democracia_e_educacao

download democracia_e_educacao

of 45

Transcript of democracia_e_educacao

  • 8/6/2019 democracia_e_educacao

    1/45

    DEMOCRACIA E EDUCAO

    John Dewey

    Cap. 1: A educao como uma necessidade da vida

    Traduo de Maria Isabel Gaivo Donato Torres Fevereiro

    Finalista da Licenciatura em Matemtica, 1995/96

    1. A renovao da vida por transmisso.

    A distino mais notvel entre seres vivos e seres inanimados que os primeiros se mantm por renovao. Quando sebate numa pedra, esta oferece resistncia. Se esta resistncia for maior que a fora com que se bate, a pedra no sealtera minimamente. Caso contrrio, ela partida em pequenos bocados. Uma pedra nunca tenta reagir de tal formaque se possa manter inaltervel contra a presso que sofre ao ser batida, e muito menos ainda de forma a contribuirpara a aco de que alvo. Os seres vivos no entanto, podem ser facilmente esmagados por uma fora superior, mastentam apesar disso transformar a energia que actua contra eles num meio de prolongar a sua prpria existncia. Seno o conseguirem, no ficam partidos em bocados mais pequenos (pelo menos nas formas de vida superiores), masperdem a sua identidade como um ser vivo.

    Enquanto resiste, o ser vivo luta de forma a utilizar as energias circundantes em seu prprio proveito. Ele utiliza a luz, oar, a humidade e as substncias que compem o solo. Afirmar que o ser vivo as utiliza dizer que as transforma emmeios da sua prpria conservao. Enquanto est em fase de crescimento, a energia dispendida nesta transformaodo ambiente largamente compensada por aquilo que o ser vivo obtm em troca: o seu crescimento. Se se entender apalavra controlo neste sentido, poder-se- dizer que um ser vivo aquele que, a fim de conseguir manter as suasprprias actividades de uma forma continuada, subjuga e controla estas energias que de outro modo seriamdesperdiadas. A vida um processo de auto renovao atravs de aces exercidas sobre o meio ambiente.

    Quaisquer que sejam as formas de vida superiores, este processo no se pode manter indefinidamente. Aps algumtempo sucumbem; e morrem. Um ser no definido pela tarefa de se renovar indefinidamente. Mas a continuidade doprocesso de vida no depende do prolongamento da existncia de um qualquer indivduo. A reproduo de outrasformas de vida prossegue numa sequncia contnua. E apesar de, como se constata atravs dos registos geolgicos,no serem apenas os indivduos que morrem mas espcies inteiras que desaparecem, o processo de vida continua emseres de complexidade sempre crescente. medida que algumas espcies de vida morrem, outras formas melhoradaptadas para utilizarem os prprios obstculos contra os quais as primeiras lutaram em vo, aparecem. Acontinuidade de vida significa uma readaptao contnua do meio ambiente s necessidades dos organismos vivos.

    Temos estado a falar de vida no sentido mais pobre do termo - uma coisa fsica. Mas utilizamos a palavra vida numsentido mais amplo para designar todo o conjunto de experincias, individuais e raciais. Quando pegamos num livrochamadoA Vida de Lincoln no estamos espera de encontrar no seu interior um tratado de psicologia. Procuramos osseus antecedentes sociais; uma descrio do ambiente onde vivia na sua juventude, as condies de vida e ocupaodos seus familiares; dos episdios mais relevantes no desenvolvimento do seu carcter; dos seus insucessos esucessos mais marcantes, das suas esperanas, preferncias, alegrias e sofrimentos. Do mesmo modo falamos da vidade uma tribo selvagem, do povo Ateniense, da nao Americana. A palavra Vida refere-se aos costumes, instituies,crenas, vitrias e derrotas, divertimentos e ocupaes.

    Utilizamos a palavra experincia com a mesma riqueza de sentido. Quer neste caso, quer relativamente palavra vida

    no sentido psicolgico estrito, aplicado o princpio da continuidade atravs da renovao. No caso dos sereshumanos, a par da existncia da renovao fsica, processa-se a renovao das crenas, ideais, esperanas, alegrias,misrias e hbitos. A continuidade de qualquer experincia, processada atravs da renovao do grupo social, umfacto. A educao, no seu sentido mais lato, o meio atravs do qual se verifica esta continuidade de vida social. Todosos elementos que constituem um grupo social, tanto numa cidade moderna como numa tribo selvagem, nascemimaturos, carentes de ajuda, no possuindo qualquer tipo de linguagem, convices, ideias, ou padres sociais. Cadaindivduo, cada unidade portadora da experincia de vida do grupo a que pertence, com o tempo desaparece. Noentanto a vida do grupo continua.

    Os factos inevitveis do nascimento e da morte de cada indivduo num grupo social, determinam a necessidade deeducao. Por um lado, existe o contraste entre a imaturidade dos elementos recm nascidos do grupo - seus nicosrepresentantes futuros - e a maturidade dos elementos adultos possuidores do conhecimento e costumes do grupo. Poroutro lado, existe a necessidade de que estes elementos imaturos do grupo no sejam apenas fisicamente preservados

    em nmero adequado, mas que sejam iniciados nos interesses, propsitos, informao, aptides, e prticas dosmembros adultos: de outro modo o grupo perde a sua vida caracterstica. Mesmo numa tribo selvagem, ascompetncias dos adultos esto muito longe daquilo que os elementos imaturos sero capazes de conseguir seentregues a si prprios. medida que aumenta o grau de civilizao aumenta tambm o desfazamento entre as

  • 8/6/2019 democracia_e_educacao

    2/45

    capacidades iniciais dos elementos imaturos e os padres e costumes dos idosos. O simples desenvolvimento fsico, osimples controlo das necessidades bsicas de subsistncia no so suficientes para reproduzir a vida do grupo. necessrio haver um esforo deliberado e a tomada de medidas ponderadas de modo que os seres que ao nasceramno tm conscincia, sendo mesmo indiferentes, dos objectivos e hbitos do grupo social, tomem disso conhecimento ese tornem activamente interessados. A educao, e apenas a educao, pode resolver o problema.

    semelhana do que se passa com a vida biolgica, a existncia da sociedade devida a um processo detransmisso. atravs da comunicao de hbitos de fazer, construir e sentir, por parte dos mais velhos para os mais

    novos que esta transmisso se processa. Se no acontecer esta comunicao dos ideais, esperanas, expectativas,padres e opinies daqueles que mais depressa iro desaparecer do grupo dos vivos para aqueles que comeam afazer parte deste, ento a vida social no sobrevive. Numa sociedade composta por elementos que vivessemcontinuamente, a tarefa de educar seria meramente movida por interesses pessoais e no por uma necessidade social.Assim, educar de facto uma tarefa que decorre da necessidade.

    Se uma praga matasse todos os membros de uma sociedade de uma s vez, bvio que este grupo desapareceriapara sempre. No entanto, a morte de cada um dos elementos constituintes de uma sociedade sempre absolutamentecerta, mas o desfazamento de idades e o facto de alguns elementos nascerem enquanto outros morrem, torna possvela constante renovao do tecido social atravs da transmisso de ideias e prticas. No entanto esta renovao no automtica. A menos que sejam tomadas medidas de forma a verificar que se processa uma transmisso genuna ecompleta, qualquer grupo por mais civilizado que seja, regressa barbrie e seguidamente ao estado selvagem. Defacto os jovens humanos so de tal modo imaturos que se fossem abandonados a si prprios sem a orientao e ajuda

    de outros poderiam nem adquirir as competncias rudimentares necessrias prpria existncia fsica. A eficciaoriginal dos jovens humanos quando comparada com a de outras espcies animais mais baixas to pobre que nemmesmo so capazes de conseguir sustento fsico sem ajuda. Quanto mais, ento, neste caso relativamente scompetncias tcnicas, artsticas, cientificas e morais da humanidade

    2. Educao e Comunicao.

    A necessidade de ensinar e aprender para assegurar a continua existncia de uma sociedade de facto to bvia, quepode at parecer que andamos s voltas com uma frase feita. Mas a justificao est no facto de tal nfase ser umaforma de nos afastar de uma noo escolstica e formal de educao. A escola na realidade um meio importante detransmisso na formao do jovem; mas apenas um meio, e quando comparada com outros, um meio relativamentesuperficial. S quando compreendemos ser necessria a existncia de mais mtodos de ensino, fundamentais e

    persistentes, que podemos ter a certeza de colocar os mtodos escolsticos no seu verdadeiro contexto.A Sociedade no s tem continuidadeportransmisso eporcomunicao, mas poderemos mesmo dizer que ela existe

    na transmisso e na comunicao. H mais do que uma simples ligao verbal entre as palavras comum, comunidade ecomunicao. Os homens vivem em comunidade em virtude daquilo que tm em comum; e a comunicao o modoatravs do qual eles passam a ter coisas em comum. Para que formem uma comunidade ou sociedade os homensdevem ter em comum objectivos, convices, aspiraes, conhecimento - uma compreenso comum - no sentido dosenso comum como diriam os socilogos. Tais coisas no podem ser passadas fisicamente de um para o outro, comose passam tijolos; no podem ser partilhadas da mesma forma que as pessoas partilham uma tarte dividindo-a emfatias. A comunicao necessria compreenso comum participada aquela que garante uma formao similar emtermos emocionais e intelectuais - ou seja, modos semelhantes de responder s expectativas e exigncias dacomunidade.

    As pessoas no formam uma sociedade apenas por viverem em proximidade fsica. Assim um homem no deixa de ser

    socialmente influenciado por estar afastado dos outros uns tantos metros ou quilmetros. Um livro ou uma carta podemlevar a uma associao mais ntima entre seres humanos separados milhares de quilmetros entre eles do que vivendodebaixo do mesmo tecto. Um conjunto de pessoas no forma um grupo social apenas porque trabalham para um fimcomum. As diversas partes de uma mquina trabalham em cooperao para um resultado comum, mas no formamuma comunidade. No entanto se todos estivessem conscientes do objectivo comum que se pretende atingir einteressados em alcanar esse objectivo de tal forma que cada actividade especfica fosse regulada para esse fim,ento sim estar-se-ia em presena de uma comunidade. Mas isto envolve comunicao. Cada elemento do grupo terianecessidade de saber o que cada um dos outros estava a fazer e teria de haver um modo de manter os outrosinformados das suas prprias intenes e progressos. Para que haja consenso necessrio que haja comunicao.

    Somos ento obrigados a reconhecer que mesmo no mais social dos grupos existem muitas relaes que no so denatureza social. Em qualquer grupo social um elevado nmero de relaes humanas so do nvel das relaes tipomquina. As pessoas utilizam-se umas s outras para atingir os resultados pretendidos, sem olhar parte emocional e

    intelectual dos que so usados e sem o seu consentimento. Este tipo de utilizao expressa uma superioridade fsica,ou uma superioridade em termos de posio, de capacidades, de aptides tcnicas, domnio de ferramentas quermecnicas quer fiscais. Enquanto as relaes se mantiverem ao nvel das relaes pai e filho, professor e aluno,

  • 8/6/2019 democracia_e_educacao

    3/45

    empregador e empregado, governante e governado, no se pode falar de grupo social propriamente dito,independentemente do grau de proximidade existente nas respectivas actividades.

    Dar e acatar ordens, modifica as aces e os resultados, mas no afecta por si s uma partilha de objectivos, umacomunicao de interesses. No s a vida social se identifica com a comunicao, mas toda a comunicao (e portantotoda a verdadeira vida social) educativa. Ser receptor de uma comunicao viver uma experincia diferente e maisalargada. Ao partilhar aquilo que outros pensaram e sentiram, quer por empobrecimento quer por ampliao, modifica-se sempre as prprias atitudes. Nem mesmo aquele que comunica deixa de ser afectado. Se algum experimentar

    comunicar na totalidade e com preciso uma experincia sua a outra pessoa, especialmente se uma experincia dealgum modo complicada, descobrir que a sua prpria atitude face sua experincia se altera, de outro modo limita-sea recorrer a pequenas exclamaes e explicaes muito breves. A experincia ter de ser formulada com o objectivo deser comunicada. Para poder formular a experincia, necessrio retirar-se para fora dela, procurando olh-la com osolhos de outro, tendo em considerao os pontos de interesse da vida dessa pessoa, de modo que a explicao adquirauma forma tal que permita ser por ela entendida. Excepto quando se trata de banalidades e frases feitas, uma pessoatem que assimilar, recorrendo imaginao, algo da experincia de outros de modo a poder transmitir de uma formainteligente a sua prpria experincia. A comunicao como a arte. Pode-se mesmo dizer ento que qualquer tipo deorganizao social, considerado essencialmente social ou essencialmente partilhado, educativo para todos os quenela participam. S quando se torna num molde e cai em rotina perde o seu poder educativo.

    Finalmente, no s a vida social requer ensino e aprendizagem para a sua prpria permanncia, mas o prprioprocesso de vida em comum educativo, alargando e clarificando a experincia, estimulando e enriquecendo a

    imaginao, criando responsabilidade para o rigor e vivacidade no pensamento e afirmao. Um ser humano que vivasozinho (mentalmente e fisicamente) ter muito poucas ou nenhumas ocasies para reflectir sobre a sua experinciapassada, e retirar da o seu significado. A desigualdade ao nvel das competncias entre os elementos adultos e oselementos ainda imaturos, torna necessrio que no s os mais novos sejam ensinados, mas a prpria necessidade deensinar d um enorme estmulo para reduzir a experincia a uma ordem de grandeza e forma, que a tornar maisfacilmente comunicvel e portanto mais til.

    3. O lugar da Educao Formal.

    Existe uma notvel diferena entre a educao que toda a gente obtm pelo simples facto de viver com os outros, namedida em que realmente vive e no apenas subsiste, e a educao deliberada dos mais novos. No primeiro caso aeducao casual. natural e importante mas no a razo expressa da associao. Pode-se dizer, sem receio de

    exagerar, que aquilo que mede o valor de qualquer instituio social, econmica, domstica, poltica, jurdica, religiosa, o seu efeito no alargamento e melhoramento da experincia; no entanto tal efeito no faz parte do motivo que lhe deuorigem, que limitado e de carcter prtico imediato.

    As associaes religiosas, por exemplo iniciam-se pelo desejo de assegurar as influncias benficas e afastar asnefastas; a vida familiar comea no desejo de satisfazer o amor e assegurar a descendncia; o trabalho sistemtico nasua maior parte, teve origem na escravatura, etc. Apenas gradualmente os subprodutos da instituio, o seu efeito naqualidade e extenso da vida consciente, foram tidos em conta, e ainda mais gradualmente foi este efeito consideradocomo um factor directivo na conduo da instituio. Ainda hoje, na nossa vida de trabalho quotidiano, parte certosvalores de brio profissional e de cuidados a ter na utilizao de dinheiro e recursos, a reaco intelectual e emocionaldas formas de associao segundo as quais o mundo do trabalho se rege, recebe pouca ateno quando comparadacom os resultados materiais.

    Mas tratando-se de jovens, o facto de associao por si s como um facto humano imediato, ganha importncia.

    Apesar de ser relativamente fcil ignorar, no nosso contacto com eles, o efeito dos nossos actos na sua formao, ousubordinar esse efeito educativo a um qualquer resultado externo e tangvel, no to fcil como quando se trata deadultos. A necessidade de treino por demais evidente; a presso de conseguir uma mudana nas suas atitudes ehbitos demasiada urgente para que se possa ignorar estas consequncias. Como o nosso objectivo mximo emrelao a eles torn-los capazes de partilhar numa vida em comunidade no podemos deixar de considerar seestamos ou no a conseguir que adquiram as capacidades necessrias para esta aptido. Se a humanidade fez algumprogresso ao realizar que o valor mais alto de qualquer instituio o seu efeito especificamente humano - o seu efeitosobre uma experincia consciente - podemos bem acreditar que esta lio foi quase inteiramente aprendida noscontactos com os jovens.

    Somos ento levados a distinguir no processo educativo, no sentido mais lato que temos estado a considerar atagora, um tipo de educao mais formal - um ensino mais directo ou escolar. Em grupos sociais subdesenvolvidos,encontramos muito pouco qualquer tipo de ensino e aprendizagem formal. Grupos humanos de selvagens confiam

    basicamente em incutir gradualmente nos mais jovens a formao necessria, atravs do mesmo tipo de associaoque mantm os adultos leais ao grupo. No tm esquemas especiais, materiais ou instituies para ensinar excepto noque diz respeito s cerimnias de iniciao pelas quais os jovens adquirem o estatuto de membro social pleno.Praticamente em quase tudo, eles dependem da aprendizagem das crianas relativamente aos costumes dos adultos,

  • 8/6/2019 democracia_e_educacao

    4/45

    adquirindo as emoes e o conjunto das ideias, partilhando naquilo que os mais velhos esto fazendo. Em parte, estapartilha directa, tomando parte nas ocupaes dos adultos, como aprendizes; em parte indirecta, atravs de peasdramatizadas nas quais as crianas reproduzem as aces dos crescidos aprendendo como eles so. Para osselvagens pareceria disparatado procurar um lugar de aprendizagem, onde nada a no ser a aprendizagem teria lugar.

    Mas h medida que a civilizao avana, aumenta o desfazamento entre as capacidades dos jovens e aspreocupaes dos adultos. A aprendizagem por partilha directa das aces dos crescidos torna-se cada vez mais difcilexcepto no caso das ocupaes menos avanadas. Muito daquilo que os adultos fazem to remoto no espao e em

    significado que as imitaes de carcter ldico so cada vez menos adequadas por forma a reproduzir o seu autnticosignificado. A aptido para partilhar efectivamente as actividades dos adultos depende ento de um treino adquiridoanteriormente j com esta finalidade. Agncias intencionais - escolas - e materiais explcitos - estudos - so inventados.A tarefa de ensinar determinadas coisas delegada a um grupo especial de pessoas.

    Sem essa educao formal no possvel transmitir todos os recursos e realizaes de uma sociedade complexa. tambm aberto um caminho para um determinado tipo de experincia que estaria inacessvel aos mais novos se lhesfosse permitido obter apenas o treino que necessitam em associaes informais com os outros, uma vez que os livros eos smbolos do conhecimento so o repositrio de todo o conhecimento.

    Mas existem alguns perigos bem visveis nesta transio da educao directa para uma educao formal. A actividadede partilha, quer directamente quer atravs de jogos, pessoal e vital. Estas qualidades compensam de algum modo aestreiteza de oportunidades disponibilizadas. A instruo formal, pelo contrrio, facilmente se torna remota e morta,abstracta e livresca, para usar as palavras mais comuns no sentido depreciativo. Todo o conhecimento existente emsociedades pouco desenvolvidas no mnimo posto em prtica; transformado no carcter dessas sociedades; existecom a profundidade de significado que serve aqueles que a ela recorrem diariamente.

    Mas em culturas avanadas muito daquilo que se tem de aprender armazenado em smbolos. Est longe de teralguma ligao com os objectos e actos familiares. Se tomarmos por medida o padro comum de vida, artificialporque esta medida est ligada a preocupaes de ordem prtica. Tais materiais existem num mundo por si ss, noassimilados aos costumes usuais de pensamento e expresso. Existe o perigo de os saberes da instruo formalconstiturem o que h de mais importante na escola, isolados daquilo que realmente necessrio na vida quotidiana.Os interesses sociais da comunidade perdem-se de vista. Aqueles que no foram transpostos para a estrutura da vidasocial, mas se mantiveram em larga medida como informao tcnica expressa em smbolos, so os mais valorizadosnas escolas. Chegamos ento noo comum de educao: a que ignora a sua necessidade social e a sua identidadecom as associaes humanas que afectam a vida consciente, e que a identificam com a informao dada relativamentea coisas de importncia relativa e a transmisso da aprendizagem atravs de sinais verbais: a aquisio da literacia.

    Um dos problemas principais que a filosofia da educao enfrenta a forma de encontrar o equilbrio certo entre osmodos de educao formal e informal, casual e intencional. Quando a aquisio de informao e de aptidesintelectuais de carcter tcnico no influencia a formao do trao de personalidade social, a experincia comum vitalno consegue ganhar em significado, enquanto a escolarizao, at agora, cria apenas argutos na aprendizagem -isto , especialistas egostas. Para evitar um desfazamento entre aquilo que os homens conscientemente sabem porqueesto alertados para o facto de terem aprendido atravs de um trabalho especfico de aprendizagem e o queinconscientemente sabem porque o absorveram na formao do seu carcter por intermdio de outros, torna-se umatarefa cada vez mais delicada com todo o desenvolvimento de escolaridade especial.

    Resumo: Faz parte da prpria natureza da vida o esforo de continuar como ser vivo. Como esta continuidade s podeser assegurada atravs de constantes renovaes, a vida um processo de auto renovao. A nutrio e a reproduorepresentam para a vida fisiolgica, o mesmo que a educao representa para a vida social. Esta educao consiste

    basicamente na transmisso por comunicao. A comunicao um processo de partilha de experincias at que setornem uma pertena comum. Altera a personalidade de todas partes envolvidas. O significado mais profundo de todosos modos de associao humana assenta na contribuio que dada para a melhoria da qualidade da experincia e um facto muito mais evidente quando se trata de associaes de jovens. Isto significa que enquanto qualquer arranjosocial educativo tendo em conta o efeito que produz, este efeito educativo torna-se primeiro uma parte importante dosobjectivos da associao conjuntamente com a associao dos mais velhos com os mais novos. medida que associedades se tornam mais complexas em termos de estruturas e recursos, aumenta a necessidade de um ensino eaprendizagem formal ou intencional. medida que o ensino formal vai sendo alargado, existe o perigo de criar umdistanciamento indesejvel entre a experincia adquirida atravs de associaes mais directas e aquilo que aprendidona escola. Este perigo nunca foi to grande como agora, devido ao rpido crescimento em termos de conhecimentos eaptides tecnolgicas dos ltimos sculos.

  • 8/6/2019 democracia_e_educacao

    5/45

    Cap. 2: A Educao como uma Funo Social

    Traduo de Rita Bastos

    Finalista da Licenciatura em Matemtica, 1995/96

    1. A Natureza e o Significado de Meio

    Vimos que uma comunidade ou grupo social se mantm por um processo contnuo de auto renovao, e que odesenvolvimento educacional dos membros imaturos do grupo que d lugar a esta renovao. atravs de vriasaces, involuntrias ou intencionais, que uma sociedade transforma seres ignorantes e aparentemente estranhos emfirmes guardies dos seus prprios recursos e ideais. Nesse sentido, a educao um processo que consiste emadoptar, cuidar, cultivar. Todas estas palavras significam que a educao implica ateno s condies de crescimento.Outros termos, como fazer desabrochar, criar, fazer crescer, tambm so utilizados - exprimem a diferena de nvel doque se pretende abranger com a educao. O significado etimolgico da palavra educao apenas o processo deconduzir, guiar ou criar. Quando pensamos no produto desse processo, falamos em educao como uma actividade demodelar, formar, moldar - isto , ajustar forma padro da actividade social. Neste captulo vamos referir os aspectosgerais do modo como um grupo social cria e conduz os seus membros imaturos at sua forma social prpria.

    Uma vez que o que preciso uma transformao na qualidade da experincia at que ele partilhe os interesses,propsitos e ideias correntes do grupo social, o problema no se reduz, evidentemente, ao da mera formao fsica. Ascoisas podem ser transportadas no espao, fisicamente; podem ser materialmente conduzidas. As crenas e ambiesno podem ser fisicamente extradas ou inseridas. Ento, como que elas so transmitidas? Dada a impossibilidade decontgio directo ou imposio literal, o nosso problema consiste em descobrir o mtodo pelo qual os jovens assimilamos pontos de vista dos mais velhos, ou os mais velhos conseguem fazer com que os jovens pensem do mesmo modoque eles.

    A resposta, expressa numa forma geral, : atravs da aco do meio que provoca certas reaces. As crenaspretendidas no podem ser aparafusadas; as atitudes desejadas no podem ser coladas. Mas o meio especfico emque cada indivduo existe leva-o a ver e sentir uma coisa em detrimento de outra; leva-o a ter certos planos com vista apoder agir eficazmente com outros; fortalece algumas crenas e enfraquece outras, como uma condio para conquistara aprovao dos outros. Assim, vai construindo gradualmente nele um certo sistema de comportamentos, uma certaaptido para agir. As palavras ambiente e meio designam algo mais do que o espao fsico que rodeia o indivduo.Elas designam a continuidade especfica entre as circunstncias que o envolvem e as suas prprias tendncias paraagir. Entre um ser inanimado e o que o rodeia h, com certeza, uma continuidade; mas as circunstncias que o rodeiamno constituem, a no ser em metforas, o seu meio. Porque um ser inanimado no se interessa pelas influncias que oafectam. Por outro lado, algumas coisas que esto afastadas, no espao ou no tempo, de um ser vivo, e em especial deum ser humano, podem fazer parte do seu meio, mais do que algumas das coisas que lhe esto prximas. O meiogenuno de um homem so as coisas com as quais ele muda. Assim, as actividades do astrnomo mudam com asestrelas que observa ou acerca das quais faz clculos. Das coisas que o rodeiam, o seu telescpio o seu meio maischegado. O meio de um arquelogo, como tal, consiste na poca remota da vida humana a que ele se dedica, e asrelquias, inscries, etc., atravs das quais ele se relaciona com esse perodo.

    Em resumo, o meio consiste nas condies que promovem ou impedem, estimulam ou inibem, as actividadescaractersticas de um ser vivo. A gua o meio de um peixe porque ela necessria s suas actividades - sua vida.O plo norte um elemento significativo do meio de um explorador artico, quer ele consiga alcan-lo ou no, porquedefine as suas actividades, faz delas o que elas tm de especfico. exactamente porque vida no significa existnciameramente passiva (supondo que tal coisa existe), mas sim um modo de agir, que meio significa tudo o que faz partedessa actividade como condio que a promove ou a frustra.

    2. O Meio Social

    Um ser cujas actividades esto associadas a outros seres tem um meio social. O que ele faz e o que ele pode fazerdependem das expectativas, exigncias, aprovaes e condenaes dos outros. Um ser relacionado com outros seresno pode desenvolver as suas actividades prprias sem ter em conta as actividades dos outros. Porque elas so ascondies indispensveis realizao das suas tendncias. Quando ele se move faz mexer os outros ereciprocamente. Conceber como possvel definir as actividades de um indivduo em termos das suas acesisoladamente, o mesmo que tentar imaginar um homem de negcios a fazer negcios de compra e vendacompletamente sozinho. O dono de uma fbrica, que faz planos na privacidade do seu gabinete, est, na verdade, a teruma actividade mais orientada socialmente do que quando est a comprar matria prima ou a vender o seu produto

    final. Pensamentos ou sentimentos que esto relacionados com aces associadas a outros so formas decomportamento to sociais como a maior parte dos actos manifestamente cooperativos ou hostis.

  • 8/6/2019 democracia_e_educacao

    6/45

    Como que o meio social educa os seus membros imaturos o que temos mais especialmente que mostrar. No muito difcil ver como que ele molda os hbitos externos de aco. At os ces e os cavalos modificam as suasaces quando se associam a seres humanos; eles adquirem hbitos diferentes porque os seres humanos seinteressam pelo que eles fazem. Os seres humanos controlam os animais atravs do controle dos estmulos naturaisque os influenciam; por outras palavras, criando um determinado meio. A comida, os freios e as rdeas, os barulhos, ascarroas, so usados para dirigir o modo como as respostas naturais ou instintivas dos cavalos ocorrem. Procedendosistematicamente de forma a provocar certas aces, criam-se hbitos que funcionam com a mesma uniformidade que

    com o estmulo original. Se um rato colocado num labirinto e encontra comida ao dar um certo nmero de voltas numadeterminada sequncia, a sua actividade modificada gradualmente at ele fazer esse percurso habitualmente, e nooutro, quando sente fome.

    As aces humanas so modificadas duma forma anloga. Uma criana que se queimou tem medo do fogo; se um paifizer com que uma criana se queime sempre que tocar num determinado brinquedo, a criana aprende a evitar essebrinquedo to automaticamente como evita o fogo. At agora, contudo, temos estado a tratar do que pode serdesignado portreinamento, para se distinguir de ensino educativo. As mudanas que considermos do-se em acesexteriores e no em tendncias de comportamento mental ou emocional. No entanto, a distino no ntida. Com otempo a criana pode, provavelmente, criar uma averso violenta, no s relativamente quele brinquedo em particular,mas a todos os que se lhe assemelhem. A averso pode at persistir mesmo quando ela j se tiver esquecido dasqueimaduras originais; mais tarde pode at inventar uma explicao para essa averso aparentemente irracional.Nalguns casos, a alterao do hbito externo de aco por alterao do meio, de modo a afectar o estmulo para a ac-

    o, altera tambm a disposio mental relacionada com a aco. No entanto, isso nem sempre acontece; uma pessoatreinada para se esquivar a um soco ameaador, desvia-se automaticamente, sem que isso corresponda a umpensamento ou a uma emoo. Temos que encontrar, portanto, algumas distines entre treinamento e educao.

    Uma pista para isso pode ser encontrada no facto de que o cavalo no partilha, realmente, a utilizao social da suaaco. algum que utiliza o cavalo para assegurar um resultado vantajoso, que o torna tambm vantajoso para ocavalo que desempenha a aco - dando-lhe comida, etc. Mas, presumivelmente, o cavalo no adquire novosinteresses. Mantm-se interessado na comida e no no servio que est a prestar. Ele no um parceiro numaactividade partilhada. Se ele se tornasse num parceiro, teria, ao envolver-se nessa actividade conjunta, os mesmosinteresses que os outros na sua realizao. Partilharia as suas ideias e as suas emoes.

    Actualmente, em muitos casos - em demasiados casos - a actividade do ser humano imaturo simplesmente reguladade modo a assegurar hbitos que so teis. Ele mais treinado como um animal do que educado como um serhumano. Os seus instintos permanecem associados aos objectos originais de dor ou prazer. Mas para se sentir feliz ou

    evitar a frustrao ele tem que agir de modo a agradar aos outros. Noutros casos, ele partilha realmente, ou participa daactividade comum. Neste caso, o seu impulso original modificado. No se limita a agir de modo concordante com asaces dos outros mas, ao agir assim, as mesmas ideias e emoes que animam os outros so despertadas nele.Imaginemos uma tribo guerreira. Os sucessos em que se empenha, as conquistas que valoriza, esto relacionadas comguerras e vitrias. A presena deste meio incita a exibies belicosas num rapaz, primeiro em jogos, depois de facto,quando j suficientemente forte. Se luta, conquista aprovao e promoo; Se se contm, desprezado, ridicu-larizado, imerecedor de qualquer reconhecimento favorvel. No admira que as suas tendncias e emoesbeligerantes originais se fortaleam custa dos outros e que as suas ideias se voltem para os factos relacionados coma guerra. S dessa maneira se pode transformar inteiramente num membro reconhecido pelo seu grupo. Assim, os seushbitos mentais vo-se gradualmente assemelhando aos do seu grupo.

    Se formularmos o princpio implcito neste exemplo, apercebemo-nos que o meio social nem inculca directamentecertos desejos e ideias, nem sequer estabelece certos hbitos de aces puramente musculares, como pestanejar ou

    evitar um soco instintivamente. O primeiro passo estabelecer as condies que estimulam certos modos de agirvisveis e tangveis. O ltimo passo fazer do indivduo um participante ou parceiro da actividade social, de modo queele sinta como seus o sucesso ou o falhano dessa actividade. Logo que interiorizar a atitude emocional do grupo, ficaralerta para reconhecer as finalidades que se deseja atingir e os mtodos empregados para assegurar o sucesso. Poroutras palavras, as suas crenas e ideias adquiriro formas semelhantes s dos outros indivduos do grupo. Tambmconquistar sensivelmente o mesmo conjunto de conhecimentos, uma vez que esse conhecimento um ingrediente dassuas ocupaes habituais.

    A importncia da linguagem na aquisio de conhecimentos , sem dvida, a principal causa da noo do sensocomum de que o conhecimento pode ser transmitido directamente de uns para os outros. Quase como se, paraintroduzir uma ideia na mente de outra pessoa, bastasse introduzirmos um som no seu ouvido. Assim, o conhecimentocomunicado seria assimilado por um processo meramente fsico. Mas, se se analisar a aprendizagem da linguagemdescobre-se que ela confirma o princpio que estabelecemos. provvel que se admita, sem grandes hesitaes, que

    uma criana adquire a ideia de um chapu, por exemplo, ao utiliz-lo como as outras pessoas; quando cobre a cabeacom ele, quando o d a outros para o usarem, quando lhe colocado na cabea para sair, etc. Mas pode-se perguntarcomo que esse princpio da actividade partilhada se aplica ao adquirir, atravs do discurso ou da leitura, a ideia de,

  • 8/6/2019 democracia_e_educacao

    7/45

    por exemplo, um elmo Grego, em que no h qualquer espcie de utilizao directa. Quando se estuda, atravs doslivros, a descoberta da Amrica, qual a actividade partilhada?

    Uma vez que a linguagem tende a tornar-se o principal instrumento de aprendizagem de muitas coisas, vejamos comofunciona. O beb comea, naturalmente, com meros sons, barulhos e tons que no tm significado, isto , que noexprimem uma ideia. Os sons so apenas um tipo de estmulos para uma resposta directa, uns tm um efeito calmante,outros tendem a fazer-nos estremecer, etc. O som c-h-a-p--u manter-se-ia to sem significado como um som emChoctaw, como um grunhido aparentemente inarticulado, se no fosse emitido em conexo com uma aco participada

    por uma quantidade de pessoas. Quando a me leva o filho rua, diz chapu enquanto lhe coloca qualquer coisa nacabea. Ser levado a sair torna-se um interesse da criana; a me e o filho no se limitam a sair juntos fisicamente,ambos se importam com a sada; apreciam-na em conjunto. Por associao com outros factores da actividade, o somchapu logo adquire, para a criana, o mesmo significado que tem para os pais; torna-se num smbolo da actividadede que faz parte. O simples facto da linguagem ser constituda por sons que so inteligveis mutuamente por sisuficiente para mostrar que o seu significado depende da conexo com uma experincia partilhada.

    Em resumo, o som c-h-a-p--u ganha significado exactamente da mesma maneira que o objecto chapu o ganha,sendo utilizado de uma determinada forma. E eles adquirem, para a criana, o mesmo significado que tm para oadulto, porque foram utilizados por ambos numa experincia comum. Encontra-se uma garantia do mesmo modo deutilizao no facto de o objecto e o som terem sido originalmente empregues numa actividade conjunta, como um meiode estabelecer uma conexo activa entre a criana e um adulto. Ideias ou significados semelhantes surgem, porqueambas as pessoas esto envolvidas como parceiros de uma aco em que aquilo que uma faz influencia e depende do

    que o que a outra faz. Se dois selvagens estivessem envolvidos num jogo de caa conjunto, e um certo sinalsignificasse virar direita para o que o emitiu, e virar esquerda para o que o ouviu, obviamente no poderiam levara cabo, com sucesso, a sua caada conjunta. Compreenderem-se um ao outro significa que os objectos, sonsinclusivamente, tenham o mesmo valor para ambos no que respeita consecuo de um objectivo comum.

    Depois de os sons terem adquirido significado atravs de conexes com outras coisas utilizadas numa tarefa conjunta,eles podem ser relacionados com outros sons semelhantes para desenvolver novos significados, precisamente damesma maneira que as coisas que eles designam esto relacionadas. Assim, as palavras atravs das quais a crianaaprende acerca do elmo Grego, por exemplo, adquiriram originalmente um significado (ou foram compreendidas)atravs da sua utilizao numa aco com interesses e finalidades comuns. Despertam agora um novo significado aoincitar aquele que ouve ou que l a ensaiar, na sua imaginao, as actividades em que o elmo utilizado. Durantealgum tempo, aquele que compreende as palavras elmo Grego torna-se mentalmente num parceiro daqueles queutilizaram o elmo. Ele envolve-se, atravs da imaginao, numa actividade partilhada. No fcil adquirir o significado

    completo das palavras. A maior parte das pessoas ficam-se, provavelmente, pela ideia de que elmo designa umaestranha espcie de chapu que era usada antigamente por umas pessoas chamadas Gregos. Conclumos, portanto,que o uso da linguagem para exprimir e adquirir ideias uma extenso e um aperfeioamento do princpio de que ascoisas ganham significado ao serem utilizadas numa experincia partilhada ou aco comum; no contradiz esteprincpio em nada. Quando as palavras no entram como factores de uma situao partilhada, seja ela real ouimaginada, elas funcionam como um estmulo meramente fsico, e no como tendo um significado ou valor intelectual.Provocam uma actividade em determinada direco, mas que no acompanhada de um propsito consciente ou deum significado. Assim, por exemplo, o sinal mais pode ser um estmulo para escrever um nmero debaixo de outro esomar os nmeros, mas, a menos que se aperceba do significado do que est a fazer, a pessoa pode no estar aoperar mais do que um autmato.

    3. O Meio Social como Educativo.

    O resultado que obtivemos at aqui que o meio social forma a disposio mental e emocional do comportamento dosindivduos empenhando-os em actividades que despertam e fortalecem certos impulsos, que tm determinados prop-sitos e provocam determinadas consequncias. Uma criana que cresce numa famlia de msicos tem inevitavelmenteas suas capacidades musicais estimuladas, sejam elas quais forem, e, comparativamente, mais estimuladas do queoutros impulsos que poderiam ter sido despertados noutro meio. Se no se interessa por msica e no adquire algumacompetncia nesse campo, fica de fora; incapaz de participar da vida do grupo a que pertence. Algumas formas departicipao na vida daqueles com quem o indivduo se relaciona so inevitveis; nesse aspecto, o meio social exerceuma influncia educativa ou formativa inconscientemente e independentemente de quaisquer propsitos estabelecidos.

    Em comunidades selvagens e incultas, essa participao directa (que constitui a educao indirecta ou acidental deque falmos) representa praticamente a nica influncia na iniciao dos jovens s prticas e crenas do grupo. Mesmonas sociedades actuais, proporciona a educao bsica da juventude, por muito escolarizada que ela seja. Conforme os

    interesses e ocupaes do grupo, algumas coisas tornam-se objecto de grande estima; outras de averso. Umaassociao no cria impulsos ou sentimentos de afecto e desafecto, mas fornece os objectos a que esto ligados. Omodo como o nosso grupo ou classe faz as coisas tende a determinar quais os objectos dignos de ateno e, portanto,a prescrever as direces e limites da observao e da memria. O que estranho ou marginal (quer dizer exterior s

  • 8/6/2019 democracia_e_educacao

    8/45

    actividades dos grupos) tem tendncia a ser moralmente proibido e intelectualmente suspeito. A ns, por exemplo,parece-nos quase inacreditvel que coisas que conhecemos muito bem tenham passado desapercebidas em pocaspassadas. Somos inclinados a explicar isso atribuindo uma estupidez congnita aos nossos antepassados e assumindouma inteligncia superior inata da nossa parte. Porm a explicao que os seus modos de vida no conduziam aateno para esses factos, mas mantinham as suas mentes presas a outras coisas. Exactamente do mesmo modo queos sentidos requerem objectos perceptveis que os estimulem, tambm os nossos poderes de observao, recordao,e imaginao no funcionam espontaneamente, mas so despoletados pelas condies impostas pelas ocupaes

    sociais correntes. A estrutura essencial do carcter formada, independentemente da escolarizao, por estas influ-ncias. O mximo que um ensino consciente e deliberado pode fazer emancipar as capacidades assim formadas paraum desempenho mais completo, eliminar algumas das suas imperfeies, e fornecer-lhes objectos que tornem a suaactividade mais frtil de significado.

    Apesar de esta influncia inconsciente do meio ser to subtil e penetrante que afecta todos os aspectos do carcter eda mente, talvez valha a pena especificar algumas direces em que o seu efeito mais visvel. Primeiro, os hbitos delinguagem. Os modos fundamentais de falar, a maior parte do vocabulrio, so formados na intercomunicao habitualda vida, exercida no como um processo de instruo estabelecido mas por uma necessidade social. Dizemos, e bem,que o beb adquire a lngua materna. Apesar dos hbitos de linguagem assim adquiridos poderem ser corrigidos ou atsubstitudos atravs de ensino consciente, mesmo assim, em momentos de excitao, a maneira de falar adquiridaintencionalmente muitas vezes abandonada, e as pessoas reincidem na sua verdadeira lngua nativa. Em segundolugar, as formas de conduta. O exemplo notavelmente mais poderoso do que a regra. Como se costuma dizer, as

    boas maneiras vm de uma boa criao, ou melhor, so uma boa criao; e a criao faz-se atravs de aces habi-tuais, em resposta a estmulos habituais, no atravs de transmisso de informaes. Apesar do papel ilimitado dacorreco e instruo conscientes, o ambiente e o esprito circundantes so, em ltima anlise, os principais agentesformadores da conduta. E as normas de conduta no so mais do que pequenos princpios morais. Alm disso, nosgrandes princpios morais, a instruo consciente s parece ser eficaz na medida em que concorda com os dizeres efazeres gerais daqueles que constituem o meio social da criana. Em terceiro lugar, o bom gosto e a apreciaoesttica. Se o olho constantemente confrontado com objectos harmoniosos, com belas formas e cores, desenvolve-senormalmente um padro de gosto. O efeito de um ambiente espalhafatoso, desleixado e decorado em excesso produzuma deteriorao do gosto, assim como um meio circundante miservel e estril destroi o desejo de beleza. Perantetais possibilidades, o ensino consciente pouco mais pode fazer do que transmitir informaes em segunda mo quantoao que os outros pensam. Um gosto assim nunca se torna espontneo e pessoalmente enraizado, mas permanececomo uma lembrana forada do que aqueles pensam de algum que nos ensinaram a admirar. Dizer que os padresmais profundos de juzo de valores so moldados pelas situaes em que uma pessoa participa habitualmente, no tanto para referir um quarto ponto, mas sim para assinalar um ponto de fuso dos j referidos anteriormente. Raramentereconhecemos que as medidas em que a nossa conscincia estima o que vale a pena e o que no vale, assentam empadres de que no estamos, de maneira nenhuma, conscientes. Mas em geral pode-se afirmar que as coisas quetemos como certas, sem questionar ou reflectir, so exactamente aquelas que determinam o nosso pensar consciente edecidem as nossas concluses. E estes hbitos que permanecem abaixo do nvel de reflexo so exactamente aquelesque se formaram no permanente dar e receber das nossas relaes com os outros.

    4. A Escola como um Meio Especial.

    A importncia principal desta constatao precedente sobre o processo educativo que avana de bom ou de maugrado, conduzir-nos observao de que o nico modo pelo qual os adultos controlam conscientemente o tipo deeducao que os imaturos recebem controlando o meio em que actuam, e portanto pensam e sentem. Nunca

    educamos directamente, mas sim indirectamente atravs do meio. H uma grande diferena entre permitir que meiosaleatrios faam esse trabalho, ou concebermos os meios para os nossos propsitos. E qualquer meio um meioaleatrio no que diz respeito influncia educativa que exerce, a menos que tenha sido deliberadamente reguladorelativamente ao seu efeito educativo. Um lar inteligente difere de um no inteligente essencialmente no facto de oshbitos de vida e de comunicao que prevalecem serem escolhidos, ou pelo menos alterados, pela considerao dassuas consequncias no desenvolvimento da criana. Mas as escolas continuam a ser, evidentemente, o caso tpico demeios moldados com a preocupao expressa de influenciar as disposies mentais e morais dos seus membros.

    Abreviadamente, elas surgem quando as tradies sociais se tornam to complexas que uma parte considervel dopatrimnio social passado a escrito e transmitido atravs de smbolos escritos. Os smbolos escritos so ainda maisartificiais ou convencionais do que os falados; no podem ser compreendidos em intercomunicaes acidentais comoutras pessoas. Alm disso a forma escrita tende a seleccionar e registar assuntos que so relativamente estranhos vida quotidiana. As realizaes acumuladas de gerao em gerao so guardadas dessa forma, mesmo que algumas

    delas tenham cado temporariamente em desuso. Consequentemente, a partir do momento em que uma sociedadedepende, numa medida considervel, do que est para alm do seu prprio territrio e da sua gerao imediata, temque contar com a interveno das escolas para assegurar a transmisso adequada de todos os seus recursos. Parailustrar com um exemplo bvio: A vida dos Gregos e Romanos da antiguidade influenciou profundamente a nossa

  • 8/6/2019 democracia_e_educacao

    9/45

    prpria vida, e no entanto as formas como nos afectaram no so visveis nas nossas experincias comuns. De ummodo semelhante, povos actuais, mas afastados no espao, Britnicos, Germnicos, Italianos, influenciam directamenteas nossas ocupaes sociais, mas a natureza da interaco no pode ser compreendida sem constatao e atenoexplcitas. Exactamente do mesmo modo, no podemos confiar nas nossas associaes quotidianas para esclarecerperante os jovens o papel de energias fsicas remotas e de estruturas invisveis nas nossas actividades. Portanto, paratratar de assuntos como esse foi institudo um modo especial de intercomunicao, a escola.

    Este modo de associao, quando comparado com as associaes comuns da vida, tem trs funes suficientemente

    especficas para serem assinaladas. Em primeiro lugar, uma civilizao complexa demasiado complexa para ser assi-milada na totalidade. Tem que ser dividida em partes, por assim dizer, e assimilada aos poucos, num processo graduale progressivo. As relaes na nossa vida social actual so to numerosas e to entrelaadas que uma criana colocadana posio mais favorvel no poderia participar prontamente em muitas das mais importantes. No participando, o seusignificado no lhe seria comunicado, no se integraria na sua estrutura mental. No conseguiria ver as rvores porcausa da floresta. A sua ateno seria atrada, ao mesmo tempo, por negcios, poltica, arte, cincia, religio; oresultado iria ser uma confuso. A primeira funo da instituio social a que damos o nome de escola assegurar ummeio simplificado. Selecciona os aspectos que se distinguem como fundamentais e susceptveis de resposta da partedos jovens. Depois estabelece uma ordem progressiva, utilizando os aspectos adquiridos em primeiro lugar parapromover a compreenso dos que so mais complicados.

    Em segundo lugar, funo do meio escolar eliminar, o mais possvel, a influncia dos aspectos inconvenientes domeio existente nos hbitos mentais. Estabelece um meio de aco purificado. A seleco visa no apenas a simpli-

    ficao, mas tambm a supresso do que indesejvel. Todas as sociedades esto sobrecarregadas comvulgaridades, com coisas inteis do passado, e com preversidades inegveis. A escola tem o dever de omitir essascoisas do meio que oferece e, portanto, fazer o possvel para contrariar a sua influncia no meio social comum. Aoseleccionar o melhor para seu uso exclusivo, a escola tenta seriamente reforar o poder desse melhor. medida que asociedade se torna mais esclarecida, apercebe-se de que responsvel porno transmitir e conservar a totalidade dassuas realizaes existentes, mas s as que contribuem para uma sociedade futura melhor. A escola o seu agenteprincipal no cumprimento desta finalidade.

    Em terceiro lugar, funo do meio escolar equilibrar os vrios elementos do meio social, e providenciar para que cadaindivduo tenha a oportunidade de se libertar das limitaes do grupo social em que nasceu, e entrar em contacto activocom um meio mais amplo. Palavras como sociedade e comunidade so susceptveis de induzir em erro, porquetendem a fazer-nos pensar que a uma nica palavra corresponde uma nica coisa. De facto, uma sociedade moderna constituda por muitas sociedades com ligaes mais ou menos frouxas. Cada famlia com as suas imediatas relaes

    de amizade constitui uma sociedade; a aldeia ou o grupo de companheiros de brincadeiras de rua uma comunidade;cada grupo profissional, cada clube, outra. Para alm destes grupos mais chegados, existe num pas como o nossouma variedade de raas, de associaes religiosas, de grupos econmicos. No interior de uma cidade moderna, eapesar da sua unidade poltica nominal, h provavelmente mais comunidades, maior diversidade de costumes, tradi-es, aspiraes, e formas de governo ou de controle, do que existia antigamente num continente inteiro.

    Cada um destes grupos exerce uma influncia formativa no carcter activo destes membros. to verdade que umaelite, um clube, um bando, os ladres de um esconderijo, os prisioneiros de uma priso, proporcionam meios educativospara os que entram nas suas actividades colectivas ou conjuntas, como o para uma igreja, um sindicato, umasociedade comercial ou um partido poltico. Cada um constitui tanto um modo de vida associativa ou comunitria,quanto uma famlia, uma cidade, ou um estado. H tambm comunidades cujos membros tm poucos, ou nenhuns,contactos directos entre si, como as corporaes de artistas, os grmios literrios, os membros de uma classeprofissional erudita dispersa pelo mundo. Porque eles tm alvos comuns, e a actividade de cada membro directa-

    mente modificada pelo conhecimento do que os outros esto a fazer.Antigamente, a diversidade de grupos era, em larga medida, uma questo geogrfica. Havia muitas sociedades, mas

    cada uma, dentro do seu territrio, era relativamente homognea. Mas, com o desenvolvimento do comrcio, dos trans-portes, das comunicaes e da emigrao, pases como os Estados Unidos constituiram-se de uma mistura de gruposdiferentes com costumes tradicionais diferentes. esta situao que est, talvez mais do que qualquer outra causa, naorigem da procura de uma instituio educacional que proporcione aos jovens qualquer coisa como um meiohomogneo e equilibrado. S deste modo podem ser contrariadas as foras centrfugas causadas pela justaposio devrios grupos num s e na mesma unidade poltica. A mistura de jovens de diferentes raas, religies divergentes ecostumes diversos na escola, cria para todos eles um meio novo e mais amplo. Os temas comuns familiarizam todoseles com uma unidade de perspectivas sobre um horizonte mais amplo do que aquele que perceptvel aos membrosde qualquer grupo que esteja isolado. O poder assimilativo das escolas pblicas Americanas um testemunhoeloquente da eficcia do apelo comum e equilibrado.

    A escola tem tambm a funo de coordenar as diversas influncias, no carcter de cada indivduo, dos vrios meiossociais de que faz parte. Na famlia prevalece um cdigo; na rua, outro; um terceiro na oficina ou na loja; um quarto nacongregao religiosa. Quando a pessoa muda de um meio para outro, fica sujeita a foras antagnicas, e corre o risco

  • 8/6/2019 democracia_e_educacao

    10/45

    de se desintegrar num ser com diferentes padres de juzo e emoo em diferentes ocasies. Este risco obriga a escolaa uma prtica estabilizadora e integradora.

    Resumo.

    O desenvolvimento nos jovens das atitudes e disposies necessrias vida contnua e progressiva de uma sociedadeno tem possibilidade de se realizar pela transmisso directa de crenas, emoes e conhecimentos. Realiza-se atra-

    vs da intermediao do meio. O meio consiste no somatrio de todas as condies que afectam a execuo daactividade caracterstica de um ser vivo. O meio social consiste em todas as actividades dos pares que estodirectamente relacionados com a realizao das actividades de um qualquer dos seus membros. Ele tem um efeitoverdadeiramente educativo na medida em que cada indivduo partilha ou participa nalguma actividade conjunta. Aorealizar a sua parte na actividade associada, o indivduo apropria-se do propsito que a acciona, torna-se conhecedordos seus processos e assuntos, adquire competncias necessrias, e impregnado pelo seu esprito emocional.

    A formao educativa do carcter torna-se mais profunda e mais pessoal, sem uma inteno consciente, medida queos jovens vo, gradualmente, tomando parte nas actividades dos vrios grupos a que pertencem. Contudo, visto que asociedade se torna cada vez mais complexa, constatou-se a necessidade de proporcionar um meio social especial quecuidasse especialmente do desenvolvimento das capacidades dos imaturos. Trs das funes mais importantes destemeio social so: simplificar e ordenar os aspectos de carcter que se deseja desenvolver; purificar e idealizar os hbitossociais existentes; criar um meio mais amplo e mais equilibrado do que aqueles que influenciariam os jovens se

    deixados merc de si prprios.

  • 8/6/2019 democracia_e_educacao

    11/45

    Cap. 4: A Educao como Crescimento

    Traduo de Cristina Alexandre Guerreiro

    Finalista da Licenciatura em Matemtica, 1995/96

    1. As condies de crescimento

    Ao dirigir as actividades dos jovens, a sociedade determina o seu prprio futuro determinando o futuro dos jovens. Umavez que os jovens duma determinada poca constituiro, numa data posterior, a sociedade desse perodo, a naturezadessa sociedade fundar-se- largamente na direco que as actividades das crianas tomaram num perodo inicial.Este movimento cumulativo de aco, tendo em vista um resultado posterior, o que se entende por crescimento.

    A condio primria de crescimento a imaturidade. Isto pode parecer um mero trusmo - dizer que um ser podedesenvolver-se apenas nalgum ponto no qual ele no est desenvolvido. Mas o prefixo i da palavra imaturidadesignifica algo de positivo, no um mero vazio ou ausncia. de notar que o termo capacidade e potencialidade tmum duplo significado, um sentido negativo e um sentido positivo. A capacidade pode denotar mera receptividade, comoa capacidade de uma medida de volume para lquidos. Podemos entender por potencialidade um estado meramentedormente ou quiescente - uma capacidade de tornar-se algo diferente sob influncias externas. Mas tambmentendemos por capacidade uma aptido, um poder; e por potencialidade potncia, fora. Agora, quando dizemos queimaturidade significa a possibilidade de crescimento no estamos a referir-nos ausncia de poderes que poderoexistir mais tarde; expressamos sim uma fora positivamente presente - a aptido para se desenvolver.

    A nossa tendncia para considerar a imaturidade como um simples vazio e o crescimento como algo que preenche alacuna entre o imaturo e maduro, deve-se ao modo como encaramos a infncia comparativamente em vez deintrinsecamente. Tratamo-la simplesmente como uma privao porque estamos a medi-la tomando a idade adulta comopadro. Esta considerao leva a nossa ateno a fixar-se naquilo que a criana no tem, e no ter, at que seja umadulto. Este ponto de vista comparativo suficientemente legtimo para alguns propsitos, mas se o considerarmospara todos os casos, levanta-se a questo se no seremos culpados de uma presuno arrogante. Se as crianaspudessem expressar-se de uma forma articulada e sincera, contariam uma histria diferente; e h uma excelenteautoridade adulta para a convico de que, para certos fins morais e intelectuais, os adultos se devem tornar crianas.

    A seriedade da suposio da qualidade negativa das possibilidades da imaturidade aparente quando consideramosque ela se estabelece como um ideal e tem como padro um final esttico. A realizao do acto de crescer tomadacomo um crescimento consumado: quer dizer, um No-Crescimento, algo que j no cresce mais. A linearidade desta

    assuno visvel pelo facto de os adultos se ressentirem por no terem mais possibilidades de crescimento; e medida que eles descobrem que essas possibilidades terminaram para eles, lamentam esse facto como uma evidnciade perda, em vez de recorrerem ao j adquirido como uma manifestao adequada de poder. Porqu uma medidadesigual para a criana e para o adulto?

    Tomada em sentido absoluto, em vez de comparativamente, a imaturidade designa uma fora positiva ou aptido - opoder para crescer. No temos que extrair ou deduzir actividades positivas de uma criana, como algumas doutrinaseducacionais tm feito. Onde h vida j h actividades excitantes e apaixonadas. O crescimento no qualquer coisafeita para as crianas, algo que elas fazem. O aspecto positivo e construtivo da possibilidade d a chave para acompreenso das duas caractersticas principais da imaturidade: dependncia e plasticidade. Soa absurdo falar dedependncia como qualquer coisa positiva e ainda mais absurdo falar dela como um poder. No entanto, se todo odesamparo estivesse na dependncia, nenhum desenvolvimento poderia ocorrer. Um ser meramente impotente temque ser conduzido, para sempre, pelos outros. O facto da dependncia ser acompanhada por um desenvolvimento de

    capacidades, e nunca por um crescente parasitismo, sugere que ela j construtiva. Ser meramente protegido pelosoutros no promove o crescimento, porque isso apenas construiria um muro em redor da impotncia. Em relao aomundo fsico, a criana est desamparada. Falta-lhe ao nascer, e durante muito tempo aps o nascimento, poder paraconstruir o seu caminho fisicamente, para construir o seu prprio viver. Se a criana tivesse que o fazer por si prpria,dificilmente sobreviveria uma hora. Neste aspecto, o seu desamparo quase completo. As crias dos animais soincomensuravelmente superiores. A criana fisicamente fraca e incapaz de transformar a fora que possui para lidarcom o ambiente fsico.

    1. O carcter completo deste desamparo sugere, no entanto, algum poder compensador. A capacidade relativa dascrias dos animais em se adaptarem bastante bem s condies fsicas, desde uma fase inicial, sugere que a sua vidano est intimamente ligada vida daqueles que os rodeiam. So compelidas, por assim dizer, a ter aptides fsicasporque no tm aptides sociais. Na espcie humana, pelo contrrio, as crianas podem superar as suas incapacidadesfsicas precisamente atravs da sua capacidade social. Por vezes, falamos e pensamos como se elas simplesmente

    estivessem fisicamente num meio social; como se as foras sociais estivessem exclusivamente nos adultos que tomamconta das crianas e elas no passassem de recipientes passivos. Se se dissesse que as crianas so, elas prprias,maravilhosamente dotadas, desde o nascimento, com o poder de obter a ateno cooperativa dos outros, seriaconsiderada uma maneira indirecta de dizer que os outros esto atentos s necessidades das crianas. Mas a

  • 8/6/2019 democracia_e_educacao

    12/45

    observao mostra que as crianas esto dotadas de uma elevada capacidade para a relao social. Poucos adultosretm a capacidade flexvel e sensvel das crianas para vibrarem empaticamente com as atitudes e actos daqueles queas rodeiam. A desateno com as coisas fsicas acompanhada por uma correspondente intensificao do interesse eateno aos actos das pessoas. O mecanismo inato da criana e os seus impulsos tendem a facilitar a conformidadesocial. A afirmao de que as crianas, antes da adolescncia, so egoistamente centradas em si prprias, mesmo quefosse verdadeira, no contradiria a verdade dessa afirmao. Iria simplesmente indicar que a resposta social dascrianas usada em seu prprio favor, no que ela no existe. Mas de facto, a afirmao no verdadeira. Os factos

    que so citados para justificar o alegado egosmo puro das crianas mostram realmente a intensidade e a diretividadecom que elas avanam para as suas metas. Se os fins que constituem o seu objectivo parecem estreitos e egostas aosadultos, apenas porque os adultos ( atravs de uma absoro similar na sua rotina ) j dominaram estes fins, quedeixaram consequentemente de interess-los. O que fica remanescente do alegado egosmo inato das crianas , nasua maior parte, simplesmente um egosmo que corre no sentido contrrio ao do adulto. Para uma pessoa adulta queest demasiadamente absorvida nos seus prprios afazeres para se interessar pelos das crianas, estas parecem, semdvida, incompreensivelmente absortas nas suas ocupaes.

    De um ponto de vista social, a dependncia denota um poder mais do que uma fraqueza; ela envolve interdependncia.H sempre o perigo do aumento da independncia pessoal diminuir a capacidade social de um indivduo. Ao torn-lomais auto-confiante pode lev-lo a ser mais auto-suficiente, o que pode conduzir a um distanciamento e indiferena.Frequentemente leva o indivduo a ser to insensvel nas suas relaes com os outros, bem como a desenvolver ailuso de ser realmente capaz de se manter e agir sozinho - uma forma de insanidade que responsvel por uma

    grande parte do sofrimento, que pode ser remediado, do mundo.2. A adaptabilidade especfica de uma criatura imatura para crescer constitui a sua plasticidade. Ela bem diferente daplasticidade da massa ou da cera. No uma capacidade de mudar de forma de acordo com presses externas. parecida com a maleabilidade que faz com que algumas pessoas tomem as cores do seu meio envolvente, retendo,contudo, a sua prpria tendncia. Mas algo mais profundo que isto. essencialmente a capacidade de aprender coma experincia; o poder de reter de uma experincia qualquer coisa que ter utilidade no confronto com as dificuldadesde uma situao posterior. Isto significa poder para modificar aces com base nos resultados de experinciasanteriores, o poder para desenvolver atitudes. Sem ela, a aquisio de hbitos impossvel.

    um dado corrente que as crias dos animais superiores, e especialmente os humanos jovens, tm que aprender autilizar as suas reaces instintivas. O ser humano nasce com um nmero de tendncias instintivas maior que outrosanimais. Mas os instintos dos animais inferiores aperfeioam-nos para uma aco apropriada na fase inicial, logo aps onascimento, enquanto que a maior parte dos instintos do beb humano tem pouca importncia tal como se apresentam.

    Um poder inato e especializado de adaptao assegura eficincia imediata, mas, tal como um bilhete de comboio, vlido para um percurso apenas. Um ser que, para usar os olhos, os ouvidos, as mos e as pernas tem queexperimentar fazendo combinaes variadas das suas reaces, adquire um controlo que flexvel e variado. Um pinto,por exemplo, debica com preciso a comida poucas horas aps o nascimento. Isto significa que coordenaes perfeitasda actividade dos olhos em ver e do corpo e cabea em dar bicadas aperfeioam-se em poucas tentativas. Uma criananecessita de aproximadamente seis meses para ser capaz de medir com uma preciso aproximada a aco de agarrar,que coordenar com a sua actividade visual; ou seja, dizer se ela consegue agarrar um objecto visualizado e comoexecuta o movimento de agarrar. Assim, o pinto est limitado pela perfeio relativa do seu talento original. A crianatem a vantagem da multiplicidade das reaces instintivas de tentativa e das experincias que as acompanham, emboraesteja em desvantagem temporria porque elas se cruzam. Ao aprender uma aco, em vez de a receber j feita,aprende-se a variar os seus factores, a fazer combinaes variadas com eles de acordo com as circunstncias. Umapossibilidade de progresso contnuo aberta pelo facto de que, ao aprender um acto, so desenvolvidos mtodos para

    serem usados noutras situaes. Mais importante ainda o facto de o ser humano adquirir o hbito de aprender. Eleaprende a aprender.

    A importncia para a vida humana dos dois factos da dependncia e controlo varivel foi resumida na doutrina dosignificado da infncia prolongada [H1] [1] . Este prolongamento significativo quer do ponto de vista dos membrosadultos do grupo, quer do dos jovens. A presena de seres dependentes e em processo de aprendizagem umestmulo educao e ao afecto. A necessidade de cuidado constante e continuado foi, provavelmente, um meiofundamental na transformao de co-habitaes temporrias e em unies permanentes. Foi certamente uma influnciaimportantssima na formao de hbitos de afectividade e solidariedade; esse interesse construtivo no bem-estar dosoutros, que essencial vida em sociedade. Intelectualmente, este desenvolvimento moral significou a introduo denovos objectos de ateno; estimulou a previso e a planificao do futuro. Assim, h uma influncia recproca. Acomplexidade crescente da vida em sociedade requer um perodo de infncia mais longo para a aquisio dos poderesnecessrios; este prolongamento da dependncia significa prolongamento da plasticidade ou poder de adquirir modos

    de controlo novos e variveis. Por isso ela proporciona mais um avano no progresso social.

    2. Os hbitos como expresso do crescimento

    http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/dewey/cap4.htm#_msocom_1http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/dewey/cap4.htm#_msocom_1http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/dewey/cap4.htm#_ftn1http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/dewey/cap4.htm#_ftn1http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/dewey/cap4.htm#_msocom_1http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/dewey/cap4.htm#_ftn1
  • 8/6/2019 democracia_e_educacao

    13/45

    J vimos que a plasticidade a capacidade de reter e transportar, de experincias anteriores, factores que modificamactividades subsequentes. Isto significa a capacidade de adquirir hbitos ou desenvolver comportamentos definidos.Temos agora que considerar os aspectos salientes dos hbitos. Em primeiro lugar, um hbito uma forma de aptidopara a execuo, de eficincia na aco. Um hbito significa uma aptido para usar condies naturais como meiospara atingir fins. um controlo activo do meio atravs do controlo dos rgos de aco. Estamos talvez aptos aenfatizar o controlo do corpo custa do controlo do meio . Pensamos no andar, falar, tocar piano, nas aptidesespecializadas caractersticas do gravador, do cirurgio, do construtor civil, como se fossem simplesmente facilidades,

    habilidades e aces perfeitas por parte do organismo. So isso, claro, mas a medida do valor destas qualidades estno controlo econmico e efectivo do meio que elas asseguram. Ser capaz de andar ter certas propriedades danatureza nossa disposio - assim como com todos os outros hbitos.

    Educao frequentemente definida como consistindo na aquisio desses hbitos que produzem um ajustamento doindivduo e do seu meio. A definio expressa uma fase essencial do crescimento. Mas essencial que ajustamentoseja entendido no seu sentido activo de controlo dos meios para se atingirem os fins. Se pensarmos num hbitosimplesmente como uma mudana produzida no organismo, ignorando o facto de que esta mudana consiste nacapacidade de efectuar mudanas subsequentes no meio, seremos levados a pensar em ajustamento como umaconformidade com o meio, tal como a cera toma a forma do carimbo que a pressiona. O meio encarado comoqualquer coisa fixa, determinando na sua rigidez o fim e o padro das mudanas que ocorrem no organismo;ajustamento apenas encaixarmo-nos nesta rigidez das condies externas[2] (1). Hbito como habituao , de facto,algo relativamente passivo; ns habituamo-nos ao que nos rodeia - nossa roupa, aos nossos sapatos e luvas;

    atmosfera, desde que ela seja uniforme; s pessoas com quem convivemos diariamente, etc. Conformidade com omeio, uma mudana produzida no organismo sem referncia capacidade de modificar o meio envolvente, um traomarcado dessas habituaes. parte o facto de que no estamos habilitados para transformar os traos dessesajustamentos (que bem podem ser chamados acomodaes , para separ-los dos ajustamentos activos) em hbitos deuso activo do meio circundante, dois aspectos das habituaes so dignos de nota. Em primeiro lugar, habituamo-noss coisas, usando-as primeiro.

    Consideremos o acto de se habituar a uma cidade estranha. No incio, h uma estimulao excessiva e uma respostaexcessiva e mal adaptada. Gradualmente , certos estmulos so seleccionados devido sua relevncia e outros sopreteridos. Podemos dizer ou que no lhes respondemos mais , ou mais concretamente , que encontrmos umaresposta persistente para eles - um equilbrio do ajustamento. O que significa, em segundo lugar, que este ajustamentocrescente fornece o pano de fundo sobre o qual so feitos ajustamentos especficos, medida que surge a ocasio.Nunca estamos interessados em mudartodo o meio; h muitas coisas que aceitamos tal como elas so. Neste pano de

    fundo , as nossas actividades centram-se em determinados pontos num esforo para introduzir as mudanasnecessrias. Habituao , ento, o nosso ajustamento a um meio que, no momento, no estamos preocupados emmodificar e que d o impulso para os nossos hbitos activos.

    Adaptao, no fundo, tanto a adaptao do meio s nossas prprias actividades, como das nossas actividades aomeio. Uma tribo selvagem consegue viver numa plancie deserta. Adapta-se por ela prpria. Mas a sua adaptaoenvolve um mximo de aceitao, tolerncia e suportar as coisas como elas so, um mximo de condescendnciapassiva e um mnimo de controlo activo, de sujeio ao uso. Um povo civilizado entra em cena. Ele tambm se adapta.Introduz a irrigao; procura plantas e animais que prosperem naquelas condies; desenvolve, atravs de selecocuidadosa, os que j existem. Como consequncia, o deserto floresce como uma rosa. O selvagem habituou-sesimplesmente; o homem civilizado tem hbitos que transformam o meio.

    O significado do hbito no se esgota, no entanto, na sua fase de execuo e motora. Ele significa a formao de umaatitude intelectual e emocional bem como um aumento na facilidade econmica e eficincia da aco. Qualquer hbito

    marca uma inclinao - uma preferncia e escolha activas das condies envolvidas no seu exerccio. Um hbito noespera, tipo Micawber, que um estmulo acontea para que ele entre em aco; ele procura activamente as ocasiespara passar aco. Se a sua expresso indevidamente bloqueada, a inclinao apresenta-se inquieta e suplicante.Um hbito marca tambm uma atitude intelectual. Onde h um hbito h um conhecimento dos materiais e doequipamento aos quais a aco aplicada. H uma maneira definida de compreender as situaes nas quais o hbitoopera. Modos de pensamento, de observao e reflexo entram como formas de aptido nos hbitos que fazem de umhomem um engenheiro, um arquitecto, um fsico ou um comerciante. Em formas de trabalho no especializado osfactores intelectuais so mnimos precisamente porque os hbitos envolvidos no so de alto nvel. Mas h hbitos dejulgar e raciocinar to verdadeiros quanto os de manusear uma ferramenta, de pintar um quadro ou de conduzir umaexperincia.

    Estas afirmaes so, no entanto, afirmaes incompletas. Os hbitos da mente, envolvidos nos hbitos dos olhos edas mos, do a estes ltimos o seu significado. Acima de tudo, o elemento intelectual num hbito fixa a relao desse

    hbito ao uso variado e elstico e logo, ao crescimento contnuo. Falamos de hbitos fixos. Bem, a expresso podesignificar faculdades to bem estabelecidas que o seu possuidor as tem sempre como recursos quando necessrio.Mas a expresso tambm usada para significar costumes, rotinas, com perda de frescura, abertura de esprito e deoriginalidade. A fixao de hbitos pode significar que qualquer coisa se apoderou de ns, em vez de sermos ns a

    http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/dewey/cap4.htm#_ftn2http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/dewey/cap4.htm#_ftn2
  • 8/6/2019 democracia_e_educacao

    14/45

    apoderarmo-nos livremente das coisas. Este facto explica dois pontos numa noo comum de hbitos: a suaidentificao com modos de aco mecnicos e externos at ao desprezo pelas atitudes mentais e morais, e atendncia a dar-lhes um mau significado, uma identificao com maus hbitos. Muitas pessoas sentir-se-iamsurpreendidas por ser chamado hbito sua aptido para a profisso escolhida , e naturalmente pensariam que o usode tabaco, bebidas alcolicas ou linguagem profana tpico do significado do hbito. Um hbito , para essas pessoas,algo que se apodera delas, algo de que no conseguem libertar-se facilmente mesmo que seja condenado.

    Os hbitos reduzem-se a modos rotineiros de agir, ou degeneram em modos de agir aos quais estamos presos

    precisamente no grau em que a inteligncia se desligou deles . Hbitos rotineiros so hbitos que no envolvempensamento; maus hbitos afastados da razo que se opem s concluses de deliberao e deciso conscientes.Como vimos, a aquisio de hbitos deve-se a uma plasticidade original das nossas naturezas; nossa capacidade dediversificar respostas at encontrarmos um modo de agir apropriado e eficiente. Hbitos rotineiros e hbitos que nospossuem , em vez de sermos ns a possu-los, so hbitos que pem fim plasticidade. Eles marcam o fim dacapacidade de variar. No pode haver dvida da tendncia da plasticidade orgnica , de base fisiolgica , para diminuircom o crescimento. As aces instintivamente mveis e avidamente variveis da infncia , o amor por novos estmulose novos desenvolvimentos , rapidamente assenta , o que significa averso mudana e dependncia das realizaespassadas. S um ambiente que assegure o uso pleno da inteligncia no processo de formao dos hbitos podecontrariar esta tendncia. Claro que o mesmo endurecimento das condies orgnicas afecta as estruturas fisiolgicasque esto envolvidas no acto de pensar. Mas este facto apenas indica a necessidade de um cuidado persistente paraprovidenciar que a funo da inteligncia seja invocada at sua possibilidade mxima. O mtodo limitado que assenta

    em rotinas mecnicas e repeties para assegurar a eficincia externa do hbito , capacidade motora, sem intervenodo pensamento, marca um encerramento deliberado do meio envolvente sobre o crescimento.

    3. O significado educacional da concepo do desenvolvimento

    J fomos bastante longe neste captulo , mas falmos pouco sobre educao. Estivemos ocupados com as condies eimplicaes do crescimento. Se as nossas concluses so justificadas, elas implicam, no entanto, consequnciaseducativas definidas. Quando se diz que educao desenvolvimento, tudo depende do modo como odesenvolvimento concebido . A nossa concluso pura que vida desenvolvimento e que desenvolvimento, crescimento, vida.Traduzido para os seus equivalentes educativos isto quer dizer (1) que o processo educativo no tem um fim para almde si - ele o seu prprio fim e (2) que o processo educativo um processo de contnua reorganizao, reconstruo,transformao.

    1. O desenvolvimento quando interpretado em termos comparativos , isto , com respeito pelos traos especiais davida da criana e do adulto, significa direccionar as faculdades para determinados canais: a formao de hbitosenvolvendo a capacidade de execuo, a preciso do interesse e objectos especficos de observao e pensamento.Mas a viso comparativa no a final. A criana tem capacidades especficas ; ignorar este facto impedir odesenvolvimento ou distorcer os rgos dos quais depende o seu crescimento. O adulto usa as suas faculdades paratransformar o seu meio , ocasionando, ento, novos estmulos que reorientam as suas faculdades e as mantm emdesenvolvimento. Ignorar este facto significa aprisionar o desenvolvimento, uma acomodao passiva. Uma criananormal e, igualmente, um adulto normal, por outras palavras, esto comprometidos no crescimento. A diferena entreeles no a diferena entre crescimento e no crescimento, mas entre os modos de crescimento apropriados adiferentes condies. No que diz respeito ao desenvolvimento das capacidades para lidar com problemas cientficos eeconmicos especficos, podemos dizer que a criana devia estar a crescer em maturidade. No que diz respeito curiosidade , resposta imparcial e abertura de esprito , podemos dizer que o adulto devia estar a crescer eminfantilidade. Uma afirmao to verdadeira quanto a outra.

    Trs ideias que tm sido criticadas , nomeadamente a natureza meramente privativa da imaturidade, o ajustamentoesttico a um meio fixo e a rigidez do hbito, esto ligadas falsa ideia de crescimento ou desenvolvimento - que ummovimento em direco a um objectivo estabelecido. O crescimento visto como tendo um fim , em vez de serum fim.As contrapartes educativas das trs ideias falaciosas so, primeiro, o erro em no considerar as faculdades instintivasou inatas da criana; segundo, a falta de desenvolver a iniciativa para lidar com novas situaes; terceiro, uma nfaseindevida dada aos exerccios repetidos e a outras estratgias que produzem automatismo custa da percepopessoal. Em todos os casos o meio adulto aceite como modelo para a criana. Ela vai ser educada para ele.

    Os instintos naturais ou so desprezados ou tratados como estorvos - como traos detestveis que devem sersuprimidos, ou, em todo o caso, levados conformidade com os padres externos. Uma vez que a conformidade oobjectivo, o que distintivamente individual num jovem posto de lado, ou visto como uma fonte de mal ou anarquia.Conformidade torna-se equivalente a uniformidade. Consequentemente h uma induzida falta de interesse pela

    novidade, averso ao progresso e medo do incerto e do desconhecido. Uma vez que o fim do crescimento est fora epara alm do processo de crescer, tem que se recorrer a agentes externos para que estes induzam o movimento emsua direco. Sempre que um mtodo de educao estigmatizado como mecnico , podemos ter a certeza quepresses externas so utilizadas para se atingir um fim externo.

  • 8/6/2019 democracia_e_educacao

    15/45

    2. Uma vez que na realidade no h nada a que o crescimento seja relativo, salvo mais crescimento, no h nada a quea educao seja subordinada , salvo mais educao. um lugar comum dizer que a educao no deve acabar quandose deixa a escola. A questo deste lugar comum que o propsito da educao escolar assegurar a continuao daeducao atravs da organizao das faculdades que asseguram o crescimento. A tendncia para aprender com a vidae criar as condies de vida de modo a que todos aprendam no processo de viver, o melhor produto da escolaridade.Quando abandonamos a tentativa de definir a imaturidade atravs da comparao rgida com os talentos do adulto,somos compelidos a deixar de pensar nela como denotando falta de traos desejados. Abandonando esta noo ,

    somos tambm forados a abandonar o nosso hbito de pensar na instruo como um mtodo de tapar esta lacunavertendo saber num vazio mental e moral que aguarda ser enchido. Uma vez que vida significa crescimento, um servivo vive to verdadeiramente e positivamente tanto num estdio como noutro, com a mesma plenitude intrnseca e asmesmas pretenses absolutas. Por isso educao a iniciativa de proporcionar as condies que asseguram ocrescimento, ou adequao de vida , independentemente da idade . Inicialmente olhamos com impacincia para aimaturidade, encarando-a como qualquer coisa que deve ser ultrapassada to rapidamente quanto possvel. Depois, oadulto formado por tais mtodos educativos olha com saudade para a sua infncia e juventude como um cenrio deoportunidades perdidas e faculdades desperdiadas. Esta situao irnica perdurar at que se reconhea que vivertem a sua prpria qualidade intrnseca e que a educao faz parte dessa qualidade. A compreenso de que a vida crescimento protege-nos da chamada idealizao da infncia que, efectivamente, no mais do que indulgnciapreguiosa. A vida no deve ser identificada com todos os actos e interesses superficiais. Embora no seja sempre fcildizer se o que parece ser um mero disparate superficial um sinal de alguma faculdade nascente, contudo aindaindisciplinada, devemos lembrar-nos que as manifestaes no devem ser aceites como fins por si ss. So sinais deum possvel crescimento. Elas devem ser transformadas em meios de desenvolvimento, de progresso de faculdades ,no favorecidas ou cultivadas por sua prpria causa. A ateno excessiva aos fenmenos superficiais ( mesmo comouma censura ou um incentivo ) pode levar sua fixao e, logo, limitao do desenvolvimento. A forma como osimpulsos esto a progredir , no o que eles foram, o mais importante para pais e professores. O verdadeiro princpiode respeito pela imaturidade no pode ser melhor expresso do que nas palavras de Emerson: Respeita a criana. Nosejas demasiadamente seu pai . No violes a sua solido. Mas eu ouo o grito que contesta esta sugesto: Quebrariasrealmente as rdeas da disciplina pblica e privada? Abandonarias a criana ao louco curso das suas prprias paixese caprichos, e chamarias a esta anarquia respeito pela natureza da criana? Eu respondo: respeita a criana, respeita-aat ao fim, mas respeita-te tambm a ti mesmo. Os dois pontos na educao de um rapaz so, manter a sua natureza eensinar tudo excepto isso; manter a sua natureza mas por fim sua gritaria, s suas loucuras, sua grosseria; mantema sua natureza e equipa-a com a sabedoria na direco exacta para que ela aponta. E como Emerson continua,mostrando esta reverncia infncia e juventude, em vez de abrir um caminho fcil aos educadores, levanta

    imediatamente imensas questes sobre o tempo, o pensamento e a vida do professor. Isso requer tempo, perspiccia,xito, todos os grandes ensinamentos e ajuda de Deus; e s pensar em us-los implica caracter e profundidade.

    Resumo

    Capacidade para crescer depende da necessidade dos outros e da plasticidade. Ambas as condies esto no seumximo na infncia e juventude. Plasticidade, ou a capacidade de aprender com a experincia, significa a formao dehbitos. Os hbitos permitem controlar o meio e capacitam para a sua utilizao para fins humanos. Os hbitosassumem a forma, quer de habituao ou equilbrio geral e persistente das actividades orgnicas com o meioenvolvente, quer de capacidades activas para reajustar uma actividade para enfrentar novas condies. A primeirafornece o pano de fundo para o crescimento; a ltima constitu o crescimento. Hbitos activos envolvem o pensamentoa inveno e iniciativa ao aplicar capacidades a novos objectivos. Opem-se aos hbitos rotineiros que so uma

    limitao ao crescimento. Uma vez que o crescimento uma caracterstica da vida, a educao e o crescimento so amesma coisa; no tem qualquer fim para alm de si mesma. O critrio do valor da educao escolar o mbito no qualela cria um desejo por um crescimento contnuo e fornece meios para tornar esse desejo, de facto, efectivo.

    [1] Indcios do seu significado encontram-se em alguns autores, mas John Fiske, na sua obra Excursion of an Evolutionist, faz a sua

    primeira exposio sistemtica.

    [2] Claro que esta concepo uma correlao lgica das concepes da relao externa do estmulo e resposta, considerada no

    ltimo captulo, e das concepes negativas de imaturiedade e plasticidade referidas neste captulo.

    http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/dewey/cap4.htm#_ftnref1http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/dewey/cap4.htm#_ftnref2http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/dewey/cap4.htm#_ftnref1http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/dewey/cap4.htm#_ftnref2
  • 8/6/2019 democracia_e_educacao

    16/45

    Cap. 6: A Educao Conservadora e Progressista

    Traduo de Ana Isabel do Carmo dos Santos

    Finalista da Licenciatura em Ensino da Fsica, variante Qumica, 1995/96

    1. A Educao como Formao.

    Chegamos, apenas, a um tipo de teoria que nega a existncia de faculdades e que d nfase ao papel da matria deensino no desenvolvimento mental e moral. De acordo com esta teoria, a educao no , nem um processo derevelao a partir de dentro, nem um treino de faculdades da prpria mente. Em vez disso, a formao da mente porintermdio de certas associaes ou relaes de contedo, por meio de um tema a partir do exterior. A Educao cedepor instruo, tomada num sentido estritamente literal; como construo da mente a partir do exterior. Que a educaoforma a mente, no questionvel. Trata-se de uma concepo j apresentada. Mas aqui, formao, tem umsignificado tcnico dependente da ideia de algo que opera do exterior.

    Herbart o melhor representante histrico deste tipo de teoria. Ele nega, absolutamente, a existncia de faculdadesinatas. A mente , simplesmente, dotada da capacidade de produzir vrias qualidades, como reaco s vriasrealidades que actuam sobre ela. Estas reaces, qualitativamente diferentes, chamam-se representaes(Vorstellungen). Cada representao, uma vez criada, persiste; pode ser levada para fora do "limiar" do conhecimentontimo, por representaes novas e fortes, produzidas pela reaco da alma ao novo material, mas a sua actividadecontinua pelo seu prprio mpeto inerente; por baixo da superfcie da conscincia. As chamadas faculdades - ateno,memria, pensamento, percepo, mesmo os sentimentos - so arranjos, associaes e complexos formadas pelainteraco destas representaes umas com as outras e por novas representaes. A percepo, por exemplo, ocomplexo de representaes que resulta da emergncia de velhas representaes para se juntarem e associarem aoutras novas; a memria, o evocar de uma velha representao, acima do limiar da conscincia, pelo processo demistura com outra representao, etc. O prazer o resultado do reforo de actividades independentes dasrepresentaes; o sofrimento, resulta de cada uma das representaes puxar em sentido diferente, etc.

    O carcter concreto da mente consiste, ento, totalmente, nos vrios arranjos formados pelas vrias representaesnas suas diferentes qualidades. A "moblia" da mente a mente. A mente , inteiramente, uma questo de contedos.As implicaes educacionais desta doutrina so triplas. (1) Este ou aquele tipo de mente formado pelo uso deobjectos que evocam este ou aquele tipo de reaco e que produzem este ou aquele arranjo entre as reacesevocadas. A formao de mente , completamente, uma questo de apresentao dos materiais educacionaisadequados. (2) Uma vez que as representaes anteriores constituem os "orgos de percepo", que controlam aassimilao das novas presentaes, o seu carcter muito importante. O efeito das novas representaes o dereforar agrupamentos previamente formados. A tarefa do educador , primeiro, seleccionar o material adequado, deforma a fixar a natureza das reaces originais e, em segundo lugar, ajustar a sequncia das representaessubsequentes na base do armazenamento de ideias, asseguradas por transaces anteriores. O controlo vem de trs,do passado, em vez de, como no conceito em expanso, em ltimo objectivo. (3) Certos passos formais do mtodo deensino podem ser deitados abaixo. A apresentao de novo tema , obviamente, o aspecto central, mas dado que oconhecimento consiste na forma pela qual isto interage com os contedos que j fazem parte da conscincia, a primeiracoisa o passo de "preparao", - isto , chamar para uma actividade especial e trazer conscincia aqueles dados deconscincia que vo assimilar o novo dado. Ento, depois da apresentao, seguem-se os processos de interaco donovo e do velho ; seguidamente, vem a aplicao do contedo recentemente formado execuo de alguma tarefa.Tudo tem de seguir este curso; consequentemente, existe um mtodo perfeitamente uniforme de instruo, em todas asmatrias, para todos os alunos de todas as idades.

    O grande servio prestado por Herbart reside em tirar o trabalho de ensino para fora do campo da rotina e do acaso.Ele trouxe-o para a esfera de um mtodo consciente; o ensino tornou-se uma questo consciente com objectivo eprocedimento definidos, em vez de ser um composto de inspiraes casuais e de subservincia tradio. Alm disso,tudo no ensino e na disciplina podia ser especificado em vez de termos que nos satisfazer com generalidades, vagas emais ou menos msticas, sobre ideais ltimos e smbolos espirituais especulativos. Herbart aboliu a noo defaculdades "prontas a usar", as quais poderiam ser treinadas por exerccio sobre qualquer tipo de material e prestouateno a temas concretos, ao contedo importantssimo. Sem dvida, Herbart, teve uma maior influncia em revelarpara a actualidade, questes relacionadas com o material de estudo, do que qualquer outro filsofo da educao. Eleexps problemas de mtodo , partindo do ponto de vista da sua ligao com o tema: mtodo este que tem a ver com amaneira e sequncia de apresentao do novo tema para assegurar a sua prpria interaco com o antigo tema.

    O defeito terico fundamental deste ponto de vista, reside em ignorar a existncia num ser vivo, de funes activas eespecficas que so desenvolvidas numa nova orientao e combinao que ocorre medida que elas esto ocupadascom o seu meio. A teoria representa o Director da Escola a manter a sua posio. Este facto expressa de imediato asua fora e