Demerval Saviani - Onze teses sobre educação e política

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Concluí o texto anterior sugerindo que a importância polrtica da educação está condicionada à garantia de que a especificidade da prática educativa não seja dissolvida. A compreensão do que foi dito requer delimitar mais precisamente as relações entre ponttca e educação. De uns tempos para cá se tornou lugar-comum a afir- mação de que a educação é sempre um ato polrtico. Mas o que significa essa afirmação? Obviamente, trata-se de um "slogan" que tinha por objetivo combater a idéia anterior- mente dominante segundo a qual a educação era entendida como um fenômeno estritamente técnico-pedagógico, por- tanto, inteiramente autônomo e independente da questão polí- tica. Nesse sentido o "slogan" cumpriu uma função cuja ..vali- dade se-inscreve nos limites da "teoria da curvatura da vara". Com efeito, se a vara havia sido curvada para o lado técnico- pedagógico, o referido "slogan" forçou-a em direção ao pólo polrtico. Com isto, entretanto, corre-se o risco de se identifi- car educação com polrtica, a prática pedagógica com a práti- ca polrtTCã;dlssôiV"éndo:::se,em conseqüência, a especificida- de do fenômeno educativo. '-- Cabe, pois, indagar: educação e política se equiva- lem, se identificam? Se são diferentes, em que consiste a diferença? Dermeval Saviani ESCOLA E DEMOCRACIA • Teoriasda Educação • Curvatura da vara • Onze teses sobre educação e política 5 COLEÇÃO POLÊMICAS DO NOSSO TEMPO 21~edição 1'2! c.oRTEZ ~EDITOR~ EDITORA@ AUTORES ASSOCIADOS lJ1fJ ONZE TESES SOBRE EDUCAÇÃO E POLíTICA 91

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Concluí o texto anterior sugerindo que a importânciapolrtica da educação está condicionada à garantia de que aespecificidade da prática educativa não seja dissolvida.

A compreensão do que foi dito requer delimitar maisprecisamente as relações entre ponttca e educação.

De uns tempos para cá se tornou lugar-comum a afir-mação de que a educação é sempre um ato polrtico. Mas oque significa essa afirmação? Obviamente, trata-se de um"slogan" que tinha por objetivo combater a idéia anterior-mente dominante segundo a qual a educação era entendidacomo um fenômeno estritamente técnico-pedagógico, por-tanto, inteiramente autônomo e independente da questão polí-tica. Nesse sentido o "slogan" cumpriu uma função cuja ..vali-dade se-inscreve nos limites da "teoria da curvatura da vara".Com efeito, se a vara havia sido curvada para o lado técnico-pedagógico, o referido "slogan" forçou-a em direção ao pólopolrtico. Com isto, entretanto, corre-se o risco de se identifi-car educação com polrtica, a prática pedagógica com a práti-ca polrtTCã;dlssôiV"éndo:::se,em conseqüência, a especificida-de do fenômeno educativo. '--

Cabe, pois, indagar: educação e política se equiva-lem, se identificam? Se são diferentes, em que consiste adiferença?

Dermeval Saviani

ESCOLAE

DEMOCRACIA• Teoriasda Educação• Curvatura da vara• Onze teses sobre educação e política

5COLEÇÃO

POLÊMICAS DONOSSO TEMPO

21~edição

1'2! c.oRTEZ~EDITOR~

EDITORA@AUTORES

ASSOCIADOS

lJ1fJ

ONZE TESESSOBRE EDUCAÇÃO

E POLíTICA

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Entendo que educação e política, embora inseparáveis,não são idênticas. Trata-se de práticas distintas, dotadas ca-da uma de especificidade própria.

Em que consiste a especificidade de cada uma dessaspráticas?

O problema de se determinar a especificidade da edu-cação coincide com o problema do desvendamento da natu-reza própria do fenômeno educativo. Trata-se de uma ques-tão nodal que vem ocupando o centro de minhas reflexõesnos últimos anos. Penso que é necessário enfrentá-Ia eacredito dispor já de algumas evidências que me indicam adireção por onde tal questão pode ser elucidada. Tal tarefaimplica, porém, um projeto mais ambicioso, impossível de serdesenvolvido a curto prazo. Neste texto pretendo apenasadiantar alguns elementos relativos à natureza da práticaeducativa por confronto com a especificidade da práticapolítica.

Uma análise, ainda que superficial, do fenômeno edu-cativo nos revela que, diferentemente da prática política, aeducação configura urna.relação que se trava entre não-an-tagônicos. É pressuposto de toda e qualquer relação educa-tiva que o educador está a serviço dos interesses do edu-cando. Nenhuma prática educativa pode se instaurar semeste suposto.

Em se tratando da política ocorre o inverso. A mais su-perficial das análises põe em evidência que a relação políticase trava, fundamentalmente, entre antagônicos. No jogo polí-tico se defrontam interesses e perspectivas mutuamente ex-cludentes. Por isso em política o objetivo é vencer e-nãoconvencer.

Inversamente, em educação o objetivo é convencer enão vencer. O educador, seja na famfiia, na escola ou emqualquer outro lugar ou circunstância, acredita sempre estaragindo para o bem dos educandos. Os educandos, por suavez, também não vêem o educador como adversário. Acre-ditam, antes, que o educador está aí para ajudá-Ios, parapossibilitar o seu desenvolvimento, para abrir-Ihes perspecti-

vas, iniciá-Ios em domínios desconhecidos. Ainda quandotais características são negadas pelos fatos a nível de super-fície, elas permanecem como suporte, como a estrutura, co-mo O substrato que permite à relação manter-se enquantoeducativa. Assim, a rebeldia dos educandos tende a ser en-carada pelo educador como um desafio que lhe cumpre su-perar, conduzindo-os à percepção de que eles próprios sãoos rnaiores prejudicados com tal comportamento. J~ no planopolítico a rebeldia da classe dominada tende a ser interpreta-da pela classe dominante como rebelião e, como tal, reprimi-da pela força.

As diferenças acima assinaladas nos permitem enten-der por que, em politica, seria ingenuidade acreditar que oadversário está na posição oposta porque está equivocado;porque não compreendeu o seu erro e a validade da propostacontrária, compreensão essa que, uma vez atingida, o levaráa aderir à proposta que atualmente combate. Por isso, via deregra, o fato de um partido perder uma batalha (eleições, pro-postas etc.) não o demove de sua posição; ao contrário, elepassa para a oposição e continua fustigando o partido contrá-rio buscando alterar a correlação de forças para, na oportuni-dade seguinte, reverter a situação. Em suma, ele pode servencido.jnas n~~vel]~Q.

Parece claro que em educação O comportamento é cla-ramente diferente do acima descrito. Um professor, porexemplo, acredita que, se ele fundamentar adequadamenteos assuntos em torno dos quais se trava sua relação com' osalunos; se ele os expuser de modo claro, se suas posiçõesforem consistentes e os alunos chegarem ao entendimentode seu significado, eles tenderão a concordar com ele. Se is-so não ocorrer, é normal atribuir o desentendimento a umainsuficiente compreensão, a algum tipo de equívoco. Por issoé comum na relação pedagógica expressões do tipo: "se eunão estiver enganado ...", "se vocês me convencerem queestou errado ..." etc., comportamento, no mínimo, inusitadonuma assembléia ou num palanque. .

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Com as considerações anteriores espero ter esclare-cido a não-identidade e, em conseqüência, a distinção entrepolftica e educação. Trata-se, pois, de práticas diferentes,cada uma com suas características próprias. Cumpre, por-tanto, não confundi-Ias, o que redundaria em dissolver umana outra (a dissolução da educação na política contlquraria opoliticismo pedagógico do mesmo modo qUe'::?,dissolução dapolítica na educação implicaria o viés do. pedagogismoporttico). '_ ' Entretanto, se se trata de práticas distintas isso não

significa que sejam inteiramente independentes, dotadas deautonomia absoluta. Ao contrário, elas são inseparáveis emantêm íntima relação.

Como se configuram as relações entre educação e po-lítica?

Primeiramente é preciso considerar a existência deuma relação, interna, isto é, toda prática educativa, enquantotal, possui uma dimensão política assim como toda práticapolítica possui, em si mesma, uma dimensão educativa.

A dimensão política da educação consiste em que, diri-gindo-se aos não-antagônicos a educação os fortalece (ouenfraquece) por referência aos anta~ônicos e desse modopotencializa (ou despotencializa) a sua prática política. E adimensão educativa da política consiste em que, tendo comoalvo os antagônicos, a práticapolftica se fortalece (ou enfra-quece) na medida em que, pela sua capacidade de luta ela

" convence 'os não-antagônicos de sua validade (ou não-vali-dade) levando-os a se engajarem (ou não) na mesma luta.

, A dimensão pedagógica da política envolve, pois, a ar-ticulação, a aliança entre os não-antagônicos visando à der-rota dos antagônicos. E a dimensão política da educação en-volve, por sua vez, a apropriação dos instrumentos culturaisque serão acionados na luta contra os antagônicos.

Em segundo lugar'cabe considerar que existe tambémuma relação externa entre educação e política, isto é, o de-senvolvimento da prática especificamente polflica pode abrirnovas perspectivas para o desenvolvimento da prática espe-

cificamente educativa e vice-versa. Configura-se, aí, umadependência recíproca: a, educaçãodepende da política noque diz respeito a determinadas condições objetivas como adefinição de prioridades orçamentárias que" se reflete naconstiíuição-consoãdaçâo-expansâo da infra-estrutura dosserviços educacionais etc.; e a política depende da educaçãono que diz respeito a certas condições subjetivas como aaquisição de determinados elementos básicos que, possibili-temo acesso à informação,a difusão das propostas políti- "cas, a formação, de quadros para os partidos e organizaçõespolíticas de diferentes tipos ete. '

Por nin, é de fundamental ímportáncía levar em contaque as relações entre educação e política cuja descrição es-bocei acima em nível conceituaí, têm existência históriça; lo-go, só podem ser adequadamente co~p~eendjdaS-~~üantomanifestações sociais determinadas. E aqui se evidencia, 'por um outro ângulo, a ínseparabüdade entre educação e' po-lítica. Com efeito, trata-se de práticas distintas, mas que aomesmo tempo nãº_s~o out~~ cois~_~enão.JTIodalidades espe-cíficas de uma mesma prática: a prática social. Integram as-sim, um mesmo conjunto, uma mesma totalidade.

Ora, em sua existência histórica nas condições atuais,educação e política devem ser entendidas como manifesta-'çõesdaprática social própríada sociedade de cll!§ses. Tra'-ta-se, pois, de uma sociedade cindida, dividida em interessesantagônicos. Está aí a raiz do primado da política. Com efeito,já que a relação política se trava fundamentalmente entre'antagônicos, nas sociedades de classes ela é erigida em'prática social fundamental. . " .

, Percebe-se por aí que a autonomia relativa da .educa-ção em face da política e vice-versa, assim como a d~en-dência recíproca anteriormente referidas nãotêm.um mesmopeso, não são equivalentes. Em outros termos: se se trala dedependência recíproca, é preciso levar em conta que o graude dependência da educação em relação à política é maior doque o desta em relação àquela. Poderíamos, pois, dizer queexiste uma subordinação relativa mas real da educação

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diante da polrtica: Trata-se, porém, de uma subordinaçãohistórica e, como tal; não somente pode como deve ser supe-rada. Isto porque se as condições de exercício da prática po-lítica estão inscritas na essência da sociedade capitalista, ascondições de exercício da prática educativa estão inscritasna essência da realidade humana, mas são negadas pelasociedade capitalista não podendo se realizar aí senão deforma subordinada, secundária. Por aí, penso, se pode en-tender o "realismo" da política e o "idealismo" da educação.

" Com efeito, acreditar que estão dadas, nesta sociedade, ascondições para o exercício pleno da prática educativa é as-sumir uma atitude idealista. Entretanto, em relação às condi-ções da prática política tal atitude resulta realista.

As reflexões supra estão em consonância com a posi-ção segundo a qual a superação da sociedade de classesconduz ao desparecimento do Estàdo. Sabe-se que não setrata de destruir o Estado; ele simplesmente desaparecerápor não ser mais necessário. Ora, o que significa isso senãoa afirmação de que cessou o primado da política?

Essa questão fica ainda mais clara na formulação deGramsci. Sabemos que Gramsci alargou o conceito de Esta-do incluindo aí além da sociedade polrtica (aspecto coercitivo)a sociedade civil (aspecto persuasivo). Nessa perspectiva oEstado não desaparece, mas é identificado com a sociedadecivil, a qual absorve a sociedade política. Quer dizer, supera-da a sociedade de classes, chegadoo momento histórico emque prevalecem os interesses comuns, a dominação cedeiugar à hegemonia, a coerção à persuasão, a repressão sedesfaz, prevalecendo a compreensão, Aí, sim, estarão dadashistoricamente as condições para o pleno exercício da práti-ca educativa. . .

Falei antes em exercício pleno da prática educativacomo algo só possível num tipo de sociedade que se delineiano horizonte de possibilidades das condições atuais mas quenão chegou ainda a se concretizar. Isto porque a plenitude daeducação como, no limite, a plenitude humana, está condi-cionada à superação dos antagonismos sociais.

Ora, ser idealista em educação significa justamenteagir como se esse tipo de sociedade já fosse realidade. Serrealista, inversamente, significa reconhecê-Ia como um idealque buscamos" atingir.

No processo histórico que implica o desenvolvimento etransformação da socíedace, isto é, a substituição de deter-minadas formas por outras, educação e política se articulamcumprindo, entretanto, cada uma funções especificas e in-confundíveis. Porque é uma relação que se trava fundamen-talmente entre antagônicos, a política supõe a divisão' da S0-ciedade em partes inconciliáveis~-Por isso a prática políticanão pode não ser pártidária. Em contrapartida, a educação,sendo uma relação que se trava fundamentalmente entrenão-antagônicos, supõe a união e tende a se situar na pers-pectiva da universalidade. Por isso ela não pode ser parti-dária. -- . - . ~

Em outros termos: a prática política se apóia na verda-de do poder; a prática educanva no poder da Verdade. Ora, averdade (o conhecimento), nós sabemos, não é desinteres-sada. Mas nós sabemos tambérTi"que, numa sociedade divi-dida em classes, a classe dominante não tem interesse namanifestação da verdade já que ísto colocaria em evidência 'adominação que exerce sobre as outras cla~ses. Já a classedominada tem todo interesse em que a verdàde se manifesteporque isso só viria patentear a exploração a que é submeti-da, instando-a a se engajar na luta de libertação.

Eis ar o sentido da frase "a verdade é..sempre revolu-cionária". Eis aí também por que a classe efetivamente capazde exercer a função educanva em cada etapa histórica éaquela que está na vanguarda, a classe hístortcernente re-volucionária. Dar, o caráter progressista da educação. E esteo sentido da afirmação de Gramsci segundo a qual" a bur-guesia não consegue educar os seus jovens", os quais sedeixam atrair culturalmente pelos operários; "os jovens (...)da classe dirigente (...) se rebelam e passam para a classeprogressista, que se tornou historicamente capaz de tomar o

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poder". (A. Gramsci, Os intelectuais e a organização da cul-tura, p. 52).

De tudo o que foi dito conclui-se que a importâ.n_ciapolí-tica da educação reside na sua função de socialização doconhecimento. É, pois, realizando-se na especificidade quelhe é própria que a educação cumpre sua função política. Daíter eu afirmado que ao se dissolver a especificidade da con-tribuição pedagógica anula-se, em conseqüência, a sua im-portância política.

As reflexões expostas podem ser ordenadas e sinteti-zadas através das teses seguintes:

rio da tese 1. Com efeito, só é possível captar a dimen-sãopolltica da prática educativa e vice-versa na medi-da em que essas práticas forem captadas como efeti-vamente distintas uma da outra.

Tese 6: A especificidade da prática educativa se define pelocaráter de uma relação que se trava entre contráriosnão-antagônicos.

Tese 2: Toda prática educativa contém inevitavelmente umadimensão política.

COROLARÚJ:, a educação é, assim, uma relação de hege-monia alicerçada, pois, na persuasão (consenso, com-preensão).. .

Tese 7: A especificidade da prática polrtica sé define pelo ca-ráter de uma relação que- se trava entre contrários an-tagônicos.

Tese 1: Não existe identidade entre educação e política.

COROLARIO: educação e política são fenômenos insepará-veis, porém efetivamente distintos entre si.

Tese 3: Toda prática política contém, por sua vez, inevita-velmente uma dimensão educativa.

COROLARIO: a polltica é, então, uma relação de dominaçãoalicerçada, pois, na dissuasão (dissenso, repressão).

Tese 8: As relações entre educação e política se dão na fdr-Jma de autonomia relativa e dependência reciproca.. 08S: As teses 2 e 3 decorrem necessariamente da insepa-

rabilidade entre educação e política afirmada no corolá-rio da tese 1.

Tese 4: A explicitação da dimensão política da prática educa-tiva está condicionada à explicitação da especificidadeda prática educativa.

Tese 9: As sociedades de classe se caracterizam pelo pri-mado da política, o que determina a subordinação realda educação à prática polftica.

Tese 10: Superada a sociedade de classes, Cessa o primadoda política e, em conseqüência, a subordinação daeducação.

08S: Nas sociedades de classes a subordinação real da. educação reduz sua margem de autonomia mas não a

exclui. As teses 9 e 10 apontam para as variações.históricas das formas de realização da tese 8.

Tese 5: A explicitação da dimensão educativa da prática polí-tica está, por sua vez, condicionada à explicitação daespecificidade da prática política.

08S: As teses 4 e 5 decorrem necessariamente da efetivadistinção entre educação e política afirmada no corolá-

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Tese 11: A função política da educação se cumpre na medidaem que ela se realiza enquanto prática especificamentepedagógica.

não sublinhar que a educação possui sempre uma dimensãopolrtica, independentemente de se ter ou não consciênciadisso (conforme o enunciado da tese 2). E aqui vale lembrarque a recíproca também é verdadeira e que esse sentido nãopode ser evidenciado senão quando se preserva a especifi-cidade de cada uma dessas práticas (conforme os enuncia-dos das teses 3, 4 e 5). Com efeito, eu só posso afirmar quea educação é um ato polrtico (contém uma dimensão política)na medida em que eu capto determinada prática como sendoprimordialmente educativa e secundariamente polrtica.

Por fim, cumpre lembrar que o exerdcio lógico-con-ceitual feito neste texto sobre as relações entre educação epolrtica pode tanto auxiliar análises de situações concretascomo pode ser aplicado a outros domínios, como as relaçõesentre educação e religião, educação e arte, educação e ciên-cia e em outros domínios.

08S: A tese 11 se põe como conclusão necessária das te-ses anteriores, que operam como suas premissas.Trata-se de um enunciado analítico, uma vez que ape-nas explicita o que já está contido nas premissas. Estatese afirma a autonomia relativa da educação em faceda política como condição mesma da realização de suacontribuição polftica. Isto é óbvio uma vez que.' se aeducação for dissolvida na polrtica, já não cabe maisfalar de prática pedagógica restando apenas a práticapolrtica. Desaparecendo a educação, como falar desua função política?

À luz das teses apresentadas, como interpretar o "slo-gan" expresso na frase "a educação é sempre um ato polfti-co"? Obviamente, se se quer com isso afirmar a identídadeentre educação e polrtica tal "slogan" deve ser rejeitado. Há,porém, duas situações em que essa afirmação pode ser le-vada em conta:

a) tomando-se o adjetivo "polrtico" em sentido amploonde a política se identifica com a prática social glObal, comoocorre na afirmação de Aristôtelesr ro homem é um- animalpolrtico". Mas, nesse caso, todo ato humano é polrtico e cai-se, com isso, na tautologia ena indiferenciação. No limite is-so se expressa em frases do tipo: tudo é tudo, tudo é nada,nada é tudo, nada é nada. Com efeito, nesse âmbito, pode-mos afirmar que tudo é político como tudo é educativo ou ou-tra coisa qualquer. Assim, comer, vestir, amar, brincar ecantar são atos políticos, assim como são atos educati-vos etc.;

b) na medida em que se pretende evidenciar a dimen-são polrtica da educação. Nesse sentido, dizer que a educa-ção é sempre um ato político não significaria outra coisa se-

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