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Denise Luiza da Silva

Uma representação social em construção: a mulher

evangélica, a moda e as redes sociais

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

como requisito parcial à obtenção do título de

Bacharel do Curso de Design e Comunicação, da

Universidade Federal de Pernambuco, Campos

do Agreste, sob orientação da professora Dra.

Flávia Zimmerle da Nóbrega Costa.

.

Caruaru, 2017

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Catalogação na fonte:

Bibliotecária – Marcela Porfírio – CRB/4-1878

S586r Silva, Denise Luiza da. Uma representação social em construção : a mulher evangélica, a moda e as redes

sociais. / Denise Luiza da Silva. - 2017. 63f. : il. ; 30 cm.

Orientadora: Flávia Zimmerle da Nóbrega Costa. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Universidade Federal de

Pernambuco, CAA, Design, 2017. Inclui Referências.

1. Representações sociais. 2. Mulheres – Moda. 3. Redes sociais. 4. Vida religiosa. I. Costa, Flávia Zimmerle da Nóbrega (Orientadora). II. Título.

740 CDD (23. ed.) UFPE (CAA 2017-094)

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DENISE LUIZA DA SILVA

UMA REPRESENTAÇÃO SOCIAL EM CONSTRUÇÃO: A MULHER EVANGÉLICA,

A MODA E AS REDES SOCIAIS

Monografia apresentada à Universidade Federal

de Pernambuco - Centro Acadêmico do Agreste

(UFPE-CAA), como requisito parcial para obtenção

do título de Bacharel em Design, sob orientação

da professora Dra. Flávia Zimmerle da Nóbrega

Costa.

APROVADA: 28 de Junho de 2017

Dra. Flávia Zimmerle da Nóbrega Costa

(UFPE)

Dra. Danielle Silva Simões Borgiani

(UFPE)

Dra. Nara Oliveira de Lima Rocha

(UFPE)

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À Maria Luiza, a guerreira que costurou sonhos

para me tornar o que sou hoje em todos os aspectos.

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Agradecimentos

Tudo que sou e pretendo ser eu devo a Deus. A ele a minha mais profunda gratidão por todo

seu cuidado, proteção e auxílio durante todo o período da minha graduação até este trabalho de

conclusão de curso. Meu sonho enfim foi realizado e eu glorifico a Deus, o Designer do universo que

tão bem projetou a minha vida, Ele é perfeito em todas as suas decisões. Toda glória seja dada a Ele!

À minha mãe que sempre incentivou e lutou para que eu como também minhas irmãs

estudássemos. Ela nos colocou “de casa pra fora” para voarmos e realizarmos os nossos sonhos, que

também são os sonhos dela. Muito obrigada “mainha”, o seu talento nos trouxe até aqui. Muito

obrigada por abrir mão de uma vida até mais confortável para nos manter na universidade. A

senhora costurou os melhores pontos, quando acreditou que a gente conseguiria e isso era tudo o

que a gente queria, alguém que apoiasse e acreditasse. Quando se acredita as condições financeiras

é o que menos importa e a senhora sempre acreditou! Desde o primeiro dia que decidimos estudar

iniciando no pré-acadêmico, curso técnico e no curso superior. Que Deus te preserve a vida por

muitos e muitos anos. Agradeço ao meu pai, o seu jeito nos impulsionou a correr atrás do que

acreditávamos e hoje agradeço por todas as suas palavras, elas foram combustíveis para nossas

conquistas. Obrigada pelas vezes que o senhor ajudou e contribuiu de acordo com suas

possibilidades, que Deus o recompense! Aos meus irmãos, Miquéias, o empreendedor e integrante

do legislativo da cidade, Dione, a engenheira civil e professora na UPE, Damares, a Técnica em

química e breve engenheira também e Gisele que ainda está no colegial (estuda Gy! risos). Vocês me

dão muito orgulho! Ao meu namorado, Natanielton Santos, meu engenheiro calculista e músico

preferido! Por todo companheirismo, compreensão, paciência e amor. Deus te abençoe cada dia

mais. <3

À minha orientadora Dra. Flávia Zimmerle sua competência acadêmica foi fundamental na

elaboração deste trabalho, além de ser uma companhia agradabilíssima. Agradeço pelo tempo

dedicado, agradeço por tudo e desejo que Deus prospere ainda mais a sua carreira acadêmica.

Aos amigos Augusto Ribas e Isaac Matheus, companheiros dе trabalhos que fizeram parte dа minha

formação. Obrigada!

Existem pessoas que abrem nossos olhos e nossas mentes para um mundo totalmente novo,

essas pessoas transformam a nossa maneira de ver o mundo, essas pessoas nos marcam, essas

pessoas chamamos de professores. Muito obrigada a todos os professores que abriram a janela do

conhecimento e contribuíram para a minha formação.

Por fim agradeço a todos que de alguma forma fizeram parte desta etapa tão especial da

minha vida.

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Resumo

A inserção do mundo virtual no nosso cotidiano mudou de forma significativa as interações sociais.

Essas mudanças consolidaram-se nos últimos anos principalmente com o surgimento das redes

sociais online, tais como o Instagram, Facebook, Twitter e outras. As inovações tecnológicas

contribuíram para tais transformações de forma que nos dias atuais estamos tão “presos” ao

universo virtual que torna-se quase impossível viver à margem dele visto que configura-se um meio

de extrema utilidade e praticidade para a comunicação entre os indivíduos. O meio propicia

amplamente, inclusive, uma reconstrução permanente de representações sociais. Muitas pessoas

criam personagens no mundo virtual e se aproveitam deste meio, de certa forma, para se

autopromoverem, comunicando estilos de vida e por meio disto, obtendo vantagens financeiras

significativas e endossando a lógica da sociedade do consumo em que estão inseridas. Este trabalho

busca compreender como as mulheres evangélicas utilizadoras desse instrumental e consagradas

como formadoras de opinião, [re]constroem cotidianamente essa representação social (mulher

evangélica) utilizando a linguagem da moda para difundir um estilo de “ser” e de viver. Portanto,

embasando-se na Teoria das Representações Sociais e utilizando-se da netnografia da comunicação

para coleta e análise dos dados. O campo revelou 8 atos de fala e 5 funções cuja analítica possibilitou

concluir que os dois perfis estudados na pesquisa contribuem diretamente para que novos padrões

de comportamento de consumo e de adoção de moda sejam legitimados dentro do grupo que

pertencem, resultando assim em mudanças significativas nas regras internas da igreja.

Palavras Chave: Representação social. Mulheres evangélicas. Netnografia da Comunicação.

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Abstract

The insertion of the virtual world in our every day changed significantly the social iterations. These

changes consolidated in the last years mainly with the rising of social networks online such as

Instagram, Facebook, Twitter, and others. The technological innovations contributed to such

transformation significantly that in our days we are too “ attached ” to the virtual universe that it

becomes almost impossible to turn aside from it inasmuch that configures an environment of

extreme utility and practicality to the communication among the individuals. The environment

largely propitiates, inclusive, a permanent reconstruction of social representations. Many people

create personages in the virtual world and they enjoy this environment to promote themselves their

images, communicating style of life and through this, taking financial advantages significative and

endorsing the consumer society logic in which they are inserted. This work aims to understand the

evangelical women user of these instruments and consecrated as former of opinion, reconstruct

every day this social representation (evangelical woman) using the fashion language to propagate a

style of “ being” and living. Therefore, being based upon the Social Representations Theory and using

the netnography of communication for data collection and analyses. The field showed us 8 (eight)

acts of speaking and 5 (five) functions whose analyzing made possible to conclude that the two

profiles studied contributed directly so that the news communication patterns of consumption and

the adoption of fashion be legitimated inside of the groups that they belong, resulting so in

significant changes in the internal rules of church.

Key words: Social representation. Evangelical women. Communication of netnography.

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Lista de figuras

Figura 1 - Imagem de Formadora de opinião 1 ................................................................. 33

Figura 2 - Imagem de Formadora de opinião 1 ................................................................. 34

Figura 3 – Imagem de Formadora de opinião 1 ................................................................ 36

Figura 4 – Imagem de Formadora de opinião 2 .................................................................38

Figura 5 – Imagem de Formadora de opinião 2 .................................................................40

Figura 6 – Atividade Ousada ............................................................................................ 41

Figura 7 – Atividade Flexível ............................................................................................ 44

Figura 8 – Imagem de Formadora de opinião 2 .................................................................44

Figura 9 – Atividade Formadora de opinião ..................................................................... 46

Figura 10 – Atividade Vaidosa ......................................................................................... 47

Figura 11 – Atividade Antenada ...................................................................................... 50

Figura 12 – Atividade Conhecedora de dogmas ............................................................... 51

Figura 13 – Atividade Recatada ....................................................................................... 52

Figura 14 – Atividade Envolvida ....................................................................................... 53

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Sumário

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 10

1.1 Objetivos ........................................................................................................................... 13

1.1.1 Objetivo geral. ................................................................................................................... 12

1.1.2 Objetivos específicos.......................................................................................................... 13

1.2 Problema de Pesquisa ........................................................................................................ 13

1.3 Justificativas ...................................................................................................................... 13

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ................................................................................................... 14

2.1 Sociedade de consumo, moda e vestuário ........................................................................ 14

2.2 A Teoria da Representação Social, a mulher e a moda ......................................................19

2.3 A religião e a mulher evangélica ....................................................................................... 22

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ...................................................................................... 26

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ....................................................................... 30

4.1 Legitimar-se na comunidade da fala. ................................................................................. 33

4.2 Mostrar-se atualizada\descolada. ..................................................................................... 35

4.3 Endossar dogmas e condutas. ........................................................................................... 36

4.4 Desafiar dogmas e condutas. ............................................................................................. 38

4.5 Influenciar consumo ..........................................................................................................40

4.6 Triangulação dos atos de falas ........................................................................................... 41

4.6.1 Ousada. .............................................................................................................................. 42

4.6.2 Flexível. .............................................................................................................................. 44

4.6.3 Formadora de opinião ........................................................................................................ 47

4.6.4 Vaidosa. ............................................................................................................................. 48

4.6.5 Antenada. ...........................................................................................................................50

4.6.6 Conhecedora dos dogmas. ................................................................................................. 51

4.6.7 Recatada. ........................................................................................................................... 53

4.6.8 Envolvida. ........................................................................................................................... 54

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................... 57

REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................ 60

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1. INTRODUÇÃO

A Religião esteve presente na humanidade ao longo da história e sua influência aparece na

construção da subjetividade dos indivíduos, sendo perceptível na maneira de agir e de se comportar

na sociedade, ou seja, na interação entre eles (GERONASSO; MORE, 2009). Na sociedade as regras

interacionais vão sendo construídas e fixadas no intelecto das pessoas a ponto de influenciar a

opinião delas sobre tudo. Com o passar do tempo, essas regras estruturantes vão sendo modificadas,

podendo entrar em desuso e/ou abrir espaço para que outras venham a ser legitimadas e

reconhecidas como verdadeiras.

Como em qualquer outro grupo social, tais como: a escola, a faculdade, o ambiente de trabalho e

etc. a igreja possui regras internas que são estabelecidas a fim de criar um padrão entre os fiéis e,

nesse conjunto, o vestuário das mulheres é um item que detém muita atenção entre seus líderes. A

mulher evangélica é instruída a se vestir de forma moderada, sem ferir os usos e costumes

estabelecidos pela igreja. A mulher cristã é ensinada a expressar a sua fé por meio também do

vestuário e “isto se traduz em evitar roupas e adornos que sejam extravagantes ou sexualmente

atrativos” (GONÇALO, 2016, p.15).

Diante disso, as evangélicas foram vistas por muito tempo como mulheres que não se vestiam

bem; devido ao rigor das vestes em termos de comprimento, cores e modelos aceitos, mulheres bem

jovens passavam uma imagem de “mais velhas”, pois não existia diferença entre os seus vestuários.

Esse cenário tem apresentando grandes mudanças, parte delas são atribuídas às mulheres que

emergem dentro do grupo como formadoras de opinião. Essas mulheres, como membros ativos em

uma sociedade de consumo (BARBOSA, 2004), tornaram-se influenciadas e influenciadoras das várias

transformações nesse espaço social, que pode-se inferir, de razão capitalista; mudanças essas, que

vem atingindo todo o ocidente desde a revolução industrial.

Barbosa (2004) explica que Sociedade de consumo é um dos rótulos dados pelos estudiosos para

fazer referência à forma social em que a dimensão do consumo se sobrepujou a da produção,

sinalizando tanto a existência de um tipo de consumo peculiar- o de signos, como um tipo de arranjo

institucional e social em que os princípios e valores são muito específicos. Em algumas sociedades,

do ponto de vista cultural, o consumo é utilizado como modo de reprodução e diferencial social. Ao

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longo do século XX, o aumento substancial do consumo levou as grandes empresas a terem

significativos lucros.

Portanto, Barbosa (2004, p.14) discute que “[...] o consumo está preenchendo, entre nós, uma

função acima e além daquela de satisfação de necessidades materiais.” Para a autora, no interior

dessa forma social, escolhas de identidade e de estilo de vida não constituem um ato individual ou

arbitrário, e sim são resultados de elaborações sociais que se embasam no consumo. É também

nesse contexto que se inserem as representações sociais.

A Teoria das Representações Sociais permite uma melhor compreensão de práticas coletivas,

pois supera a dicotomia entre os níveis individual e coletivo das representações. Vergara e Ferreira

(2005, p. 1142) argumentam que “por meio do conhecimento de uma representação social torna-se

possível um entendimento mais adequado dos processos de constituição simbólica encontrados na

sociedade, onde indivíduos se engajam para dar sentido ao mundo e nele construir sua identidade

social”.

Segundo Arruda (2002, p.142):

[...] toda representação se origina em um sujeito (individual ou coletivo) e se refere a um objeto. [...] toda representação é representação de alguém e de alguma coisa. Toda representação se refere a um objeto e tem um conteúdo. E o alguém que a formula é um sujeito social, imerso em condições específicas de seu espaço e tempo (ARRUDA, 2002, p.142).

Se “uma representação pode ser definida como um conjunto de fenômenos perceptivos,

imagens, opiniões, crenças e atitudes (VERGARA; FERREIRA, 2005, p.1141), e depende diretamente

de seu contexto (espaço social e tempo) de significação (ARRUDA, 2002), pode-se entender que a

identidade da mulher evangélica pode ser considerada uma representação social para sua

comunidade. Com base em Vergara e Ferreira (2005, p.1142) corrobora-se com o entendimento de

que “as representações sociais podem, ainda, ser vistas como produção cultural de uma determinada

comunidade, tendo como um dos seus objetivos resistir à incorporação de conceitos, conhecimentos

e atividades que ameacem destruir sua identidade”, uma resistência que, segundo os autores, não

evita as transformações da representação, que permanece incorporando inovações.

Para Arruda (2002), as representações sociais indicam um modo de conhecimento partilhado e

construído cotidianamente por meio das interações, cujo significado contribui para a construção de

uma realidade comumente aceita. Por meio de seu conjunto de significados é possível evocar

determinado acontecimento, sujeito ou objeto, pois é função das representações sociais

operacionalizar informações do cotidiano, tornando as coisas familiares, ajudando a categorizar e

nomear ideias, pessoas e acontecimentos. Assim, as representações sociais comportam o

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conhecimento da atividade mental desenvolvida por sujeitos e por grupos “para fixar suas posições

em relação a situações, eventos, objetos e comunicação que lhes concerne” (SÊGA, 2000, p.128).

Numa conjuntura em que o consumo e o lucro se tornaram as atividades fins do capitalismo e

sua racionalidade penetrou nas relações sociais (BARBOSA, 2004), entende-se que as representações

sociais se constroem também permeadas pela lógica capitalista do consumo. Hoje com o auxílio das

ferramentas de mídias sociais essa condição foi ampliada e disseminou-se. Nesse sentido, a moda

tornou-se uma das poderosas ferramentas de construção para as identidades e nela, a roupa e o

comportamento são meios relevantes de comunicação não verbal (LIPOVETSKY, 2002). Em meio ao

contexto, as mulheres evangélicas também passaram a utilizar desse ferramental para construir sua

identidade, um trabalho que também acontece (re)construindo continuamente sua forma de

representação social.

A igreja determina princípios sólidos para definir a imagem da mulher nessa comunidade, mas

como ocorre em todos os grupos sociais, as evangélicas formadoras de opinião se apropriam deles

para endossar esses princípios e também atualizá-los continuamente. Esse trabalho supõe que,

dentro dessa comunidade, as formadoras de opinião estão construindo a legitimação de uma nova

posição a ser ocupada, ou ainda atualizando a representação social da mulher evangélica, que hoje

se apropria de discursos de moda para formar uma imagem dentro da sociedade de consumo. Assim,

a questão de pesquisa se voltou para compreender como isso é possível.

1.1 Objetivos

1.1.1 Objetivo Geral

Compreender como a representação social da mulher evangélica vem sendo

construída por formadoras de opinião na sociedade de consumo, por meio da moda e

redes sociais.

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1.1.2 Objetivos Específicos

Entender a sociedade de consumo;

Conhecer a Teoria das Representações Sociais;

Compreender a construção identitária da mulher evangélica;

Analisar como as mulheres evangélicas apropriam-se de elementos da moda e se

apoiam em redes sociais para construir sua representação social.

1.2 Pergunta de pesquisa

Considerando que a identidade da mulher evangélica pode ser reconhecida como uma

representação social, e que essa construção cotidiana vem se dando apoiada no comportamento de

consumo de formadoras de opinião dentro desse grupo social, a questão de pesquisa volta-se para

compreender:

Como a representação social da mulher evangélica vem sendo construída por

formadoras de opinião na sociedade de consumo, por meio da moda e redes sociais?

1.3 Justificativas

Esta pesquisa se justifica por sua importância para o aprimoramento de

conhecimentos sobre a representação social de um grupo social (mulheres evangélicas) que

atuam numa sociedade de consumo como formadoras de opinião, utilizando elementos de

design de moda como suporte para suas práticas. Esse aporte de conhecimentos

(representação social, moda, religião e sociedade de consumo) fortalece os estudos em

design, cuja natureza é interdisciplinar. A importância do trabalho está relacionada também

as funções dos produtos, pois na constituição da imagem prevalece o uso de produtos onde

evidencia as funções prática, estética e simbólica (LOBACH, 2001). A contribuição prática

está na costura desse caminho teórico, além da própria aplicação metodológica utilizada,

que poderá servir de base para a prática de designers que se interessam por esses objetos.

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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Este capítulo trata da fundamentação teórica dessa pesquisa, apresentando conceitos sobre

sociedade de consumo, moda e vestuário; na sequência, trata-se da Teoria da Representação Social e

por fim foi abordado questões acerca da religião e das mulheres evangélicas da igreja Assembleia de

Deus, que convivem com princípios sólidos, voltados para definir sua imagem no meio social.

2.1. Sociedade de consumo, moda e vestuário

Ao longo do tempo, a atividade de consumo tornou-se um círculo vicioso onde o prazer das

pessoas parece residir no ato de consumir. A sociedade de produção que vivia em torno do trabalho,

nos séculos XX e XXI transformou-se na sociedade de consumo que pode ser considerada sinônimo

de capitalismo. Segundo Barbosa (2004, p.7), a sociedade de consumo é uma expressão utilizada

para se referir à sociedade contemporânea, pois consumir, seja para a satisfação de “necessidades

básicas” ou “supérfluas”, sempre foi uma atividade presente em toda e qualquer sociedade humana.

A autora descreve que o consumo preenche, entre nós, uma função que vai além de atender as

nossas “necessidades materiais e de reprodução social comum a todos os demais grupos sociais.” E

por isso, pode-se admitir que o consumo ocupa um espaço central na sociedade moderna

contemporânea que permite discussões de questões acerca da natureza e da realidade.

No sistema capitalista o lucro é a principal meta, e pode ser considerado o combustível

essencial para a existência do capitalismo, tendo como carro condutor o consumo e sua velocidade

contínua. Este por usa vez, é estimulado pelas estratégias de marketing que desperta nas pessoas o

desejo desenfreado pelo consumo. Segundo Avelar (2008, p.23) “Um planejamento de marketing

eficaz indicará estratégias e táticas que influenciarão o nível, a velocidade e a composição da

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demanda para ajudar no alcance dos objetivos traçados para cada produto” diante disso, pode-se

dizer que a sociedade de consumo é regida por ferramentas de marketing que conhecendo os

anseios dos consumidores possui o poder de estimular a criação de desejos que fazem com que

novos produtos sejam concebidos e consumidos. Solomon (2002, p.28) escreve que “Estamos

rodeados de estímulos de marketing na forma de comerciais, lojas e produtos competindo pela nossa

atenção e nosso dinheiro.” Esses estímulos contribuem para o crescimento do consumo, e este ao

longo dos anos foi tomando o espaço e o tempo do trabalho de forma a regrar e determinar as coisas

na sociedade atual.

Na sociedade de consumo os sujeitos são influenciados de alguma forma pelas normativas do

grupo social que eles estão inseridos. Eles procuram comprar produtos que agradem, não só a eles,

mas as pessoas com as quais convive, evidenciando a influência destas em suas decisões de compras.

Segundo Solomon (2002, p.24) “O comportamento do consumidor abrange uma ampla área”. Ele

explica que o mesmo envolve o estudo dos processos envolvidos, tais como comprar, selecionar,

usar, descartar, tanto produtos, serviços, como ideias ou experiências, e com isso atenderem seus

desejos e suas necessidades. O autor ainda explica que essas ações são feitas em grupo, e cada um

tem suas próprias características e age em conformidade com suas regras.

Engel, Blackwell e Miniard (2000) definem o comportamento do consumidor como as ações

das pessoas nas situações de compras e consumo de produtos e serviços, e ainda segundo eles, é um

campo de estudo que visa entender o motivo pelo qual as pessoas compram. Para Mowen e Minor

(2003) o consumo é definido como uma experiência de conhecimentos e sentimentos que as pessoas

tem quando consomem os produtos ou serviço. Com isso, pode-se dizer que consumir é uma ação

que proporciona reações nas pessoas de modo que elas sentirão prazer, satisfação, encantamento

ou decepção e frustração dependendo da qualidade e utilidade dos produtos e serviços. Eles avaliam

que esse processo envolve três fatores: o uso do produto, o consumo de atuação e os estados de

espírito. O uso do produto é a etapa que o consumidor experimenta sensações através dessa

utilização diretamente com os produtos e serviços, o estado do espírito implica na avaliação desses,

levando o indivíduo a satisfação ou insatisfação pela experiência resultando no processo de troca e

essa troca está ligada ao consumo de atuação do usuário. Nota-se então, que o comportamento do

consumidor sucede-se por etapas, ele é estimulado para realizar a compra por diversos fatores e no

uso dos objetos esse indivíduo experimenta outras sensações que resultarão no seu estado de

espírito e que o levará a posicionar-se em relação ao produto.

O entendimento do comportamento do consumidor, bem como do próprio fato do consumo

ter assumido uma posição relevante em nosso meio social tem base em mudanças histórico-sociais.

No século XIX o trabalho, a produção e o ganho em série regiam a sociedade, hoje o sujeito não vive

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em função do trabalho e sim do consumo. Conforme escreveu Retondar (2007, p. 18) “[...] a

sociedade contemporânea se tornou de um modo ou de outro, o cenário onde os processos e

práticas de consumo passaram a se sobrepor ao mundo da produção [...]”.

A comunidade evangélica está incluída nesse cenário, pois vivencia essa perspectiva. Diferente

de tempos passados, as mulheres desse segmento parecem ter descoberto que não precisavam se

vestir de forma tão sóbria e obedecer a uma estrutura tão rígida para mostrar as características que

lhes são pertinentes, tais como respeito, seriedade e modéstia. Cada vez mais elas buscam adotar

uma linguagem de moda na sua forma de vestir, mesmo dentro do ambiente religioso. A maioria

opta por elementos de moda, utilizando certa parcimônia, o que não as deixam parecer vulgares

nem sensuais. Contudo, dentro do grupo existam aquelas que confrontam, de certa forma, os

padrões estabelecidos pela igreja, embora adotem certas “ousadias” escolhendo peças de qualidade,

pertencentes às marcas amplamente reconhecidas pelo bom gosto.

Alguns autores já escreveram sobre a moda adotada por mulheres evangélicas. Um estudo

sobre os usos e costumes da igreja, revelou que na bíblia não existe proibições ao uso de peças ou da

própria moda. De acordo com Godin (1998, p.28) “[...] não há aprovação ou condenação bíblica ao

uso de roupas”. Ainda segundo ele, Deus não condena o vestir-se bem e o acompanhamento das

tendências de moda, mas salienta que existe vestuários considerados aceitáveis ou não para algumas

situações. O interesse de pesquisadores por essa questão revela as significativas mudanças que vem

sofrendo o vestuário das mulheres evangélicas ao longo dos anos, pessoas que naturalmente

participam de uma forma social comandada pelo consumo e pela moda.

A moda é um fenômeno que está intimamente presente no dia a dia das pessoas. Em todas as

esferas da sociedade é possível percebê-la e é irrefutável sua indispensabilidade no cotidiano dos

indivíduos, visto que sua atuação promove benefícios em muitas áreas, tais como social, econômica e

cultural (LIPOVETSKY, 2002). Para o autor, no contexto onde a moda impera ninguém, poderá

facilmente livrar-se desse império e ignorar os espaços conquistados por ele, pois ele além de estar

presente nas coisas materiais alcança o âmbito da imaterialidade influenciando o comportamento, o

pensamento, a conduta e o modo de vida das pessoas.

Diante disso, todos os grupos sociais, inclusive o dos evangélicos, são de certo modo,

moldados pela moda. As pessoas apropriam-se desse fenômeno para revelar suas identidades, serem

aceitas em determinados grupos e para não se sentirem ultrapassadas. Miranda (2008, p.67) define a

moda como forma de comportamento adotada por certa proporção de membros da sociedade e que

se torna apropriada em um período de tempo. Ainda segundo a autora a moda é um “[...] processo

de difusão social, [...] capaz de comunicar como as pessoas se definem”. Com isso, é possível

compreender que o sistema de moda não se limita ao ato de vestir, mas vai um pouco além e reside

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nos significados expressos por meio do vestuário e do comportamento. As pessoas estão

preocupadas não apenas no que as roupas podem fazer (função prática), mas no que elas vão

comunicar como um meio de definir o que são e o que não são (função simbólica). Desse modo,

como a moda auxilia na construção da identidade de consumidores, pode-se entender que ela é

também um forte instrumento para construção da representação social dos indivíduos.

Avelar (2009, p.34) endossa o entendimento ao definir a moda como conjunto de regras que

se constituem em um fenômeno dinâmico de mudanças institucionalizadas das coisas materiais e

imateriais, ela ainda explica que essas regras são responsáveis por definir “quem somos”, no sentido

de expressar “nossos desejos”, no que “acreditamos” e a que grupo social “pertencemos”. Sendo

assim, a moda é um fator fundamental na construção de um discurso que interage com os valores

sociais.

Conforme Crane (2006, p.21) moda é a maneira que as pessoas definem certas culturas e que

isso “inclui normas rigorosas sobre a aparência que se considera apropriada em um determinado

período”. Sugerindo a variabilidade e mutabilidade da moda, a autora enfatiza a existência de regras

que regem a maneira de se vestir e de se comportar de cada grupo dentro da cultura em que está

inserido, e que isso está dentro, além do espaço social, de um espaço de tempo. Com isso, pode-se

dizer que a moda sofre mudanças com o passar do tempo e os indivíduos acompanham essa

transição adaptando-se todos os dias a novas maneiras de viver, a novos estilos e apropriando-se de

novas propostas estabelecidas no sistema da moda.

Diante disso, a moda tem um papel social por estar diretamente ligada com o cotidiano das

pessoas. Cada vez mais as pessoas interagem-se com esse regimento, tanto que corriqueiramente

ouvimos expressões tais como “tenho que acompanhar a moda” “preciso usar as tendências” os

indivíduos estão tão envolvidos com este sistema que estão o tempo todo buscando coisas novas

(LIPOVETSKY, 2002). A moda age como um meio de expressar personalidade, estilo e modo de vida.

Com isso, revela-se como um fator de comunicação, um tipo de linguagem que diferencia as pessoas

dentro do grupo social em que elas estão como também possibilita a aceitação do indivíduo no meio

que ele vive. De acordo com Miranda (2008, p.99) “Até quando não seguem a moda as pessoas estão

comunicando algo de si". Desse modo, mesmo que as pessoas não reflitam sobre esta comunicação,

a maneira que elas apropriam-se da moda diz muito sobre quem são, sobre suas crenças, padrões e

opiniões.

Após a adoção em massa a moda deixa de ser novidade e quando atinge esse ponto ela entra

em declínio e precisa reinventar-se para que tudo seja novo de novo mesmo que sob a forma de uma

releitura de algo que já existiu. Segundo Avelar (2009, p. 98), “a característica mais importante da

moda consiste no seu exercício por um grupo, os difusores, cabendo ao restante da sociedade a

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tarefa de adotá-la”. Compreende-se então que a moda precisa ser nova ou então não pode ser

considerada moda. Este novo que as pessoas anseiam e buscam de modo desenfreado, contribui

para tornar a sociedade altamente consumista, pois a moda tem o poder de acelerar o mercado

elevando o consumo de bens ou serviços, por sua efemeridade (LIPOVETSKY, 2002).

Segundo Miranda (2008, p.17) a sociedade possui uma necessidade e capacidade de

mudança através da moda e que esta mudança está refletida no ato de consumir. Percebe-se então

que o sistema de moda e a sociedade de consumo andam de mãos dadas visto que uma contribui

para a existência da outra, e vice-versa. A moda estimula o consumo e o consumo dissemina a moda.

Desse modo, para a autora, o crescimento do consumo está interligado com o crescimento da

adoção de moda pelos consumidores, este consumo é conhecido como supérfluo e efêmero pelo

fato que as pessoas adquirem coisas que não necessitam em busca apenas de sua importância

simbólica legitimada pelos formadores de opinião e difundida pelos meios de comunicação.

Apoiadas no autores, é coerente dizer que a moda está presente em todo contexto social. O

meio religioso também é alcançado por este fenômeno; basta ver que as mulheres evangélicas tem

sido alvo dos criadores do mundo da moda. Isso denota o que foi identificado: passou-se o tempo em

que as mulheres evangélicas eram facilmente identificadas pelo vestuário que portavam. Hoje elas

estão mais vaidosas e gostam de se vestir com base nas tendências de moda. O segmento religioso,

como os demais grupos sociais, sofre mudanças cotidianas em suas regulamentações internas que

terminam por transformar alguns conceitos. Embora isso não afete a crença ou a fé, certamente

demonstra a transformação na maneira das pessoas compreenderem as coisas. Afinal, os significados

e sentidos das coisas todos os dias são renegociados, reinventados e ajustados nos grupos sociais.

Assim, o vestuário possui elementos que vão além de simplesmente atender as necessidades

do homem, ele tem características estrategicamente pensadas que comunicam sobre o perfil e

identidade do usuário que é definido como estética (GARCIA; MIRANDA, 2005). Dessa forma, nota-se

que existem significados intrínsecos em cada detalhe, recorte, formas, cores, tecidos e etc. que

resultam em um modo de expressar a cultura de um povo, a partir da moda adotada dos integrantes

deste. Os valores, costumes e comportamentos de determinadas sociedades são disseminados

através de suas roupas, estas representam a imagem que certos grupos e indivíduos querem

expressar. Conforme escreveu Schimidt (2007, p.231) “As vestimentas são poderosas comunicadoras

não-verbais em todas as épocas.” Desse modo, o vestuário contribui para aparência das pessoas, ele

deixa impressões e informações das pessoas. Assim, muito do que somos é denunciado pelo modo

que vestimos e pelos objetos que obtemos.

Diante dessa realidade, é possível perceber a importância do vestuário para as pessoas. Nas

comunidades religiosas e, especificamente, nas evangélicas, existem padrões de formas de vestir que

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são estabelecidas com o intuito de reger os procedimentos dos fiéis. A conduta é justificada pela

ideia de que todos que se aproximam de Cristo não podem permanecer do mesmo jeito, é preciso

passar por uma transformação também exterior, conforme Schimidt (2007, p.232) “[...] Se ninguém

lê o coração, certamente lê as nossas vestes, de maneira que nossa aparência pode tornar-se uma

poderosa declaração de amor a Cristo”. Por isso, determina-se nessa comunidade que o vestuário de

uma mulher cristã deve ser modesto e decente, uma vez que é por meio dele, que será possível

revelar o caráter de Cristo. As igrejas estabelecem rígidos padrões de conduta e vestimenta e,

aqueles(as) que optam por não seguirem são excluídos das atividades da igreja; nesse sentido,

apesar das mulheres não serem proibidas de frequentar os cultos, elas perdem os privilégios

pertinentes ao grupo que cumpre fidedignamente as normas estabelecidas.

2.2 A Teoria da Representação Social, a mulher e a moda

O vestuário não tem a função apenas de cobrir o nosso corpo e embelezá-lo, como já foi citado

anteriormente, ele é um objeto de comunicação que transmite uma mensagem não-verbal que

revela identidades pessoais e todo contexto social e cultural que o indivíduo está inserido. Segundo

Kalil (2011, p.345) a roupa é “considerada a extensão mais direta da superfície externa do corpo,

incitando uma mensagem, e uma manifestação não-verbal das sociedades, tanto aos olhos, como ao

tato, sendo um ícone visual e ao mesmo tempo abstrato”. Sendo assim, a indumentária está cheia de

significados que transcende o simples ato de vestir e cria diversas narrativas e expressões. No

entanto seus sentidos e significados só podem ser “lidos” ou percebidos dentro de um contexto

cultural. Sendo um veículo de comunicação o vestuário é, portanto um meio para construção da

representação social.

Em 1961 o psicólogo Serge Moscovici trouxe a Teoria das Representações Sociais da sociologia

para a psicologia social, na busca de compreender e explicar as relações sociais e o comportamento

cotidiano das pessoas. O autor criou possibilidades para uma melhor compreensão de práticas

coletivas ao superar a dicotomia entre os níveis individual e coletivo das representações (VERGARA;

FERREIRA, 2005). A Teoria das Representações Sociais parte do conceito das representações coletivas

elaborado pelo sociólogo Émile Durkheim em 1898 tendo sido assim atualizado por Moscovici. No

contemporâneo, vários autores são responsáveis pela disseminação da Teoria das Representações

Sociais preconizada por Moscovici. Entre eles, destacam-se: Wolfgang Wagner, Jean-Claude Abric,

Claude Flament, Pascal Moliner, Pierre Vergès, Michel-Louis Rouquette, Willem Doise, Denise

Jodelet, Annamaria de Rosa e Ivana Morková (MARCHESE; PULLIN, 2012).

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Dentro dos conceitos sociológicos e psicológicos, Moscovici define a representação social como

uma forma de conhecimento particularizado, por socialmente produzido e compartilhado, que

assume a função de promover modos de entendimento e comportamento entre indivíduos de uma

comunidade e tempo específicos, contribuindo para construção da realidade. Assim, a mesma

possibilita a interpretação de ideias novas transformando-as em senso comum (ARRUDA, 2002).

Recorrendo ao dicionário, o termo representação tem como definição a reconstrução de algo real e

está relacionado a imagem mental que o indivíduo constrói perante o contexto social que está

inserido. De fato, as representações sociais como construções mentais trabalham “como um sistema

de interpretação da realidade que regula as relações dos indivíduos com seu meio ambiente físico e

social, orientando seus comportamentos e práticas”, e norteiam a tomada de decisões dos indivíduos

por auxiliar na incorporação de estruturas de pensamento pré-existentes ao mesmo (VERGARA;

FERREIRA, 2005, p.1141). Contudo, os autores esclarecem que não são construções simples:

[...] as representações sociais são fenômenos complexos que dizem respeito ao processo pelo qual o sentido de um dado objeto é estruturado pelo sujeito no contexto de suas relações, em um processo dinâmico de compreensão e transformação da realidade. As representações sociais não são reflexos da realidade e sim construções mentais dos objetos, inseparáveis das atividades simbólicas dos sujeitos e de sua inserção na totalidade social (VERGARA; FERREIRA, 2005, p.1141).

Moscovici trata as representações sociais de forma dinâmica e aponta como berço dessa teoria

a ação e a comunicação. Para o autor, essas representações estão vinculadas a um modo particular

de compreensão e auxiliam na criação do senso comum e da própria realidade; a mesma se insere

nas relações cotidianas de trocas entre os indivíduos de determinada comunidade, tendo nos meios

de comunicação de massa um grande aliado. Assim, trabalha com a elaboração coletiva e a

individualidade das pessoas (MORIGI, 2004).

Para Moscovici, as representações sociais se dividem em dois processos: objetivação e

ancoragem. O primeiro naturaliza um objeto abstrato ,ou seja, tem a função de transformar imagens

abstratas em concretas, estando totalmente associado a um conceito de imagem que já atua na

construção social da realidade; e o segundo, refere-se a nomear e classificar essas imagens

resultantes da objetivação de acordo com as normas e valores sociais que já conhecemos, a

ancoragem dá sentido ao objeto que já somos familiarizados, ou seja, naturaliza-o no meio social

(ARRUDA, 2002).

Para significar e esclarecer as representações sociais existem dois mecanismos chamados:

núcleo central e sistema periférico. Segundo Matos et al., (2012, p.257) “Para auxiliar na

identificação da parte mais importante de uma representação social, dos valores e percepções que

são compartilhados com mais clareza e coesão pelo grupo investigado, pode-se trabalhar com o

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chamado núcleo central da representação social”. Segundo os autores, qualquer que seja a

representação social, ela sempre é organizada em volta de um núcleo central de significados capazes

de gerar seu sentido. Esse núcleo é resistente às mudanças e permanece definindo a ação e o

comportamento do indivíduo, pois não é imediatamente influenciável pelos acontecimentos

recentes do contexto social.

Já o sistema periférico segundo Matos (2012, p. 257), “é composto dos elementos que se

posicionam em volta do núcleo central, não constituindo valores ‘inegociáveis’. Pelo contrário, nele

estão acomodados os conceitos, percepções e valores que o indivíduo até admite rever, negociar”.

Estando em volta do núcleo central, esse sistema termina por não protegê-lo totalmente,

contribuindo assim para a evolução da representação social. Arruda corrobora e elucida esse

entendimento para o contexto atual:

A representação social seria uma forma de conhecer típica dessas sociedades, cuja velocidade vertiginosa da informação obriga a um processamento constante do novo, que não abre espaço nem tempo para a cristalização de tradições, processamento que se esteia no olhar de quem vê. A representação social, portanto, não é uma cópia nem um reflexo, uma imagem fotográfica da realidade: é uma tradução, uma versão desta. Ela está em transformação como o objeto que tenta elaborar. É dinâmica, móvel (ARRUDA, 2002, p.134)

A colocação nos aproxima do que foi levantado no contexto de atuação da formadora de

opinião que, inserida na realidade de uma sociedade de consumo, utiliza a moda e as redes sociais

como ferramental de construção de uma forma representação. Matos (2012, p. 258) contextualiza a

questão quando coloca que as representações sociais “inserem-se em um conceito plural e bastante

complexo. Mas, mesmo existindo várias acepções umas mais aproximadas, outras, nem tanto - é

possível identificá-las como sendo dinâmicas e explicativas; englobando aspectos culturais, cognitivos

e valorativos; possuindo dimensão histórica e transformadora”.

Assim, embasando-se em Vergara e Ferreira (2005), considera-se que a produção cultural da

comunidade evangélica acerca da identidade das mulheres é uma representação social e entende-se

que essa construção resiste às novas construções de significados (núcleo central), mas que isso não

evita a transformação dessas identidades (oriundas do núcleo periférico). As mudanças ocorrem em

todos os contextos sociais. Arruda, que elucida os motivos:

[...] a representação social na verdade opera uma transformação do sujeito e do objeto na medida em que ambos são modificados no processo de elaborar o objeto. O sujeito amplia sua categorização e o objeto se acomoda ao repertório do sujeito, repertório o qual, por sua vez, também se modifica ao receber mais um habitante (ARRUDA, 2002, p.137).

A condição é também reconhecida e antecipada pelos ensinamentos da Igreja, quando difere

doutrina de costume, temas abordados na próxima seção.

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2.3 A religião e a mulher evangélica

A religião exerce forte influência na sociedade, contribuindo para a formação de opiniões e

para o comportamento do homem, praticamente, em todas as áreas de sua vida seja social, cultural,

política e também econômica. Feital (2012, p. 1) analisou que “a religiosidade tem sido reconhecida

como um fator social importante na influência do comportamento humano.” Ele afirma que a

religião tem contribuído para a vida das pessoas em relação à formação e construção de valores e

atitudes sociais. Para o autor, essas pessoas sofrem influência da religião em seus processos de

compra. Sendo assim, acabam por optar por produtos, sobretudo de vestuário, que melhor se

adequem às doutrinas e aos costumes da igreja, pois agindo assim estarão aptas a continuarem

fazendo parte desse segmento.

Diante disso, é possível perceber a grande influência que a igreja exerce no comportamento

de consumo de seus seguidores. Os membros dessa comunidade ficam propensos a estar em

conformidade com os demais integrantes do grupo, e com isso, o comportamento das pessoas é

afetado por aqueles com quem convivem. Seguindo os autores dos vários seguimentos aqui tratados,

é quase impossível para o indivíduo viver sem sofrer influencias do meio, seja na maneira de vestir,

falar, pensar ou comprar. Em algum momento vai ser identificado nesse indivíduo, alguma

característica resultante daquilo que ele acredita e/ou do grupo ao qual mesmo pertence (ARRUDA,

2002; BARBOSA, 2004; LIPOVETSKY, 2002; GARCIA; MIRANDA, 2005, SOLOMON, 2002).

A igreja Assembleia de Deus (também chamada de IEAD – Igreja Evangélica Assembleia de

Deus) constitui-se uma denominação oriunda da segunda década do século XX. A mesma foi fundada

por dois missionários suecos Gunnar Vingre e Daniel Berg, sendo considerada hoje uma das maiores

no mundo em tamanho, e a maior do Brasil no ramo pentecostal, segundo a CPAD (Casa Publicadora

das Assembleias de Deus). Suas doutrinas e costumes estão entre os mais rígidos das igrejas

evangélicas do Brasil, e segundo o Pr. José Wellington Bezerra da Costa, Pastor Presidente da CGADB

(Convenção Geral das Assembleia de Deus no Brasil), as pessoas fazem certa confusão a respeito do

significado destas duas palavras. O pastor explica que, embora essas duas palavras pareçam ter o

mesmo sentido, os significados de ambas são diferentes. Segundo ele: “Doutrina é o ensinamento

bíblico de forma sistemática. Costume, no nosso caso eclesiástico, trata do comportamento do crente,

da sua postura diante do mundo.” A doutrina é encontrada na bíblia, e segundo ele, não pode sofrer

alterações mesmo com o passar do tempo e mesmo diante das mudanças que acontecem no mundo,

pois se refere à palavra de Deus. Já os costumes podem ser mudados conforme o contexto local e

temporal, ou seja, a igreja vai adaptando-se as significativas mudanças que ocorrem com o

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surgimento de novas tecnologias, por exemplo, que acaba por atingir todas as pessoas, de todos os

níveis sociais e independentes da fé que professam. O pastor enfatiza que a Assembleia de Deus no

Brasil, desde os seus primórdios, é uma igreja observadora dos bons costumes pautados na doutrina

essencialmente bíblica (ASSEMBLEIA DE DEUS, 2011).

Diante disso, verifica-se que para ser seguidor dessa igreja, o fiel deve sujeitar-se para viver

em conformidade com suas regras e, em consequência disso, adaptar seu comportamento diante de

diversas áreas da vida de acordo com o regimento da igreja. Podemos notar como é forte a

participação e a influência direta da igreja no comportamento social de seus integrantes. O mesmo

ocorre em relação ao vestuário das mulheres, que são as mais diretamente observadas e

influenciadas.

Colocou-se abaixo os principais usos e costumes defendidos pela Igreja Assembleia de Deus

no Brasil, de acordo com a resolução ELAD de 1999 (ASSEMBLEIA DE DEUS, 2011). Essa resolução

determina que os fiéis têm de se abster de:

1) Ter os homens cabelos crescidos (1 Co 11.14)1, bem como fazer cortes extravagantes;

2) As mulheres usarem roupas que são peculiares aos homens e vestimentas indecentes e

indecorosas, ou sem modéstias (1 Tm 2.9, 10);

3) Uso exagerado de pintura e maquiagem – unhas, tatuagens e cabelos- (Lv 19.28; 2 Rs 9.30);

4) Uso de cabelos curtos em detrimento da recomendação bíblica (1 Co 11.6, 15);

5) Mal uso dos meios de comunicação: televisão, Internet, rádio, telefone (1 Co 6.12; Fp 4.8);

6) Uso de bebidas alcoólicas e embriagantes (Pv 20.1; 26.31; 1 Co 6.10; Ef. 5.18).

Como foi possível notar, das seis recomendações feitas aos fiéis três são destinadas às

mulheres, uma é voltada para os homens e as outras duas para os dois gêneros. Percebe-se com isso

uma constatação que a história social já revela: as mulheres sempre são as mais atingidas pelas

regras de condutas dentro de qualquer grupo social. As mulheres sofreram e ainda sofrem opressões

sociais e discriminação embora muita coisa tenha mudado. Não é à toa que a questão é amplamente

debatida nos vários estudos acerca do feminismo, das questões de gênero e de poder, pois percebe-

se claramente os reflexos da posição inferior da mulher nos meios sociais e a intensa desigualdade

entre os gêneros.

1 1 Co 11.14 e as demais referências bíblicas que aparecem na resolução ELAD DE 1999 são retiradas do Livro de valor sagrado para os cristãos, a Bíblia. Os lideres religiosos embasam esta resolução em textos bíblicos, visando esclarecer aos fiéis que sua ideologia é genuinamente bíblica e não humana.

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Nas sociedades mais antigas as mulheres não eram valorizadas viviam à margem da

sociedade, servindo apenas para a procriação, para cuidar da casa, dos filhos e do marido. Não

tinham liberdade de escolha, não tinham espaço no trabalho e na história da humanidade. Segundo

Strey et al., (2004, p.13), as mulheres por muito tempo foram invisíveis e oprimidas e os homens por

muito tempo foram os únicos historiadores, e “estes escreveram a história dos homens, apresentada

como universal, e a história das mulheres desenvolve-se à sua margem”. Para a autora os

historiadores “ocultaram-nas como sujeitos, tornaram-nas invisíveis”. Todo um contexto histórico-

social fomentou as desigualdades e diferenças entre os gêneros, estabelecendo para o homem a

posição de superioridade e para as mulheres em lugares subalterno. Assim, os avanços conquistados

até aqui deve-se a muitas situações que permeiam as sociedades patriarcais.

Apesar das diferenças, deve-se reconhecer que a mulher galgou novas posições. Elas foram

lutando contra o domínio masculino, foram lutando pela sua cidadania, buscando resgatar a sua

história e, aos poucos, foram sendo inseridas no mercado de trabalho, no campo político, religioso,

econômico e social. Segundo Strey et al., (2004, p.17) os historiadores passaram a incluí-las na

história, e muitas coisas foram efetivamente mudando. A mulher passou a assumir papéis sociais em

ouras instâncias fora da vida doméstica, não sendo mais um ser invisível, incompleto, frágil e incapaz

de exercer certos poderes, ela é hoje considerada um sujeito da história da humanidade e, por isso,

ocupa um papel importante para as sociedades.

Nos dias atuais, apesar de todo preconceito, desigualdade e violência que existe a mulher não é

mais a mesma e dentro desse grupo, a mulher evangélica também se transformou. Seguindo o

pensamento de Arruda (2002), o processo de construção de sua representação social no grupo ao

qual pertence, operou uma transformação dela como sujeito e do próprio objeto (mulher

evangélica), na medida em sua relação elaborava esse objeto.

Entendeu-se que a identidade da mulher evangélica segue as quatro funções essenciais que

deve cumprir uma representação social, segundo (CRAMER et al., 2001): a) função de saber - em que

as representações sociais possibilitam compreender e explicar a realidade, sendo essa uma condição

formadora dessa mulher; b) função identitária - em que as representações têm também por

finalidade situar as pessoas e os grupos no campo social, condição que posiciona seu papel na

estrutura da igreja; c) função de orientação - nessa função, as representações orientam os

comportamentos e as práticas por meio da demarcação de finalidades da situação, sendo esse um

sistema que antecipa expectativas e prescreve comportamentos, sendo a condição norteadora da

conduta dessa mulher; d) e por fim, a função Justificadora - as representações possibilitam justificar

as posteriores tomadas de posição e comportamentos, sendo a questão que fundamenta a posição

futura dessa mulher como sujeito nesse contexto.

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As mulheres são maioria nos templos evangélicos e dentro deste grupo elas conquistaram

posições muito importantes. Embora muitas igrejas sejam gerenciadas por homens, elas têm

exercido papeis que as destacam e as colocam como referência dentro do grupo. A exemplo disso

existem cantoras, escritoras, esposas, filhas de pastores, entre outras, consideradas mulheres que

conquistaram espaços privilegiados, por firmarem essa posição e também por usarem a criatividade.

No contemporâneo, aproveitando as oportunidades que a tecnologia oferece, muitas delas estão

usando a moda e as redes sociais e se estabelecendo como formadoras de opinião perante o grupo,

pois claramente vem exercendo uma forte influência nos demais membros do grupo.

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3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

De base interpretativista, essa pesquisa entende a linguagem como a base para que a realidade

seja construída (DENZIN e LINCOLN, 1994), nos colocando em consonância com a base de

entendimento da Teoria das Representações Sociais, que as enxerga como uma construção social

(MORIGI 2004). Aqui assumiu-se uma perspectiva interacionista (BLUMER, 1969) e foi utilizado como

método a netnografia da comunicação, um campo disciplinar da sociolinguística interacional. Para o

uso desse método, existe o entendimento de que a linguagem e a cultura se có-constituem, sendo o

objetivo do pesquisador compreender alguns aspectos culturais de uma dada comunidade

(entendida como comunidade de fala), o que é feito por meio do acesso às interações verbais de

seus participantes, momento (ou ação) em que compartilham o uso dos signos da linguagem

(FREITAS; LEÃO, 2012).

Para se adequar ao contexto virtual em que se dão essas interações esse modo de etnografia foi

denominado de netnografia (KOZINETS, 1998; ROCHA et al., 2005). A condição essencial para o uso

desse método é existir uma comunidade de fala, ou seja, existir o compartilhamento de códigos

entre os participantes que interagem no meio específico. Esse jogo de linguagem que lá acontece se

pauta em regras, por sua vez baseadas no uso, o que difere essa etnografia da etnografia tradicional.

Assim, enquanto a etnografia da comunicação busca o compartilhamento da cultura como um todo,

a netnografia busca o compartilhamento das regras de fala (LEÃO; MELLO, 2007).

Leão e Mello (2007) desenvolveram um protocolo analítico para essas interações,

posteriormente reelaborado por Freitas e Leão (2012) e adaptado por Costa e Leão (2012, no prelo)

(vide Quadro 1), que possibilitam ao pesquisador acessar o que foi dito e “não dito” pelos membros

de uma comunidade de uma fala. Nesta pesquisa utilizou-se esse protocolo para levantar e analisar

as interações dadas no Instagram de duas mulheres evangélicas bastante populares em sua

comunidade religiosa (aqui uma comunidade de fala particular) e, utilizadoras frequentes dessa

ferramenta virtual, tornaram-se formadoras de opinião, possuindo um número significativo de

seguidores.

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Quadro 1- Protocolo analítico de interações virtuais

Aspectos Guia de Freitas e Leão (2012) Guia Leão (2007) A

spet

os

Par

a lin

guís

tico

s

Acentuação

Trata-se de alterações na escrita das palavras com acentos tônicos, de modo a reduzir a quantidade de caracteres ou símbolos digitados necessários à construção da palavra, segundo a norma culta.

Aspecto não encontrado

Altura da voz

A altura da voz na comunicação de internet se caracteriza, principalmente, pelo uso de todas as letras da(s) palavra(s) em maiúsculo.

Duração da elocução Refere-se à repetição de letras ou uso de sinas de reticências no sentido de alongar a pronúncia da palavra ou expressão.

Entoação

Caracteriza-se pela utilização dos sinais de exclamação, interrogação, no sentido de demonstrar surpresa, dúvida, espanto e afins.

Tom Refere-se a expressões, que não são faciais, ligadas ao tom de voz, geralmente no sentido de suspirar, opinar, gabar-se, etc.

Variações ortoépicas

Este aspecto se refere a mudanças na escrita das palavras e expressões, com intuito de reduzi-las, em termos de tamanho, e de destacar sotaques.

Asp

eto

s Ex

tral

ingu

ísti

cos

Expressão facial

Trata-se de palavras e símbolos escritos de modo a demonstrar expressões faciais, tais como risos, gargalhadas e outros, a partir de repetições de letras ou outros usos de símbolos de uma forma não-habitual (:P), por exemplo.

Gestos

Se trata daqueles de uso já consagrado numa dada cultura. Por exemplo, o polegar erguido com os demais dedos fechados para indicar um sinal positivo. Em nosso campo encontramos braço levantado em sinal de vitória/comemoração, por exemplo.

Asp

eto

s d

e d

efin

ição

d

o “eu

Movimento dêitico Referem-se a expressões escritas usadas no sentido de demonstrar gestos específicos, que indiquem direção, por exemplo.

Aspecto não encontrado

Alternância de código

Ocorre quando a forma escrita de alguma palavra ou o uso de aspas nestas muda o seu sentido habitual, incluindo a substituição de palavras por números, por exemplo, cujo uso específico seja compreendido por um grupo cultural ou tribo.

Fonte: Adaptado por Costa e Leão (2012, pp. 3-4, no prelo) de Freitas e Leão (2012).

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Quadro 1- Protocolo analítico de interações virtuais (Continuação)

Conhecimento de mundo

Caracteriza-se pelo conhecimento construído por um grupo ou pelo senso comum, demonstrado, aqui, a partir do uso de palavras escritas de forma distinta da ditada pela norma culta, ou alterando seu sentido habitual para outro compartilhado por um grupo, cultura ou senso comum.

Contexto

Por contexto aqui assumimos qualquer conhecimento – de um fato ou situação, uma informação, experiência etc. – alçado, direta ou indiretamente, voluntariamente ou não, ao ambiente interacional.

Footing

Ocorre pelo uso de símbolos ou sinais, e.g. parênteses, que demarquem mudança no alinhamento dos interactantes.

Fonte: Adaptado por Costa e Leão (2012, pp. 3-4, no prelo) de Freitas e Leão (2012).

A esfera social analisada foi a dimensão cotidiana. O corpus foi formado por 6 documentos a

todo, coletados entre o dia 04 de março/2017 ao dia 13 de abril/2017 no Instagram dessas duas

mulheres. Suas abordagens são muito diferentes entre si, mas ambas são figuras muito populares na

Igreja Evangélica local, possuem um número de seguidores bastante significativo (33k seguidores em

uma e 238k seguidoras na outra), condição traçada como de representatividade para essa pesquisa.

Uma delas é muito influente por ser filha de um pastor popular da igreja Assembleia de Deus em

Pernambuco, sendo ele atualmente o gestor na igreja Assembleia de Deus em uma cidade de porte

médio no Estado, e a outra é uma cantora gospel de projeção internacional, sendo membro da igreja

Assembleia de Deus em Pernambuco e residente na cidade de Recife.

A analítica do trabalho embasa-se num tipo de análise de discurso funcional, que entende os

signos utilizados pelos sujeitos na interação estão sendo constantemente resinificados. Esse uso da

linguagem compartilhada no momento em que ocorre, possibilita entender como sujeitos se

constroem (portanto, [re]construindo as representações) perante a comunidade, valendo-se dessa

competência (FREITAS; LEÃO, 2012).

Para tanto, entende-se que:

[...] os usos da linguagem tem uma finalidade e que se referem a atos de

fala. Assim a linguagem não verbal e os aspectos interacionais terão funções

específicas na linguagem respectiva a cada interação, como por exemplo,

uma expressão facial que denuncia um sentimento ou um contexto que

determina o comportamento dos interactantes (FREITAS; LEÃO, 2012,

p.201).

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Os atos de fala nessa pesquisa foram as postagens diárias efetuadas pelas duas mulheres em

seu Instagram. Essas geraram interações que, tanto endossaram os significados de sua mensagem,

como ressaltam apenas alguns aspectos das mesmas, de certo modo desculpabilizando as ações que,

por alguma razão, extrapolaram os códigos mais duros acerca do comportamento das mulheres

evangélicas, previstos na resolução de Santo André; essa foi a primeira resolução estabelecida pela

Igreja no Brasil, tendo sido criada em 1975 e posteriormente reformulada no ano de 1999, ficou

conhecida por resolução ELAD (Encontro de Líderes das Assembleias de Deus).

O trabalho passará a tratar da análise dos resultados.

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4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A análise do discurso dessa pesquisa teve como base o guia da netnografia desenvolvido por

Freitas e Leão (2012). Os trechos de fala aqui selecionados representam os mais significativos em

suas categorias e foram oriundos dos perfis virtuais no Instagram que compuseram o corpus da

pesquisa. Assim cada comentário relata o modo como ocorre a atividade de fala apresentando suas

funções a partir da fala escrita, mas também das expressões demarcadas pelo uso dos emotions, ou

figuras que expressam rostos e movimentos corporais complementando a fala dos interactantes.

A análise de discurso funcional, que segundo Freitas e Leão (2012, p.6) é aquela efetuada no

contexto de uso, utilizando a fala dos sujeitos e a pragmática da linguagem, foi realizada na interação

verbal (escrita e/ou ilustrada por emotions) ocorridas no Instagram das duas mulheres evangélicas e

formadoras de opinião em suas comunidades de fala. A partir daqui referiu-se às mesmas como

Formadora de opinião 1 (FO1) e formadora de opinião 2 (FO2). Reiterando que o título de

formadoras de opinião advém de sua posição social como influenciadoras digitais, ambas com muitos

seguidores nessas comunidades de fala e possuidoras de uma grande capacidade de influenciar a

opinião dos demais membros do grupo nos campos político, social e moral.

A análise revelou a existência de oito atividades que foi denominadas de atividades de fala,

sendo esse o primeiro momento analítico realizado em no corpus da pesquisa. As atividades de fala

encontradas estão descritas no Quadro 2. As atividades de fala se referiram ao modo como essas

formadoras de opinião se colocam frente à comunidade, ou seja, utilizando como recurso a

linguagem (postura e expressões faciais, cena ou pano de fundo das fotos e composições dos looks) e

elementos de moda para indicar modos de “ser” e de viver, ou seja, elas denotam um estilo de vida a

ser seguido/imitado por mulheres evangélicas contemporâneas que, a exemplo delas, também

querem se destacar socialmente.

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Quadro 2 – Descrição de atividades de fala

Atividades de fala Descrição

Ousada Assume posturas mais sensuais, provocativas e audaciosas no modo de vestir e de se apresentar, fugindo em alguns aspectos da representação tradicional da mulher evangélica; apesar de fugir às regras, não se caracteriza como padrão socialmente excessivo ou vulgar.

Flexível Menos rígida, é conhecedora da doutrina, mas adota inovações e entendimentos singulares acerca dos costumes e posturas que assume frente à vida.

Formadora de opinião Utiliza as redes sociais para divulgar um estilo de vida composto por atitudes, modos de ser, de usar produtos e de cuidar da aparência

Vaidosa Cuida da beleza, valorizando a boa aparência

Antenada Preocupa-se em usar o que está nas tendências de moda, divulgando combinações e modos de adotar as mesmas

Conhecedora dos dogmas Amplamente reconhecida como membro da igreja, conhece a doutrina e entende como devem ser os costumes e a postura do fiel frente ao mundo e a vida

Recatada Adota um estilo de roupas mais recatado e discreto, considerado de bom gosto, mas carregado com toques de moda.

Envolvida Reflete em seu modo de vestir características clássicas dos usos e costumes pertinentes à resolução que orienta como deve ser a postura do fiel, uma conduta pautada na doutrina essencialmente bíblica.

Fonte: Própria

Frente ao que foi revelado de atividades de fala, é possível afirmar a existência de dois perfis

distintos, cujas singularidades concorrem hoje influenciando a construção da representação da

mulher evangélica no contexto analisado. Tais perfis deve-se a seleção que foi efetuada respeitando

o recorte ou limite de pesquisa, uma vez que por critério, priorizou-se ter em no corpus duas

formadoras de opinião contemporâneas, da mesma igreja, com muitos seguidores e bem diferentes

entre si. Apesar de possuírem muitas atividades de fala em comum, pôde-se distinguir claramente a

identidade desses dois perfis, que entendeu-se ser uma mais materialista, ou seja, que parte de uma

linguagem de mundo para expressar-se no interior da comunidade religiosa de fala, e outra, mais

espiritualista, que se apropria dos preceitos e dogmas dessa religião para também expressar-se nessa

comunidade.

Ambas, em seus modos particulares de ser e de viver, expressam valores, atitudes e opiniões

para muitos seguidores, com que interagem cotidianamente, influenciando modos de pensar e

recebendo apoio total ou parcial da comunidade de fala. Nessas interações ambas também estão

construindo essa representação social da mulher evangélica no contexto analisado.

No Quadro 3 apresenta-se as características de cada um dos perfis: o que é comum entre

eles e o que lhes é singular, em termos de atividade de fala.

O perfil materialista mostrou-se notadamente mais ligado às coisas e valores mundanos.

Impetuosa, a representação desse perfil manifestou-se extrovertida, caracterizando-se por cultuar a

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beleza do corpo, possuir atitude e ser portadora de opinião forte, demonstrando entender que se

deve viver a vida de seu jeito. Essa jovem mulher parece indicar que o lugar da crença é o mundo,

então, é desse lugar e do que lhe pertence, que se deve olhar para os valores religiosos. Optou-se

por atribuir aos perfis um lema ou ideal, facilitando o desdobramento da análise. Para o perfil

materialista esse seria: se o corpo é a casa da alma, ele merece ser cuidado. Já o perfil espiritualista

claramente valoriza os padrões da moral religiosa, a mulher desse perfil se mostra virtuosa, pudica, e

cultiva no corpo as qualidades dessa moral. Recatada, valoriza as questões espirituais, denotando

que para ela é a partir desses valores que o corpo da mulher evangélica deve ser construído. O perfil

espiritualista se apropria assim dos elementos do discurso religioso para se afirmar na comunidade

de fala. O lema que poderia ser atribuído para caracterizar esse perfil seria: o corpo é espelho da

alma.

Quadro 3 – Relação: perfis e atividades de fala

Fonte: Própria

Numa segunda etapa analítica, buscou-se entender o que seriam as funções dessas

atividades de fala no contexto de sua ação. Foi encontrado cinco funções, que estão descritas no

Quadro 4.

Perfis Atividadesde fala

Ousada

Flexível

Formadora de opinião

Vaidosa

Antenada

Conhecedora dos dogmas

Envolvida

Recatada

Mat

eri

alis

ta

Esp

irit

ual

ista

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Quadro 4: Descrição das funções

Funções Descrição

Legitimar-se na comunidade de fala Evidenciar seu conhecimento dos dogmas e condutas do grupo, validando sua representação na comunidade de fala

Mostrar-se atualizada/descolada Mostrar-se informada das tendências de moda e estilo, influenciando gostos e indicando usos e combinações

Endossar dogmas e condutas Apropriar-se dos dogmas e condutas tradicionais transmitindo valores e conquistando/mantendo seguidores

Desafiar dogmas e condutas Inovar em possibilidades de ser, viver ou pensar, influenciando ao mesmo tempo que assegurando o apoio dos seguidores

Influenciar consumo Indicar produtos, serviços ou marcas, mostrando formas de uso.

Fonte: Própria

A seguir expõe-se exemplos das funções encontradas, ilustrando a análise proposta por este

trabalho.

4.1 Legitimar-se na comunidade da fala

Essa função demonstra como acontece o reconhecimento dessa pessoa como formadora de

opinião dentro do grupo ou comunidade de fala. A Figura 1 se refere a uma postagem efetuada pela

FO1. Tal postagem de imediato gerou inúmeros elogios e gestos de aplausos a cerca do vestuário e

da aparência física dessa internauta, de modo a demonstrar o reconhecimento consensual acerca de

sua acertada escolha pelo grupo.

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Figura 1 – Imagem da FO1 postada dia 19 de março de 2017

Fonte: Instagram. Disponível em: https://www.instagram.com/claudiacancao/ Acesso em: 30/03/2017

O comentário 04/120 ilustra a legitimação do sujeito na comunidade de fala, por meio de

aspecto para-linguístico entoação (uso da exclamação) demonstrando a intensidade de sua fala:

(04/120) Ela é bem alta. E só ficou maravilhoso nela!

O interlocutor endossa a posição de destaque dessa formadora de opinião no grupo quando

entoa “só ficou maravilhoso nela”. Em geral, esse tipo de perfil de mulheres evangélicas que são

celebridades, tornam-se ícones de bom gosto e tudo que “ditam” é aplaudido e seguido pelo grupo

como uma indicação não apenas do que é moda, mas do que deve e como pode ser usado. É

perceptível o poder de influência dessa formadora de opinião nessa comunidade pela voz de seus

próprios seguidores: eles se colocam na posição de “súditos”, e se reportam a mesma como uma

“princesa”, uma “deusa”.

Os comentários 01/30 e 02/20 evidenciam como isso ocorre por meio de aspectos para-

linguísticos de entoação (uso da exclamação), altura de voz (indicada pela escrita em caixa alta),

duração da elocução (repetição da exclamação e da vogal). Ainda, os aspetos: para-linguístico,

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variação ortoépica (Own) e Extralinguísticos de expressão facial (indicada pelos olhos acompanhados

da boca aberta de admiração) trazem essa constatação:

(01/30) Own que linda. UMA PRINCESA!!!!!!!!!! :o

(02/20) Que deusaaaa

4.2 Mostrar-se atualizada\descolada

Na Figura 2 a FO1 posta uma imagem compondo elementos de moda da estação. Ao mostrar-

se atualizada\descolada o perfil dissemina como se deve usar ou compor o “look” de modo a

acompanhar as tendências de moda, sem desconsiderar as rígidas regras existentes no padrão da

igreja. Essa produção é um discurso que ao mesmo tempo confronta diretamente a ideia de que a

mulher evangélica não segue moda, não sabe se vestir. Essa função é ilustrada pela Figura 2, seguida

pelo comentário de uma seguidora: locução 06/124.

Figura 2 - Imagem da FO1 postada dia 04 de março de 2017

Fonte: Instagram. Disponível em: https://www.instagram.com/claudiacancao/ Acesso em: 30/03/2017

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(06/124) Sapato brocação, aliás look brocação! 💙 arrazastissss

Os sapatos citados no comentário 06/124 tem inspiração nos sapatos produzidos pela marca

de Alta Costura Valentino, cujo uso de tachinhas de metal e bicos finos são característicos dessa

companhia, que tem como uma das suas principais características evocar a feminilidade. O

comentário revela por meio de aspetos de definição do “eu” (conhecimento de mundo) e aspectos

para-linguísticos (entoação, variação ortoépica e duração da elocução) informações de tendências de

moda no look, visto que os sapatos inspirados nessa marca tornaram-se um ícone de desejo das

mulheres, ou seja, podemos considerar que estão em alta como produtos de moda. Para além dos

sapatos, FO1 está utilizando uma carteira metalizada, saia com barra rendada e blazer, sendo todos

esses elementos pertinentes às tendências de moda para essa estação.

Esta atividade de fala se aplica tanto a FO1 quanto a FO2, porém cada perfil se apresenta à

sua maneira, enquanto uma se apropria da moda de forma mais moderada a outra mostrar-se mais

ousada e corajosa. No comentário 02/14, se refere à Figura 4 e ilustra como o perfil da FO2 também

recebe elogios por sua condição de descolada.

(02/14) Menina :o Que lindeza é essa!!! Arrasou :o:o:o

O interlocutor demonstra “ar de admiração” e também de aprovação referente ao look da

Figura 4, por meio de aspectos para-linguísticos de entoação e duração da elocução (Sinal de

exclamação triplo) e aspetos extralinguísticos de expressão facial (indicada pelos olhos arregalados

acompanhados da boca aberta de admiração). O perfil mostra-se ousado e descolado, mas dentro do

grupo, muitos aplaudem essa representação mostrando apoio e incentivo.

4.3 Endossar dogmas e condutas

A foto postada pela FO1 (Fig.3) demonstra vários elementos que endossam as

recomendações de conduta da igreja, desde a postura aos detalhes do cabelo e das peças de roupa.

A função Endossar Dogmas e Condutas é percebida em características do conjunto da imagem: desde

a postura da FO1, tais como um ar ingênuo, delicado e despretensioso, o pano de fundo da foto, que

trazem um ambiente branco, limpo e iluminado, até os aspectos de seu vestuário, tais como cores

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suaves mescladas ao preto, saias abaixo da altura dos joelhos, decotes e fendas sutis, peças sem

transparência, e curvas do corpo não marcadas.

A imagem é colocada juntamente a um trecho de uma canção de uma cantora que ela

admira que diz: “Não sei qual é o dia em que meu criador vem me buscar. Por isso vou vivendo, a

cada dia vou subindo, como se a nuvem com Jesus estivesse vindo [...]”. Na imagem a evangélica

mantém a cabeça inclinada numa postura de quem está aberta a escutar/ajudar o outro, o que fica

evidenciado em um dos comentários quando a seguidora a chama de “meiga”. O vestuário com

modelagens largas, comprimentos longos das mangas e da saia, o decote cobrindo o colo,

demonstrando modéstia e ao mesmo tempo elegância combinados com a carteira e sandálias

douradas. A saia preta é uma peça indispensável no guarda-roupa da mulher assembleiana, visto que

as mesmas são usadas nos congressos de praticamente todas as igrejas. Ainda, os cabelos soltos e

longos e pouca maquiagem endossam a imagem de uma mulher evangélica tradicional, que segue

fielmente os regulamentos da igreja que participa.

Figura 3- - Imagem da FO1 postada dia 09 de março de 2017

Fonte: Instagram. Disponível em: https://www.instagram.com/claudiacancao/ Acesso em: 30/03/2017

Por seus comentários, os seguidores reconhecem o endosso ao perfil considerado

tradicionalmente adequado ao padrão da igreja, como ilustra os comentários 05/85 e 04/107,

pautado pelos aspectos para-linguístico (variação ortoépica e entoação) e aspetos de definição do

“eu” (conhecimento de mundo).

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(05/85) Elegante, deslumbrante, chik, mas acima de tudo simples, humilde linda por dentro e por

fora.

No comentário 05/85 é possível perceber que o interlocutor reconhece que o perfil mesmo

dentro das tendências, não abre mão da simplicidade e humildade, características que, segundo os

ensinamentos da igreja, o vestuário das mulheres evangélicas devem conotar. A ideia é embasada no

texto bíblico; “Porque assim se adornavam também antigamente as santas mulheres que esperavam

em Deus [...]” (BÍBLIA, 1 Pedro, 3, 5). As características de simplicidade e humildade também

evidenciam a função prática do produto (LOBACH,2001).

Dessa forma, os interagentes insinuam entender que é possível se vestir bem e na moda sem

ferir os padrões da igreja. Afinal, os itens da estação estão presentes na composição, como a sandália

e a carteira metalizadas, além da camisa acetinada. A postura da FO1 denota uma valorização do que

é espiritual: uma mulher serva de Deus. Talvez aqui caiba o termo “roupa pudica” para definir o

vestuário da mulher reservada, humilde, pura e santa, tendo por base o texto bíblico; “Se ataviem

em traje honesto, com pudor e modéstia” (BÍBLIA, 1 Timóteo, 2,9).

O comentário 04/107 revela o conhecimento de mundo “princesa do Senhor” seguido pelo

aspectos para-linguísticos de entoação.

(04/107) Linda Princesa do senhor!!!

O termo é muito usado nesse meio cristão para denominar àquelas mulheres que se

comportam e possuem características de uma verdadeira princesa. Ser princesa, nesse caso, é

influenciar e não ser influenciado, é ser uma referência dentro do grupo, é obedecer e defender os

preceitos de Deus, se destacando por esses valores. É alguém que busca a glória de Deus e é capaz

de cuidar de seus súditos, de fazer sacrifícios em benefícios de outros. Uma princesa do Senhor

recebe esse título não pela sua aparência, mas principalmente pela sua beleza interior. Segundo o

que está escrito; “A beleza é enganosa, e a formosura é passageira; mas a mulher que teme o Senhor

será elogiada” (BÍBLIA, Provérbios, 31,30).

A ambientação em que a foto foi tirada traz conotações relevantes e coerentes para este

perfil. Transmite pureza, paz e tranquilidade, remetendo a algo divino e angelical. Esses aspectos

endossam as funções das atividades do perfil espiritualista.

4.4 Desafiar dogmas e condutas

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Segundo os ensinamentos pregados na igreja, quando a mulher se veste de forma a deixar

sua sensualidade à mostra ela está se vestindo de forma mudana, termo que se associa ao que é do

mundo, mundanismo. As mulheres evangélicas são ensinadas a evitar o uso de modismos indecentes

que as desqualifiquem como servas de Deus. A Figura 4 representa um exemplo dessa função por

todo o seu contexto discursivo: o ambiente, as cores, as formas e a postura.

Nessa função, percebe-se que a forma de vestir e a própria postura da FO2 desafiam os

princípios desses ensinamentos. Ela veste roupas justas marcando o corpo, transparentes, ombros de

fora e de cor chamativa, mas também se apresenta bem cuidada, utiliza peças de bom gosto, se

mostrando antenada com as tendências da estação, estando num ambiente requintado. Ao mesmo

tempo em que sua postura desafia as normas, sua expressão facial – um sorriso maroto – parece

deixar no ar para seus seguidores a questão: será que eu posso?

Figura 4- Imagem da FO2 postada dia 04 de março de 2017

Fonte: Instagram. Disponível em: https://www.instagram.com/dressavirginia/ Acesso em: 30/03/2017

Os comentários 02/36 e 02/81 utilizam aspectos para-linguísticos de entoação, expressão

facial e variação ortoépica exemplificando como os seguidores percebem e respondem à sua

questão:

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(02/36) Apareceu com tudo!

(02/81) Minha fia tem que rexpeita

O vestido na Figura 4 está de acordo com as últimas tendências e, apesar de ser longo, ele

não foi usado para esconder o corpo, pois, sendo justo, destaca e chama a atenção para suas curvas,

como fica claro nos comentários sobre o seu corpo atlético. Percebe-se a reação de espanto dos

interagentes diante do que vê pelos fragmentos de fala “apareceu com tudo!” e “tem que rexpeita”,

mas os mesmos são seus seguidores e também aplaudem suas escolhas.

Claramente o seu discurso está violando algumas normas estabelecidas pela doutrina do

grupo, mas ela segue aquilo que acredita e que faz parte da própria personalidade. Sua prática

confronta as regras na medida em que usa da sensualidade para se expressar. A sensualidade da

mulher deve ser preservada, sua exposição não costuma ser permitida pela igreja. Para embasar esse

contexto recorremos ao texto bíblico; “O enfeite delas não seja o exterior [...]” (BÍBLIA, 1 Pedro,3,3).

A ambientação em que a foto foi tirada é de aspecto sofisticado e glamoroso. Além disso, há

tons em vermelho que dialogam com o vestido. De forma intencional ou não, percebe-se uma

relação entre o bom-gosto do ambiente e da roupa de festa. Esses aspectos endossam as funções das

atividades do perfil materialista.

4.5 Influenciar consumo

Essa atividade de fala trata de como ambas as formadoras de opinião influenciam o consumo de

produtos por meio de suas postagens. A Figura 5 traz a FO1 utilizando um longo vestido floral num

jardim bem cuidado.

Figura 5- Imagem da FO1 postada dia 31 de março de 2017

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Fonte: Instagram. Disponível em: https://www.instagram.com/dressavirginia_/ Acesso em: 30/03/2017

Sua postagem logo recebe inúmeros comentários acerca de sua beleza e bom gosto. Os trechos

de fala 04/23 e 01/31 utilizam aspectos para-linguísticos de entoação (?), para demonstrar a

influência de consumo causada sobre seus seguidores. Nos fragmentos de fala os seguidores pedem

informações sobre onde adquirir os produtos demonstrados:

(04/23) Lindo abençoada onde comprar?

(01/31) De onde é esse vestido?

Por meio do poder e da influência que possuem, as donas dos posts se não são, certamente

serão financiadas pelas marcas que usam, pelo poder que possuem de propagá-las. Nesse sentido,

para construção de sua imagem como mulheres contemporâneas e bem informadas, elas

corroboram com a lógica da sociedade de consumo, promovendo o desejo de compra em seus

seguidores, divulgando as marcas e, ao mesmo tempo, trazendo um referencial de moda a ser

adotado pelo o grupo.

4.6. Triangulação dos atos de fala

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Contexto

Duração da

elocução

Ousada Desafiar dogmas e

condutas

Influenciar consumo

Entoação

Expressão

facial

Footing

Gesto

Tom

Legitimar-se na

comunidade de fala

Mostrar-se

atualizada/descolada

Variações

ortoépicas

Essa fase analítica apresenta a triangulação dos dados de nossa análise. Aqui buscou-se

apresentar como se deram as relações entre as atividades de fala, as funções no contexto discursivo

e os elementos linguísticos. Seguiu-se apresentado as trincas de significação por atividade de fala,

que será ilustrada com dados do campo discursivo, e analisada por meio da Teoria de Representação

Social, esclarecendo a analítica.

4.6.1. Ousada

A Figura 6 apresenta a significação da atividade ousada, seguida de ilustrações de como se

construiu suas articulações.

Figura 6 – Ousada

Alternância

de código

Altura de voz

Conhecimento

de mundo

Fonte: Própria

Ousada é uma característica que se destaca no perfil materialista. No Figura 4 a pose, a

expressão facial, o ambiente, as cores fortes, o corpo marcado, transparência, ombros a mostra e

fendas trazem conotações sensuais que corroboram a quebra dos padrões estabelecidos pela a

igreja. A FO2 se coloca numa posição de receber consentimento e aprovação do público e nas

funções desses atos de fala, denota que está atualizada\descolada, desafia dogmas e condutas e

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busca legitimar-se na comunidade de fala. Nas respostas dos interactantes, é possível identificar

muitos aplausos para essa atitude, de certo modo corajosa, como no exemplo:

(02/34) Arrasou 👏 👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏

Ou ainda:

(02/85) Deeeeeeus! *_* tudo nessa foto é maravilhoso! <3@dressavirginia

No comentário 02/85 a duração da elocução, a expressão facial (*_*) que demarca o footing,

conota deslumbramento, mas também incredulidade, espanto ou surpresa do interagente diante do

que vê. A frase final refere-se a um elogio em certo tom sarcástico ao corpo esbelto que o sujeito

exibe na imagem “tudo nessa foto é maravilhoso”, e logo após a variação ortoépica; símbolo

matemático "menos que" seguido do numeral "3" significando “amei”. O interagente, por meio da

alternância de código (@), chama a atenção do sujeito para seu comentário.

Assim, é possível ver que tal ousadia também surpreende seus seguidores. No comentário

02/32 também acontece uma mudança de alinhamento na fala do interactante, ou seja, a

demarcação de um footing. Por meio de expressões faciais o seguidor afirma que amou, elogia a

beleza da blogueira utilizando variação ortoépica, bate palmas (gestos), mas imediatamente coloca

uma expressão facial que indica estar chocado ou com dificuldades em acreditar, mas finalmente,

também por expressão facial diz que amou assim mesmo.

(02/32) 😍😍😍Linda D+👏👏😱😍

Outro trecho de fala marca a percepção de como a blogueira valoriza seu corpo e forma

física, utilizando variações ortoépicas:

(02/131) bora malhar né

Por sua vez, em meio a muitos elogios, um comentário busca fazer uma comparação da FO2

com uma personagem fílmica, mostrando conhecimento de mundo. O comentário utiliza o título de

um filme:

(02/126) Uma linda mulher

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Nesse filme a atriz principal era uma prostituta jovem, muito bonita, que conhece um

príncipe encantado que muda sua vida e, em um dos melhores momentos do filme, a mesma usa um

vestido vermelho e longo de extrema elegância, que o interactante compara com o da foto. No filme,

o vestido altamente sensual é usado de maneira chique, perfeita, como se aquele local luxuoso fosse

o ambiente natural da personagem. O comentário é um elogio que faz referência a conduta que,

apesar de extrema sensualidade, foi colocada de modo chique e dentro de um ambiente requintado.

Apesar das pequenas reações de surpresa, percepção de valorização do corpo e comparação

não tão felizes, eles são dadas em meio a uma grande maioria que endossou e aplaudiu o look do dia.

Os casos ilustram como a FO2, vai legitimando seu modo de ser e viver, que em si é um pouco

descolado das formas mais tradicionais de ser mulher evangélica.

Essa forma de ser e de viver claramente pertence aos princípios e valores do sistema

periférico dessa representação social, conforme o esclarecimento de Matos et al., (2012). Valorizar

as formas do corpo e utilizar o vestuário para realça-las, advém de uma construção moral muito

própria da sociedade de consumo, pertence a ditadura da beleza narcísica imposta, principalmente

ao sexo feminino, cuja vaidade é amplamente explorada pelas indústrias e endossada pela mídia.

Esse modo de pensamento funciona como uma estrutura social, pois impõe para os indivíduos um

entendimento de beleza que, por representar o desejável, precisa ser conquistado a todo custo.

Contudo, ela fere diretamente alguns princípios e valores inegociáveis do núcleo central

dessa representação, pois exalta a sensualidade e a beleza exterior, sendo por isso que causa certa

estranheza e desconfiança nos demais membros do grupo, para os quais esses não são valores muito

claros nesse meio. Contudo, toda representação social é construída cotidianamente, por isso essa

tem por função operacionalizar todas as informações (ARRUDA, 2002) de modo a lhes dar sentido

dentro do que já se conhece (MATOS et al., 2012). Pode-se notar que alguns comentários dos

interactantes vão nessa direção.

4.6.2 Flexível

A Figura 7 apresenta a trinca de significação da atividade de fala denominada flexível. Nesta

característica o sujeito se adapta as mudanças, conhece as regras da igreja, mas está aberto a adotar

outros novos perfis.

Figura 7 -Flexível

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Mostrar-se

atualizada/descolada

Desafiar dogmas e

condutas

Influenciar consumo

Legitimar-se na

comunidade de fala

Flexível

Alternância

de código

Altura de voz

Conhecimento

de mundo

Contexto

Duração da

elocução

Entoação

Expressão

facial

Footing

Gesto

Tom

Variações

ortoépicas

Fonte: Própria

O comentário a seguir se refere a Figura 8, uma postagem da FO2. Na imagem, a FO2 utiliza

uma combinação de peças bem colorida com vários itens de moda, como a estampa dark floral que é

destaque na estamparia 2017 e os sapatos metalizados que ganhou o mercado de moda atual

inspirado na tecnologia (TENDÊNCIAS DE VERÃO, 2017).

Figura 8 - Imagem da FO2 postada dia 13 de abril de 2017

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Fonte: Instagram. Disponível em: https://www.instagram.com/dressavirginia_/ Acesso em: 30/03/2017

(03/17) LINDA! <3 <3 <3 super descolada :3 @dressavirginia_

A altura de voz (aspetos para-linguísticos) no início do comentário que se refere a FO2 conota

alteração na voz de modo a reforçar sua fala: linda. O interactante também utiliza aspetos para-

linguísticos de entoação (!) que conotam a intensidade dessa fala. A variação ortoépica tripla por

meio do símbolo matemático "menor que" e o numeral "3" (amei), expressa a aprovação e o afeto

do seguidor. Ao entoar "super descolada" o ato de fala apresenta a função de mostrar-se

atualizada\descolada. A elocução termina com a marcação de alternância de código (@) para indicar

a assinatura do sujeito falante, que pelo visto quer deixar registrado seu apoio.

O comentário 04/63 mostra a FO1 também como flexível, por meio de aspetos de definição

do “eu” (alternância de código) o uso do sinal sustenido (#), mais conhecido como hashtag, é uma

forma de criar um hiperlink com a palavra ou frase que o acompanha. Desse modo, ao clicar no

hiperlink, são ajuntados todos os posts que usaram a mesma hashtag. Ao entoar a palavra “lacra”, o

interactante quer dizer que o sujeito “arrasa”, obtém sucesso no que faz.

(04/63) Simplesmente #lacraMesmo#ClaudiaCanção

Notou-se aqui como ambos os perfis se mostram flexíveis. No perfil da FO2, se entende que

sua adoção de moda é “descolada”, ou seja, ela adota as novidades de moda e sabe fazer

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Desafiar dogmas e

condutas

Endossar dogmas e

condutas

Influenciar consumo

Legitimar-se na

comunidade de fala

Mostrar-se

atualizada/descolada

Formadora de

opinião

Variações

ortoépicas

composições com seus elementos. Já no perfil da FO1, pode-se notar o uso das ferramentas digitais

para efetuar uma divulgação eficaz das boas dicas dadas por essa formadora de opinião. Ambos os

casos apontam um realinhamento no sistema de interpretação que dá sentido ao objeto, o que

certamente está transformando essa construção mental, pois a própria exposição das mulheres não

é parte natural do núcleo central formador dessa representação social. Como afirmam Vergara e

Ferreira (2005), a construção de uma representação é ao mesmo tempo uma dimensão histórica e

transformadora.

4.6.3 Formadora de opinião

A Figura 9 apresenta a trinca de significação da atividade de fala: formadora de opinião.

Figura 9

Formadora de opinião

Movimento

dêitico

Alternância

de código

Altura de voz

Conhecimento

de mundo

Contexto

Duração da

elocução

Entoação

Expressão

facial

Footing

Gesto

Tom

Fonte: Própria

O comentário 05/96 exemplifica a atividade formadora de opinião ao endossar dogmas e

condutas e influenciar o consumo.

(05/96) Roupa não salva ninguém, mas o salvo sabe se vestir!!! Sendo chiquérrima, elegante, bela.

sem ser vulgar👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏 Precisamos levar unas fotos dessas pra mostrar há umas colegas da nossa

igreja kkkk

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O conhecimento de mundo e contexto é percebido na frase "roupa não salva ninguém, mas o

salvo sabe se vestir", esta expressão tornou-se comum no meio evangélico, ela é uma frase

reformulada em resposta a citação "Roupa não salva ninguém" endossada pelos defensores da ideia

de que Deus quer apenas o coração. O sinal de exclamação triplo (entoação) conota intensidade na

fala. O seguidor qualifica na sua fala o perfil espiritualista ao enunciar vários elogios, demonstrando

sua admiração e aprovação, como mostra os gestos de aplausos. Por fim o interagente ri de forma

sarcástica do seu próprio comentário por meio da duração da elocução na repetição da letra "k".

O perfil materialista também é formador de opinião através do discurso de moda que se

apropria. Seus seguidores são notificados com frequência com posts carregados de informações que

ora endossa dogmas e condutas ora confronta-os; apesar da oscilação percebida no comportamento

desse perfil, fica explícita sua contribuição na atualização de novas formas de adotar moda.

Notou-se também aqui uma adaptação no modo de pensar dos participantes do grupo, pois

o comentário nos levar a entender que parece aceitável vestir-se bem e cuidar do corpo, mas não

cabe ser vulgar. Se antes o entendimento era de que “roupa não salva ninguém”, numa completa

desvalorização da imagem, agora “o salvo sabe se vestir”, ou seja, o merecimento de ser escolhido

comporta essa característica. Deve-se considerar que esse pensamento é fruto de uma construção

social partilhada, que reinterpretou fatos e acontecimentos gerando os sentidos para o objeto e

orientando os indivíduos em suas condutas, como afirmam Arruda (2002), Sêga (2000) e Vergara e

Ferreira (2005).

4.6.4 Vaidosa

A Figura 10 apresenta a trinca de significação da atividade de fala vaidosa. Nesta

característica tanto a FO1 como a FO2 valorizam a aparência.

Figura 10 - Vaidosa

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Legitimar-se na

comunidade de fala

Desafiar dogmas e

condutas

Influenciar consumo

Mostrar-se

atualizada/descolada

Vaidosa

Alternância

de código

Altura de voz

Conhecimento

de mundo

Contexto

Duração da

elocução

Entoação

Expressão

facial

Acentuação

Footing

Gesto

Tom

Variações

ortoépicas

Fonte: Própria

(05/24) Aí como vc tá mais linda ainda 😍😍😍 aiiiii crauuuuu arrasou no cabelo 💁🏼 ficou top

(04/33) Oh mulher linda. Amo esse cabelo 😍😘

O comentário 05/24 refere-se a aparência da FO1, por meio da duração da elocução e

variações ortoépicas (emotions “apaixonados” e símbolo de um emotions de rosto de mulher). O

interagente faz afirmações sobre a beleza deste perfil com elogios ao cabelo: “arrasou” e “top”. O

verbo arrasar tem vários significados, mas no contexto foi usado para conotar “perfeição” e atrair

“admiração” dentro do grupo. “Top” é um termo usado para referir a algo que está no “topo”

“acima” “superior”. No exemplo o seguidor endossa a posição de destaque e poder do perfil

espiritualista, valorizando a sua aparência. O ato de fala 04/33 o interlocutor admira a beleza e na

elocução seguinte declara amar o cabelo da FO1, terminando a frase com expressões faciais do

emotions “apaixonado”.

Da mesma forma, a FO2 é vista como vaidosa. O comentário do interactante no fragmento

02/131 assinala a forte preocupação com o corpo em forma e a aparência física.

(02/131) bora malhar né

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Assim, Cuidar da beleza foi um item indispensável para os dois perfis. O caso conota como os

membros de uma sociedade de consumo estão sujeitos à lógicas próprias do sistema capitalista, tal

como analisamos na atividade de fala Ousada. A vaidade é uma qualidade firmada sobre a aparência

e própria da ditadura da beleza narcísica imposta pela lógica das sociedades de consumo. Em

oposição aos significados tradicionais do núcleo central dessa representação, a vaidade aqui é

valorizada pelas formadoras de opinião e por todos os interactantes. O grupo admitiu negociar tal

aspecto, cedendo às pressões pertinentes a lógica do sistema periférico, demonstrando a construção

dinâmica dessa representação, tal como elucidaram Arruda (2002). Matos et al.,(2012), Morigi (2004)

e Vergara e Ferreira (2005).

4.6.5 Antenada

O enunciado 05/13 esclarece como está representada a questão de influenciar o consumo e

mostrar-se atualizada\descolada por expressão facial, duração da elocução e gestos na atividade de

fala:

(05/13) Hummmm essa sandália com essa carteirinha 😍😍😍😍😍😍😍

O comentário refere-se À Figura 3, e a combinação da bolsa e sandálias de salto douradas e

brilhosas; essas são frequentemente usadas em festas ou baladas, que são momentos de

comemoração, alegria e glamour. Usar uma bolsa de festa para ir à igreja expressa a felicidade da

cantora em cultuar a Deus, momento considerado tão empolgante quanto uma festa. O brilho

remete às pedras preciosas, ao luxo. Os sapatos altos dourados expressam uma feminilidade delicada

e com certa fragilidade, uma vez que não se pode ter movimentos rápidos com saltos altos. O

dourado é uma cor que esteve presente nos últimos desfiles de moda. A expressão facial e duração

da elocução no início da frase remete ao quase saborear o bom gosto que, segundo o interactante, a

cantora possui. Finalizando com expressão facial “amei” de forma repetida conotando intensidade,

ou seja, “amei muito!”.

No discurso de moda da FO2 também é percebida a atividade de fala antenada. No fragmento

01/01, referente à Figura 5, o trio de emotions com olhos em formato de coração (aspecto para-

linguísticos, expressão facial) expressa o sentimento de admiração do interlocutor referente ao look

da evangélica. O interactante se sente seduzido pela imagem e ao entoar “vestido arraso” entende

que ele possui informações de moda, ilustrando assim a função mostrar-se atualizada\descolada.

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Tom

Variações

ortoépicas

Alternância

de código

Altura de voz

Conhecimento

de mundo

Contexto

Antenada

Desafiar dogmas e

condutas

Endossar dogmas e

condutas

Influenciar consumo

Gesto

Legitimar-se na

comunidade de fala

Mostrar-se

atualizada/descolada

(01/01) Que vestido arraso 😍😍😍

A Figura 11 revela como se deu a trinca de significação na atividade antenada:

Figura 11 - Antenada

Duração da

elocução

Entoação

Expressão

facial

Footing

Fonte: Própria

Essa atividade de fala corrobora com as demais no sentido de demonstrar como essa

representação vem sendo atualizada. Manter-se informada e ser seguidora do que apregoa o sistema

de moda, é valorizar o corpo e a imagem; essa condição e muito própria de uma sociedade em que a

informação é considerada uma dimensão relevante. As pessoas precisam construir sua imagem para

informar sua identidade, elaborando as condições para exercer seu papel de sujeito nesse meio. Essa

atividade e suas relações também indicaram uma representação da mulher evangélica em

construção, tal como afirmam Arruda (2002). Matos et al., (2012), Morigi (2004) e Vergara e Ferreira

(2005).

4.6.6 Conhecedora dos dogmas

A Figura 12 apresenta como se desenvolveu a trinca de significação da atividade de fala;

Conhecedora dos dogmas.

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Legitimar-se na

comunidade de fala

Desafiar dogmas e

condutas

Influenciar consumo

Mostrar-se

atualizada/descolada

Conhecedora dos

dogmas Endossar dogmas e

condutas

Figura 12 -Conhecedora dos dogmas

Alternância

de código

Altura de voz

Conhecimento

de mundo

Contexto

Duração da

elocução

Entoação

Expressão

facial

Face

Footing

Gesto

Tom

Variações

ortoépicas

Fonte: Própria

(06/20) Tão bela!! Uma referência linda para mim ❤

O fragmento 06/20 que exemplifica a função endossar dogmas e condutas, inicia com um

advérbio indicador de intensidade “tão” que revela o aspecto para-linguístico de tom. O interagente

conota a beleza em excesso da evangélica endossado pela entoação com o duplo sinal de exclamação

indicando intensidade. O perfil endossado pela FO1 é de conhecedora e seguidora dos preceitos da

igreja, e isso se coloca como uma referência para o seguidor. O elogio “referência linda pra mim”

(conhecimento de mundo) não se refere apenas a um ideal de beleza externa, mas a um exemplo de

mulher evangélica que segue os padrões da igreja. No final da elocução a variação ortoépica (❤ )

‘amei” expondo o afeto do seguidor pela FO1.

A FO2 também é conhecedora dos dogmas, seu discurso, no entanto mostra-se mais corajoso.

As poses e expressões faciais nas imagens denunciam seu comportamento. Na Figura 4 o sorriso

maroto da personagem sugere que ela sabe o que está fazendo, e quando o faz busca legitimação e

aceitação no grupo.

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Tom

Variações

ortoépicas

Contexto

Recatada Endossar dogmas e

condutas

Influenciar consumo

Gesto

Legitimar-se na

comunidade de fala

Mostrar-se

atualizada/descolada

As duas formadoras de opinião indicam claramente ser conhecedora dos dogmas da igreja. A

condição é vital para continuarem aceitas como membros dessa comunidade de fala, pois os que as

liga ao grupo são exatamente os saberes partilhados e formadores das crenças e atitudes que os

definem enquanto grupo. Os significados do núcleo central definem princípios coesos para o grupo

acerca dessa representação social, mesmo quando passaram por um processo de negociação a partir

das acomodações impostas pelo sistema periférico. A condição corrobora com as discussões dos

autores aqui tratados (ARRUDA, 2002; MATOS et al., 2012; MORIGI, 2004; VERGARA; FERREIRA,

2005).

4.6.7 Recatada

A Figura 13 apresenta a trinca de significação da atividade de fala; Recatada.

Figura 13 -Recatada

Alternância

de código

Altura de voz

Conhecimento

de mundo

Duração da

elocução

Entoação

Expressão

facial

Footing

Fonte: Própria

(06/15) Vestir bem, nos faz bem né? Que mulher linda, e acima de tudo usada por Deus.

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O comentário 06/15, expõe como funciona a função endossar dogmas e condutas. O mesmo

refere-se a um conhecimento de mundo em dois momentos: inicialmente com a frase “Vestir bem,

nos faz bem”, pois esta expressão é usada para ensinar meninas e mulheres da igreja a se vestirem

nos padrões de servas de Deus. Na verdade, a frase original é: “vestir bem faz bem”. Seus

idealizadores defendem que a forma que a mulher se veste não é uma condição para a salvação, mas

aquelas que são salvas revelam moderação e decência no vestuário. A ideia tem base no que está

escrito; “que sejam moderadas” (BÍBLIA, Tito 2,5).

No contexto, o seguidor não está se referindo apenas a forma como o look da FO1 foi

montado, mas por ele está dentro das regras estabelecidas do grupo. A variação ortoépica “né?” é o

mesmo que “não é?”, e sua função no contexto de fala se refere à tentativa que os demais

interactantes também reforcem/aprovem sua opinião. No final a frase a expressão: “usada por Deus”

(conhecimento de mundo) é sempre usada para qualificar aquelas pessoas que são obedientes e

honram os desígnios de Deus.

A atividade de fala recatada indica uma qualidade pertinente ao núcleo central dessa

representação social, pois diz respeito ao modo como as mulheres evangélicas devem conduzir-se

(sendo serviente e moderadas) para demonstrar seu caráter de fé. Contudo, nota-se que esses

valores tem sido “alargados” em seu entendimento uma vez que valoriza-se a beleza em separado da

predisposição a servir aos desígnios da religião. Aqui também nota-se a reelaboração dessa

representação social, consonante com o pensamento dos autores consultados (ARRUDA, 2002;

MATOS et al., 2012; MORIGI, 2004; VERGARA; FERREIRA, 2005).

4.6.8 Envolvida

A Figura 14 apresenta a significação da atividade de fala; envolvida, seguida de um exemplo

de como se desenvolveu suas articulações.

Figura 14 - Envolvida

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Variações

ortoépicas

Contexto

Duração da

elocução

Envolvida Endossar dogmas e

condutas

Influenciar consumo

Entonação

Expressão

facial

Footing

Gesto

Tom

Legitimar-se na

comunidade de fala

Mostrar-se

atualizada/descolada

Alternância

de código

Altura de voz

Conhecimento

de mundo

Fonte: Própria

O ato de fala 04/13 é um exemplo de como está representada a questão de influenciar o

consumo, legitimar-se na comunidade de fala e endossar dogmas e condutas na atividade envolvida.

(04/13) Linda de mais, adorei o vestido. Já comprei uns dois que vc publicou, gente vale a pena. Tudo

que a Crau posta é obra prima.

O comentário se refere `imagem da FO1 e inicia com o tom expressado pela locução

prepositiva “de mais” conotando intensidade no elogio, ou seja, ela não é só linda é “linda de mais”.

Na frase seguinte o interagente assume ter adquirido dois vestidos igual ao que a modelo está

usando, se reportando a ela mesmo por meio da variação ortoépica “vc”. A vírgula e o ponto

demarcam pausas na elocução indicando que o interagente interrompe um pensamento e constrói

outro; por fim, completa a frase dizendo que tudo que a FO2 usa é “obra prima”, ou seja, é original e

perfeito, colocando-o como um ideal de moda que as mulheres evangélicas podem adotar.

Embora possua um discurso de moda mais ousado, a FO2 também não abre mão do

vestuário que reflita as características preconizadas da igreja. O look da Figura 5 é um exemplo disso.

Assim, apesar sua característica muito própria de ser, essa formadora de opinião também mostra-se

envolvida com os desígnios da igreja por meio das formas de vestir e conduzir-se. Continua

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56

professando sua fé e independente do seu vestuário também indica sua pertença ao grupo da

mulher evangélica.

Da mesma forma que ser conhecedora dos dogmas lhe mantém aceitas como membros da

comunidade de fala, mostrar-se envolvida é agir conforme essas regras, pois não basta dizer que

conhece, deve-se pautar sua conduta nessas regras, dar exemplo de conduta para permanecerem

reconhecidas como formadoras de opinião nessa comunidade de fala. Percebemos assim que uma

representação social é uma construção mental que não pode ser separada do que é vivido e

praticado no meio social (VERGARA; FERREIRA, 2005).

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa objetivou-se compreender como a representação social da mulher evangélica

vem sendo construída por formadoras de opinião na sociedade de consumo, por meio da moda e

redes sociais. Para tanto, buscou-se entender o contexto em que isso acontece, estudando a

sociedade de consumo e o papel do sistema de moda nesse meio. Nesse sentido foi percebido como

nessa forma social o consumo assumiu um papel essencial, por meio do qual os sujeitos constroem

suas identidades. Nesse meio, a moda tornou-se uma ferramenta, estando seu uso disseminado

como uma racionalidade no cotidiano dos indivíduos.

Se a moda revelou-se uma poderosa ferramenta para a construção de identidade, ela

também se apresentou como um meio perfeito para a construção de uma representação social, uma

vez que seus elementos promovem a significação de imagens, revelam as atitudes e crenças dos

sujeitos que os porta; ainda, seus conteúdos (modismos) foram geradores de vontades e

impulsionam atitudes, como o foram o costume de interagir e se autoconstruir pelos meios virtuais.

Essa característica é responsável pela enorme velocidade com que hoje ocorre essas construções,

dinamizando a atualização das representações e potencializando sua disseminação, como diz Arruda

(2002), atualiza-as na vertiginosa velocidade típica das sociedades da informação.

Ainda como objetivo específico buscou-se conhecer a Teoria das Representações Sociais.

Essa etapa foi importante, pois entender sua construção foi capaz de elucidar como acontecem os

processos de construção simbólica que apoiam um indivíduo na produção de uma identidade social,

nos dando também subsídios para avaliar os dados de nosso corpus. Percebeu-se como a

representação social sempre se refere a um objeto (no caso desses estudo, trata de uma posição a

ser ocupada: a mulher evangélica), e tem um conteúdo (nesse caso, as regras da coletividade que

definem as características e condições do ser mulher e evangélica). Aqui foi compreendido como

representação social é constituída de um conjunto de elementos perceptíveis, tais como imagens,

opiniões, crenças e atitudes. Entendeu-se que essa é construção dinâmica, pois estão sujeitas às

ações do contexto discursivo que impulsionam a construção de novos significados, adequando-a as

novas situações e acontecimentos.

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A representação social da mulher evangélica é culturalmente produzida pela comunidade e

sua função maior é a de criar resistência à incorporação de ideias que ameacem essa construção

identitária, embora isso não evite as transformações, tal como discutiram Vergara e Ferreira (2005).

Isso porque a representação social é constituída de saberes partilhados e reconstruídos todos os dias

no interior de um espaço social. Sua construção é dada nas interações de seus membros diante de

novos desafios e pressões que enfrentam. Aqui, as mudanças pareceram muito influenciadas pelas

inovações tecnológicas e sociais, tais como a lógica capitalista do consumo e a importância que

ocupou a informação nessa sociedade, aliada a facilidade promovida pelas redes sociais. Assim, o

processo indicou como objetivou os novos pensamentos associando-os a um conceito já existente, e

ancorou essas ideias classificando-as de acordo com as normas e valores conhecidos.

Assim, foi percebido como cabe à representação social a função operacionalizar todas as

informações do dia a dia ajudando na sua reinterpretação, o que favoreceu a categorização de dos

novos modos de ser mulher evangélica, tornando-os familiares. O sistema de interpretação dos fatos

e acontecimentos, mostrou como se dá sentido ao objeto, pois regula as relações ao mesmo tempo

em que orienta as pessoas em seus comportamentos e práticas, sendo esse processo sempre

pautado em um conhecimento já existente (núcleo central), tendo em vista que construções mentais

são inseparáveis do que é vivido no social. Por isso, a representação é ao mesmo tempo uma

dimensão histórica e transformadora.

Por fim, teve-se por objetivo específico compreender a construção identitária da mulher

evangélica em suas particularidades. Nesse sentido, pode-se inferir que sólidos princípios que

definem a mulher evangélica e constroem a representação social dessa posição de sujeito, tem por

núcleo central os princípios e valores que estão mais claros e coesos para o grupo. Esses orientam a

construção dos novos significados que estão sendo construídos recorrentemente no sistema

periférico dessa representação. O núcleo duro se refere aos valores inegociáveis. Foi visto que na

forma mais tradicional, se referiam a valorizar mais a alma que o corpo, não se expor de forma

pública e não assumir condutas vulgares. Segundo a resolução ELAD de 1999, as roupas das mulheres

não devem ser indecorosas, indecentes e sem modéstia; não lhes cabe maquiagem exagerada, nem o

uso dos meios de comunicação.

Entretanto, para além do uso das redes sociais, percebeu-se instaurado nesse meio o culto à

beleza, uma valorização da vaidade (incluindo o corpo e a imagem) e uma ampla adoção aos itens de

moda. A forma de mostrar esses valores do mundo chegou a beirar a sensualidade, ferindo

diretamente esse núcleo central de significação que define essa representação. Os valores que se

mantiveram, também mostraram-se mais amplos, pois reinterpretados, ganharam sentidos menos

rígidos. Tudo isso deve-se ao sistema periférico, que acomodou as adaptações em relação aos

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valores do mercado e as novas condições disponíveis. Diante das pressões oriundas desse sistema, as

pessoas admitiram negociar os antigos valores que formavam o núcleo central dessa representação,

transformando-a.

Como esse processo é dinâmico, nos dois perfis de mulheres aqui analisados, evidenciou-se

uma preocupação em mostra-se conhecedora dos dogmas dessa comunidade e praticantes desses

valores. Foi entendido que isso deve-se à própria manutenção de sua posição enquanto formadoras

de opinião nessa comunidade de fala.

Conclui-se que a representação social da mulher evangélica está em transformação, da

mesma forma que também está o objeto que a mesma tenta organizar, conforme preconizou Arruda

(2002). Por isso, a categorização que descreve essa mulher vem sendo ampliada, o núcleo periférico

trouxe muitas inovações e modos de pensamento que impõe uma acomodação, e essa acontece

visando sua atualização e continuidade, cujo contexto contempla os novos tempos e as novas formas

de socialização.

Futuros estudos podem ampliar o escopo dessa pesquisa em número de sujeitos, ou ainda

aprofundá-la coletando dados primários, ouvindo diretamente as pessoas e seus entendimentos.

Espera-se que a contribuição para a área do Design esteja nas informações sobre o processo de

construção de uma representação social. Ele se mostra muito importante para a prática do designer

uma vez que trata de como as pessoas e os grupos significam suas posições de sujeito e o contextos

de suas realidades, trazendo informações importantes para lidar com questões simbólicas, estéticas

e de uso. Ainda, chama-se atenção para o segmento religioso como uma excelente oportunidade de

estudos para o designer e de negócios para o mercado, pois tem se revelado lucrativo e de sucesso,

visto que as mulheres evangélicas mostraram-se antenadas e desejosas por novidades. Por fim,

ressalta-se a importância de estudar o ambiente virtual a fim de entender sua influência no cotidiano

das pessoas.

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REFERÊNCIAS

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Paulo, n.117, p.127-147, novembro, 2002.

AVELAR, Suzana. Moda Globalizada. Estação das Letras e Cores, 2009 .

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BARBOSA, Lívia. Sociedade de Consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

BLUMER, H. Symbolic interactionism: perspective and method. Los Angeles: University of California

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CRANE, Diana. A Moda e seu Papel Social - Classe, Gênero e Identidade das Roupas. São Paulo: Ed.

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