) 1,74% (76)

    EUA 3,86% (48) 2,87% (61) 3,15% (78) 0,29% (85) 1,93% (73)

    Mundo Mdia 4,1% 3,82% 5,15% 3,52% 3,37%

    mais acentuadamente do que a produo,enquanto as despesas e seu ritmo de cres-cimento so mais rgidos. Resultando emmenor receita em proporo do PIB e maiordespesa em proporo do PIB. basica-mente isso que explica, como salientamos,por que um supervit primrio superior a2% do PIB em 2011 se deteriorou para dficitde 0,59% do PIB em 2014.

    Quais fatores estariam por trs dessa

    acentuada desacelerao econmica? Nopodemos negligenciar os maiores obst-culos ao crescimento na fase de granderecesso que sucedeu a crise internacionalde 2008. A conjuntura desfavorvel levou reviso de projetos de investimentos emescala global e intensificao da concor-rncia pelos poucos mercados domsticos

    que permaneceram mais dinmicos, o queacentuou as restries externas ao cresci-mento que haviam sido relaxadas duranteo boom do superciclo das commodities.

    Se observarmos o crescimento econmicodo Brasil das ltimas duas dcadas, comoapresentado na Tabela 2, verificamos que,exceto no quadrinio 2007-2010, o passempre cresceu abaixo da mdia mundial,em uma posio que varia das 29% a 35%

    piores taxas entre cerca de 180 pases cominformaes disponveis no banco de dadosdo FMI. A economia brasileira se nota-bilizou por uma performance medocreem termos comparativos por quase todoperodo ps-Plano Real. Mas h que seressalvar que 2011-2014 o quadrinio noqual a economia mundial menos cresceu.

    TABELA 2. RANKING DE CRESCIMENTO DO PIB. TAXAS AO ANO DE CRESCIMENTO REAL EM MOEDA NACIONAL.

    Fonte: Elaborao prpria com dados do World Economic Outlook Database do FMI extrados em 6/11/2015.

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    21/52

    2 1

    Ainda assim, o argumento da crise inter-nacional no contribui para explicar todoo diferencial de desempenho entre osquadrinios 2007-2010 e 2011-2014. Nosdois perodos a economia mundial cresceu,em mdia, a taxas muito prximas, aomesmo tempo em que a taxa de crescimentoda economia brasileira caiu pela metade.O Brasil atravessou relativamente bem apior fase da crise internacional em 2008e 2009 e, na contramo das tendncias

    mundiais, manteve dinamismo econmicoao longo de quase todo o quadrinio 2007-2010, galgando vrias posies no rankingde crescimento dos pases. Esse quadro foitotalmente revertido no ltimo quadrinioe caminha para ser ainda pior no atual.

    As questes que se colocam nesse contextoso: onde o governo errou, para que aeconomia tenha mergulhado to profun-

    damente na recesso do quadrinio 2011-2014 depois do desempenho extraordinriodurante 2007-2010? A causa principalteria sido o aprofundamento do ciclo deexpanso fiscal, como argumentam algunseconomistas?

    Nossa opinio que nem as condiesexternas nem o expansionismo fiscal emsi explicam a crise econmica e fiscal em

    sua plenitude. Como vimos, por um ladoo cenrio externo j era adverso desde acrise de 2008. Por outro lado, o ritmo deexpanso do gasto no se alterou muito nosdois quadrinios, mesmo se se analisamas chamadas despesas discricionrias decusteio e capital. Contudo, houve umamudana crucial na conduo da polticaeconmica, que emerge da anlise da pol-tica fiscal e da Tabela 1 acima.

    Enquanto no quadrinio 2007-2010 o espaofiscal foi canalizado prioritariamente parainvestimentos pblicos, que cresceram ataxas reais de 21,4% ao ano; no quadrinio2011-2014 os investimentos permaneceramparados e, em compensao, o governoelevou significativamente os subsdios,como os do Minha Casa Minha Vida e os doBNDES, alm das desoneraes tributrias.

    A inflexo no mix da poltica fiscal tem

    duas razes: uma pragmtica, a outra estra-tgica. A pragmtica est relacionada auma percepo de que a execuo de inves-timentos mais lenta na esfera pblicado que na privada, e em 2011 tivemoso escndalo do DNIT, que agravou essasituao. A estratgica diz respeito a uma

    viso de que, oferecendo estmulos sufi-cientes ao setor privado, via desoneraesou subsdios, alavanca-se o investimento e

    Enquanto no quadrinio2007-2010 o espao fiscal foicanalizado prioritariamentepara investimentos pblicos,

    que cresceram a taxas reais de21,4% ao ano; no quadrinio2011-2014 os investimentos

    permaneceram parados e, em

    compensao, o governo elevousignificativamente os subsdios,como os do Minha Casa MinhaVida e os do BNDES, alm das

    desoneraes tributrias.

    FATOS E VERSES SOBRE A POLTICA FISCAL

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    22/52

    2 2

    A S D E M A N D A S S O C I A I S D A D E M O C R A C I A N O C A B E M N O O R A M E N T O ? ( P A R T E I )

    o crescimento. Ou seja, a mudana na pol-tica fiscal envolveu uma constatao e umaaposta: diante da dificuldade de continuarexpandindo os investimentos pblicos, ogoverno acreditou que promoveria o cresci-mento econmico via incentivos aos inves-timentos privados a chamada agendaFiesp, segundo definio da economistaLaura Carvalho.

    A aposta foi alta. O governo renunciou

    a volumes significativos de receitas nosltimos quatro anos (R$ 23 bilhes anuaisapenas com a desonerao da folha), injetoucerca de R$ 17 bilhes anuais no MinhaCasa Minha Vida e multiplicou por quatroo volume de emprstimos ao BNDES, comsubsdios que, em 2014, perfizeram R$ 21bilhes. O resultado foi que o investimentoprivado no cresceu e, pior, decaiu.

    Voltemos ao economista Michal Kalecki,que, em artigo seminal, introduziu adiscusso de ciclos polticos na teoriaeconmica, mostrando como, nosperodos recessivos, quando se reduz aoposio a uma poltica de gasto baseadano dficit pblico pelo bloco de interessesdo mercado e seus tericos, tambm seconsolida uma viso de que a intervenodeve ocorrer preferencialmente via est-

    mulos aos investimentos privados. Entre-tanto, Kalecki argumenta que este caminhono o mais adequado para reativar aeconomia, quando comparado com a alter-nativa de acelerar investimentos pblicose estimular o consumo das massas, e aindapossui uma dificuldade prtica, porque areao dos empresrios ser incerta. Se arecesso profunda, os empresrios podemformar uma viso muito pessimista sobre o

    futuro e as medidas tendero a ter apenaspequeno efeito ou nenhum efeito sobre oinvestimento. Esse artigo publicado em1942. Curioso o quanto aprendemos poucocom as lies do passado.

    2. A situao fiscal

    brasileira e o n da

    gesto macroeconmica

    Alguns dos principais indicadores fiscaispassaram a se deteriorar muito rapida-mente no Brasil desde 2013. Isso vem refor-ando a viso do senso-comum, de que ogoverno gasta muito e mal (a famigeradagastana), e isso acabaria resultando em

    crescente endividamento. Ser?

    O tema no simples. A trajetria dadvida pblica responde a uma interaomuito complexa entre as diversas polticasmacroeconmicas: cambial, creditcia,monetria e fiscal. Por isso, importanteavaliar o quanto da deteriorao fiscal estmais relacionada ao resultado primrio isto , ao descompasso entre as receitas e

    despesas primrias (exclusive os juros) ,que capta aspectos mais diretos da pol-tica fiscal propriamente dita; e o quantodo descompasso deve-se a questes maisgerais da gesto macroeconmica.

    Antes disso, vale analisar brevementea situao fiscal brasileira em termoscomparativos, para identificar idiossin-crasias e tambm aqueles aspectos que se

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    23/52

    2 3

    assemelham s tendncias prevalecentesna maior parte dos pases que tambmesto passando por deteriorao fiscal naatual fase de grande recesso. O que se podeconcluir a partir dessa anlise?

    A dvida lquida no Brasil alcanou33,2% do PIB em 2015, que um valor infe-

    rior mdia mundial.1 Porm, a dvidabruta elevada em termos comparativos ese deteriorou nos ltimos anos. A projeode dvida bruta de 66% do PIB aproximaro Brasil dos 29% pases mais endividadosno mundo. H uma tendncia de aumentodas dvidas brutas no mundo como um todo,mas isso ocorreu com maior velocidade noBrasil aps 2013.

    O Brasil no dista muito dastendncias mundiais em termos de resul-tado primrio. O pas possui resultadosprimrios superiores maioria dos pases,apesar da converso do supervit primriode 1,8% do PIB em 2013 para dficits em2014 e 2015. Constatao que no mudamuito, se for adotada uma previso mais

    pessimista de dficit primrio de 1% doPIB para 2015. Em parte, porque no restodo mundo tambm est prevalecendo umadeteriorao nos resultados primrios: emmdia, as projees apontam para aumentodos dficits de 0,7% do PIB em 2013, para3% em 2015.

    O cenrio completamente distinto,quando analisamos o resultado nominal,

    FATOS E VERSES SOBRE A POLTICA FISCAL

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    24/52

    2 4

    A S D E M A N D A S S O C I A I S D A D E M O C R A C I A N O C A B E M N O O R A M E N T O ? ( P A R T E I )

    que inclui a conta de juros, cujo dficitno Brasil deve triplicar de 3,1% do PIB em2013 para 9,3% do PIB em 2015, o dobro damdia mundial. A se confirmarem as atuaisprojees, o Brasil passar a figurar entreos pases com maiores dficits nominais.No resto do mundo, o volume de juros estrelativamente estabilizado em um baixopatamar (em mdia, cerca de 1,5% do PIB),e a deteriorao nos resultados nominaisest sendo puxada pelas j mencionadas

    quedas nos resultados primrios. J noBrasil ocorre um fenmeno muito pecu-liar: a conta de juros deve saltar de 4,8%do PIB em 2013 para 8,9% do PIB em 2015 eresponde pela maior parte da deterioraono resultado nominal. Sob tais projees,

    o setor pblico brasileiro assumir a dian-teira mundial em termos de maior despesade juros em 2015, em proporo do PIB.

    Tais constataes nos levam a pelo menosdois questionamentos sobre as idiossincra-sias brasileiras: o que explica a diferenaentre baixo nvel de endividamento lquidoe elevada dvida bruta? Como possvel umgoverno com baixo nvel de endividamentolquido vir a ter a maior conta de juros entre

    todos os pases do planeta?

    Para responder ao menos parcialmenteestas questes, ser necessrio apresentaralguns conceitos e mecanismos de inte-rao das polticas macroeconmicas, o

    TABELA 3. RANKING DOS INDICADORES DE ENDIVIDAMENTO PBLICO. EM PARTICIPAO (%) DO PIB.

    Fonte: Elaborao prpria com dados do BCB e do World Economic Outlook Database do FMI

    extrados em 6/11/2015.

    2013 2014 2015 2013 2014 2015

    Argentina 40.2% (51) 45.3% (54) 52.1% (56) nd nd nd

    Brasil 53.3% (65) 58.9% (69) 66% (71) 31.5% (46) 34.1% (47) 33.2% (39)

    Chile 12.8% (8) 15.1% (9) 18.1% (8) -5.7% (13) -4.4% (12) -2.1% (12)

    China 39.4% (49) 41.1% (47) 43.2% (43) nd nd nd

    Col mbi a 37.8% (43) 44.3% (52) 50.9% (54) 27% (41) 33.8% (46) 41.5% (52)

    Al ema nha 77% (82) 74.6% (80) 70.7% (76) 53.1% (70) 51.4% (65) 48.4% (59)

    Grc ia 175% (99) 177.1% (99) 196.9% (99) 172.1% (100) 175% (100) 194.1% (100)

    ndia 65.8% (76) 66.1% (74) 65.3% (70) nd nd nd

    I t lia 128.5% (97) 132.1% (98) 133.1% (98) 109.6% (96) 112.6% (96) 113.5% (95)

    Cori a do Sul 34.5% (39) 36% (38) 38.2% (36) 33.9% (49) 35.4% (50) 37.7% (49)

    Mxi co 46.4% (59) 49.8% (58) 52% (55) 40.4% (60) 43.4% (58) 45.6% (57)

    Portugal 129.7% (97) 130.2% (97) 127.8% (97) 119% (97) 120.3% (97) 120.6% (97)

    fri ca do Sul 43.3% (54) 46% (55) 48.4% (52) 37.6% (55) 41% (55) 43.9% (53)

    Es pa nha 92.1% (90) 97.7% (90) 98.6% (91) 58.8% (74) 62.6% (73) 64.8% (73)

    Reino Unido 87.3% (87) 89.4% (88) 88.9% (86) 78.7% (88) 80.9% (89) 80.3% (87)

    EUA 104.8% (95) 104.8% (93) 104.9% (93) 80.8% (90) 80.1% (87) 79.9% (86)Mundo - Mdia 49.16% 51.27% 54.32% 30.42% 32.09% 34.92%

    Dvida lquidaPases

    Dvida bruta

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    25/52

    2 5

    que procuraremos fazer de maneira did-tica. A dvida bruta o total das dvidas dogoverno, principalmente os ttulos pblicosemitidos pelo Tesouro Nacional. A dvidalquida corresponde diferena entrea dvida bruta e os ativos que o governopossui, como as reservas internacionais eos crditos junto ao BNDES.

    Quando o governo vai ao mercado de cmbioe troca reais por dlares que passaro a

    compor suas reservas, ou quando emprestarecursos ao BNDES, a juros subsidiadospara financiar os investimentos privados,como fez amplamente nos ltimos anos,ele aumenta a quantidade de moeda ouliquidez da economia. Pela maneira como

    opera nossa poltica monetria, o BancoCentral vende ttulos pblicos do TesouroNacional em troca dessa moeda adicional,para enxugar a liquidez. Isto, porque apoltica de combate inflao no Brasilest muito focada no controle da liquidezvia compra e venda de ttulos pblicos decurtssimo prazo, pelo Banco Central, naschamadas operaes compromissadas.

    Outra alternativa que o Tesouro Nacional

    emita ttulos pblicos para financiar aaquisio dos ativos, que normalmenteso ttulos de melhor qualidade em termosde prazos e custos. O Tesouro se antecipa eevita que o Banco Central oferte ttulos decurtssimo prazo no mercado. Em ambas

    TABELA 4. RANKING DOS INDICADORES DE RESULTADO FISCAL. EM PARTICIPAO (%) DO PIB.

    Fonte: Elaborao prpria com dados do BCB e do World Economic Outlook Database do FMIextrados em 6/11/2015.extrados em 6/11/2015.

    2013 2014 2015 2013 2014 2015

    Argenti na -2% (41) -2.7% (45) -4.9% (69) -0.7% (40) -1% (48) -2.5% (62)

    Brasil -3.1% (57) -6.2% (87) -9.3% (90) 1.8% (15) -0.6% (37) -0.4% (29)

    Chile -0.5% (23) -1.5% (31) -3.3% (50) -0.4% (33) -1.4% (55) -3.1% (73)

    Chi na -1.1% (29) -1.2% (28) -1.9% (30) -0.6% (37) -0.6% (38) -1.4% (45)

    Col mbi a -0.9% (27) -1.8% (35) -3.1% (45) 1.2% (19) 0.3% (25) -0.2% (23)

    Alemanha 0.1% (19) 0.3% (17) 0.5% (9) 1.8% (15) 1.7% (14) 1.7% (8)

    Grcia -2.9% (56) -3.9% (66) -4.2% (62) 1% (21) 0% (27) -0.5% (30)

    ndia -7.6% (92) -7% (89) -7.2% (86) -3.1% (77) -2.5% (70) -2.8% (68)Itlia -2.9% (56) -3% (50) -2.7% (40) 1.7% (17) 1.4% (17) 1.3% (10)

    Cori a do Sul 0.6% (16) 0.8% (15) -0.5% (13) -0.2% (31) -0.1% (29) -1% (39)

    Mxico -3.7% (62) -4.6% (74) -4% (59) -1.2% (51) -1.9% (63) -1.2% (42)

    Portugal -4.8% (75) -4.5% (73) -3.1% (45) 0.1% (27) 0.5% (24) 1.7% (8)

    fr ica do Sul -4.1% (69) -3.8% (64) -4.1% (61) -1.1% (49) -0.7% (40) -0.8% (35)

    Espanha -6.8% (88) -5.8% (83) -4.4% (65) -4% (84) -2.9% (76) -1.8% (52)

    Rei no Uni do -5.7% (82) -5.7% (81) -4.2% (63) -4.4% (87) -3.8% (82) -2.6% (65)

    EUA -4.7% (73) -4.1% (69) -3.8% (55) -2.7% (72) -2% (64) -1.8% (52)Mundo - Mdia -1.89% -2.46% -4.45% -0.7% -1.16% -2.99%

    Resultado nominal Resultado primrioPases

    FATOS E VERSES SOBRE A POLTICA FISCAL

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    26/52

    2 6

    A S D E M A N D A S S O C I A I S D A D E M O C R A C I A N O C A B E M N O O R A M E N T O ? ( P A R T E I )

    as alternativas, o resultado da deciso dogoverno de ampliar suas reservas interna-

    cionais ou capitalizar o banco pblico tercomo contrapartida o aumento da dvidapblica. Da a explicao para o paradoxo:o governo nos ltimos anos reduziu subs-tancialmente sua dvida lquida por meiode supervits primrios, mas simulta-neamente aumentou a dvida bruta, paraacumular ativos.

    Essa estratgia possui vrios mritos como,

    por exemplo, a reduo da vulnerabili-dade externa do setor pblico, ao passar posio de credor em moeda estrangeira; oua viabilizao do financiamento de projetosde investimentos, num momento em que omercado financeiro privado se retraa. Masno devemos negligenciar seus elevadoscustos e excessos. O pas passou a dispor deum volume expressivo de reservas interna-cionais, que alcanou R$ 1.455,6 bilhes em

    2015 (ou US$ 361,4 bilhes) e remuneradopelas baixssimas taxas de juros vigentes no

    mercado internacional, alm de R$ 522,7bilhes de crditos junto ao BNDES, quepaga ao Tesouro algo prximo a 5,3% ao ano.Sua contrapartida o aumento equivalenteda dvida pblica que captada a um customdio muito mais alto, ao redor de 13%, eque pouco se modificou nos ltimos anos.

    A estratgia de acumulao simultnea deativos e passivos, com grande diferencial de

    rentabilidade entre eles, explica boa parteda elevada conta de juros. As estimativasdo custo de oportunidade, que consideramos diferenciais entre as remuneraesdos ativos e de uma carteira equivalentecom a composio mdia dos ttulos dadvida pblica, devem alcanar 2,4% doPIB em 2015 para manuteno das reservasinternacionais e 0,7% do PIB no caso dosemprstimos ao BNDES.

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    27/52

    2 7

    Mas ainda estamos longe do total de 8,9% doPIB em juros. Para avanar nessa anlise,precisamos compreender um pouco melhora maneira como opera a poltica cambial. Aeconomia brasileira, assim como boa partedos pases do mundo, passou a conviver comgrandes oscilaes e presses por desvalo-rizao da moeda nacional desde meadosde 2013. Em ltima instncia, isso refleteum perodo turbulento dos mercados inter-nacionais com deslocamento da demanda

    dos investidores para o dlar, impondo-seuma srie de dificuldades para os BancosCentrais. Como lidar com tais dificuldades?

    Uma alternativa seria fazer intervenes nomercado cambial vista. O Banco Centraldo Brasil atende demanda por dlaresvendendo suas reservas internacionais e,assim, procura evitar os excessos de volati-lidade e desvalorizao da moeda nacional.

    Qual seria o efeito desta estratgia sobreo endividamento pblico? Depende. Osefeitos sobre a dvida lquida podem atmesmo ser nulos, se os reais que o BancoCentral receber em troca dos dlaresforem utilizados para resgatar ttulosda dvida pblica. A queda no volume deativos (reservas) seria compensada pelospassivos (dvida pblica) e teramos inclu-sive uma reduo da dvida bruta, porque

    os ttulos pblicos foram resgatados. Masesta situao pouco provvel. O resultadofinal ser incerto, porque depende da estra-tgia do Banco Central, do comportamentodos agentes do mercado financeiro e datrajetria das variveis macroeconmicas.

    No foi o que ocorreu no Brasil entre 2013e 2015, quando o nvel de reservas perma-neceu praticamente estabilizado em torno

    de US$ 360 bilhes. Talvez prevendo que operodo de turbulncias se prolongaria pormuitos anos, o Banco Central optou por noqueimar suas reservas e fazer amplo uso deum instrumento alternativo: as operaesde swapcambial.

    O termo swapsignifica permuta e, simpli-ficadamente, o que o Banco Central faz socontratos com os agentes do mercado emque se compromete a pagar a variao da

    taxa de cmbio e, em troca, recebe uma taxade juros ps-fixada que prxima da Selic.O ganho ou perda de cada um depender dodiferencial entre a taxa de juros e a variaocambial ao longo do perodo estabelecidono contrato. O Banco Central incorrer emprejuzos, se o real desvalorizar muito e estediferencial for negativo; caso contrrio,ter ganhos nas operaes de swap.

    Este instrumento ser vantajoso parabancos ou empresas endividadas em dlarque transferem seu risco cambial ao BancoCentral num contexto de desvalorizao evolatilidade da moeda nacional. Alm dosespeculadores que podem captar recursosno mercado internacional a taxas redu-zidas, o que no tem sido to difcil porquevrios pases esto praticando juros reaisnegativos, e, aps se protegerem por swaps

    cambiais ou instrumentos equivalentes,aplic-los s altas taxas do mercado doms-tico no Brasil.

    Por meio dos leiles de swaps cambiais, oBanco Central influencia na cotao da taxade cmbio ao deslocar parte da demandados agentes por dlares, protegendo-osda desvalorizao do real, ou at mesmoestimular a entrada de capitais externos

    FATOS E VERSES SOBRE A POLTICA FISCAL

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    28/52

    2 8

    A S D E M A N D A S S O C I A I S D A D E M O C R A C I A N O C A B E M N O O R A M E N T O ? ( P A R T E I )

    especulativos. Mas tambm fica muitoexposto e suscetvel a perdas se o realse desvalorizar muito. Foi justamente oque aconteceu. A desvalorizao do realsuperou 100%, quando a cotao saiu deaproximadamente 2 R$/US$ em meadosde 2013 para mais de 4 R$/US$ em 2015,e o saldo das operaes de swaps cambiaisgerou prejuzos de R$ 131,9 bilhes ou 2,3%do PIB que esto contabilizados na contade juros.

    O mais interessante a se observar que,somando-se os custos de oportunidade damanuteno das reservas internacionaise dos crditos aos BNDES com o resul-tado das operaes de swaps cambiais,chegamos a 5,4% do PIB em 2015. claroque esta anlise muito simples. A rigor,a avaliao da poltica cambial deveria

    considerar eventuais benefcios indiretosda menor volatilidade cambial e da reduoda fragilidade externa da economia brasi-leira. Assim como os retornos indiretosdos emprstimos ao BNDES em termosde dividendos pagos ao Tesouro e maiorcrescimento econmico. Porm til parailustrar a ordem de grandeza dos valores.Chegamos a mais da metade dos 8,9% doPIB da conta de juros e do dficit nominalde 9,3% do PIB, e quase no falamos expli-

    citamente do resultado primrio ou dapoltica fiscal propriamente dita.

    Mesmo os 3,5% do PIB restantes de jurostambm guardam correlao com aspolticas macroeconmicas mais geraisporque so influenciados pelas altas taxasde juros praticadas no mercado interno.A ttulo de comparao, as estimativas da

    FIGURA 1. DFICIT NOMINAL DO SETOR PBLICO. EM PARTICIPAO (%) DO PIB.

    Fonte: Elaborao prpria a partir dos dados do BCB. Nota: Inclui estimativas dos custos de oportunidadeda manuteno das reservas e dos crditos BNDES.

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    29/52

    2 9

    taxa de juros implcita da dvida pblica(que nada mais do que a taxa mdia de

    juros nominais incidente sobre a dvidalquida) em pases emergentes com nvelde endividamento que supera 40% do PIB,so da ordem de 2,6% na Colmbia, 2,7%na frica do Sul e 3,3% no Mxico, aps sedescontar a taxa mdia de inflao no anode 2015. Na verdade, a maioria dos pasesvm operando com diferenciais entre taxaimplcita e inflao menores do que estes

    e, em muitos casos, negativos.

    No Brasil, o custo mdio da dvida mobi-liria interna alcanou 13,7% neste anoe, aps descontada a inflao mdia de8,1%, prov um ganho real de 5,6% aosdetentores de ttulos pblicos. Tal custo bastante elevado e contribui para explicar opatamar da taxa de juros implcita da dvidapblica lquida no Brasil, juntamente com

    os subsdios ao BNDES e as reservas e swapscambiais. A taxa implcita manteve-seprxima de 15% na maior parte da ltimadcada e, em mdia, est rondando a casade incrveis 25% no ano 2015.

    difcil explicar as razes para os elevadosnveis de taxas de juros no Brasil. Elaspassam pela estrutura oligopolizada domercado financeiro e uma cultura curto-

    -prazista que se formou pelo menos desde operodo de hiperinflao; tm a ver tambmcom o modus operandi da poltica mone-tria, que utiliza a taxa Selic como principal(e qui o nico) instrumento de controleda inflao. Mais fcil apontar suas conse-quncias, como o elevado custo mdio dadvida mobiliria interna. Por exemplo,uma simulao simples indica que reduode apenas 3 pontos percentuais deste custo

    geraria economia para os cofres pblicosda ordem de 1,8% do PIB na conta de juros.

    Em suma, preciso desatar o n da gestomacroeconmica se o objetivo for equa-cionar os problemas fiscais. A ideia que sedisseminou no Brasil, de que ao governos compete controlar os gastos prim-rios, no havendo nenhum limite para oscustos fiscais das demais polticas macroe-conmicas, deve ser revista sob pena de

    continuarmos enxugando gelo, comocriticou anos, em 2015, Dilma Rousseff,ento ministra da Casa Civil, ao se referir proposta de ajuste fiscal que estava sendoimplantada pelo Ministrio da Fazenda.Mesmo porque, desatar o n da gestomacroeconmica envolve, dentre outrosdesafios, remover alguns dos obstculosestruturais ao crescimento da economiabrasileira, como os juros altos e a preca-

    riedade dos mecanismos de financiamentodo investimento de longo prazo. Sem cres-cimento, fica muito mais difcil promoverqualquer ajuste fiscal, como argumenta-remos mais adiante.

    3. Perspectivas

    e limitaes parao ajuste fiscal em 2015

    e em 2016

    A anlise empreendida at aqui mostrou,por um lado, que o equacionamento dosproblemas fiscais no depende apenas do

    FATOS E VERSES SOBRE A POLTICA FISCAL

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    30/52

    3 0

    A S D E M A N D A S S O C I A I S D A D E M O C R A C I A N O C A B E M N O O R A M E N T O ? ( P A R T E I )

    resultado primrio, e que a piora dos resul-tados primrios se deve em grande parte profunda desacelerao econmica, edificilmente ser revertida se a economiacontinuar em recesso. inegvel, poroutro lado, que no se pode sustentar inde-finidamente a trajetria de crescimentoda despesa acima do PIB. Mesmo que serevertam as desoneraes tributrias e sepromovam alguns ajustes possveis e dese-

    jveis na estrutura tributria brasileira,

    porque isso implicaria mais endividamentosendo rolado a uma elevada taxa de juros.

    Contudo, preciso estabelecer umaestratgia que ao mesmo tempo permitacontrolar o gasto pblico no mdio prazo,mas no curto prazo no agrave ainda maisa situao econmica e o denominadordos indicadores fiscais o PIB. Em 2015,por exemplo, apesar de todo o esforo do

    governo para reduzir as despesas, que jchegam a 3,4% em termos reais, as receitasdespencaram e o dficit ficou ainda maior.Ou seja, o corte de gasto em conjunturascomo a de 2015 no garantia de melhoresindicadores fiscais e, em alguns casos, podeinclusive piorar as contas pblicas, comoquando processado com interrupo deinvestimentos pblicos e contingencia-mento de verbas para sade e educao.

    Em 2015, por exemplo, os investimentospblicos j sofreram queda de 33% no nvelfederal, o gasto de custeio caiu 5,7%, e ogoverno no logrou a melhoria das expec-tativas dos agentes econmicos que justi-ficaria esse ajuste com vistas a retomar ocrescimento. Pelo contrrio, a economiareal s piorou desde o incio do ano, e asexpectativas se deterioraram, apesar de

    toda a austeridade fiscal manifestada epraticada.

    Portanto, embora o aumento do gasto noseja garantia suficiente para sustentaro crescimento, como indica nossa expe-rincia recente, o corte do gasto tampoucogarante o equilbrio fiscal. E necessriopensar o problema fiscal e econmico emoutros termos. Na atual conjuntura, poucorazovel crer na possibilidade de um equi-

    lbrio fiscal com baixo crescimento, o queimplica que, no curto prazo, deveramosno mnimo manter o investimento pblicoestabilizado e sinalizar uma reforma fiscalde mdio prazo que contribusse paracontrolar a despesa, aumentar a receitae, principalmente, melhorar a estruturatributria esta sim capaz de alterar asexpectativas dos agentes econmicos.

    Pelo lado da despesa, o desafio no nadasimples. Como assinalamos, o componenteda despesa que mais cresce e de modo siste-mtico, h pelo menos 16 anos, so os bene-fcios sociais uma mdia superior a 5% aoano. evidente que a estrutura de proteosocial que se assentou sobre esses gastoscontribuiu em muito para o crescimentoeconmico inclusivo da ltima dcada,mas tem seus limites, tanto em termos de

    efeito redistributivo, quanto de estmuloeconmico, o que torna sua sustentabili-dade fiscal ainda mais problemtica.

    Definitivamente no temos uma frmulasobre o que fazer para acomodar esse gasto,mas arriscamos dizer o que no deve serfeito. Em primeiro lugar, no achamosque a soluo passe pela supresso dedireitos sociais bsicos consagrados na

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    31/52

    3 1

    Constituio. necessrio corrigir distor-es, eliminar privilgios injustificveise procurar alternativas complementaresde distribuio de renda (como a progres-sividade tributria), mas sempre com oobjetivo de aperfeioar, no regredir, noEstado de bem-estar social.

    Por outro lado, tambm existe margem paramelhorar a qualidade do chamado gastode custeio, reavaliando alguns programas

    que foram criados ou tiveram significativoreforo oramentrio nos ltimos anos eque, talvez, no estejam proporcionandoos retornos esperados. Por fim, neces-srio revisar e reduzir substancialmente oesquema de subsdios tributrios e credi-tcios do governo federal, e impor limites expanso do gasto de pessoal, sobretudonos demais poderes de Estado, que muitasvezes se utilizam de sua autonomia finan-

    ceira para ampliar privilgios.

    Do lado das receitas, preciso pensar numareforma que tenha como finalidade noapenas elevar a arrecadao, mas princi-palmente melhorar a composio da cargatributria de modo a tornar o sistema deimpostos mais justo e mais eficiente aomesmo tempo. A ideia de que equidade eeficincia so objetivos antagnicos levou

    o Brasil, por recomendao do mainstreameconmico, a construir um Frankensteintributrio nas ltimas dcadas. Multipli-cando os impostos sobre o consumo aomesmo tempo em que isentava lucros edividendos distribudos a acionistas, imagi-nando que isso estimularia o investimento.

    A experincia das economias desenvolvidasmostra que, ao contrrio do que feito no

    Brasil, os lucros devem ser tributados demodo mais equilibrado entre empresase pessoas fsicas. Em mdia, os pases daOCDE tributam o lucro da empresa em25% e o lucro distribudo aos acionistas emmais 24%. No Brasil, o lucro da empresa tributado em at 34%, mas o dividendorecebido pelos acionistas est totalmenteisento. Alm disso, a carga brasileira estmuito concentrada em tributos indiretossobre bens e servios (cerca de metade do

    total) que so regressivos, enquanto namdia das economias da OCDE h menorpeso desse tipo de tributos (apenas umtero da carga) e maior peso da tributaodireta e progressiva.

    Ento, importante iniciar uma reformatributria que aproxime o sistema de tribu-tao quele vigente no mundo desenvol-vido, em vez de recorrer a velhas frmulas

    (como as da CPMF, tributo regressivo ecumulativo) que nos distanciam ainda maisde um modelo mais progressivo e eficiente,tema este que deixamos para tratar emmais detalhes em outro artigo.

    NOTAS

    1 Todas as referncias ao longo desta seo de estatsticasfiscais brasileiras em 2015 so valores acumulados em 12 mesesat setembro para variveis de fluxo, ou a posio em setembrodesse ano para variveis de estoque.

    FATOS E VERSES SOBRE A POLTICA FISCAL

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    32/52

    3 2

    A S D E M A N D A S S O C I A I S D A D E M O C R A C I A N O C A B E M N O O R A M E N T O ? ( P A R T E I )

    A recesso funcional para o aprofun-damento do projeto liberal exigido pelo

    mercado. As projees dos agentesprivados anteveem trs anos consecutivosde contrao da atividade econmica (3,7%,3,5% e 0,5%, respectivamente, em 2015,2016 e 2017).2

    A queda da atividade econmica embutidanessas projees elide as receitas governa-mentais e torna sempre distante o objetivodo ajuste fiscal das contas primrias (no

    O mercadocontra a cidadania1

    Eduardo FagnaniProfessor do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador do

    Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (Cesit/IE-Unicamp) e

    coordenador da rede Plataforma Poltica Social Agenda para oDesenvolvimento (www.plataformapoliticasocial.com).

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    33/52

    3 3

    Foto: CCO

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    34/52

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    35/52

    3 5

    1. Nada de novono front

    conservador

    Na realidade, trata-se de mais uma etapado longo processo de ataque s conquistassociais de 1988, iniciada antes mesmo que a

    Constituio da Repblica sasse da grficado Congresso Nacional.

    Como se sabe, a partir de meados dos anos70, emerge um movimento liderado pelaoposio ao regime militar que formulaum amplo projeto de reformas progres-sistas apoiado em trs ncleos: a restau-rao do Estado Democrtico de Direito;a construo das bases de um sistema de

    proteo social inspirado em alguns dosprincpios do Estado de Bem-Estar Social;e, a concepo de estratgia macroecon-mica direcionada para o crescimento comdistribuio de renda.

    Liderado por Ulysses Guimares, oPartido do Movimento DemocrticoBrasileiro (PMDB) teve papel destacadona construo dessa agenda. Uma verso

    consolidada desse projeto encontra-se nodocumento Esperana e Mudana: umaProposta de Governo para o Brasil (PMDB,1982). Aps longa e difcil trajetria, amaior parte dessa agenda foi consagradana Constituio de 1988, marco do processocivilizatrio brasileiro. Nessa quadra,caminhou-se na contramo do mundo. Omovimento social queria acertar as contascom a ditadura, e no havia campo frtil

    para que o j ento hegemnico projetoneoliberal germinasse em nosso Pas.

    No obstante, as esperanas em torno doreferido projeto reformista comearama esvair-se na derrota da emenda parla-mentar visando s eleies diretas para apresidncia da Repblica, em 1984. Desdeento, as elites conservadoras, bases daditadura militar, retomaram o flego e

    voltaram para o centro do poder, com o

    novo pacto conservador de transio.

    Setores do mercado no assimilaram avitria do movimento popular em 1988,mesmo se tratando apenas de garantirdireitos sociais elementares para a cons-truo de uma sociedade democrtica ejusta. Em ltima instncia, o que sempreesteve em esteve em jogo que essas foraspolticas jamais aceitaram que movimento

    social capturasse parcela do oramento doGoverno Federal (cerca de 10% do PIB), amaior parte concentrada na PrevidnciaSocial (8% do PIB).

    No por outra razo que, desde 1988, aPrevidncia Social passou a ser vista comoa causa central do desequilbrio das contaspblicas. Recapturar esses recursos passoua ser tarefa obstinada. O vale-tudo implicou

    desde o descumprimento de dispositivosconstitucionais at a construo de mitos(dficit, ausncia de idade mnima, regrasgenerosas, entre outros) dirigidos ao sensocomum.

    Essa ofensiva inicia-se ainda durante ostrabalhos da Assembleia Nacional Cons-tituinte (ANC), permanece nas dcadasseguintes e ganha vigor em 2015.

    O MERCADO CONTRA A CIDADANIA

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    36/52

    3 6

    A S D E M A N D A S S O C I A I S D A D E M O C R A C I A N O C A B E M N O O R A M E N T O ? ( P A R T E I )

    2.Tentativas

    de contramarchas

    nos anos de 1980

    Nessa trajetria no faltaram argumentoscuriosos. Em 1988, por exemplo, DelfimNeto, deputado constituinte, chegou aafirmar que o benefcio assistencial aodeficiente fsico (Benefcio de PrestaoContinuada) seria capaz at de estimular aautoflagelao, sobretudo entre as camadasmais pobres da populao, como forma

    de sobreviver pelo resto da vida semnecessidade de trabalhar, em troca, porexemplo, de um dedo da mo ou do p, o que suficiente para caracterizar a situao dedeficiente fsico.3 Diante da iminncia deaprovao dos direitos sociais na Consti-

    tuio, o lder do PFL (hoje Democratas) poca, deputado Jos Loureno, chegou apregar o fechamento da Constituinte porum ato de fora do governo.4

    Vises deste tipo eram rebatidas pelosdemocratas e defensores das conquistassociais, poca. O senador FernandoHenrique Cardoso (FHC), por exemplo,afirmou que os benefcios aprovados

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    37/52

    3 7

    representavam o mnimo e sublinhouo fato positivo de que o projeto de Cons-tituio implicaria uma reorientao dogasto estatal, pois o Estado deve parar dearrecadar de todos e dar aos ricos, pela viado subsdio.5

    O ento Senador Roberto Campos afirmouque a Carta Magna encerra duas curio-sidades. ao mesmo tempo um hino preguia e uma coleo de anedotas.

    Representa um estmulo ociosidade.Julgava-a como um ato de anacronismomoderno. Descreveu-a como um mistode regulamento trabalhista e dicionrio deutopias, o canto do cisne do nosso nacio-nal-populismo (CAMPOS, 1994).

    Mas nada se compara a um ato emblem-tico do presidente Jos Sarney (1985-1990).Numa derradeira tentativa para modificar

    os rumos da ANC, Sarney convocou cadeianacional de rdio e televiso para alertaro povo e os constituintes para os perigosque algumas das decises contidas no textoaprovado no primeiro turno represen-tavam para o futuro do pas. A principaltese defendida era que o pas tornar-se-iaingovernvel.7

    O discurso de Sarney provocou a memo-

    rvel defesa da ANC feita pelo deputadoUlysses Guimares. A Constituio ser aguardi da governabilidade, sentenciou.Reportou-se a um conjunto de aspectosinaugurais do texto que seria subme-tido ao crivo da reviso constituinte. Emseguida, concluiu seu discurso fulminando,magistralmente, a tese do desgoverno:

    Senhores constituintes: a Constituio,

    com as correes que faremos, ser aguardi da governabilidade. A governabi-lidade est no social. A fome, a misria, aignorncia, a doena inassistida so ingo-

    vernveis. A injustia social a negao dogoverno e a condenao do governo. (...)Repito: esta ser a Constituio Cidad,porque recuperar como cidados milhesde brasileiros. Cidado o usurio de bense servios do desenvolvimento. Isso hojeno acontece com milhes de brasileiros

    segregados nos guetos da perseguiosocial. Esta Constituio, o povo brasi-leiro me autoriza a proclam-la, no ficarcomo bela esttua inacabada, mutilada ouprofanada. O povo nos mandou aqui parafaz-la, no para ter medo. 8

    Entre 1988 e 1990, diversas manobrasforam utilizadas com o propsito deretardar a efetivao desses direitos e

    desvirtuar o esprito de alguns determi-nados dispositivos constitucionais. Dentreelas, destaca-se o intencional descum-primento dos praz os constitucionais,visando a desfigurar ou postergar o incioda vigncia dos novos direitos (TEIXEIRA,1991). Flagrantes inconstitucionalidadesno desvio de recursos da Seguridade Socialforam admitidas impunemente pelo entoMinistro da Previdncia, Jarbas Barbalho

    (PMDB).9

    Destaca-se ainda o fato de que Malson daNbrega, ento Ministro da Fazenda, deter-minou que as receitas do Oramento daSeguridade Social fossem capturados peloTesouro Nacional. O senador Almir Gabriel(PSDB-PA), relator do projeto da Seguri-dade Social da nova Constituio, denun-ciou a inconstitucionalidade patente da

    O MERCADO CONTRA A CIDADANIA

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    38/52

    3 8

    A S D E M A N D A S S O C I A I S D A D E M O C R A C I A N O C A B E M N O O R A M E N T O ? ( P A R T E I )

    deciso, na medida em que a Constituiotornava bem clara a separao dos recursosprovenientes das contribuies e os novosimpostos resultantes das taxaes sobre olucro lquido das empresas e bancos.10

    3. Tenses entre

    paradigmas

    de poltica social

    (1990-2015)

    A partir de 1990 se forma no Brasil ogrande consenso favorvel s polticas

    de ajuste e s reformas propugnadas peloConsenso de Washington, como explicaFiori (1993:152-153). No plano interno,alm do esgotamento do Estado NacionalDesenvolvimentista, assiste-se remon-tagem da tradicional coalizo que temsustentado o poder conservador no Brasil.Parlamentares da base de sustentao daditadura selaram aliana com os demo-

    cratas para garantir a governabilidadedesses governos nos anos de 1990, dire-cionados para a implantao do projetoneoliberal.

    No campo econmico, diversos autoressustentam que houve uma opo passivapelo modelo liberal. As elites dirigentesforam conquistadas pela convico de queno h outro caminho possvel. Desde

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    39/52

    3 9

    ento, nossos governos abriram mo daspossibilidades de exerccio de polticamacroeconmica ativa.

    No campo social, o projeto neoliberal exigiaa eliminao do captulo sobre a OrdemSocial da Constituio da Repblica. OEstado Mnimo, hegemnico na agenda dasinstituies de fomento internacional, eraincompatvel com os valores do Estado deBem-Estar recm-introduzidos pela Carta

    de 1988: seguro social versus seguridadesocial; focalizao versus universalizao;assistencialismo versus direitos; priva-tizao versus prestao estatal diretados servios; desregulao e contrataoflexvel versus direitos trabalhistase sindicais.

    desta perspectiva que poderemosperceber a fora das idias que procuram

    impor a focalizao como a nica polticasocial possvel para o Brasil. Programasfocalizados, vistos como estratgica nicapara se alcanar o bem-estar, passaram ase contrapor s polticas universais.

    Assim, o perodo 1990-2015 marcado poruma longa etapa de tenses entre esses doisparadigmas. Essas tenses foram acirradasentre 1990 e 2005; arrefecem entre 2006

    e 2014; e exasperadas em 2015.

    3.1. O Perodo 1990-92

    O primeiro momento da contrarreformaliberal compreende o curto GovernoFernando Collor de Mello (1990-1992),quando seria desfechado o golpe final naanacrnica Carta de 1988. Isso porque

    a prpria Constituio previa a revisoem 1993 por maioria simples dos votos.Essa reviso acabou no ocorrendo porconta do impeachment do presidente.Mas, enquanto aguardava a reviso cons-titucional, Collor lanou pesado arsenalpara desfigurar o texto constitucional noprocesso de regulamentao da legislaocomplementar da Seguridade Social e seuscomponentes (Previdncia Social, Sade,Assistncia Social e Seguro-Desemprego)

    e dos direitos sindicais e trabalhistas.

    3.2. Perodo 1993-1994

    O segundo momento da contrarreformaprosseguiu entre 1993 e 1994. Sem condi-es polticas de retomar a ampla revisoconstitucional, o Governo Itamar Franco,imps novas contramarchas preparat-

    rias ao Plano Real, com destaque paraa implantao da Desvinculao dasReceitas da Unio (DRU), que capturapara o Tesouro Nacional 20% dos recursosconstitucionais vinculados ao Oramentoda Seguridade Social, demais polticassociais federais.

    3.3. Perodo 1995-2002

    O terceiro momento compreende o perodo1995-2002. A reforma liberal do Estado e oajuste macroeconmico ortodoxo, centraisda estratgia de FHC, fornecem o pano defundo para o retrocesso social no mercadode trabalho e nas polticas universais. Oajuste fiscal restringia as possibilidadesde se alcanar o patamar do gasto socialnecessrio para suportar as conquistas de

    O MERCADO CONTRA A CIDADANIA

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    40/52

    4 0

    A S D E M A N D A S S O C I A I S D A D E M O C R A C I A N O C A B E M N O O R A M E N T O ? ( P A R T E I )

    1988. Por serem funcionais para o ajustemacroeconmico, os programas de trans-ferncia de renda focados nos pobrespassaram a ser a nica alternativa para odesenvolvimento social.

    Alm do ajuste fiscal, as polticas focali-zadas como estratgia nica abrem asportas para a privatizao dos serviossociais bsicos. A ideologia prega que aoEstado cabe somente cuidar dos pobres

    (quem recebe at US$ 2 por dia). Os demaisdeveriam comprar servios sociais nomercado, o que abre frentes de negciosao capital financeiro.

    Esses parmetros mais gerais influen-ciaram os rumos da poltica social entre1995 e 2002. com esse pano de fundo quepoderemos compreender o abandono dareforma agrria; o avano da mercantili-

    zao das polticas sociais (saneamento,transporte pblico, sade, previdncia eeducao superior); a ausncia de poltica

    nacional de transporte pblico, habitaopopular e saneamento; o esvaziamentodo pacto federativo; as restries ao gastosocial, pela captura dos fundos pblicospelo poder econmico (DRU, SeguridadeSocial, Isenes tributrias).

    Da mesma forma destacam-se os retro-cessos dos direitos trabalhista (KLEIN,2003) e previdencirios. Nesse caso,a Emenda Constitucional n. 20/1998,

    desmontou o esprito das conquistas de1988 e instituiu regras mais severas queas praticadas nos pases da OCDE. Para

    justificar esse legado, alm dos argumentosfalaciosos de sempre, inovaram ao difundira viso do aposentado como portador deprivilgios inaceitveis, um verdadeiromaraj, que ameaava a estabilidaderecm-conquistada. O prprio presidenteda Repblica chamou-os de vagabundos.

    Assim, preciso ressaltar que a reformada previdncia que voltou a ser centralna atual conjuntura, j foi feita em 1998.

    As atuais regras de idade mnima paraa aposentadoria j so elevadas para arealidade brasileira. So superiores sde pases desenvolvidos com realidadesocioeconmica e demogrfica que somuito superiores brasileira (FAGNANI,

    LUCIO e HENRIQUES, 2007). Entretanto,isso no significa que no seja necessriopensar em mudanas que tenham efeito nolongo prazo, em funo do envelhecimentoda populao.

    Tambm se destaca a manuteno daprtica iniciada em 1989 de descumprirprincpios fundamentais da organizaoe do oramento da seguridade social e dos

    O primeiro momentoda contrarreforma liberal

    compreende o curto GovernoFernando Collor de Mello

    (1990-1992), quando seriadesfechado o golpe finalna anacrnica Carta

    de 1988. Isso porque a prpriaConstituio previa a revisoem 1993 por maioria simples

    dos votos.

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    41/52

    4 1

    mecanismos que asseguram o controlesocial, todos previstos na Constituio daRepblica.

    3.4. O Perodo 2003-2005

    O quarto momento de tenses entre para-digmas compreende o perodo 2003-2005.

    A eleio de Lula trazia esperana pormudanas do modelo liberal. Propostas

    apresentadas pelo PT em documentoscomo A Ruptura Necessria e OutroBrasil Possvel davam a tnica doprojeto alternativo.

    Mas, as primeiras contramarchas ocor-reram durante a campanha eleitoral. Acrise de confiana nos fundamentos daeconomia foi agudizada no ltimo ano deFHC. O mercado financeiro internacional

    passou a apostar contra o Brasil. Era umaverdadeira chantagem que os mercadosfaziam com os eleitores brasileiros, afirmaBelluzzo.11Nesse cenrio, foi lanada aCarta aos Brasileiros, visando a acalmaros mercados. A esperana venceu o medo,mas o mercado imps a continuidade daortodoxia liberal.

    O primeiro resgate

    da Agenda Perdida

    Dada essa correlao de foras, a compo-sio da equipe do Ministro da Fazendano surpreendeu. O comando da pasta foientregue para economistas do mercado,colaboradores de instituies de fomentointernacionais e do governo anterior. Osegundo escalo do Ministrio da Fazendacontava, entre outros, com Joaquim Levy

    (Secretrio do Tesouro), ex-funcionrio doFMI, formado em Chicago que trabalhouno governo FHC. A secretaria de PolticaEconmica foi dada ao economista MarcosLisboa que havia redigido a verso final daconhecida Agenda Perdida (IETS, 2002),consolidada por um grupo de economistasortodoxos liderados por Jos AlexandreScheinkman, da Universidade de Prin-ceton (Affonso Celso Pastore, Armando

    Castelar Pinheiro, Jos Marcio CamargoMarcos Lisboa Ricardo Paes de Barros eSamuel de Abreu Pessa, dentre outros).

    Este documento surgiu porque Scheinkmanaceitara assessorar o candidato Ciro Gomes Presidncia da Repblica. Seu objetivoera apresentar uma agenda de reformasliberalizantes para enfrentar as causas daestagnao econmica. Mas o documento

    Assim, preciso ressaltarque a reforma da previdncia

    que voltou a ser centralna agenda liberal na atualconjuntura, j foi feita em

    1998. As atuais regras de idade

    mnima para a aposentadoriaj so elevadas para a realidadebrasileira. So superiores sde pases desenvolvidos comrealidade socioeconmica edemogrfica que so muito

    superiores brasileira

    O MERCADO CONTRA A CIDADANIA

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    42/52

    4 2

    A S D E M A N D A S S O C I A I S D A D E M O C R A C I A N O C A B E M N O O R A M E N T O ? ( P A R T E I )

    foi mal recebido at mesmo pelo candi-dato Ciro Gomes. Um de seus assessoresjulgou-a excessivamente neoliberal.

    No obstante, o Ministro da Fazendaresgatou a agenda de Scheinkman. Masfoi alm: trouxe para o primeiro escalo doministrio o economista Marcos Lisboa.

    A Agenda Perdida passou a ocupar ocentro da estratgia econmica e socialdo governo. Em abril de 2003, o Ministrio

    da Fazenda divulgou o documento Pol-tica Econmica e Reformas Estruturais(BRASIL/MF, 2003). A verso final deambos os documentos foi elaborada porMarcos Lisboa.

    Aprofundando o ajuste fiscal

    Passada a etapa do ajuste necessrio e

    aps trs anos de ortodoxia, no final de2005 o Ministrio da Fazenda pretendiaampliar ainda mais o aperto monetrioe fiscal. O chamado Programa do dficitnominal zero previa a obteno do supe-rvit nominal de 7% do PIB por um perodode dez anos. Assim, em 2015, esperava-seque a relao dvida interna lquida/PIBcasse de 50% para 30%. Em vez de focar nodenominador (crescimento do PIB), privi-

    legiava o numerador (reduo de despesasprimrias) (FAGNANI, 2005).

    De forma complementar, os defensores doajuste preconizavam a reduo da metade inflao e a independncia formal doBC. Para amenizar os custos sociais datransio, recomendavam que o governoconcentrasse suas aes em polticassociais focalizadas, em detrimento das

    polticas universais, tal como explicitavaa Agenda Perdida.

    Assim como hoje, a varivel de ajusterepousava no sistema de proteo social.Em ltima instncia, o sucesso dependiada reduo do gasto das polticas univer-sais. Isso implicava uma nova rodada dereformas da Previdncia Social e das restri-es ao acesso do Benefcio de PrestaoContinuada (BPC) criado no mbito da Lei

    Orgnica da Assistncia Social (TAUFNERe GIAMBIAGI, 2007). Alm disso, serianecessrio aumentar a Desvinculao dasReceitas da Unio (DRU), de 20% para 40%do total (GIAMBIAGI, 2006). Em suma,o ajuste repousava sobre a SeguridadeSocial. O economista Raul Veloso, foidireto ao ponto:

    O supervit primrio acabou. (...) A nicasada seria cortar despesas constitucional-mente obrigatrias em bom portugus,previdncia, sade, educao e assis-tncia social. 12

    Assim como hoje, a tese do pas ingo-vernvel voltou a ser reeditada peloseconomistas do mercado. Um deles reco-mendou que todos os todos os esforos

    O supervit primrio acabou.(...) A nica sada seria cortar

    despesas constitucionalmenteobrigatrias em bom

    portugus, previdncia, sade,educao e assistncia social. 12

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    43/52

    4 3

    fossem concentrados na me de todas asreformas, que ser a previdenciria, sema qual o pas ser invivel.13

    Na mesma perspectiva, Samuel Pessadefendia a supresso da ordem social da

    Constituio, tal como o faz atualmente:

    O pas no cresce porque o pacto socialconstrudo ao longo do processo de rede-mocratizao da nossa sociedade e que teveseu ponto culminante com a Constituiode 1988, est produzindo este desempenhode baixo crescimento. (...) A economias vai crescer a taxas maiores e de formavigorosa se a sociedade estiver disposta a

    repactuar o pacto social (PESSA, 2007).

    A histria mostrou que suas apostas noestavam corretas. O Brasil voltou a crescere teve na Seguridade Social um dos fatoresda expanso do ciclo de crescimento

    concentrado, em parte, na impulso domercado interno. Ao mesmo tempo, a Segu-ridade Social foi um dos pilares da distri-buio da renda obtida no perodo recente(IPEA, 2012).

    Naquela poca o economista j ensaiavaos mesmos argumentos que defende atual-mente. Para ele, as conquistas sociais de1988 gerariam uma presso cavalar sobre

    O MERCADO CONTRA A CIDADANIA

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    44/52

    4 4

    A S D E M A N D A S S O C I A I S D A D E M O C R A C I A N O C A B E M N O O R A M E N T O ? ( P A R T E I )

    o gasto pblico e, portanto, no haveriasoluo sem a eliminao desses direitos:

    O elemento mais importante do pactosocial vigente no Brasil, hoje, o conjuntode regras em vigor, que torna cidadoselegveis a rendas do setor pblico, comoaposentadorias integrais para funcionriospblicos, regras de aposentadorias do setorprivado, regras de penses vitalcias (...)universidade pblica gratuita, e uma srie

    de outros critrios que permitem que aspessoas tenham direito ao auxlio-doena,sejam elegveis a seguro-desemprego, epor a vai. Esse conjunto de direitos outor-gados aos cidados (...) gera uma pressocavalar sobre o gasto pblico. Portanto, opacto social vigente na economia gerou umequilbrio em que o gasto pblico crescea taxas maiores que a taxa de crescimentodo PIB (PESSA, 2007).

    Mas essas previses tambm no se confir-maram. De meados da dcada passada at2014, o Pas cresceu e, por conta disso, arelao dvida lquida/PIB baixou, de 51%para 35%.

    Todavia, ocorreu um fato surpreendente. Aproposta do Programa do dficit nominalzero criticada pela ento ministra da Casa

    Civil, Dilma Rousseff. Para ela, se tratavade plano rudimentar, pois no atacava aquesto central dos juros 14.

    Condicionada por esses fatores, entre 2003e 2005, a poltica macroeconmica seguiu,em essncia, os parmetros adotados pelogoverno anterior. A continuidade da orto-doxia limitava as possibilidades das pol-ticas sociais. Como no passado, continuou

    a haver antinomia entre a estratgia econ-mica e o desenvolvimento social. As tensesentre os paradigmas do Estado Mnimo edo Estado de Bem-Estar, presentes desde1990, mantiveram-se acirradas.

    3.5. O Perodo 2006-2014

    Embora presentes, nesta quadra as tensesentre os paradigmas do Estado Mnimo e

    do Estado de Bem Estar Social arrefeceram.Houve curta trgua no longo processo deimplantar a contrarreforma nos direitossociais conquistados em 1988.

    A partir de 2006, o projeto social-de-senvolvimentista, formulado antes daeleio de 2002, foi parcialmente resga-tado. Impulsionado pelo comrcio inter-nacional favorvel, o crescimento voltou

    a ser contemplado na agenda. Mesmo semalterar o trip macroeconmico ortodoxoimplantado por FHC em 1999, o governooptou por polticas fiscais e monetriasmenos restritivas. Com a ecloso da crisefinanceira internacional de 2008, essapostura foi revigorada.

    Medidas anticclicas foram adotadas e osbancos pblicos adotaram uma estratgia

    agressiva de ampliao do crdito, quedobrou entre 2003 e 2014 (de 24%, para 55%do PIB).

    O crescimento teve repercusses positivassobre o mercado de trabalho, transfernciasde renda da seguridade social e gasto social.Entre 2003 e 2014, cerca de 22 milhes deempregos formais foram criados; a taxa dedesemprego caiu pela metade (de 12,3% para

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    45/52

    4 5

    5,5%); e o salrio mnimo cresceu mais de70% acima da inflao.

    Entre 2001 e 2012, o total de benefciosdiretos da Seguridade Social (PrevidnciaUrbana e Rural; Benefcio de PrestaoContinuada; e Seguro-Desemprego)

    passou de 24 para 37 milhes, dois terosdos quais equivalentes ao piso do salriomnimo, cuja valorizao elevou a rendadesse contingente em mais de 70% acimada inflao.

    Entre 2004 e 2010, o gasto social federalper capita passou de R$ 2.100,00 paraR$ 3.325,00, aumento real de quase 60%(valores de 2010); em valores absolutos,

    passou de R$ 375 para R$ 638 bilhes; e emrelao ao PIB, subiu de 13,2% para 15,5%(CASTRO et al., 2012).

    O principal item de ampliao consistiunas transferncias de renda da seguridadesocial, sobretudo em funo da valorizao

    do salrio mnimo. Mas, alm das transfe-rncias monetrias s famlias, os gastossociais tambm foram impulsionados naexpanso da oferta de servios sociais.

    Mas os desdosbramentos da crise finan-ceira internacional (entre 2011 e 2014)limitaram o crescimento. Alm disso,o rumo da economia seguiu trajetriaerrtica: forte ajuste (2011); tentativa

    O MERCADO CONTRA A CIDADANIA

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    46/52

    4 6

    A S D E M A N D A S S O C I A I S D A D E M O C R A C I A N O C A B E M N O O R A M E N T O ? ( P A R T E I )

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    47/52

    4 7

    de retomar o crescimento (2012); recuoem funo do terrorismo econmicodifundido (2013 e 2014). Dentre os errosdomsticos cometidos, destaca-se a polticade isenes fiscais que minou as receitaspblicas num contexto de desaceleraocclica (em 2014, as isenes represen-tavam cerca de 25% da arrecadao tribu-tria federal).

    Mesmo assim, a economia cresceu e distri-

    buiu renda, fato indito nos ltimos 50anos. Reconhecer esse fato no implicaendossar a ideia de que teria sido implan-tado um novo modelo de desenvolvimento.Tambm questionvel a viso de que osgovernos progressistas eleitos no Brasile em diversos pases da Amrica Latinaseriam ps-neoliberais. Da mesmaforma, um conjunto de problemas crnicose estruturais no foi enfrentado, em grande

    medida por causa do modelo de transfor-mao lenta que tem pautado a atuao dosgovernos do Partido dos Trabalhadores.De fato, tem razo Andr Singer,15quandoafirma que os governos petistas procuraramfazer a incluso social dentro da ordem,sem rupturas por meio de mudanasgraduais. Essa opo pelo gradualismoextremo explica, em grande medida, ofato de que muitos retrocessos nos direitos

    sociais, implantados nos anos de 1990, notenham sido enfrentados pelos governosdo PT.

    Entretanto, esse breve ciclo de crescimento,derrubou diversos mitos da crena liberal.Argumentava-se que a questo financeirada previdncia decorria exclusivamentedo aumento explosivo das despesas.Como hoje, havia uma nica sada: novas

    reformas para suprimir direitos.

    A realidade confirmou que, ao contrrio,essa questo financeira era agravada,sobretudo, pela retrao das receitasgovernamentais em decorrncia do baixocrescimento econmico.

    Com o crescimento, houve forte recu-perao do mercado de trabalho quepotencializou a arrecadao previden-

    ciria e o segmento urbano voltou a sersuperavitrio, fato que no ocorria desde1996. Isso ocorreu a despeito da expansoquantitativa dos benefcios, bem como daforte recuperao real dos seus valor esdecorrentes da agressiva poltica de valo-rizao do salrio mnimo.

    Ficou claro que o problema do financia-mento refletia mais diretamente fatores

    exgenos (poltica econmica) do quefatores endgenos ao sistema (despesascom benefcios).

    4. A nova ofensiva

    (2015)

    A crise financeira internacional de 2008alterou este cenrio, trazendo abalo naconfiana, destruio da riqueza, parali-sao do crdito e contrao da atividadeem quase todo o globo. A queda dos preosdas commodities, a crise do comrcio inter-nacional e o acirramento da competiocapitalista, afetaram as contas externasdos pases perifricos.

    O MERCADO CONTRA A CIDADANIA

  • 7/25/2019 Demandas Sociais Da Democracia e o Oramento I

    48/52

    4 8

    A S D E M A N D A S S O C I A I S D A D E M O C R A C I A N O C A B E M N O O R A M E N T O ? ( P A R T E I )

    Mas, para os economistas liberais brasi-leiros o mundo caminhou bem entre 2009e 2014, e os problemas econmicos foramfrutos exclusivamente dos erros de gestoda poltica nacional.