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DESC~NTRALlZAÇAO E DELEGAÇAO DE AUTORIDADE FRANCISCO GOMES DE MATOS "Descentralizar pode set arriscado, mas centralizar é sempre 03tastrófico." - HÉLIO BELTRÃO. A complexidade dos negocios, o avanço da tecnologia moderna, as inovações, a velocidade nas comunicações, a diversificação das linhas de produção e os mercados em transformação e desenvolvimento fazem com que a admi- nistração se caraterize como atividade cuja execução de- manda, sobretudo, versatilidade. O administrador moder- no, porém, não mais se permite concentrar decisões, como fazia o tradicional chefe de emprêsas que se orgulhava de conhecer seu negócio, eis que lhe eram submetidas tôdas as vírgulas das cartas e tôdas as requisições de almoxa- rifado. Êsse orgulho fútil, falsamente decantado como "senso de responsabilidade" ou "ônus natural do dirigente", tem sido sintomático da racionalização da insegurança, da descon- fiança e da vaidade pessoal de tantos ex-empresários, fa- lidos por não estarem preparados para promover o cres- cimento da organização. A emprêsa, como organismo vivo, deve estar apta para a contingência natural e inelutável de crescimento. Não lhe resta outra opção, senão a de expandir para sobreviver. FRANCISCO GOMES DE MATOS -- Professor da Faculdade de Administração e Finanças, da Universidade do Estado da Guanabara.

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DESC~NTRALlZAÇAOE DELEGAÇAO DE AUTORIDADE

FRANCISCO GOMES DE MATOS

"Descentralizar pode set arriscado, mas centralizaré sempre 03tastrófico." - HÉLIO BELTRÃO.

A complexidade dos negocios, o avanço da tecnologiamoderna, as inovações, a velocidade nas comunicações, adiversificação das linhas de produção e os mercados emtransformação e desenvolvimento fazem com que a admi-nistração se caraterize como atividade cuja execução de-manda, sobretudo, versatilidade. O administrador moder-no, porém, não mais se permite concentrar decisões, comofazia o tradicional chefe de emprêsas que se orgulhava deconhecer seu negócio, eis que lhe eram submetidas tôdasas vírgulas das cartas e tôdas as requisições de almoxa-rifado.Êsse orgulho fútil, falsamente decantado como "senso deresponsabilidade" ou "ônus natural do dirigente", tem sidosintomático da racionalização da insegurança, da descon-fiança e da vaidade pessoal de tantos ex-empresários, fa-lidos por não estarem preparados para promover o cres-cimento da organização.

A emprêsa, como organismo vivo, deve estar apta para acontingência natural e inelutável de crescimento. Não lheresta outra opção, senão a de expandir para sobreviver.

FRANCISCO GOMES DE MATOS -- Professor da Faculdade de Administração eFinanças, da Universidade do Estado da Guanabara.

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o crescimento é sinal de vitalidade e garantia de sobre-vivência. Portanto, a estrutura empresária deve ser adap-tável a novas condições econômicas e humanas; seu pla-nejamento ideal não deve constituir óbice à realidade deseu. desenvolvimento. Os desequilíbrios e as disfunçõesnaturais do crescimento, que uma administração com ob-jetivos definidos deve estar apta a corrigir, encontram nadinâmica de podêres, acionada pelo exercício regular dadelegação de autoridade, a resposta correta para o esfôrçototal de expansão.

A descentralização como conseqüência de desenvolvimen-to, todavia, não se verifica pela simples multiplicação deestruturas departamentais, pois êsse expediente só lograriamanter o processo decisório dentro da mesma perspectivageral de decisão centralizada. Nem tampouco o fato dehaver várias filiais e diretorias em locais distantes significa.a ocorrência de descentralização; normas rígidas, limitado-ras da autoridade, pedem condicionar exageradamente adecisão a um poder central, a "matriz". O que se enten-desse, no caso, por descentralização não seria mais do ql\~tro espraiar de problemas "trabalhados" por grupos diver-sos, sob a pressão do aumento do volume de casos, massem a necessária autonomia da decisão, único fator capazde tornar a administração, como um todo, livre para exer-cer suas funções fundamentais de planejar, organizar, di-rigir, motivar e controlar.É através do racional exercício da delegação de autorida-de que se consubstancia, na realidade, a descentralizaçãosdministrativa. E é pela ausência de um sistema de dele-gação que muitas emprêsas, ao enfrentarem o problemado crescimento, comprometem seriamente sua sobrevivên-cia. O fato, entretanto, de a centralização ser, em geral,perigosa concentração de autoridade e responsabilidade,pelos riscos que acarreta de sobrecarga, burocratização,estafa e perda do sentido técnico de administração, nãoimporta em que a descentralização seja, em si mesma,vantajosa. A descentralização não pode ser reduzida a umpasse de mágica para atender a um organismo que se de-

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senvolva velozmente, nem a delegação deverá ser exercidapelo romântico reconhecimento de que se deve "valori-zar a pessoa humana" conferindo-lhe responsabilidades.

Com efeito, não é possível descentralizar sem delegar au-toridade, mas essa delegação há de ser fruto de uma pro-gramação que reflita autênticamente a filosofia de admi-nistração pela qual a emprêsa é, de acôrdo com sua pró-pria significação etimológica, uma coordenação de esfor-ços para a obtenção de objetivos comuns. Portanto, defi-nida a filosofia da emprêsa através de políticas gerais eespecíficas, com diretrizes bem delineadas, cargos e fun-ções determinados, pessoal bem selecionado e treinado, eracional sistema de comunicações, torna-se realidade a de-legação, condicionada que esta fica a objetivos claramentedefinidos, à existência de atribuições específicas para cadacargo e a relações de autoridade nitidamente fixadas. Adelegação de autoridade repousa, assim, em chefias queconheçam, treinem e motivem suas equipes, estabelecendoobjetivos claros, bem como métodos e procedimentos paraalcançá-los eficientemente.

Em suma, descentralizar - e, conseqüentemente, delegarautoridade - é o recurso de que a administração se valetanto para garantir sua sobrevivência, quanto para poderexpandir sua ação, desenvolvendo o pessoal para os com-promissos que o crescimento implica.

CAUSAS DE FRACASSO DAS EMPRÊSAS

Várias pesquisas têm demonstrado que o fracasso das or-ganizações se prende, em grande parte, à falta ou à máutilização da delegação de autoridade. A incapacidadepara delegar autoridade foi uma das três principais defi-ciências levantadas por F. J. GANDET1 como causas dosinsucessos administrativos de duzentas companhias. ]OHN

1) Citado por KOONTZ e O'DONNELL em Princípios de Administração, pág. 94'.

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K. HEMPHILL 2, da Comissão de Pesquisas de Pessoal daUniversidade do Estado de Ohio, analisando 500 gruposde vários níveis profissionais, constatou que a liderançado grupo está intimamente ligada à possibilidade do exer-cício da delegação: a pesquisa pôde caraterizar 73% dês-ses 500 grupos como "bons ou excelentes líderes", en-quanto que aquêles que "nunca, raramente ou ocasional-mente delegaram" - ou seja, 27% - foram classifica-dos como "regulares, fracos ou maus líderes".

Reforçando essas considerações, HÉLIO BEL TRÃO cons-tatou em estudo realizado em 1961 para reforma admi-nistrativa do Govêrno do Estado da Guanabara as conse-qüências terríveis de uma estrutura centralizada. O le-vantamento a que procedeu sôbre o emperramento doprocesso administrativo demonstra, de maneira impressio-nante, os trâmites burocráticos a que estava sujeita umasimples requisição para compra de um remédio: 47 pes-soas informavam o processo, que subia 8 vêzes ao conhe-cimento do Sr. Secretário de Saúde, uma vez ao Sr. Go-vernador, outra à Secretaria de Finanças e, não raro maisde uma vez, ao egrégio Tribunal de Contas. Isso repre-sentava uma tira de quase 2 metros de comprimento queHÉLIO BELTRÃO exibiu durante um seminário de geren-tes realizado no Banco do Estado da Guanabara em 1964.

Por seu turno, MURRAY D. BRYCE, renomado economistacanadense, contratado por inúmeros governos, como con-selheiro, para planejar bancos de desenvolvimento e estu-dar problemas relativos ao investimento estrangeiro, reve-la em seu excelente livro Industrial Developtnent as cau-sas do insucesso de vários projetos industriais, tôdas liga-das à administração, que considera a "chave do sucesso".BRYCE aponta as 10 causas principais de fracasso admi-nistrativo que freqüentemente fazem malograr os proje-tos industriais nos países em desenvolvimento, levando àbancarrota emprêsas novas e antigas:

2) Citado por DONALD A. LAIRD e .ELEANOR C. LAIRD em As Técnicas deDelegar. págs. 38, 39 e 40.

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l.a) incompreensão das funções da alta direção;

2.a) falta da autoridade e da responsabilidade necessá-rias à direção;

3.a) insuficiência de pessoal administrativo;

4.a) falta de administradores experimentados;

s.a) falta de liderança;

6.a) falta de delegação;

7.a) desconhecimento da importância do custo e doslucros;

falta do emprêgo da contabilidade como instru-mento de administração;

falta de inteligente manejo do pessoal;

falta de uma atividade consciente (objetivi-dade).

Sua análise pormencrizada sôbre cada fator mostra que,em essência, as causas se prendem a u'a má caraterizaçãoda filcsofia empresária no que concerne à estrutura de au-toridade. Como se percebe, os fatôres negativos mencio-nados no decálogo de BRYCE - má fixação de objetivos,comunicações deficientes, contrôles inadequados, falta detreinamento e liderança etc. - são todos conseqüentes deuma administração centralizada, sem delegação de auto-ridade.

QUANDO SE DEVE CENTRALIZAR

A descentralização não significa a inexistência de umórgão central que defina a filosofia, as políticas e as dire-trizes gerais da emprêsa, e que estabeleça o planejamentoglobal e os contrôles necessários para que não haja que-bra da unidade orgânica.

Há, até mesmo, situações de emergência em que o poderde decidir precisa ser centralizado para enfrentar riscos

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de abalo à sobrevivência empresária, quando surge a ne-cessidade de mudanças rápidas na política comercial emfunção de imprevisíveis alterações na conjuntura a que aemprêsa esteja ligada, direta ou indiretamente.

Numa descentralização em processamento as decisões sóserão transferidas dos escalões superiores aos inferioresprogressivamente, de conformidade com o que tiver sidoplanejado a longo e a curto prazos. Decisões quanto àsegurança econômico-financeira e à expansão da emprêsacomo um todo orgânico e indivisível são de competênciada administração geral; grandes decisões exigem grandespodêres.

DESCENTRALIZAÇÃO EM FUNÇÃO DA NATUREZA DAS ATIVIDADES

Certas atividades exigem maior grau de descentralizaçãoque outras. Vendas, por exemplo, atividade-fim da em-prêsa, só se tornam produtivas quando se faculta aos seusexecutivos liberdade de ação e decisão, em virtude dascaraterísticas extremamente diversificadas do mercadoconsumidor. A descentralização em vendas é requisitofundamental na luta com a concorrência, na conquista demercados, na manutenção de padrões de eficiência e lide-rança. Por outro lado, o modo de agir da clientela exigeque o esfôrço de vendas se concentre nas exigências doconsumidor. É preciso procurar o freguês, convencê-lo,superar suas objeções, enfim, satisfazer suas necessidades.Ora, a centralização em vendas, retardando o processo de-cisório, significaria perda de mercado e estagnação.

Finanças, no entanto, é atividade geralmente centralizadae com maior índice de concentração de autoridade, inclu-sive nas emprêsas que adotam diretrizes nitidamente des-centralizadoras. Justificam-no a lucratividade das opera-ções e a estabilidade da emprêsa. Todavia, certos exagerosnessa área podem amarrar e burocratizar excessivamenteas decisões, com evidentes prejuízos para a dinâmica daemprêsa e para o pleno exercício da delegação nos depar-tamentos. Contrôle orçamentário e verificação da adequa-

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da realização dos planos aprovados não significam des-pótico sistema destinado a controlar minúcias de gastos eexagerada contabilização de custos.

O que é importante destacar é que a administração deveestar consciente da importância da delegação para a ex-pansão dos negócios. Advertido quanto ao seu significado,o administrador verificará se lhe convém ou não adotarpráticas descentralizadoras e, na hipótese afirmativa, o quedeverá fazer para descentralizar os podêres gradativamen-te. Cuidará para que a delegação se processe sem açoda-mento, com pessoal qualificado, com eficiência de contrô-les etc., e evitará a desagradável contingência de voltar acentralizar como recurso extremo para correção de falhasocorridas na delegação. A frustração decorrente dêsse re-trocesso administrativo causa profundo abalo na estruturada emprêsa, com repercussões negativas sôbre o moral dogrupo, gerando descrenças perigosas à sua própria sobrevi-vência.

Excecionalmente, todavia, a recentralizaçâo se justificadiante de situações problemáticas, como crises econô-mico-financeiras, que demandem racionalização de custos,reformulações políticas e reorganização administrativa.Nesses casos torna-se imprescindível um perfeito sistemade comunicações como medida preventiva da queda domoral do grupo. Vencida a fase crítica, deve-se restauraro sistema de descentralização administrativa em bases ra-cionais, com planejamento e contrôle adequados.

Se é verdade que a sobrevivência da emprêsa, em mo-mentos excecionais, exige recentralizaçâo, a expansão,porém, só se verifica autênticamente com estruturas des-centralizadas e efetivo exercício da delegação.

ERROS COMUNS NA DESCENTRALIZAÇÃO

Num programa de descentralização administrativa não sepode ignorar que a emprêsa é um todo organizado paraobtenção de certos objetivos comuns a todos os departa-

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mentos. Portanto, o entendimento de certos gerentes deque descentralização significa independência absoluta énão apenas errôneo, como desastroso; seria como admitir,numa inversão de valôres, que uma parte fôsse mais im-portante que o conjunto empresário. Mesmo assim, assis-timos, tôda a hora, a executivos que advogam uma auto-nomia que significa horror a qualquer ingerência do podercentral e rebeldia a todos os contrôles, numa evidente de-monstração de que a emprêsa nessas condições não teriasentido nem razão-de-ser. Estão de tal modo obcecadospelo orgulho profissional que não vêem o óbvio de quedevem servir à emprêsa e não se servirem dela; compor-tam-se como se o sucesso do seu departamento devesseser conquistado a qualquer preço, até mesmo em prejuízoda sobrevivência do organismo empresário. Admitir o cri-tério da autonomia absoluta seria estabelecer a desinte-gração do organismo, dando azo ao aparecimento de ver-dadeiros "donos da área", dêsses que têm a mania de falar"Não admito intervenções em meu setor!" ...

DESCENTRALIZAÇÃO COM EFICIÊNCIA

A General Motors Corporation é a emprêsa unânime mentecitada pelos autores de Administração como exemplo desucesso com estruturas descentralizadas. Ela faz da des-centralização o ponto marcante de sua filosofia empresá-ria, o que explica, pelo menos em parte, porque ela con-tinua sendo a maior emprêsa do mundo, a despeito detodos os embates e contratempos que tem enfrentado nosseus mais de trinta anos de intensa concorrência mundial.

PETERDRUCKER,que promoveu estudo acurado da orga-nização da General Motors e entrevistou executivos daemprêsa, verificou que "95% de tôdas as decisões queafetavam suas operações estavam compreendidas dentroda área de autoridade do gerente'", alinhando como van-tagens daí decorrentes as seguintes:

3) KOONTZ e O'DoNNELL, op. cit ..

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l.a) rapidez e ausência de confusão na decisão;

2.a) ausência de conflito entre a alta adminjstraçâo eas divisões;

3.a) sentimento de eqüidade ao tratar com executivos,confiança em que um trabalho bem feito seria re-conhecido e ausência de politicagem na organização;

4.a) informalidade e democracia na administração;

s.a) inexistência de "distância" entre os poucos altosadministradores e os muitos administradores subor-dinados;

6.a) disponibilidade de grande reserva de pessoal admi-nistrativo com possibilidade de promoção;

7.a) rápida visão de falhas administrativas através dcsresultados de divisões competidoras semi-indepen-dentes;

8.a) ausência de "administração por editais" e presençade informações e considerações completas em rela-ção às decisões da administração central.

Os itens supracitados expressam, em síntese, o vigor deuma administração com objetivos bem definidos e relaçõesharmoniosas, destacando-se como resultados positivos egarantidores de uma vitoriosa política de expansão os itens6 (reserva de pessoal promovível) e 7 (contrôle espon-tâneo e automático de resultados, mediante sadia compe-tição interdepartamental). .

o CONTRÔLE NA DESCENTRALIZAÇÃO

O êxito de uma administração descentralizada está estrei-tamente ligado a um racional sistema de contrôle. O chefenão pode "abrir mão", incondicionalmente, das funções deplanejar e controlar, pois se a primeira é preparatória dedecisões acertadas, a outra é garantidora do acêrto dessasdecisões. Através do contrôle evita-se o risco da desinte-

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gração das diretrizes gerais; mantém-se unificada a açãototal da emprêsa.Descentralizar não é, como muitos pensam, "passar a bolaadiante", com as nefastas conseqüências que os desencon-tros de ordens, a diversificação de atitudes e as decisõescontraditórias determinam. Diz-se, quando isso ocorre, qu~falhou a descentralização, relega-se à descrença a delega-ção, racionalizam-se as atitudes autocráticas e centraliza-doras, emperra-se o sistema empresário, freia-se o pro-gresso, preparam-se as decisões à base de quilos de papele quilométricos processos, adotando-se como cota-praxe aproposição "sobe à consideração da autoridade superior",num sistema suicida de concentração de podêres e fugade responsabilidades. Os custos aumentam, diminui a pro-dutividade individual, perde-se a consciência grupal.Ocorrem, então, falta de entusiasmo, desinterêsse, ausên-cia de iniciativas, desestímulo à criatividade e as conse-qüências naturais: "fazer serão", "horas extras de traba-lho" ... e muita pressão do alto para que o "serviço saia".Mas, "não se corre o risco" . . . Como se o maior risco nãofôsse o de centralizar.

Ao delegar, o chefe assume o risco natural dos erros quevierem a ser cometidos. Quando o chefe exerce contrôlerígido sôbre o delegado, inibe-o; quando o censura impie-dosamente pelos erros, intimida-o, induzindo-o ao "mêdopela responsabilidade"; a combatividade do subordinadoirá diminuindo à medida que seus erros forem negativa-mente reforçados pela chefia.

Só o chefe tem condições para avaliar sua equipe e dizero nível de delegação de cada subordinado. E é atravésdo exercício da delegação que o chefe irá verificar a capa-cidade dos seus funcionários para receber encargos. Quan-do os erros se repetem apesar das instruções dadas, doacompanhamento e do contrôle iniciais; quando o funcio-nário sobrecarrega a chefia com consultas constantes;quando "amarra" os problemas para resolvê-los "com otempo" ou simplesmente não resolvê-los, relegando-os ao

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esquecimento, então a chefia verifica a que atribuir essasituação: se à indisciplina, à falta de interêsse ou à inca...pacidade do funcionário. E tomará as providências cabíveisa cada caso.

CONTRÔLES DEFICIENTES E INEFICIÊNCIA

Se não houver um sistema racional de contrôle, o adminis-trador não terá condições para analisar o risco da autori,dade delegada. Com isso não poderá exercer sua funçãosupervisora, corrigindo erros e gratificando acertos. O riscoque o administrador deve correr ao delegar será, tantoquanto possível, um "risco calculado". Sem contrôle oadministrador não terá meios para exercer ação preven-tiva, expondo-se a constatar tardiamente fracassos irre-cuperáveis que lhe reforçarão negativamente a descrençana delegação. A falta de contrôle ou a existência de con-trôles deficientes acarretam insegurança à chefia que, aoinvés de aparelhar-se adequadamente, passa a usar desubterfúgios e racionalizações para concentrar cada vezmaior poder de decisão. Como conseqüência, seus subal-ternos deixam de errar por não terem oportunidade defazê-lo, mas, em contrapartida, os erros da chefia seacumulam em progressão geométrica, pondo em risco aprópria segurança dos negócios. O chefe se acostuma àidéia de que é impossível delegar, e não delega, até queum dia verifica não mais poder suportar o pêso das res-ponsabilidades. Essa verificação corresponde, quase sem-pre, à falência, à venda do negócio ou à moderna saída peloenfarte. Mas pode também corresponder à contrataçãode técnicos de administração que lhe dêem a estruturanecessária para que o processo decisório se torne dinâmico,seguro e eficiente, com maior delegação de autoridade.E, então, nem tudo estará perdido.

ATITUDES ERRÔNEAS DO ADMINISTRADOR

Por tradição, alguns administradores conservam hábitos eatitudes administrativos incompatíveis com o crescimentoda organização. Às sérias responsabilidades que a expan-

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são lhes conferiu somam o conjunto de tarefas rotineiras ede significação subalterna que continuam a executar porinércia ou inadvertência. Não percebem que o progressoem chefia é qualitativo e não quantitativo. Porque quantomaiores forem as responsabilidades, tanto maior o rigorseletivo quanto ao nível e à natureza das decisões.

A dinâmica de uma emprêsa não é rigorosamente retrata-da por organogramas bem traçados, nem tampouco porteóricas relações de linha, em diagramas ou fluxogramasque não correspondem a uma "realidade vivida", onde osníveis de decisões se hierarquizam por sistemas racionaisde administração.Para que o chefe possa - em qualquer nível, mas espe-cialmente nos escalões superiores - exercer as funçõesque lhe são típicas (planejar, organizar, motivar e contro-lar) é mister que selecione seus encargos, distribuindo sei;tempo em graus de importância. Quando o chefe se ocupacom minúcias delegáveis a funcionários de menor categoriaestá sendo anti-econômico, está onerando os recursos daemprêsa, quase sempre inconscientemente. Nisso reside,muitas vêzes, o trágico da questão: êle pensa que se está"matando" pela emprêsa e, na verdade, êle a sacrifica,acumulando quefazeres e, conseqüentemente, emperrandoo processo decisório. Daí decorrem a falta de oportunida-de para que os subordinados se desenvolvam e suas resul-tantes inexoráveis: desestímulo, falta de iniciativa e cria-tividade, oposição, ciúmes e absentismo.

PROMOÇÃO MAL ORIENTADA

É mais corrente do que se pensa o chefe, ao ser promovido,tratar o substituto em seu cargo anterior como eternoaprendiz. Não larga os encargos antigos: limita-se a tor-ná-lo seu "atendente" a quem dá ordens para fazer. "Élenão está preparado para a delegação" - dizem algunsdos que agem dessa forma; outros nem consideram o pro-blema, julgando natural terem de preocupar-se em dôbro.É que o chefe está convencido ou de que só êle é cepez

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de realizar, ou de que só êle deve realizar. No primeirocaso falta-lhe confiança no funcionário, que passa a sen-tir-se frustrado, inseguro e inibido a qualquer esfôrço ir-o-vador ou cooperação extraordinária. No segundo caso.quase sempre, é o chefe que está inseguro, por receio dever-se superado.O chefe não delega, também, por não ter seu trabalhoplanejado, não dispondo, portanto, nem de tempo nemde material (normas de serviço etc.) para instruir e con-trolar.

Falta de delegação é conseqüência, ainda, das deficiênciasde comunicação do chefe. Não sabe dizer, só sabe fazer,o que sempre fêz foi fazer, então continua fazendo, inde-pendentemente das promoções que venha conquistando.Quanto mais sobe na escala hierárquica, tanto mais des-confia dos outros; quanto mais enfeixa responsabilidades,tanto mais representa para a emprêsa perda de produti-vidade. Repete-se o velho e sempre atual refrão: "per-de-se um bom funcionário e ganha-se um mau chefe".

Para eliminar a tendência dos chefes em se julgarem in-substituíveis - e, com isso, não delegar, nem treinar oseu pessoal - deve-se condicionar sua promoção à for-mação de substitutos, tornando essa prática uma diretrizpublicamente reconhecida na emprêsa.

CONDIÇÕES BÁSICAS PARA DELEGAR

Há duas condições imprescindíveis ao exercício adequadoda delegação:

• estrutura orgânica bem definida, com um esquema deautoridade onde as relações estejam claramente estabele-cidas, de modo que cada um saiba qual é sua posição naemprêsa;8 descrição, por escrito, de cada cargo, com suas atribui-ções, responsabilidades e limites de autoridade (compe-tência).

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Deve-se dar ampla divulgação a êsse documento entre opessoal da emprêsa; só assim será possível garantir con-dições funcionais básicas para um programa entre as che-fias, de estímulo à delegação. Com base nesses elementosserá possível desenvolver programas de treinamento in-tensivo sôbre a delegação e o processo decisório.

A prática da delegação, todavia, como, a rigor, de tôdasas técnicas administrativas, só se tornará realidade peloexemplo da cúpula. Se os altos administradores são cen-tralizadores, como esperar que as chefias médias aceitemas recomendações de que deleguem? Com a concentraçãoda autoridade os administradores tornam-se irritadiços,rígidos, extremamente exigentes: exercem contrôle per-manente sôbre seus subalternos, cobrando-lhes, a todo mo-mento, providências e encargos. Nesse clima de designa-ções constantes e constante contrôle, como pretender esti-mular a delegação?

CONCLUSÕES

Quem defende a democracia como regime político e a li-vre-iniciativa como sua expressão vitalizadora nos negó-cios não tem como deixar de reconhecer a delegação deautoridade como instrumento de humanização e demo-cratização da emprêsa, que estimula o pessoal à livre ex-pressão, à iniciativa e à efetiva participação nas decisões.

Pela descentralização abre-se campo às inovações, estimu-lam-se a busca de soluções novas, a aplicação de linhas deatuação, a conquista de mercados, as modificações tecno-lógicas e o desenvolvimento do pessoal.

O que caracteriza a descentralização é a progressiva auto-ridade para que os problemas sejam decididos na própriaárea de realização do trabalho, "em cima do fato", na linhaexecutiva, e não por "órgãos centrais", distantes da rea-lidade.

Portanto, ao falar em descentralização administrativa eem delegação de autoridade, é mister não descurar das

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funções fundamentais da administração. Consoante o clás-sico esquema de FAYOL, o administrador pode delegarprevisão, organização, coordenação e até controle, mas ocomando é indelegável. Através da autoridade êle exercitasua função essencial: decidir. Previsão e organização pre-param essa decisão, assim como a coordenação e o con-trôle põem à prova a sua eficiência para novas decisõese planejamentos.

A descentralização não pode representar quebra na uni-dade doutrinária e dinâmica da emprêsa, nem na inte-gração do pessoal, com grande diversificação na estruturada autoridade. Não se quer substituir um regime de cen-tralização do poder - com a rigidez emperradora de exe-cuções rotineiras, excessivas responsabilidades, barreira aodesenvolvimento pessoal, engarrafamento e deturpaçãodas comunicações - pelo caos em que todos mandam aseu modo, com tremendo desgaste em choques de pres-tígio, dualidade de decisões e conflitos de competência porfalta de unidade de comando e de continuidade adminis-trativa.

Para que haja descentralização eficiente e efetivo sistemade delegação de podêres são precisos perfeita infra-estru-tura administrativa, objetivos, políticas, autoridade e res-ponsabilidades definidos e, finalmente, coordenação econtrôles que garantam a qualidade e a firmeza de umeficiente comando.