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Boletim da Sociedade Brasileira de MeteorologiaDesaoss

ISSN 1676-014X vol.31, no.1, abril 2007

Associados

Mudanas

Climticas

O Boletim da Sociedade Brasileira de Meteorologia (BSBMET) uma publicao quadrimestral da SBMET (www.sbmet.org.br), com tiragem de 1.000 exemplares. O BSBMET aceita colaboraes, na forma de artigos originais de divulgao de assuntos tcnicos, cientcos ou prossionais e reprodues de matrias de interesse do Corpo Social, desde que no protegidos por direitos autorais, ou mediante autorizao expressa do detentor destes direitos.

DIRETORIA EXECUTIVA PARA O BINIO 2007/2008Presidente: Maria Gertrudes Alvarez Justi da Silva Diretor Financeiro: Isimar de Azevedo Santos Diretora Administrativa: Marley C. de Lima Moscati Diretor Cientco: Pedro Leite da Silva Dias Diretor Prossional: Alfredo Silveira da SilvaVice-Presidente: Bernardo Barbosa da Silva Vice-Diretor Financeiro: Jonas da Costa Carvalho Vice-Diretora Administrativa: Heloisa M. T. Nunes Vice-Diretor Cientco: Osvaldo Luiz Leal de Moraes Vice-Diretor Prossional: Marilene de Lima

CONSELHO DELIBERATIVOEfetivos Jos Marques Presidente Francisca Maria Alves Pinheiro Francisco de Assis Diniz Halley Soares Pinheiro Junior Jos Antonio Marengo Orcini Suplentes Adriano Marlisom Leo de Sousa Conselho Fiscal Elza Correia Sucharov Presidente Eugnio Jos Ferreira Neiva Jaci Maria Bilhalva Saraiva Editor Responsvel Marley Cavalcante de Lima Moscati INPE - Prdio da Meteorologia, Sala 26 Av. dos Astronautas, 1758, Jd. da Granja 12.227-010 So Jos dos Campos, SP [email protected]

Jos Carlos Figueiredo Luis Augusto Toledo Machado Marco Antonio Jusevicius Maria Luiza Poci Pinto

Gerhard Held

Rosane Rodrigues Chaves

Suplente Mariana Palagano Ramalho Silva

Editor Assistente Pedro Leite da Silva Dias USP-IAG Depto de Meteorologia Rua do Mato, 1226, Cidade Universitria 05508-900 So Paulo, SP [email protected]

Editores Colaboradores: Heloisa M. T. Nunes, Luiz Augusto T. Machado e Nelson Jesus Ferreira Setor de Normas e Legislao: Alfredo Silveira da Silva Setor de Divulgao e Marketing: Marley Cavalcante de Lima MoscatiEXPEDIENTE Coordenao: Marley Cavalcante de Lima Moscati Projeto Grco e Prod. Grca: DigitalPress e Graftipo Ltda Capa: DigitalPress Impresso: Graftipo Ltda Reviso Editorial: Marley Cavalcante de Lima Moscati Fotograas: (1) - Marley Moscati, (2) - B.I. , (3) - Marley Moscati, (4) - Marcus V. Toledo

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ISSN 1676-014X.

Distribuio dirigida e gratuita

Distribuio dirigida e gratuita

EDITORIALNo incio de 2007, o relatrio preliminar do IPCC divulgou a avaliao sobre o aquecimento global, despertando o mundo para um problema alarmante: nosso planeta est em srio risco e j comea a sentir os efeitos devastadores das mudanas climticas, e alguns dos danos so irreversveis. Desde ento, especialistas de vrias reas do conhecimento e do mundo todo, alm de setores governamentais, empresariais, entre outros, voltaram-se para uma ampla reexo que o tema exige, tentando buscar alternativas que garantam um futuro melhor para o planeta. Como resultado dessas reexes preliminares, constata-se que a situao atual decorrente de escolhas, individuais ou coletivas, feitas ao longo dos anos e, principalmente, ao uso inadequado da tecnologia disponvel. Com isso, patrimnios naturais inteiros esto em risco, nos prximos anos se espera eventos climticos mais severos (secas e enchentes devastadoras, maior freqncia de furaces e com intensidade muito maior, etc), j constata-se a ocorrncia de degelo em regies nunca antes esperadas, pondo em risco cidades inteiras, a sobrevivncia da fauna e da ora nativos, e da prpria humanidade, ... Enm, h uma srie de sinais alertando que a sade do planeta inspira cuidados, e urgentes! O assunto tambm tema deste nmero do Boletim da SBMET, que foca os desaos associados s mudanas climticas, com nfase na Amrica do Sul e no Brasil. A matria do Dr. Carlos Nobre discute porque devemos nos preocupar com o aquecimento global. A matria da Dra. Maria Assuno F. da Silva Dias e do Dr. Pedro Leite da Silva Dias trata sobre os efeitos regionais em cenrios futuros, especicamente nos padres de precipitao, considerando os modelos de previso de tempo e de clima atuais. O assunto tambm discutido em outras matrias que tratam de aspectos distintos da questo, em algumas notcias divulgadas na internet, no texto da OMM para o Dia Meteorolgico Mundial em 2007, entre outros, publicadas neste nmero do Boletim. A participaao da comunidade cientca nos congressos de meteorologia tem crescido a cada edio desde o I Congresso Brasileiro de Meteorologia (CBMET), realizado em 1980. O formato da ltima edio, realizada em novembro de 2006, a Programao, as atividades desenvolvidas, a lista de premiao de trabalhos, alm de uma avaliao dos resultados obtidos, esto relatados no Relatrio Cientco e de Atividades do XIV CBMET. Duas recentes conquistas de scios da SBMET merecem destaque: A nomeao da Dra. Maria Assuno Faus da Silva Dias para a Academia Brasileira de Cincia e o Prmio Conrado Wessel concedido ao Dr. Carlos Afonso Nobre. Nesta edio do boletim, a SBMET homenageia outros dois scios, o Dr. Jesus Marden dos Santos e o Dr. Fernando Pimenta Alves, scios benemritos da SBMET, pelas contribuies dadas rea. Tambm, outros scios merecem destaque, o Dr. Trcio Ambrizzi, que conclui seu mandado de quatro anos como Editor Responsvel pela RBMET, onde fez um trabalho exemplar e reconhecido por todos, e o Dr. Manoel Alonso Gan, que assume o cargo para os prximos quatro anos, a quem desejamos sucesso em sua atuao. A SBMET se sente honrada por ter em seu quadro personalidades to ilustres, parabeniza-as pelas conquistas e as agradece pelas contribuies. A SBMET informa com pesar o falecimento do Prof. Obasi, um integrante da comunidade cientca que trabalhou incansavelmente pela divulgao da meteorologia no mundo. Aqui feita uma singela homenagem ao Prof. Obasi. H, ainda, muitas outras notcias interessantes a serem lidas, a agenda de eventos, assuntos de interesse dos scios da SBMET, entre outros. Desejo todos uma boa leitura!! Marley Cavalcante de Lima Moscati Editora Responsvel

SUMRIOBoletim da Sociedade Brasileira de MeteorologiaDesaos Associados s Mudanas Climticas vol. 31, n 1, abril 2007

Editorial ............................................................................................................... 01 Marley Cavalcante de Lima Moscati Palavra da Presidente da SBMET ................................................................................. 04 Maria Gertrudes Alvarez Justi da Silva

Mudanas climticas globais e o Brasil: porque devemos nos preocupar? ................................ 07 Carlos Afonso Nobre As incertezas regionais nos cenrios de mudanas climticas globais ..................................... 12 Maria Assuno Faus da Silva Dias, Pedro Leite da Silva Dias A incerteza cientca e a opinio pblica na balana das negociaes sobre mudana de clima ...... 18 Luis Antonio L. Amola, Pedro Leite da Silva Dias O Quarto Relatrio do IPCC (IPCC AR4) e projees de Mudana de Clima para o Brasil e Amrica do Sul ..................................................................................................... 23 Jose A. Marengo Orsini Projees do clima da Amrica do Sul segundo o cenrio B1 do IPCC adotando um modelo acoplado oceano-atmosfera-vegetao-gelo marinho ......................................................... 29 Flvio Justino, Marcelo Cid de Amorim O desao das energias renovveis e suas implicaes ambientais ......................................... 36 Enio Bueno Pereira Impactos Antrpicos no clima da regio metropolitana de So Paulo ...................................... 48 Augusto Jos Pereira Filho, Paulo Marques dos Santos, Ricardo de Camargo, Mrio Festa, Frederico Luiz Funari, Srgio Torre Salum, Carlos Teixeira de Oliveira, Edvaldo Mendes dos Santos, Pety Runha Loureno, Edvaldo Gomes da Silva, Willians Garcia, Maria Aparecida Fialho Mudanas climticas e agricultura: um estudo de casos para as culturas do milho e do feijo em Minas Gerais ..................................................................................................... 57 Jos Luiz C. Silva Jnior, Luiz Cludio Costa, Marcelo Cid de Amorim, Flvio Justino Barbosa O aquecimento global e a cafeicultura brasileira ............................................................... 65 Hilton S. Pinto, Jurandir Zullo Junior, Eduardo D. Assad, Balbino A. Evangelista O planeta Terra: Aquecimento global e mudanas climticas ................................................. 73 Teresinha de Maria Bezerra Sampaio Xavier, Airton Fontenele Sampaio Xavier

Boletim SBMET abril 2007

O Projeto TroCCiBras: Objetivos, resultados da Campanha 2004 e o futuro ................................ 81 Gerhard Held Homenagem da SBMET aos seus scios Benemritos ......................................................... 90 Tema da OMM para o Dia Meteorolgico Mundial de 2007, Meteorologia Polar: Entendendo os Impactos Globais ......................................................... 93 Dimitrie Nechet Comemorao do Dia Meteorolgico Mundial de 2007 no Brasil ............................................. 96 Editor da Revista Brasileira de Meteorologia: uma experincia nica....................................... 97 Trcio Ambrizzi Posse da Diretora Executiva da SBMET (2007 - 2008) ........................................................101 Novos valores de anuidade para 2007 ...........................................................................105 Pagamento de anuidades com carto de crdito ...............................................................105 Designao do novo Editor da RBMET............................................................................106 Resultado da Eleio para o Conselho Fiscal da SBMET ......................................................107 RBMET online ........................................................................................................107 XIV Congresso Brasileiro de Meteorologia: Sntese dos relatrios Cientcos e de Atividades .............................................................108 XIV CBMET: Lista de premiao de trabalhos ...................................................................117 Isso foi Notcia .......................................................................................................120 Relatrio sntese do Workshop para a denio das bases conceituadas para o Sistema Brasileiro de alerta Precoce de seca e deserticao (SAP) .................................................124 Coordenadora do CPTEC/INPE eleita acadmica da Associao Brasileira de Cincia (ABC) ........132 Carlos Nobre ganha Prmio Conrado Wessel ...................................................................132 Seo Normas e Legislao: Colgio de Entidades Nacionais ...............................................133 Alfredo Silveira da Silva Agenda ................................................................................................................136 Falece o Professor Obasi, Ex-Secretrio Geral da OMM, grande incentivador da Meteorologia .......143 Anunciantes ..........................................................................................................144 Poltica Editorial do Boletim da SBMET ..........................................................................145

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MENSAGEM

Prezados scios e amigos da SBMET,

Neste primeiro Boletim de 2007 gostaramos de agradecer a todos os scios a presena macia ao XIV Congresso Brasileiro de Meteorologia, em Florianpolis, e o apoio dado por ocasio da eleio da nova Diretoria Executiva da SBMET que atuar no binio 2007-2008. A nova Diretoria est motivada e com o rme propsito de caminhar na consecuo dos trs objetivos bsicos de sua proposta de trabalho: a) aumentar a visibilidade da Meteorologia Nacional, b) participar ativamente da organizao da poltica da Meteorologia, c) buscar uma interao construtiva com todos os segmentos da sociedade brasileira, quer ao nvel de pesquisa, quer na aplicao do conhecimento desenvolvido em nossa rea. Com esses objetivos em mente gostaramos de ressaltar algumas atividades em que a SBMET atuou fortemente neste incio de 2007. Em termos polticos, o ano de 2007 comeou com uma grande notcia na rea de Meteorologia: o Presidente da Repblica assinou em 21 de maro o Decreto 6065 que trata da criao da Comisso de Coordenao de Meteorologia, Climatologia e Hidrologia (CMCH). A SBMET vem liderando h anos aes que buscam uma organizao do setor e considera a criao desta Comisso um passo importante neste sentido. Embora ainda no seja ideal, a composio da CMCH contempla quase todos os atores envolvidos na Meteorologia Nacional, como era desejo da SBMET. Compem esta Comisso, alm dos j tradicionais membros como o INMET, o INPE, a Aeronutica e a Marinha, tambm membros novos, que consideramos atores importantes na coordenao da rea, entre eles um representante dos Servios Estaduais de Meteorologia, um representante das empresas prestadoras de servios e um representante da indstria de partes, de equipamentos e de sistemas em Meteorologia. Tambm sero membros da CMCH os Presidentes da Sociedade Brasileira de Meteorologia (SBMET), da Sociedade Brasileira de Agrometeorologia (SBAgro) e da Associao Brasileira de Recursos Hdricos (ABRH). Acreditamos que a partir da sua primeira reunio, provavelmente em agosto deste ano, muitas questes que tm dicultado o desenvolvimento da rea sero tratadas de uma maneira organizada e objetiva e as solues para os problemas existentes sero encontradas na forma de consenso entre todas as partes interessadas. Com a divulgao do Quarto Relatrio do IPCC, que revela com uma clareza acentuada a preocupao mundial dos cientistas com as Mudanas Climticas Globais advindas do aumento dos gases do efeito estufa na atmosfera, a SBMET promoveu vrios debates e discusses sobre o tema, alm de participar de Grupos de Trabalho com o objetivo de fazer frente s mudanas previstas. Aps a divulgao do Sumrio Tcnico do Grupo I do IPCC, a SBMET organizou trs importantes discusses com parceiros signicativos. Foram eles: o evento Mudanas Climticas Globais e seus Efeitos na Agricultura, Recursos Hdricos e Sade Pblica, organizado juntamente com o INMET, o INPE e a ANA, e realizado em Braslia em 28 de fevereiro; o Seminrio Os Resultados Recentes Sobre a Contribuio Humana Mudana do Clima da Terra: Aspectos Fsicos e Repercusses Sociais e Econmicas realizado em conjunto com o Frum Brasileiro de Mudanas Climticas no Rio de Janeiro em 6 de maro, e o evento Os Impactos Regionais e Setoriais das Mudanas no Clima, realizado em So Paulo, juntamente com o Instituto de Estudos Avanados (IEA) da USP em 10 de maro. Todos estes encontros foram lmados e as palestras podem ser vistas nos endereos divulgados nos Informes e no Portal da SBMET. A SBMET e a SBAgro esto buscando uma aproximao maior atravs da troca de experincias e na

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realizao conjunta de eventos cientcos. Por ocasio da realizao do XV Congresso Brasileiro de Agrometeorologia, em Aracaju, foi realizada uma reunio que contou com as presenas da Presidente da SBMET e do Presidente eleito da SBAgro. Nessa reunio, acertaram algumas iniciativas que visam uma atuao mais integrada destas associaes cientcas que, alm de terem assento na CMCH, tm muitos objetivos e scios em comum. Em termos de realizaes para o segundo semestre, a SBMET vai realizar o Simpsio de Ensino de Meteorologia do Mercosul, nos dias 16 e 17 de agosto do corrente ano. Este evento est inserido nas atividades da 64a Semana Ocial da Engenharia, Arquitetura e Agronomia, do Sistema CONFEA/ CREA, que ter lugar no Rio Cidade Nova Convention Center, na cidade do Rio de Janeiro. O objetivo deste Simpsio o de coordenar as aes dos Cursos de Meteorologia no sentido de possibilitar uma cooperao acadmica efetiva e que aponte direes para um Consrcio de Ensino nas Cincias Atmosfricas, no mbito de graduao e de ps-graduao, assim como possibilitar encaminhamentos da maior credibilidade dos Cursos de Meteorologia dos pases pertencentes ao Mercosul. Outra atividade que j se incorpora ao calendrio de eventos da SBMET, alternando com nossos Congressos que se realizam em anos pares, o Simpsio Internacional de Climatologia (SIC). Este ano o II SIC ser em So Paulo, nos dias 2 e 3 de novembro, e ter como tema Mudanas Climticas: Deteco e Atribuio de Causas. No segundo semestre de 2007, a SBMET estar colaborando com a realizao da III Conferncia Regional sobre Mudanas Globais: Amrica do Sul, que ocorrer em So Paulo no perodo de 4 a 8 de novembro, com o 20 Simpsio Brasileiro de Desastres Naturais e Tecnolgicos, que acontecer de 9 a 13 de dezembro em Santos, SP e com o V Workshop de Micrometeorologia, que ocorrer em Santa Maria, RS, de 12 a 14 de dezembro. Finalizando, julgamos importante reiterar nossa posio de que indispensvel a atuao dos scios da SBMET para que a mesma se torne uma entidade cada vez mais atuante e conseqentemente mais reconhecida e respeitada. Estamos aqui abertos s crticas e s sugestes esperando com isso aperfeioar os mecanismos de atuao da nossa Sociedade Brasileira de Meteorologia.

Presidente da SBMET

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MUDANAS CLIMTICAS GLOBAIS E O BRASIL: PORQUE DEVEMOS NOS PREOCUPAR (*)Carlos Afonso Nobre Pesquisador Titular do INPE/Membro do Grupo de Trabalho II do IPCC Pres. do Comit Cientfico do Programa Internacional da Geosfera-Biosfera (IGBP) [email protected]

O recm lanado Quarto Relatrio do Grupo de Trabalho I do Painel Intergovernamental de Mudanas Climticas (IPCC) da ONU contundente ao afirmar, com 90% de confiana, que as atividades humanas so a causa principal do aquecimento global observado nos ltimos 50 anos e aponta o acmulo de gases de efeito estufa, notadamente o dixido de carbono, o metano e o xido nitroso, cujas concentraes atmosfricas so as mais altas em pelo menos 650 mil anos de histria do planeta, como os principais responsveis. certo que o rpido aumento da concentrao destes gases na atmosfera se deve ao humana. Por exemplo, as emisses atuais de dixido de carbono so 50 vezes maiores do que as emisses naturais da crosta terrestre ao longo da histria geolgica do planeta. O relatrio destaca igualmente que inequvoco que o planeta vem aquecendo, 0,74 oC em 100 anos, e que j so discernveis uma srie de mudanas climticas como aumento das temperaturas do ar e dos oceanos, degelo de neve e gelo e aumento global do nvel mdio do mar de 17 cm durante o Sculo XX. Onze dos ltimos doze anos no perodo de 1995 a 2006 foram os mais quentes do registro instrumental de temperaturas globais desde 1850. Associado ao aquecimento j registrado, j se observa intensificao de alguns tipos de fenmenos meteorolgicos extremos, como ondas de calor, secas, chuvas intensas e ciclones tropicais. Em resumo, praticamente esto descartadas causas

naturais para o aquecimento das ltimas dcadas, o qual se deve, em sua quase totalidade, a mudana da composio da atmosfera por aes humanas. O relatrio projeta que o planeta continuar a aquecer numa taxa de 0,2 oC por dcada nas prximas duas dcadas, taxa esta que , at certo ponto, independente do cenrio de emisses de gases de efeito estufa. At o final do Sculo XXI a temperatura mdia global pode subir de 2 oC a mais de 4 oC, o nvel mdio do mar, entre 28 cm e 59 cm, com o risco de se elevar mais de 1 m se for acelerada a tendncia de degelo das grandes massas de gelo da Groelndia. Algum grau de mudanas climticas j se tornou inevitvel, como enfatiza o Relatrio do IPCC, pois no mais possvel reverter totalmente o aquecimento global. Os gases de efeito estufa presentes em excesso na atmosfera tm tempos de residncia que variam de dcadas a sculos e continuaro aquecendo a baixa atmosfera e superfcie terrestre por sculos. O nvel do mar continuar a subir por mais de mil anos, medida que o aquecimento vai penetrando lentamente nas suas camadas mais profundas. Estima-se subjetivamente que poderamos evitar as conseqncias mais perigosas das mudanas climticas se o aumento das temperaturas globais no ultrapassasse 2 oC, em relao s temperaturas da poca pr-industrial.

(*) Essa matria foi apresentada em Workshop realizado durante o XIII Simpsio Brasileiro de Sensioriamento Remoto, divulgada no Jornal da Cincia, e-mail 3250, de 25 de abril de 2007. Autorizada a publicao na integra no Boletim da SBMET.

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Para na ficar acima deste valor, as concentraes de dixido de carbono no podero ultrapassar 550 partes por milho em volume (ppmv) e tal concentrao j atingiu 380 ppmv em 2006. As emisses atuais (queima de combustveis fsseis e emisses advindas da mudana dos usos da terra) j chegam a quase 9 bilhes de toneladas de carbono anualmente e crescem a mais de 3% ao ano, nos ltimos anos. Chegar estabilizao em 550 ppmv impe um limite s emisses globais de CO 2. Poder-se-ia emitir um mximo de 750 bilhes de toneladas de carbono durante todo o Sculo XXI. Em outras palavras, as emisses teriam que reduzir-se drasticamente e no ultrapassar 3 bilhes de toneladas anuais na segunda metade do Sculo, significando uma radical descarbonizao da sociedade global, notadamente dos sistemas de produo de energia. Tarefa esta que se afigura como um objetivo de difcil consecuo sem uma radical transformao dos sistemas de produo e consumo em escala global. Ademais, este clculo considera que a frao do CO 2 emitido pelas atividades humanas que permanece na atmosfera, cerca de 45% durante o Sculo XX, continua a mesma durante este Sculo. Entretanto, a capacidade dos oceanos e da biota terrestre de remover 55% do CO 2 em excesso na atmosfera comea a dar sinais de saturao, isto , a frao atmosfrica provavelmente ser maior no futuro, o que limitar o valor permitido de emisses para se chegar estabilizao da concentrao na atmosfera para um valor que pode ser substancialmente menor do que 750 bilhes de toneladas. interessante observar que os valores de incerteza das estimativas para o clima futuro constantes dos relatrios do IPCC no tm variado substancialmente nos ltimos trs relatrios (1995, 2001 e 2007) ainda que tenha havido um gigantesco avano cientfico na modelagem matemtica do sistema climtico, o qual envolve a atmosfera, os oceanos, a criosfera e a biosfera, incluindo o ciclo de carbono nos oceanos e na vegetao. Quando considerados todos os

modelos climticos globais utilizados e todos os cenrios futuros de emisses de gases de efeito estufa, a faixa de projees para o aumento da temperatura global mdia at o final do Sculo situa-se entre aproximadamente 1,5 C e 6 C nos trs ltimos relatrios. Em nmeros redondos, metade desta incerteza se deve s diferenas entre projees dos modelos climticos e metade dela vem por no sabermos a trajetria futura das emisses de gases de efeito estufa. Hoje, a maioria das pessoas tem certeza de que este um gravssimo problema para a humanidade. Isto vem acontecendo de maneira rpida e, at certo ponto, independente do mais lento progresso na reduo das incertezas cientficas sobre o clima do futuro. H vantagens de que assim o seja, pois incertezas cientficas sobre como evoluir o complexo sistema climtico iro sempre existir, mas estas no devem servir de desculpa inao. Esta percepo necessria para permitir a transio dos insustentveis padres atuais de produo e consumo para padres sustentveis no futuro, se quisermos estabilizar as emisses globais ainda neste sculo, transio esta que no ocorrer de maneira indolor. Mesmo no pas cujo governo tem se mostrado mais reticente em assumir compromissos para a mitigao das emisses, os EUA, as pesquisas de opinio no deixam dvida de que a populao est consciente sobre o problema ambiental do aquecimento global, ainda que possa estar inadvertidamente aguardando solues com ntido vis tecnolgico, j que tem sido este o vis das polticas governamentais de Bush para a soluo da questo. Ainda que seja imperativo mitigar as emisses como a nica soluo aceitvel moralmente no longo prazo, a inevitabilidade de que algum grau de mudana climtica acontecer de qualquer maneira faz com que igual nfase deve ser dada tanto reduo acelerada das emisses globais nas prximas dcadas como necessidade de

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adaptao s mudanas climticas que j se tornaram inevitveis. Poder o Brasil atuar, com liderana, nestas duas frentes? Sem considerar as emisses provenientes das mudanas dos usos da terra, a emisso de CO 2 per capita do brasileiro estaria em torno de 0,5 toneladas de carbono por ano, bastante baixa em nvel mundial, comparvel quelas da ndia, e bem abaixo daquelas dos pases industrializados, tipicamente entre 2,5 e mais de 5 (EUA) toneladas por habitante por ano. Isto se deve nossa matriz energtica relativamente limpa. Porm, ao considerar que aproximadamente 75% das emisses brasileiras de gs carbnico o principal gs de efeito estufaprovm dos desmatamentos, as emisses per capita ultrapassam 1,5 toneladas por ano, algo similar emisso per capita da China, que vem crescendo exponencialmente nos ltimos anos. Decorre desta simples aritmtica que a contribuio do Brasil ao esforo mundial de mitigao do aquecimento global passa obrigatoriamente por reduzir as emisses dos desmatamentos. Em princpio, , sim, perfeitamente possvel reduzir os desmatamentos da floresta Amaznica a valores prximos de zero, uma vez que existe um gigantesco estoque de reas j desmatadas degradadas ou abandonadas em todo o pas, mais de 150 mil km 2 de reas degradadas ou abandonadas somente na Amaznia, as quais, com o concurso de modernas tcnicas agronmicas, devem servir ao crescimento da cadeia de produo agropecuria, da agricultura familiar ao agronegcio. Alm disso, reflorestamentos em grande escala nas reas desmatadas retiram gs carbnico da atmosfera atravs da fotossntese e contribuem para a mitigao das emisses, podendo se tornar atraentes Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) para o pas. A implementao de polticas pblicas favorecendo a utilizao de tais reas para diminuir a presso da expanso da fronteira

agrcola sobre a floresta permitiria se ganhar tempo para que se tentasse o desenvolvimento de um novo modelo para a Amaznia, explorando o potencial econmico e social da extraordinria biodiversidade dos ecossistemas tropicais. No h paradigmas de desenvolvimento econmico e social baseado em recursos da biodiversidade em nenhum pas tropical mega-diverso do mundo para serem copiados pelo Brasil. Mas para isso, h que se investir pesadamente em descentralizao da infra-estrutura de C&T da regio, expandido as atuais e criando novas unidades de pesquisa bsica e aplicada e fixao macia de pesquisadores e engenheiros nestas instituies. Esta uma tecla na qual a prpria SBPC vem batendo metdica e insistentemente nos ltimos anos, mas os investimentos em C&T na Amaznia, incrementalmente crescentes, so completamente insuficientes para criar as bases para um novo modelo para a regio. Por outro lado, traz preocupao a constatao de que, no tocante adaptao s mudanas climticas, praticamente est tudo por fazer no Brasil. Os poucos estudos brasileiros sobre os impactos das mudanas climticas nos ecossistemas naturais e agro-ecossistemas, nas zonas costeiras e na sade humana no deixam dvidas de que o pas no sair inclume. Tipicamente como na maioria dos pases em desenvolvimento, a sociedade com larga populao vivendo abaixo da linha de pobreza e baixo IDH, a economia fortemente baseada em recursos naturais e a exuberante Natureza so vulnerveis s mudanas climticas atuais e mais ainda quelas que esto por vir. Aumento da temperatura de alguns graus traz embutido um palpvel risco para o Nordeste, com clarssimas repercusses sociais: diminuio da disponibilidade hdrica no semi-rido, menor tempo de permanncia da gua no solo, isto , acelerao de aridizao, o que tornaria mais marginal a agricultura de sequeiro, meio de subsistncia atual de milhes de habitantes da zona rural. Adicionalmente, aumentaria a

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intensidade das peridicas secas. As polticas pblicas de desenvolvimento regional do Nordeste, que, alm da eliminao da pobreza como principal bandeira, j procuram aumentar a convivncia com a seca como fator de resilincia da sociedade rural, tero que obrigatoriamente considerao um cenrio de reduo da disponibilidade hdrica no semi-rido para o futuro. Para o extenso litoral brasileiro, certo o aumento do nvel do mar e da intensidade das ressacas em toda a zona costeira e h grande probabilidade de expressivo crescimento dos desastres naturais pelo aumento da ocorrncia de chuvas intensas e secas, de maneira similar ao que vem acontecendo neste vero na regio Sudeste. Em resumo, um quadro de mudanas climticas preocupante para todo o pas. A questo dos impactos do aquecimento global na Amaznia complexa e preocupante. Subsistem ameaas concretas de colapso de parte da floresta amaznica, especialmente na suas pores central e oriental, com eroso da rica biodiversidade. Aumentos acima de 3 a 4 graus centgrados nas temperaturas na Amaznia e no Centro-Oeste tero um impacto devastador na rica diversidade biolgica da floresta e do cerrado. Estudos cientficos indicam um risco de desaparecimento de mais de 50% das espcies arbreas do cerrado e ameaas a mais de 90% das espcies arbreas da Amaznia Oriental. H que se considerar que aquecimento global no a nica ameaa ambiental floresta tropical. A sinergia entre aquecimento global, desmatamento e crescente incidncia de incndios florestais ameaa entre 20 e 40% da floresta Amaznica de srio risco de desaparecimento ou substituio por um tipo de savana empobrecida. Espcies da flora e da fauna, particularmente as endmicas, dificilmente conseguiriam adaptar-se atravs de migraes velocidade espantosa de dcadas, em comparao ao ritmo

de mudanas naturais, com que ocorrem as alteraes climticas. Tristemente, extino parece ser o caminho para um sem nmero delas. Em termos globais, no cenrio mais pessimista de aquecimento, at 50% de todas as espcies de plantas e animais estaro ameaadas at o final do sculo. O efeito das mudanas climticas nos ecossistemas naturais coloca em foco que somente polticas de adaptao no resolvem. E que o esforo de mitigao das emisses tem que ser global, pois os pases mega-diversos no seu conjunto contriburam historicamente pouco para o acmulo de gases na atmosfera, mas so os que mais perdero com a reduo certa de riqueza biolgica. No limite, os esforos do Brasil em reduzir desmatamentos na Amaznia e, por conseguinte, cortar suas emisses, tm sentido somente como parte de uma ao global de mitigao das emisses em todos os setores, principalmente com a descarbonizao dos sistemas de gerao de energia. Aps mais de uma dcada de quase letargia, h claros sinais de que a sociedade brasileira comea perceber a gravidade do problema e, ainda que de maneira tmida, se abre para discutir o problema. Os setores governamentais, empresariais e acadmicos e a sociedade civil organizada vm se articulando para aumentar a conscincia sobre a questo e na busca de polticas ambientais conseqentes e a prova disto o surgimento de fruns de mudanas climticas em vrios estados nos ltimos anos. O Frum Brasileiro de Mudanas Climticas trouxe ao primeiro plano de discusso a importncia da reduo das emisses por desmatamentos, assunto que era considerado absoluto tabu no Governo Federal at alguns anos atrs. Acima de tudo, o aquecimento global deve ser encarado com uma questo moral e tica: aqueles que menos contriburam para o problema so os que vo sofrer as mais graves conseqncias. Progresso tecnolgico para a transio a uma nova sociedade, sustentvel na utilizao dos

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recursos naturais do planeta, uma condio necessria para a habitabilidade a longo prazo do Homo sapiens e de todas as outras formas de vida, porm no suficiente. H que haver conscientizao sobre a gravidade da ameaa

do aquecimento do planeta em escala global. De nada adiantar qualquer esforo brasileiro em reduzir emisses se elas continuarem a subir em outras partes do mundo.

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AS INCERTEZAS REGIONAIS NOS CENRIOS DE MUDANAS CLIMTICAS GLOBAISMaria Assuno Faus da Silva Dias1, 2, Pedro Leite da Silva Dias2 (1) Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais INPE Centro de Previso do Tempo e Estudos Climticos - CPTEC (2) Instituto de Astronomia, Geofsica e Cincias Atmosfricas - IAG Departamento de Cincias Atmosfricas - USP E-mails: [email protected] , [email protected]

Os cenrios de mudanas climticas relatados no 40 Relatrio do IPCC AR4 (2007) apontam para uma srie de mudanas climticas globais na temperatura do ar superfcie e nos padres de precipitao. A evoluo anual das mdias globais, assim como mapas que indicam os padres espaciais esperados, tanto anualmente como do ponto de vista sazonal, so apresentados como os cenrios mais provveis para os prximos 100 anos. Esses cenrios so baseados numa variedade de simulaes com diferentes modelos que foram validados conforme sua capacidade de representar satisfatoriamente o clima do passado e do presente. O grande avano observado entre o IPCC AR4 e seu antecessor, o terceiro relatrio (publicado em 2001), est na maior segurana proporcionada pelos diversos modelos usados permitindo concluses com maior grau de certeza (ou menor incerteza) com relao ao efeito das atividades humanas no clima da Terra. Ao usar um conjunto de modelos de diferentes origens e com diferentes caractersticas, o IPCC AR4 procurou usar a diversidade dos modelos como um fator de denio de probabilidade de ocorrncia, ou de grau de conana, principalmente quando enfocadas as diferentes regies geogrcas do globo e as diferentes estaes do ano. De particular interesse a mudana no regime de precipitao, nem sempre detectvel no total anual, mas em muitos casos apresentando mudanas no comprimento da estao chuvosa. Tanto as alteraes previstas na temperatura como no regime anual e sazonal da chuva podem ter impactos dramticos na biodiversidade, nas atividades

agrcolas, na sobrevivncia de biomas naturais, alm do efeito direto na disponibilidade da gua e no degelo em altas latitudes com reexos no nvel do mar que afeta diretamente as regies costeiras. A anlise dos efeitos regionais nos cenrios futuros, especicamente no caso dos padres de chuva, tem uma incerteza bsica que a prpria representao da chuva: os modelos atuais de previso de tempo e de previso climtica sazonal ainda tm problemas nesse sentido, o que aumenta sensivelmente a incerteza dos cenrios futuros nas escalas de dcadas a centenas de anos. Os principais problemas na simulao de chuva ainda so: Resoluo espacial das simulaes numricas; Interao aerossis - radiao - microfsica de nuvens. De forma menos direta, porm ainda relevante, tem-se aspectos de acoplamento oceano-atmosfera, biosferaatmosfera e, por m, existem as prprias limitaes atuais na representao da qumica atmosfrica e dos ciclos biogeoqumicos, que afetam simulaes em todas as escalas podendo afetar os padres de temperatura superfcie e o regime de precipitao. Levando em conta apenas os aspectos de resoluo e da interao aerossis radiao - microfsica de nuvens, existe uma grande incerteza nos cenrios de climas futuros do ponto de vista da precipitao, particularmente nas regies tropicais onde os efeitos baroclnicos so de segunda ordem.

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As simulaes numricas usadas no IPCC AR4 para denir os cenrios do clima futuro da Terra tem resoluo tpica de 100 km. O primeiro impacto da baixa resoluo na denio da condio de contorno na superfcie em termos de topograa, da denio das regies cobertas por gua (oceano, lagos, rios) e da cobertura vegetal. Em regies montanhosas a denio das encostas bastante suavizada por essa resoluo. Tanto o efeito mecnico de desvio das parcelas de ar que encontram as encostas, como o efeito trmico na produo de circulaes vale-montanha so prejudicadas. Casos tpicos so regies com vales bem denidos, como o Vale do Rio So Francisco ou o Vale do Paraba, cuja existncia praticamente eliminada com baixas resolues. A linha costeira tambm perde detalhamento. Regies costeiras perto de montanhas como, por exemplo, a Serra do Mar, tem grandes problemas de representao da intensidade das circulaes locais nas simulaes numricas de baixa resoluo espacial, pois dependem dos gradientes horizontais de temperatura. A velocidade da circulao simulada inversamente proporcional resoluo e, em geral, uma descrio adequada ocorre para resolues inferiores a 10 km. No caso de brisa martima, por exemplo, quanto maior a velocidade da frente de brisa, maior a convergncia associada e, portanto, mais intensos devem ser os movimentos verticais que, em ltima instncia, denem a taxa de condensao de vapor dgua nas nuvens. Localmente h impactos tambm em regies onde os contrastes no so bem resolvidos pela grade do modelo. Contrastes de vegetao tambm produzem circulaes locais no convencionais como o que observado nas regies de interface entre oresta e pastagens (Souza et al., 2000) , regies com agricultura e solo nu, e em volta das grandes represas, grandes rios (Silva Dias et al., 2004) ou regies alagadas como o Pantanal. As circulaes locais so o principal mecanismo produtor de chuvas nas regies costeiras, especialmente nas baixas latitudes; no caso do Brasil, a costa do Nordeste e do Norte tem regime de chuvas

tipicamente denido pela brisa martima, conforme descrito por Kousky (1980) e por Negri et al. (2002). Alm da chuva local, vrios autores tm enfocado a questo de que a brisa martima serve como gatilho para disparo de linhas de instabilidade que podem ser costeiras ou propagar-se por grandes distncias continente adentro (Cohen et al., 1985; Rickenbach, 2004). A baixa resoluo tambm exige que os processos de formao de nuvem, que tem escala sub-grade, sejam parametrizados. A parametrizao da conveco tem sabidamente suas limitaes na representao do processo de precipitao, principalmente para chuvas de nuvens quentes (muito comuns em regies martimas e costeiras) e no caso de Sistemas Convectivos de Mesoescala (SCM) o caso das linhas de instabilidade, por exemplo. No caso das chuvas originadas de nuvens quentes, os modelos de baixa resoluo no incluem o processo de produo de chuva. No entanto, em boa parte do litoral do Nordeste do Brasil, as nuvens rasas produzem chuva, basicamente por serem nuvem martimas formadas por gotas grandes, nucleadas ao redor de sais marinhos higroscpicos. Estas contrastam com nuvens rasas continentais formadas por um grande nmero de gotculas pequenas, formadas a partir de um grande nmero de partculas de poeira ou poluio, que permanecem em suspenso no ar sem cair como chuva. No caso dos SCM a sua reproduo em baixa resoluo ca prejudicada pela impossibilidade de simular os processos dinmicos das correntes descendentes que denem a propagao do sistema. Neste caso, um exemplo tpico a linha de instabilidade da Amaznia (Cohen et al., 1985). Essas linhas de instabilidade representam um caso crtico em simulaes de baixa resoluo: o incio da formao da linha ocorre a partir da brisa martima na costa norte e sua propagao como um SCM pode lev-las at milhares de quilmetros da costa, num extenso ciclo de vida com impacto em grandes reas do leste e do centro da Amaznia. Ramos da Silva et al. (2007) mostram que as grandes linhas de instabilidade da Amaznia no so simuladas por

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modelos com resolues superiores a 20 km. plausvel especular sobre o papel da resoluo dos modelos na gerao de furaces. O caso do Oceano Atlntico Sul merece particular ateno. Vrios modelos do IPCC AR4 indicam reduo da intensidade da fonte de calor do Amazonas e Brasil Central. Sabe-se que esta fonte mantm o intenso cisalhamento vertical no Oceano Atlntico Sul (Gandu e Silva Dias, 1988) que impede a formao de furaces j que as temperaturas da superfcie so propcias. A fonte de calor do Amazonas e Brasil Central tambm responsvel pela intensa subsidncia que seca a mdia troposfera no Atlntico, tornando o ambiente ainda mais desfavorvel para a gnese das tempestades tropicais. A reduo da precipitao na parte tropical do Brasil deve, em tese, diminuir o cisalhamento e a subsidncia no Oceano Atlntico Sul. Portanto, plausvel esperar um aumento da probabilidade de ocorrncia de furaces no Oceano Atlntico Sul, sobretudo ao se considerar o aumento da temperatura da superfcie do mar. Evidentemente, podem existir outros fatores, por exemplo, relacionados com a interao entre a fonte de calor da frica (Gandu e Silva Dias, 1998), que podem tornar este processo mais complexo. Somente modelos de alta resoluo espacial, da ordem de poucos km, tm os mecanismos para capturar esses processos que levam formao de furaces. Os aerossis presentes na atmosfera tm diversos impactos na formao de nuvens e de chuva e so discutidos com bastante abrangncia ao longo do IPC AR4, utilizando-se modelos de transferncia radiativa desacoplados dos Modelos de Circulao Geral da atmosfera (MCG). Para incluir os aerossis nos MCG necessrio um modelo de emisses. As emisses podem ocorrer a partir de levantamento de poeira em geral, emisses veiculares, industriais ou vegetais (compostos orgnicos volteis com converso gspartcula), queimadas e erupes vulcnicas. Os MCG usados pelo IPCC somente incluem os efeitos climatolgicos dos aerossis que so estacionrios. Um dos efeitos da presena de uma camada de aerossis a reduo da incidncia de radiao superfcie, identicado pelo IPCC AR4 como uma

forante radiativa negativa, isto , de resfriamento. Um efeito esperado de uma camada de aerossis um aumento da estabilidade termodinmica reduzindo os movimento verticais e diminuindo a quantidade de chuva. Conforme mostrado por Freitas et al. (2000), a pluma de aerossis emitidos por queimadas no Brasil Central pode atingir grandes reas da Amrica do Sul e do Oceano Atlntico Sul, ou seja, um efeito em escala continental que ao no ser includo nos MCG leva a um aumento da incerteza dos resultados. Esse impacto pode ser relativamente grande ao longo do chamado jato de baixos nveis (Vera et al., 2006) que leva para latitudes mdias tanto a umidade da Amaznia como os produtos da queima da biomassa do Brasil Central que alcanam a regio das bacias do Paran e do Prata. A heterogeneidade espacial dos aerossis tambm pode gerar circulaes locais no-convencionais que podem causar signicativo impacto na precipitao, eventualmente aumentandoa, apesar do efeito negativo associado ao impacto radiativo dos aerossis (Vendrasco et al., 2007). Outros efeitos dos aerossis envolvem a interao com a microfsica das nuvens. Dentre os aerossis h uma parcela que atua como Ncleos de Condensao de Nuvens (NCN). Para nuvens quentes bastante claro que poucos NCN permitem a ocorrncia de chuvas enquanto que muitos NCN inibem a chuva. No entanto, para nuvens frias, ou seja, aquelas em que existe a fase gelo alm de gotas de gua lquida, o efeito de aumento de NCN extremamente no-linear e denido por fatores externos como o contedo de umidade no ar, a estabilidade atmosfrica e o cisalhamento vertical do vento. Martins (2006) utilizou um modelo numrico com 1 km de resoluo para analisar o efeito dos NCN na regio Amaznica chegando concluso de que um nmero maior de NCN tem o efeito de tornar as chuvas mais intensas e localizadas, sem necessariamente alterar a chuva mdia na rea. Quanto mais intensas e localizadas as chuvas, maior a probabilidade de eventos extremos associados como ventanias e inundaes. E maiores os danos vegetao e a agricultura, maior a probabilidade de deslizamentos de encostas. Estes efeitos dos aerossis nas nuvens levam a uma grande incerteza relativa aos feitos regionais dos cenrios climticos.

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Reconhecendo as incertezas regionais dos cenrios climticos globais, vrias iniciativas tm levado produo de cenrios mais detalhados, atravs do processo de enfoque em menores escalas, permitido por modelos regionais que utilizam os cenrios de baixa resoluo como condies de contorno. No entanto, sem chegar a resolues bem menores que 10 km dicilmente esses cenrios de maior resoluo tero reduzido as incertezas nos resultados. E mesmo chegando a resolues da ordem de poucos quilmetros ainda resta o problema da interao nolinear entre escalas que existe na natureza e leva a um impacto das pequenas escalas nas maiores num processo de retro-alimentao positiva semelhante ao que explica em boa parte a sustentabilidade de furaces a partir do efeito coletivo das nuvens que os integram. Como a conveco e as circulaes geradas num modelo regional reagem s condies de contorno do MCG, mas no so usadas para retroalimentar as circulaes de grande escala, h novamente uma incerteza, especialmente em regies com grandes conjuntos de nuvens como nas chamadas fontes tropicais de calor da Amaznia e da Indonsia, entre outras, e nas zonas de convergncia associadas a grandes bandas de nuvens, como a Zona de Convergncia Intertropical, a Zona de Convergncia

do Atlntico Sul, entre outras que podem ter efeitos globais (Raupp e Silva Dias, 2004). Para reduzir a incerteza associada baixa resoluo e ao desenvolvimento de nuvens e chuvas, a melhor opo aumentar a resoluo e incluir os processos microfsicos de nuvens e sua interao com aerossis. Simulaes de longo prazo como as necessrias para os cenrios climticos so proibitivas, do ponto de vista computacional sendo uma alternativa a anlise detalhada de casos especiais para identicao de possveis cenrios locais associados aos sistemas sinticos mais relevantes. Como exemplo, pode-se imaginar o caso dos complexos convectivos que afetam o norte da Argentina/Paraguai (Velasco e Fritsch, 1987). Simulaes regionais longas com algumas dezenas de quilmetros de resoluo no descrevem a evoluo desses sistemas sinticos. Estudos de caso, por outro lado, baseados em ambientes de grande escala produzidos pelos cenrios futuros, com alta resoluo (da ordem de poucos km), podem dar informaes relevantes sobre as alteraes no ciclo de vida e nos eventos extremos associados. Tcnicas de minerao de dados podem apontar para situaes de maior interesse para esses estudos de caso.

1. REFERNCIAS BIBLIOGRFICASCohen, J.C.P., Silva Dias, M.A. F.; Nobre, C.A. Environmental conditions associated with Amazonian squall lines: a case study. Monthly Weather Review, 123(11):3163-3174, 1995. Freitas, S.R.; Silva Dias, M.A. F.; Silva Dias, P.L.; Longo, K.M.; Artaxo, P.; Andreae, M.O.; Fischer, H. A convective kinematic trajectory technique for low-resolution atmospheric models. Journal of Geophysical Research, 105(D19):24375-24386, 2000. Garstang, M.; Massie, Jr. H.L.; Halverson, J.; Grego, S.; Scala, J. Amazon coastal squall lines, Part I, Structure and kinematics. Monthly Weather Review, 122:608-622, 1994. Gandu, A.W.; Silva Dias, P.L. Impact of Tropical Heat Sources on the South American Tropospheric Upper Circulation and Subsidence. Journal of Geophysical Research, 103:6001-6015, 1998. IPCC AR4. Intergovernamental Panel for Climate Change Assessment Report 4, 2007. Kousky, V.E. Diurnal rainfall variation in Northeast Brazil. Monthly Weather Review, 108:488-498, 1980. Martins, J.A. Efeitos de aerossis da queima de biomassa no desenvolvimento da precipitao. Tese de Doutorado, IAG/USP, 181 pp, 2007.

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Negri, A.J.; Adler, R.F.; Xu, L. A TRMM calibrated infrared rainfall algorithm applied over Brazil. Journal of Geophysical Research Atmospheres, 107(D20):16-1, 16-15, 2002. Raupp, C.A.M.; Silva Dias, P.L. Effects of nonlinear processes on the inter-hemispheric energy propagation forced by tropical heat sources. Revista Brasileira de Medteorologia, 19(2):177-188, 2004. Ramos da Silva, R.; Werth, D.; Avissar, R. The impacts of anticipated land-cover change on the wetseason in the Amazon: Part I hydroclimatological changes. Aceito no Journal of Climate, 2007. Rickenbach, T.M. Nocturnal Cloud Systems and the Diurnal Variation of Clouds and Rainfall in Southwestern Amazonia. Monthly Weather Review, 132(5):12011219, 2004. Silva Dias, M.A.F.; Silva Dias, P.L.; Longo, M. Fitzjarrald, D.R.; Denning, A.S. River breeze circulation in eastern Amazon: observations and modeling results. Theoretical and Applied Climatology, 78(1-3):111-121, 2004.

Souza, E.P.; Renn, N.O.; Silva Dias, M.A.F. Convective circulations induced by surface heterogeneities. Journal of Atmospheric Sciences, 57: 2915-2922, 2000. Vera, C.; Baez, J.; Douglas, M.; Emanuel, C.B.; Orsini, J. A M.; Meitin, J.; Nicolini, M.; NoguesPaegles, J.; Paegle, J.; Penalba, O.; Salio, P.; Saulo, C.; Silva Dias, M.A.F., Silva Dias, P.; Zipser, E. The South American Low Level Jet Experiment (SALLJEX). Bulletin of the American Meteorological Society, 86, 1,63-77, 2006. Velasco, I.; Fritsch, J.M. Mesoscale convective complexes in the Americas. Journal of Geophysical ResearchAtmospheres, 92(D8):9591-9613, 1987. Vendrasco, E.P.; Silva Dias, P.L.; Freitas, E.D. A Case Study of the radiative effect of biomass burning in the precipitation; the Cuiab-Santarm (Eastern Amazon) Case. Submetido a publicao em Meteorology and Atmospheric Physics, 2007.

AGRADECIMENTOSAs pesquisas dos autores so nanciadas pela FAPESP, CNPq e FINEP.

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A INCERTEZA CIENTFICA E A OPINIO PBLICA NA BALANA DAS NEGOCIAES SOBRE MUDANA DE CLIMALuis Antonio L. Amola1, Pedro Leite da Silva Dias2 (1) Instituto de Estudos Avanados Grupo de Cincias Ambientais IEA/USP (2) Instituto de Astronomia, Geofsica e Cincias Atmosfricas IAG/USP Instituto de Estudos Avanados/ Universidade de So Paulo (IEA - USP) E-mails: [email protected], [email protected]

A mdia mundial tem chamado o ano de 2007 de o ano das mudanas climticas. Isso se deve, primeiramente, ao fato do Painel Intergovernamental de Mudanas Climticas (em ingls, Intergovernamental Panel on Climate Change - IPCC) estar publicando neste ano a quarta srie de trs relatrios de avaliao sobre o aquecimento global: o primeiro se concentra sobre as bases cientcas da mudana climtica e j foi publicado em Paris em fevereiro ltimo. O segundo, trata dos impactos das mudanas climticas e das vulnerabilidades regionais a essas mudanas, e foi divulgado em abril. A ltima parte avalia como podemos mitigar as emisses de Gases de Efeito Estufa (GEE) e saiu a pblico em maio. A principal mensagem desses relatrios que as mudanas climticas esto ocorrendo em uma velocidade sem precedentes na histria e por isso necessrio tomar duas atitudes bsicas: reduzir drasticamente as emisses globais de GEE e comear a se adaptar s mudanas que j se iniciaram. Um outro motivo porque vrios especialistas em clima tm armado que o efeito estufa conjugado com o fenmeno climtico El Nio faro de 2007 o ano mais quente j registrado, com conseqncias para todo o planeta. Uma conrmao parcial dessa previso j parece ter se realizando: o ltimo inverno no Hemisfrio Norte foi o mais quente dos ltimos 128 anos. A julgar pela grande cobertura dada pela mdia para a publicao do relatrio em Paris, e sua ampla repercusso na sociedade, espera-se ainda muito mais discusso e mobilizao de vrios setores

da sociedade ainda este ano sobre o problema do aquecimento global. O ano de 2007 tambm deve ser um ano de decises polticas importantes nesta rea. Logo depois da publicao do IPCC em Paris, a Unio Europia decidiu xar a meta de reduzir pelo menos 20% de suas emisses de GEE at 2020. Mas nem tudo neste ano pode representar avanos polticos nesta rea. Discusses de bastidores para as prximas rodadas de negociaes que deniro as polticas de redues de emisses aps o perodo de cumprimento do Protocolo de Kyoto, 2008-2012 tem indicado que, apesar de vrias declaraes recentes de muitos governos sobre a necessidade de ao mais vigorosa a partir de 2013, ainda existem muitas diculdades a serem superadas at que se alcance um consenso sobre quem deve nessa prxima etapa reduzir suas emisses e de quanto. Os EUA, o maior emissor mundial de GEE, se negou a participar do acordo de Kyoto e sua participao em um acordo aps 2012 ser muito importante para que haja polticas ecazes de controle do aquecimento global, mas sua posio ainda incerta. O Congresso norte americano tem h muito tempo condicionado um compromisso dos EUA em qualquer acordo global a que pases em desenvolvimento tais como ndia, China e Brasil, tambm assumam metas obrigatrias. De outro lado, esses pases ainda resistem fortemente a quaisquer obrigaes de redues de emisses,

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pois, argumentam, precisam crescer para resolver seus graves problemas sociais e cortar suas emisses representa um freio neste processo. O caminho at a raticao do Protocolo de Kyoto demonstrou que o consenso entre os pases, e mesmo dentro deles, difcil de ser obtido. E no parece que as negociaes para o prximo perodo sero mais fceis, embora aparentemente haja um momento mais propcio a um consenso mais amplo, sobretudo pela publicao dos relatrios do IPCC. Sem dvida todos esses acontecimentos podero ter inuncia na 13a Conferncia das Partes que acontecer no nal deste ano em Bali. A esperana que o ano termine com uma perspectiva de um acordo que amplie aquele j feito em Kyoto. Na realidade ainda impossvel prever o impacto que os documentos do IPCC tero sobre essas negociaes. O estado do conhecimento cientco sobre as mudanas climticas expresso nos relatrios do IPCC tem sido a plataforma a partir da qual os governos, as Organizaes no-Governamentais (ONGs) e as corporaes, tomam suas decises sobre o que fazer para lidar com o problema das mudanas climticas. Por isso, espera-se que a cada publicao desses relatrios assistamos a mudanas cada vez mais signicativas nas atitudes dos governos e no comportamento geral da sociedade em direo a uma poltica global ecaz de combate s mudanas climticas. O motivo bsico a expectativa de que as incertezas cientcas sobre o aquecimento global e seus efeitos diminuam sistematicamente. Dessa forma, pensa-se, as negociaes tendero cada vez mais a acordos globais mais amplos. Ser que a relao entre o avano do conhecimento sobre mudana de clima e os acordos internacionais segue essa lgica simples? Esses relatrios, embora contenham a melhor informao existente sobre o assunto, esto ainda repletos de incertezas sobre de quanto exatamente a temperatura global subiria se nada zssemos para evitar o aquecimento. As incertezas se ampliam signicativamente quando tentamos prever essas elevaes de temperatura para daqui a 20, 30, 50 ou 100 anos frente. Uma cascata de incertezas gerada

nos modelos de circulao geral oceano-biosferaatmosfera acoplados por causa das incertezas nos valores de inmeros dos seus parmetros, levando a um largo espectro de situaes possveis quando se tenta prever quais exatamente seriam os nveis mdios de precipitao, de elevao do nvel mdio do mar e a distribuio de impactos nos ecossistemas atravs do globo. O sistema do clima altamente complexo, envolve no-linearidades, muitas delas ainda no muito bem compreendidas, e o fenmeno do aquecimento global e as mudanas climticas resultantes de muito longo prazo. Quando estes modelos so usados para calibrar modelos climticos de menor complexidade acoplados a modelos ecolgicos e econmicos a situao piora, pois a cascata de incertezas se amplia ainda mais quando incorpora o elemento humano que em muitos aspectos imprevisvel. Em geral os cenrios gerados por estes modelos apontam para futuros com inmeros impactos negativos em extensas reas do globo, caso nada seja feito. Mas a sua intensidade e poca precisas em que ocorreriam so questes ainda sem resposta e no podem ser obtidas rapidamente. Para algumas questes as incertezas so intrnsecas e no simplesmente estatsticas, o que implica em nunca poderem ser reduzidas. Parece despropositado falar das incertezas em um momento como este, ps-relatrios do IPCC, em que a sociedade parece estar alcanando uma conscientizao sem precendentes, cuja mobilizao pode pressionar muito os governos a tomarem medidas mais severas no combate ao aquecimento global. Mas os fatos mostram que os governos do mundo todo esto avanando muito pouco nos esforos para dar seqncia ao Protocolo de Kyoto mesmo diante da crescente preocupao da opinio pblica com as mudanas climticas e os alertas da ONU, de que o problema representa uma ameaa de dimenses semelhantes s de uma guerra. O fato que a grande amplitude das incertezas cientcas sobre o tema ainda oferece muito espao para que coexistam vrias posies contrrias ao movimento de intensicao de redues de emisses e permite que vrios governos possam continuar a resistir a qualquer compromisso formal para isso.

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Estudos tm mostrado que os pases formam suas posies nas negociaes internacionais sobre mudanas climticas a partir da avaliao de sua vulnerabilidade potencial quelas mudanas e dos custos que incorreria se viesse a reduzir suas emisses. Essa concluso tem sido chamada de teoria do autointeresse dos pases nas negociaes ambientais internacionais, pois preconiza basicamente a idia de que cada pas forma suas posies visando unicamente seus interesses nacionais, em oposio a qualquer atitude altrusta que busque o bem estar de outras naes (Sprinz e Vaahatoranta, 1994). Um pas, segundo esta teoria, que estimasse para seu territrio danos climticos altos e custos baixos para o abatimento de suas emisses domsticas, tomaria uma atitude promovedora de polticas mais severas de redues. Daria o exemplo aos outros pases assumindo voluntariamente metas mais ambiciosas de redues e cobraria desses pases atitudes semelhantes. Esse comportamento o que observamos, por exemplo, na Unio Europia, que assumiu o compromisso acima indicado. Um pas que, ao contrrio do primeiro tipo, estima danos climticos baixos e custos de abatimento altos, seguiria o comportamento inverso: resistiria a qualquer acordo que o levasse a ter que assumir redues intensas de emisses. Ele pode ser caracterizado por uma atitude procrastinadora nas negociaes. O exemplo tpico de um protelador os EUA. Uma nao, por outro lado, que avalia danos climticos altos, e custos de abatimento tambm altos, tem uma atitude intermediria entre os casos anteriores e sua atitude na maior parte do tempo ambgua, procurando evitar assumir custos de abatimento, mas pressionando os outros pases a reduzirem suas emisses. Este o caso, por exemplo, da China, do Brasil e da ndia. Finalmente, o pas que estima danos e custos baixos tem uma atitude expectadora, procurando se aproveitar das situaes para fazer acordos que o beneciem em outras reas. Este o caso, por exemplo, da Rssia nas negociaes do Protocolo de Kyoto.

1. UM MODELO DE NEGOCIAES SOB INCERTEZAA partir dessa tipologia de comportamentos, o que podemos esperar daqui para frente em termos das negociaes sobre a mudana de clima? Para tentar responder a esta pergunta, Amola (2006) construiu um modelo matemtico que representa as economias nacionais e suas emisses de GEE, as vulnerabilidades de cada pas ao aquecimento global e a maneira como as expectativas de cada um, em funo das incertezas cientcas, inuenciam seu papel nas negociaes. Aqui so discutidos alguns dos principais resultados obtidos por Amola (2006). No modelo de Aimola (2006), cada pas foi representado como um agente que tem um modelo clima-economia no qual alguns de seus parmetroschave tm incertezas representadas por distribuies de probabilidades que mudam ao longo do tempo. O modelo inovador, pois se baseia em um mtodo ainda pouco utilizado para modelagem em mudanas climticas, a Simulao de Sistemas Multiagentes. Nele, cada governo faz planos, usa uma metodologia para projetar cenrios futuros de mudana de clima e de impactos econmicos, assim como um critrio de deciso para escolher sua posio. Para modelar as negociaes propriamente ditas, usou-se a Teoria dos Jogos, uma rea da Cincia Econmica que trata do comportamento estratgico dos agentes. Foram escolhidos alguns parmetros-chave ainda altamente incertos, sobre os quais a resoluo das incertezas, ainda que gradual, crucial para antecipar o comportamento do clima e da economia, e levar ao mais ecaz. Para o clima, foram escolhidos como parmetros incertos a sensibilidade climtica e a inrcia trmica do oceano. Para as economias, a vulnerabilidade s mudanas climticas e os custos marginais de abatimento de emisses de GEE. A partir dessa representao, o modelo explora cenrios de evoluo dos conhecimentos cientcos sobre o aquecimento global e sua inuncia no processo poltico internacional.

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O modelo permite realizar simulaes variandose com diferentes velocidades as distribuies de probabilidades para representar a reduo das incertezas e os possveis ritmos de tais redues. impossvel prever como se dar a evoluo do conhecimento cientco sobre o clima, a vulnerabilidade de cada pas em seu territrio, bem como dos custos domsticos de abatimento de emisses, mas no modelo pode-se explorar diversos cenrios de reduo de incertezas e fazer uma anlise global dos resultados de cada simulao. O modelo capaz de reproduzir a tipologia de comportamentos dos pases nas negociaes sobre mudana de clima como descritos pela teoria do autointeresse para vrias situaes de incertezas. Com ele pode-se simular cenrios em que a diminuio das incertezas se d de forma lenta (5% por dcada), ou rpida (20% ou mais por dcada), o que signicaria a resoluo completa das incertezas na metade deste sculo, e observar a mudana de comportamento de cada pas toda vez que negocia metas de redues de emisses de GEE. Assim, por exemplo, um pas que inicialmente protelador nas negociaes, com a diminuio das incertezas sobre sua vulnerabilidade e seus custos, pode vir a adotar uma atitude promovedora de redues de emisses. Pases de comportamento intermedirio podem passar a ter posio mais denida, seja pelo lado da ao vigorosa, seja pela procrastinao. Promotores podem manter suas atitudes, ou no, e pases indiferentes podem se tornar promotores ou proteladores, dependendo do resultado nal da diminuio das incertezas dos impactos e dos custos esperados. A partir dessas mudanas de papis, que implicam diferentes distribuies de metas de redues de emisses negociadas entre os pases, possvel avaliar o efeito da diminuio das incertezas sobre o aquecimento global e a magnitude dos danos econmicos em cada territrio nacional. Desenvolveu-se um programa de computador, o Proclin Prottipo para Simular o Papel das Incertezas nas Negociaes Climticas para simular situaes

simples, considerando inicialmente somente dois grandes blocos de pases, representando as naes industrializadas e aquelas em desenvolvimento. Isto , um dos blocos foi calibrado com parmetros que representam um grupo de pases ricos com emisses altas, enquanto o outro representa naes com renda mais baixa e emisses ainda reduzidas, mas crescendo rapidamente (Amola, 2006). O objetivo das simulaes saber sob que condies de diminuio das incertezas cientcas, as futuras negociaes podem gerar polticas que evitem impactos climticos severos ainda neste sculo em pelo menos um dos blocos de pases. Considerouse como dano econmico severo a situao em que o Produto Interno Bruto (PIB) de cada bloco comearia a declinar, levando recesso econmica em virtude das perdas advindas do aquecimento global destruio de infraestrutura, quebras de safras agrcolas, aumento drstico de doenas infecto contagiosas, etc, e os resultados obtidos so discutidos a seguir.

2. CONSIDERAES FINAISOs resultados das simulaes preliminares obtidas com o Proclin para a condio testada mostram que somente para redues muito rpidas das incertezas, tal como 20% por dcada, as negociaes evitam recesso econmica em ambos os blocos de pases. No modelo, isso ocorre apenas em cenrios onde o aquecimento se d de forma muito lenta. Para elevaes rpidas de temperatura, a recesso inevitvel para os dois blocos mesmo que as incertezas diminuam muito rapidamente. Algumas simulaes indicaram que se as incertezas no diminussem, ou se o zessem muito lentamente, as recesses econmicas viriam mais rpida e intensamente. Isso mostra que a pesquisa cientca tem papel relevante nas negociaes, mas limitado no que se refere eccia das redues negociadas. Ou seja, o clima pode reagir quantidade de emisses mais rapidamente do que mudanas signicativas de posio dos pases nas negociaes. No modelo, importante lembrar, as mudanas de

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posies ocorrem somente aps os pases obterem um conhecimento cientco mais seguro. As aes so tomadas a partir de nova informao. Em um cenrio de incertezas diminuindo lentamente e com pases possuindo elevada averso recesso, a seqncia de negociaes simulada evitou a contrao do PIB. O resultado indica que a precauo quanto ao que de pior pode ocorrer um fator relevante no processo, mesmo que esse cenrio seja considerado de baixa probabilidade. Nesse caso, abre-se a oportunidade de uma postura proativa por parte de governos e sociedades, e o conhecimento avana junto com as aes preventivas.

Alm da informao cientca, a averso ao risco um fator chave para levar os governos a tratar o problema com a seriedade que ele merece e nesse sentido a percepo da sociedade com relao s ameaas das mudanas climticas poder ter um papel decisivo como elemento de presso, para que se amplie o acordo de Kyoto. Na balana das negociaes a mdia e o mega show Earth Live a ser realizado pelo ex-Vice-Presidente dos EUA, Al Gore, para julho deste ano, que alcanar dois bilhes de pessoas em todo o mundo pela TV e internet, podero ser pesos decisivos.

3. REFERNCIAS BIBLIOGRFICASAimola, L. A. L. Cascata de Incertezas, Impactos Climticos Perigosos e Negociaes Internacionais de Mudana de Clima Global Um Modelo Exploratrio. Tese de Doutorado em Cincia Ambiental. So Paulo: PROCAM-USP, 2006. Sprinz, D.; Vaahatoranta. The self-interest based explanation of International Environmental Policy. International Organization, vol. 48, n0 1, 1994.

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O QUARTO RELATRIO DO IPCC (IPCC AR4) E PROJEES DE MUDANA DE CLIMA PARA O BRASIL E AMRICA DO SUL

Jos Antonio Marengo Orsini Centro de Previso de Tempo e Estudos Climticos CPTEC/INPE E-mail: [email protected]

Desde a dcada de 1980, evidncias cientcas sobre a possibilidade de mudana de clima em nvel mundial vm despertando interesse crescente no pblico e na comunidade cientca em geral. Em 1988, a Organizao Meteorolgica Mundial (OMM) e o Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) estabeleceram o Intergovernamental Panel on Climate Change (IPCC). O IPCC cou encarregado de apoiar com trabalhos cientcos as avaliaes do clima e os cenrios de mudanas climticas para o futuro. Sua misso avaliar a informao cientca, tcnica e scio-econmica relevante para entender os riscos induzidos pela mudana climtica na populao humana. Esta tarefa abordada com a participao de um grande nmero de pesquisadores das reas de clima, Meteorologia, Hidrometeorologia, Biologia e cincias ans, que se renem regularmente a cada quatro anos e discutem as evidncias cientcas mais recentes e atualizadas. Assim como os resultados do estadoda-arte de vrios tipos de modelos (atmosfricos, acoplados oceano-atmosfera), com a meta de chegar a um consenso sobre as tendncias mais recentes em termos de mudana de clima. Os relatrios do IPCC, especialmente do GT1 sobre As Bases Cientcas fornecem uma reviso compreensiva e atualizada de todas as informaes e estudos feitos na rea de clima, oceanograa, ecologia, entre outras cincias relacionadas mudanas climticas. Esta informao apresentada para as comunidades cientcas, o pblico em geral e, em especial, para polticos e tomadores de

decises, que precisam receber informao de forma compreensvel. Para isto, o IPCC tem a tarefa de sumariar o conhecimento atual contido nos relatrios cientcos sobre as possveis mudanas do clima no futuro para os tomadores de decises. Este relatrio chamado de Summary for Policy Makers SPM, ou Relatrio Sumrio para Tomadores de Decises (IPCC, 2001 a, b, c, d, 2007). O Terceiro Relatrio Cientco (TAR) mostra que existem novas e fortes evidncias de que a maior parte do aquecimento observado durante os ltimos 50 anos atribuda s atividades humana (IPCC, 2001 a), o que foi amplamente anunciado em jornais e revistas cientcas da imprensa mundial. Entretanto, o TAR no trouxe concluses sobre possveis mudanas na freqncia e intensidade de eventos climticos extremos. O Quarto Relatrio Cientco do IPCC AR4 foi liberado em fevereiro de 2007, e nele apresentam-se evidencias de mudanas de clima, especialmente nos extremos climticos que podem afetar signicativamente o planeta, especialmente os paises menos desenvolvidos na regio tropical. Novos modelos que incluem modelos acoplados com vegetao interativa e melhores representaes de nuvens e aerossis foram rodados, e uma maior ateno foi dada para a simulao de extremos climticos e de variabilidade interdecadal. As principais concluses desse relatrio sugerem, com conana acima de 90%, que o aquecimento global dos ltimos 50 anos causado pelas atividades humanas. As avaliaes

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observacionais e as projees climticas para o futuro e passado mostram novas evidncias de tendncias e processos que podem se resumir assim: a) O aquecimento global tem sido agravado pela poluio humana, e a escala do problema no tem precedentes, pelo menos nos ltimos 20 mil anos; b) H evidncias esmagadoras de que o clima da Terra est sofrendo uma transformao dramtica devido as atividades humanas; c) As temperaturas mdias globais neste sculo subiro entre 20 C e 4,50 C como resultado da duplicao das concentraes de dixido de carbono na atmosfera em relao aos nveis prindustriais, devido a emisses por atividades humanas (como a queima de petrleo e carvo e o desmatamento das orestas tropicais, como a Amaznia); d) A isso poderia se somar mais 1,50 C como decorrncia dos processos de realimentao positivos no clima, resultantes do derretimento do gelo marinho, do permafrost (solo e subsolo permanentemente congelado) e da acidicao dos oceanos; e) Existem amplas evidncias de aquecimento antropognico do sistema climtico no aquecimento global observado nos ltimos 50 anos; f) A mudana climtica deve continuar por dcadas e talvez sculos, mesmo se as emisses de gases-estufa forem cortadas. O Brasil vulnervel s mudanas climticas atuais e mais ainda s que se projetam para o futuro, especialmente quanto aos extremos climticos. As reas mais vulnerveis compreendem a Amaznia e o Nordeste do Brasil, como mostrado em estudos recentes (Marengo, 2006; Ambrizzi et al., 2007; Marengo et al., 2007). Estas publicaes destacam os principais estudos de tendncias climticas observadas no clima do presente para Amrica do Sul e fazem tambm anlises dos cenrios climticos

futuros previstos pelos modelos do IPCC para os cenrios de altas e baixas emisses.

1. CLIMA DO PRESENTE: TENDNCIAS CLIMTICAS OBSERVADASOs mapas produzidos pelo IPCC AR4 (Figura 1) mostram para um perodo de 25 anos (1979-2005) a tendncia de aquecimento de at 1,10 C/dcada no Sudeste da Amrica do Sul, assim como a tendncia de aquecimento no Nordeste e Amaznia. Para as chuvas, observa-se a tendncia j detectada em estudos anteriores do IPCC (de aumento de at 30%/ dcada da chuva na Bacia do Prata, e em algumas reas isoladas do Nordeste. Para a Amaznia no aparece uma tendncia clara de aumento ou reduo nas chuvas, apresentando mais uma tendncia de variaes interdecadais contrastantes entre a Amaznia do Norte e do Sul (Marengo, 2006). Para o Brasil, a temperatura mdia aumentou aproximadamente 0,750 C at o nal do Sculo XX (considerando a mdia anual de 1961-90 de 24,90 C), e sendo 1998 o ano mais quente no Brasil (aumento de at 0,950 C em relao normal climatolgica de 24,90 C). Ao nvel regional, pode-se observar que para o perodo de 1951-2002, as temperaturas mnimas tm aumentado em todo o pas, mostrando um aumento expressivo de at 1,40 C por dcada, enquanto as temperaturas mximas e mdias tm aumentado em at 0,60 C e 0,4-0,60 C por dcada, respectivamente em quase todo o pas (Obregon e Marengo, 2007). O fato das tendncias positivas nas temperaturas mnimas anuais serem mais acentuadas do que as temperaturas mximas determinam as tendncias negativas na amplitude trmica do ciclo diurno de temperaturas (Tmax-Tmin). As tendncias de aquecimento so detectadas ao nvel anual e sazonal, com maiores aquecimentos no inverno e primavera. Em relao precipitao, as anlises observacionais no clima do presente no apontam para tendncia de reduo de chuvas na Amaznia (devido ao desmatamento). O que tem sido observado so variaes interdecadais de perodos relativamente

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Em relao a vazes dos rios, as tendncias de chuva observadas reetem bem as tendncias na precipitao, com uma clara tendncia de aumento nas vazes do Rio Paran e outros rios no B) A) sudeste da Amrica do Sul. Na Amaznia, Pantanal e Nordeste no foram observados tendncias sistemticas em longo prazo em direo a condies mais secas ou chuvosas, sendo mais importantes variaes interanuais e interdecadais, associadas variabilidade natural de clima na mesma escala temporal de variabilidade de fenmenos interdecadais dos Oceanos Pacco e Atlntico tropical. As anlises de vazes de rios na Amrica do Sul e no Brasil (Marengo, 2006) apontam Figura 1: Tendncias observadas de: a) Temperatura mdia anual (1979-2005), para aumentos entre 2-30% na expressa em 0 C/dcada, b) chuva (1979-2005), expressa em % , ambas em relao a Bacia do Rio Paran e nas regies 1961-90. Cores azul/vermelho indicam mais frio/mais quente e cores marrom/verde vizinhas no sudeste da Amrica do indicam mais seco/mais mido. Sul, consistente com as anlises Fonte: IPCC AR4 (2007). de tendncia de chuva na regio. No foram observadas tendncias importantes nas Na Amaznia, observam-se as tendncias vazes dos rios da Amaznia e da Bacia do Rio So positivas de chuva at +120 mm/dcada na maior Francisco. Na costa oeste do Peru, as tendncias de parte do Sul e Sudeste do Brasil, assim como alguns chuva positivas podem ser explicadas pelos valores postos pluviomtricos com tendncias negativas no extremamente altos de chuvas e vazes durante os Amazonas, na Bahia, em Minas Gerais e no Rio anos de El Nio de 1972, 1983, 1986 e 1998 que de Janeiro. Com respeito aos valores sazonais de afetam sensivelmente as tendncias. Algumas das precipitao, a tendncia de aumento de chuva no vazes no Brasil (Amaznia, Sul do Brasil, norte sul do Brasil consistente durante todo o ano, ainda do Nordeste) apresentam altas correlaes com os que esta tendncia seja mais acentuada nos meses de campos de anomalias de temperatura de superfcie do inverno, chegando at +40 mm/dcada e, em segundo mar nos Oceanos Pacco e Atlntico Tropical, o que lugar, durante o vero. Para o Nordeste, as chuvas sugere uma possvel associao entre vazes extremas e El Nio, ou um aquecimento no Oceano Atlntico no apresentam tendncias de chuva signicativas de Norte Tropical, como foi o caso, por exemplo, de aumento ou reduo, e na Amaznia as tendncias 1998 com redues nas vazes em Manaus e bidos de chuva tambm no so muito claras a nvel e nos nveis baixos do Rio Solimes durante a recente regional. O que pode se armar que estas regies seca de 2005 (Marengo, 2006). experimentam variaes interdecadais, com perodos

mais secos ou chuvosos no Brasil na Amaznia e Nordeste. Regionalmente, tem sido observado um aumento das chuvas no Sul e partes do Sul do Brasil, na Bacia do Paran - Prata, desde 1950, consistente com tendncias similares em outros pases do Sudeste da Amrica do Sul. No sudeste o total anual de precipitao parece no ter sofrido modicao perceptvel nos ltimos 50 anos.

de aproximadamente 25-30 anos, alternando pocas mais ou menos chuvosas (Marengo, 2006). Isto pode ser explicado pela variabilidade natural do clima na forma de variaes decadais nos Oceanos Pacco e Atlntico tropical.

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2. CLIMA DO FUTURO: PROJEES DO IPCC AT 2100A temperatura mdia do ar para o Brasil, em 2100 pode aumentar at 28,9oC para o cenrio de altas emisses A2 e at 26,3oC para o cenrio de baixas emisses B2, considerando a mdia de 1961-90 de 25,0oC. Isso corresponderia a um aquecimento de 3,8oC para o cenrio de altas emisses e de 1,3oC para o cenrio de baixas emisses, com base em uma mdia de seis modelos climticos globais do IPCC TAR (Marengo, 2006). As projees de mudana nos regimes e distribuio de chuva, derivadas dos modelos globais de IPCC AR4, para climas mais quentes no futuro no so conclusivas, e as incertezas ainda so grandes, pois dependem dos modelos e regies consideradas (Marengo, 2006). Na Amaznia e Nordeste, ainda que alguns modelos climticos globais do IPCCC AR4 apresentem redues drsticas de precipitaes, outros modelos apresentam aumento. A mdia de todos os modelos, por outro lado, indicativa de maior probabilidade de reduo de chuva em regies como Amaznia de leste e Nordeste como conseqncia do aquecimento global. A Figura 2 mostra redues de chuva no Norte e Nordeste

do Brasil durante os meses de inverno JJA o que pode comprometer a chuva na regio leste de Nordeste, que apresenta o pico da estao chuvosa nessa poca do ano. A gura corresponde a uma mdia dos modelos de IPCC AR4 para o Cenrio intermdio A1B (IPCC, 2007).

A)

Cenrio A1BCenrio A1B, (2080-99)-(1980-99) DJF

B)

Cenrio A1B, (2080-99)-(1980-99) JJA

Figure 2: Projees de anomalias de chuva para 2080-99 relativo a 1980-99 em (%), para: a) DJF, b) JJA. Cores azul/vermelho mostram anomalias negativas/positivas de chuva. Cenrio e A1B (Intermedirio). Fonte: IPCC (2007).

Figura 3: Projees de temperatura para os cenrios de baixas emisses A2 e baixas emisses A2 para 2080-99 relativo a 1980-99. Anomalias expressas em mm dia-1. Fonte: IPCC (2007).

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Em latitudes mais altas, a regio da Bacia do Prata apresenta projees de possveis aumentos na chuva e vazes at a segunda metade do Sculo XXI, de at 20% durante os meses de vero austral (DJF). Isto sugere que para esta regio o futuro apresentaria uma continuidade da variabilidade de chuvas e vazes observadas durante os ltimos 50 anos, o que talvez indique maior conana nestas projees para esta regio. As projees para temperatura do ar (Figura 3) so mais reveladoras, e a consistncia entre os modelos maior. No cenrio otimista B2 o aquecimento a nvel anual pode chegar ate 30 C no Brasil, em tanto que no cenrio pessimista A2 o aquecimento pode chegar ate 50 C na parte sul da Amaznia, e em todo o Brasil o aquecimento varia entre 30 C e 50 C, sendo mais intenso na regio tropical (IPCC, 2007). As projees de extremos segundo o IPCC AR4 sugerem para boa parte do Brasil aumentos na freqncia de extremos de chuva em todo o Brasil, principalmente na Amaznia do oeste, sul e sudeste do Brasil. Para o perodo de 2080-2099 em relao ao presente (1980-99), no cenrio A1B, os eventos extremos de chuva intensa mostram um aumento na freqncia e na contribuio de dias muito chuvosos na Amaznia oeste, enquanto na Amaznia de leste e no nordeste a tendncia de aumento na freqncia de dias secos consecutivos, o que tambm se observa para o norte do Sudeste. No restante do sudeste e na regio Sul do Brasil, assim como na Amaznia do Oeste as projees de clima para o futuro mostram um aumento na precipitao intensa, o que tambm tem sido observado nos ltimos 50 anos. Em relao a temperaturas, quase todo o Pas est sujeito a

aumento na freqncia de ondas de calor e de noites quentes, especialmente nas regies Sudeste e Sul do Brasil. As projees de extremos climticos derivados dos modelos do IPCC AR4 aparecem em Marengo (2006).

3. DISCUSSES E RECOMENDAESO estudo das mudanas climticas globais deve ser analisado de forma interdisciplinar em funo da prpria natureza do sistema climtico. A integrao destes estudos se faz necessria a m de que se possam desenhar estratgias, tanto de mitigao quanto de adaptao, ecazes para enfrentar mudanas adversas do clima. A questo de vulnerabilidade e adaptao deve ser tratada de maneira pragmtica, inclusive com o desenvolvimento de modelos que levem em conta as necessidades dos pases em desenvolvimento. Nesse esforo, crucial a participao de tcnicos e cientistas, bem como o fortalecimento das instituies dos pases em desenvolvimento. A experincia brasileira nesse domnio mostra a necessidade de se ajustar os mtodos aplicveis aos cenrios de mudana do clima resultantes de modelos globais para projees de escopo regional ou local. Esse ajuste seria til para estudos sobre os impactos da mudana do clima em reas como gerenciamento de recursos hdricos, ecossistemas, atividades agrcolas e mesmo a propagao de doenas. A maior resoluo obtida em modelos de escopo regional ou local concorreria para uma previso realista de alteraes extremas e a uma melhoria substancial da avaliao da vulnerabilidade dos pases mudana do clima e de sua capacidade de adaptao.

4. REFERNCIAS BIBLIOGRFICASAmbrizzi, T., Rocha, R., Marengo J, A. I. Pisnitchenko, L. Alves, Fernandez, J. P. 2007: Cenrios regionalizados de clima no Brasil para o Sculo XXI: Projees de clima usando trs modelos regionais. Relatrio 3. MINISTRIO DO MEIO AMBIENTE - MMA, SECRETARIA DE BIODIVERSIDADE E FLORESTAS SBF, DIRETORIA DE CONSERVAO DA BIODIVERSIDADE DCBio Mudanas Climticas Globais e Efeitos sobre a Biodiversidade - Sub projeto: Caracterizao do clima atual e definio das alteraes climticas para o territrio brasileiro ao longo do Sculo XXI. Braslia, Fevereiro 2007.

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Marengo, J, A. 2006: Mudanas climticas globais e seus efeits sobre a biodiversidade - Caracterizao do clima atual e denio das alteraes climticas para o territrio brasileiro ao longo do Sculo XXI. Ministrio do Meio Ambiente MMA,Braslia., Brasil, 212 p.: il. color ; 21 cm. (Srie Biodiversidade, v. 26) ISBN 85-7738-038-6 Marengo, J. A., Alves, L., Valverde, M., Rocha, R., Laborbe, R, 2007: Eventos extremos em cenrios regionalizados de clima no Brasil e Amrica do Sul para o Sculo XXI: Projees de clima futuro usando trs modelos regionais. Relatrio 5, MINISTRIO DO MEIO AMBIENTE - MMA, SECRETARIA DE BIODIVERSIDADE E FLORESTAS SBF, DIRETORIA DE CONSERVAO DA BIODIVERSIDADE DCBio Mudanas Climticas Globais e Efeitos sobre a Biodiversidade - Sub projeto: Caracterizao do clima atual e denio das alteraes climticas para o territrio brasileiro ao longo do Sculo XXI. Braslia, Fevereiro 2007 Intergovernmental Panel on Climate Change IPCC. Climate Change 2001: The Scientic BasisContribution of Working Group 1 to the IPCC.

Third Assessment Report. Cambridge Univ. Press. 2001 a. Intergovernmental Panel on Climate Change IPCC. Climate Change 2001: Impacts, Adaptation and Vulnerability - Contribution of Working Group 2 to the IPCC. Third Assessment Report. Cambridge Univ. Press. 2001 b. Intergovernmental Panel on Climate Change IPCC. Climate Change 2001: The Scientic Basis - Summary for Policymakers and Technical Summary of the Working Group I Report. Cambridge Univ. Press. 2001 c. 98 p. Intergovernmental Panel on Climate Change IPCC. Climate Change 2001: Impacts, Adaptation and Vulnerability - Summary for Policymakers and Technical Summary of the Working Group II Report. Cambridge Univ. Press. 2001 d, 86 pp. Intergovernmental Panel on Climate Change - IPCC. Climate Change 2007: The Physical Science Basis, Summary for Policy Makers. IPCC, Genebra, 2007.

AGRADECIMENTOSEste documento derivado principalmente do resultado do projeto Caracterizao do clima atual e definio das alteraes climticas para o territrio brasileiro ao longo do sculo XXI, apoiado pelo Projeto de Conservao e Utilizao Sustentvel da Diversidade Biolgica Brasileira P ROBIO , C om o apoio do MMA/BIRD/ GEF/CNPq e pelo Global Opportunity FundGOF do Reino Unido, atravs do Projeto Using Regional Climate Change Scenarios for Studies on Vulnerability and Adaptation in Brazil and South America.

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PROJEES DO CLIMA DA AMRICA DO SUL SEGUNDO O CENRIO B1 DO IPCC ADOTANDO UM MODELO ACOPLADO OCEANO-ATMOSFERAVEGETAO-GELO MARINHOFlvio Justino, Marcelo Cid de Amorim Universidade Federal de Viosa, Departamento de Engenharia Agrcola, Av. P.H. Rolfs, S/N, Viosa, MG CEP 36570-000, Fone: (31) 3899-1870 FAX (31) 3891-2745. E-mails: [email protected], [email protected]

RESUMOA caracterizao do clima a partir das previses numricas inteiramente dependente das condies forantes fornecidas aos modelos. Vrias destas forantes (cenrios climticos) foram estabelecidas pelo Painel Intergovernamental sobre as Mudanas Climticas (IPCC). Neste estudo foram analisadas simulaes climticas acopladas a partir do cenrio B1 do IPCC. Se comparado mdia entre 1970 e 2000, os resultados apresentados mostram que a temperatura mdia anual na Amrica do Sul para o perodo de 2070 a 2100 apresenta um padro espacial varivel, no qual a regio central da Amrica do Sul e a regio Amaznica apresentam anomalias de temperatura em torno de 1 K e 0,6 K, respectivamente. Os resultados mostram ainda que a partir de 1880 na Amrica do Sul, existe uma pequena diminuio na rea coberta por orestas passando estas reas a uma predominncia de gramneas. Esta mudana na vegetao se extende at o ano de 2100. Palavras-chave: Mudanas Climticas, IPCC, Amrica do Sul, Modelagem Climtica.

ABSTRACTEarths climate based upon modeling simulations are tightly linked to the set up of boundary and initial conditions. Several driving forcings have been established by the Intergovernmental Panel on Climate Change (IPPC). In this study, coupled climate simulations carried out with the B1 scenario of the IPCC are analyzed. Compared with mean conditions averaged between 1970 and 2000, these results show that the annual mean surface temperature in South America for the period from 2070 to 2100 exhibits different spatial patterns. In the sense that the central region of the South America and the Amazon region, show temperature anomalies of up to 1 K e 0.6 K, respectively. The results indicate, furthermore, that accompanying the Industrial Revolution (ca.1880), there exist a small reduction in the area covered by forests in South America which is followed by a predominance of grass. This change in the vegetation patterns do not cease until the year 2100. Key words:Climate Changes, IPCC, South America, Climate Modeling.

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1. INTRODUOH tempos os povos tm percebido a estreita relao entre o homem e o clima devido a inuncia de variaes climticas no bem-estar social. Acreditase que o desaparecimento da civilizao dos Maias, que ocorreu a cerca de 800 anos, est associado a variaes bruscas de precipitao em escalas de dcadas (Haug et al., 2001). Especula-se tambm que o aumento e a reduo da populao nas regies montanhosas ao longo da Cordilheira dos Andes no Peru e Equador esto associadas a perodos secos e midos (Thompson e co-autores, 1995). O interesse em mudanas climticas abruptas e graduais surge, ento, com a deteco a partir de testemunhos de gelo que variaes acentuadas na temperatura e precipitao foram marcantes no passado (Lowell et al., 1995). Nas ltimas dcadas, o interesse pelos estudos das mudanas climticas tm crescido substancialmente, sobretudo devido associao de tais impactos na atividade humana. Os eventos climticos extremos vm recebendo total ateno da sociedade devido s perdas de vida humana, bem como, ao aumento exponencial crescente dos custos associados a estes eventos (Karl e Easterling, 1999). Por exemplo, enchentes e desmoronamentos associados ao furaco Mitch, em 1998, resultaram em mais de 10.000 mortes na Amrica Central. Em 1995, as perdas econmicas nos Estados Unidos, devido aos furaces, foram oradas em mais de cinco bilhes de dlares (Pielke e Landsea, 1998). Todavia, estes prejuzos no so caractersticas nicas do Hemisfrio Norte (HN). Em 2004, o litoral de Santa Catarina foi seriamente afetado pela presena do furaco Catarina (Pezza e Simmonds, 2004), causando prejuzos materiais e ceifando vidas humanas. Recentemente com a liberao do sumrio do Painel Inter-governamental de Mudanas Climticas (do ingls, Intergovernamental Panel on Climate Change - IPCC), torna-se evidente a necessidade de estudos visando o melhor entendimento das implicaes do aumento dos gases de efeito estufa para o clima da terra. Embora exista um consenso considervel com respeito s projees climticas provenientes dos modelos numricos, pouco se vem discutindo sobre os cenrios econmicos (B1, A1T, B2, A1B e A2) que servem como condies iniciais e forantes para estruturar as projees do clima. Como estes cenrios estabelecem diferentes padres no consumo de materiais fsseis, como combustveis, para o perodo compreendido entre 1990 e 2100, faz-se necessrio que nossas anlises e discusses tambm tomem como premissa fundamental o cenrio econmico utilizado como condio inicial e forante. Por exemplo, projees da temperatura mdia global para 2100 baseada no cenrio B1, 2 K menor que as projees feitas se escolhido o cenrio A2, um cenrio mais pessimista (IPCC, 2007). Notese que as diferenas na escala regional podem ser ainda mais signicativas. No Brasil, a maior parte das projees do clima futuro, tm como base o desenvolvimento econmico mais catastrco, os cenrios da famlia A. Diante do exposto, o objetivo deste estudo investigar as pr