DEMOCRACIA E POLÍTICA NA GESTÃO EDUCACIONAL … · A fundamentação teórica nos permitiu ......

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO Linha de Pesquisa: Políticas Educacionais, Planejamento e Gestão da Educação DEMOCRACIA E POLÍTICA NA GESTÃO EDUCACIONAL Limites e perspectivas de uma gestão democrática. MARÍLIA TEIXEIRA MIRANDA SILVA Recife 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

CURSO DE MESTRADO

Linha de Pesquisa: Políticas Educacionais, Planejamento e Gestão da Educação

DEMOCRACIA E POLÍTICA NA GESTÃO EDUCACIONAL

Limites e perspectivas de uma gestão democrática.

MARÍLIA TEIXEIRA MIRANDA SILVA

Recife 2013

MARÍLIA TEIXEIRA MIRANDA SILVA

DEMOCRACIA E POLÍTICA NA GESTÃO EDUCACIONAL

Limites e perspectivas de uma gestão democrática

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade

Federal de Pernambuco para obtenção de

título de mestre.

Linha de pesquisa: Políticas Educacionais,

Planejamento e Gestão da Educação.

Orientadora: Profª. Drª Alice Miriam Happ

Botler.

RECIFE, 2013

AGRADECIMENTOS

À profa. Dra. Alice Mirian Happ Botler, pela orientação competente desta pesquisa e

pela atuação profissional ética;

Ao prof. Dr. Evson Malaquias de Moraes, pela credibilidade e incentivo;

Aos meus pais, Mário Fernandes e Célia Fernandes por todo apoio e motivação;

Aos colegas da turma 29, pela parceria, incentivo e contribuições;

A Karla Crístian, pela amizade, incentivo e parceria em todos os momentos desta

empreitada;

Aos professores e funcionários do Programa de Pós- Graduação em Educação da UFPE;

A Jany Barros pelas contribuições durante a pesquisa;

Aos demais amigos que torceram por mim e me motivaram;

Aos entrevistados, pela valiosa colaboração;

À Banca que avaliou esta dissertação e pela rica contribuição;

Ao meu Deus, que pela fé me fez forte pra chegar até aqui.

RESUMO

O presente estudo teve como objetivo analisar o processo de democratização da gestão

educacional de um município em processo de emancipação política. Buscaram-se

identificar os entraves que permeiam as ações dos sujeitos envolvidos nesse processo e

as reais possibilidades de superação de uma cultura autoritária. Partimos do pressuposto

de queé a partir do contexto micropolítico e microssocial que se efetivam (ou não) as

demandas macropolíticas do âmbito educacional. A fundamentação teórica nos permitiu

compreender que a formação social pode ser afetada pela concepção de democracia,

cidadania e pelas políticas públicas estabelecidas, mas é no âmbito das micropolíticas

que se encontram subsídios para compreendermos a cultura organizacional que

determina o modelo de gestão efetivado, e é nas relações de poder que se encontram, a

partir das ações conscientes dos sujeitos, os mecanismos necessários para o

compartilhamento do poder e construção de novas realidades A pesquisa qualitativa

realizada via estudo de caso no sistema educacional do município de Abreu e Lima em

Pernambuco utilizou como instrumentos de coleta de dados a observação participante,

entrevistas e análise documental, para uma maior aproximação e compreensão do nosso

objeto de estudo, cujos dados foram analisados à luz de Bardin (1977). Constatou-se

que as determinações macropolíticas no âmbito educacional não são suficientes para a

real efetivação e desenvolvimento de práticas democráticas na gestão educacional e

escolar do município. Verificou-se que as concepções dos sujeitos sobre democracia,

participação e autonomia denotam entendimento sobre as demandas políticas e seus

limites, porém suas ações ainda são restritas e limitadas a ditames formais do sistema de

ensino. Dessa forma ainda são limitados os desdobramentos necessários à superação de

um paradigma de gestão centralizador e autoritário. Nessas condições, as práticas

desenvolvidas pelos sujeitos detentores do poder reproduzem uma cultura autoritária e

burocrática com relações desiguais de poder. Sendo assim, concluímos que as práticas

vivenciadas na gestão educacional municipal são pautadas por uma cultura

centralizadora. No entanto, as relações de poder estabelecidas nesse processo vêm

ganhando novas configurações a partir dos conflitos que se intensificam entre a gestão

educacional e os professores da rede. Logo, afirmamos que o desenvolvimento de uma

gestão efetivamente democrática enfrenta ainda muitas limitações, mas o contexto de

mobilização docente contra as posturas autoritárias vem delineando uma etapa

fundamental para a construção de uma nova cultura mais participativa e democrática no

município, configurando a escola e suas relações como uma arena política.

Palavras-chave: Democracia, Gestão Democrática, Relações de Poder e Cultura.

ABSTRACT

The present study aimed to analyze the process of democratization of the educational

management of a municipality in the process of political emancipation. We sought to

identify the barriers that permeate the actions of those involved in this process and the

real possibilities of overcoming an authoritarian culture. We assume that is from the

micro and micro-political context that take place (or not) the macro policies of the

educational demands. The theoretical framework allowed us to understand that the

social formation can be affected by the conception of democracy, citizenship and the

public policies established, but it is within the micro grants that are to understand the

organizational culture that determines the management model is in effect and power

relations that are, from the conscious actions of individuals, the necessary mechanisms

for the sharing of power and the construction of new realities Qualitative research

conducted via a case study in the educational system of the municipality of Abreu e

Lima in Pernambuco used as instruments for data collection participant observation,

interviews and document analysis, to a greater approach and understanding of our

subject, whose data were analyzed according to Bardin (1977). It was found that the

determinations macro policies in the educational field are not sufficient for the proper

enforcement and development of democratic practices in educational administration and

the school council. It was found that the subjects' conceptions about democracy,

participation and autonomy, show understanding of the political demands and limits, but

their actions are still restricted and limited to the dictates of the formal education

system. Thus are limited developments needed to overcome a management paradigm

centralized and authoritarian. Under these conditions, the practices developed by

individuals in power, reproduce authoritarian and bureaucratic culture with unequal

power relations. Thus, we conclude that the practices experienced in managing

municipal education, are guided by a culture of centralization. However, the power

relations established in this process are gaining new settings from the conflicts that

intensify between educational management and school teachers. Hence, we affirm that

the development of an effective democratic management still faces many limitations,

but the context of mobilizing teachers against authoritarian postures comes outlining a

key step for the construction of a new more participatory and democratic culture in the

city, the school and its setting relations as a political arena.

Keywords: Democracy, Democratic Management, Power Relations, Culture

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CPqD

COMUDE

CONAE

CI

Centro de Pesquisa e Desenvolvimento

Conferência Municipal de Educação

Conferência Nacional de Educação

Comunicado Interno

IBGE

INEP

Instituto Brasileiro de Estudos Geográficos

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio

Teixeira

LDB

LDO

Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Lei de Diretrizes Orçamentárias

PDE

PT

SISMAL

SIMPROFAL

SEDUC

TCE

Plano de Desenvolvimento da Educação

Partido Trabalhista

Sindicato dos Servidores Municipais de Abreu e Lima

Sindicato dos Professores de Abreu e Lima

Secretaria de Educação

Tribunal de Contas do Estado

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 8

CAPÍTULO 1. DEMOCRACIA E EDUCAÇÃO: DA RAZÃO À AÇÃO ............. 17

1.1. Os sentidos da democracia .................................................................................. 17

1.2. A democracia na teoria liberal ............................................................................. 21

1.3. Uma busca pela superação ................................................................................... 23

1.4. Educação e democracia ....................................................................................... 25

CAPÍTULO 2. O PODER NA ORGANIZAÇÃO ................................................... 30

2.1. O poder e suas formas de dominação na perspectiva de Max Weber ................. 33

2.2. A moderna administração burocrática como forma racional de dominação ....... 34

2.3. Análise do poder na perspectiva de Bourdieu ..................................................... 36

2.4. Análise do poder na perspectiva de Foucault ..................................................... 40

2.5. A escola como organização política .................................................................... 43

CAPÍTULO 3. DELIMITANDO O CAMINHO METODOLÓGICO DA

PESQUISA .................................................................................................................... 48

3.1. O estudo de caso .................................................................................................. 50

3.2. O processo de coleta dos dados ........................................................................... 51

3.3. Características políticas do município de Abreu e Lima ..................................... 55

3.4. Secretaria de educação de Abreu e Lima............................................................ 57

CAPÍTULO 4. A ESTRUTURA EDUCACIONAL DE ABREU E LIMA: entre a

tradição centralizadora e a perspectiva democrática. ............................................... 59

4.1. Gestão democrática: concepções e perspectivas ................................................. 60

4.3. Perspectiva de democratização na gestão municipal de educação: a eleição de

gestores como mecanismo de participação ................................................................. 75

4.4. Carreira no magistério público municipal: o regime de trabalho. ...................... 78

4.5. Construindo uma nova cultura ............................................................................. 83

4.6. A criação de uma nova identidade sindical: o surgimento de novas formas de

relações de poder ........................................................................................................ 85

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 93

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 98

ANEXOS ..................................................................................................................... 103

8

INTRODUÇÃO

No Brasil, a década de 1980, sob o ponto de vista político, é constituída de uma

atmosfera de lutas que visam mudanças quanto à participação da sociedade civil no

compartilhamento do poder e controle estatal. Surge, então, um cenário otimista no

projeto democrático-popular, no qual a participação ativa da sociedade em diversos

movimentos ganha espaço e aquisição de direitos básicos. A Constituição de 1988

apresenta uma conquista social no avanço de ideais democráticos, contemplando, como

princípios fundamentais para a democratização na esfera pública, a descentralização

político-administrativa via municipalização, a abertura de oportunidades igualitárias aos

cidadãos no gozo de direitos civis básicos como educação e saúde, e garante a

participação popular na concepção e na implementação das políticas públicas. Tais

diretrizes viabilizam a constituição de uma cultura de participação nos municípios

brasileiros com vistas à democratização da esfera pública. A partir de então, a educação

passa a ser reforçada como um direito social, considerando aspectos norteadores da

política educativa e fortalecendo uma visão de democratização do ensino público.

Essa temática tem sido amplamente discutida, principalmente a partir da

promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9.694/1996, que apresenta as

diretrizes que norteiam a educação nacional voltada para a democratização da escola

pública a partir da gestão democrática. As questões que envolvem a descentralização do

ensino, a autonomia da gestão escolar e sua democratização fazem parte de muitos

estudos e debates na educação brasileira e se inserem num contexto de aspirações pela

democratização das nossas instituições educacionais. A intensificação desse debate

reflete não só a importância da esfera educacional como subsídio para a

democratização social, mas também as dificuldades e limitações quanto a sua

realização, pelas inevitáveis resistências que enfrenta um processo de mudança e

também pela complexa multiplicidade de concepções decorrentes. As análises

efetivadas até o momento, no entanto, parecem ainda não esclarecer as nuances culturais

que interferem nas mudanças decorrentes das novas regulamentações, o que denota uma

limitação no avanço da cultura democrática.

Essa prática é construída de maneira intensa e exige envolvimento, estudo e

esforço em prol de uma compreensão política para, assim, poder nela atuar.

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Pesquisadores têm mostrado através de experiências reais que a implantação ou

processo de democratização da gestão escolar e do ensino público tem sido um grande

desafio em nossa realidade. Dentre eles, Araújo (2003) e Arruda (2003)desenvolveram

estudos que tratam sobre a gestão da educação, participação, autonomia e

descentralização da gestão. Esses autores destacam um paralelo entre as possibilidades

de construção de uma gestão democrática e os obstáculos que se configuram para a

implantação dessa proposta.

Sales (2004) analisa a cultura escolar e a construção da gestão democrática sob

o enfoque da cultura organizacional. Na referida pesquisa, a autora faz um breve recorte

dos aspectos políticos e sociais que ao longo dos anos serviram de base cultural que

subsidiaram a gestão educacional e as práticas educacionais vigentes. A autora utiliza-se

de análise documental e observação não participante, além de entrevistas

semiestruturadas com perguntas definidas para aproximar-se e compreender o cotidiano

escolar em suas várias conexões e captar a interpretação dos atores dessa comunidade

escolar no que se refere à democratização do ensino.

Botler (2004) tratou da escola como organização comunicativa, analisando a

organização escolar na perspectiva do conflito entre o modelo de gestão democrática

que vem sendo difundido pelas políticas educacionais e a construção democrática no

interior da escola. A autora buscou ainda compreender a cultura escolar através de

padrões de comportamento e análise das relações de poder, enfatizando-as como uma

estratégia que possibilita ou não a formação de uma cultura democrática. A referida

pesquisa utiliza-se de um estudo de caso com observação participante, entrevistas

estruturadas e semiestruturadas para a captação dos significados atribuídos pela

comunidade escolar sobre democracia, organização escolar, princípios e valores da

prática educacional, embasada por uma abordagem sócio-histórica. A autora

compreende que a democracia como valor vem se desenvolvendo no cotidiano escolar

refletindo as demandas políticas de democratização, considerando as observações das

manifestações culturais que se apresentam e que estruturam as relações de poder

presentes nesse processo.

Nos trabalhos de Pedrosa (2005) e Nóbrega (2005), a gestão democrática é

abordada a partir do projeto político-pedagógico, que é visto como pressuposto ao

desenvolvimento da autonomia escolar.

Nos estudos realizados por Melo (2005), Andrade (2005) e Matos (2006),

podemos observar a relevância das questões pertinentes à participação social com

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vistas à democratização da gestão educacional e escolar através dos conselhos escolares

e municipais de educação. Nesses estudos constata-se a fragilidade do processo de

participação da comunidade escolar, bem como as dificuldades dessa comunidade em

integrar esses espaços de forma consciente e democrática.

Neves (2006) analisa, através do orçamento participativo, o impacto provocado

pela inovação democrática e pela gestão participativa sobre a cultura política popular.

Mortatti (2006) analisou, em seus estudos, o orçamento participativo da cidade de

Araraquara-SP como instrumento de gestão democrática sob a hipótese de que esse

mecanismo de participação popular viabiliza a construção da cidadania e outros

espaços de participação popular com vistas a uma mudança cultural quanto à

participação consciente da população. A autora adota a metodologia qualitativa com

base na pesquisa-ação, já que é também agente participante da pesquisa e utiliza como

instrumento de pesquisa a observação e entrevistas.

Já nos estudos desenvolvidos por Marques (2007), analisam-se os significados

da gestão escolar democrática nas escolas públicas, através de práticas discursivas, no

intuito de compreender as mudanças geradas pelas políticas de

descentralização/democratização da educação e suas possibilidades de contribuir para

a democratização da sociedade. A autora traz como objeto de estudo a gestão

democrática escolar a partir da política educacional e dos conselhos escolares.

Bizerra (2008) apresenta uma análise sobre as concepções democráticas e traça

uma investigação de caráter teórico-documental sobre o processo de globalização e suas

implicâncias nas políticas educacionais, identificando os modelos de gestão que se

configuram na atualidade e as possibilidades de democratização das nossas instituições.

No trabalho desenvolvido por Santos (2009), buscou-se analisar a cultura como

um lócus de instauração do imaginário social brasileiro que produz e que também é

produto das significações que dão sentido à cultura escolar, interpretada pelo autor

como cultura “doméstico-clientelista”. Sendo assim, o autor busca como foco principal

de sua pesquisa estudar as significações imaginárias da sociedade a partir da escola,

sua ligação com as formas de poder político e as relações que são estabelecidas no seu

cotidiano. Nesse contexto a escola é percebida como parte constitutiva e formadora da

identidade social brasileira.

Souza (2010) analisou as significações imaginárias de democracia que

permeiam a gestão educacional e as dificuldades existentes para a efetivação da

democracia no município de Santa Cruz do Capibaribe e constata que existe um

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discurso de gestão democrática, fortemente ligado à política de resultados. Além disso,

a autora ressalta que a cultura democrática desenvolvida pelos sistemas políticos que

conduzem a educação municipal se distancia dos valores democráticos de emancipação

e participação que terminam afastando os cidadãos dos processos de tomada de

decisões, principalmente nos assuntos pertinentes à escola.

Diante dos estudos apresentados, podemos observar que a democratização, além

de ser um processo complexo em nosso contexto social e institucional, ainda apresenta

obstáculos que não podem ser vistos superficialmente. Queremos dizer com isso que o

processo de democratização hoje é cada vez mais visto como aspecto que exige um

olhar aprofundado sobre a cultura e as singularidades locais.

De acordo com Candau (2001, p.9),

A instituição escolar está construída sobre a afirmação da igualdade,

enfatizando a base cultural comum a que todos os cidadãos e cidadãs

deveriam ter acesso e colaborar na sua permanente construção. Articular

igualdade e diferença, a base cultural e expressões da pluralidade social e

cultural, constitui hoje um grande desafio (...).

Nesse sentido, é preciso considerar não só os elementos políticos constitutivos

dos processos de gestão democrática, nem apenas penetrar no campo cultural e

considerar seus elementos mais amplos, mas também identificar as dinâmicas que se

processam nas relações pessoais, no cotidiano vivido. É nessa linha de investigação

que seguimos.

Algumas Considerações Sobre o Campo de Estudo

Em minhas experiências enquanto professora das séries iniciais do ensino

público, no município de Abreu e Lima, pude perceber contradições entre os discursos

políticos e as práticas vigentes nas relações de gestão da educação e escolar que nos

fazem refletir sobre qual democracia estamos vivenciando e sobre qual projeto de

sociedade almejamos. Na qualidade de técnica em gestão educacional da Secretaria de

Educação de Pernambuco, em atividades desenvolvidas e nas observações feitas a partir

de dados e visitas às escolas, pude perceber as dificuldades e conflitos gerados pelo

modelo de gestão gerencialista implantado pelo governo do estado e as práticas que vêm

sendo desenvolvidas no interior das unidades de ensino e de gestão da educação. Como

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membro integrante do Sindicato dos Professores de Abreu e Lima (SINPROFAL),

fundado em 2011, observei, através das dificuldades enfrentadas pelo grupo e pela

resistência da administração municipal quanto à formação desse sindicato e de um

espaço político de lutas e discussões, que ainda existe um distanciamento entre o

discurso da democracia e a sua materialização. Essas vivências foram de fundamental

importância para o delineamento do objeto de análise da presente pesquisa.

É importante destacar que o município de Abreu e Lima apresenta algumas

particularidades que serviram de motivação para o desenvolvimento do estudo: por ser

um município com emancipação relativamente recente, o que nos permite analisar de

maneira mais precisa seus processos de formação política através da instituição escolar

via secretaria de educação (SEDUC) e pela ausência de estudos que analisem as

questões referentes às políticas de gestão educacional nesse município.

Em 1994, pela primeira vez, um quadro de professores efetivos tomou posse e

ingressou na carreira de magistério, aprovados no primeiro concurso público para

professores polivalentes do município. Com o passar dos anos, o aumento da população

no município e, consequentemente, de alunos, resultou na contratação de mais

professores em regime CLT. Apenas em 2008 foi realizado o segundo concurso público

para professores. Com o ingresso desses novos professores em 2010, boa parte dos

antigos professores com contratos temporários foram demitidos, muitos deles bem

próximos da aposentadoria, o que gerou uma sensação de revolta e injustiça por parte

dos servidores em educação da cidade. É importante salientar que a maioria dos

professores que exerciam suas funções no município não eram efetivos (concursados),

ou seja, uma situação que, segundo professores mais antigos, enfraquecia o poder

político da categoria e limitava o desenvolvimento de um campo político mais sólido e

ativo.

A presença de um novo quadro de professores efetivos trouxe algumas

transformações à realidade desse município, não só nas questões que envolvem

condições de trabalho e garantia de direitos, mas também no cenário político da cidade.

Em maio de 2011, insatisfeitos com a situação de desvantagem devido a salários,

condições de trabalho e espaço político, numa assembleia convocada pelo sindicato dos

servidores municipais da cidade, um grupo de professores foi eleito pela maioria para

representar uma comissão integrante no referido sindicato com vistas a estabelecer

algum diálogo com o governo local em prol dos direitos estabelecidos por lei à

categoria. Após algumas tentativas frustradas de negociação e diante de contradições

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políticas entre a nova comissão e os representantes do sindicato dos servidores do

município, foi dado início a um processo de fundação de um sindicato de classe, o

que demarca, a nosso ver, um salto qualitativo no sentido da emancipação política

da classe docente no município, bem como o delineamento de uma “arena política”. É

importante destacar que durante os trinta anos de emancipação política, Abreu e Lima

ainda não possuía um sindicato de professores. Apenas a partir de 2011, após a

mudança do quadro de professores, surge a iniciativa de fundação de um sindicato de

classe.

O contexto de lutas políticas e contradições que se instalou no município a partir

do processo de fundação sindical tomou proporções mais amplas no contexto político da

cidade e nos fez refletir sobre o processo de democratização da educação nesse

município, por entendermos a relevância dessas questões para o desenvolvimento de

práticas democráticas condizentes com um projeto de sociedade mais justo. Nesse

sentido, compreendemos que não se esgotam as possibilidades e necessidades de se

mergulhar nessa temática, tendo em vista o caminho de contradições acerca das práticas

e processos de democratização, bem como as várias interpretações por que passa o

sentido de “democracia” em nossa sociedade.

Foi a partir da necessidade de identificar possíveis limites à construção de uma

gestão democrática condizente em suas práticas que delimitamos como objetivo geral

da presente pesquisa:analisar o processo de democratização da gestão educacional

do município de Abreu e Lima no tocante às ações/iniciativas materializadas com o

intuito de promover a partilha do poder entre a Secretaria de Educação e as

Escolas.Nessa direção, apontamos como objetivos específicos:

Investigar os influentes político-sociais da cultura nacional que perpassam

as relações sociais no interior da secretaria de educação do município;

Identificar as concepções de democracia, autonomia e participação expostas

pelos membros da unidade de gestão (secretaria de educação e escolas da

rede);

Analisar como as políticas de democratização têm influenciado e/ou se

materializado nas práticas de gestão através das concepções dos gestores

educacionais (secretário de educação e gestores escolares) e professores,

bem como as ações desenvolvidas a partir dessas relações.

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Para atingir tais objetivos, consideramos necessário compreender como a

democratização da gestão já estabelecida legalmente vem se materializando nas

instituições de gestão da educação, quais sejam: a Secretaria de Educação e as Escolas.

Nos estudos apresentados anteriormente, pudemos encontrar uma forte presença

de aspectos tomados como categorias de análise, como participação, autonomia

democracia, entre outros. Assim, na presente pesquisa, buscamos refletir a respeito do

que está por trás das práticas de gestão educacional, o que fizemos tomando as

concepções de democracia, os discursos presentes e as relações interpessoais dos atores

que participam e que são corresponsáveis pelo processo de materialização das políticas

de educação e de democratização no município de Abreu e Lima.

A gestão democrática se constitui num dos maiores desafios da gestão

educacional e do ensino e, nesse sentido, torna-se relevante o estudo abordado nessa

pesquisa, à medida que se faz necessário compreender os impasses e possibilidades de

se avançar nessa temática, principalmente quando se refere ao aspecto cultural, por estar

intimamente ligado à constituição da concepção de democracia ou “democracias” que se

compõem ou se contrapõem no atual cenário político. Como já assinalamos, muitos

embates e pesquisas sobre a gestão democrática da educação no Brasil podem ser

encontrados, porém pouco ainda se tem discutido sobre qual democracia se propõe

diante das diferentes concepções da mesma. O enfoque no qual é discutida a gestão

democrática neste estudo nos possibilita compreender como a formação social

pode ser afetada pela concepção de democracia, cidadania e pelas políticas

públicas estabelecidas.

Nesse sentido, apresentamos alguns questionamentos que nos ajudam a orientar

nossas reflexões. São eles: Que ações têm sido planejadas e executadas pela gestão

educacional com vistas à concretização da democratização da educação no município

em análise? Qual tem sido o resultado das ações desenvolvidas pela SEDUC Abreu e

Lima no tocante à democratização do ensino? Como têm sido interpretadas essas ações

pela escola pública sob a ótica de gestores escolares e professores? Qual é a concepção

de democracia exposta pelos sujeitos inseridos nesse processo? As práticas

“democráticas” estão condizentes com o discurso exposto? Quais significações culturais

vêm orientando as práticas de gestão educacional?

A gestão democrática estabelecida legalmente representa um avanço nas

possibilidades de democratização educacional e escolar, embora ela não possa ser

considerada como um receituário que orienta como se deve agir nas diversas situações

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vivenciadas quanto a sua regulamentação. Nessa direção, a legislação nacional

estabelece marcos macropolíticos, mas compreendemos que as práticas se efetivam no

âmbito micropolítico, ou seja, é nos aspectos microssociais que podemos apreender

como as práticas se materializam na realidade de seus contextos. Sendo assim, é sob

essa ótica que analisamos a gestão educacional e escolar numa perspectiva democrática

em seus aspectos mais peculiares, com o intuito de apreendermos suas limitações e

possibilidades de avanço.

Compreendemos que o desenvolvimento de práticas democráticas é fundado na

liberdade e autonomia dos sujeitos que, no gozo de seus direitos podem de maneira

consciente intervir e reconstruir suas próprias leis e sua própria realidade de acordo com

suas necessidades (CASTORIADIS, 2002). Nessa direção,“a gestão democrática ocorre

na medida em que as práticas escolares sejam orientadas por filosofia, valores,

princípios e ideais conscientes, presentes na mente e no coração das pessoas,

determinando o seu modo de ser e de fazer” (LUCK, 2011, p. 41). Para esse fim,

acreditamos que se faz necessário que as relações de poder, sejam pautadas na interação

dialógica e na reconfiguração de práticas autoritárias e centralizadoras de poder.

Para o desenvolvimento do estudo proposto, delimitamos como lócus da

pesquisa a Secretaria de Educação do Município do Abreu e Lima-PE. Buscamos um

aporte teórico que embasou nossa pesquisa a partir dos aspectos citados acima, enfatizar

algumas categorias como: democracia, autonomia, relações de poder, gestão

educacional.

Dessa forma organizamos nosso trabalho em quatro capítulos. No primeiro

capítulo apresentamos uma análise sobre o conceito de democracia e seus princípios

fundantes; em seguida trazemos as características da atual democracia, baseada nos

princípios do Estado liberal e suas implicações nas políticas públicas, especialmente nas

políticas educacionais; salientamos algumas perspectivas de modelos democráticos de

gestão como base para uma construção educacional mais justa e participativa; nessa

perspectiva ressaltamos a necessidade do compartilhamento do poder no âmbito social e

educacional, tomando a gestão da educação como um espaço que deve ser ocupado pela

coletividade com vistas à democratização da educação e da sociedade.

No segundo capítulo apresentamos uma abordagem sobre o poder e seus

mecanismos de dominação. Tomamos como base para a compreensão da instituição

educacional e escolar a análise micropolítica através das relações de poder que se

estabelecem nas instituições. Nosso intuito no estudo das relações de poder foi o de

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compreender a cultura que se manifesta no contexto institucional e principalmente na

instituição educacional enquanto arena política, através das suas peculiaridades, da

dinâmica do dia a dia, das relações interpessoais e dos conflitos inerentes a essas

relações. Buscamos enfatizar a gestão educacional e escolar como um espaço político

no qual o compartilhamento do poder pode contribuir significativamente para a

democratização escolar e exercício da cidadania.

O terceiro capítulo trata do caminho metodológico da nossa pesquisa empírica,

seus fundamentos e procedimentos. Nessa direção, desenvolvemos uma pesquisa

qualitativa do tipo estudo de caso. Fizemos uso de análise de conteúdos para o

processamento dos dados coletados e para o aprofundamento da nossa pesquisa

documental. Fizemos uso ainda de entrevistas semiestruturadas e observação

participante para uma melhor compreensão do nosso objeto de estudo. Ao longo do

capítulo apresentamos as características políticas do município em análise bem como do

nosso lócus de pesquisa.

No quarto capítulo, apresentamos a descrição e análise dos dados coletados.

Procuramos, a partir dos documentos que norteiam as práticas e ações da SEDUC e

sindicato dos professores, confrontar a realidade vivenciada no município com as

determinações legais no tocante à gestão democrática da educação. Buscamos também

apreender a concepção dos sujeitos envolvidos nesses processos nos aspectos referentes

à democracia, gestão democrática, relações de poder e participação. O esforço na síntese

das análises apresentadas bem como a reflexão sobre o contexto analisado nos permite

uma maior aproximação com a realidade vivenciada no contexto educacional do

município, ampliando nossa compreensão sobre os aspectos limitadores de uma

construção democrática na gestão educacional e escolar que valorize a participação e

compartilhamento do poder entre a população.

17

CAPÍTULO 1. DEMOCRACIA E EDUCAÇÃO: DA RAZÃO À AÇÃO

A gestão democrática da educação no Brasil tem sido amplamente discutida e

pesquisada nos meios acadêmicos e órgãos centrais dos sistemas de ensino. Contudo é

ainda incipiente, no âmbito de tal debate, uma reflexão sobre qual democracia se

propõe, frente às várias modalidades da mesma. Buscando a contextualização da

temática e considerando sua relevância para o avanço da qualidade no nosso sistema de

ensino, partimos de uma análise sobre as diferentes acepções em torno do termo

democracia que surgem de acordo com os contextos históricos a que são relacionadas.

Duriguetto (2007) apresenta uma análise sobre o conteúdo da democracia na

tradição liberal. Bobbio (1986) faz referência ao que chama de concepções mínimas

para o desenvolvimento de uma democracia substancial, trazendo suas reflexões sobre a

atual situação da democracia. Procuramos abordar ainda, de maneira breve, outras

concepções trazidas sob a ótica de outros autores como forma de apresentar novas

tendências democráticas que emergem na contemporaneidade, objetivando uma possível

superação de práticas democráticas desarticuladas presentes hoje em nossa sociedade e

principalmente nas políticas e práticas de gestão da educação. Segundo Silva (2010):

é frente a esse horizonte ético-político que são contrapostos “modelos” de

democracia para se investigar a gestão da educação. Os modelos são

reapresentados no sentido de indicar formas de democracia que têm sido não

apenas concebidas filosoficamente, mas também historicamente construídas e

que têm sido apresentadas como “paradigmas” da gestão democrática (op. cit.

p.35)

Os modelos de democracia apresentam concepções ético-políticas muitas vezes

divergentes, exigindo práticas de gestão democrática diferenciadas, o que contribui para

gerar, em muitas situações, a negação da própria essência democrática. É através dos

modelos de democracia que a gestão das políticas públicas e, mais especificamente, as

políticas de educação encontram suas bases de materialização.

1.1. Os sentidos da democracia

O termo democracia, em seu sentido epistemológico, significa “o governo do

povo”, ou “governo da maioria” (ROSENFIELD, 1984, p. 3). Foi na Grécia Clássica

que teve início o processo democrático, um regime que tinha como essência a soberania

18

que, por sua vez, ultrapassava as barreiras do transcendental para encontrar sua base na

autonomia e liberdade humana, um sistema político reconhecidamente auto-instituído e

que deu origem à filosofia. Para entendermos melhor o surgimento da democracia

clássica, apoiamo-nos em Castoriadis (2002). Ele ressalta que o processo de instauração

da democracia se deu em oposição à heteronomia, em que considera como sociedade

heteronômica aquela caracterizada pelo “fechamento da significação”, ou seja, qualquer

questionamento que possa ser colocado nessa sistemática se encerra nela mesma. Isso

significa uma negação da essência das criações ou do imaginário criativo autônomo, das

instituições imaginárias da sociedade, em que a resposta para o que está posto se encerra

na transferência para o transcendental ou divino. Nessas sociedades não se reconhece

que as leis são obras das instituições sociais e coletivas, o que dificulta que sejam

transformadas. De acordo com o autor, é na Grécia, no período de criação da polis e na

Europa Ocidental que ocorre a ruptura desse fechamento:

Essa ruptura, que é ao mesmo tempo uma criação histórica, implica uma

ruptura do fechamento da significação, tal como ela é instaurada nas

sociedades heteronômicas. Ela instaura ao mesmo tempo, a democracia e a

filosofia. (CASTORIADIS, 2002, p. 187).

Nessa perspectiva, a “ruptura do fechamento” significa a abertura de

questionamentos e institui a verdadeira filosofia que exclui o caráter determinista, exato

e limitador que antes não poderia ser posto em questão. É esse movimento que instaura

a democracia, pois:

Em sua verdadeira significação, a democracia consiste no fato de que a

sociedade não para numa concepção do que é justo, igual ou livre, dada uma

vez por todas, mas se institui de tal maneira que as questões da liberdade, da

justiça, da equidade e da igualdade possam sempre ser colocadas no quadro

do funcionamento “normal” da sociedade. [...] diz respeito à instituição

explícita global da sociedade, e às decisões concernentes a seu futuro (op. cit.

p. 187).

Dessa forma, entende-se a democracia como uma auto-instituição pela própria

coletividade e reconhecida por ela, é esse movimento que dá sentido ao ideal de

democracia, de acordo com o autor.

Rosenfield (1984) acrescenta que a democracia na antiguidade grega era uma

forma de governo entre outras duas: “a monarquia ou governo de um só” e a aristocracia

ou “governo de alguns” (op. cit., p. 3).

19

Quando nos reportamos ao seu significado mais abrangente: “governo do povo”

ou “da maioria”, o termo democracia sempre esteve relacionado à participação do povo

na tomada de decisões na vida pública. Embora existissem duplicidades em relação à

“participação de todos”, não podemos deixar de considerar que em uma democracia a

soberania popular se faz sempre necessária e essa participação, por sua vez, não

acontece sem que haja a liberdade e autonomia do povo. Rosenfield (1986) esclarece

que a questão filosófica ligada à escolha da melhor forma de governo na antiguidade

não estava fundamentalmente ligada ao critério apenas quantitativo, pois o próprio

reconhecimento do termo “maioria” se restringia ao cidadão politicamente reconhecido,

excluindo do processo de cidadania aqueles sujeitos que se dedicavam à reprodução de

trabalho braçal ou à realização de uma atividade material. Nesse sentido, a própria

escravidão, considerada inaceitável aos olhos da modernidade para o mundo ateniense,

não feria aos princípios da moral e da política. Sendo assim, a questão central na

democracia grega estava ligada aos valores que fundamentariam suas leis, suas regras e

procedimentos, ou seja, o valor da lei esteve fundamentalmente ligado à filosofia

política clássica.

De acordo com Chauí (2001) a questão filosófica da democracia clássica está

ligada à noção de liberdade, que garante ao cidadão sua participação no poder.

Na democracia, o valor dos valores é a liberdade e é ela quem determinará a

natureza da igualdade ou da realização da justiça. O que caracteriza a

igualdade democrática e a diferencia das demais em outras sociedades (como

as aristocráticas e as monárquicas) é a afirmação de que todos os membros do

demossão absolutamente iguais porque todos são livres. É esta igualdade

absoluta (que não é econômica, mas social e política) que permite a

democracia, isto é, o poder do demos (op.cit., p.207).

Seguindo essa lógica, de acordo com Castoriadis (2002), a liberdade e

autonomia se fazem essenciais ao princípio político da democracia que, por sua vez,

está ligada à liberdade do indivíduo, e é essa autonomia, essa liberdade e esse

reconhecimento consciente do auto-instituído que fazem surgir pela primeira vez nas

sociedades gregas também e, com mais intensidade, no mundo ocidental moderno, a

ruptura que viabiliza a criação do processo democrático.

O autor ressalta ainda como fundamental que num processo de democracia essa

liberdade esteja assegurada por uma lei que permita ao indivíduo estabelecer e definir

suas significações, normas e valores que orientarão suas vidas.

20

De acordo com Marques (2007) “(...) a justiça como igualdade exige uma

ordem jurídico-política que tem como base e exigência, o respeito recíproco às

diferenças de grupos e indivíduos” (op. cit.p. 33).

Na perspectiva de uma definição mínima de democracia, Bobbio (1986) afirma

que a maneira mais legítima de compreender a democracia e contrapondo-a com as

demais formas de governo, é aproximá-la, ou melhor, associá-la a um conjunto de

regras. Dessa forma “por regime democrático entende-se primariamente um conjunto de

regras de procedimento para a formação de decisões coletivas, em que está prevista e

facilitada a participação mais ampla possível dos interessados” (op cit.).

Tomando como regra central da democracia a “maioria”, no sentido de tomada

de decisões, o autor chama a atenção para esse aspecto, salientando que para uma

definição mínima do que acredita ser democracia em sua essência, não basta apenas que

lhe atribua a condição de uma maioria dos cidadãos ligados ao processo decisório, bem

como a existência de regras para esse procedimento, o que aqui julgamos também

necessário. No entanto, além desses atributos, é fundamental que outra condição incida

sobre o princípio democrático, qual seja: a possibilidade de reais alternativas,

embasadas em reais condições de poder, pois só munido desse poder, o cidadão terá a

condição para deliberar sobre suas escolhas e decisões. Nesse sentido, os cidadãos

envolvidos direta ou indiretamente no processo democrático necessitam gozar dos

direitos à liberdade de expressão, opinião e, sobretudo, de liberdade de associação, ou

seja, de poder, em conjunto, decidir sobre os problemas comuns. Esses direitos devem

decorrer do estado de direito que permita, mas que também limite o exercício do poder

do estado aos direitos “invioláveis” dos indivíduos. Segundo Bobbio (1986),decorrem

daí os pressupostos necessários aos procedimentos que fundamentam o regime

democrático e permitem seu desenvolver. Desse modo, se o efetivo funcionamento de

um regime democrático só se faz possível se baseado no âmbito legal, o poder e o

direito andam juntos e uma contraposição entre o governo das leis e o governo dos

homens não representa uma democracia justa (op. cit). Logo, quando nos referimos a

um governo de leis, estamos priorizando que essas leis sejam capazes de estabelecer seu

próprio modo de produção, respeitando não só os direitos e deveres dos governados,

como também estabelecendo normas que vinculem a todos, governantes e governados.

“Um ordenamento deste gênero apenas é possível se aqueles que exercem o

poder em todos os níveis puderem ser controlados em última instância pelos

possuidores originários do poder fundamental, os indivíduos singulares”. (BOBBIO,

21

1986, p. 13). Tal fundamento difere da concepção individualista de sociedade que

repousa sobre o ideal liberalista. Enquanto o liberalismo prega o individualismo como

liberdade, excluindo os indivíduos do seio das lutas comuns e sociais, a democracia

preza pela união social em prol de suas causas, viabilizando a construção de um poder,

não tirano como se constrói no liberalismo, mas compartilhado.

1.2. A democracia na teoria liberal

Com a chegada do Estado Liberal, ganha evidência a democracia representativa,

em que o poder é delegado a um representante, eleito democraticamente através do voto

e que por sua vez assume a responsabilidade de atender às demandas da população. Essa

nova forma de democracia tem, como base teórica, os fundamentos do Estado Liberal

democrático e da moderna cidadania. Dessa forma, os princípios da democracia grega

são reinterpretados e vinculados a valores liberais, relacionados às teorias

contratualistas e ao processo capitalista. Nesse sistema democrático, o valor ético-

político está ligado ao princípio da igualdade de posses de direitos civis, em que a

igualdade de oportunidades se dá através da capacidade individual e não da

coletividade.

De acordo com Duriguetto (2007), é através dos fundamentos da igualdade dos

direitos individuais que a ordem política passa a ser consolidada e interpretada sobre a

natureza humana. Dessa forma:

Rompendo com as concepções de homem tanto da tradição judaico-cristã –

que o concebia como criatura divina inserido em uma comunidade que se

submete à vontade de Deus – quanto da tradição aristotélica que o concebia

como animal político inserido em uma comunidade voltada para a elaboração

intersubjetiva da sociabilidade – o homem passa a ser concebido como ser

natural, racional e individualizado, que age movido por paixões e interesses

(op. cit.,p.34).

Nessa perspectiva, o homem passa a ser interpretado como proprietário de suas

capacidades e suas posses determinam sua liberdade, soberania e potencialidades.

Assim surge a democracia moderna, baseada em uma sociedade civil, de relações livres

de trocas, na qual quem detém o poder o tem como uma relação de riqueza.

Para Bobbio (1986), através da concepção liberal são fixadas as regras

fundamentais da democracia atual, contrapondo ao que determina por estado e não-

22

estado (sociedade religiosa) os grupos de formação da sociedade civil. Nessa lógica, o

estado deixa de ser o braço secular da igreja para ser o braço secular da burguesia

mercantil e empresarial.

A essência ético-política e moral que fundamenta o Estado Liberal e seu

pensamento político – regulamentação das relações sócio-políticas – consiste no poder

adquirido a partir do mercado que é assegurado pela capacidade de o indivíduo

conquistar o poder individual para dominar o outro. Nessa direção, surgem os conflitos

de interesses gerados pela disputa de poder que gera a insegurança dos indivíduos. Essa

ameaça constante de guerra e de perda de segurança e de liberdade na esfera privada

conduz os indivíduos a um “estado de natureza”. Duriguetto (2007) pontua que a partir

dessa lógica surge a necessidade de estabelecimento de regras como um contrato que

produza um efeito de proteção dos direitos individuais e de convívio social que seja

capaz de subordinar politicamente a sociedade através da transferência de seus poderes

e direitos a uma esfera superior, a um poder soberano, ou seja, ao Estado. Assim cria-se

uma sociedade política (contrato legítimo de poder em defesa das relações de troca de

mercado e de manutenção da ordem) com objetivo de proteger legitimamente a

sociedade civil (sociedade com relações baseadas no individualismo e no poder de

mercado) de seu estado de natureza (conflitos advindos do próprio sistema capitalista

liberal que se baseia em lutas pelo poder, competição e ameaça aos bens naturais de

direito) (op. cit.).

Ainda de acordo com o pensamento da autora, o problema que se apresenta com

o ordenamento político liberal consiste na formação desse contrato social, que ao

regulamentar as relações sócio-políticas e assegurar ao Estado soberania total não cria

princípios claros que vinculem esse poder ao compromisso constante com a coletividade

e com a delimitação de sua própria ação. É nessa perspectiva que a esfera política liberal

constitui seus governos como garantia de liberdade de ação da sociedade civil e de

proteção e manutenção de seus direitos naturais (bens, propriedades e liberdade de

ação).

Nessa direção, Bobbio (1986) afirma que a essência democrática liberal

concentra-se na proteção dos interesses privados e da economia de mercado e enquanto

teoria política está reduzida ao estado mínimo, o que significa uma mínima intervenção

estatal na garantia de direitos coletivos, limitando a participação democrática da

coletividade aos momentos de escolha de representantes.

23

À medida que os procedimentos do ideário liberal envolvem os sujeitos na busca

pelo poder e ascensão individual, afasta-os da coletividade e das lutas necessárias ao

bem comum, que se constroem a partir da efetiva participação popular e pela tomada

pelo poder dessa coletividade. É dessa efetiva participação popular que se constitui o

conceito de cidadania e é a tomada do poder pela coletividade que conduz à soberania

popular. Bobbio (1986) defende que se faz necessária uma reviravolta no

desenvolvimento das instituições democráticas, que vai do estado à sociedade. Para o

autor, não basta que aconteça a democratização do estado, pois essa democratização, se

considerarmos a instituição de parlamentos, já existe. Nesse sentido é indispensável que

aconteça de fato, a democratização que atinja a sociedade e para isso, as instituições

como empresas, escolas, famílias, gestão dos serviços públicos, sejam tocadas

democraticamente. Ainda de acordo com o autor, os dois principais centros de poder,

tanto a empresa, quanto a administração pública não sofreram efetivo processo de

democratização e o que pode garantir, hoje, um grau de desenvolvimento democrático

não está mais ligado a critérios de maioria ou de direito ao voto, pois essas barreiras já

foram superadas, mas sim ao espaço de atuação e desenvolvimento de práticas políticas

pelos cidadãos (op. cit). Para isso é preciso que o espaço público, até agora ocupado por

organizações de tipo burocrática ou hierárquica, seja ocupado pelo povo e, nessa

perspectiva, aconteça a organização de novos ideais políticos.

1.3. Uma busca pela superação

Hoje, no Brasil, vivemos um momento histórico no qual a população, de uma

forma mais significativa, começa a exigir do estado o que seria seu dever, ou seja,

garantir os direitos comuns à população, tais como educação e saúde. Em paralelo a esse

clima de insatisfação que transborda na atualidade brasileira, estão os crescentes casos

de escândalos políticos de corrupção, que através dos novos e eficazes meios de

comunicação circulam instantaneamente a nível mundial e fazem surgir um movimento

de mal estar geral. Tais acontecimentos trazem à tona problemas que há muito tempo

vêm sendo mascarados pelas formas de governo democrático liberal e hoje provocam o

desgaste da população. Entendemos esse movimento popular massivo que toma as ruas

no Brasil como um momento de luta da população para tomar o poder ao seu controle e

ocupar seu espaço público de direito.

24

Gerbaudo (2013) defende uma estrutura formal que legitime os movimentos

sociais e afirma que a essência da luta que emerge hoje, no Brasil, é por uma nova

forma de democracia, e para isso acontecer é preciso que haja a abertura de novos

mecanismos de controle social sobre as ações políticas. Gerbaudo defende ainda que se

instaurem novos instrumentos de democracia direta que viabilizem novas formas de

participação, e que para isso, os diversos interesses da sociedade devem ser defendidos

de maneira organizada. Dessa forma o autor acredita que é através da ação social

organizada que se podem construir novos caminhos para atingir a justiça democrática e,

nesse sentido, defende a importância da atuação dos partidos políticos como mediadores

nas lutas pelos direitos coletivos: “A política é uma obra coletiva, não um agregado de

indivíduos. São blocos diferentes que interagem. Para isso, você precisa dos partidos.

Eles sempre existiram e sempre vão existir” (op.cit., pág. 53).

Sendo assim, colocamos como uma das questões da democracia a construção de

uma relação em quea população assuma o controle do poder exercendo de fato a sua

cidadania.

Bobbio (1986), refletindo sobre os sentidos da democracia, apresenta uma

contradição entre o que seria uma democracia ideal e a democracia real – que temos

hoje – e evidencia o que chama de “promessas não cumpridas” pela democracia

moderna. Dentre os vários princípios democráticos não cumpridos, conforme já

explorado, o autor chama a atenção para a questão do exercício do poder ou “poder

invisível” como um valor maior da democracia e que consiste num grande desafio. É

exatamente no modo como esse poder é exercido, em sua transparência, que devemos

nos deter: “Enquanto a presença de um poder invisível corrompe a democracia, a

existência de grupos de poder que se sucedem mediante eleições livres permanece, ao

menos até agora, como a única forma na qual a democracia encontrou a sua concreta

atuação” (op.cit., p.11).

O autor coloca os partidos políticos como únicos e legítimos elos da democracia,

ou seja, são instituições políticas que funcionam como elo entre os indivíduos e o

estado, e é através de seus movimentos que devemos nos apoiar como espaços de poder

para as lutas pela real democratização das nossas instituições e da nossa sociedade.

Outra promessa da democracia moderna, não cumprida, analisada por Bobbio

(1986) consiste na educação para a cidadania. Nesse sentido a educação seria um meio

de construção e efetivação dos princípios democráticos “segundo a qual o

cidadão,investido do poder de eleger os próprios governantes, acabaria por escolher os

25

mais sábios, os mais honestos e os mais esclarecidos dentre os seus cidadãos” (op.cit., p.

11).

Por fim, compreendemos a educação para a formação cidadã como um grande

desafio enfrentado na atualidade, uma possibilidade real de participação social e

transformação política que seja capaz de garantir uma justiça social. A ela nos

deteremos como fator fundamental pelo sucesso ou fracasso de um construto social

justo e igualitário.

1.4. Educação e democracia

As instituições educacionais, bem como as demais instituições sociais,

exprimem o modelo político ao qual pertencem e, dessa forma, sevem como

mantenedoras ou reprodutoras da ordem vigente. Tomando a educação como um dos

pilares para a construção do exercício da cidadania, bem como ao desenvolvimento de

uma cultura política e social, compreendemos que a escola enquanto instituição política

pode exercer uma função social voltada para a construção da justiça social. Sendo

assim, à educação, compete uma parcela considerável na construção de um projeto de

democracia que se faça através da participação comunitária e de sua atuação na

participação da gestão.

Silva (2010)vai além do pensamento puramente ideológico quando reflete sobre

as questões ético-políticas das perspectivas ou modelos democráticos direcionados para

a educação:

A questão que se coloca, então, é a de investigar as possibilidades de se ir

além destas concepções, resgatando dimensões da vida democrática que

escamoteiam, sobretudo no sentido de descortinar formas de gestão da

educação comprometidas com a soberania popular e com o papel integrador

do Estado numa democracia (op cit., p. 33).

Ao analisar a gestão da Educação, seja no âmbito escolar ou no sistema

municipal de ensino, faz-se necessário uma reflexão sobre o contexto político e social

mais amplo, especificamente as políticas educacionais por estarem inevitavelmente

ligadas, pois é a partir da gestão que se concretizam ou não as ações propostas pelas

políticas. A importância dada à gestão na presente pesquisa justifica-se pela força

transformadora que esta pode vir a desempenhar na constituição desse novo modelo de

política. Para Ball (2001, p. 108):

26

Durante os últimos vinte anos, a gestão tem sido um mecanismo chave tanto

na reforma política, quanto na reengenharia cultural no setor publico dos

países do norte. Tem sido a forma principal através da qual se tem

reconfigurado a estrutura e a cultura do serviço público.

Podemos dizer que a gestão pode exercer forte influência de transformação, não

só de um modelo de política, mas também na construção de uma nova cultura que possa

favorecer ou não uma ação mais democrática e influenciar as relações de poder que se

estabelecem dessa prática. Nesse sentido, investigar a gestão educacional significa

indagar sobre o tipo de sujeitos que se pretende formar e como se dará esse processo.

Somos fruto de um construto social e cultural que resulta das interações sociais,

políticas e econômicas que vivenciamos, mas é claramente possível que também

possamos planejar de forma democrática o que pretendemos ser, ou seja, construir uma

identidade coletiva. Para isso, contamos com as políticas públicas que devem ser

desenvolvidas no sentido de apoiar tais projetos. Nesse sentido, Habermas (1999 apud

SILVA, 2010, p.33) afirma que:

O problema ético político mais básico da democracia refere-se à

possibilidade de se conceber um ponto de vista comum e compartilhado, que

supostamente permitiria uma avaliação imparcial das questões a serem

decididas coletivamente, o que tem sido denominado de “ponto de vista

moral”.

Nessa direção, refletimos a possibilidade de chegar a um consenso diante de um

universo de racionalidades diversas, tomando como referência os espaços escolares e as

políticas de educação, de se construir um caminho viável a um projeto comum de

educação e de sociedade e, além de tudo, de como garantir que tais determinações sejam

respeitadas e até mesmo moldadas diante das necessidades coletivas.

Estêvão (2006), em uma análise sobre as formas de democracia para a educação,

apresenta as características da democracia deliberativa, na perspectiva de Habermas e a

comunicativa como outro modo de ver a democracia e a própria política. O autor

considera a democracia deliberativa como:

Ideal intuitivo de uma associação democrática cuja justificação assenta em

argumentos públicos e racionais entre cidadãos iguais. Ou seja, quer as

instituições, quer as decisões só serão legítimas quando recebem a

concordância dos implicados, num procedimento democrático em

circunstâncias de participação livre e igual (op. cit. p. 88).

27

O autor identifica como um ponto a ser superado o fato de que nessa forma de

democracia corre-se o risco de privilegiar grupos com maior prestígio simbólico e

material, por esses grupos dominarem as habilidades argumentativas e também de o

argumento não ser a única forma de se exercer um poder. Como modo de superação

dessa lacuna o autor defende a democracia comunicativa como uma forma que detém

muito da democracia deliberativa, mas que a complementa no sentido de considerar e

aceitar a diferença do outro no processo de igualdade de oportunidades. Dessa forma, o

autor defende que:

Na democracia comunicativa, então, a interação comunicativa não omite a

diferenciação dos sentidos que os actores atribuem aos problemas, aos

interesses, às próprias coisas, ao bem comum, nem esquece as suas diferentes

posições sociais. E é esse reconhecimento da diferença e do que não é

comum que desafia a própria argumentação e que leva a invocar a justiça e a

“reciprocidade assimétrica” entre perspectivas dos sujeitos, uma vez que cada

um tem a sua história que “transcende a copresença de sujeitos em

comunicação” e cada posição social é estruturada pela configuração de

relações entre outras posições, o que dá a cada locação um sentido específico

e irreversível Young (1977 apud ESTÊVÃO, 2006, p.90).

Hoje, a Constituição Federal de 1988 e a Nova Lei de Diretrizes e Bases da

Educação asseguram aos nossos sistemas estaduais e municipais de ensino novos

mecanismos democráticos que permitem que nossas escolas vivenciem formas mais

participavas como a gestão colegiada, a descentralização administrativa, eleições para

diretores e crescentes graus de autonomia escolar. Tais mecanismos, embora

desarticulados, representam uma possibilidade de abertura política para uma nova

construção educacional. É nesse sentido que defendemos a democratização da gestão

educacional e da escola para que seja possível a participação efetiva da comunidade

escolar nas tomadas de decisão e compartilhamento do poder.

A questão que se coloca agora é de como atuar nesses espaços de forma

democrática e garantir nossos direitos. É diante da concepção democrática comunicativa

que Estêvão (2006) acredita ser possível uma maior abertura da participação de todos,

em suas diferenças, para atuarem coletivamente num espaço público, e é essa

comunicação, entre perspectivas diversas, que garante a condição de publicidade onde

os sujeitos ampliam a visão dos processos sociais, reforçando o exercício regulatório da

comunidade e fortalecendo a cidadania. Desse modo acreditamos que a democracia

comunicativa pode alargar a noção de espaço público, que surge, contudo, além da

argumentação intersubjetiva, na notoriedade do outro enquanto ser, o que pode refletir

28

numa justiça social indispensável às formas democráticas, especialmente nas políticas

de gestão da educação e da gestão democrática e participativa como espaço privilegiado

de interação.

Nessa perspectiva, a participação dos usuários na gestão escolar reflete-se como

um instrumento ao qual a coletividade necessita ter acesso para que seja possível o

exercício da cidadania. É assim que, para Bobbio (1986), pode acontecer o processo de

democratização das nossas instituições e, paralelamente, da nossa sociedade,

ultrapassando os limites da democracia política para a construção da democracia social.

Nesse sentido se torna indispensável que se questionem as normas legais das políticas

de gestão, dentro e fora das escolas, pois:

A formulação de qualquer hipótese sobre a gestão democrática envolve

sempre um pressuposto ético-político que nem sempre vem explicitado. Não

se pode partir da ideia ingênua de que a concepção de democracia com a qual

se trabalha é consensual ou é a única possível ou a melhor que se tem. É

necessário justificar isso e, fazê-lo, estar-se-ia argumentando no âmbito ético-

político ou ideológico (SILVA, 2010, p. 51).

Nessa direção, a normatividade dominante da escola deve ser analisada para que

possamos compreender como a escola atua em sua dinâmica, como ela regula e se é

regulada pela coletividade. Ou seja, observar essa instituição em sua dimensão

normativa significa questionar o que e como essa escola tem agido para legitimar sua

democratização; significa compreender como esse espaço tem sido utilizado pela

coletividade para seu domínio, se existe o domínio da coletividade nesse espaço. Esse

entendimento permite a identificação da democracia que está sendo desenvolvida na

escola para poder transformá-la ou desmascará-la. Em uma sociedade capitalista, a

democracia pode assumir várias formas, mas cabe a nós, através da análise normativa,

identificar até que ponto a gestão da escola tem ignorado ou criado formas de superação

de uma ordem excludente que se oculta no modelo econômico de reprodução cultural,

através de suas ações. Trata-se de investigar sobre como e se a política educacional tem

contribuído para o fortalecimento da ação coletiva e formação de uma sociedade

efetivamente democrática em sua forma e conteúdo; é acima de tudo, inquerir sobre a

real tomada do público no seu lugar e ao seu poder.

29

Daí a importância de se analisarem as dimensões éticas e políticas,

principalmente quando queremos entender a gestão democrática da educação. Por esse

motivo, passaremos, no próximo capítulo, a analisar o poder nas organizações.

30

CAPÍTULO 2. O PODER NA ORGANIZAÇÃO

Com o crescimento das demandas sociais, paralelamente as instituições e

organizações ganham mais relevância nos contextos sociais; à medida que esse

crescimento se intensifica, pouco a pouco as organizações que mantinham um conjunto

de estruturas técnicas contínuas e rotineiras passaram a necessitar de estruturas técnicas

de trabalho mais dinâmicas e cada vez mais específicas, o que desencadeia uma

diversidade de atividades e divisão de trabalho e, consequentemente, intensificam-se os

conflitos interpessoais e nas relações de poder.

O poder é um fenômeno já discutido amplamente nos contextos organizacionais;

com o aumento e complexidade que ganharam as organizações sociais e principalmente

com o surgimento da gestão democrática politicamente instituída, faz-se cada vez mais

necessário discutir e compreender acerca das relações de poder que se estabelecem nas

organizações. Trazendo nosso olhar para a instituição da gestão educacional, Botler

(2009) ressalta que uma gestão democrática passa pela ressignificação das relações de

poder, é através de relações crítico-dialógicas e argumentativas que se torna possível um

delineamento das relações emancipatórias.

Nesse sentido, buscamos nos apropriar de um breve aporte teórico que verse

sobre a análise das relações de poder nas organizações com o intuito de compreender as

possibilidades e perspectivas de avanço para análises nesse campo. Dentro dessa

perspectiva apontamos os estudos desenvolvidos por vários autores, dentre eles

Friedberg (1993), Bourdieu (1989), Foucault (1988) e Weber (1999), num diálogo

teórico visando um aprofundamento na perspectiva analítica sobre o poder e suas

formas de dominação na organização.

Para Friedberg (1993) é possível fazer duas leituras dos anos 80 (momento em

que os estudos organizacionais ganham força); a primeira, que aponta os limites que os

processos tradicionais burocráticos apresentam para o desenvolvimento da eficácia nas

organizações sociais e a segunda, que aponta a necessidade de organização, sem a qual

não seria possível atingir o bom desempenho das atividades coletivas nas organizações.

Nessa perspectiva, ressalta-se a condição fundamental da dimensão organizacional para

o desenvolvimento das ações. O autor salienta a importância da dimensão

organizacional para a estabilização das complexas relações humanas que, por sua

natureza, são conflituosas e instáveis e acredita que a partir dessa dimensão seja

31

possível estabelecer um equilíbrio e uma interação social no ambiente organizacional

que viabilizará a construção da cooperação entre os indivíduos e a coordenação das

ações coletivas, mesmo se tratando de racionalidades diferentes. O autor aponta ainda

que a construção dessa organização capaz de estabilizar o universo conflituoso nas

relações humanas pode se operar de maneira diferente, de organização para organização

e de acordo com suas peculiaridades, mas que reside nessa construção o problema

central de toda organização. Dessa forma compreende-se que esse problema, pela

inevitável instabilidade nas relações coletivas, esteja sempre presente, o que reflete a

necessidade da constante busca de uma construção edificante nos contextos

organizacionais.

Sendo a organização um ambiente de instabilidade e sendo a especificidade

desse problema o cerne para sua regulação, Friedberg ressalta que a análise e

compreensão dessa especificidade se torna a questão central da reflexão organizacional.

Nesse sentido:

O fenômeno organização aparece, então, como o resultado contingente e

sempre provisório da construção de uma ordem local cujas características

relativamente autônomas estruturam a capacidade de ação coletiva dos

interessados. Ele é, ao mesmo tempo, continente e conteúdo, estrutura e

processo, obrigação para a ação humana e seu resultado. (1993, p. 11).

O autor destaca ainda a necessidade de se compreender a ação humana através

dos seus objetivos e efeitos, ou seja, o resultado que essas estruturas geram e em que

novas posturas e procedimentos resultam. Parte daí o cuidado de não se fragmentar a

análise sobre as organizações, como frequentemente se observa nos estudos sobre o

tema que tendem a separar o foco de análises ou abordá-las como um conjunto de

estruturas delimitadas ou como uma análise das ações coletivas, de derivação mais

espontânea, com estruturas fluidas e informais, implícitas nas relações humanas. Essa é

uma preocupação constante na abordagem de Friedberg, que propõe uma análise

organizacional que implica numa observação mais profunda e geral remetida a uma

esfera política das ações e seu potencial de mudança.

Sobre esse aspecto Cappelle, Melo e Brito (2005) trazem em um ensaio teórico

uma análise que, a princípio, compreende os estudos organizacionais conforme dois

paradigmas: o funcionalista (paradigma compreendido como dominante) e o

estruturalista (crítico), visando facilitar a compreensão da análise sobre as organizações

32

e por reconhecer o caráter predominante dessas abordagens na produção científica.

Embora ambas as abordagens apresentem divergências entre si, os autores trazem suas

características como referências para a base dos estudos sobre o poder. Nessa direção,

chamam a atenção para a forma como a produção científica da área trata as questões

referentes ao poder e aos modos de análise organizacional que tendem à separação de

categorias analíticas que resultam na fragmentação da análise em sua totalidade. Os

autores propõem-se ao estabelecimento de pontes teóricas que interliguem as

abordagens funcionalista e estruturalista ou crítica, como forma de obter uma

construção teórica mais completa para a análise organizacional, que seja capaz de

promover uma ação coletiva. Nessa perspectiva, os autores destacam as principais

características de cada abordagem, evidenciando a corrente funcionalista como sendo de

cunho gerencialista, em que o poder não é legitimado ou reconhecido. Dentro dessa

lógica, os aspectos políticos ganham caráter informal e os diversos interesses não devem

ser manifestados entre os sujeitos envolvidos. Sendo assim, de acordo com a corrente

funcionalista, os conflitos devem ser suprimidos, logo, a existência de conflitos e

interesses divergentes não pode ser explicada, uma vez que esses não são reconhecidos,

assim, o uso do poder é visto como algo negativo.

Já a corrente crítica dos estudos sobre o poder analisada pelos autores, reconhece

a existência de conflitos de interesses no contexto organizacional. Nesse sentido, as

formas de dominação e as relações entre dominador e dominado ganham força e fazem

surgir no campo das ciências sociais estudos que abrangem além de aspectos puramente

mecânicos ou manifestos. Ganham ênfase os aspectos da cultura, da subjetividade, em

que a interpretação das relações humanas é observada em seus aspectos individuais e

coletivos. A partir de então, os conflitos passam a ser vistos como maneiras de

expressão de interesses, autonomia e ganham relevância por viabilizarem os processos

democráticos, ou seja, o caráter político das relações de poder através dos conflitos

passa a ser considerado como necessário para as construções reguladoras de dominações

e gerador de novas estruturas.

Para Friedberg (1993), as interações humanas, mesmo submetidas a estruturas

muito limitantes, são sempre políticas, porque abrigam em si interesses, intenções e

estratégias conscientes ou não que terminam por gerar relações de forças e negociações

que legitimam o valor político nessas relações.

Mas não se trata de uma simples relação circular que não faria mais que

reproduzir as estruturas englobantes. O exercício do poder nos contextos de

33

ação locais gera regras e construções políticas que permitem regulá-lo e

através das quais os atores podem descobrir e criar novos recursos, novas

capacidades para jogar o jogo social da cooperação e do conflito. A lógica

própria dessas construções é, portanto, não só irredutível à das estruturações

englobantes, mas contribui também para as transformar; não só reproduz

como produz passo a passo dimensões, estruturações ou regulações de

conjunto. (1993, p. 18)

De acordo com o autor, a capacidade de negociação que os atores têm através de

suas peculiaridades profissionais, experiência na área e conhecimento do campo de

atividade reflete-se no comportamento e traduz o caráter subjetivo do poder que detêm.

Sobre esse aspecto, Weber (1999) coloca que uma relação de poder pode ser

bilateral num contexto organizacional. Para esse autor, as especificidades de um campo

técnico dependem do outro para produzir a eficácia necessária e essa relação gera

interdependência; sendo assim, cada grupo de também exercer seu poder. Dessa forma o

exercício do poder também dependerá do tipo e contexto organizacional e das

possibilidades de coligações e alianças pessoais.

Chauí (2004) sinaliza a existência de vários tipos de poder, classificando-os

como poder patriarcal, corporificado, mágico, transcendente, entre outras formas de

poder, que se encontram presentes nas relações sociais.

Max Weber (1999) traz em sua abordagem uma análise sobre o poder e as

formas de dominação e ressalta tipos “puros” que fundamentam a estrutura do poder e

da dominação social e organizacional, focando a administração como um lócus de poder

e dominação.

2.1. O poder e suas formas de dominação na perspectiva de Max Weber

Para Weber (1999), a dominação é um caso especial do poder e muitas dessas

formas de poder estão ligadas a determinadas formas econômicas e também por elas

condicionadas. O autor salienta dois tipos de dominação, extremamente opostos: um diz

respeito à dominação em relação a interesses e o outro em virtude da autoridade, ou

seja, o poder de mandar. Pela primeira forma de dominação, entende-se uma forma de

poder monopolizada no mercado e, pela segunda, entende-se uma forma de autoridade

detentora de poder. Mas o autor ressalta que, apesar de “opostas”, entre essas formas de

dominação, existe a possibilidade de transição. Isso significa que o poder de dominação

em virtude de uma constelação de interesses pode se transformar em poder ou forma de

dominação autoritária, pois aquele que detém o poder monopolizado pode passar a ditar

34

suas regras de maneira autoritária, pelo simples fato do poder de dominação que o

monopólio lhe garante. Para o autor, essa dominação autoritária gera obediência. Weber

ressalta ainda que em toda relação de autoritarismo, onde se impõe a obediência, há

também a força que induz a essa relação, que é o interesse por trás da obediência. O

autor ressalta ainda que não só as trocas de mercado produzem dominação, as relações

sociais são também uma forma de exercer poder e dominação.

Retomando sobre o aspecto de legitimação que, segundo Weber (1999), sustenta

as formas de dominação nas relações de poder, o autor ressalta dois princípios pelos

quais se legitimam a instituição do poder e da dominação como naturais: o primeiro é

apontado pela “validade”, ou seja, o poder é exercido e legitimado por regras e é

autorizado a um portador; o outro pode ser exercido em forma de “autoridade” que se

fundamenta na crença, na tradição, no carisma e também gera obediência. O autor

esclarece que essas formas de dominação são fundamentais nas estruturas históricas de

dominação e que são reconhecidas como relações de autoridade tradicionais e estão

representadas pelo patriarcalismo. Nessa mesma lógica, quando o poder ou a

dominação não estão fundamentados na estrutura tradicional ou patriarcal e são

exercidos por uma ação social, de acordo com o autor, a dominação está baseada em

uma relação racional, ou seja, é na burocracia que encontra seu tipo específico de poder.

2.2. A moderna administração burocrática como forma racional de dominação

Weber (1999) traz uma análise dos aspectos mais relevantes do poder e da

dominação na sociedade e nas instituições administrativas e expõe os mecanismos

burocráticos como forma de dominação racional. Para esse autor, a burocracia tem seu

caráter racional com práticas através de regras e impessoalidades, nesse caso,

dificultando uma mobilização contrária, o que gera a dominação de forma mais racional.

O autor defende que o avanço da estrutura burocrática trouxe várias formas de

dominação, mas por outro lado, afirma que a racionalização das formas de dominação

nas instituições superou outras formas de dominação estruturais, como a dominação

patriarcal e patrimonial.

De acordo com análise weberiana, um dos princípios estruturais pré-burocráticos

mais importantes é a estrutura de dominação patriarcal, que não se baseia, como a

burocracia, na obediência às normas. Pelo contrário, é nas relações pessoais que elas se

estabelecem, sua base encontra-se na autoridade do chefe da comunidade doméstica.

35

Mas, ambas as formas de dominação encontram alguns pontos em comum; um deles é o

caráter cotidiano e a obediência pelos submetidos ao poder. Essas normas, no caso da

dominação burocrática, encontram legitimidade na legalidade, ou seja, são

racionalmente criadas; já nas formas de dominação patriarcal, o fundamento está na

tradição, na crença e na inviolabilidade do que sempre foi; sendo assim as normas da

dominação patriarcal não são estatuídas, mas são sagradas pela tradição.

Weber (1999) reconhece a importância dada às tarefas especializadas que são

administradas por profissionais também especializados quando analisa as organizações.

Essas atribuições ganharam força a partir da necessidade de repartição de trabalho que

surge com o aparato burocrático, visando uma melhor qualidade e eficiência dos

serviços prestados. Passa-se então a supervalorizar o profissional especializado. Para

Weber, a valorização do especialista é uma característica da moderna administração

burocrática que tem como meta a eficiência e o resultado com bases objetivas. Nessa

direção:

A peculiaridade da cultura moderna, especialmente a de sua base técnico-

econômica, exige precisamente esta “calculabilidade” do resultado. A

burocracia em seu desenvolvimento pleno, encontra-se, também, num sentido

específico, sob o princípio sine ira acstudio. Ela desenvolve sua

peculiaridade específica, bem-vinda ao capitalismo, com tanto maior

perfeição quanto mais se “desumaniza”, vale dizer, quanto mais

perfeitamente consegue realizar aquela qualidade específica que é louvada

como sua virtude: a eliminação do amor, do ódio e de todos os elementos

sentimentais, puramente pessoais e, de modo geral, irracionais, que se

subtraem ao cálculo, na execução das tarefas oficiais. Em vez do senhor das

ordens mais antigas, movido por simpatia pessoal, favor, graça e gratidão, a

cultura moderna exige para o aparato externo em que se apoia o especialista

não envolvido pessoalmente e, por isso, rigorosamente “objetivo”, e isto

tanto mais quanto mais ela se complica e especializa. E tudo isto a estrutura

burocrática oferece numa combinação favorável. Sobretudo é só ela que

costuma criar para a jurisdição o fundamento para a realização de um direito

conceitualmente sistematizado e racional, na base de “leis”, tal como o criou,

pela primeira vez, com alta perfeição técnica, a época imperial romana tardia.

(p. 213)

Nesta mesma lógica, o autor aponta outras características que permeiam a

moderna burocracia administrativa e geram formas de dominação e de poder que

culminam na negação da manifestação da autonomia dos sujeitos. Assim como a

especialização funcional ou dos saberes específicos, a comunicação também é um fator

que gera poder e dela, segundo Weber, pode resultar o fracasso ou o sucesso das

determinações estabelecidas no cotidiano organizacional.

36

Como pudemos perceber, Max Weber analisa o poder e seus mecanismos de

dominação de fundamentação tradicional e destaca a administração moderna como

burocrática para analisar o poder racionalizado e seus mecanismos, apontando a

relevância da administração como espaço ou lugar onde esse tipo de poder é exercido

em sua plenitude. O autor também evidencia o que Bourdieu (1989) entende como

símbolos subjetivos do poder quando considera o patrimonialismo e o patriarcalismo

como fontes de poder baseadas na crença, na cultura e na tradição. Ainda sobre esse

aspecto, Melo (apud CAPPELLE, MELO E BRITO, 2005) ressalta que se faz

necessária uma observação mais acurada das ações não verbais, das atividades no

cotidiano, da obtenção de confissões e de significados via métodos capazes de captar as

subjetividades, as verdadeiras raízes dos comportamentos individuais e coletivos, ou

seja, do universo simbólico humano.

Seguindo essa lógica, Bourdieu (1989) considera dimensões mais abrangentes

nos estudos sobre as relações de poder nas organizações. Sua abordagem envolve

sistemas de dominação que permeiam as relações sociais e, nesse sentido, o poder é

exercido por diversos meios e pelos diversos atores que se encontram envolvidos na

organização. Esse poder encontra suas raízes onde menos se deixa ver, num universo

de relações simbólicas que é produto e, ao mesmo tempo, reproduz o poder, reforçando

os interesses dominantes.

2.3. Análise do poder na perspectiva de Bourdieu

Bourdieu (1989) chama a atenção para as formas subjetivas de poder, que são

estruturantes e estruturadas socialmente, servindo como produtoras e reprodutoras das

desigualdades, distinções e hierarquias, bases das ideologias políticas de dominação, e

são instituídas e legitimadas socialmente, conhecidas ou denominadas pelo autor como

“sistemas simbólicos” (arte, religião, comunicação). Esses sistemas simbólicos servem

como legitimadores de uma cultura dominante. Sendo assim, os símbolos constituem a

integração social e estabelecem meios para o consenso acerca dos sentidos sociais sobre

o que é correto ou não, sobre o que é ético e, dessa forma, estruturam a ordem social e,

ao mesmo tempo, essas produções simbólicas instituem instrumentos de dominação

social.

Para o autor, o poder simbólico é construtor da realidade social, agrega sentido a

ela e é no campo social que Bourdieu busca salientar as relações de poder, propondo-se

37

a expor as formas de dominação das classes capitalistas que se encontram implícitas no

capital simbólico. Dessa forma, esse capital simbólico é constantemente reproduzido

pelas instituições e práticas sociais que viabilizam o exercício do poder. Sobre esse

poder o autor destaca que:

É necessário saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais

completamente ignorado e, portanto, reconhecido. O poder simbólico é, com

efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade

daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o

exercem. (1989, p.8)

Percebe-se, contudo, que o poder, de acordo com a abordagem do autor, precisa

ser legitimado pelo outro para que exerça suas características dominantes. Seguindo a

mesma lógica, Friedberg (1993) destaca que a ação política está sempre presente nas

relações humanas e que delas surgem relações de força que se regulam por meio de

negociações, nas quais a legitimidade se faz fundamental. Nesta mesma perspectiva,

Bernoux (1995) sinaliza para a questão da reciprocidade na relação de poder, em que o

poder se constitui de uma relação e não de um atributo, ou seja, depende da aceitação do

outro ou não, nesse caso a legitimidade também se faz necessária.

Sobre esse aspecto Weber (1999) destaca que a subsistência de toda a

dominação consiste na sua legitimação. Porém Bourdieu (1989) vai além da tradição

funcionalista quando consegue captar, a partir da análise estrutural, as formas de poder

que circulam no universo simbólico, destacando assim a língua, a comunicação, os

discursos, o comportamento e a cultura como estruturas estruturadas que refletem a

relação entre o objeto simbólico e seu sentido. Dessa forma, o autor deixa clara a

característica abrangente de sua análise.

Nessa mesma perspectiva podemos considerar o caráter cultural como

instrumento balizador das relações sociais e de poder, é preciso reconhecer que uma

transformação, ou seja, uma proposta de mudança tem sua eficácia ou não de acordo

com sua compatibilidade com a cultura organizacional de determinada instituição.

Nesse caso, os padrões culturais podem constituir ou não uma barreira às

transformações a que se almeje. Isso significa dizer que tratar de mudanças ou de sua

resistência requer mais do que uma simples constatação do fato, requer um

aprofundamento nas relações e subjetividades dos padrões culturais envolvidos.

Nesse mesmo raciocínio, Fischer (1996), tomando como foco de análise a

cultura e o poder nas organizações, ressalta como fundamental para a discussão e

38

apreensão da complexidade das organizações, tratar as relações existentes entre os

padrões culturais e as relações de poder que são determinantes de cada realidade.

Ao enfocar as esferas da cultura e do poder organizacional, não as concebo

como características independentes, mas, ao contrário, como padrões inter-

relacionados, que se influenciam mutuamente e guardam entre si práticas

pouco conhecidas, mas que são significativamente importantes para definir o

perfil de uma organização, penetrar em seu complexo universo e

compreender as causas de fenômenos aparentemente inexplicáveis.

(FISCHER,1996, p.66)

Essas observações são relevantes, pois demonstram o poder que os traços

culturais exercem como limitadores no processo de mudanças. Seguindo essa lógica,

Bourdieu (1989) enfatiza o sistema simbólico como um importante balizador nas

análises organizacionais com o qual se faz possível apreender o universo cultural de

uma organização e as peculiaridades que salientam o cerne dos conflitos que vão

distinguir uma organização da outra e ao mesmo tempo sinalizar novas construções de

superação ou regulação desses conflitos.

Em se tratando dos sistemas simbólicos, o autor chama a atenção para formas de

dominação e coloca o conhecimento e a comunicação como importantes instrumentos

de concretização desse poder, situando as formas de comunicação como relações de

poder, inevitavelmente. Para o autor, as relações de comunicação como relações de

poder exigem dos sujeitos e instituições a acomodação do poder simbólico e, assim, é

enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento

que os “sistemas simbólicos” cumprem a sua função política de instrumentos de

imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação

de uma classe sobre a outra (violência simbólica), acentuando as relações de força que a

fundamenta.

Para Bourdieu (1989), o conhecimento é reconhecido como forma de dominação

estruturada que fortalece uma luta ideológica e é nessa ideologia que o discurso

dominante se impõe como ordem natural, portanto mascarada das formas ajustadas

socialmente. Essas formas de imposição que objetivamente e subjetivamente se

conformam às estruturas mentais dos sujeitos inseridos socialmente escondem as reais

intenções políticas que se encontram substantivamente nas especificidades de cada

campo do saber, como o trabalho e suas leis, a religião, o campo político, jurídico. Ou

seja, os sistemas simbólicos ganham suas forças e as exprimem por meio das relações

de sentido. Sendo assim:

39

O poder simbólico como poder de construir o dado pela enunciação, de fazer

ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste

modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo, poder quase mágico que

permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou

econômica), graças ao efeito de mobilização, só se exerce se for reconhecido,

quer dizer, ignorado como arbitrário. (BOURDIEU, 1989, p.14).

Para o entendimento desse efeito ideológico é fundamental a existência de

universos onde as estruturas objetivas (coisas) sejam capazes de se reproduzir nas

estruturas subjetivas (mente). Dessa forma:

Este efeito ideológico, produz-lo a cultura dominante dissimulando a função

de divisão na função de comunicação: a cultura que une (intermediário de

comunicação) é também a cultura que separa ( instrumento de distinção) e

que legitima as distinções compelindo todas as culturas (designadas como

subculturas) a definirem-se pela sua distância em relação à cultura

dominante. (BOURDIEU, 1989, p. 10-11)

No quadro abaixo, Bourdieu (1989, p. 16) expõe esquematicamente os

instrumentos simbólicos que, de maneira dinâmica, circulam no mundo social

produzindo e reproduzindo as formas de poder.

Quadro 1: Instrumentos Simbólicos

Como

Estruturas estruturantes

Como

Estruturas estruturadas

Como

Instrumento de

dominação

Instrumentos de

conhecimento e de

construção do

mundo objetivo.

Meios de

comunicação

(língua ou culturas,

vs. Discursou

conduta).

Poder

Divisão do trabalho

(classes sociais)

Divisão do trabalho

ideológico

(manual/intelectual)

Função de

dominação.

Fonte: (BOURDIEU, 1989)

O quadro nos auxilia a compreender que o poder simbólico não atua como forma

de força ou obrigatoriedade, mas através de uma relação de aceitação, crença e crédito

40

entre os que exercem o poder e aqueles que se sujeitam a ele como legítima verdade e

justiça, internalizando e objetivando o poder simbólico e a violência que ele exerce. O

poder encontra suas fontes no campo social mais abrangente e, através das instituições

sociais, suas leis e regras se reproduzem e disseminam a cultura de dominação que

permeiam as relações de poder em nossas organizações. Abaixo, trazemos a

compreensão sobre poder, na ótica de Foucault (1988),numa perspectiva positiva do

poder na qual são consideradas as estratégias e técnicas do exercício do poder como

possibilidades de mudanças. Nessa perspectiva o poder é flutuante e também um

importante instrumento de luta.

2.4. Análise do poder na perspectiva de Foucault

Foucault (1988) desenvolve uma abordagem sobre o poder a partir de seu

aspecto relacional e localizado, ou seja, em campos de análises específicos e, assim,

rompe com a visão tradicional de poder. Foucault, assim como Bourdieu, também

considera a existência de uma estrutura silenciosa e camuflada do poder que preserva as

práticas, os discursos e o conhecimento que conduz à reprodução de uma “verdade” que

mantém o poder. A abordagem de Foucault traz sua grande contribuição quando se

propõe à análise de técnicas de exercício do poder, de suas possibilidades de resistência

e por considerar o lado positivo e produtivo do poder, superando a perspectiva

unicamente negativa que lhe era conferida.

Na perspectiva foucaultiana, o poder está envolvido na interação de um campo

de forças que também pode levar ao prazer, à produção do discurso. Ou seja, o poder

não é apenas visto como uma força que nega e que castra. Nesse sentido, o poder é

visto como um conjunto de estratégias e está sujeito a jogos de interações e de manobras

em meio a um conjunto de tensas relações, sendo exercido de forma flutuante e não uma

propriedade daquele que o detém. De acordo com o pensamento do autor, o poder é um

importante mecanismo de luta quando não concebido do ponto de vista unicamente

negativo. Assim, o poder se move no cotidiano e estabelece as relações de acordo com

as interações sociais e coligações em função de interesses. Daí a necessidade de discutir

o poder como relações de poder, considerando seu caráter interacional e flutuante.

Nesse sentido “O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é

simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele

41

permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso” (FOUCAULT,

1999, p.8).

O autor se coloca em relação à repressão como forma de poder ou conflitos de

poder, sinalizando que a repressão é uma forma inadequada para justificar os

mecanismos do poder e ressalta ainda que o poder exerce outras formas mais eficazes de

dominação. Foucault (1999) analisa o poder e sua ligação com a “verdade” numa

relação em que o poder extrapola os limites da repressão e da proibição. Nessa

perspectiva, o poder não se manifesta somente como forma de repressão, mas produz

“verdade”, e nela legitima seu domínio quando:

Há um combate "pela verdade" ou, ao menos, "em torno da verdade" −

entendendo−se, mais uma vez, que por verdade não quero dizer "o conjunto

das coisas verdadeiras a descobrir ou a fazer aceitar", mas o "conjunto das

regras segundo as quais se distingue o verdadeiro do falso e se atribui ao

verdadeiro efeitos específicos de poder"; entendendo−se também que não se

trata de um combate "em favor" da verdade, mas em torno do estatuto da

verdade e do papel econômico−político que ela desempenha. É preciso

pensar os problemas políticos dos intelectuais não em termos de

"ciência/ideologia", mas em termos de "verdade/poder". E então que a

questão da profissionalização do intelectual, da divisão entre trabalho manual

e intelectual, pode ser novamente colocada. (op cit., p. 11)

Nessa direção, o poder surge como força porque está baseado no discurso de

verdade, ou através do que se produz como verdade.

Vale salientar que também para Bourdieu o poder encontra suas bases de

sustentação nas relações sociais e na forma de exercer o conhecimento enquanto

verdade que reproduz sua ordem e, nesse sentido, a comunicação tem um importante

papel como reprodutor. Assim como Bourdieu, Foucault também reconhece a função

das instituições como reprodutoras de uma ordem vigente, de um discurso de verdade

que privilegia uma determinada classe social.

Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua "política geral" de verdade:

isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros;

os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados

verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas

e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o

estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro

(p.10).

É importante salientar que para Foucault (1999) o conhecimento gera poder a

partir da conscientização pelo sujeito e de sua habilidade para intervir nas relações. O

autor reconhece que o poder circula através da macroestrutura, como o Estado e suas

42

instituições, mas ressalta que o poder é circulante no mundo das relações cotidianas,

nas expressões silenciosas, ou seja, nas microestruturas. Mas, para exercer esse poder, o

indivíduo necessita, além de possuir determinados recursos, saber conduzi-los de acordo

com seus interesses. Isso significa que, mesmo diante de limitadores estruturalmente

estabelecidos socialmente, faz-se possível, através da interação dos sujeitos, construir

processos de mudanças. Nesse sentido, o autor esclarece que, para que seja possível o

exercício do poder através das ações, é necessário que haja liberdade. Isso significa que

a liberdade de agir dos indivíduos os liberta de relações de poder desumanas, de força

ou coação. Sendo assim, a liberdade é exercida como inerente às relações de poder, e

não contra elas. Na concepção foucaultiana, a verdade está diretamente ligada a um

sistema de poder e serve como instrumento reprodutor de dominação. O autor coloca

que o cerne da questão do poder, como ele se institui e se reproduz, ou seja, seu

problema político,consiste em saber se existe a possibilidade de construção de uma nova

política de verdade. Nesse caso:

Não se trata de libertar a verdade de todo sistema de poder − o que seria

quimérico na medida em que a própria verdade é poder − mas de desvincular

o poder da verdade das formas de hegemonia(sociais, econômicas, culturais)

no interior das quais ela funciona no momento. (FOUCAULT, 1999, p. 11)

O autor foca seus interesses nas análises do poder que possibilitam a

compreensão de seu funcionamento local, das estratégias de seu exercício e resistências,

situando seu campo de análise numa perspectiva mais localizada. Para Foucault (1999),

essas ações acontecem num campo estruturado objetivamente, porém deve-se perceber

que, apesar de toda a estrutura de dominação que se encontra disseminada no campo

social e que permeia a cultura organizacional, existe a possibilidade de resistência que

promove a liberdade dos sujeitos através de ações cotidianas e que essas ações são

também significativas e produzem mudanças. Isso significa que as influências exercidas

pelas macroestruturas e pela ordem social à qual os sujeitos tenham se submetido são

passíveis de mudanças através dos conhecimentos dos contextos vivenciados e das

estratégias utilizadas.

Tanto Foucault quanto Bourdieu produziram uma crítica aos modos vigentes de

análise organizacional quando consideram os aspectos políticos das relações de poder,

dos conflitos e trazem para um campo de discussão esses aspectos que são inerentes à

condição de construção cultural de uma organização. Ambos contribuem para a

43

superação de uma análise unilateral das organizações sociais na qual o poder não tinha

valor político. Bourdieu (1989) trouxe sua contribuição para a análise das relações de

poder considerando a importância de uma estrutura ampla de poder que se encontra

difundida no campo social através dos instrumentos simbólicos de poder. Já Foucault

(1988) não nega a importância dessas estruturas, mas foca suas análises no campo micro

de poder, em que as estratégias de exercício e de resistência do poder são também

consideradas como seus reguladores. O autor analisa o poder enquanto discursos de

verdade e as possíveis manifestações contrárias através das ações articuladas dos

sujeitos no cotidiano das relações de poder.

Na concepção desses autores, o poder é entendido não como algo

necessariamente negativo, isso significa analisar os aspectos que surgem das relações de

poder como construtoras de uma nova realidade. Bourdieu com uma concepção mais

abrangente sobre e estrutural do poder e Foucault com uma perspectiva analítica mais

voltada para a compreensão do exercício do poder localizado. Ambos divergem da

concepção de Weber (1999),que, em suas análises, considera o poder no seu sentido

repressivo e que se manifesta através dos sistemas de dominação estatais. É nesse ponto

que o autor minimiza as possibilidades de superação e de resistência das estruturas

dominantes do poder, embora também considere que haja necessidade de legitimação do

poder para seu exercício. É a partir das concepções teóricas sobre o poder a as relações

de poder, abordadas até aqui, e especialmente das contribuições de Foucault e Friedberg

que buscamos base para nossas análises. Abaixo trazemos uma análise da escola

enquanto organização política.

2.5. A escola como organização política

Diante das especificidades analíticas apresentadas nas concepções dos autores

sobre a análise do poder e das relações de poder no contexto organizacional, buscamos

através de suas contribuições, compreender o contexto da gestão educacional e dos

sistemas de ensino, focando na análise das relações de poder que envolvem tanto as

estruturas de poder mais amplas, a partir das políticas públicas, quanto a análise dos

instrumentos e mecanismos de produção, reprodução e resistência existentes nas

relações de poder que se configuram no ambiente organizacional. Considerando as

44

instituições educativas como instrumentos de exercício de poder e de reprodução da

ordem social vigente, compreendemos também a função desse espaço como

fundamental quando se utiliza das relações de poder para a transformação social. Dessa

forma, a escola é vista como um lócus de produção ou reprodução de uma economia

política.

A escola, enquanto organização social está inserida num contexto de processos

complexos e dinâmicos no qual uma diversidade de valores, concepções e interesses

externos e internos convivem e interagem numa teia de alianças e conflitos que se

manifestam nas relações de poder e, nesse sentido, seus atores são vistos como

políticos.

A valorização da escola enquanto organização implica na constituição de um

espaço com maior grau de autonomia e momentos que contemplem a participação dos

sujeitos. Nesse sentido a escola funciona como um espaço de interação e intervenção

social. Costa (1998) apresenta diversas imagens da escola: escola como empresa, escola

como burocracia, escola como democracia, escola como arena política, escola como

anarquia e escola como cultura. Juntas, essas imagens compõem o universo complexo

que a escola reflete, no entanto optamos por tratar a escola como arena política, pois

dimensões como poder, conflitos, negociações e interesses são fundamentais para a

compreensão do espaço escolar. Essa concepção traz uma superação no âmbito da

análise da escola enquanto organização. O autor aponta indicadores que caracterizam o

modelo organizacional escolar como modelo político. Nessa direção a escola é vista

como um sistema político em miniatura, cujo funcionamento corresponde aos interesses

políticos da macro estrutura social: seu espaço é composto por diversas racionalidades e

grupos com objetivos próprios e com diversas formas de influências e poderes que

circulam em diferentes níveis hierárquicos. A luta pelo poder e o conflito de interesses

fazem parte do cotidiano escolar, influenciando sua atividade; as decisões são baseadas

em negociações tendo em vista a diversidade de interesses e influências.

Nesse sentido, a escola vista a partir da abordagem organizacional baseada na

imagem da arena política, constitui-se em um campo de interesses (internos e externos),

conflitos e trocas que a configuram como espaço político de atuação. Sendo assim, a

análise da escola enquanto organização política implica, portanto, na necessidade de

uma dupla perspectiva de leitura: uma centrada em aspectos de incidência macro, ou

seja, voltada para o papel político e ideológico, que é desempenhado pelas diversas

organizações sociais, dentre as quais a escola exerce uma importante função com

45

imensa difusão da economia política; e outra, voltada para os aspectos da micropolítica

através do seu funcionamento interno em que circulam interesses, conflitos e

negociações resultadas das dinâmicas atuações dos sujeitos que diretamente fazem parte

desse processo.

No entanto compreendemos que se encontra no estudo das estratégias de

obtenção de poder, nas coligações dos sujeitos e nas estratégias de negociações o ponto

fundamental para a compreensão de sua dinâmica organizacional. O diferencial dessa

análise está na possibilidade de identificar, além de questões já sabidas por todos,

questões peculiares que só podem ser vistas, especificamente, a partir da compreensão

micropolítica dos sistemas escolares. Nessa mesma perspectiva, Costa (1998, p.78)

afirma que:

A análise micropolítica surge, portanto, como a perspectiva metodológica

mais adequada aos estudos das organizações entendidas como arenas

políticas, ou seja, como organizações no interior das quais a tomada de

decisões decorre de acordo com processos de confrontação e negociação

tendo por base os interesses conflitantes e as estratégias de poder

desencadeadas pelos diversos grupos (formalmente existentes ou

pontualmente coligados).

Esse tipo de análise tende a superar as concepções de escola baseadas no modelo

burocrático ou linear de organização, valorizando os indivíduos, primordialmente.

De acordo com diversos autores, a escola dispõe de características específicas

que a colocam como arena política, considerando o fato de ser um ambiente de difícil

articulação devido aos diversos interesses de diversos sujeitos em níveis hierárquicos

diferenciados e seu caráter de conflitos, de luta pelo poder, pela tomada de decisões e,

principalmente, pela colisão que, na maioria das vezes, se estabelece entre os

regulamentos e as exigências formais exercidos pelos gestores escolares e as aspirações

de maior liberdade e autonomia dos demais profissionais.

Para Costa (1999), todos esses fatores fazem da organização escolar um espaço

inevitavelmente conflituoso e de disputa, onde o poder assume um lugar central. É nesse

sentido que salientamos a gestão escolar como importante interventora nas relações de

poder, pois a partir dos processos de gestão, especialmente pelo seu caráter político e

pelas formas legítimas de poder, que se manifestam com mais ênfase os embates,

disputas e coligações que resultam em negociações favoráveis ou não aos vários grupos

de sujeitos envolvidos nesse processo.

46

Contudo vai depender dos processos de negociação entre os grupos, já que

todos, em maior ou menor intensidade, detêm parcelas de poder que lhes são atribuídas

a partir da especificidade de suas funções e que servem como bens de troca. Dessa

forma, o sucesso ou fracasso nos resultados dessas negociações dependem de como se

dão essas trocas, através da distribuição de poderes. Assim o poder circula entre os

sujeitos, mas não de forma igualitária, e, nesse sentido, a gestão democrática da escola

exerce uma função importante na garantia da redistribuição dos poderes e da

participação política de todos os segmentos da escola, possibilitando a construção

coletiva na tomada de decisões e na constituição de regras e procedimentos que possam

contemplar uma totalidade e não apenas pequenos grupos detentores de poder.

Dessa forma, segundo Dourado (apud MARQUES,p.92),

a gestão democrática é entendida como processo de aprendizado e de luta

política que não se circunscreve aos limites da prática educativa, mas

vislumbra, nas especificidades dessa prática social e de sua relativa

autonomia, a possibilidade de criação de canais de efetiva participação e de

aprendizado do ‘jogo’ democrático e, consequentemente, do repensar de

estruturas de poder autoritário que permeiam as relações sociais e, no seio

dessas, as práticas educativas.

Usualmente, podemos observar processos de gestão baseados numa concepção

que deriva de um paradigma positivista, no qual as relações de poder são tidas de

formas verticalizadas, gerando, com isso, uma postura de dominação nas relações que se

estabelecem entre os membros envolvidos. Essas relações são baseadas numa

concepção funcionalista, em que os objetivos dos processos pedagógicos, como a

construção de práticas e relações emancipatórias que fundamentam a finalidade

educativa, são minimizados e até ignorados.

Assim, em contraposição à concepção racional-positivista, a nova concepção de

educação compreende o homem como ser histórico e social que, apesar de inserido em

seu contexto cultural, econômico e social, é também responsável e consciente do seu

poder transformador através das ações coletivas. Nessa perspectiva, os processos são

desenvolvidos a partir de uma concepção crítica e dialética, de acordo com Bordignon e

Gracindo (2002, p.151-152):

O poder não se situa em níveis hierárquicos, mas nas diferentes esferas de

responsabilidade, garantindo relações interpessoais entre sujeitos iguais e ao

mesmo tempo diferentes. Essa diferença dos sujeitos, no entanto, não

47

significa que um seja mais do que o outro, pior, ou melhor, mais ou menos

importante, nem concebe espaços para a dominação e a subserviência, pois

essas são atitudes que negam radicalmente a cidadania. As relações de poder

não se realizam na particularidade, mas na intersubjetividade da comunicação

entre atores sociais. Nesse sentido, o poder decisório necessita ser

desenvolvido com base em colegiados consultivos e deliberativos.

Entendemos que a concretização da democracia no ambiente escolar ou nas

instituições de gestão educacional encontra-se vinculada ao compartilhamento do poder

e das decisões por todos os interessados e envolvidos no processo, decisões que

necessitam de discussões e consentimentos de maneira consciente e responsável.

Sendo assim, podemos considerar que a democratização da gestão escolar se

traduz em maiores possibilidades de compartilhamento do poder e, com isso, ampliam-

se as possibilidades de uma prática mais justa e transformadora. Nessa direção e

levando em consideração os estudos apresentados, no próximo capítulo, nos propomos a

delimitar os caminhos e procedimentos metodológicos que utilizamos para análise do

nosso objeto de estudo.

48

CAPÍTULO 3. DELIMITANDO O CAMINHO METODOLÓGICO DA

PESQUISA

Quando analisamos os processos que ocorrem em uma organização educacional,

percebendo-os em sua complexidade e dinâmica, observamos a existência de uma

diversidade de características de padrões e modelos analíticos diferenciados. Essa

constatação parte do pressuposto de que vários elementos que constituem a cultura em

seus mais variados aspectos sociais e políticos perpassam as práticas desenvolvidas

nesses espaços. Nesse sentido, buscamos analisar na presente pesquisa, os processos

democratizantes estabelecidos legalmente, principalmente a partir da nova LDBEN (Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).

É a partir das novas demandas políticas de democratização da educação que as

escolas de todo o país sofrem um processo de resignificações de suas práticas e, a partir

de então, novas relações de poder se estabelecem no âmbito escolar. Nessa perspectiva,

procuramos compreender como esses processos de mudança vêm se estabelecendo no

interior da gestão do sistema de ensino do município de Abreu e Lima - PE1.

Levamos em consideração, neste estudo, as relações de poder e os valores

culturais não só políticos, como também os valores cívicos que se reproduzem no

ambiente escolar e sustentam as práticas vividas neste espaço. Para Santos (2009, p.15):

É importante observar que a instituição educacional ocidental moderna está

pautada pelo seu respectivo imaginário social: a impessoalidade

(burocratização e lei). Ou seja, as normas, as hierarquias e as leis são

respeitadas/reconhecidas pela noção de igualdade. Consequentemente, a

formalidade é o que prevalece.

Considerando como modelo burocrático, o antigo modelo de gestão e por

modelo democrático o novo modelo instituído, tentamos apreender a superação das

antigas práticas através da implantação da gestão democrática baseada na

descentralização. Caracterizamos o antigo modelo burocrático como modelo

centralizador. Compreendendo a importância dos complexos aspectos culturais e

organizacionais existentes nas instituições e considerando como o extrato central da

cultura brasileira o patrimonialismo e o patriarcalismo, nos questionamos:

1O município de Abreu e Lima apresenta recente emancipação política, um perfil político conservador, e,

até o ano de 2009, apresentava grande parte do quadro de funcionários e professores da Seduc, em

regime de contratos temporários. Esses aspectos foram fundamentais para escolha do município em

questão.

49

Como construir uma postura democratizante e autônoma, correspondente às

novas aberturas políticas, especialmente em um município com recente

emancipação política, marcado por práticas patrimonialistas e clientelistas,

quando o que temos refletido em nossas ações são as amarras de uma sociedade

patrimonialista e autoritária?

Sendo a cultura brasileira pautada em características de mandonismo,

clientelismo e submissão, como a instituição da democratização poderia ganhar

força e fazer valer os princípios da autonomia escolar?

Se os pressupostos legais de gestão democrática são, desde já, considerados

como mecanismos de transformações, as organizações como dinâmicas, as

relações de poder e a própria cultura também consideradas variantes, quais

aspectos de mudanças podemos ou não encontrar através da cultura

organizacional com seus ritos e valores expressos no ambiente escolar?

Para responder a tais indagações, adotamos em nossa pesquisa uma abordagem

qualitativa, por ser esta uma abordagem que facilita a compreensão de um fenômeno

social, tendo em vista a natureza do objeto de estudo. A pesquisa qualitativa envolve

características que permitem que a realidade social seja vista como construção e

atribuição social de significados, enfatizando o caráter processual e reflexivo onde as

condições de vida tornam-se relevantes através de seus significados subjetivos, além de

tomar o caráter comunicativo da realidade social como ponto de partida no refazer do

processo de construção das realidades (GUNTHER, 2006).

Bodgan e Biklen (1991) ressaltam que:

Desde há um século, a expressão “investigação qualitativa” não foi utilizada

nas ciências sociais até o final dos anos sessenta. Utilizamos a expressão

investigação qualitativa como um termo genérico que agrupa diversas

estratégias de investigação que partilham determinadas características. Os

dados recolhidos são designados por qualitativos, o que significa ricos em

pormenores descritivos relativamente a pessoas, locais e conversas, e de

complexo tratamento estatístico (p.16).

Nesse sentido, os aspectos de uma pesquisa qualitativa caracterizam-se pelo

cunho exploratório que permite ao pesquisador esmiuçar o ambiente social em busca de

respostas aos questionamentos postos. A escolha dessa perspectiva analítica exige que o

pesquisador encare a realidade como um fator peculiar dentro de uma totalidade. Isso

50

significa ter o cuidado de não atomizar a realidade porque cada contexto traz em si suas

variáveis que o torna único.

Ainda dentro da mesma perspectiva adotada, faz-se necessário captar os fatores

estruturais da realidade vivida, assim como também não se deve deixar de valorizar a

base material do universo simbólico, pois esta nos possibilita um leque de métodos de

apreensão da realidade.

Assim a presente análise nos possibilita uma abordagem interpretativa crítica,

em que verificamos o âmbito “macrossocial” a partir do estudo das estruturas políticas

nacionais e municipais, e “microssociais” quando partimos para a análise das relações

de poder no interior das organizações. Dessa forma, a gestão democrática passa a ser

entendida como um aspecto das demandas políticas inserida numa totalidade das

relações que perpassam o seu conceito e se expressam na cultura e práticas vividas.

Logo acreditamos que, apesar de instituída legalmente, para que a gestão democrática

na escola seja desenvolvida, será necessária uma mudança em nível cultural, ou seja,

uma mudança de valores e concepções que resultam na ressignificação das relações de

poder e nas práticas que são desenvolvidas nesse espaço, tendo em vista a natureza

autoritária e centralizadora da cultura nacional.

Nesse sentido, tomamos como relevante a compreensão do papel da gestão

educacional e suas relações com as instituições escolares, exigindo-se, para isso, o

desenvolvimento de uma visão das práticas vivenciadas nessas instituições. Para tanto,

utilizamos como base do nosso processo de investigação o estudo de caso no Sistema de

Gestão Educacional do Município de Abreu e Lima e, como forma complementar de

apreensão da realidade empírica, a observação participante.

3.1. O estudo de caso

Por possibilitar uma análise social em um contexto específico ou delimitado, o

estudo de caso nos permite a caracterização mais ampla de um sistema específico de

gestão educacional, captando as particularidades que o difere do todo, ou seja, uma

análise multidirecionada de uma unidade em um contexto mais amplo, priorizando no

caso o que existe de único, de particular, mesmo que existam singularidades com outros

casos (ANDRÉ, 1986).

Ainda de acordo com a autora, o estudo de caso traz características que se

sobressaem às características da pesquisa qualitativa, já mencionadas anteriormente,

51

dentre as quais destacamos: a importância da descoberta de fatos novos ou de

particularidades do caso; a interpretação do contexto mais amplo ao qual o caso esteja

situado; a apreensão da realidade de forma profunda, ou seja, revelando a multiplicidade

das dimensões inseridas no contexto, inter-relacionando seus componentes. Além disso,

o estudo de caso permite uma variedade de fontes de informações e apresentação desses

dados.

Os dados coletados foram analisados à luz dos princípios da Análise de

Conteúdo que segundo Bardin (1997) se utiliza de um leque de técnicas para

tratamentos das diversas informações coletadas, tal qual apresentamos abaixo.

3.2. O processo de coleta dos dados

Entendemos como dados os materiais recolhidos que servem de elementos base

de análise de estudo, eles são substanciais para a compreensão e delimitação do estudo.

Para Bogdan e Biklen:

Os dados também incluem materiais que os investigadores registram

ativamente, tais como transcrições de entrevistas e notas de campo referentes

a observação participante. Os dados também incluem aquilo que os outros

criaram e que o investigador encontra, tal como diários, fotografias,

documentos oficiais e artigos de jornais. (1991, p. 149)

Dentro dessa lógica, o estudo do caso nos permite diversas formas de coleta de

dados, o que possibilita ao pesquisador uma análise multidimensional do objeto de

estudo. Nessa direção, com o objetivo de uma maior aproximação às possíveis respostas

ao nosso problema de pesquisa, organizamos o estudo em três etapas.

Primeiramente,recorremos à coleta de dados através da pesquisa documental. Essa

etapa da pesquisa, que envolve tanto o contexto educacional mais amplo quanto o

contexto municipal de educação, corresponde a uma abordagem “macrossocial”, que

foi pautada na análise da LDBEN (1996), da Constituição Federal (1988) e do Estatuto

do Magistério Municipal de Abreu e Lima (2008), por este representar um suporte legal

que orienta a prática dos educadores no município, além de documentos que expressam

as ações na Secretaria Municipal de Educação. Nesse processo, constatamos que o

município não dispõe de um Plano Municipal de Educação.

52

Analisamos também documentos que caracterizam a instituição de um sindicato

de classe, bem como alguns outros documentos relacionados e que são importantes para

compreender não só as ações políticas desenvolvidas no município como também as

relações de poder que se configuraram durante o processo de instauração sindical.

Nessa direção, a análise dos documentos foi estruturada a partir dos seguintes eixos:

Quais princípios e diretrizes legais orientam a gestão democrática;

Quais princípios e diretrizes orientam a prática docente no município;

Que tipos de ações a secretaria de educação exerce;

Qual é a relação dessa organização com as escolas;

Qual é a relação da Seduc com os docentes da rede.

Num segundo momento, fizemos uso da observação participante. Nessa etapa

o pesquisador mergulha no mundo dos sujeitos observados mantendo uma relação mais

próxima que facilita a obtenção das mais variadas informações, comportamentos e

situações, rompendo os limites existentes quando se utiliza apenas uma técnica, por

exemplo (MINAYO, 2000). Dessa forma, viabiliza-se uma compreensão mais completa

do objeto em estudo.

Dentro dessa perspectiva, foi preciso uma conexão mais direta com o campo de

estudo onde pudemos observar e interagir melhor com os sujeitos através da nossa

participação ativa durante visitas frequentes à Seduc de Abreu e Lima e também em

uma das 32 escolas da Rede. Selecionamos como espaço complementar de observação

uma escola que funciona no mesmo prédio da Seduc. Tomamos como um dos aspectos

relevantes para a escolha dessa escola, não só o fato dela funcionar no mesmo prédio

que a Secretaria de Educação, mas também por ser considerada uma escola de boa

qualidade entre muitos moradores do município. Ao mesmo tempo, a escola apresenta

alto nível de conflitos entre a sua gestão, a gestão municipal e seus docentes.

Realizamos observações no ambiente em estudo, captando as falas das pessoas que

estão direta e indiretamente envolvidas no processo de gestão educacional. Participamos

de duas assembleias no Sindicato dos Servidores Gerais e de uma Assembleia do

Sindicato dos Professores que representou o início das atividades desse sindicato. Dessa

forma, uma série de fatores de grande relevância e que não podem ser registrados

apenas com questões ou documentos quantitativos vão aos poucos sendo observados a

53

partir da própria realidade em análise. Nessa perspectiva, Minayo (2000, p. 137)

apresenta as atitudes de um observador em seu campo de pesquisa:

Em outras palavras, é preciso observar o aspecto legal e o aspecto íntimo das

relações sociais; ao lado das tradições e costumes, o tom e a importância que

lhe são atribuídos; as ideias, os motivos e os sentimentos do grupo na

compreensão da totalidade de sua vida, verbalizado por eles próprios, através

de suas categorias de pensamento.

Num terceiro momento, a que chamamos de abordagem “microssocial”

registramos as relações interpessoais entre os membros da comunidade escolar e do

sistema de gestão educacional (Seduc). Devido a um processo de instauração de um

sindicato de categoria e da relevante repercussão que esse processo ganhou, buscamos

também nos espaços de participação como assembleias e grupos de discussão (pequenas

reuniões informais de professores), compreender as relações de poder que se

configuravam a partir de então.

Ao lado da observação participante destacamos a entrevista como instrumento

indispensável no processo de coleta de dados. Segundo Minayo:

O que torna a entrevista instrumento privilegiado de coleta de informações

para as ciências sociais é a possibilidade de a fala ser reveladora de condições

estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos (sendo ela mesma um

deles) e ao mesmo tempo ter a magia de transmitir, através de um porta-voz,

as representações de grupos determinados, em condições históricas, sócio-

econômicas e culturais específicas. (2000, p.109)

Seguindo esse raciocínio, realizamos entrevistas estruturadas e semi-

estruturadas, com o envolvimento de seis professores, três diretoras de escolas, a

presidenta do sindicato dos professores (recém instituído) e o então secretário de

educação do município. Dentre as gestoras entrevistadas, selecionamos uma concursada

e duas contratadas temporariamente. Fizemos uso de gravador para registrar as falas e

também de registros manuscritos. Utilizamos para identificação das falas dos sujeitos a

letra P para professores, G para gestores escolares, PS para a presidenta do Sindicato

dos Professores e GM para Gestor Municipal. Das gestoras entrevistadas apenas G3 faz

parte do quadro efetivo (concursada) e possui graduação em Pedagogia. G1 e G4 não

têm formação para exercer o cargo e relatam ser estudantes do curso de Pedagogia; já o

Gestor Municipal de Educação possui formação em Administração de Empresas e antes

de ser Secretário de Educação atuava em outra secretaria do município.

54

Durante o processo de observação no campo registramos falas de mães de alunos

e de funcionários que integravam o quadro técnico da Secretaria de Educação e da

escola selecionada. Esses registros foram importantes para apreendermos as mais

variadas racionalidades que circulam o ambiente escolar.

Definimos como temas centrais para a estruturação do roteiro de entrevistas as

concepções dos sujeitos referentes à gestão democrática, autonomia, participação,

movimentos sindicais e sobre como os atores caracterizam o modelo de gestão

desenvolvido pela Seduc. Para tanto foram analisados os aspectos culturais que são

expressos pelos atores através de suas falas, ações, ritos e crenças com o intuito de

captar e interpretar, de acordo com a abordagem do estudo, o nível cultural e político

desenvolvido na organização, levando em consideração o universo conceitual dos

sujeitos a partir das categorias analíticas aqui desenvolvidas. Dentro dessa lógica,

apontamos os aspectos abaixo como norteadores da nossa coleta de dados.

Que ações têm sido planejadas e executadas pela gestão educacional com vistas

à concretização da democratização da gestão escolar?

Qual tem sido o resultado das ações desenvolvidas pela SEDUC Abreu e Lima

no tocante à democratização da gestão escolar?

Como têm sido interpretadas essas ações pela escola pública sob a ótica de

gestores escolares?

Qual é a concepção de democracia exposta pelos sujeitos inseridos nesse

processo?

As práticas “democráticas” estão condizentes com o discurso exposto?

Quais significações culturais vêm orientando as práticas de gestão educacional?

A partir dos primeiros momentos de observação e entrevistas, percebemos que

questões relacionadas ao envolvimento dos sujeitos em movimentos sindicais ganharam

relevância devido à repercussão do assunto entre os docentes. Dessa forma, ganharam

destaque os aspectos relacionados ao desenvolvimento participativo através dos

movimentos sindicais por compreendermos sua relevância no processo de

reconstrução/desconstrução da cultura política na realidade analisada. Buscamos, em

meio aos dados colhidos e suas análises, compreender as formas de gestão da Secretaria

de Educação de Abreu e Lima em suas dimensões técnicas e políticas; captar o nível de

desenvolvimento democrático estabelecido e suas relações com as escolas da rede, pois

55

acreditamos que a partir da democracia participativa encontramos a abertura que

permite o desenvolvimento da cidadania ativa e, consequentemente, uma possibilidade

de ruptura com as práticas centralizadoras de autoritárias de gestão.

Adotamos uma perspectiva analítica que nos conduz à interpretação crítica da

organização em estudo e, a partir daí, focamos no modelo político com ênfase nas

relações de poder. Acreditamos que esse tipo de análise nos possibilita a compreensão

das formas de agir dos atores, seus ritos e concepções e de como essas formas se

identificam com o modelo democrático de gestão. Essa aproximação, por sua vez,

viabiliza a apreensão dos aspectos singulares do contexto em análise e a interpretação

de possibilidades para superação de um modelo burocrático de gestão que possa tornar

mais justas as relações que se estabelecem no âmbito organizacional.

Durante todo o processo da pesquisa, o uso das notas de campo foi de

fundamental importância para nossas observações. Apresentaremos a seguir o relato

extraído a partir a pesquisa exploratória na qual pudemos compreender melhor os

aspectos ligados ao contexto mais amplo do município em estudo e, nele, os limites e

perspectivas da gestão democrática a partir do desenvolvimento da cultura política.

3.3. Características políticas do município de Abreu e Lima

A análise expressa aqui reflete também nossas interpretações sobre os aspectos

políticos que nos ajudam a compreender os fatores culturais para uma melhor

articulação do estudo e, nesse sentido, se faz necessário caracterizar o contexto

histórico, político e social do município em foco.

Abreu e Lima foi desmembrado do município do Paulista em 14 de maio de

1982por voto popular em plebiscito, atualmente com 31 anos de emancipação política.

Com uma população de aproximadamente 94.429 habitantes, o município conta com

mais de 78% da população acima da linha da pobreza. A estimativa que representa as

pessoas abaixo da linha da pobreza é atribuída por renda per capta de até R$ 140,00

(cento e quarenta reais) por pessoa e de R$ 70,00 (setenta reais) para pessoa abaixo da

linha de indigência, conforme gráfico abaixo:

56

Gráfico01- Proporção de Pessoas Abaixo da Linha da Pobreza

Fonte: Censo Demográfico- 2010

Uma característica marcante do município diz respeito ao fato de que a cidade é

conhecida como “cidade dos evangélicos”. Dados do IBGE mostram que a cidade é

uma das mais habitadas por seguidores de algumas das denominações dessa religião.

Esse município sempre apresentou um perfil político marcado pelo conservadorismo,

com relações baseadas no clientelismo, arbitrariedade e abuso de poder. Segundo relatos

de funcionários mais antigos da Seduc, as relações que se estabeleciam nas instituições

eram sempre pautadas pelo medo do prefeito da cidade (Jerônimo Gadelha1996 -

2004),que agia em muitas situações com autoritarismo. Alguns moradores comentam

também que o representante da antiga gestão do município mantinha uma relação de

pequenos favores com muitos moradores. De 2005 a 2012 a cidade teve como chefe da

administração o prefeito Flávio Gadelha, sobrinho do antigo prefeito (Jerônimo

Gadelha), atuando em seu segundo mandato, o que denota, a nosso ver, a manutenção

do poder e explicita a cultura patrimonialista.

Em abril de 2012, o Tribunal de Contas do Estado, apontando irregularidades

nas prestações de contas, sugeriu que a Câmara Municipal de Abreu e Lima analisasse a

lisura das contas do ex-prefeito da cidade, Jerônimo Gadelha, durante o período em que

administrou a cidade. De acordo com Jamildo Melo, editor de um blog que expõe a

situação política da cidade, dos dez parlamentares que existiam na Câmara até 2012,

nove eram da base aliada do então prefeito Flávio Gadelha (sobrinho do ex-prefeito

0,00%

10,00%

20,00%

30,00%

40,00%

50,00%

60,00%

70,00%

80,00%

2010

Acima da Linha da Pobreza

Entre a linha da Indigência e Pobreza

Abaixo da Linha da Indigência

57

acusado). Sendo assim, pela lógica, os parlamentares teriam que reprovar as contas em

questão. Ainda de acordo com Melo (2012), o problema ocorrido se deu porque,

naquele momento, na relação dos envolvidos na série de irregularidades apontadas pelo

TCE, apareciam os nomes ligados a integrantes da gestão do então prefeito da cidade.

Logo em seguida,um vereador que representava a oposição na Câmara protocolou junto

ao Ministério Público uma representação judicial contra a Câmara Municipal, acusando-

a de irregularidades quanto à criação de funções temporárias, conforme veremos com

maiores detalhes no capítulo seguinte.

Nas eleições para prefeito e vereadores que aconteceu em outubro de 2012 foi

eleito o Pastor evangélico Marcos José da Silva (PT). O candidato eleito tinha como

aliado político em sua campanha eleitoral, o então prefeito Flávio Gadelha que, na

ocasião, estava concluindo seu segundo mandato e não poderia concorrer. Dessa forma,

percebe-se claramente a existência de uma manutenção de poder que caracteriza a

gestão desse município.

3.4. Secretaria de educação de Abreu e Lima

A Secretaria de Educação de Abreu e Lima faz parte da estrutura administrativa

do poder municipal e representa um lócus de poder de grande relevância para as escolas

da rede. Afirmamos isso porque durante as nossas observações pudemos perceber uma

significativa dependência das escolas em relação aos ordenamentos da Seduc, o que nos

leva a perceber um enfraquecimento da autonomia das gestoras escolares do município,

visto que, conforme apresentaremos com mais detalhes no capítulo seguinte, as

diretoras não costumam agir fora dos controles desse órgão e até as decisões mais

peculiares à escola, como por exemplo, a liberação de um grupo de estudantes para uma

aula de campo, necessite ser solicitada à Seduc. Esse aspecto,a nosso ver, não significa

que a escola esteja, em todas as suas dimensões, amarrada a esse órgão, mas as próprias

pessoas que fazem a escola assim estão, ou seja,trata-se de um imaginário instituído que

permeia culturalmente as práticas no cotidiano escolar.

Até o final de 2012, na administração de Flávio Gadelha, a equipe técnico-

pedagógica era completamente formada por funcionários contratados e, nesse aspecto, a

administração pública local descumpria o que determina o Estatuto do Magistério

quando garante essas funções aos professores efetivos, conforme veremos mais

detalhadamente em nossa análise. A partir de 2013, com a chegada do novo prefeito

58

eleito da cidade, aconteceu uma modificação na equipe técnico-pedagógica da secretaria

de educação, que foi reorganizada, de acordo com relato de uma professora que passa a

integrar essa equipe, por critérios de afinidade com o prefeito eleito, Marcos Silva. De

acordo com o relato da referida professora, na nova equipe, tiveram oportunidade de

ingresso aquelas professoras que ajudaram na campanha eleitoral do atual prefeito.

O município de Abreu e Lima conta atualmente com 32 escolas da rede

municipal que contemplam educação infantil e ensino fundamental (séries iniciais).

Com um total de aproximadamente 5.300 (cinco mil e trezentos) alunos, 239

professores concursados, 140 professores em regime de contrato temporário, 28

gestores, também contratados em regime temporário. Vale lembrar que das 32 escolas

que compõem a rede municipal, 28delas são geridas por profissionais em regime de

contrato temporário, ou seja, apenas 4 gestoras da totalidade de 32, fazem parte do

quadro efetivo (concursadas) no município.

Não consta no município um Plano Municipal de Educação, mas, segundo o

gestor municipal de educação, a prefeitura acabava de fechar contrato para aquisição de

um sistema CPqD de Gestão Pública para a Educação. Trata-se de uma tecnologia que

dispõe de recursos de suporte para aquisição de informações mais precisas sobre a

realidade local, como cadastro de alunos, notas, frequências, número de professores,

entre outras informações que podem ser controladas e quantificadas. De acordo com

dados do INEP, Abreu e Lima atingiu nota de 3,6,abaixo da meta que era de 4.0 para o

IDEB no ano de 2012. Trazemos essas informações para ampliar nosso conhecimento

sobre o contexto em que funciona o sistema educacional do município. No próximo

capítulo tratamos sobre os dados coletados e resultados de nossa investigação através

das técnicas utilizadas para a apreensão do nosso objeto de pesquisa.

59

CAPÍTULO 4. A ESTRUTURA EDUCACIONAL DE ABREU E LIMA: entre a

tradição centralizadora e a perspectiva democrática.

No presente estudo, selecionamos para análise a Secretaria de Educação do

Município de Abreu e Lima, onde pudemos observar as ações desenvolvidas no

processo de gestão. Analisamos as relações que se estabelecem entre a Secretaria de

Educação e as escolas da rede; entre suas respectivas gestoras e os demais profissionais

envolvidos nesse processo (funcionários da Seduc e professores).Abordamos as

relações de poder que se estabelecem entre a gestão educacional do município e os

professores da rede, pela relevância dessa relação para a compreensão do nosso objeto

de estudo.

A partir dos dados coletados, buscamos compreender e analisar o atual modelo

de gestão que se desenvolve nesse município a partir das práticas vivenciadas e

confrontá-las com os atuais pressupostos de gestão democrática da educação. Trazemos

como foco de nossas análises o cruzamento de dados e informações extraídas de

documentos regulatórios, entre outros, que serão apresentados adiante e das nossas

observações no campo de estudo, além das falas dos sujeitos referentes aos seguintes

aspectos: gestão democrática- concepções e perspectivas; atual conformação das ideias

sobre gestão - concepção dos sujeitos e; perspectivas de democratização da gestão

municipal de educação.

No intuito de compreender a cultura política que permeia as ações da Secretaria

de Educação, em princípio selecionamos documentos norteadores das suas práticas, são

eles: o Estatuto do Magistério do Município de Abreu e Lima, Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional, Constituição Federal, além de documentos que correspondem à

constituição de um Sindicato de Professores e outros que representam embates políticos

e relações de poder que se estabeleceram entre o SISMAL (Sindicato dos Servidores

Municipais), o SIMPROFAL2 (Sindicato dos professores de Abreu e Lima) e a

Secretaria de Educação, representante da Administração Municipal, após a criação dessa

nova representação política. Tais documentos caracterizam a institucionalização do

2 O SIMPROFAL foi criado em 2011 e representa a categoria do magistério no município que até então

não tinha um sindicato de classe. Mas o processo de formação desse sindicato foi bastante complexo e até

o momento não atua formalmente. Embora a tramitação legal tenha sido iniciada junto aos órgãos

competentes, o SIMPROFAL aguarda carta sindical para efetivar sua prática enquanto sindicato.

60

processo de democratização da gestão na área educacional nesse município, a partir da

implementação da LDBEN 9394/96.

4.1. Gestão democrática: concepções e perspectivas

Conforme já abordamos, a gestão democrática surge no Brasil com mais força a

partir das demandas políticas de democratização dos anos 80, materializadas na

Constituição Federal de 1988 que, em seu artigo 206, inciso VI, concebe a “gestão

democrática” como um dos princípios do ensino público em nosso país:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte

e o saber;

III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de

instituições públicas e privadas de ensino;

IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma

da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público

de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 53, de 2006)

VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

VII - garantia de padrão de qualidade.

VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação

escolar pública, nos termos de lei federal. (Incluído pela Emenda

Constitucional nº 53, de 2006) (BRASIL, 1988).

Nessa perspectiva, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL,

1996) reafirma os mesmos princípios quando trata, em seu Art 14,da gestão

democrática:

Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino

público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme

os seguintes princípios:

I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto

pedagógico da escola;

II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou

equivalentes.

Esses trechos dos documentos regulatórios indicam claramente que as escolas

passam a ter mais autonomia nos processos de gestão. É um momento em que se abrem

as possibilidades de participação da comunidade escolar nos processos de tomada de

decisões. No entanto, no contexto atual, ainda nos deparamos com práticas

centralizadoras de gestão, o que nos leva à compreensão de que a construção da

61

democracia na educação não depende somente de leis estabelecidas. Para que a

construção de uma gestão democrática aconteça efetivamente, é preciso que os atores

envolvidos nesse processo tomem a consciência do poder, da responsabilidade e da

necessidade que têm de dialogar coletivamente com os problemas que surgem. É a partir

desse processo coletivo que se propicia a riqueza de ideias e se desenvolve uma

cidadania democrática. Sendo assim entendemos que:

A gestão democrática, participação dos profissionais e da comunidade

escolar, elaboração do projeto pedagógico da escola, autonomia pedagógica e

administrativa são, portanto, os elementos fundamentais na construção da

gestão da escola. (FERREIRA, 2008, p.306)

Nesse sentido, as políticas descentralizadoras podem favorecer uma maior

autonomia na educação, mas consideramos importante compreender as racionalidades

envolvidas nas ações desenvolvidas no âmbito da gestão. Nessa direção, em nossa

análise, levamos em consideração a importância de se compreender quais são as

concepções dos gestores e professores, referentes à gestão democrática.

Atual conformação das ideias sobre gestão: concepção dos sujeitos

Dentre os resultados coletados através de entrevistas, encontramos alguns dados

que denotam as concepções dos sujeitos a respeito da gestão democrática. A análise

aqui apresentada revela as percepções dos entrevistados entre a clareza conceitual e a

dificuldade de expressão, que aponta certa percepção conservadora, conforme o

que se segue.

Ai, ai... Gestão democrática é uma gestão participativa, em que envolve todos

os profissionais da escola, inclusive aqueles que eu vejo que não estão

diretamente ligados ao fator ensino-aprendizado. Tem que tá todo mundo

junto com o mesmo objetivo, se não a coisa não funciona. Merendeira,

auxiliar de serviços gerais, porteiro, vigia, todos devem estar empenhados

nesse processo. (P3)

Eu acho que a gestão democrática não funciona muito mas eu acho que

deveria existir, deveria ser mais atuante. A gente sente um pouco essa falta da

democracia. (P1)

Os extratos permitem ver que P3 demonstra mais clareza ao expressar qual a sua

concepção sobre o assunto, enquanto P1 demonstra maior dificuldade em expressar o

62

que pensa sobre a gestão democrática, o que evidencia sua percepção restrita na medida

em que, na ocasião, a professora acaba falando sua opinião sobre a efetivação da gestão

democrática, deixando claro que não funciona muito nos contextos vivenciados por ela,

mas não esclarece o que entende por gestão democrática.

Já os gestores escolares demonstram maior reverência aos processos

participativos:

Gestão democrática é uma gestão participativa, onde as pessoas participam,

os pais participam, os professores, a comunidade; que quando eles dão uma

opinião boa, então eles estão participando de uma gestão participativa.(G1)

Uma gestão que não é democrática, ela é muito centrada numa figura só, em

uma escola, no caso, o diretor. Uma gestão democrática, eu acho que é isso,

todos os setores da escola contribuírem para de fato uma qualidade da

educação e de ensino, de tudo. A gestão seria a descentralização da figura do

gestor. (G2)

Uma gestão democrática acontece quando as pessoas se envolvem no

trabalho, se ajudam e resolvem os problemas juntos. (G3)

Percebemos que as gestoras expressam uma concepção de gestão democrática

que enfatiza a participação da comunidade escolar, o que denota que existe uma

consciência sobre a ação democrática e necessidade da coletividade nesse processo.

Vejamos agora a concepção do gestor municipal de educação sobre a gestão

democrática.

Ouvir todos os segmentos ligados à educação, merendeira, porteiro, com

reuniões e comissões de educação. Uma das ideias é criar comissões,

representantes para colher opiniões das pessoas. (GM)

Durante a entrevista, o gestor municipal expressa claramente seu entendimento

sobre uma gestão democrática e uma opinião favorável quanto à participação da

comunidade escolar na tomada de decisões, mas durante o período em que observamos

a dinâmica da SEDUC, percebemos que ele delega com frequência atividades à gestora

adjunta que, de acordo com alguns professores, mantém uma postura autoritária e

centralizadora em suas ações, o que provocou um clima de rejeição por parte dos

professores. Essa rejeição pôde ser percebida através dos comentários dos professores e

funcionários da rede, nos corredores da escola, nas assembleias de sindicato e na própria

Secretaria de Educação, onde vivenciamos situações de conflitos que serão expostas

neste capítulo.Observamos também que nas escolas da rede, as gestoras trabalham sem

63

uma equipe de apoio administrativo ou pedagógico, o que dificulta a atuação da gestão

em termos de compartilhamento do trabalho. Essa situação prejudica a ação dos

gestores que, sem alternativa, acabam concentrando tempo em atividades que competem

a outros profissionais ou que merecem um apoio. Isso esclarece em muitas situações, a

atuação individualizadora ou centralizadora das gestoras, já que efetivamente não têm

com quem dividir responsabilidades em termos de equipe de trabalho.

O Estatuto do Magistério de Abreu e Lima aponta entre outras atribuições do

gestor as seguintes:

Art. 14º Compete ao Gestor Escolar:

I. Garantir a efetivação de um processo decisório participativo em articulação

com Conselho Escolar;

II. Coordenar, acompanhar e avaliar, juntamente com o Conselho Escolar e a

Supervisão o Projeto Político Pedagógico da escola;

III. Definir, coletivamente:

a) Propostas pedagógicas;

b) O processo de avaliação institucional;

c) O plano financeiro da escola;

IV. Coordenar e acompanhar os trabalhos dos supervisores, professores e

funcionários, garantindo o cumprimento de suas atribuições; (Op. cit. p. 06)

Todas essas atribuições referem-se ao ideal de um trabalho articulado que

envolve participação coletiva não só do gestor como também de uma equipe, como

expressa o artigo. Além disso, o Estatuto menciona uma articulação com um Conselho

Escolar para acompanhamento de uma proposta pedagógica. No entanto em quatro

escolas onde pudemos ter acesso, não há Conselho atuante e, em uma delas, a gestora

esclarece que há Conselho, mas não deixa claro sua atuação.

Nota-se que a gestão democrática reverenciada legalmente exige o uso de

mecanismos que promovam a participação das pessoas e a descentralização dos poderes.

Nesse sentido, entendemos que para se materializarem, no entanto, necessitariam de um

processo de formação a respeito, visando tratar da proposta e de uma nova cultura que

deveria passar a ser desenvolvida e incorporada, mas não encontramos qualquer menção

à formação de professores e gestores que tomasse como referência a discussão a

respeito dos mecanismos de democratização da gestão.

64

Esses mecanismos possibilitam o desenvolvimento da autonomia através da

efetiva participação, quando fazem parte das práticas da escola e do município. Todo o

processo de gestão democrática está diretamente ligado ao desenvolvimento dessa

autonomia.

Chaui (2011) enfatiza que a liberdade e a igualdade são dois conceitos

fundamentais que balizam a questão filosófica da democracia. Logo, essa liberdade

resulta na autonomia necessária para que os indivíduos construam e reconheçam suas

próprias regras. Para Castoriadis (2002), essa autonomia implica na liberdade dos

indivíduos. Sendo assim, seria impossível a construção de uma autonomia sem que

houvesse a liberdade dos sujeitos. Dessa forma, faz-se necessário que os atores

envolvidos num processo de gestão democrática sejam conscientes da importância dessa

autonomia. É nessa direção que captamos dos atores observados durante a pesquisa o

que eles compreendem sobre autonomia e se essa autonomia se faz presente ou não no

contexto escolar vivenciado por eles. Assim questionamos as gestoras sobre como é

desenvolvida (ou não) a autonomia na escola e obtivemos as seguintes respostas:

Sim. Assim... a gente tem que reunir né? Sempre tem que reunir, sempre tem

que consultar. Nem todas as vezes (conseguimos), mas temos que recorrer à

Secretaria de Educação para ter o aval no exercício.(G1)

Num primeiro momento a gestora afirma existir autonomia e, logo em seguida,

assume que as ações no âmbito escolar estão condicionadas a Seduc.

Uma das gestoras esclarece que há autonomia na escola e compara o presente a

outros momentos em que foram vivenciadas práticas mais autoritárias, quando não se

compartilhava o poder e as ações da escola eram mais controladas. Percebe-se, com

esses dados, que existe uma ligação das escolas com a Secretaria de Educação no que

se refere à autorização ou consentimento para realizar atividades no contexto escolar,

mas não expressam claramente uma crítica e nem um posicionamento mais firme

quanto à autonomia da escola. Observamos certa contradição na fala de G1 já que a

gestora afirma que há autonomia e em seguida declara que nem sempre consegue agir

de maneira autônoma, tendo que recorrer à Secretaria de Educação para obter

aprovação em alguma ação que não seja habitual dentro da escola. Já nas falas das

professoras, a falta de clareza quanto ao desenvolvimento da autonomia é mais

evidente. Percebemos um conflito nas respostas que ora declaram existir autonomia,

ora não, o que nos leva a identificar uma dificuldade por parte das professoras em

65

definir o que é um fazer autônomo no cotidiano escolar, denotando certa inconsistência

na sua compreensão.

Tem. Assim... porque... são duas escolas aqui, são duas diretoras, uma

sempre se sai melhor. Elas mostram autonomia, sem precisar de ordens

superiores. (P1)

Assim, a gente é mandada por elas e elas têm gente lá que manda nelas, mas

elas têm autonomia. (P2)

Ela é competente, muito dinâmica e organizada, na questão de dinâmica, de

informes mesmo que vêm da Secretaria de Educação e deve ser passado pra

nós. Ela não deixa escapar nada. Assim, acho que ela é “só ouvidos” quando

ela vai pra uma reunião lá, ela vem com tudo explicado pra nós. Mas em

relação à autonomia, ela não tem.(P3)

P1 esclarece que em um único prédio funcionam duas escolas, portanto atuam

duas gestoras, cada uma no seu limite de espaço e expõe ainda, sua opinião sobre a

atuação das gestoras.

Na fala da P3, a gestora da escola é caracterizada como tendo perfil adequado ou

democrático, já que reproduz as determinações da SEDUC, oportunizando aos docentes

o acesso às informações, mas deixa claro que a gestora não é autônoma em relação às

determinações do sistema educacional.

É importante frisar que, quando questionadas sobre a compreensão que teriam a

respeito da autonomia da gestão, as professoras a associam à figura da gestora da escola

e não à concepção como um todo. Isso nos leva a perceber que o envolvimento no

processo de decisões não é assumido pela equipe docente. De acordo com LUCK

(2011):

Ao se construir a autonomia da gestão escolar, amplia-se até mesmo para fora

da escola, o poder de decisão sobre o seu trabalho. Esse processo de decisão

torna-se, desse modo, mais amplo e complexo, levando em consideração

múltiplos aspectos. É pelo envolvimento no processo de decisão que as

pessoas assumem como responsabilidade própria a implementação de ações

determinadas e a realização dos resultados pretendidos. Assim, os Conselhos

Escolares e Associações de Pais e Mestres, como também Círculos de

Parceiros, dentre outras unidades de gestão colegiada, constituem-se em

espaço de tomada de decisão, que envolvem os pais e a comunidade na

análise e discussão dos problemas educacionais da escola e determinação da

melhor forma de encaminhá-los. (p. 96)

Nessa perspectiva, entendemos que a autonomia, tendo como princípio a

liberdade e independência dos indivíduos, deve ser garantida através de espaços para

66

seu exercício, o que torna necessário que os mecanismos de participação sejam

efetivamente traduzidos em espaços de oportunidades para decisões coletivas e não

apenas de acesso às informações.

Consideramos que os mecanismos de participação são fundamentais para o

desenvolvimento da autonomia escolar e, dentre estes, o Conselho Escolar é um

importante mecanismo de participação e democratização da gestão escolar, o que é

revelado no texto do Estatuto Municipal:

DO CONSELHO ESCOLAR

Art. 35º O Conselho Escolar é órgão consultivo, deliberativo e fiscalizador

das atividades administrativas e pedagógicas da Escola.

§1º A Secretaria Municipal de Educação empossará os Conselhos Escolares

em todas as escolas da rede Pública Municipal de Ensino. (op.cit, p. 13)

O que pudemos perceber, conforme já pontuamos anteriormente, é que nas três

escolas às quais tivemos acesso para entrevista com as gestoras, ficou claro que a gestão

escolar não conta com a participação de um gestor-adjunto, já que não há registro de

gestor-adjunto, e o Conselho Escolar de que trata o Art. 35º não passa de exigência

normativa. Apesar de termos entrevistado apenas três gestoras e analisado apenas uma

escola de uma totalidade de 32 na rede municipal de Abreu e Lima, tivemos a

oportunidade de dialogar com professores e outras gestoras da rede através de reuniões

de sindicato e do acesso à Seduc, lugar bastante frequentado pelas gestoras da rede.

Durante nossas observações, em registros, documentos e através de conversas

informais, percebemos que não há Conselhos atuantes no município. Tentamos obter

informações mais precisas na Secretaria de Educação, mas não obtivemos sucesso.

Quando questionadas sobre a existência de um Conselho Escolar atuante na

escola, obtivemos das gestoras, as seguintes respostas:

Sim, a utilidade desse Conselho é analisar o andamento da escola, analisar as

demandas, as opiniões da comunidade quanto ao trabalho realizado pela

escola. (G1)

Aqui não tem coordenador, nem secretaria, nem Conselho Escolar. (G3)

Dentre as gestoras entrevistadas, apenas G1 respondeu que a escola tem

Conselho Escolar atuante. É importante ressaltar que essa gestora havia ingressado na

67

rede municipal recentemente, através de indicação (ainda estava em processo de

graduação). Na ocasião, a gestora mostrava-se preocupada com o que ia responder,

refletia antes de falar e demonstrava insegurança ao responder porque temia ser

prejudicada de alguma forma se emitisse alguma resposta crítica mais contundente; em

vários momentos solicitou que a pesquisadora não colocasse nada de comprometedor

porque ela estava naquele cargo há pouco tempo, teria sido convidada e não queria ter

nenhum tipo de problemas com o que falaria. As demais gestoras responderam

imediatamente que não havia Conselho Escolar e uma delas, G2, uma das mais antigas

na rede, quando questionada sobre o que seria um Conselho Escolar, respondeu: “A

gente recebe muita correspondência do PDE e deve ser do Conselho”, ou seja, não

conseguiu responder objetivamente o que é o conselho. A resposta expressa os limites

na percepção sobre a importância e atuação do Conselho Escolar, deixando evidente que

não se utiliza desse mecanismo de participação na escola. Da mesma forma, as

professoras, quando questionadas sobre a importância do Conselho Escolar também

denotam restrição no entendimento e vivência desse mecanismo na prática:

Acho que é pra avaliar o aluno. (P1)

Não. Não, eu nunca participei e nem tenho noção do que é. (P2)

As respostas anunciam a falta de conhecimento sobre a importância do Conselho

Escolar e confusão com o Conselho de Classe, mecanismo utilizado para analisar o

desempenho global do aluno na escola e, ao mesmo tempo, denunciam que na rede

municipal esse mecanismo não é utilizado nas escolas.

Em relação ao Conselho Municipal de Educação, o secretário municipal de

educação esclarece o seguinte:

Não temos Plano Municipal de Educação, mas estamos contratando uma

empresa, então está em andamento. Alguns gestores estão participando e a

empresa nos dá o suporte legal. (GM)

Sendo assim, identificamos que são ainda incipientes, no município, as práticas

democráticas garantidas legalmente, o que termina por negar o direito de participação

da comunidade escolar.

Diante do contexto de contradições entre as determinações legais e as práticas

desenvolvidas na educação, identificadas durante a pesquisa e buscando uma maior

compreensão do contexto em análise, procuramos apreender a opinião dos gestores

68

sobre suas ações, por acreditarmos que refletir e repensar a própria prática é essencial

para a sua reconstrução.

Concepções dos gestores sobre suas práticas

Apresentamos abaixo extratos das falas das gestoras quando questionadas sobre

o que acham da própria gestão.

Eu não sou uma gestora sozinha. Meu trabalho eu faço buscando opiniões,

buscando propostas; então ela se torna uma gestão democrática porque eu

não faço uma gestão sozinha. (G1)

Não considero minha gestão democrática porque às vezes a gente não faz

valer o que gostaria de fazer, a gente esbarra no próprio sistema de ensino do

município, na própria gestão, que não é democrática, na verdade não é. A

gente procura fazer algo não tão amarrado, mas não é democrático, ainda não

é. (G2)

Eu não posso fazer muita coisa fora do que a secretaria ordena. Eu ainda faço

muito, tento resolver as coisas do meu jeito, mas a secretária adjunta da

SEDUC, quando fica sabendo de algo que eu fiz fora do que é determinado,

já manda me chamar pra tomar satisfação. Ela me persegue aqui. (G3)

Percebemos que existe uma contradição entre as concepções de gestão

democrática e as práticas desenvolvidas pelas gestoras entrevistadas. Nos extratos acima

as gestoras demonstram compreender as finalidades de uma gestão democrática, mas

não as colocam em prática efetivamente. Apenas G1 considera sua gestão como

democrática, mas G2 denota intenção de democratizar suas ações e clareza sobre os

limites existentes para efetivação da gestão democrática.

É possível, através das falas expostas, identificar que no município em análise, a

gestão democrática é algo que ainda não se materializou, o que deixa evidente a

necessidade de superação de um modelo estático e segmentado de atuação da gestão

educacional e da escola. Dessa forma, a democracia formalmente institucionalizada é

uma realidade ainda distante quando se trata de sua efetivação, identificando-se com

uma concepção de gestão positivista que durante muitos anos se fez presente em nossa

realidade, mas que ainda hoje perdura em determinados contextos. Essa constatação

mostra a necessidade não só de uma maior propagação sobre as finalidades da

democracia para a educação, como também de entendermos sobre qual democracia

estamos falando e qual democracia estamos vivenciando.

69

Durante muito tempo, na realidade brasileira, e ainda hoje, é possível observar,

bem como mostra nossa análise, o desenvolvimento de um modelo de gestão, ou

direção, centralizado na figura do diretor, que em muitos casos atua como mero

executor de normas e determinações centrais e generalizadas. Nessa perspectiva, o

diretor atua sem autonomia e sem responsabilidade pelos resultados das ações exercidas,

já que apenas executa as determinações advindas de órgãos centralizadores de poder.

Dentro dessa lógica, o sistema de gestão age de maneira hierarquizada, estática e

burocrática, em que as peculiaridades de cada escola não podem ser levadas em

consideração. Nesse contexto, ao diretor escolar cabe a função de zelar pelas normas e

garantir que a escola funcione rigorosamente dentro dos padrões estabelecidos

hierarquicamente. Para Luck (2006):

Essa situação explicar-se-ia pelo entendimento limitado de que a escola é do

governo, visto como uma entidade superior e externa à sociedade. Esse

entendimento, é possível conjeturar, pode estar associado ao pé da letra da

determinação constitucional de que educação é dever do Estado,

interpretando-se de forma inadequada essa determinação legal, no sentido de

que caberia à sociedade apenas o direito de educação e não a

responsabilidade conjunta de zelar por ela e promovê-la. Em associação a

este entendimento, estabelece-se uma concepção, segundo a qual diretores

são separados de deveres, e governo é separado da sociedade, daí por que o

governo seria responsável pela escola e pelos seus processos, sendo a

sociedade constituída de usuários, a quem cabe receber os benefícios

oferecidos. (op.cit, p. 36-37)

Essa concepção de gestão adotou princípios lineares, racionais e limitados que

resultaram na hierarquização dos sistemas de ensino e das escolas, onde as ações eram

fragmentadas e os sujeitos não assumiam responsabilidades sobre elas. Esse modelo

burocrático de gestão implica na centralidade da autoridade que finda por dificultar a

participação coletiva em detrimento de práticas engajadas e da constituição de uma

cultura de participação onde os sujeitos se tornem responsáveis por suas ações.

Compreendemos os sistemas de ensino e as escolas como unidades sociais, vivas e

dinâmicas e, sendo assim, sua organização requer um novo olhar. É exatamente nesse

sentido e através dessa necessidade de mudança que a gestão democrática pode e deve

atuar e o faz a partir das interações, em que o gestor tem como foco uma prática social

voltada para o compartilhamento do poder e das responsabilidades, contribuindo de

maneira intencional e consciente para o desenvolvimento do sentimento de

pertencimento coletivo do espaço escolar em superação à ordem centralizadora que

70

ainda persiste em algumas realidades educacionais. Essa forma de gestão corresponde a

um paradigma que considera as racionalidades diversas e dimensões da ação humana.

Ao considerar a realidade dinâmica e complexa das organizações educacionais,

assim como das unidades de ensino, destacamos a importância dos processos interativos

e a pluralidade de interesses que nela circulam e que também deveriam ser objeto de

atenção e ação por parte da gestão. Essas características refletem o caráter complexo dos

processos interpessoais que ocorrem nas organizações sociais e unidades de ensino e

revelam a necessidade de se ir além de uma concepção de gestão pautada na

centralidade e generalização. De acordo com Luck (2006), a gestão democrática

abrange a dinâmica das interações, o que dirige a ação do gestor para focalizar a prática

social que passa a ser realizada de forma compartilhada e sob uma perspectiva mais

humana. Esta não desconsidera os conflitos, os diversos interesses, as correlações de

força e, acima de tudo, se pauta nas peculiaridades que são a identidade de cada escola e

de cada organização.

Para Estêvão (2012) é importante observar que uma gestão democrática mais

justa não está limitada apenas à letra da lei, mas deve-se relacioná-la às suas dimensões

de justiça e da igualdade de possibilidades em sua atuação3. Mas entender a gestão

democrática requer também reconhecer seus limites, como pudemos observar na fala de

G2. É nesse sentido que se faz possível ir além das contradições entre ideias e realidade,

à medida que se reúnam esforços para essa superação que, a nosso ver, depende também

de um processo sistemático e de um investimento para sua realização.

Considerando que uma gestão democrática se faz pela da conquista de poder por

aqueles que não o tinham, via participação, trazemos adiante as concepções dos sujeitos

sobre as relações de poder que fazem parte das ações nos espaços analisados, assim

como relataremos situações de conflitos pessoais nas instituições de educação

municipais. Tais situações nos ajudaram a compreender melhor as características da

gestão municipal de educação bem como sua cultura organizacional.

Relações de Poder: concepções dos sujeitos

Embora já tenhamos, ao longo de nossas discussões, sinalizado sobre as relações

de poder existentes nos contextos analisados (Seduc, escola, sindicatos), nos

3Em palestra ministrada pelo professor Carlos Estêvão em 2012, na UFPE.

71

empenhamos agora na análise feita a partir das relações de poder nesses espaços. Ao

longo de nossas observações, essas questões foram ganhando força e delineando um

novo olhar dos próprios sujeitos envolvidos sobre as práticas conservadoras e o abuso

de poder desenvolvidos no âmbito educacional do município. Tratamos esses aspectos

como fundamentais para compreender os processos de gestão porque acreditamos que a

partir dessas relações podemos também compreender a cultura que permeia as práticas

vigentes nas instituições e, a partir daí, poder transformá-las,em como por entendermos

que a construção de uma cultura democrática esteja diretamente ligada ao

compartilhamento do poder entre os sujeitos envolvidos nas tomadas de decisão para o

enfrentamento dos problemas que surgem constantemente nas instituições. Seguindo

essa lógica, como ressalta Friedberg:

Escorada nas incertezas inerentes aos problemas a resolver, toda a estrutura

de acção colectiva, logo todo o sistema de acção concreto, constitui-se como

um sistema de poder. Ela é fenômeno, efeito e facto de poder. Enquanto

construção humana, ela arruma, regulariza, “domestica” e cria poder para

permitir que os actores cooperem nas suas empresas. De fato, a ação

colectiva que ela torna possível não é mais que política quotidiana, ou, se se

preferir, micropolítica; o poder é a sua matéria-prima, é a mediação comum e

ao mesmo tempo autónoma dos objetivos e apostas diferentes dos actores

envolvidos que conservam uma relativa autonomia uns dos outros. (1993, p.

255)

É nessa perspectiva que buscamos analisar os conflitos existentes no campo de

estudo. Em princípio, trazemos como contribuição para nossa compreensão sobre o

contexto das relações interpessoais, a fala do gestor municipal de ensino, que ingressa

na Secretaria de Educação através de indicação do prefeito, logos após o falecimento da

secretária, até então em exercício. Trazemos esta fala porque expressa a primeira

impressão de alguém que acaba de ocupar uma função nova e que ainda não tem

referências sobre o contexto das relações interpessoais da instituição.

Foi muito difícil pra mim como administrador entrar aqui. Eu tinha uma

visão boa daqui, mas quando entrei, vi que não era isso. Ainda tem uma

atmosfera de conflitos interpessoais. Eu sou recebido com muito carinho

onde chego, nas escolas, é o reconhecimento do trabalho e o prefeito deu

condições pra isso. (GM)

Em sua fala o secretário expressa o que sentiu sobre as relações interpessoais

logo que ingressou na função, deixando claro o clima de conflitos existente na

instituição. É importante salientar que muitos rumores entre os funcionários da SEDUC

apontam que a antiga gestora tinha uma postura autoritária e não dialogava com seus

72

subordinados, mantendo uma relação que, segundo relatos, era marcada pelo medo e

pelo abuso de poder. Durante conversa informal com duas professoras da rede

obtivemos o seguinte registro:

A secretária de educação, quando não gostava de alguma atitude de uma

professora, demitia a pessoa por mensagem de celular. Não deixava a pessoa

se explicar, se defender. Era o que ela queria e pronto. (PI)

A esse respeito uma das funcionárias da Secretaria de Educação relata que o

motivo da mudança na gestão da SECUC não foi exatamente o falecimento da então

secretária:

A secretária de educação estava passando dos limites e por isso vários

professores e funcionários começaram a fazer queixa no gabinete do prefeito.

Ela tratava as pessoas muito mal, ofendia mesmo. Ameaçaram até processá-

la. Então, o prefeito, que não queria ficar mal visto pelos professores ou ter

outros problemas, resolveu tirar ela da função de secretária de educação,

depois de tantos anos nesse cargo. Dizem que ela ficou arrasada. Depois

disso ela teve esse problema de saúde e faleceu, mas foi tudo muito rápido.

Percebemos esse tipo de conversa em várias situações durante o período em que

o novo gestor assume suas funções. A antiga secretária veio a falecer no período em que

coletávamos os dados da pesquisa e, nesse sentido, pudemos apreender as críticas.

Pouco antes da morte da secretária, havia muitos rumores sobre sua demissão. Trazemos

esses extratos de falas como parte das nossas observações no campo de estudo,

primeiramente porque foram captadas de conversas informais e o assunto estava

presente entre professores e funcionários de várias escolas na rede; e porque

consideramos relevantes para entendermos um pouco mais da cultura da instituição

através das concepções dos atores sobre as relações estabelecidas no âmbito da gestão

educacional.

Procuramos apreender, a partir das concepções dos sujeitos, como se dão as

relações de poder na gestão educacional. Esses aspectos subjetivos, que foram

observados ao longo de nossas visitas, também foram evidenciados em nossas

entrevistas. Na ocasião, focalizamos dois aspectos: o primeiro sobre como o gestor

entende a relação entre a SEDUC e os gestores escolares; o segundo sobre as relações

entre o gestor e seus subordinados. Dentre as abordagens, ressaltamos:

73

Enquanto gestão, eu tentei humanizar ao máximo, acho que hoje, em relação

a quando cheguei, eu daria uma nota sete. Ainda há muito que se melhorar. A

comunicação aqui ainda é uma grande dificuldade. (GM)

Mais uma vez o secretário pontua as dificuldades existentes nas relações

interpessoais na Secretaria de Educação, admitindo a necessidade de melhorar a

comunicação entre as pessoas. Consideramos a comunicação como um aspecto

importante para o equilíbrio entre as relações de poder, mesmo acreditando que não seja

possível, em um contexto institucional, uma total conformidade de ideias, pois a própria

diversidade de racionalidades, interesses e culturas, inerentes nas relações humanas,

limitam seu total equilíbrio. Porém acreditamos que quanto melhor e mais justo for um

sistema de comunicação em uma organização, melhor também será o desenvolvimento

das suas relações. Dessa forma, de acordo com Estêvão (2008), a educação como um

direito social, não poderá abster-se à formação de uma cultura de valorização dos

princípios éticos e do respeito às diferenças,em que cada um tem o direito de expressão

garantido. Nessa perspectiva, a escola deve ser entendida como um espaço que vivencia

os princípios democráticos.

Nesse sentido, a comunicação assim como o conflito, tornam-se condições de

possibilidade da escola como espaço público, ou seja, como espaço de

debate, de conviviabilidade e de “voz”, de intercâmbio de ideias, de direitos e

deveres argumentativos, de adaptação coletiva das decisões que ultrapassam

os muros domésticos da própria escola, de democracia. (ESTÊVÃO, 2006, p.

92).

A vivência desses princípios democráticos, entendidos dessa forma, favorece a

construção de uma “organização comunicativa” (BOTLER, 2004). As relações entre a

escola e a SEDUC são compreendidas também a partir das falas dos gestores escolares:

É uma relação boa, sempre estamos lá em reunião, todas as informações que

se passam lá a gente traz para a equipe. (G1)

É uma relação muito difícil, não posso tomar nenhuma decisão aqui, que logo

sou chamada para dar satisfação. (G3)

As gestoras G1 e G2 consideram boa a relação da SEDUC com a escola ou com

as gestoras. Já G3, enfatizando os limites na tomada de decisões, considera sua relação

com a secretaria difícil e afirma ter suas ações limitadas pela instituição. Um exemplo

pode ser observado a partir de uma de nossas visitas à Secretaria de Educação, em que

vivenciamos um momento de conflitos entre a secretária adjunta de educação e os

funcionários da escola que funciona no mesmo prédio da SEDUC. Na ocasião a mãe de

74

um aluno esperava pela gestora com o intuito de agredi-la e reclamava que a gestora da

escola não havia informado sobre o processo de matrícula e, com isso, a fez voltar à

escola mais uma vez. Nesse momento dois professores da escola, com o intuito de evitar

uma possível agressão contra a gestora, ligaram para ela, que estava a caminho da

escola e solicitaram que não viesse naquele momento, explicando o motivo. Em seguida

os professores conseguiram acalmar a mulher que estava bastante agressiva e ameaçava

os funcionários da escola. Quando enfim a situação foi contornada, os professores foram

chamados pela secretária adjunta da SEDUC e foram questionados sobre o fato.

Segundo relatos dos professores, ela deixou claro que eles não poderiam resolver o

conflito ou ligar para gestora evitando sua presença, reforçando ainda que o lugar de

professor é na sala de aula e o que concerne à organização escolar é de responsabilidade

da gestão, denotando concepção hierarquizante e centralizadora, além de grosseira.

Depois que resolvemos o problema aqui na escola, a adjunta nos chama para

dizer que nós não tínhamos que sair da sala para resolver nenhum conflito.

Em nenhum momento a mulher reconhece que fomos integrados em resolver

a situação. Ela não tem noção de um trabalho em equipe, tudo que fizemos

foi evitar uma cena de agressão aqui na escola e terminamos ouvindo

reclamação e ela ainda nos pediu que voltássemos ao nosso lugar que é

apenas a sala de aula.(P)

Pouco tempo depois do ocorrido, a gestora da referida escola chega à Secretaria

de Educação onde foi questionada pela adjunta e repreendida. O relato da gestora

corrobora o já afirmado pelos docentes de que a adjunta não concordou com o fato de os

professores terem saído das salas para resolver uma situação que não era

responsabilidade deles e que a gestora errou em atrasar sua chegada, conforme

solicitação dos mesmos.

Nesse momento pudemos perceber um forte conflito nas relações entre os

envolvidos, o que deixa evidente o autoritarismo e centralização de poder que limitam

as ações da escola e sua comunidade. Percebemos que os docentes agiram por livre e

espontânea vontade, no gozo de sua autonomia, visando atuar afirmativamente diante

da sensação de ameaça por parte de uma mãe de aluno que, por sinal era uma ex-

presidiária, que já havia respondido por crime de agressão. A situação relatada causou a

revolta e insatisfação dos professores e funcionários da escola que se diziam

injustiçados pelas críticas e sufocados pelo excesso de autoritarismo da secretária

adjunta. Consideramos esse acontecimento, entre os vários observados por nós, como

um enfrentamento de uma cultura autoritária, pelos professores. Essas atitudes nos

75

fazem compreender que a partir de ações compartilhadas se faz possível superar práticas

centralizadoras e construir uma nova forma de agir. Esse processo nem sempre é

simples e exige engajamento dos sujeitos envolvidos, fortalecendo e ampliando as

possibilidades de transformações necessárias a uma educação mais autônoma e justa.

Assim, apesar de encontrarmos percepções ingênuas de alguns sujeitos que

observam as relações interpessoais e de poder na educação como harmoniosa,

percebemos a crítica consciente de outros sujeitos que encontram na autonomia e na

participação ativa seus caminhos, não tão tranquilos, para construir uma nova lógica na

educação do município. Esta nova concepção é construída progressivamente na

perspectiva da formação de uma nova cultura, o que se faz pelos mecanismos legais e

pela vivência de diferentes e, muitas vezes, divergentes, concepções. A seguir

trataremos das perspectivas de democratização a partir das contribuições dos

dispositivos legais que corroboram para a valorização do magistério e da educação.

4.3. Perspectiva de democratização na gestão municipal de educação: a eleição de

gestores como mecanismo de participação

Entendemos que a gestão da educação constitui um dos fundamentais aspectos

balizadores para a formação da cultura e do desenvolvimento de práticas que podem ou

não contemplar o compartilhamento do poder e democratização da educação.

Percebemos na gestão municipal de Abreu e Lima, bem como na gestão educacional, a

presença de uma cultura política com traços burocratizantes e patriarcalistas e, por outro

lado, uma força política contrária instituída formalmente (formação de um sindicato de

professores) e que também vem ganhando força e favorecendo o desenvolvimento de

novas perspectivas de avanço democrático desse município. Os mecanismos

democratizantes instituídos legalmente trazem uma nova realidade para a educação dos

sistemas de ensino que podem fragilizar práticas centralizadoras de gestão. Para tanto,

de acordo com Friedberg (1983), faz-se necessário que os envolvidos nesse processo

conscientizem-se de tal poder e assumam a responsabilidade necessária para o processo

de mudança ao qual almejam. Dentro dessa perspectiva, tratamos da eleição de

diretores escolares como um dos instrumentos democratizantes de grande relevância,

uma vez que o processo se dá pelo engajamento da comunidade escolar e pelo exercício

de seu poder.

76

Tomamos o processo seletivo/eletivo de gestores como um dos mecanismos de

participação, embora não se garanta necessariamente que esse processo resulte na

melhor opção, compreendemos essa experiência como relevante no exercício

democrático. Constatamos que nunca houve eleições para gestores nas escolas de Abreu

e Lima, e, conforme já mencionado, a maioria das gestoras atualmente são contratadas

temporariamente para exercer essa função. Tal situação ignora as normas estabelecidas

no Estatuto, tanto no que diz respeito às eleições para gestores quanto no que se refere à

formação exigida para essa função.

Segundo o Estatuto do Magistério municipal, em relação à Gestão Escolar, no

que se refere à função do gestor, temos o seguinte:

Art.13º A função de Gestor será exercida nas escolas da Rede Municipal de

Ensino por professores com habilitação mínima em Licenciatura Plena em

Pedagogia ou Pós Graduação em nível de Especialização, Mestrado e

Doutorado na área de Educação, que deverá ser escolhido por meio de eleição

direta para exercer a função. (op cit., p.06)

A exigência mínima de formação para o exercício da função de gestor, conforme

o artigo 13º do estatuto, não tem sido respeitada, tendo em vista a existência de gestoras,

como se observa nas falas abaixo, que ainda estão em processo de graduação.

Eu sou estudante do curso de pedagogia, sou contratada da prefeitura e estava

em sala de aula quando fui chamada na Secretaria de Educação e me fizeram

a proposta de assumir essa gestão. (G1)

Trabalho aqui na gestão há seis anos e fui indicada. No momento estou no

quarto período do curso de pedagogia, mas nunca fiquei sabendo de eleição

para gestores no município. (G2)

Na ocasião, as gestoras entrevistadas, revelaram nunca ter havido no município

um processo de eleição pra o cargo de gestor, o que se contrapõe ao que diz o Estatuto

sobre a eleição para a direção das escolas:

DA DIREÇÃO DAS ESCOLAS

Art. 30º O Gestor será eleito mediante processo eletivo, na forma do artigo

13 desta Lei.

Parágrafo Único: As eleições para Gestor Escolar e Gestor-Adjunto

ocorrerão, preferencialmente, entre os dias 01 e 15 de novembro do último

ano dos seus mandatos. (p. 12)

77

Dessa forma, o Estatuto estabelece a exigência não só de uma gestão eleita por

um colegiado, como também estabelece a sistemática de um período para o processo de

eleição no município, assim como as atribuições que competem ao gestor escolar e

gestor adjunto.

A nomeação de diretores nas escolas públicas do país, sempre foi motivo de

polêmica e controvérsias; e mesmo a própria legislação que estabelece princípios de

democratização da gestão escolar não esclarece diretrizes específicas sobre o processo

de ocupação do cargo de gestor das escolas públicas. A Constituição Federal de 1988,

em seu artigo 206, estabelece "gestão democrática do ensino público na forma da lei".

Cabe, então, aos sistemas de ensino definirem as normas de gestão democrática

conforme segue:

Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino

público na educação básica, de acordo com suas peculiaridades e conforme

os seguintes princípios:

I- participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto

pedagógico da escola;

II- participação das comunidades escolares e local em conselhos escolares ou

equivalentes (LDB, art. 14).

Com o intuito de definir critérios e instituir a eleição direta para gestores nas

escolas públicas em junho de 2007, a senadora Ideli Salvatti protocolou um projeto de

lei (Lei Nº 344/2007) propondo acréscimo de inciso ao artigo 14 da LDB, onde

estabelece a eleição direta para diretores nas escolas públicas. O inciso de que trata a

proposta contém o seguinte texto:

III- Escolha, para mandato de, pelo menos, dois anos, dos ocupantes do cargo ou

função de diretor de escolas de ensino fundamental, médio e técnico das

redes públicas federal, estadual e municipal, mediante eleição direta com a

participação da comunidade escolar constituída por professores, funcionários,

alunos, pais.

Salvatti ressalta ainda que, para o pleno cumprimento do que estabelece a nossa

Constituição Federal, se faz necessária a eleição de diretores nas escolas públicas do

país e aponta esse processo como o exercício básico de cidadania ativa que envolve toda

a comunidade escolar.

78

Paro (2007) defende a importância de se estabelecer regras na legislação

municipal ou estadual que definam critérios para atuação de conselhos escolares para o

processo seletivo/eletivo de gestores ou mesmo que permitam que as próprias escolas

estabeleçam em seu estatuto tais regras.

Em pesquisa realizada em escolas de todo o país (1996), o mesmo autor traz

alguns limites e aspectos das experiências eletivas nas escolas públicas e, apesar de

defender a eleição direta para gestores, ressalta que o processo de eleição para o cargo

não garante por si só sanar velhas questões como o corporativismo, o clientelismo, o

autoritarismo que permeiam as práticas de gestão nas nossas escolas, mas tem um

importante papel na diminuição dessas práticas. Logo percebe-se que o processo eletivo

para cargo de gestor não se traduz em uma solução para todos os problemas na

escola, mas em uma possibilidade de superação de práticas autoritárias.

O fato, entretanto, de a incipiente prática política introduzida pelas eleições

de diretores não ter sido capaz de eliminar por completo essas expectativas e

comportamentos clientelistas não pode levar a que se impute às eleições as

causas desses males que nada mais são, na verdade, do que remanescentes de

uma cultura tradicionalista que só a prática da democracia e o exercício

autônomo da cidadania poderá superar. (PARO, 1996)

O autor nos leva a compreender que se existe ainda em nossas escolas uma

tradição marcada pelo autoritarismo é com a persistência nos mecanismos de

participação que se faz possível o exercício da democracia. Daí a necessidade, a nosso

ver, de eleições para gestores nas escolas públicas bem como da efetiva participação da

comunidade escolar em outras unidades de gestão colegiada.

Outro aspecto que pontuamos em nossas análises é o processo de ingresso e

permanência no magistério público de Abreu e Lima. Procuramos compreender como

acontece esse processo no município, como se dão as progressões de funções, regime de

trabalho, entre outros aspectos de valorização profissional, pois acreditamos que esses

aspectos também expressam a cultura organizacional das instituições.

4.4. Carreira no magistério público municipal: o regime de trabalho.

O Estatuto ressalta em seu Art. 5º que o magistério público do município é cargo

único, integrante do quadro permanente e denominado professor. Sendo assim

possibilita ao professor “permanente” exercer as seguintes funções:

79

§ 1º O professor vinculado ao Magistério Público de Abreu e Lima, conforme

regulação desta Lei pode exercer as seguintes atribuições:

I. Docência, sendo esta o efetivo exercício do Magistério:

II. Funções técnico-pedagógicas:

a) Assessoria Pedagógica de Ensino da Secretaria de Educação;

b) Supervisão Escolar;

c) Administração Escolar;

d) Inspeção Escolar;

e) Coordenação de Biblioteca;

f) Coordenação de laboratório de Informática e Central de Tecnologia;

g) Equipe Técnica do Centro de Reabilitação (CREEAL);

§2º Para habilitar-se ao exercício da função técnico-pedagógica, o professor

deverá ter cumprido regularmente o período do estágio probatório (op cit.

p.02)

Conforme o texto legal do mesmo Estatuto, só poderão exercer as funções

mencionadas no artigo 5º professores devidamente investidos na carreira do magistério

e integrantes do quadro permanente, ou seja, ter sido aprovado em concurso público.

Quanto ao ingresso no magistério:

Art. 21º O ingresso no Magistério Público Municipal dar-se-á exclusivamente

por concurso público de provas e títulos.

§1º Comprovada a existência de vagas nas escolas e a indisponibilidade de

candidatos aprovados em concursos anteriores, o município realizará

concurso público para preenchimento das mesmas, ficando resguardado o

princípio de não solução de continuidade do serviço público, sendo os casos

de excepcional interesse público definidos por lei própria. (op cit.,p. 10)

O caput do artigo 21 expressa a exigência de concurso público para o ingresso

ao magistério no município, enfatizando ainda, em seu parágrafo primeiro, a

obrigatoriedade de realização de concurso público quando o número de vagas não for

totalmente preenchido. Essa exigência ressalta a importância da manutenção de um

quadro efetivo (concursado) de professores na rede. No entanto, na prática, não é o que

verificamos. Ao analisar os registros de funcionários da SEDUC, não encontramos, até

dezembro de 2012, nenhum funcionário concursado. Ou seja, todos os funcionários que

integravam o quadro técnico-profissional da SEDUC, até o momento, eram mantidos

através de contratos temporários. Essa constatação nos levou a perceber que o discurso

legal não condiz com a prática realizada no município nesse aspecto legal, o que é

reiterado em relação aos professores. Só em abril de 2012 foram contratados

temporariamente 42, e em agosto do mesmo ano, mais 70 professores, todos em regime

de contrato temporário. Até o momento não se sabe se esses professores foram

contratados para assumir suas funções em sala de aula. Essas informações podem ser

80

observadas no projeto de Lei n º 020/2012 que aumenta o número de funções

temporárias de professores na SEDUC, contrariando o Estatuto.

Ainda quanto ao regime de trabalho, pudemos perceber a insatisfação de muitos

professores no que diz respeito ao descumprimento da lei em relação à aula-atividade.

Buscamos analisar o estatuto, como aparato legal que norteia as atividades docentes e

verificar o que os docentes falam a respeito do regime de trabalho desenvolvido no

município, além de observar a realidade vivida nesse contexto para podermos

compreender como funciona o regime de trabalho dos docentes. Dessa forma, podemos

perceber se o Estatuto tem sido cumprido ou não.

No capítulo que trata do Regime de Trabalho do professor no exercício da

docência, no Estatuto do Magistério, temos em seu artigo 24º a distribuição de carga

horária:

Art. 24º A carga horária do professor compõe-se de:

I. Horas-aulas docência;

II. Horas de atividades Pedagógicas coletivas;

III. Horas de atividades pedagógicas individuais;

§1º A distribuição da carga horária do professor obedecerá às seguintes

proporções:

I. 150 (cento e cinqüenta) horas-aula mensais:

a) 125 (cento e vinte e cinco) para horas-aula para docência;

b) 15 (quinze) horas-aula, para atividades coletivas;

c) 10 (vinte) horas-aula, para atividades pedagógicas individuais.(op

cit.,p.10)

Art. 26º As horas-aula destinadas às atividades pedagógicas individuais,

compreendem atividades de preparação de aulas, de material de apoio

didático, preparação e correção de instrumentos de avaliação de

aprendizagem dos alunos. (p.11)

Percebe-se claramente no texto que existe uma distinção na distribuição da carga

horária que estabelece que um percentual de horas-aula seja direcionado a atividades

coletivas e pedagógicas individuais, também denominadas por hora-aula atividade. Esse

percentual, que segundo o Estatuto está definido em vinte e cinco por cento da carga

horária total do professor, conforme Art. 26º destina-se a momentos de produção

pedagógica, pesquisas, planejamento de aulas, avaliações e tudo que envolve as

atividades pedagógicas que o professor necessita desenvolver individualmente, sem

interferências. Isso porque tais atividades exigem concentração, escolha de material

pedagógico adequado, análise de desenvolvimento dos alunos, sendo assim, de grande

relevância ao bom desempenho dos professores como também para o sucesso das aulas.

81

O documento define que o percentual de hora-aula atividades é obrigatório,

muito embora, segundo um de nossos entrevistados, esse percentual nunca tenha sido

respeitado no município, uma vez que os professores da rede não usufruem desse

direito, estando sujeitos a completar o tempo que legalmente está destinado a horas-

aula atividade, ministrando aulas.

Temos que fazer valer os nossos direitos. No Estado, os professores têm o

direito à aula atividade, em Recife, esse direito já vem sendo reivindicado na

justiça. Já aqui, em Abreu e Lima, nós temos que corrigir provas, organizar

cadernetas e elaborar atividades, tudo em sala de aula. (p.4)

De acordo com a fala do professor, o município não garante a aula-atividade e

acaba comprometendo o trabalho docente, já que os professores precisam de tempo para

planejar aulas, corrigir provas e organizar caderneta. Outra contradição que

identificamos entre as determinações do Estatuto e a realidade vivenciada na rede está

relacionada às funções técnicas do magistério, que em sua totalidade são exercidas por

funcionários que trabalham em regime de contrato temporário. De acordo com o

Estatuto referem-se às funções técnicas as atividades de Supervisão Escolar e

Assessoria Pedagógica de Ensino, conforme o que segue:

Art. 10º A função de Supervisão Escolar será exercida na escola por

professor habilitado em Licenciatura Plena em Pedagogia.

Art.11º Compete ao supervisor escolar:

Participar da elaboração do projeto político-pedagógico, do calendário

escolar, reuniões pedagógicas e do Conselho de Classe;

Art. 12º À Assessoria pedagógica de ensino compete as seguintes atribuições:

Propor e sistematizar conteúdos de ensino; (op. cit.,p. 05)

A função de supervisão escolar, conforme o texto legal, deverá ser exercida na

própria unidade escolar e por professor habilitado. Dessa forma, os artigos 11 e 12

ressaltam as atribuições referidas às funções técnicas, sendo todas realizadas no

ambiente escolar. No entanto, de acordo com registros da SEDUC e com uma das

gestoras entrevistadas, na rede municipal não há profissionais com funções técnicas

realizando as atribuições em apoio ao desenvolvimento e aprimoramento das atividades

docentes, tampouco pudemos perceber, nas escolas visitadas, algum Conselho de Classe

atuante, ou mesmo existente, conforme relato abaixo:

Aqui, na rede, não temos supervisor escolar e nem coordenador para ajudar

nas nossas atividades, então eu sou sozinha pra tudo. Aí fico pedindo a

82

contribuição dos professores para fazer documentos de secretaria quando

estou muito atarefada. (G3).

Quanto ao Projeto Político Pedagógico, citado como uma das atribuições do

supervisor escolar, percebemos que há escolas em que o documento nem existe e

quando existe, não se encontra, tal como refletem as falas abaixo:

Fizemos um em 2010, formulamos em 2009, mas não mudamos mais nada,

até agora, está guardado. (G2)

Na escola não há PPP, não tenho nem profissionais na secretaria. A secretária

aqui é uma professora readaptada, eu tento trazer alguém pra cá, mas a

secretaria não manda. Então, eu sozinha não posso organizar essas questões.

(G3)

Não obstante, nos dispositivos legais que regularizam as funções docentes em

Abreu e Lima, observamos uma desarticulação que se vivencia no cotidiano escolar,

tendo em vista que a organização e gestão das escolas funcionam apenas com um gestor

e no máximo com um professor readaptado exercendo funções de secretaria.

Percebemos que as mudanças no sentido de melhorar a qualidade do trabalho da

organização escolar não acontecem no município. A única mudança mais providencial

que pudemos perceber foi em relação às gratificações dos professores.

Gratificações e Produtividade

Da seção II do Estatuto referente às Gratificações e Produtividade dos

professores temos o seguinte texto:

Art. 54º Aos Professores de Ensino Fundamental, enquanto estiverem em

efetivo exercício de regência de classe, serão atribuídas às seguintes

gratificações:

a) Cinquenta por cento (50%) sobre a sua carga horária total em exercício de

sua função a título de gratificação de regência de classe;

(MODIFICADA POR LEI MUNICIPAL PARA 28% EM 2008)

b) Vinte por cento (20%) sobre a sua carga horária total em exercício de sua

função a título de difícil acesso; (Op. cit.,p. 21)

A mudança de que trata a alínea “a” do artigo 54º que reduz a gratificação de

regência de classe dos professores foi modifica em 2008, ano em que a prefeitura

realizou um novo concurso. Essa mudança foi proposta pelo SISMAL² (Sindicato dos

83

Servidores Municipais de Abreu e Lima). Segundo o Sindicato, tratou-se de uma

espécie de troca na qual se reduzia a gratificação, mas, por outro lado, os novos

integrantes da categoria, recentemente, aprovada em concurso público, teria também o

direito a receber a gratificação antes do final do estágio probatório. Vale salientar que a

decisão de redução de gratificação foi tomada antes mesmo do novo grupo de

professores ser convocado pelo município. Tal mudança gerou muita polêmica quando

os novos professores assumiram seus cargos, quase dois anos depois, em 2010.

Com o ingresso dos novos professores à rede municipal de educação, vários

pontos de discordância foram surgindo, com referência às contradições entre o Estatuto

e as práticas vivenciadas, conforme analisamos aqui. Esse contexto de insatisfação foi

aos poucos gerando um clima de conflitos nas relações entre os docentes, a SEDUC e a

administração. Seguimos nossas análises salientando as relações de poder estabelecidas

no município e as mudanças ocorridas durante o processo de lutas docentes por

reconhecimento de seus direitos.

4.5. Construindo uma nova cultura

Muitas mudanças no contexto de gestão educacional ocorreram no município de

Abreu e Lima nos últimos anos. Essas mudanças se construíram a partir de aspectos

ligados às relações de poder que aos poucos foram ganhando nova dimensão. Com

nossas observações e imersão ao campo de estudo, podemos apontar aspectos que foram

fundamentais para o redirecionamento da cultura organizacional e consequentemente

das relações estabelecidas nesses espaços. Contudo trazemos de antemão, através das

falas dos entrevistados, as concepções a respeito das transformações ocorridas na gestão

municipal de educação e suas perspectivas futuras, suas opiniões e sugestões quanto às

relações estabelecidas. O secretário de educação trata do assunto:

Acho que teve um avanço aqui. Eu não sabia o que era educação. Eu fiquei

chocado quando cheguei que uma professora conseguiu falar comigo e outro

dia veio e tirou uma foto para provar que falou comigo, fiquei chocado com

isso. Eu não entendo como se consegue administrar sem um contato com as

pessoas e professores. Eu acho impossível. Eu peguei uma situação muito

difícil aqui. Acho difícil esse tratamento que se tinha aqui entre os

funcionários.

Acho que tem uma opinião sobre os professores concursados que tem que ser

derrubada. Conversei com o Pastor Marcos (atual prefeito) sobre isso e estava

dizendo que se olha o concursado de maneira negativa. Acho que um ponto

negativo de muitos municípios é cobrar muito do concursado e não lhe dar

condições de trabalho. É importante cumprir com os deveres também. O

84

ponto negativo é a não observação dos aspectos legais de direitos e deveres

de ambas as partes.

Quando eu cheguei aqui, as pessoas me diziam que os professores

concursados eram umas pestes, mas achavam não por maldade, é que não

existia uma comunicação. Existem profissionais bons em qualquer lugar, em

todo local tem funcionários bons e ruins. Mas a partir do momento em que se

trata o professor bem, tudo muda. Acho que o professor tem que ser tratado

como ser humano e não como alguém que quer derrubar secretário, gestão.

Eu tinha uma visão boa daqui, mas quando entrei vi que não era isso. Ainda

tem uma atmosfera de conflitos interpessoais.

Considero minha gestão em processo de democratização. Tem muita coisa

por fazer ainda. (GM)

Na fala exposta, o secretário evidencia que sua gestão trouxe algumas mudanças

nas relações interpessoais na Secretaria de Educação com os funcionários e

professores,pautado numa visão pessoal de relacionamento e na crítica à gestão anterior,

como tendo sido extremamente rude com os profissionais da educação.

Questionamos os professores sobre as mudanças necessárias para uma gestão

mais democrática e participativa e obtivemos as seguintes falas:

Acho que a questão da gestão mesmo, eleição pra diretor, acho que a

descentralização mesmo. (descentralização de poderes). (P2)

Descentralização de poder, primeiramente, e de tarefas. Primeiramente, os

gestores passarem a ter mais autonomia. Porque tem coisa que os gestores

poderiam resolver aqui mesmo na escola, não precisaria comunicar à

Secretaria de Educação ou esperar uma resolução deles, assim reuniões mais

frequentes, de gestor com equipe, professor com gestor, como por exemplo,

verificar o que estamos errando e acertando, isso contribuiria muito. (P3)

As práticas centralizadoras, falta de autonomia e conflitos interpessoais são

constantemente enfatizados entre os sujeitos como pontos negativos na gestão

educacional.

O que a gente quer é que o estatuto dos professores de Abreu e Lima seja

colocado em prática na sua integralidade, inclusive tendo leis que

regulamentem alguns dos artigos do estatuto. Por exemplo, o difícil acesso.

Está contemplado no Estatuto, porém a prefeitura não regulamentou os

critérios que definem esse difícil acesso e nem o valor desse difícil acesso.

Também a questão de eleição interna para os cargos, para gestores,

supervisores e tudo que está dentro do nosso Estatuto, o que nós queremos é

isso. Fizemos uma proposta de edital para seleção de cargos, mas não foi

aceita pela administração. A desculpa que tivemos foi que em ano de política

isso não seria possível. Subentende-se que isso geraria insatisfação dos

cargos comissionados e em ano de política isso não seria bom. (P5)

85

A fala exposta é de uma professora integrante do Sindicato de Professores e

demonstra a insatisfação quanto aos direitos dos professores, que não têm sido

cumpridos em seus diversos aspectos legais. Essa insatisfação foi aos poucos ganhando

uma proporção maior no município e consequentemente trazendo transformações nas

relações de poder. A seguir trazemos um relato (notas de campo) que delineia o

percurso, que consideramos fundamental para a construção de uma nova cultura na

educação do município, através da articulação dos professores na luta pelos direitos

negados e pela justiça nas relações de poder entre os sujeitos que fazem parte do

contexto educacional.

4.6. A criação de uma nova identidade sindical: o surgimento de novas formas de

relações de poder

O contexto de subordinação e autoritarismo presente nas relações entre os

funcionários e o constante clima de medo e favores foi um dos aspectos que mais

chamou a atenção de muitos dos professores que acabavam de ingressar na rede.

Sou professora do município há muitos anos, já estou perto de me aposentar e

já vi muita coisa errada aqui. Antes, na gestão de Gerônimo Gadelha (prefeito

anterior ao sucessor Flávio Gadelha), os professores não tinham estatuto, a

maioria das professoras era contratada e quando faziam qualquer coisa que

aborrecesse a secretária de educação ou o prefeito, as professoras eram

demitidas de maneira grosseira e até por mensagem de celular. O que valia

era a vontade do prefeito ou da secretária. Muitas concursadas foram

perseguidas e até afastadas por um período. (P4)

Sou efetiva há 18 anos e já fui afastada porque discordei da opinião da filha

do antigo prefeito, Gerônimo Gadelha. Hoje tenho meu salário reduzido e

ainda luto na justiça para reaver o que me foi tirado. (G3)

As falas expostas acima fazem parte de conversas informais captadas durante as

nossas observações e expressam as críticas das pessoas em relação ao abuso de poder

que, durante muitos anos foi muito marcante nas práticas de gestão educacional. No ao

de 2010, com o ingresso de novos professores na rede municipal, o tom de crítica

ganhou força fazendo surgir uma atmosfera de conflitos entre docentes e a gestão

municipal.

86

86

A partir dos primeiros contatos, em assembleias, com o sindicato atuante, o

SISMAL4, iniciaram-se os primeiros embates com pontos de discordância entre as

propostas sugeridas pelo sindicato e as reivindicações dos docentes. Tais reivindicações

partiam desde o cumprimento do estatuto até as formas de relações entre sindicato,

gestão municipal e SEDUC.

No primeiro semestre de 2012, durante uma assembleia, uma carta elaborada por

um professor, representando um grupo de professores insatisfeitos com a atuação do

Sindicato, foi lida em voz alta para todos os presentes. A carta representava uma

resposta a um comunicado do SISMAL, anteriormente exposto em todas as escolas,

convocando os professores para a referida assembleia.

Até que enfim, uma assembleia! Aguardamos esta desde o último 21 de

março quando foi deliberado pelo grupo de professores presentes, após várias

tentativas do Sismal para derrubá-la, que não aceitaríamos o

PARCELAMENTO EM 24 MESES – lembre-se que a época já se pagava

três parcelas das 24 contra a nossa vontade. Já são 6 (SEIS) parcelas e

queríamos o soldo em seis... É queríamos! Pois é, a direção do Sismal nunca

silenciou dessa forma e ainda mais, prefere nos punir, ou melhor, punir “UM

GRUPO ANÔNIMO DE PROFESSORES” que , segundo o Sismal, está

agindo “DE FORMA ILEGÍTIMA, IRRESPONSÁVEL, INCONSEQUENTE,

DESRRESPEITOSA E ANTIDEMOCRÁTICA” com uma carta circular

recebida em 18 de abril em nossas escolas. (op. cit)

A carta exposta demonstra a insatisfação de muitos professores diante das

práticas do SISMAL, o que desencadeou o rompimento de um grupo de professores

com o sindicato e posteriormente o surgimento de uma proposta de constituição de um

novo sindicato de classe. Após algumas assembleias organizadas pelo SISMAL para

tratar de interesses dos professores, alguns pontos de discordância foram aos poucos

acentuando as diferenças entre o sindicato e os docentes, conforme ressaltado

anteriormente. Algumas questões relacionadas com o cumprimento do piso salarial,

bem como alguns direitos garantidos por lei à categoria, como aula-atividade, difícil

acesso, apoio pedagógico entre outros, passaram a ser questionados nas assembleias,

4O SISMAL (Sindicato dos Servidores Municipais de Abreu e Lima) foi fundado em 1997 com

representatividade de todas as categorias do serviço municipal, entre elas a Educação, que é responsável

pela maior parte das atividades do sindicato por representar um maior número de filiados e também pela

forte participação da categoria, quase que unanime em todas as assembleias. Desde a sua fundação, o

SISMAL é presidido pelo mesmo representante, Paulo Freitas. Em 2011 um novo sindicato foi formado,

representando a categoria dos profissionais da educação. Essa mudança trouxe um conflito nas relações

de poder até então estabelecidas entre a administração municipal e o SISMAL que resistiu à formação do

novo sindicato.

87

mas sem sucesso de negociações, conforme expresso em carta analisada e de acordo

com nossas análises já expostas.

As reivindicações da categoria não tinham espaço entre os acordos realizados

com o SISMAL e a Administração e a cada nova assembleia o Sindicato apresentava as

decisões advindas da prefeitura, denotando conivência daquela diretoria sindical com a

gestão municipal. De acordo com a presidente do atual SIMPROFAL, essa situação fez

surgir muita insatisfação dos professores em relação ao SISMAL que, em vez de

defender os direitos dos professores, na maioria das situações, aceitava as decisões da

Administração sem questionar ou mesmo interagir com a categoria.

Durante a assembleia na qual foi exposta a carta acima pelo professor, deu-se

início à criação de uma comissão para acompanhar e participar das negociações com a

administração. Após a formação da comissão, o clima entre os professores e o sindicato

só piorou, visto que a comissão estava sendo rejeitada pelo sindicato durante as

negociações.

Nós entramos no concurso de 2008 e começamos a participar nas assembleias

do sindicato dos servidores gerais, começamos a fazer parte de um grupo de

professores que representavam a categoria, então essa comissão que deveria

participar de todas as negociações e de tudo que envolvesse a categoria de

professores, começou a ser bloqueada. A gente não tinha voz na hora dos

acordos, a comissão não tinha direito de voz, então isso gerou muito

desentendimento e muitas insatisfações, o que obrigou esse grupo, dessa

comissão, a se juntar com um grupo de uma comissão passada e começar o

processo de formação do sindicato. Conversamos com as amigas nas escolas

e perguntamos o que as pessoas achavam de fundar um sindicato próprio para

a categoria e foi mais ou menos por aí. (PS)

Foi nesse contexto que surgiu uma nova proposta pelo grupo formado na

comissão, entre outros professores, da formação de um sindicato de categoria,

denominado SIMPROFAL, conforme a fala da professora integrante, distinto do

SISMAL já instituído. A partir de então um novo cenário político se configura nas

relações entre o SISMAL, a SEDUC e a Administração Municipal.

Optamos por analisar o processo de formação do SIMPROFAL porque

consideramos esse fato como um marco no processo de democratização em relação à

Educação no município, assim como marcou também um momento de lutas, que

envolve um contexto mais amplo na administração da cidade. A partir da criação do

novo Sindicato de Professores, pudemos observar com mais clareza os conflitos nas

relações que envolviam os docentes e a administração. Esses conflitos tomaram uma

grande proporção no município, visto que muitos professores tinham envolvimento e

88

efetiva participação nas questões de relevância para a categoria. Prova disso foi a

participação dos professores na votação da LDO5, na Câmara Municipal de Vereadores.

Apesar da instauração do SINPROFAL ter provocado polêmica e certa

resistência por parte da Administração Municipal, conforme ressalta a presidenta do

Sindicato, a proibição expressa em CI nº 011/2012 no dia um de março de 2012, que foi

entregue em cada escola da rede restringindo a entrada dos dirigentes do SIMPROFAL

nas escolas, já demonstra discordância nas relações de poder que acabam de se

estabelecer, conforme extrato abaixo do referido documento.

O Secretário de Educação no uso de suas atribuições legais considerando a

Constituição Federal e a portaria 186 do TEM e devido às visitas de

professores às escolas atuando como Diretoria de Sindicato, inclusive no

horário de seus respectivos expedientes resolve:

Proibir os educadores de atuar como Sindicato dos Professores nas

dependências das Unidades de Ensino da rede municipal até a devida

apresentação da regulamentação da carta sindical junto ao MTE. (op. cit)

A CI em análise proibiu não só a entrada da diretoria do SIMPROFAL, como

também a atuação de seus representantes, alegando ser necessária a apresentação de

carta sindical. Por outro lado, a dirigente do SIMPROFAL garante não ter infligido

nenhuma regra.

Perseguição do outro Sindicato dos Servidores Gerais e a questão política que

envolveu a prefeitura, chegando ao ponto do secretário de educação proibir a

entrada de todas as pessoas que faziam parte do SIMPROFAL de entrar nas

escolas; mandando CI (Comunicado Interno) para as escolas proibindo a

nossa entrada é só um pouco das dificuldades que vimos enfrentando. (P5)

No dia sete de março de 2012 a Secretaria de Educação do município envia um

novo comunicado interno (CI Nº 12/2012) às gestoras escolares, desta vez permitindo a

entrada do SISMAL nas escolas para a realização de atividades sindicais conforme

apresentamos a seguir:

5 LDO - Lei de Diretrizes Orçamentárias do município, votada em abril de 2012, na Câmara dos

Vereadores. Durante a sessão houve a participação de vários professores que reivindicavam a efetivação

do piso salarial para a categoria, além de outras propostas em benefício da comunidade local. Na ocasião

todos os artigos em prol da comunidade (criação de creches, praças, entre outros benefícios) foram

rejeitados por maioria dos vereadores.

89

ATT. Gestora Escolar

Prezada Senhora

Vimos por meio desta, comunicar a V.Sª que o SISMAL (Sindicato dos

Servidores Municipais de Abreu e Lima), fará nesta quinta e sexta-feira (08 a

09/03/12) respectivamente, visitas às escolas e está autorizado a realizar

atividades sindicais e entrega de agendas. (op. cit)

Para a presidenta do novo sindicato, a postura da SEDUC- Abreu e Lima

evidência uma prática de negação dos direitos dos professores. Percebemos que a

Secretaria de Educação resistia à atuação do SINPROFAL (sindicato dos professores) e

permitia a atuação do SISMAL (sindicato dos servidores municipais). Essas relações

nos revelam uma barreira da administração quanto à aceitação do novo sindicato,

embora este não necessite de autorização desse órgão para funcionar. Apesar das ações

impeditivas, quando questionado sobre o novo sindicato, o secretario de educação se

mostra favorável:

Eu acho interessante esse sindicato, acho que toda classe tem que lutar pela

sua melhoria. Não sou contra de jeito nenhum. Quando as pessoas são

sindicalizadas, elas podem exigir mais e passam a ser mais bem informadas.

Não estou desmerecendo ninguém, mas acho que a comunicação com os

professores tem que ser diferenciada, pelos motivos que eu já expus, é outo

nível. Se puder ter um sindicato só de professores, eu acho importante, pois

os professores são a base de tudo. Um sindicato todo misturado não tende a

dar certo. Acho que professor tem que ter tratamento diferenciado mesmo. O

próprio governo federal trata o professor diferente. (GM)

Apesar da aparente contradição entre o discurso e as práticas desenvolvidas pela

Secretaria de Educação, a gestão demonstra ser a favor de concurso público e das

garantias de direitos dos docentes, embora a prefeitura tenha contratado cada vez mais

professores em regime temporário.

Em 16 abril de 2012, um vereador 6 denuncia a criação de um número excessivo

de funções temporárias para a prefeitura municipal, segundo o qual, o número de

funções aprovadas não corresponde à necessidade do município. O vereador afirma

ainda que o provimento das funções se deu sem concurso público ou seleção

simplificada e esclarece que a Câmara dos Vereadores não seguiu as normas do

regimento interno que estabelece prazo legal para aprovação de projetos de lei.

6Cícero Vicente Marinho Xavier Moraes foi vereador no município de Abreu e Lima com mandato até o

ano de 2012. Durante sua atuação apresentou forte oposição à gestão municipal e nas últimas eleições

candidatou-se a prefeito de Abreu e Lima sendo derrotado por Marcos, pastor evangélico com bastante

popularidade no município e aliado político do então prefeito da cidade Flávio Gadelha.

90

O extrato de documento abaixo relaciona os cargos que foram gerados pela Lei

nº 26/2012 e descreve a situação em que foram criadas as funções.

Representação ao Ministério Público

42 (professores)

020/2012 Secretaria de Educação

27/03/2012 27/03/2012

Efeitos retroati vos ao dia 01/02/ 2012

- Deixou-se o concurso público vencer a validade para contratar politicamente. - Sem concurso público, sem processo seletivo simplificado, sem critério algum para o recrutamento, sem demonstrar a necessidade temporária de excepcional interesse público, e em período pré-eleitoral. - Matéria lida no próprio ‘expediente’ em que foi aprovada, contrariando previsão do Art. 70 (RI)que preconiza 10 dias para análise da matéria nas Comissões Permanentes, e 05 dias quando de urgência solicitada pelo Executivo. Neste caso, a matéria foi lida em 27/03, encaminhada para as Comissões Permanentes em 27/03, suspendeu-se a Sessão Ordinária para emissão dos Pareceres em 27/03, leitura dos Pareceres em Plenário, encerrou-se a Sessão Ordinária, iniciou-se uma Sessão Extraordinária, convocada na mesma hora, e para o mesmo instante (também contrariando o RI), aprovou-se os Pareceres, dispensou-se o interstício de uma Sessão para colocar o Projeto em votação, e o Projeto foi aprovado no próprio dia 27/03/2012. - Precisaríamos de pelo menos 04 Sessões para aprovar a matéria. - Aprovada por Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) com composição diversa da legalmente estabelecida. Em protesto, dois vereadores se negaram a participar, e o Presidente escolheu outros dois vereadores, ‘leais’, com a missão de aprovar tudo naquele dia, novamente ferindo o RI. Não há previsão regimental para substituição de

membros de comissões permanentes com o intuito

de servir a interesses diversos. A Mesa Diretora informa que ‘o plenário é soberano’, para qualquer medida.

70 (professores)

Lei nº 785/2011 de 02/12/11 – Secretaria de Educação

Efeitos retroativos ao dia 01/08/2012

- Deixou-se vencer a validade do concurso público para contratar politicamente. - Sem concurso público, sem processo seletivo simplificado, sem critério algum para o recrutamento, sem demonstrar a necessidade temporária de excepcional interesse público, e em período pré-eleitoral. Possivelmente não estejam em sala de aula. - Criou-se funções temporárias com data retroativa. A administração já havia contratado sem autorização legislativa, ou irá pagar os ‘atrasados’ sem que as pessoas tivessem trabalhado?

Fonte: Abreu e Lima - 2012

De acordo com a presidenta do SINPROFAL, todas essas contradições foram

sendo investigadas e, durante o ano de 2012, o sindicato recorreu ao Ministério Público

com o intuito de buscar esclarecimentos sobre os aspectos que envolvem a educação no

município. No começo de 2013, o SINPROFAL solicita cumprimento de aula-atividade

para os professores. Essa ação acontece paralelamente em outros municípios do estado

como Recife, Ipojuca e Cabo. O descumprimento da hora-aula atividades não acontece

apenas no município de Abreu e Lima, já nas escolas da rede estadual de ensino o

direito a aula-atividade é garantido.

91

A nosso ver, a análise permite-nos identificar que as ações políticas

desenvolvidas no âmbito do poder legislativo e administrativo encontram-se em

discordância com os princípios da Administração Pública estabelecidos pela

Constituição Federal, quando falta a transparência nas ações. Por outro lado,

observamos que a denúncia de que trata o documento representa mais que uma simples

constatação de irregularidade legal, significa também o reconhecimento do abuso de

poder existente nessas ações políticas das quais, em muitas situações, a comunidade não

tem conhecimento.

A partir de 2013, com a posse do novo prefeito da cidade, ocorreram algumas

mudanças no quadro funcional da SEDUC, agora com 7 funcionários concursados, 6

contratados e 12 comissionados. Observa-se que até o final de 2012 não havia

funcionários efetivos na SEDUC, conforme mencionado anteriormente em nossas

análises. Já em 2013 contamos com 7 professores efetivos exercendo funções técnicas,

mas as referidas mudanças não estão relacionadas a nenhum processo de seleção

interna, como exige o Estatuto e sim a uma relação de acordos políticos que foram

estabelecidos ainda durante a campanha política do atual prefeito. Essas informações

com números exatos que trazemos em nossa pesquisa só foi possível após exigência do

Ministério Público, em audiência com representantes da SEDUC, após denúncia pelo

sindicato dos professores, pois até o momento essas informações eram negadas.

O que pudemos perceber durante a exploração no campo de estudo e durante

todo o processo de coleta de dados foi um insipiente processo de transformações, a

começar com o ingresso de um novo secretário de educação que, apesar de tomar

atitudes contraditórias, trouxe uma ressignificação às relações pessoais e à dinâmica de

trabalho na organização em estudo – SEDUC – e depois com o engajamento dos

docentes na instituição de um sindicato de categoria e foi daí que percebemos as

principais mudanças. Momentos de reflexão e participação marcaram a instauração

desse sindicato que, através de suas ações, mesmo que de maneira restrita, promoveu o

envolvimento dos sujeitos como antes não acontecia no município, demarcando a

formação de uma nova cultura política crítica.

Foi a partir da análise micropolítica que pudemos entender as necessidades e

lacunas existentes que limitam o desenvolvimento de uma gestão educacional mais

democrática e dessa forma compreender que a cultura dominante que permeia as

práticas nas instituições de ensino no município encontram limitadores que, só a partir

de um fazer autônomo e consciente será possível transformar. É nessa perspectiva que

92

acreditamos que uma cultura participativa onde haja o fortalecimento dos espaços de

discussão, do fortalecimento do exercício democrático é capaz de construir a autonomia

que vai além da delegação de poderes, em que os sujeitos possam juntos construir um

bem comum local. (ESTÊVÃO, 2006).

Acreditamos que o engajamento dos sujeitos pode significar o semear de uma

nova cultura no município, uma cultura que permite a efetiva participação e autonomia

necessária, sem a qual não é possível pensar em democracia.

93

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa aqui apresentada teve como objetivo geral analisar o processo de

democratização da gestão educacional de um município em processo recente de

emancipação política, seus limites e perspectivas. Para atingir tal fim, procuramos

investigar os influentes político-sociais da cultura nacional que perpassam as relações

sociais no interior da secretaria de educação do município; identificar as concepções de

democracia, autonomia e participação expostas pelos membros das unidades de gestão

(secretaria de educação e escolas); e analisar como as políticas de democratização têm

influenciado/e ou se materializado nas práticas de gestão através das concepções dos

gestores educacionais e professores, bem como as ações desenvolvidas a partir dessas

relações.Insere-se no debate a respeito das repercussões da Reforma Educacional

desenvolvida a partir dos anos 1990 com a promulgação da LDBEN 9394/96, cujo

centro foi o processo de democratização e descentralização do sistema educacional,

tendo como princípios a autogestão e a participação cidadã.

Considerando o conflito de sentidos e ideais que se fazem presentes neste

processo, compreendemos que os dispositivos legais ora trazem real possibilidade de

abertura e mudanças nas formas de gerir os sistemas educacionais, ora limitam a

padrões homogêneos de uma lógica capitalista as estratégias de condução da gestão

educacional no país. Dessa forma, buscamos compreender o processo de

democratização legalmente instituído através da gestão educacional do município de

Abreu e Lima em suas dimensões socioculturais e políticas. Sendo assim, esse tipo de

análise conduz a um reflexo do modelo democrático que se desenvolve e, nessa direção,

nos possibilita intervir na sua reconfiguração a partir de um projeto democrático

realmente participativo e transformador.

Para obtermos respostas às indagações, empreendemos uma análise

micropolítica no cotidiano da educação no município, que envolve as relações pessoais

e as ações e concepções dos sujeitos, tendo em vista que o poder está contido nas ações

políticas e nas relações humanas e delas refletem as relações de força. Estas traduzem

aspectos culturais, o que nos permite apreender se as ações desenvolvidas nos espaços

educacionais contemplam ou não uma gestão democrática voltada para a participação

cidadã e comunicação, na qual os sujeitos possam interagir coletivamente diante de suas

diferentes racionalidades. Nesse sentido, salientamos a gestão escolar como importante

94

interventora nas relações de poder por possibilitar a redistribuição de poderes entre a

comunidade escolar.

Seguindo essa lógica, apresentamos abordagens conceituais que versaram sobre

as temáticas da democracia, seus princípios e transformações. Salientamos sobre a

necessidade de se compreender qual modelo democrático tem sido desenvolvido em

nossas instituições sociais, em especial, a instituição educacional, por acreditarmos que

a escola representa e reproduz as concepções políticas sob as quais está inserida.

Sobretudo porque a consideramos ao mesmo tempo um espaço privilegiado, onde se faz

possível o desenvolver de uma ação transformadora através da educação para a

cidadania, que a nosso ver se traduz num grande desafio da atualidade. É através da

escola e principalmente a partir da gestão democrática que se faz possível a distribuição

de poder entre os sujeitos que viabilize o processo de mudança necessário ao bem

comum, ou seja, às aspirações da coletividade.

Abordamos as relações de poder que se configuram no cotidiano das instituições

para melhor compreendermos, a cultura organizacional que traduz seu modelo de

gestão.

Constituímos assim uma porte teórico, político e filosófico que embasa nossas

concepções a respeito de um processo democrático realmente capaz de interferir nas

relações de poder e reconfigurá-las, visando à transformação social.

Escolhemos o município de Abreu e Lima por sua emancipação relativamente

recente, o que nos permitiu analisar de maneira mais precisa seus processos de

formação política através da instituição escolar via secretaria de educação, bem

como pela ausência de estudos que analisassem as questões referentes às políticas de

gestão educacional nesse município.

Os dados apresentados revelaram que, no município de Abreu e Lima, ainda se

faz presente uma forte cultura centralizadora e burocrática na qual as determinações da

SEDUC prevalecem em quase todos os aspectos, inclusive no cotidiano escolar. Ao

analisarmos as relações estabelecidas entre a Secretaria de Educação e as escolas,

percebemos que as gestoras não gozam de liberdade para exercer suas ações enquanto

gestoras. Essa constatação se deu de acordo não só com as fala das gestoras, mas

também diante das observações no cotidiano da SEDUC.

Observamos que a gestão nas escolas não acontece de forma democrática e até

as pequenas decisões são tomadas em consonância com as determinações da gestão

municipal. Além disso, as ações desenvolvidas no âmbito municipal de educação

95

tendem à arbitrariedade e ao abuso de poder, uma vez que as demandas legais que

garantem os direitos dos profissionais de educação não são respeitadas. Verificamos que

no município não há eleições pra gestores das escolas e que a gestão escolar enfrenta

limitações quanto a sua liberdade de ação também no que compete à participação da

comunidade escolar, além da falta de equipe gestora nas escolas analisadas. Tal

observação deixa clara a inoperância da gestão enquanto espaço de diálogo e

aprendizagem política.

Percebemos que alguns sujeitos, principalmente os gestores escolares,

compreendem a gestão democrática como espaço de participação, mas não reconhecem

tal prática em suas ações. Já os professores não deixam claro seu entendimento em

relação aos processos de democracia e participação. Quanto aos mecanismos de

participação, percebe-se que a maioria dos sujeitos não compreende como funcionam e

até confundem-se quanto à função desses mecanismos.

Percebemos que no município há gestoras que ainda se encontram em processo

de graduação, o que denota, a nosso ver, uma baixa consistência em termos de

conhecimentos e habilidades desses profissionais, o que, em algumas situações, foi

comprovado pela falta de esclarecimento em questões pertinentes a gestão e a

participação. Constatamos ainda que nas escolas observadas não existem conselhos

escolares e que o município não dispõe de um conselho municipal de educação atuante.

Essas observações só comprovam o quanto se precisa avançar no tocante à participação

da coletividade no processo de gestão da educação e escolar no município.

Quantos às relações de poder observadas durante nossas visitas à SEDUC e às

escolas,ficou claro que nesses espaços acontecem conflitos pessoais constantes e que as

decisões são tomadas de cima para baixo, não havendo diálogo nem consenso, conforme

presenciamos em uma situação de conflito dentro da escola em que alguns professores

que tomaram iniciativa de contribuir junto à gestão na mediação de conflitos foram

reprimidos pela secretária adjunta de educação pela postura tomada, o que gerou

desgaste entre as partes. Foi através de situações cotidianas que pudemos perceber que

as relações de poder que se estabelecem entre SEDUC, gestores e professores no

município são pautadas pelo abuso e centralização do poder, sem contar com o grande

número de professores contratados por tempo determinado, o, que a nosso ver,

enfraquece a possibilidade de lutas e superação dessa ordem, pois esses profissionais,

conforme observamos, não participam de movimentos sindicais e trabalham sob

ameaças de demissão.

96

Apesar do contexto conflituoso, um grupo de professores resolve fundar um

sindicato de categoria, o que fez surgir uma nova atmosfera de mudanças nas

relações de poder no município. Esse processo de mudança trouxe muitos embates

políticos e momentos de discussão, além de ações e mobilizações com vistas a

denunciar os abusos sofridos pelos profissionais de educação e de se construir uma nova

cultura política no município. A partir da constituição do sindicato dos professores,

intensifica-se um processo de luta por melhores condições de trabalho, pela garantia de

direitos e pela democratização da gestão com a abertura para a participação coletiva.

É nesse sentido que compreendemos que o processo de emancipação política do

município de Abreu e Lima encontra similaridade com outros municípios com recente

processo de emancipação política, também marcados por práticas patrimonialistas e

clientelistas, com gestão fortemente caracterizada pela centralização e hierarquia.

Os aspectos microssociais nos permitiram confrontar as ações desenvolvidas no

sistema de gestão do município de Abreu e Lima com demandas políticas democráticas

autênticas, e, nesse sentido, pudemos identificar as reais possibilidades de

democratização educacional nesse contexto, bem como apreender nas suas

peculiaridades os entraves culturais que limitam uma prática participativa na gestão

escolar.

Assim, dentre os limites de uma gestão educacional democrática está ainda a

forte presença de uma cultura burocrática que se reproduz no imaginário e nas ações dos

sujeitos através de práticas e relações autoritárias e centralizadoras, especialmente por

parte da gestão, onde o órgão representativo do sistema educacional municipal detém o

poder de decisão, limitando, com isso, a autonomia das unidades de ensino e

dificultando o compartilhamento do poder entre os sujeitos de direito.

Dentre as perspectivas de aprofundamento da democratização da gestão,

encontramos o surgimento de novas formas de poder através das ações dos

professores,especialmente com a fundação de um sindicato de classe. Esse fato

representa a constituição de uma cultura democrática, uma vez que insere os sujeitos

num espaço político visando mudança nas ações controladoras da gestão municipal que,

além de negar os direitos dos profissionais da área, não respeita as diretrizes

democráticas vigentes.

Diante de nossa análise, concordamos com Foucault (1999) quando

reconhecemos que o poder circula através da macroestrutura representada pelo Estado e

suas instituições e que ele é legitimado e reproduzido por elas. Esse poder também

97

exerce sua força e está refletido nas formas invisíveis através das estruturas simbólicas,

conforme sinaliza Bourdieu (1989), mas também acreditamos que o poder está presente

nas relações pessoais, nas expressões silenciosas e nas ações cotidianas. Esse poder

exerce uma grande força quando sabemos utilizá-lo de forma organizada e consciente

visando processos de mudança.

Por fim, entendemos com a análise aqui empreendida que, para o

desenvolvimento de uma cultura democrática na gestão educacional, faz-se

necessário que os sujeitos busquem seus espaços de ação para que haja superação de

uma ordem burocrática e centralizadora. Para isso é preciso muito mais do que uma

determinação política: é preciso que as nossas relações e ações sejam pautadas no

conhecimento e liberdade para que possamos ir além de modelos “democráticos”

hierarquizados e construir, através da educação, um projeto político societário justo e,

nessa direção, o desenvolvimento da gestão democrática ganha seu sentido mais

essencial, o da participação consciente, do desenvolvimento da cidadania e da

construção de relações mais igualitárias de poder onde as diferenças sejam encaradas

como riqueza cultural.

Entendemos, portanto, que a escola e o sistema educacional se configuram como

uma arena política, pautada na construção de uma cultura democrática que vai além da

democratização formal das instituições, mas que toca toda a sociedade e abre espaços à

transformação social.

98

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prática. Revista brasileira de estudos pedagógicos. Brasília, v.77,n.186, p.376-395,

maio/ago,1996.

PEDROSA, Genealda Maria Leite. O Projeto Político Pedagógico e a

Democratização da Gestão Escolar: estudo de uma escola estadual no município de

Garanhuns - PE- BRASIL. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal

de Pernambuco, Recife. 2005.

SALES, Elaine Cristina M. A cultura escolar e a construção da gestão democrática:

Uma análise de uma escola de ensino fundamental e médio. Dissertação (Mestrado em

educação), Universidade Federal de Pernambuco, Recife. 2004.

SANTOS, Evson Malaquias de M. Brasilidade e a democracia escolar: O jeitinho, a

malandragem e as formas autoritárias na escola pública. Recife: Editora Universitária,

2009.

SILVA, Sidney. Democracia, estado e educação: uma contraposição de tendências.

Revista brasileira de política e administração da educação (RBPAE)/ Associação

nacional de política e administração da educação. Porto Alegre:Editora Maria Beatriz

Lude, 2010.

102

WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva.

Brasília: UnB, 1999.

103

ROTEIRO DE ENTREVISTA

GESTOR(A) MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

I- Dados de identificação

1. Escolaridade:

Graduação ( ) Sim ( ) Não _____________________________

Especialização ( ) Sim ( ) Não ______________________________

Mestrado ( ) Sim ( ) Não ______________________________

Doutorado () Sim ( ) Não _____________________________

2. Há quanto tempo exerce a função de Secretário Municipal de Educação neste

município?

3. Exerce outra atividade no serviço público ou além desta? Qual?

4. Você já almejou exercer esta função? Por quê

5. Como ocorreu o processo de ocupação do cargo?

( ) Indicação política ( ) Eleição ( ) Seleção ( ) Outros

6. É Filiado a algum partido político? Qual? É o mesmo partido do atual prefeito?

II- Aspectos da prática da gestão da educação no municipio

7. Que desafios ou dificuldades vem enfrentando em sua gestão?

8. Em sua opinião, que mudanças vêm ocorrendo em relação à gestão anterior?

9. Existe um Plano Municipal de Educação atualmente?

10. Se sim, quando e como aconteceu a elaboração desse plano? Quem participou

desse processo de elaboração?

11. O que você acha que ainda precisa mudar no contexto educacional do

município?

12. Que pontos você considera positivos e quais considera negativos no exercício da

função?

III- Democratização da gestão

13. Que ações o senhor desenvolve no dia-a-dia? (rotina externa e interna)

104

14. Quais as principais demandas desta secretaria?

15. Como é a relação entre a SEDUC e os gestores das escolas?

16. Como é sua relação com os seus subordinados?

17. Na sua opinião, o que poderia mudar nas relações entre:

Secretaria de Educação e Gestores Escolares

Secretaria de Educação e Poder Executivo

18. Em sua opinião, sua gestão tem autonomia necessária para agir? Que objetivos

você alcançou e ainda deseja alcançar com a sua gestão?

19. Que ações a SEDUC vem desenvolvendo na perspectiva de democratização da

gestão escolar e de qualidade da educação?

20. O concurso público para provimento de cargo de professores realizado

recentemente é um indicador da democratização da gestão?

21. Em sua opinião fundação de um sindicato dos professores representa um

indicador para a democratização na educação do município?

22. Você concorda com a democratização da gestão municipal de educação?

23. Considera a sua gestão como democrática ou em processo para a

democratização? Por quê?

24. O que entende por Gestão Democrática?

Obrigada pela contribuição!

105

ROTEIRO DE ENTREVISTA

GESTOR(A) ESCOLAR

I- Dados de identificação

1. Escolaridade:

Graduação ( ) Sim ( ) Não _____________________________

Especialização ( ) Sim ( ) Não ______________________________

Mestrado ( ) Sim ( ) Não ______________________________

Doutorado () Sim ( ) Não ______________________________

2. Há quanto tempo exerce a função de gestora nesta instituição de ensino?

3. Exerce outra atividade no serviço público ou além desta? Qual?

4. Você já almejou exercer esta função? Por quê?

5. Como acorreu o processo de ocupação do cargo?

( ) Indicação política ( ) Eleição ( ) Seleção ( ) Outros

II- Aspectos da prática da gestão

6. Existe um Projeto Político Pedagógico nesta instituição?

Se sim, quando e como aconteceu a elaboração desse projeto? Quem participou desse

processo de elaboração?

7. Em sua opinião qual é a importância de um PPP para a escola?

8. Atualmente os pais, professores e demais servidores têm participado da gestão?

9. Como é sua relação com os professores e pais de alunos?

10. Existe a prática de reuniões na escola? Se sim, com qual frequência?

11. Existe um conselho escolar atuante na instituição de ensino? Em sua opinião, o

que é um conselho escolar e qual é a sua utilidade?

12. A gestão democrática foi proposta legalmente para ajudar a solucionar os

problemas e enfrentar os desafios do cotidiano da escola de forma participativa.

O que você entende por Gestão Democrática?

13. Na sua opinião, a gestão democrática melhora ou dificulta o trabalho na escola?

Por quê?

14. Você considera a sua gestão como democrática? Por quê?

15. O que você acha que ainda precisa mudar para uma gestão mais participativa e

democrática?

106

16. Em sua opinião, sua gestão tem autonomia necessária para desenvolver projetos

e ações?

17. Que mudanças você considera importantes para a construção de uma gestão

democrática e participativa?

18. A escola dispõe de um quadro de funcionários para atender a todas as demandas

e funções necessárias ao bom funcionamento das atividades?

19. Como é a relação entre a escola e a Secretaria de educação?

20. Que objetivos você alcançou e quais ainda deseja alcançar com a sua gestão?

21. Como é a sua relação com a equipe docente?

22. Quais são os pontos positivos e os negativos da sua função?

107

ROTEIRO DE ENTREVISTA

PROFESSOR(A):

I- Dados de identificação

1. Escolaridade:

Graduação ( ) Sim ( ) Não _____________________________

Especialização ( ) Sim ( ) Não ______________________________

Mestrado ( ) Sim ( ) Não ______________________________

Doutorado ( ) Sim ( ) Não ______________________________

2. Há quanto tempo exerce a função deprofessora nesta instituição de ensino?

3. Exerce outra atividade no serviço público ou além desta? Qual?

4. Você almejou exercer esta função? Por quê?

5. Como acorreu o processo de ocupação do cargo?

( ) Indicação política ( ) concurso público ( ) Seleção ( ) Outros

II- Aspectos da prática da gestão

6. Existe um Projeto Político Pedagógico nesta instituição?

7. Você já participou da elaboração de um Projeto Político Pedagógico nesta

instituição ou em outra instituição do município?

8. Em sua opinião qual é a importância de um PPP para a escola?

9. Você costuma participar de reuniões para tomada de decisões em relação à

gestão da escola? Se sim, com que frequência?

10. Como é a sua relação com a equipe gestora, pais e alunos?

11. Existe um conselho escolar atuante na instituição de ensino? Para você, o que é

um conselho escolar e qual é a sua utilidade?

12. A gestão democrática foi proposta legalmente para ajudar a solucionar os

problemas e enfrentar os desafios do cotidiano da escola de forma participativa.

O que você entende por Gestão Democrática?

13. Em sua opinião, a gestão democrática melhora ou dificulta o trabalho na escola?

Por quê?

14. Você considera a gestão desta escola como democrática? Por quê?

15. Que mudanças você considera importantes para a construção de uma gestão

democrática e participativa?

16. A escola dispõe de um quadro de funcionários para atender a todas as demandas

e funções necessárias ao bom funcionamento das atividades? Se não, como a

108

escola se organiza para atender as demandas?Existe algum tipo de participação

por parte do professor no envolvimento com outras atividades da escola que não

seja necessariamente suas atribuições?

17. Há nesta instituição eleições periódicas para o cargo de diretor(a)?

18. Você já participou de algum processo de eleição para gestores nesta instituição?

19. Na sua opinião a equipe gestora desta escola tem autonomia para exercer suas

atividades?

20. Que atitudes do dia a dia ela toma a frente, resolve, sem precisar de autorização?

III- Aspectos

21. No seu ponto de vista, como você observa a relação entre a Secretaria de

Educação e a escola?

22. Existe no município um sindicato de professores? Se sim, qual é o seu grau de

participação? Se não, que espaço de participação e discussão política existe no

município que permita um diálogo entre os professores e a administração do

município?

23. Existe um estatuto dos professores no município?

24. Em sua opinião, os direitos dos professores têm sido respeitados pela

administração do município? Por quê?

25. Em sua opinião, o que poderia mudar na educação do município para contribuir

com a formação de uma escola mais democrática e uma educação de maior

qualidade?

Obrigada pela contribuição!