Desde o primeiro instante

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Tammy Luciano Desde o primeiro instante De Tammy Luciano Meu coração acelerara. Eu estava nervosa. Nervosa não, nervosíssima, muito nervosa. Por que quando a gente menos precisa, a adrenalina parece fazer efeito dentro de nós e nos contamina de um nervoso crescente que você não sabe se dará conta de controlar? Fiquei congelada em frente ao espelho da sala, tentando me concentrar e aproveitando para reparar se estava bonita. Sentia-me leve aquele dia e, apesar da tensão, estava feliz. Milena me ligara duas vezes, querendo saber meu estado. Tudo tinha começado por causa dela e minha amiga se mostrava simplesmente eufórica de imaginar a possibilidade de ser cupido no mundo real. Desliguei o telefone da segunda vez com a desculpa que precisava calçar minha sandália. Na verdade, os gritinhos histéricos da Milena me deixavam tensa. Curioso é que quase não conheci o Matheus. Por pouco desistira de ir na casa da Milena. Seu aniversário seria comemorado de maneira íntima, com um jantar super fofo para umas quinze pessoas. A semana tinha sido muito corrida, com duas provas na faculdade, o estágio no escritório consumindo minhas energias e pensei em não comparecer. Em cima da hora, depois da insistência do meu irmão e sua namorada, resolvi me arrumar. Coloquei um vestido de bolinhas, ganho da minha mãe, que combinei com uma sandália prateada. Confesso, não esperava surpresas no jantar. Talvez a vida seja assim; só acontece quando nossas expectativas não são maiores do que nós mesmos. Depois dos pratos servidos, Caio, o meu amigo mais popular, passou a contar piadas junto com o meu irmão, na sala de estar. As pessoas foram chegando mais perto e rindo, antes mesmo de entender as histórias contadas. Percebi que Matheus, grande amigo da aniversariante, me observava e depois, quando dei por mim, estava do meu lado. Tínhamos nos olhado desde o primeiro instante. Foi mais forte do que qualquer descrição. Juro, tentei prestar atenção ao que Caio e meu irmão contavam, mas de repente todo o universo silenciou e um zumbido de nervoso começou a tocar na minha cabeça e sentia nitidamente a intensidade dos batimentos do meu coração. - Minha missão essa noite é conseguir seu telefone, você precisa me ajudar, moça – A voz de Matheus tinha a beleza de seu rosto. Sorri envergonhada. Naquele momento, eu vivia uma daquelas situações, onde acontece exatamente o que a gente quer, mas fica impossível saber como se comportar. - Espero que não seja uma missão impossível. Se você for um cara legal... - Não sei se sou o cara mais legal de todos, mas acho que sou bem legal. Muito legal, eu diria. Fiquei rindo e voltei a olhar para Caio, contando piadas no meio da sala. Matheus ficou do meu lado e rimos juntos das histórias desconexas da dupla. Depois quando a comemoração acalmou, Matheus me falou da faculdade, do seu jeito de ser, da paixão pelo Rio, praia, sol, música, viagem... Entreguei meu telefone, quando ficou óbvio que tínhamos nos identificado muito.

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Conto "Desde o primeiro instante" da autora Tammy Luciano para o aniversário do site www.sobrelivros.com.br

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Tammy Luciano

Desde o primeiro instante

De Tammy Luciano

Meu coração acelerara. Eu estava nervosa. Nervosa não, nervosíssima, muito nervosa. Por que quando a gente menos precisa, a adrenalina parece fazer efeito dentro de nós e nos contamina de um nervoso crescente que você não sabe se dará conta de controlar? Fiquei congelada em frente ao espelho da sala, tentando me concentrar e aproveitando para reparar se estava bonita. Sentia-me leve aquele dia e, apesar da tensão, estava feliz.

Milena me ligara duas vezes, querendo saber meu estado. Tudo tinha começado por causa dela e minha amiga se mostrava simplesmente eufórica de imaginar a possibilidade de ser cupido no mundo real. Desliguei o telefone da segunda vez com a desculpa que precisava calçar minha sandália. Na verdade, os gritinhos histéricos da Milena me deixavam tensa.

Curioso é que quase não conheci o Matheus. Por pouco desistira de ir na casa da Milena. Seu aniversário seria comemorado de maneira íntima, com um jantar super fofo para umas quinze pessoas. A semana tinha sido muito corrida, com duas provas na faculdade, o estágio no escritório consumindo minhas energias e pensei em não comparecer. Em cima da hora, depois da insistência do meu irmão e sua namorada, resolvi me arrumar. Coloquei um vestido de bolinhas, ganho da minha mãe, que combinei com uma sandália prateada.

Confesso, não esperava surpresas no jantar. Talvez a vida seja assim; só acontece quando nossas expectativas não são maiores do que nós mesmos. Depois dos pratos servidos, Caio, o meu amigo mais popular, passou a contar piadas junto com o meu irmão, na sala de estar. As pessoas foram chegando mais perto e rindo, antes mesmo de entender as histórias contadas. Percebi que Matheus, grande amigo da aniversariante, me observava e depois, quando dei por mim, estava do meu lado. Tínhamos nos olhado desde o primeiro instante. Foi mais forte do que qualquer descrição. Juro, tentei prestar atenção ao que Caio e meu irmão contavam, mas de repente todo o universo silenciou e um zumbido de nervoso começou a tocar na minha cabeça e sentia nitidamente a intensidade dos batimentos do meu coração.

- Minha missão essa noite é conseguir seu telefone, você precisa me ajudar, moça – A voz de Matheus tinha a beleza de seu rosto. Sorri envergonhada. Naquele momento, eu vivia uma daquelas situações, onde acontece exatamente o que a gente quer, mas fica impossível saber como se comportar.

- Espero que não seja uma missão impossível. Se você for um cara legal...

- Não sei se sou o cara mais legal de todos, mas acho que sou bem legal. Muito legal, eu diria.

Fiquei rindo e voltei a olhar para Caio, contando piadas no meio da sala. Matheus ficou do meu lado e rimos juntos das histórias desconexas da dupla. Depois quando a comemoração acalmou, Matheus me falou da faculdade, do seu jeito de ser, da paixão pelo Rio, praia, sol, música, viagem... Entreguei meu telefone, quando ficou óbvio que tínhamos nos identificado muito.

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Fomos embora juntos, Matheus gentilmente me levou até o carro. Descemos o elevador junto com o meu irmão e sua namorada. Tiramos fotos no elevador, rimos das caretas mais bobas e divertidas que só as pessoas felizes fazem.

E agora faltavam minutos para ele me pegar em casa, depois de dois dias sem nos encontrarmos. Eu continuava congelada em frente ao espelho, quando escutei batidas na porta. O que acontecera com a campainha? Pelo olho mágico, dei de cara com a expressão sorridente de Matheus. Abri a porta.

- Subornei seu porteiro. Ele me deixou subir, sem me anunciar.

Matheus ficou sem graça de entrar, mas eu o puxei:

- Na verdade, só deixo você entrar aqui, porque a Milena te conhece muito bem. Fica frio que meus pais estão lá dentro. Espera aqui na sala, vou buscar minha bolsa.

Corri para o quarto, queria realmente pegar minha bolsa, mas também ter um ataque, desses que só as garotas entendem, por estar mais uma vez diante de um cara simplesmente maravilhoso.

Voltei e Matheus esperava na sala. Nos olhamos. Ele folheava o livro que esqueci no sofá:

- Amigas (Im)perfeitas? Você está lendo esse livro?

- Estou! É de uma autora brasileira, a Leila Rego. O livro é ótimo, as protagonistas são apaixonadas por Legião Urbana. Eu não sou do tempo da banda, mas meu pai adora.

- As letras do Renato Russo são demais! "Me abraça forte, me diz mais uma vez que já estamos, distantes de tudo. Temos nosso próprio tempo" - Sim, Matheus cantou Legião Urbana, me olhando de maneira decidida e apaixonada. Fiquei vermelha e tentei controlar a tensão, seguindo com a conversa.

- Eu amo livros nacionais por isso. Falam do nosso universo. Não sei se curte livros, mas faço parte de um blog literário chamado SobreLivros.

- Sério? Que bacana! E o que você escreve no blog?

- Leio os livros, faço resenhas, aviso sobre lançamentos, entrevisto autores, faço promoções, tenho parcerias com editoras que me mandam livros para avaliar...

- Quanto trabalho! – Ele ficou me admirando, enquanto eu falava animada da minha vida de blogueira.

- É minha maneira de distrair das tensões do estágio, acredita? Amo os livros, não consigo entender quem vive sem eles. Você curte ler?

- Muito, mas não tenho um blog. Tô lendo Crime e Castigo, do Dostoievski.

Sorrimos. Um minuto de silêncio, meu mais novo amigo agora sentado no sofá da minha casa, me observava, enquanto eu quase caía do salto de tanto nervoso. Ele levantou. Caminhei até o corredor e avisei meus pais que estava saindo. Os dois assistiam no quarto a um filme e gritaram em coro:

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- Divirtam-se!

Certamente nos divertiríamos. Essa seria a primeira vez que eu e Matheus sairíamos sozinhos. Uma sintonia nos envolvia, nosso papo tinha uma fluência que nunca vivi antes e ali, de maneira tão singela e doce, começava a história mais especial da minha vida.