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Propriedade Intelectual , Inovação e Desenvolvimento : desafios para o Brasil Antônio Márcio Buainain Roney Fraga Souza

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Propriedade Intelectual, Inovao e

Desenvolvimento: desafios para o Brasil

Antnio Mrcio Buainain Roney Fraga Souza

Propriedade Intelectual, Inovao e

Desenvolvimento: desafios para o Brasil

Copyright 2018 ABPI Associao Brasileira da Propriedade IntelectualQualquer parte desta obra poder ser reproduzida desde que citada a fonte.

Coordenao: Luiz Edgard Montaury Pimenta

Edio e Reviso de Texto: Rubeny Goulart

Gerente Executiva: Erika Diniz

So PauloAl. dos Maracatins, 1217 6o andar, cj. 608 04089-014 So Paulo SPTel.: (11) 5041-892

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B917 Buainain, Antnio Mrcio Propriedade intelectual, inovao e desenvolvimento: desafios para o Brasil / Antnio Mrcio Buainain, Roney Fraga Souza - Rio de Janeiro : ABPI; 2018. 110 p. : il. ; tab.1. 1.Desenvolvimento econmico. 2. Cincia e tecnologia. 3. Inovaes tecnolgicas. I. Vieira, Adriana Carvalho Pinto. II. Bueno, Carolina da Silveira. III. Ferrari, Vinicius Eduardo. IV Sabino, Winicius. V. Ttulo CCD 338.9 CDU 338

Antnio Mrcio Buainain Roney Fraga Souza

Adriana Carvalho Pinto Vieira Carolina da Silveira Bueno Vinicius Eduardo Ferrari Winicius Sabino

Rio de Janeiro | Agosto 2018

Propriedade Intelectual, Inovao e

Desenvolvimento: desafios para o Brasil

PresidenteLuiz Edgard Montaury Pimenta

1o Vice-presidenteGabriel Francisco Leonardos

2o Vice-PresidentePeter Eduardo Siemsen

Diretor EditorMrcio Merkl

Diretor RelatorBenny Spiewak

Diretor SecretrioValdir de Oliveira Rocha Filho

Diretor ProcuradorTatiana Campello Lopes

Diretor TesoureiroRodrigo A. de Ouro Preto Santos

Representantes SeccionaisAlexandre Mller B. Viveiros (DF)Roner Guerra Fabris (RS)Smia Batista Amin (MG)Carlos Andr Ricci (BA)Fbio Luix Barbosa Pereira (SP)Maria Inez Arajo de Abreu (PR)Gustavo Henrique Eirado de Escobar (PE)

Gerente ExecutivaErika Diniz

Coordenador de Comunicao SocialRubeny Goulart

Conselho DiretorAlberto GuerraAndr Luiz Flesch Bretanha JorgeAntonella CarminattiAntnio Carlos Siqueira da SilvaAntnio de Figueiredo Murta FilhoAntnio Ferro RicciCelino Bento de SouzaCludio Lins de VasconcelosDouglas de Almeida ReisElisabeth Siemsen do AmaralEneida Elias BerbareFilipe Fonteles CabralHelio Fabbri JniorJacques LabrunieLuis Fernando Matos JuniorMarcos Chucralla BlasiMaria Cristina M. CortezMario Augusto Soerensen Garcia

Paulo Parente Marques MendesPhilippe Martins BheringRafael Lacaz Amaral Rana GosainRicardo Cardoso Costa BoclinRicardo Fonseca de Pinho Rodrigo Azevedo Pereira Rodrigo S. Bonan de Aguiar

Membros Natos e Vitalcios Alberto Luiz Camelier da SilvaGert Egon DannemannGustavo Starling LeonardosElisabeth E. G. Kasznar FeketeHerlon Monteiro Fontes Jorge Raimundo FilhoJos Antnio B. L. Faria CorreaJos Carlos Tinoco SoaresJos Roberto DAfonsseca GusmoJuliana L. B. ViegasLilian de Melo SilveiraLuiz Antonio Ricco NunesLuiz Henrique O. do AmaralLuiz LeonardosManoel Joaquim P. dos SantosMaria Carmem de Souza BritoPeter Dirk SiemsenRicardo P. Viera de Mello

Coordenadores das Comisses de Estudo

BiotecnologiaGabriela Neves SalernoVivianeYumy KunisawaPriscila Thereza de B. YamashitaAlex Goncalves de A. Magellan

CultivaresAlice Rayol Ramos Sandes Priscila Mayumi KashiwabaraTamara Ciprani de Oliveira

Desenho IndustrialAndr Luiz Souza AlvarezJuliano Ryota MurakamiCristiane Ruiz Vianna

Direitos de Propriedade Intelectual em Matria de Esporte

Fernanda MagalhesJoo Marcos GebaraRegina Sampaio

Direitos Autorais e da PersonalidadeAna Erika Marotta MarquesYgor ValrioPaula Mena Barreto

Direitos da ConcorrnciaFelipe Barros OquendoJos Mauro Decoussau MachadoJlia Davet Pazos

Direito Internacional da Propriedade Intelectual

Roberta Arantes LopesAline Ferreira de Carvalho da SilvaJssica de Barros Souza Tebar

Indicaes GeogrficasDaniel Adensohn de SouzaLetcia Provedel

MarcasRafael Atab de ArajoAlexandre Fragoso MachadoDiana Marques Vieira de Mello

PatentesAna Cristina Almeida MullerAna Cludia Mamede CarneiroJos Eduardo Filgueiras

Represso s Infraes Pedro Frankosvki BarrosoIgor Donato de Arajo

Software, Informtica e InternetDirceu Santa Rosa Cludio Roberto BarbosaGustavo Heitor Piva de Andrade

Soluo de ControvrsiasMarcela Trigo de SouzaFbio Luiz Barboza Pereira

Transferncia de Tecnologia e FranquiasCndida Ribeiro Caff Flvia Rebello PereiraLuiz Ricardo Marinello

Gesto 2018-2019

Autores

Antnio Mrcio Buainain

Professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador snior do Instituto Nacional de Cincia e Tecnologia em Polticas Pblicas, Estratgia e Desenvolvimento (INCT/PPED) e do Ncleo de Economia Agrcola e do Meio Ambiente do Instituto de Economia da Unicamp (NEA/IE/Unicamp).

Roney Fraga Souza

Professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal de Mato Grosso FE/UFMT.

Adriana Carvalho Pinto Vieira

Pesquisadora Colaboradora do INCT/PPED, Ps-doutoranda Unesp/Tup.

Carolina da Silveira Bueno

Pesquisadora do Ncleo de Economia Agrcola e do Meio Ambiente do Instituto de Economia da Unicamp, doutoranda em Desenvolvimento Econmico (IE/Unicamp).

Vinicius Eduardo Ferrari

Professor Doutor e pesquisador do Centro de Economia e Administrao (CEA) da Pontifcia Universidade Catlica de Campinas.

Winicius Sabino

Estudante da graduao, Faculdade Economia, UFMT.

Este estudo foi elaborado para a Associao Brasileira da Propriedade Intelectual ABPI, sendo de inteira responsabilidade de seus autores e no, necessariamente, expressa as opinies da ABPI.

ndice

9 Sumrio executivo

17 1 Situao atual, cenrios e desafios da economia e sociedade brasileira: a inovao como eixo da roda

29 2 Propriedade Intelectual, inovao e desenvolvimento: superando as controvrsias

49 3 Inovao no Brasil: acumulando atrasos

61 4 Propriedade Intelectual no Brasil

89 5 Inovao na agricultura e proteo de cultivares

97 6 Indicaes geogrficas para um mundo globalizado

103 Consideraes finais

107 Bibliografia

Sumrio executivo

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Smario executivo

TRANSFORMAES RECENTES. A economia e sociedade brasileiras se transformaram profundamente nas ltimas dcadas, registrando muitas conquistas relevantes nos planos econmico, social e poltico. No entanto, per-sistem heranas e marcas indesejveis, incluindo a desi-gualdade e pobreza na qual ainda vive quase 20% da populao brasileira.

BAIXO CRESCIMENTO E FRUSTRAO DAS EXPECTATIVAS DE BEM-ESTAR. No perodo mais recente o Brasil vem man-tendo baixa taxa de crescimento, frustrando as expec-tativas de bem-estar da maioria da populao e se atra-sando tanto em relao aos pases j desenvolvidos como ao pases de renda mdia que h 25 anos se encontravam em posio semelhante a nossa. E desde 2015 o pas vem atravessando a mais grave crise econmica de sua hist-ria, que j deixou quase 14 milhes de desempregados e outros 14 milhes subocupados e em desalento. Em um arco de poucos anos o pas transitou de um cenrio que poderia ser descrito como cu de brigadeiro para uma tempestade perfeita, na qual um conjunto de fatores de natureza econmica, poltica e institucional conver-giram para criar o quadro negativo que marca a conjun-tura brasileira em 2018.

DESAFIO IMEDIATO: SUPERAR A CRISE, RETOMAR O CRESCI-MENTO DO PIB E DA PRODUTIVIDADE, que nos ltimos 25 anos cresceu pouco e bem abaixo da mdia mundial, comprometendo a competitividade da indstria e a pos-sibilidade de manter um desenvolvimento sustentvel e compatvel com a progressiva ateno s demandas de bem-estar da populao e correo das inaceitveis dis-tores distributivas.

AGENDA DE REFORMAS. Para crescer e se desenvolver imperativo realizar reformas abrangentes, nos ambientes econmico, poltico e institucional. preciso, de um lado, recuperar o Estado brasileiro, em particular sua capacidade de investimento e de prestao de bens e servios pblicos indispensveis ao desenvolvimento, e de outro, criar um ambiente adequado para estimu-lar o setor privado a assumir o papel de locomotiva das transformaes e do crescimento. Pode-se discordar de como fazer, da intensidade e ou da temporalidade das reformas, mas h pouca discordncia quanto necessidade de realizar as reformas seguintes: (i) tri-butria e fiscal, visando tanto dar estabilidade ao finan-ciamento do setor pblico como promover a distribui-o de renda e equidade social; (ii) previdncia social, visando desonerar o Estado, corrigir as distores distri-butivas do atual modelo, que na prtica retira benefcios dos menos favorecidos para d-los aos que menos neces-sitam, e assegurar a solvncia de longo prazo do prprio sistema de previdncia; (iii) trabalhista, para moderni-zar as regras que pautam as relaes sociais de trabalho, sem desproteger a populao trabalhadora das falhas e assimetrias presentes no mercado, e contribuir para pro-mover o empreendedorismo, uma das caractersticas da economia na era digital; (iv) comercial, para aprofun-dar a integrao do Brasil, notadamente da indstria, economia mundial, internalizar inovaes e promover a competitividade e competncia do setor produtivo domstico para aproveitar as oportunidades presentes no mercado internacional; (v) microeconmicas e institu-cionais, visando principalmente melhorar o ambiente de negcios, os incentivos ao setor privado, incluindo desde o empreendedor individual at as grandes empresas;

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PROPRIEDADE INTELECTUAL, INOVAO E DESENVOLVIMENTO: DESAFIOS PARA O BRASIL

(vi) educacional, visando universalizar o ensino mdio, melhorar a qualidade da educao brasileira em geral e qualificar os jovens para a revoluo digital que j uma realidade.

CENTRALIDADE DA INOVAO PARA O DESENVOLVIMENTO. Promover o crescimento sustentvel da economia, melhorando a qualidade de vida e a distribuio de renda dos brasileiros, hoje, amanh e no futuro mais longnquo, resume o grande desafio que a sociedade brasileira no pode mais adiar, sob pena de ruir sob o peso de crises, conflitos sociais, desesperana e violncia. No h um nico caminho para o futuro, mas certo que no existe crescimento sustentvel sem investi-mento, aumento de produtividade e inovao. E que, de fato, a inovao a principal chave para abrir as portas para o desenvolvimento sustentvel.

A RELEVNCIA DA AGENDA DA INOVAO E O GAP ENTRE AS INTENES E A REALIDADE. A importncia e o protagonismo da inovao foram incorporados s polticas pblicas brasileiras, que dotaram o pas de um arcabouo institu-cional e instrumental comparvel ao existente nos pases mais avanados. Apesar dos esforos dos setores pblico e privado, a anlise da realidade revela que a inovao est longe de permear a economia brasileira: pouco mais de 47 mil empresas registraram atividades inovativas no perodo 2010-2014. A taxa de inovao no Brasil baixa: 35,7% no perodo 2012-2014 para os setores indstria, eletrici-dade e gs e servios selecionados, praticamente a mesma registrada em 2009-2011 (Pintec 2014, IBGE, 2016). A comparao internacional revela que o gap de inovao em relao aos pases mais desenvol- vidos e a vrios pases em desenvolvimento est aumentando.

PERFIL DA INOVAO ENTRE AS EMPRESAS BRASILEIRAS. O conjunto das informaes disponveis indica que as empresas brasileiras inovam mais em resposta a res-tries pontuais nos processos produtivos do que em funo de atitudes mais ativas para conquistar mercados e vantagens pela diferenciao de produtos. So muito

baixas as taxas de inovao de produto e processo que so novos para o mercado nacional, e baixssi-mas insignificantes, pode-se dizer as taxas que representam novidades para o mercado mundial. As principais fontes de inovao so as aquisies de equipamentos e de tecnologia, e as atividades de P&D, em que pesem os incentivos concedidos pelas polticas pblicas, mantm-se como secundrias.

O BRASIL NA LANTERNA DO RANKING GLOBAL DE INOVAO. O Brasil se mantm na lanterna no ranking global de inovao e aparece como o 69 no ndice Global de Ino-vao, produzido pela Universidade de Cornell, Insead e Organizao Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI). Mesmo dentre os 18 pases latinoamericanos o Brasil aparece na 7 posio, muitas posies atrs do Chile (46 no Global), lder regional, Costa Rica, Mxico, Panam, Colmbia e Uruguai. Mais grave ainda, o Pas vem caindo no ranking: em 2011 ocupava a 47 posio e caiu para a 69 em 2016 e 2017. Tambm preocupa que, sendo a 8 economia do mundo, nenhuma empresa brasileira aparea na edio de 2018 no ranking das 50 Empresas mais inovadoras, desenvolvido pelo The Boston Consulting Group (BCG).

HERANAS DE UM MODELO SUPERADO E DE DESEQUILBRIOS MACROECONMICOS. O baixo crescimento da economia e a baixa taxa de inovao so resultados de um con-junto de fatores, cuja anlise est alm do escopo deste documento. Pode-se apontar, de um lado, as heranas de um modelo de economia fechada, com elevada pro-teo indstria, que formou um empresariado habi-lidoso para enfrentar crises e sobreviver no ambiente de incerteza e instabilidade monetria e institucio-nal que marcou a trajetria do pas, mas avesso ao risco inerente inovao. No sofrendo as presses mais fortes da concorrncia, foi possvel acomodar-se na posio pragmtica de no correr os riscos da inovao, e quando necessrio optar pela modernizao via aquisi-o de mquinas e equipamentos, treinamento de pessoal e consultorias tcnicas. De outro lado, em que pese o controle da inflao a partir do Plano Real, o ambiente

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econmico tem sido desfavorvel inovao, seja em funo de taxas de juros e custos sistmicos ele-vadssimos, seja pela instabilidade macroeconmica, que tem se traduzido em fortes flutuaes da taxa de cmbio, e em uma imprevisibilidade que refora a atitude defensiva dos empresrios e restringe os incentivos para inovar e para ocupar posies de pioneirismo.

INSTABILIDADE INSTITUCIONAL. O pas vive um quadro de aparente estabilidade institucional, mas de fato o perodo recente tem sido marcado por instabili-dades que comprometem o ambiente de negcios. suficiente indicar as mudanas nos marcos regulat-rios de atividades importantes, ou as mudanas ad hoc na conduo das polticas setoriais, redefinindo incenti-vos e parmetros que incidem sobre as decises de inves-timento. De outro lado, preciso questionar em que medida as instituies, ainda que estveis, so adequadas e favorecem a inovao. No Brasil, em muitos casos rele-vantes, a inadequao a regra, e apesar das mudanas visando modernizar a legislao (Lei da Inovao, Marco Legal de CT&I, por exemplo), muitos obstculos conti-nuam vigentes e criando dificuldades para o funciona-mento do sistema de inovao. Neste mesmo contexto se inserem as inadequaes do sistema de proprie-dade intelectual. A legislao de base carece de atua- lizao e o principal rgo responsvel pela proprie-dade industrial, o INPI, carece de fortalecimento institucional, tcnico e humano.

O CUSTO BRASIL UM DOS PRINCIPAIS INIBIDORES DOS INVESTIMENTOS EM INOVAO. O Brasil tem sido campeo das taxas de juros e a burocracia, o custo elevado para importar, a complexidade do sistema tributrio, a infra-estrutura insuficiente em muitas reas e at a insegurana geral nas grandes cidades e hoje tambm no campo so fatores que restringem iniciativas de inovao. O prprio Global Innovation Index aponta a baixa qua-lidade do ensino, medido pelo ranking do PISA; as difi-culdades enfrentadas para estabelecer cooperao fluda entre as instituies de cincia e tecnologia (ICT) e

empresas; o dficit de graduados em cincias e engenha-ria; o baixo nvel de investimento; as tarifas de importa-o; o sistema tributrio e a burocracia para iniciar um novo negcio, como alguns dos fatores que explicam a 69 posio ocupada pelo Brasil no ndice global.

POLTICAS DE CT&I INSUFICIENTES PARA PROMOVER A INOVAO. Neste contexto de restries e inadequaes, as polticas pblicas tm sido insuficientes para pro-mover mudanas e transformar a inovao em fora motriz da economia brasileira. Os dispndios pbli-cos so claramente insuficientes e tm oscilado, com-prometendo a eficcia das polticas que so adotadas; e igualmente, os dispndios privados tampouco cresceram como se esperava e seria necessrio para catapultar o pas ao grupo de naes inovadoras. O resultado que em 2015 o gasto total de inovao foi de 1,28% do PIB, o percentual mximo alcanado pela srie, e que corres-ponde a aproximadamente 50% da alocao em pases que ocupam a liderana.

TENSES ENTRE PROPRIEDADE INTELECTUAL E INOVAO. A relao positiva e virtuosa entre a propriedade inte-lectual e inovao sempre foi um dos principais argu-mentos para justificar a prpria existncia da proteo concedida aos resultados da criatividade, inventividade e engenho humano. Embora a propriedade intelectual seja aceita em todo o mundo, essa relao nunca deixou de ser objeto de intensas polmicas entre os que a defen-dem e os que negam o papel positivo da propriedade intelectual na promoo da inovao. Independente das polmicas, a propriedade intelectual define a proprie-dade dos ativos que assumem importncia crescente como forma de riqueza na sociedade de hoje, e que so estratgicos para a organizao e controle da produo social e para o desenvolvimento em geral. E por isso a propriedade intelectual importante e tambm estratgica. Mas as polmicas no podem ser ignoradas e sugerem a necessidade de buscar maior equilbrio entre a proteo e os incentivos inovao, assim como entre os interesses privados e o bem-estar social que resulta da boa aplicao e uso

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PROPRIEDADE INTELECTUAL, INOVAO E DESENVOLVIMENTO: DESAFIOS PARA O BRASIL

da propriedade intelectual, e maior efetividade e efi-ccia do sistema de proteo hoje vigente.

MARCO INSTITUCIONAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL. A partir do incio dos anos 90 a legislao brasileira de propriedade intelectual passou a sofrer mudanas, levando em conta, de um lado, as exigncias de ade-quao do marco legal nacional s regras definidas no Acordo Trips, e de outro a prpria insero do pas no processo de globalizao, que exigia a criao e reforma dos mecanismos de incentivos competitividade para fazer frente concorrncia internacional. Apesar do aprimoramento do marco legal, a quase ilimitada criatividade humana associada velocidade da evo-luo dos intangveis passveis de proteo reintro-duzem lacunas e imprecises no sistema de proteo, que realimentam os debates e conflitos em torno da propriedade intelectual, e indicam a necessidade de novos ajustes para responder realidade da econo-mia e sociedade digital.

EXPLOSO DE PEDIDOS DE PATENTES DE INVENO NO MUNDO: ABRE-SE O GAP ENTRE E O BRASIL E O RESTO DO MUNDO. Segundo a Organizao Mundial de Proprie- dade Intelectual (OMPI), o nmero de pedidos de paten-tes inveno mais do que dobrou entre 2000 a 2016, passando de 1,4 milhes para 3,1 milhes de pedidos. O mesmo ocorreu no Brasil, quando se toma o ano de 1996 como referncia; mas entre 2000 e 2017 os pedidos subiram de 20.776 para 28.256, bem inferior ao ritmo registrado no mundo. No final da dcada de 70 o nmero de patentes de inveno depositado no escri-trio americano USPTO, com origem no Brasil, foi quase trs vezes superior aos originrios da Coreia do Sul. A liderana se manteve at meados da dcada de 80, mas a partir de 1985 a Coreia deu um salto frente e depositou 50 patentes contra 30 do Brasil. Em 1990 a diferena j era de 10 vezes, e em 1999 a Coreia depositou 37,5 vezes mais patentes que o Brasil (3.679 e 98, respectivamente) (Livro Verde de Cincia, Tecnologia e Inovao. Debate Necessrio: desafio para a sociedade, Braslia, MCT, 2001). Em 2013 esta dife-

rena foi ainda maior, a Coreia depositou 43,5 vezes mais patentes que o Brasil (33.499 e 769, respectiva-mente). As propores no mudam quando se conside-ram as patentes concedidas: em 1995 o USPTO conce-deu 63 patentes de origem do Brasil e 1.161 da Coreia, e em 2014 foram 334 e 16.469, respectivamente, uma diferena de 49,3 vezes. A comparao com a China, que no incio dos anos 80 sequer reconhecia a proteo da PI, revela um atraso ainda mais acentuado do Brasil. Estas trajetrias refletem investimentos na promoo da ino-vao e no sistema de proteo da propriedade intelec-tual, usado amplamente na China e na Coreia, pelo setor privado e pblico, para orientar as polticas de C&T e os investimentos em P&D.

ESTRANGEIROS NA LIDERANA. O crescimento dos dep- sitos de patentes de no-residentes, que represen-tam 81,5% do total, revela a importncia atribuda ao mercado brasileiro pelas empresas multinacionais. Con-siderando apenas o ano de 2017, destaca-se a presena da China entre os 10 pases com maior nmero de pedidos, mas no acumulado de 2000-2017 o ranking liderado pelos Estados Unidos, Alemanha, Japo, Frana e Sua, e a China aparece na 11 posio.

CONCENTRAO DA CAPACIDADE DE INOVAO. Em 2017, os estados de So Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paran e Rio Grande do Sul foram responsveis por 70% do total de pedidos, e as cidades de So Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba e Campinas por 31,2%. Apesar desta elevada concentrao, possvel identificar a emergncia e a consolidao de novos polos, em Santa Catarina, Paraba, Cear, Pernam-buco e Gois, com pedidos oriundos tanto da inds-tria como de instituies de pesquisa.

ELEVADA PARTICIPAO DE PESSOAS FSICAS NOS PEDIDOS DE PATENTES. Nos pases que esto na fronteira da ino-vao as empresas lideram os pedidos de patentes, a despeito do papel relevante das instituies de pesquisa nos sistemas nacionais de inovao. No Brasil, entre os residentes, as pessoas fsicas respondem por quase a metade

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dos pedidos de patentes e at 2011 respondiam por mais da metade. Como o pas no conta com ecossiste- mas de inovao desenvolvidos, em particular com redes de suporte tcnico e de financiadores, indis-pensveis para transformar as invenes de pessoas fsicas e mesmo de empresas em inovaes, tudo indica que os elos e fluxos entre a propriedade inte-lectual e a inovao so dbeis.

INSTITUIES DE PESQUISA NA LIDERANA. No Brasil, as instituies de pesquisa lideram os depsitos de paten-tes dos residentes. Em 2017, dentre os 10 principais depositantes, aparecia apenas 1 empresa, a CNH Indus-trial do Brasil. No topo da lista aparecia a Unicamp, com 77 depsitos, seguida pelas universidades fede-rais de Campina Grande, Minas Gerais, Paraba e pela USP. Este protagonismo das instituies de pesquisa reflete um trao estrutural do Sistema Nacional de Inovao no Brasil, onde poucas empresas constitu-ram capacitao endgena de P&D e por isto sempre recorreram a fontes externas para apoiar o esforo inovativo. Tambm reflete o esforo de conscientizao das universidades e das instituies de pesquisa sobre a importncia da gesto da propriedade intelectual, esti-mulada pelo CNPq, Finep, pelas fundaes estaduais de apoio cincia e tecnologia e por movimentos como o Fortec Frum Nacional de Gestores de Inovao e Transferncia de Tecnologia. Este movimento se mate-rializou na criao dos ncleos de inovao tecnolgica (NIT) e em agencias de inovao vinculadas s insti-tuies de pesquisa brasileiras, cujos frutos comeam a aparecer. Mesmo levando em conta estas especificidades do SNI, no deixa de ser uma certa anomalia este protagonismo das universidades e instituies de pesquisa, que revela tanto os estmulos que tm mobili-zado os pesquisadores como o nanismo das empresas em relao inovao.

O PERFIL DO PESQUISADOR PATENTEADOR. Busca feita pelos autores na base Lattes identificou, entre mais de 4 milhes de currculos, 15.607 pesquisadores com depsi-tos de patentes e ou titulares de patentes, os quais foram

responsveis pelo depsito de 27.837 patentes e tiveram 10.552 patentes concedidas. Estes pesquisadores esto longe do esteretipo que contrape cientistas com perfil acadmico aos pesquisadores com perfil mais pragm-tico, que estariam mais prximos do mercado, inte-ressados em inovar e patentear. Na verdade, os resul-tados da pesquisa revelam que os pesquisadores mais acadmicos so justamente os que mais depositam patentes, e que no h um trade off entre publicar e gerar patentes. Tambm confirmou os resultados da Pintec, de que as empresas mantm poucos pesquisa-dores em atividades diretas de P&D, a despeito dos incentivos para sua contratao. Finalmente, revelou que os campos tecnolgicos das patentes concedidas a pesquisadores refletem a estrutura da economia brasi-leira, mas apontam tambm para a nova economia que est emergindo.

PATENTES E INOVAO NA INDSTRIA DO PASSADO. A anlise dos principais campos tecnolgicos das paten-tes registradas indica que o esforo de inovao est mais voltado para o que hoje muitos j consideram a velha economia. O nmero de pedidos de residentes parece refletir tanto as prioridades das polticas pblicas e estrutura produtiva do pas ambas desfasadas em relao ao que ocorre no mundo, como a capacidade cientfica acumulada nas instituies de pesquisa que opera mais perto da fronteira do conhecimento.

O BRASIL NO RADAR DAS EMPRESAS MAIS INOVADORAS DO MUNDO. Embora nenhuma empresa brasileira integre a lista das 50 empresas mais inovadoras do mundo, 7 dentre as 50 so tambm lderes em depsito de patentes no Brasil. Mas chama ateno a ausncia de empresas mais diretamente vinculadas inovao digital e s reas de inovao que devero ter maior impacto no futuro imediato. Um alerta importante a constatao que muitas das empresas que se destacam como inova-doras no mundo mantm operaes no Brasil, mas no desenvolvem atividades relevantes de P&D em suas filiais e nem aparecem com destaque no ranking nacional de maiores depositantes no residentes.

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PROPRIEDADE INTELECTUAL, INOVAO E DESENVOLVIMENTO: DESAFIOS PARA O BRASIL

CRESCE O NMERO DE PEDIDOS DE PATENTES E O CHAMADO BACKLOG. Entre 2000 e 2017 o nmero de patentes con-cedidas cresceu em mdia 3,3% ao ano e o de pedidos 2,5%, quase o dobro do crescimento da economia bra-sileira. No perodo mais recente, a partir de 2014, o nmero de patentes concedidas praticamente dupli-cou, resultado de um grande esforo do INPI para reduzir o atraso acumulado, que envolveu a incor-porao de novos examinadores de patentes, informa-tizao, home office, melhoria de processos de anlise, modernizao tecnolgica, convnios internacionais de troca de informao e principalmente a dedica-o da equipe tcnica comprometida com metas pre-viamente acordadas. Ainda assim, no final de 2017 o nmero de pedidos de patentes pendente de anlise no INPI era de 225.115, uma reduo importante em relao aos 243.820 registrados em dezembro de 2016. O tempo para deciso variou de pouco mais sete anos para pedidos na rea de cosmticos e dentifrcios a prati-camente quatorze anos para a rea de telecomunicaes. O prazo mdio, no Brasil, de 10,2 anos, enquanto no Japo de 1,3 anos e nos EUA e Unio Europeia de 2,2 anos. So reas nas quais o ritmo de inova-o acelerado, vivendo um perodo de rupturas tec-nolgicas associadas revoluo digital, maturao de novos materiais, aplicao da engenharia gentica e da biotecnologia, e que se traduz em rpida obsoles-cncia tecnolgica, descarte precoce de tecnologias em utilizao e de opes antes mesmo de serem usadas. H consenso de que esta demora traz enormes pre-juzos para todas as partes interessadas, para a eco-nomia e principalmente para a sociedade brasileira.

DESCOLAMENTO ENTRE A IMPORTNCIA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL E DO INPI. A demora e o grande nmero de pedidos de patentes esperando anlise refletem o desco-lamento entre o reconhecimento da importncia atri-buda propriedade intelectual pelas reformas dos anos 90 e ao INPI, instituio responsvel pela tutela da PI no Brasil. Alm de sofrer contingenciamentos financei-ros que canalizam para o Tesouro em torno de 70% da arrecadao prpria, o nmero de examinadores reco-

nhecidamente insuficiente e a carreira pouco competi-tiva em relao a similares nos setores pblico e privado. O enfrentamento do backlog passa, de forma ine-quvoca, pela valorizao do prprio INPI, dotado de maior autonomia financeira e quadro tcnico compatvel com suas atribuies.

MARCA COM INTANGVEL MAIS RELEVANTE PARA AS EMPRE-SAS. Dentre os mtodos de proteo utilizados pelas empresas que implementaram inovaes, o registro de marcas o mais importante. O acirramento da concor-rncia e os processos de reestruturao em muitos mercados, decorrentes de aquisies, entrada de novos concorrentes, ampliao do alcance geogr-fico empresas com atuao em mercados locais e regionais se lanando em mbito nacional e par-cerias estratgicas, exigem posicionamento claro das marcas utilizadas em diferentes contextos, e refor-am a importncia das marcas no contexto nacio-nal e global. Ainda assim, no Brasil a marca parece ser subutilizada pelas empresas em geral, uma vez que a evoluo dos pedidos de marcas desde 1996 no reflete a dimenso e as mudanas da economia brasileira neste perodo. O registro de marcas ainda relativamente pouco difundido entre as pequenas empresas, que usam e so reconhecidas pelas marcas nos mercados em que atuam em geral locais mas no se preocupam com os aspectos formais e no raramente so surpreendidas quando se defrontam com a realidade jurdica de que a marca que vinham usando s vezes por dcadas no lhes pertence.

PROTEO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL SUBUTILIZADA NO BRASIL E O GAP TECNOLGICO EM RELAO AOS PASES LDERES. A despeito da escassez de estudos sobre a uti-lizao das patentes e demais modalidades de proteo formal usadas pelas empresas no Brasil, as informaes disponveis em edies anteriores da PINTECs revelam um quadro de subutilizao dos mecanismos formais de proteo. A marca foi o mtodo mais utilizado, seguido do segredo industrial e da patente em 2008, este ltimo utilizado por percentual muito pequeno das empre-

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sas que implementaram inovaes. Consulta direta a um grupo de especialistas indica a presena de uma lacuna entre a importncia por eles atribuda pro-priedade intelectual para vrios segmentos da ati-vidade produtiva e a intensidade de utilizao da propriedade intelectual no Brasil. Os entrevistados consideram que a importncia da propriedade intelec-tual alta nos setores de farmoqumicos e farmacuti-cos (85% dos entrevistados); aparelhos e materiais eltri-cos, equipamentos de informtica, eletrnicos e pticos (80%); telecomunicao (76%); veculos automotores, reboque e carrocerias e outros equipamentos de trans-porte (70%). E tambm na produo de gros e cereais, segmentos da agricultura intensivos em inovaes pro-tegidas pela propriedade intelectual, desde as sementes geneticamente modificadas e cultivares at os insumos qumicos, mquinas e equipamentos utilizados na agri-cultura de preciso e, mais recentemente, os drones e aplicativos digitais. Na percepo dos participantes da pesquisa a maioria dos setores/produtos no Brasil opera com mdia e baixa intensidade tecnolgica em relao aos concorrentes, com exceo de gros e cereais; caf; produo animal e derivados e petrleo e gs natural. Fica clara, portanto, a percepo do gap entre a intensidade tecnolgica do setor/produto na fronteira da tecnologia e a do Brasil, e que este gap tanto maior quanto mais alta a intensidade tecno-lgica na fronteira.

AGRICULTURA MOVIDA INOVAO E A PROPRIEDADE INTE-LECTUAL. notrio que o dinamismo da agricultura brasileira nos ltimos 20 anos resultado, principal-mente, da inovao tecnolgica. O aumento da produ-tividade foi responsvel por quase 90% do crescimento da produo, o que se traduz em economia de recursos naturais, reduo dos preos de alimentos e de mat-riasprimas de origem agropecuria e maior competi- vidade, a despeito das conhecidas ineficincias sistmi-cas. Na base deste processo esto ativos protegidos pela propriedade intelectual, com destaque para as sementes. A aprovao da Lei de Proteo de Cultivares, em 1997, provocou mudanas importantes na organiza-

o da indstria de sementes, estimulando a moderniza-o e internacionalizao que foram fundamentais para apoiar a expanso do setor. Da aprovao da LPC junho de 2018 foram depositados 4.461 pedidos de proteo de cultivar, e concedidos ttulos para 3.438 cultivares. A participao do setor privado na indstria de sementes crescente, e em 2017 correspondeu a 82% do total de pedidos e a 76% do total de pedidos feitos desde 1997. Ao contrrio do que ocorre na indstria em geral, observa-se que os principais players inter-nacionais no segmento de sementes esto presen-tes e realizam investimentos contnuos em P&D no Brasil. Observa-se, tambm, um aumento das parcerias pblico privadas para a pesquisa de novas cultivares, e a insero no mercado de novas empresas que investem em P&D para a gerao de novas cultivares. Finalmente, destaca-se que as empresas multinacionais dominam o segmento de sementes geneticamente modifica-das, resultado, provavelmente, das indefinies sobre a pesquisa e uso dos transgnicos que, na prtica, paralisaram as pesquisas internas durante anos.

O CRESCIMENTO RECENTE DAS INDICAES GEOGRFICAS. A economia globalizada tem reforado a commoditiza-o dos produtos e servios, mas ao mesmo tempo se observa a valorizao de produtos diferenciados, oriun-dos de processos produtivos orientados por critrios scios ambientais especficos, associados qualidade e sade, que incorporam um conjunto de atributos intan-gveis, como histria, cultura e tradies. Neste contexto, vem se valorizando a Indicao Geogrfica (IG), ins-tituto jurdico de propriedade intelectual reconhecido na Europa h muito tempo, mas at recentemente pra-ticamente ignorado no resto do mundo. Em junho de 2018 o INPI contabilizava 49 indicaes de procedncia e 18 denominaes de origem (10 nacionais e 8 estran-geiras1), em diversas cadeias produtivas e uma de servio (BRASIL, 2018). So produtos nacionais que possuem um significativo vnculo com seu meio geogrfico, podendo ser reconhecido pelo consumidor por meio

1 So Denominaes de Origem de outros pases que solicitaram o registro no INPI e que foram reconhecidas.

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PROPRIEDADE INTELECTUAL, INOVAO E DESENVOLVIMENTO: DESAFIOS PARA O BRASIL

deste signo distintivo. E com elevado potencial para estimular o desenvolvimento local, agregar valor aos produtos e servios que tenderiam a ser comercia-lizados como commodities, gerar emprego e renda em benefcio da populao local. Esses nmeros so expressivos, embora longe do potencial do pas, que tem um territrio continental marcado por diferentes biomas e uma infinidade de terroirs, pela presena de populao

com diferentes caractersticas tnicas e heranas cultu-rais, e que certamente se traduzem em saber-fazer espe-cficos e que poderiam ser objeto de indicaes geogrfi-cas com potencial de valorizao nos mercados nacional e internacional.

1 Situao atual, cenrios e desafios da economia e sociedade brasileira: a inovao como eixo da roda

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Situao atual, cenrios e desafios da economia e sociedade brasileira: a inovao como eixo da roda

1DO RURAL S METRPOLES. A observao da sociedade e economia brasileira produz resul-

tados divergentes segundo a perspectiva do observador. Um olhar generoso para a histria recente revelar considerveis transformaes e progressos, em pratica-mente todas as esferas da vida social. Nos ltimos 50 anos o Brasil rural e atrasado se transformou em uma sociedade urbana e moderna, as cidades concentram 80% da populao, com estilo de vida semelhante ao das grandes metrpoles globais; a taxa de mortalidade infantil caiu para 6,15 mortes por mil habitantes em 2017 e a expectativa de vida ao nascer de 72,9 anos para homens e 79,4 anos para mulheres, aproximando-se dos indicadores de pases desenvolvidos; quase 100% das crianas frequentam a escola bsica e praticamente toda a populao idosa tem hoje cober-tura da Previdncia Social.

DA DITADURA DEMOCRACIA. Deixamos para trs uma ditadura militar que governou o pas por 20 anos, aprovamos uma Constituio que, embora contestada por muitos por ter criado direitos acima das possibilidades reais do pas, teve o inegvel mrito de conciliar a Nao em um momento delicado e de servir de fio condutor para a construo de uma rede de proteo social abrangente e de um sistema de sade que resgataram milhes de brasileiros da categoria de indigentes, aproximando-nos, pelo menos neste quesito, de sociedades mais avanadas. Afastamos dois presidentes por impedimento previsto na Constituio, sem ruptura democrtica; superamos as crises da dvida externa e da hiperinflao e estamos lidando com o cupim da cor-rupo, tudo dentro da legalidade democrtica. Razes suficientes para otimismo em relao ao futuro.

A PERSISTNCIA DAS HERANAS INDESEJVEIS. O mesmo olhar histrico, mais crtico, reve-laria que esse inegvel progresso convive com inaceitvel atraso, e que o pesquisa-dor francs Jacques Lambert, que em 1957 projetou a imagem dos dois brasis, um moderno e outro arcaico, errou ao prognosticar que o progresso contaminaria todo o tecido social e dissolveria, em poucos anos, o velho e arcaico.

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No necessrio apresentar indicadores para afirmar que o Brasil do sculo XXI convive com heranas negativas do Brasil do sculo XX, e at mesmo do sculo XIX. So por demais conhecidos. Parte dos benefcios do acesso universal das crian-as educao se perde pela m qualidade da escola brasileira, pela elevada taxa de evaso de jovens da escola mdia e pela elevada incidncia do analfabetismo fun-cional, que tende a crescer medida que avana a sociedade do conhecimento e se impem as novas tecnologias digitais; a qualidade de vida seriamente afetada pela desigualdade, pela dificuldade de mobilidade urbana e pela violncia que ameaa o cotidiano nas grandes cidades e at da outrora pacfica zona rural; o dficit de infra-estrutura em geral compromete o funcionamento do sistema produtivo, produz o desperdcio de parte do esforo de empresrios e trabalhadores e reduz a competi-vidade das empresas instaladas no Brasil; e instituies chaves da vida republicana, da Justia aos partidos polticos, funcionam mal e travam a realizao de reformas necessrias para a construo da sociedade prspera e socialmente equilibrada que pauta as esperanas do brasileiro em geral. Razes suficientes para olhar o futuro com preocupao.

Fonte: World Bank

Grfico 1: Crescimento do PIB Variao Anual (%)

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AS GRANDES TENDNCIAS. Mudando ainda uma vez o foco e deslocando o olhar para as tendncias reveladas pelo desempenho da economia nas dcadas mais recentes, temos razes para nos preocupar ainda mais. Alguns indicadores so suficientes para revelar que o Brasil no vai bem:

O Brasil vem mantendo baixa taxa de crescimento do PIB, incompatvel com o crescimento da populao, insuficiente para sustentar as expectativas de bem- estar social e corrigir as graves distores distributivas acumuladas ao longo de nossa histria. No perodo de 1980-2016 o crescimento anual do PIB foi de 123%, inferior ao crescimento do PIB mundial (179%). Comparado com os principais pases emergentes (ndia, Chile, China, Mxico, Peru, Indonsia, Turquia, Tailndia, Filipinas e Colmbia) o desempenho do Brasil foi superado por todos, exceto pela Argentina e pela frica do Sul;

A decomposio do PIB entre os setores revela queda da participao da indstria de transformao e acentuado crescimento do setor servios, tendncia obser-vada em outros os pases medida que elevam o nvel de desenvolvimento e transferem mo de obra dos setores primrios e secundrios para o setor servios. No entanto, no Brasil esse processo parece precoce e distorcido, reflexo mais das dificuldades enfrentadas pela indstria brasileira do que de um processo virtuoso de crescimento, traduzindo-se em um inchao do setor servios inclusive do setor pblico que absorve mo de obra com baixa produtividade. A densi-dade industrial, um indicador da capacidade de a indstria mobilizar e impactar os demais setores da economia, manteve-se praticamente estagnada. Segundo Arbache (ABPI, 2014), o Brasil foi o pas que, de longe, apresentou a mais modesta evoluo da densidade industrial no perodo entre 1990 e 2010. Enquanto a densidade industrial brasileira aumentou 12% no perodo, a chinesa aumentou 720% e a coreana 249%.

Muitos autores (Oreiro e Feij (2010), Palma (2005), Carneiro (2008), Cano (2012)) tm apontado esta tendncia como parte de um nocivo processo de desindustrializao sem que o pas tenha construdo bases econmicas, tecnol-gicas e institucionais para se transformar em uma economia de servios. Parece unnime que um pas da dimenso territorial e populacional do Brasil no pode prescindir de uma indstria forte, competitiva e dinmica, com capacidade de alimentar o setor servios e agregar valor produo primria;

A produtividade mdia do trabalho no Brasil ficou praticamente estagnada no perodo 2000-2016 (CNI: cresceu apenas 10%), marcado por rpidas e profun-das transformaes tecnolgicas que provocaram acentuado crescimento da produtividade nos pases desenvolvidos e emergentes. Isto significa que o traba-lhador brasileiro cada vez menos produtivo quando comparado ao de outros pases, reduzindo a competitividade das empresas brasileiras e principalmente a atratividade do Brasil como base de operao para empresas globais;

A participao do Brasil na economia e no comrcio mundial se reduziu ao longo do perodo 1980-2016. Em 1980 o Brasil representava 3,63% do PIB mundial, e em 2016 apenas 2,91%; o mesmo se observou em relao ao

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comrcio, e em 2017 a participao no total de exportaes e importaes regis-trado pela Organizao Mundial do Comrcio (OMC) foi de apenas 1,1%;

O volume e valor das exportaes brasileiras cresceram neste perodo e alcan-aram US$217,7 bilhes de dlares em valores correntes de 2017, com um supervit de US$67 bilhes. No entanto, a evoluo da composio das vendas externas revela crescimento acentuado dos produtos bsicos e queda dos manu-faturados a partir de 2008. Desta maneira, os produtos bsicos passaram de 23% em 1995 para 49,9% em 2017, os manufaturados caram de 55% para 35,8% e os semimanufaturados de 19,7% para 14,3%. Muitos economistas tm analisado esta tendncia como parte do processo de reprimarizao da economia brasileira, cada vez mais dependente da produo e exportao de produtos bsicos e semi-manufaturados, quando a produo de riqueza e o valor agregado se deslocam para produtos e servios com contedo tecnolgico alto e mdio-alto;

A composio das exportaes brasileiras segundo a intensidade tecnolgica (classificao segundo o critrio da OCDE) confirma que o pas vem perdendo espao em todos os nveis tecnolgicos. A participao dos setores industriais com alto contedo tecnolgico retrocedeu de 11,9% em 2000 (o mximo alcan-ado) para 3,3% em 2011 e 4,57% em 2017. Os setores de mdia-alta tecnolo-gia, cuja participao alcanou 25,9% em 1998, representava apenas 17,2% em 2013 e 18,5% em 2017. At mesmo os setores de baixa tecnologia caram de 36,7% em 1995 para 27,9% em 2015. Ainda que produtos no industriais sejam tambm portadores de tecnologia, no resta dvida que tem menor potencial para agregar valor, esto sujeitos a mercados mais volteis e vulnerveis s flutu-aes e crises da economia mundial;

O Brasil ocupa a quarta pior posio no ranking da OCDE de investimento em relao ao PIB, considerando o perodo 2000-2016. Em que pesem as opor-tunidades potenciais para investir no Brasil, o setor privado no encontra um ambiente de negcios atrativo e o setor pblico praticamente esgota os recursos em custeio, previdncia e servio da dvida pblica. O resultado que a taxa de investimento tem flutuado de forma acentuada, com nvel mnimo de 15,3% em 2003 e mximo de 20,9% em 2013, mantendo-se sempre em nveis insuficien-tes para sustentar o crescimento da economia brasileira. Como o investimento de hoje determina o crescimento de amanh, taxas to baixas de investimento reduzem o potencial de crescimento da economia brasileira, colocando-a em trajetria claramente incompatvel com as demandas e expectativas da populao.

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O PAS DO FUTURO EM CRISE. Voltando o olhar para a conjuntura, o que se v um pas que vive uma crise profunda e multidimensional, econmica, politica e institucional, no sentido amplo. De fato, depois de duas dcadas e meio de crescimento do PIB instvel e abaixo da mdia mundial, desde 2015 o Brasil vive talvez a crise mais profunda da histria recente, com indicadores mais negativos do que os registrados durante a grande depresso de 1929, um marco para a economia mundial. Entre 2015 e 2017 o PIB recuou - 2,53%, e no inicio de 2018 estvamos produzindo o mesmo que no ano 2011. Mas como nem a populao e nem as necessidades bsicas pararam de crescer, este retrocesso se materializou no desemprego de 13,7 milhes de pessoas, na queda de 0,99% da renda mdia, na elevao da pobreza e na reverso da pequena melhora no padro de distribuio de renda observado ao longo da dcada anterior. A revelao, pelo IBGE, de que no incio de 2018 pratica-mente 28 milhes de brasileiros encontravam-se subutilizados, que inclui os desem-pregados (13,7 milhes), a populao desalentada que cansou de procurar trabalho (4,6 milhes) e os subocupados por insuficincia involuntria de horas trabalha- das (9,4 milhes) mostra a magnitude do problema e do abismo entre o crescimento do pas e as necessidades da populao.

Para muitos, este colapso foi surpreendente. O Brasil emergira da grave crise inter-nacional de 2008 como uma grande promessa, despertando expectativas positi-vas na comunidade internacional e da populao como um todo, e em especial do amplo segmento que vinha experimentando rpida ascenso social. Nada simbo-lizou melhor tais expectativas e posterior decepo do que as imagens de capa da revista The Economist, com o Cristo Redentor decolando como um foguete e do foguete Cristo rodopiando em queda livre, totalmente desgovernado.

Grfico 2: Participao das exportaes brasileiras nas exportaes mundiais (%)

Fonte: MDIC

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O BRASIL VISTO DO MUNDO. tambm possvel e recomendvel olhar o Brasil desde uma perspectiva global para identificar como e onde estamos em relao ao mundo. O Frum Econmico Mundial compara 136 pases para compor um ndice de aptido para o comrcio internacional. De acordo com a ltima edio do Global Enabling Trade Report GETR, o Brasil ocupa a 110 posio neste ranking, atrs

DO CU DE BRIGADEIRO TEMPESTADE PERFEITA. So intensas as controvrsias sobre as causas deste debacle, que sem dvida se deve a uma combinao de fatores internos e externos, desde erros na gesto da poltica econmica, opes que ex-post se mostraram equivocadas e ineficazes, problemas estruturais que restringiram as opes e o alcance das respostas esperadas at elementos da conjuntura internacio-nal e eventos de certa forma inesperados. E tambm no se pode esquecer os laos estreitos entre a Economia e a Poltica, e os efeitos cruzados de uma sobre a outra. E sem dvida alguma, desde a ecloso dos protestos sociais em 2013 a dimenso poltico-institucional tem sido conturbada, fonte de incertezas e instabilidades. Eleies gerais em contexto de polarizao seguida do impedimento do presidente eleito; operao Lava Jato, envolvendo uma centena de polticos em denncias de corrupo e algumas das principais empresas do pas; paralisia da administrao Temer em funo das denncias de envolvimento do prprio Presidente da Rep-blica em aes alegadamente ilegtimas; greve dos caminhoneiros, que literalmente paralisou o pas, e comprova a magnitude dos dficits estruturais que vm sendo ignorados h dcadas, revelando a fragilidade das instituies para gerir conflitos que se expressam em mobilizaes sociais como as de 2013 e de 2018. Todos esses fatores alimentam e potencializam a paralisia que vem caracterizando o pas no perodo mais recente. A conjuntura preocupa, sem nenhuma dvida!

Grfico 3: Balana comercial da agricultura (US$ bilhes)

Fonte: MDIC

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Grfico 5: Exportao Brasileira: Participao dos Setores Industriais por Intensidade Tecnolgica (classificao Segundo Critrio da OCDE) (%)

Fonte: MDIC

de pases como Moambique, Costa do Marfim, Nepal e Madagascar. Em relao s quatro dimenses do ndice o Brasil ocupa as seguintes posies: infraestrutura (58 de 136); facilitao de comrcio (92 de 136); ambiente de negcios (123 de 136); e acesso a mercados (130 de 136).

O desempenho no diferente no ndice de Inovao Global (GII), produzido numa associao da Universidade de Cornell, INSEAD e Organizao Mundial de Propriedade Intelectual OMPI, que na sua verso de 2018 inclui 126 pases. So 80 indicadores que exploram uma ampla viso da inovao, incluindo o ambiente poltico, educao, infraestrutura e sofisticao do ambiente de negcios. O Brasil ocupa a posio 64 do total de 126, atrs de pases como a Colmbia, Chile, Uruguai e Costa Rica.

Grfico 4: Taxa de investimentos a preos correntes (% do PIB)

Fonte: MDIC

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Grfico 6: Composio das Exportaes (% do Total)

Fonte: MDIC

UM GUIA PARA NAVEGAR. Estes ndices servem para nos mostrar como estamos em relao ao mundo, e o que vemos no nada bom. Mas mais do que isto, os indicadores servem para nos mostrar os desafios que temos que enfrentar para, em primeiro lugar, realizar o potencial da economia brasileira e atender s necessidades bsicas e anseios da populao, e em consequncia, situar o pas no mundo em posies mais condizentes com a nossa potencialidade e com a prpria viso de grandeza que ns brasileiros temos do Brasil.

OS DESAFIOS ESTRATGICOS PARA O PAS. legtimo que os diferentes setores e grupos sociais definam desafios e proponham caminhos a partir da realidade que os cerca e de necessidades prprias, ainda que nem sempre representem o melhor caminho quando se toma os interesses mais gerais da sociedade. Da perspectiva do cidado parece consensual que o interesse pblico s pode ser entendido e medido luz do bem-estar social, e que desde este prisma o grande desafio mesmo a melho- ria do bem-estar da populao, ou seja, o prprio desenvolvimento socioeconmico sustentvel. As divergncias, que no so pequenas, referem-se ao como, e no aos objetivos em si. Promover o desenvolvimento exige enfrentar um grande nmero de desafios, que incluem muitos eixos, entre os quais se destacam: educao; sade; segurana pblica; mobilidade urbana; pobreza; desigualdades sociais, regionais e de gnero; preservao do meio-ambiente para o uso das geraes futuras; ateno s crianas e aos idosos e promoo de uma sociedade mais fraterna e solidria para enfrentar as rupturas associadas transio para a economia 4.0.

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O DESAFIO IMEDIATO: ELEVAR O CRESCIMENTO E A PRODUTIVIDADE. Enfrentar o desafio do desen-volvimento passa, necessariamente, por uma elevao das taxas de crescimento eco-nmico e da produtividade do trabalho. Um abrangente estudo incluindo dados de 151 pases entre 1967 e 2011 mostrou que a renda dos 40% mais pobres aumenta de forma proporcional ao crescimento total da economia, confirmando a impor-tncia central das taxas de crescimento para a melhoria do bem-estar dos mais vul-nerveis (Dollar, Kleineber, Kraay, 2011). Se o crescimento econmico essencial para o desenvolvimento socioeconmico, aquele, por sua parte, est fortemente relacionado ao aumento de produtividade isto , capacidade dos trabalhado-res conseguirem produzir mais utilizando a mesma quantidade de insumos num mesmo perodo de tempo. Pases que tm nveis de bem-estar mais altos tendem a ser precisamente aqueles que tm maior produtividade.

A PRODUTIVIDADE BRASILEIRA PAROU NO TEMPO. Durante o perodo 2000-2015, as taxas de crescimento da produtividade do trabalhador brasileiro foram menores do que em 75% dos pases em uma amostra de 140 pases em desenvolvimento. Enquanto o crescimento acumulado mediano da produtividade nessas naes foi de 38%, no Brasil foi de apenas 16%.

BEM-ESTAR E PRODUTIVIDADE. Estudos revelam que a produtividade de cada um dos diversos setores econmicos muito mais determinante para o nvel de bem-estar de um pas do que a especializao em um deles, seja indstria, servios ou agropecuria. Por isto, aumentar a produtividade da economia como um todo essencial para o aumento do bem-estar, e se coloca como um objetivo estratgico para o pas. E como no possvel elevar a produtividade sem inovar, preciso colocar, de fato, a inovao como o principal motor de crescimento brasileiro. Este objetivo requer aes transversais e no a concesso de privilgios a setores escolhidos por critrios subjetivos que acabam afetando negativamente a produtividade da economia como um todo e desestimulando a inovao.

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ELIMINANDO OS PUXADINHOS: A INEVITABILIDADE DE REFORMAS. No h dvidas de que o pas precisa se reformar para reencontrar uma trajetria de desenvolvimento sustentvel, e que j no h margem para seguir adiante com base em remendos e puxadinhos, como vem ocorrendo nos ltimos anos. No h crescimento sustentvel sem elevao dos investimentos da produtividade; no h elevao de produti-vidade sem inovao e no h desenvolvimento sem crescimento sustent-vel. preciso, portanto, remover os fatores que vm travando a recuperao dos investimentos e a elevao da produtividade do trabalhador e do sistema produtivo brasileiro.

OS EIXOS DAS REFORMAS: RECUPERAR O ESTADO E ESTIMULAR O SETOR PRIVADO. Ainda que o quadro atual seja de grande polarizao, a agenda poltica clara e passa por equa-cionar dois eixos centrais: (i) restabelecer a capacidade de fiscal do setor pblico brasileiro, sem a qual o Estado continuar impotente para realizar os investimentos necessrios para o desenvolvimento nacional, incluindo principalmente as reas de educao, sade, segurana pblica, inovao, mas tambm em infraestrutura que no est ao alcance do setor privado; (ii) criar um ambiente de negcios estimulador para os investimentos privados, e em especial para promover e disseminar a inova-o como motor do dinamismo econmico.

A AGENDA DE REFORMAS. Pode-se discordar de como fazer, da intensidade e/ou da tempora-lidade das mudanas, mas h pouca discordncia quanto necessidade de realizar as seguintes reformas: (i) tributria e fiscal, visando tanto dar estabilidade ao financia-mento do setor pblico como promover a distribuio de renda e equidade social; (ii) previdncia social, visando desonerar o Estado, corrigir as distores distribu-tivas do atual modelo, que na prtica retira benefcios dos menos favorecidos para d-los aos que menos necessitam, e assegurar a solvncia de longo prazo do prprio sistema de previdncia; (iii) trabalhista, para modernizar as regras que pautam as relaes sociais de trabalho, sem desproteger a populao trabalhadora das falhas e assimetrias presentes no mercado, e contribuir para promover o empreendedorismo, uma das caractersticas da economia na era digital; (iv) comercial, para aprofundar a integrao do Brasil, notadamente da indstria, economia mundial, interna-lizar inovaes e promover a competitividade e competncia do setor produtivo domstico para aproveitar as oportunidades presentes no mercado internacional; (v) microeconmicas e institucionais, visando principalmente melhorar o ambiente de negcios, os incentivos ao setor privado, incluindo desde o empreendedor indi-vidual at as grandes empresas, e principalmente estimular a inovao e o empre-endedorismo; (vi) educacional, visando universalizar o ensino mdio, melhorar a qualidade da educao brasileira em geral e qualificar os jovens para a revoluo digital que j uma realidade.

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No o caso de entrar em detalhes sobre a agenda de reformas, que certamente ser objeto de intenso debate antes e depois das eleies. preciso reafirmar, sem incor-rer em nenhum exagero, que mais uma vez encontramo-nos em uma encruzilhada decisiva, e que as opes tomadas agora definiro em grande medida a trajetria do pas nos prximos anos.

Planejamento em contextos disruptivos

A realidade que no possvel hoje planejar melhores cami-nhos sem levar a disrupo em conta. Voc no pode prever o futuro porque, graas transformao digital, a velocidade de mudana e a inovao se movem mais rpidas do que nunca. No mundo em que vivemos hoje, na maioria dos contextos, planejar passos especficos de execuo no funciona mais. muito devagar, cheio de erros e de limitaes. Em outras palavras, quando voc consegue fazer um plano, ele j est obsoleto.

Em vez de investir tempo desenvolvendo estratgias e planos de execuo para o que no podemos prever, cada vez mais impor-tante equipar nossas organizaes com as habilidades certas para ter sucesso em meio rpida mudana e volatilidade. A disrupo est vindo at voc bem mais rpida do que voc jamais poderia imaginar.

Fonte: Jim Whitehurst, presidente e CEO da Red Hat

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PROPRIEDADE INTELECTUAL, INOVAO E DESENVOLVIMENTO: DESAFIOS PARA O BRASIL

2 Propriedade Intelectual, inovao e desenvolvimento: superando as controvrsias

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Propriedade Intelectual, inovao e desenvolvimento: superando as controvrsias2

CRESCIMENTO SUSTENTVEL, PRODUTIVIDADE E INOVAO. Promover o crescimento susten-tvel da economia, melhorando a qualidade de vida e a distribuio de renda dos brasileiros, hoje, amanh e no futuro mais longnquo, resume o grande desafio que a sociedade brasileira no pode mais adiar, sob pena de ruir sob o peso de crises, conflitos sociais, desesperana e violncia. No h um nico caminho para o futuro, e o Brasil precisa encontrar aquele que lhe permita aproveitar e desenvolver melhor suas potencialidades, em consonncia com as manifestaes e escolhas democrti-cas da populao. O bom senso recomenda examinar a experincia dos pases que j alcanaram nveis de desenvolvimento que almejamos. Esse exame revela que qualquer que seja a rota adotada, no existe crescimento sustentvel sem inves-timento, aumento de produtividade e inovao. E que, de fato, a inovao a principal chave para abrir as portas para o desenvolvimento sustentvel.

RELAO POSITIVA ENTRE PRODUTIVIDADE E INOVAO. A relao entre produtividade e ino-vao no apenas intuitiva como bem estabelecida na literatura econmica desde o estudo pioneiro de Ziv Griliches, relacionando Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e produtividade (Griliches, 1980). Hall (2011) sintetiza o conjunto de trabalhos sobre o tema e confirma a relao positiva entre inovao e produtividade. Silva Jr. et al. (2015), destacam que

as firmas inovadoras tendem a crescer mais do que as outras, e que a relao entre inovao e produtividade ser fortemente influenciada pelo ambiente institucional e macroeconmico no qual a firma opera, o que explica as substanciais diferenas de nvel e correlao entre estas duas variveis nos pases e setores. (Silva Jr. et al. 2015)

PROPRIEDADE INTELECTUAL E INOVAO tambm aparecem como termos de uma mesma equao, e a relao positiva e virtuosa entre propriedade intelectual (PI) e ino-vao sempre foi um argumento crucial para justificar a prpria existncia da proteo especial que transforma em ativos econmicos os resultados da criativi-

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dade, inventividade e engenho humano. Mas apesar de a PI ter se firmado como uma instituio global, a relao virtuosa entre a PI e inovao nunca se firmou de forma inequvoca e tem sido objeto de intensos debates.

PI E INOVAO: OBJETO DE POLMICAS. A controvrsia complexa, e recentemente deixou os muros da academia por meio da revista The Economist, que em uma srie de artigos tem sustentado que as patentes no so relevantes para a inovao, e que podem at atrapalhar.

As patentes raramente do segurana s boas invenes e falham no papel de encorajar a inovao premiando o esforo dos inventores.... a maioria das maravilhas dos tempos moder-nos, do tear de fiao estrada de ferro, navios a vapor e lmpadas a gs parecem ter emergido sem a ajuda de patentes. Se a Revoluo Industrial no precisou delas, porque t-las afinal? (The Economist, 2015)

ARGUMENTOS E EVIDNCIAS A FAVOR. Em um plano muito geral, o prmio Nobel de Eco-nomia Douglas North (1991) argumenta que instituies que definem e assegu-ram os direitos de propriedade afetam o desempenho econmico na medida em que reduzem os custos de transao e as incertezas do ambiente econmico, e Zak (2002) argumenta que a aplicao imperfeita dos direitos de propriedade pode inte-grar o rol de falhas de crescimento. Nesta direo, mas apurando o foco para a propriedade intelectual, Barro e Sala-i-Martin (1997) sustentam que direitos de propriedade intelectual mal definidos reduzem os incentivos para os lderes con-tinuarem inovando e aumentam os incentivos para copiar, e projetam que a pro-liferao deste padro teria implicaes negativas para o conjunto da sociedade medida que se esgotam os efeitos de bem-estar imediatos das cpias. Zhao (2006) argumenta que direitos de propriedade intelectual fracos levam a um baixo retorno dos investimentos em inovao e subutilizao dos talentos inovativos, enquanto Chen & Putttitanun (2005) concluem que embora a vigncia de direitos de pro-priedade intelectual fracos em pases em desenvolvimento facilitem a imitao de tecnologia estrangeira, e possam beneficiar os consumidores domsticos, tambm desestimulam as inovaes de firmas locais e mantm estruturas industriais mais atrasadas. A concluso destes modelos tericos e empricos parece encontrar susten-tao em Moser (2005), que fez um levantamento de informaes de 12 pases em 1851 e de 10 em 1876, e constatou que inventores em pases sem leis de patentes concentraram-se em um pequeno conjunto de indstrias e que as inovaes em pases com leis de proteo de PI parecem ter sido bem mais diversificadas e gene-ralizadas. Pergunta-se se tais concluses se sustentam nas condies de hoje?

NEGANDO A IMPORTNCIA DA PI. A lista de argumentos a favor poderia se estender por muitas pginas que, no entanto, seriam contestadas por lista de igual tamanho de autores e trabalhos que questionam a importncia da PI para a inovao e para o bem-estar da sociedade.

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A crtica mais contundente parece ser de David Levine e Michele Boldrin (2008), que perguntam:

As patentes e os copyrights so mesmo essenciais para dinamizar a criao e inovao? Ns realmente precisamos delas para desfrutar a boa msica e boa sade? Ao longo do tempo e atravs do espao, a resposta que ressoa no.

Para eles a propriedade intelectual de fato um monoplio intelectual que blo-queia em vez de estimular a competio que gera riqueza e inovao. Conclui a The Economist, em sua campanha de oposio s patentes, que o nico resul-tado do fortalecimento da propriedade intelectual um nmero mais elevado de pedidos de registro de patente, o que no a mesma coisa que estimular a inovao (The Economist, Edio de 8/08/2015).

OS PONTOS DE INTERROGAO. David Teece (1986), em um dos artigos mais citados na lite-ratura de inovao, mesmo reconhecendo que os mercados no funcionam bem quando a imitao fcil, relativiza o papel da PI na inovao e argumenta que o sucesso da firma inovadora depende mais do conjunto de capacidades e da posse de ativos complementares do que, necessariamente, de ideias pioneiras lastreadas em um robusto portflio de patentes. Nesta mesma direo, Cohen, Nelson e Walsh (2000) tambm relativizam a importncia das patentes para o desenvolvimento e consolidao da liderana da indstria americana, sustentando que a proteo s foi relevante para a indstria qumica.

A IMPORTNCIA DA PI VARIA ENTRE OS SETORES. Parece no haver dvidas, mesmo para aqueles que defendem a importncia da PI, que seu papel como indutora e viabilizadora de inovaes varia entre os setores e depende, tambm, de outros fatores, desde a estru-tura de mercado, estgio de desenvolvimento tecnolgico at o funcionamento das instituies em geral, em particular da aplicabilidade efetiva das regras de PI (enforcement). Mansfield (1986), com base em uma amostra de 100 empresas em 12 setores da indstria de transformao dos EUA2, conclui que o uso das patentes foi essencial para explicar pelo menos 30% das inovaes nos setores farmacutico e qumico, entre 10 e 20% nos setores de petrleo, maquinaria, produtos de metal e no significativo nos demais setores. Levin et al. (1987), tambm relativizam a importncia de mecanismos formais de apropriabilidade, mas com base em infor-maes de 650 empresas confirmam que a indstria qumica e farmacutica inten-siva em patentes e que nos demais setores o licenciamento utilizado para gerar receita para os lderes e de viabilizar as inovaes para as empresas seguidoras.

2 Farmacutico, qumico, petrleo, maquinaria, produtos de metal, equipamentos eltricos, equipamentos de escritrio, veculos motorizados, metais primrios, borracha e txtil, obtida em 1982, incluindo grandes empresas que gastaram pelo menos US$ 1 milho em P&D.

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PATENTES E SEGREDO. No entanto, conforme observam Bell e Pavitt (1995), Dosi (1998), Abreu (2017) e Silva Jr. et al. (2015),

nem todas as invenes so patenteadas. Em alguns casos, as empresas preferem o segredo comercial devido ao rpido progresso tcnico e possvel obsolescncia antes mesmo do uso das patentes ou porque o avano tecnolgico muito difcil e caro de copiar, tornando a pro-teo da patente dispensvel (Mansfield, 1986). Assim, no surpresa que a propenso a patentear varie substancialmente nas dimenses transversal e temporal.

BUSCANDO O EQUILBRIO ENTRE PROTEO E INOVAO. Deixando de lado a polarizao, a inovao como o poder de mercado conferido pela PI variam entre os setores da economia e so afetados por um amplo conjunto de variveis, da estrutura de mercado estratgia das firmas. Um dos setores mais sensveis sem dvida o da sade, seja pelas implicaes diretas sobre a populao seja pelas distores no uso da PI e do poder de mercado observados em muitos mercados. Sobre isto, Brou-gher (2013), tendo como base uma avaliao abrangente das tecnologias na rea da sade, conclui:

A sade pblica se beneficia mais quando existe um equilbrio entre promover a inovao e melhorar o acesso a medicamentos a preos acessveis. ... Quando o saldo desviado demais em favor da inovao, a concorrncia geral sufocada e a sade pblica impactada negati-vamente pela diminuio do acesso a alternativas genricas acessveis. No entanto, quando o equilbrio desviado demais em favor do acesso, os benefcios de sade pblica de curto prazo derivados do aumento do acesso a medicamentos mais acessveis comprometem os benefcios de longo prazo para a sade pblica decorrentes do aumento da inovao.

A IMPORTNCIA DA PI INDEPENDE DAS POLMICAS. O fato que, independente das con-trovrsias, a propriedade intelectual delimita a propriedade de ativos que assumem importncia crescente como forma de riqueza na sociedade de hoje e que so estratgicos para a organizao e controle da produo social de riqueza e para o desenvolvimento em geral. Como lembram Buainain, Bonacelli e Mendes (2016),

No feudalismo, o ativo chave era a terra. Nas primeiras fases do capitalismo o poder era dos detentores do capital materializado em fbricas, equipamentos e reservas monetrias, e no capitalismo globalizado a dinmica de acumulao passou a depender fundamentalmente dos ativos intangveis, seja na esfera financeira seja no sistema produtivo. E, por consequn-cia, a propriedade destes intangveis adquiriu uma dimenso absolutamente estratgica para o funcionamento da economia capitalista, semelhante que tinha a propriedade da terra no regime feudal.

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O VALOR ECONMICO DA PI. Como indicam Smith e Parr (2000), do ponto de vista contbil, as marcas, patentes e direitos de autor tm maior valor que o patrimnio fsico das empresas nos segmentos mais relevantes da economia, e do ponto de vista quali-tativo o conhecimento, a experincia, a habilidade e a capacidade de aprender so ativos mais valorizados, tanto nos indivduos como nas empresas, do que o capital fsico.

EFETIVIDADE PRIVADA E SOCIAL DA PI: NECESSIDADE DE APERFEIOAMENTO. O reconhecimento da importncia da PI refora a necessidade de refletir sobre a sua efetividade, no mbito privado e social, e de identificar, no prprio debate, possibilidades para aper-feioar os regimes de propriedade intelectual seja no sentido de reforar os aspec-tos positivos seja no de reduzir os negativos. Uma questo relevante, e que est no centro dos debates, diz respeito aos limites da propriedade intelectual. Estes limites se referem a pelo menos duas dimenses: de um lado, a delimitao do prprio objeto da propriedade, e do outro ao seu alcance, entendido como at onde vai a liberdade do titular da propriedade para dispor de seu ativo (Buainain, Bonacelli e Mendes, 2016).

DELIMITAO DA PI. preciso reconhecer que os limites da propriedade intelectual compor-tam certa ambiguidade devido dificuldade de, em muitos casos, delimitar com pre-ciso o prprio objeto da propriedade, que desde o primeiro estatuto de propriedade intelectual, promulgado em Veneza em 1474, foi se multiplicando e desdobrando tanto na esfera dos produtos industriais quanto nas relacionadas s obras literrias e outras manifestaes da engenhosidade e criatividade humana. Na atualidade, a propriedade intelectual cobre, por meio de vrios mecanismos, uma vasta gama de ativos intangveis, como as invenes e modelos de utilidade (patentes); as marcas, indicaes geogrficas e desenhos industriais (registros na instituio competente); os trabalhos literrios e artsticos, como romances, poemas, peas de teatro, filmes, trabalhos musicais, desenhos, pinturas, fotografias, esculturas, desenhos arquitet-nicos e programas de computador (direitos de autor); as obras artsticas deriva-das de outras obras autorais protegidas, com as interpretaes, as montagens de obras musicais e teatrais ou a coreografia de um ballet (Direitos Conexos aos Direi-tos Autorais); novas variedades vegetais (cultivares); conhecimentos e prticas de comunidades tradicionais; topografia de circuitos integrados, metodologias, alguns procedimentos analticos e at bancos de dados.

APRIMORAMENTO DO MARCO LEGAL DA PI. Apesar do aprimoramento do marco legal bus-cando melhor definio dos conceitos e critrios utilizados para demarcar os objetos da proteo da propriedade intelectual, o fato que a quase ilimitada criatividade humana associada velocidade da evoluo dos intangveis passveis de proteo reintroduzem imprecises que realimentam os debates e conflitos em torno dos prprios objetos de proteo sob o manto da propriedade intelectual.

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PROTEO E INOVAO NA ERA DIGITAL. Proteger a propriedade intelectual na era digital sem dvida um grande desafio para o pas e em todo o mundo. As dificuldades referem-se aos novos modelos de negcios que exigem grande esforo para precisar os ativos protegidos, a velocidade das inovaes, ativos que incorporam conte-dos relacionados a diferentes modalidades exigindo dupla ou tripla proteo, como patente de inveno, direito de autor, marca e desenho industrial.

DIREITO DE AUTOR: EFICCIA SOB QUESTIONAMENTO. As polmicas alcanam tambm o direito de autor, modalidade de proteo considerada fraca, cuja aplicao tende a ser mais custosa justamente pela dificuldade de associar proteo formal/jurdica meca-nismos de barreiras e vantagens competitivas utilizadas em outros segmentos. A prpria tenso entre os direitos privados e os da sociedade sempre foi mais leve, uma vez que na maioria dos casos a realizao dos ganhos privados pressupe a difuso da obra protegida. Ainda assim, o tema est povoado de conflitos em relao ao tempo de proteo, s excees para acesso, direitos de reproduo e licencia-mento, arrecadao e distribuio dos direitos de autor, entre outros. Tambm se questiona a eficcia do direito de autor para proteger a propriedade intelectual do software. Davies (1996) considera que o direito de autor no oferece proteo ade-quada ao comportamento utilitrio de um programa, o qual representa a sua parte mais valiosa. De outro lado, a patente tampouco se aplicaria, com rigor, ao sof-tware, uma vez que provavelmente a maioria deles no atenderiam ao requisito da inventividade, sendo apenas desdobramentos de softwares j existentes, ainda que conforme a Resoluo n 158/2016 do INPI uma criao industrial (processo ou produto associado ao processo) implementada por programa de computador que resolva um problema encontrado na tcnica e alcance efeito tcnico que no diga respeito unicamente ao modo como este programa de computador escrito pode ser considerada inveno. E finalmente, o segredo de negcio tampouco se aplicaria com eficcia, uma vez que o prprio uso do programa de computador pode revelar, para os especialistas, os segredos do seu desenvolvimento.

COMPLEMENTARIEDADE DA PROTEO. Na prtica da indstria cada vez mais digital, os direi-tos de autor, as patentes, as marcas e os desenhos industriais se conjugam de forma complementar para proteger ativos cada vez mais intangveis e valiosos. Se a inds-tria do software cresceu e se consolidou com base na proteo oferecida pelo direito de autor, esta modalidade hoje no parece mais atender realidade da dinmica inovativa do segmento, e as lacunas tm sido cobertas pela convergncia de todas as demais protees industriais (patentes, marcas, desenhos industriais) que incidem nos smartphones, smbolos da indstria digital. O to propalado recorde de valor de mercado da empresa Apple, de US$1 trilho de dlares, repousa fundamentalmente nos ativos intangveis, em particular nos ativos de propriedade intelectual e ativos complementares que a empresa possui.

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Inmeros projetos de lei esto em tramitao na Cmara dos Deputados e Senado Federal, propondo alteraes na Lei de Proprie-dade Industrial (Lei n 9.279, de 1996), na Lei de criao do INPI (Lei n 5.648, de 1970), na de Lei de Proteo de Cultivares ((Lei 9.456/97) e em outras legislaes em vigor que dizem respeito propriedade intelectual.

As propostas tm um escopo amplo, e envolvem vrios aspectos da legislao vigente, entre os quais se destacam os seguintes:

direitos do proprietrio da patente;

concesso de licena compulsria;

garantia ao empregado de 50% do lucro obtido pela inven-o decorrente de sua contribuio;

possibilidade de patenteamento de substncias e materiais extrados de seres vivos naturais e materiais biolgicos;

definio do prazo mximo para o exame de pedidos de registro de marcas e patentes;

agravamento da pena para crime de reproduo (pirataria) de obra intelectual, marcas e patentes;

definio de procedimentos para a concesso de marcas e patentes;

restrio ao patenteamento de indicao teraputica de pro-dutos e de processos farmacuticos;

extenso do perodo de proteo de cultivares, a partir da concesso do Certificado Provisrio de Proteo, dos atuais 15 anos para 20 anos, podendo chegar a 25 anos no caso de cana-de-acar, videiras e rvores frutferas, florestais e ornamentais;

incluso do INPI no polo passivo da relao processual, quando mesmo no for o autor;

aumento da penalidade para quem cometer crime contra marcas e patente de registro, contra indicaes geogrficas e concorrncia desleal;

Projetos de Lei em tramitao no Congresso Nacional sobre propriedade intelectual e INPI

excluso da proteo de patente a fabricao, pelos labora-trios da Unio, de medicamentos destinados a utilizao na rede hospitalar pblica e a distribuio gratuita populao;

considera no patenteveis os produtos e processos desen-volvidos a partir de ser vivo originrio do Brasil, entre outros.

Projetos de Leis recentes tm sido discutidos em audincias p-blicas, seminrios sobre Propriedade Intelectual ou Fruns dedicados aos assuntos de cincia, tecnologia e inovao, especialmente os que tratam do fortalecimento institucional do INPI e da reduo dos pra-zos de concesso dos direitos de Propriedade Intelectual.

E a proposta de adeso do Brasil ao Protocolo de Madri est pronta para votao na Comisso de Relaes Exteriores e Defesa Nacional da Cmara dos Deputados.

O Projeto de Lei n 139, de 1999, de autoria do Deputado Alberto Goldman, continua tramitando, apesar da longevidade, pelo apen-samento a cada ano de inmeras propostas de alterao da Lei de Propriedade Industrial de 1996.

A LPI precisa de alteraes? O INPI precisa ser reformado? So respostas importantes para a sociedade brasileira. Em caso afirmati-vo, quais seriam elas, quem seriam os beneficirios diretos? No jogo democrtico legtimo e desejvel que as vrias partes interessadas busquem a validao dos seus interesses particulares por meio da legislao, e neste sentido os grupos de interesse devem defender suas posies nos debates em curso. Mas as decises finais s sero vlidas se ponderadas pelo interesse maior da sociedade e se tradu-zam em benefcios para o desenvolvimento do pas e o Legislativo precisa de apoio para avaliar o impacto das propostas para a popula-o e elaborar regramentos que sejam equnimes no tratamento das questes relevantes para o pas.

Transparncia no processo o que far diferena para a coletivi-dade e a participao da ABPI, nos debates e no apoio ao Legislativo, pode contribuir para que as revises dos marcos legais atendam os interesses do pas.

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CONFLITOS SOBRE PI TRANSBORDAM PARA A SOCIEDADE. Estes conflitos reverberam em mlti-plas instncias da sociedade, desde os parlamentos, que so demandados para atuali-zar a legislao, corrigir falhas e examinar novas demandas, at as cortes de justia, abarrotadas por litgios envolvendo direitos de propriedade intelectual.

ALCANCE E LIMITE DA PI. Uma segunda fonte de debate e conflito se refere ao prprio alcance e limite da propriedade intelectual, cuja concesso tambm sujeita ao atendimento de uma funo social. A propriedade intelectual concede ao proprietrio direitos exclusivos de explorao do ativo protegido durante certo perodo o que equi-vale concesso de um monoplio legal e concede sociedade direitos presentes e futuros sobre os mesmos ativos, criando em muitos casos uma tenso entre os direitos privados e os direitos da sociedade, cuja melhor soluo nem sempre a do equilbrio, como propugna o senso comum.

CONFLITOS E DISPUTAS: PRAZOS, CONTRAPARTIDA SOCIAL, USO ABUSIVO DA PROTEO. As mani-festaes dos conflitos e disputas em torno do alcance e limite se apresentam princi-palmente em presses para dilatao do perodo legal de vigncia do direito conce-dido, do atendimento s contrapartidas para a sociedade e do uso abusivo do ativo monopolizado em detrimento dos benefcios sociais gerados. Em muitos casos, as tenses e conflitos se agravam devido importncia dos ativos protegidos, essen-ciais para a produo de medicamentos nicos para tratar enfermidades graves, ou para assegurar competitividade e eficincia na produo agropecuria. inegvel a tenso entre os direitos do monopolista, que se traduzem em preos mais elevados do que aqueles que prevaleceriam em um ambiente de concorrncia mais intensa, e os interesses gerais dos consumidores cujo acesso aos benefcios depende, primei-ramente, da expectativa de lucros que motiva o investimento dos inovadores, e em seguida, do prprio preo praticado pelo monoplio. At onde vai o direito de um e comea o do outro? At onde vai a legtima remunerao dos esforos do inovador e onde comea o abuso dos monopolistas no regulados? So questes de respostas difceis e quase sempre inconclusivas, e no raramente as respostas servem de com-bustvel para alimentar a polmica e enraizar dissensos.

CONTRAPARTIDA SOCIAL DA PI: OS BENEFCIOS DA INOVAO. Outro aspecto relevante do regime de PI a contrapartida social que se daria por vrios canais e de vrias maneiras. A primeira, obviamente, so os benefcios gerados pela prpria inovao lastreada em pesquisas que, teoricamente, foram viabilizadas pela proteo, e que resultaram nos ativos protegidos, que, transformados em inovaes, so portadores de vanta-gens para a sociedade. Mas independente da contribuio da proteo para a ino-vao, o que vem sendo observado que em muitos setores, em particular naqueles nos quais a proteo parece ser mais necessria e mais diretamente vinculada ao produto/servio comercializado, os preos praticados reduzem consideravelmente os benefcios efetivos criados pela inovao ao restringir o acesso.

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LIVRE ACESSO APS CADUCIDADE DA PROTEO. Outra contrapartida social est embu-tida na liberdade para utilizar o ativo aps o perodo de proteo, sem necessi-dade de licena e sem nenhum custo adicional. No se trata, teoricamente, de uma vantagem secundria, j que a livre difuso do ativo sob proteo permite ampliar o acesso e, portanto, os benefcios associados ao objeto at ento protegido. No entanto, a extenso do prazo de proteo e a acelerao do ritmo de inovaes tm convergido para contrapor-se a esta lgica e para reduzir de forma significativa a utilidade dos ativos protegidos uma vez expirado o prazo inicial de proteo. Salvo alguns segmentos e casos especficos, a maioria dos produtos/processos protegidos no tem valor significativo aps o transcurso do prazo de proteo, que pode variar de 15, 20 a 70 anos, para patente de modelos de utilidade, patente de inveno e direitos de autor, respectivamente.

DIFUSO DA INFORMAO E INOVAO. O terceiro canal de transmisso dos benefcios a difuso das informaes contidas nos registros de patentes, que podem ser livre-mente utilizadas para embasar novas pesquisas e gerar novos produtos e processos. A patente carrega tanto um monoplio que d direitos de exclusividade ao deten-tor, como uma autorizao para uso amplo das informaes tcnicas e cientficas que servem de lastro para a inveno. Neste sentido, so instrumentos relevan-tes de difuso e circulao de informaes que potencialmente facilitariam outras pesquisas e outras inovaes. Ao mesmo tempo em que o potencial de benefcios gerados por esta fonte de informao cresceu com a digitalizao dos registros de patentes e com a organizao e disponibilizao dos bancos de dados dos escrit-rios nacionais de PI e da Organizao Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), dois movimentos se contrapem no sentido de restringir os benefcios potenciais. De um lado, as chamadas patentes de m qualidade, resultado da aceitao sem rigor de pedidos de patentes, mal redigidas e tratando de objetos que no se enquadram, estrito senso, nos critrios de novidade, atividade inventiva e aplicao industrial, requisitos que os tratados internacionais consagraram como indispensveis para a concesso do benefcio. De outro lado, a maior complexidade das invenes difi-culta a descrio necessria para o registro do pedido de patente, o que no apenas dificulta sua utilizao como fonte de informaes tecnolgicas por terceiros como tambm o uso imediato das bases digitais.

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LIVRE ACESSO AO CONHECIMENTO. Em sentido contrrio, e como reao a esta percepo de que o sistema de PI, no lugar de favorecer e facilitar a circulao de informaes e ideias, tem contribudo para bloquear o fluxo do conhecimento, cresce a presso de grupos da sociedade para assegurar o livre acesso ao conhecimento gerado pelas universidades e instituies pblicas de pesquisa e aos seus resultados (Movimento Anticopyright, Copyleft, Software livre, Creative Commons, Pirate Bay, Partido Pirata, dentre outros). Trata-se de uma clara reao ao princpio do Bayh-Dole Act3, que abriu caminho para a apropriao privada de resultados de pesquisas financiadas com recursos pblicos e realizadas pelas universidades, e que vem justificando a res-trio circulao do conhecimento, mesmo na rea da cincia bsica, retida pelos escritrios de PI das universidades com base no argumento de que podem vir a ser parte de uma inveno e ou ideia passvel de proteo.

EXCESSO DE PROTEO DEBILITA OS BENEFCIOS SOCIAIS ORIUNDOS DA PI. A anlise das crticas ao sistema de PI revela dois eixos de questionamento. Em primeiro lugar, inegvel que uma boa parte das crticas se deve ao excesso de proteo e a distores geradas pelo exagero que tem origem nas presses exercidas por partes interessadas e que se beneficiam diretamente da proteo. Este excesso provoca duas distores srias que debilitam as vantagens e a prpria justificativa da PI. De um lado, reduz o acesso aos benefcios gerados pela inovao protegida pela PI, seja porque os preos se elevam alm do que seria sustentvel para remunerar o esforo do inovador, seja porque os detentores de ativos protegidos usam a proteo como instrumento para barrar as inovaes das empresas concorrentes. Ainda que elevar os preos e restringir ino-vaes dos concorrentes sejam da essncia mesma do sistema, a distoro se refere ao excesso, que nem sempre fcil delimitar, mas que existe e se manifesta na inter-veno de outras instncias reguladoras, desde a Justia at agncias reguladoras dos mercados. De outro lado, reduz, como se argumentou acima, a efetividade da contrapartida social embutida na difuso de informaes e na liberdade de utilizao aps a caducidade da proteo.

O FUNCIONAMENTO DO SISTEMA DE PROTEO. O segundo eixo de questionamento est asso-ciado ao funcionamento do sistema de proteo, e no proteo e propriedade intelectual em si. De fato, parte das crticas ao regime de propriedade intelectual decorre de problemas com o sistema, que em muitos casos tem concedido ttulos de maneira inadequada, sem avaliao confivel dos critrios de novidades, opera com custos elevados que inviabilizam a proteo para muitos legtimos detentores de

3 O BayhDole Act ou Patent and Trademark Law Amendments Act (Pub. L. 96-517, Dezembro de 1980) permitiu a apropriao privada do conhecimento e de invenes geradas em pesquisas financiadas por fundos pblicos federais nos Estados Unidos da Amrica. As instituies financiadas ficaram livres para fazer contratos com o setor privado, para realizar pesquisas utilizando verbas pblicas, e transferir para os parceiros parte ou a totalidade da propriedade intelectual dos ativos gerados.

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direitos4 e demora a examinar e definir os pedidos de registros. Estes e outros pro-blemas acabam gerando insegurana jurdica em relao PI, com impactos sobre os custos e a dinmica de inovao, facilitando e at incentivando o uso abusivo da PI para bloquear a inovao de concorrentes e gerar receitas de licenciamentos adquiridos por quem no tm real necessidade do conhecimento/tecnologia prote-gida, mas paga para encerrar litgios custosos e reduzir incertezas associadas utili-zao de tecnologias sob questionamento judicial.

CRESCEM AS DISPUTAS JUDICIAIS. Estes problemas tm se refletido no aumento de disputas judiciais envolvendo PI. So disputas milionrias, envolvendo grandes corporaes, universidade, pesquisadores. A imprensa especializada se refere a guerras de paten-tes, como a Revista da Fapesp, em sua edio de julho de 2018, que relata a disputa entre pesquisadores pelos direitos sobre a ferramenta de edio de genes, que j est revolucionando a engenharia gentica. Caviggiolii (2013), tomando como base as patentes concedidas em 20 pases (no inclui o Brasil) entre 2000 e 2008, mostra que o percentual de patentes questionadas variou de 1,75% na Coreia a 11,3% na Dinamarca, e que o percentual de patentes questionadas que foram revogadas e alteradas em funo de questionamentos judiciais variou de 10 a 28% para os litgios encerrados at 2005, e que mais o percentual de casos ainda pendentes em 2005 era elevado (entre 5 e 20%).

O ENVELHECIMENTO PRECOCE DO INPI. Esta dimenso aparece em destaque no Brasil, e se manifesta no chamado no acmulo de pedidos de patentes em anlise no INPI e no tempo para concluso da anlise. As debilidades do sistema no Brasil so ampla-mente conhecidas. Na viso de Buainain (2015),

o sistema envelheceu sem ter nunca se modernizado. O Instituto Nacional de Pro