DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E - Abiarroz · Embrapa Arroz e Feijão Santo Antônio de Goiás - GO...

120

Transcript of DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E - Abiarroz · Embrapa Arroz e Feijão Santo Antônio de Goiás - GO...

Embrapa Arroz e FeijoSanto Antnio de Gois - GO

2005

DESENVOLVIMENTO TECNOLGICO E DINMICA DA PRODUO DE ARROZ

DE TERRAS ALTAS NO BRASIL

Carlos Magri FerreiraIvan Sergio Freire de Sousa

Patricio Mndez del Villar Editores

Empresa Brasileira de Pesquisa AgropecuriaCentro Nacional de Pesquisa de Arroz e FeijoMinistrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento

Exemplares desta publicao podem ser adquiridos na:

Embrapa Arroz e FeijoRod. Goinia Nova Veneza , Km 12Caixa Postal 179Fone: ( 0xx62) 533 2123Fax: (0xx62) 533 [email protected] Santo Antnio de Gois - GO

Supervisor Editorial: Marina A. Souza de OliveiraRevisor de texto: Vera Maria Tietzmann SilvaNormalizao bibliogrfica: Ana Lcia D. de FariaCapa: Fbio NoletoEditorao eletrnica: Fabiano Severino

1. edio1. impresso 2005: 2.000 exemplares

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)Embrapa Arroz e Feijo

Desenvolvimento tecnolgico e dinmica da produo de arroz de terras altas no Brasil / editores, Carlos Magri Ferreira, Ivan Sergio Freire de Sousa, Patricio Mndez del Villar. - Santo Antnio de Gois : Embrapa Arroz e Feijo, 2005.

118 p.

ISBN 85-7437-024-X

1. Arroz de Terras Altas - Produo. 2. Arroz de Terras Altas - Eco-nomia Agrcola. - Dinmica Agrcola. 3. Arroz de Terras Altas - Comer-cializao. I. Ferreira, Carlos Magri. II. Sousa, Ivan Sergio Freire de. III. Mndez del Villar, Patricio. IV. Embrapa Arroz e Feijo.

CDD 633.179 (21. ed.)

Embrapa 2005

AUTORES

Augusto Hauber GameiroEngenheiro Agrnomo, Doutor em Economia Aplicada,Centro de Estudos Avanados em Economia(ESALQ/USP)Av. Pdua Dias, n o 11Caixa postal 13213400-970 - Piracicaba, [email protected]

Carlos Magri Ferreira Engenheiro Agrnomo, Mestre em Economia Aplicada,Embrapa Arroz e Feijo, Rod. Goinia Nova Veneza, Km 12,75375-000 Santo Antnio de [email protected]

Patricio Mndez del VillarEconomista, PHD., Centre de Coopration Internationale en Recherche Agronomique pour le Dveloppement(Cirad/Frana)Avenue Agropolis34398 Montpellier, Cedex [email protected]

Paulo Nazareno Alves AlmeidaEngenheiro Agrnomo, Mestre em Economia Aplicada,Centro de Estudos Avanados em Economia(ESALQ/USP)[email protected]

Tiago Sarmento BarataEngenheiro AgrnomoMembro da equipe do Arroz BrasileiroRua Campos Sales, 1818, Sala 41Vila Boyes13416-310 - Piracicaba, [email protected]

4

5

APRESENTAO

Preocupada com o problema da fome que atinge uma vasta parcela da regio do Semi-rido nordestino, a equipe do projeto Segurana Alimentar: Estudo da Logstica da Oferta e Demanda de Alimentos para o Programa Fome Zero, da Secretaria de Administrao e Estratgia (SGE), da Embrapa, juntou-se a estudos em andamento na Embrapa Arroz e Feijo, com o objetivo de aumentar e aprofundar as anlises da produo de arroz de vrzea e de terras altas (sequeiro). Este livro , assim, fruto de uma importante parceria e unio de esforos, colocando em sintonia instituies nacionais e internacionais. Sua origem uma pesquisa intitulada Dinmica da produo e competitividade da cultura do arroz de terras altas no Brasil, que foi realizada por meio de um convnio entre a Embrapa Arroz e Feijo, o Cirad (Centre de Coopration Internationale en Recherche Agronomique pour le Dvelopment), da Frana, e o Centro de Estudos Avanados em Economia Aplicada (Cepea), da ESALQ/USP.

Para dar o devido amparo legal instituio internacional envolvida no projeto, foi estabelecido um convnio entre o Brasil e a Frana na Associao Brasileira de Cooperao ABC. Os objetivos propostos no projeto foram os seguintes: identificar sistemas produtivos do arroz em regies produtoras no Estado de Mato Grosso e avaliar impactos ocasionados por inovaes tecnolgicas, estudar a evoluo do mercado e realizar estudos de preos e margens de comercializao, e diagnosticar caractersticas do arroz transacionado no mercado internacional.

Apesar do seu alto potencial de insero em sistemas de produo de gros nos cerrados, os dados coletados no estudo indicam que o papel preponderante do arroz de terras altas ainda o de cultivo pioneiro em reas rcem desmatadas. Nos diferentes captulos o leitor ver que, do ponto de vista do produtor, continua a existir insegurana quanto comercializao do produto. De uma maneira geral, o livro mostra que muitas concepes sobre o cultivo do arroz

Afin dapporter leur contribution la rsolution du problme de la persistance de la faim, principalement en priode de scheresse, dans une vaste rgion semi aride du Nordeste brsilien, deux quipes de lEmbrapa ont dcid de joindre leurs efforts pour approfondir les analyses sur la production de riz inond et pluvial au Brsil. Il sagit de lquipe du projet Scurit Alimentaire : Etude de la Logistique de lOffre et Demande dAliments pour le Programme Faim Zro du Secrtariat dAdministration et Stratgie (SCE) du sige de lEmbrapa, et de lquipe de recherche en agro-conomie du centre Embrapa Riz et Haricots de Goinia. Louvrage prsent ici est la synthse de cette contribution.

Cet ouvrage est ainsi le fruit dun important partenariat et la runion defforts mettant en relation des institutions brsiliennes et trangres. Les travaux ont t initis dans le cadre du projet de recherche intitul Dynamique de la production et comptitivit de la culture du riz pluvial au Brsil , ralis en coopration entre le centre Embrapa Riz et Haricot , le Cirad (Centre de Coopration Internationale en Recherche Agronomique pour le Dveloppement) et le Centre dEtudes Avances en Economie Applique (Cepea) de lESALQ/USP. Cette collaboration a t encadre par une convention tablie entre le Brsil et la France par le biais de lAgence Brsilienne de Coopration ABC, convention fixant au projet les objectifs suivants : identifier les systmes productifs rizicoles dans des rgions productrices de lEtat du Mato Grosso et valuer les impacts occasionns par les innovations technologiques ; tudier lvolution du march et raliser des analyses de prix et de marges de commercialisation ; et enfin, faire un diagnostic sur les caractristiques du riz chang dans le march international.

Alors quil semblait clairement tablit depuis quelques annes, que le riz pluvial tait en train de simplanter durablement dans les principales rgions traditionnellement productrices de grains, ce livre dmontre que la culture de cette gramine continue plutt se dvelopper sur des terres de

6

precisam ser reexaminadas.

Desenvolvimento tecnolgico e dinmica do arroz de terras altas trata tambm da expectativa da presena do arroz brasileiro no mercado internacional. Uma das possibilidades para isso seria a superao de alguns obstculos. Tal superao viria com uma ateno mais acurada nos aspectos da qualidade do produto, com o aumento da produo, com a elaborao de polticas pblicas especficas e com a dinamizao interna da cadeia produtiva.

dfriches ou dans des zones dgrades. Du point de vue du producteur de riz, il subsiste une certaine inscurit quand la commercialisation du produit. De plus, des carences dans les pratiques phytotechniques, qui permettraient damliorer la conduite de la culture, demeurent. Dune manire gnrale, ce livre montre lvidence quun rexamen de lapproche de cette culture par la recherche et la vulgarisation est ncessaire.

Dveloppement technologique et dynamique du riz pluvial traite aussi de lexpectative que suscite le riz brsilien pour exporter sur le march international grce un accroissement de la production nationale. Pour cela, certains obstacles devraient tre levs. Tels, par exemple, une meilleure prise en compte de la qualit du produit, llaboration des politiques publiques spcifiques et une dynamisation interne de la filire rizicole.

Beatriz da Silveira PinheiroChefe da Embrapa Arroz e FeijoChef de l Embrapa Arroz e Feijo

Philippe PetithugueninDiretor Regional do Cirad no BrasilDirecteur Rgional du Cirad au Brsil

Geraldo SantAna de Camargo BarrosCoordenador Cientfico do Centro de Estudos Avanados em

Economia Aplicada, da Escola de Agricultura Luiz de QueirozCoordonnateur Scientifique du Centre dEtudes Avances en

Economie Applique, de lEcole dAgriculture Luiz de Queirs

7

SUMRIO

Captulo 1Importncia econmica e social do arroz no Brasil ........................... 9

Captulo 2Dinmica da produo de arroz em Mato Grosso ............................ 27

Captulo 3Qualidade e utilizao das principais cultivares de arroz de terras altas ................................................................................. 37

Captulo 4Competitividade entre o arroz irrigado e o de terras altas no Brasil ..... 51

Captulo 5Comercializao no mercado nacional ........................................... 63

Captulo 6Oportunidades do arroz brasileiro no mercado mundial ..................... 79

Captulo 7Viabilidade econmica e papel social da pequena agroindstria ......... 93

Captulo 8Demandas tecnolgicas e perspectiva da rizicultura de terras altas no Brasil ..................................................................................... 103

Referncias Bibliogrficas ............................................................. 115

8

9

Captulo 1

IMPORTNCIA ECONMICA E SOCIAL DO ARROZ NO BRASIL

Carlos Magri FerreiraPatricio Mndez del Villar

Paulo Nazareno Alves AlmeidaAugusto Hauber Gameiro

A histria do arroz no Brasil remonta aos primeiros anos aps seu descobrimento. A partir da, passou por vrios ciclos e estgios. No sculo XX, a rizicultura enfrentou momentos de euforia e outros de desnimo. O incio deste perodo foi marcado pela expanso das lavouras irrigadas no Rio Grande do Sul com vistas ao mercado internacional. Na dcada de 1920 ocorreu uma crise neste sistema e a partir dos anos 1930, com o deslocamento de parte da economia do meio rural para a indstria, o arroz tornou-se mais importante na alimentao da populao. Nos anos 1940 o arroz de terras altas1 produzido na regio central do Brasil passa a ocupar maior destaque na produo nacional.

Houve uma mudana radical no tipo e qualidade preferido pelo consumidor. Na dcada de 60, o arroz proveniente de cultivos de sequeiro era o mais aceito pelos consumidores brasileiros e alcanava maior cotao do que o arroz proveniente de cultivos irrigados, mas a partir de meados dos anos 1970 o arroz irrigado passou a dominar a preferncia nacional e obter maiores cotaes no mercado. Neste aspecto ressalta-se que a mudana de preferncia do consumidor provocou um aumento da rea cultivada do arroz irrigado. Por outro lado, no incio dos anos 1970 foi desencadeado um processo de ocupao dos cerrados e da Amaznia. O resultado dessa estratgia foi que o arroz de sequeiro ocupou uma rea superior a 4,8 milhes de hectares no ano 1987. A cultura chegou a ser lder em rea plantada na regio dos cerrados. A partir da dcada de 1980, em virtude da reduo

1 Aqui cabe uma nota explicativa. Perante as mudanas ocorridas, a Embrapa Arroz e Feijo tem preferido usar a denominao arroz de terras altas em substituio ao termo arroz de sequeiro, termo que doravante ser adotado neste livro. Esse batismo foi uma das estratgias para o resgate da credibilidade desse sistema, pois ao divulgar esse novo arroz, propaga-se entre os produtores a idia de conduzirem o cultivo com bases tecnolgicas e empresariais. Em outras palavras, as instituies que lidam com o arroz de terras altas esforam-se sobremaneira para apagar o estigma de que esse cultivo faz parte de uma agricultura itinerante, ligada ao processo de desbravamento de novas fronteiras agrcolas e de abertura de rea para posterior cultivo de soja ou atividade pecuria, e tentam mostrar que, apesar da necessidade de muitos ajustes e novas respostas tecnolgicas, possvel iniciar um processo de insero da cultura de forma competitiva no agronegcio brasileiro (Ferreira & Yokoyama, 1999).

10

do mpeto da incorporao dos cerrados nativos na regio Centro-Oeste e de outros problemas como instabilidade na produo do arroz de sequeiro, ocorreu um gradual decrscimo da rea plantada do arroz nesse sistema.

Alm da questo conjuntural, parte do descrdito da rizicultura deve-se ao perodo em que a explorao ocorria em um contexto negativo, caracterizado por baixo aporte tecnolgico, com baixa produtividade. Era uma explorao agrcola baseada somente no amansamento da terra, sendo mais considerado como um instrumento de abertura de novas reas do que um empreendimento que visasse retorno de longo prazo. Era cultivado por um perodo mximo de dois a trs anos, depois cedia espao para pastagens ou para outras lavouras. Foi acusado, juntamente com o feijo, de retardatrios no processo de modernizao da agricultura brasileira (Portugal, 1996).

Diante desse panorama, o Programa Nacional de Pesquisa de Arroz adotou como diretriz o estmulo ao cultivo do arroz de terras altas em regies favorecidas. Este planejamento proporcionou menores riscos e, conseqentemente, motivou os produtores a adotarem prticas agrcolas que melhoraram o nvel tecnolgico das lavouras. Posteriormente, foi enfatizada a aplicao de modelos de simulao do balano hdrico associados a sistemas de informao geogrfica para caracterizar a probabilidade de ocorrncia de perodos sem chuva e identificao de reas favorveis, tecnologia conhecida como zoneamento agroclimtico. A grande realizao da pesquisa, porm, foi o lanamento de cultivares com tipo de planta mais moderno e, sobretudo, com gros de melhor aparncia e qualidade. O resultado dessas aes foi uma significativa melhora da produtividade. O crescimento da produtividade mdia no perodo de 1991 a 2002 foi em torno de 4,1% ao ano.

No Brasil, num passado recente, havia uma grande diferena entre a qualidade do arroz produzido em sistemas irrigado e de terras altas. As produes nesses sistemas eram complementares no abastecimento nacional e praticamente no havia concorrncia, pois os produtos se dirigiam a mercados diferenciados. Entretanto, com a introduo de novas cultivares de arroz de terras altas, parte dessas diferenas desapareceram. Apesar disso, a perspectiva que as produes dos diferentes sistemas continuem desempenhando um papel de complementaridade, mas com uma certa concorrncia. Essa concorrncia no deve ser acirrada, pois num curto prazo, nenhum sistema sozinho ser capaz de atender a demanda interna, e num segundo momento, se ocorrerem excessos, o pas pode passar de importador a exportador. Destarte, a competitividade do arroz no est circunscrita disputa entre o arroz de terras altas e o arroz irrigado, mas sim organizao da produo.

As mudanas ocorridas provocaram uma reduo da rea cultivada com arroz de terras altas, mas com o aumento da produtividade a produo cresceu, e a qualidade melhorou. Esse processo resultou numa ligeira mudana do perfil do rizicultor de terras altas, principalmente no Estado do Mato Grosso. Portanto, o nvel de exigncia do consumidor, de certa forma,

11

determinou os rumos do processo produtivo. Outro componente importante foi a menor participao do governo na produo e comercializao. Esses fatos contriburam para a recuperao de parte do prestgio que o arroz de terras altas havia perdido.

Mais recentemente, sob a forte influncia dos paradigmas da abertura de mercados e da competitividade, o arroz passou a ser considerado por alguns setores da economia e gestores de polticas pblicas como uma cultura sem perspectiva, ficando relegada a um segundo plano. Mas essa postura de descaso com o arroz no foi unnime na sociedade. H, inclusive, segmentos que cobram do governo aes e polticas para que o arroz seja ofertado com abundncia, e ainda h aqueles que culpam o governo e os produtores pelo fato de o pas ter se tornado um importante importador mundial. Um elemento novo que contribuiu para incrementar o debate sobre o arroz foi que no incio de 2003 foi promulgado o programa Fome Zero, que trazia como meta melhorar a acessibilidade dos brasileiros aos alimentos, fato que poder demandar mais arroz. Estima-se que, se forem atendidas as 44 milhes de famlias previstas, seriam necessrias 1,6 milhes de toneladas de arroz a mais por ano.

Apesar dessas indefinies, no h uma explcita preocupao por parte dos gestores de polticas para entender a organizao e resolver as dificuldades da cadeia produtiva deste produto. Outro ponto instigante refere-se ao consumo, onde se verifica uma tendncia de reduo da quantidade per capita ingerida pela populao, fato que tem gerado muitas especulaes quanto ao comportamento do consumidor no futuro. As principais justificativas para explicar a queda de consumo so; a mudana de hbito alimentar, devido ao processo de urbanizao e o fato de o arroz ser o alimento com alto teor calrico que causa obesidade. No so feitos estudos mais profundos para verificar os reais motivos que esto causando a reduo do consumo deste produto com fortes razes culturais e que garante o teor nutricional mnimo de milhes de brasileiros.

Outra freqente indagao na rizicultura nacional a sustentabilidade dos sistemas irrigado e de terras altas. Observa-se que, apesar das importantes inovaes tecnolgicas conseguidas nas dcadas de 80 e 90, a rizicultura de terras altas tem dois grandes desafios; o primeiro, a consolidao da cultura de forma sustentvel nos diferentes sistemas de produo de gros, especialmente sob plantio direto; e o segundo, a mudana do perfil do orizilcultor.

Fazer uma prospeco da rizicultura brasileira com um certo grau de confiabilidade uma tarefa difcil, porque alguns pontos considerados estratgicos no esto claros, por exemplo: a) indefinio quanto ao grau de interesse por parte dos planejadores de polticas pblicas para o produto; b) desdobramentos do aumento do processo de verticalizao e concentrao no mercado de alimentos; c) influncia da diversificao e oferta de alimentos pr-elaborados, d) interesse dos produtores pela cultura, que vai depender da competitividade frente aos outros produtos. Os desdobramentos desses e

12

outros fatores tm uma forte influncia na definio do futuro do arroz no Brasil, que pode se inserir no mercado internacional como exportador ou aumentar a dependncia da importao para abastecer o mercado interno, cujos eventuais fornecedores sero aqueles pases que esto aperfeioando suas produes com o objetivo de conquistar novos mercados, como, por exemplo, os Estados Unidos, o Vietn e a Argentina.

Apesar desses percalos, acredita-se que a populao brasileira continuar consumindo arroz, seja por motivos culturais, econmicos ou nutricionais. O consumo per capita desse alimento no Brasil, apesar da tendncia de reduo, continua em nveis elevados quando comparado ao consumo de outros pases. Contudo, os atores da cadeia produtiva devem ficar atentos na busca de formas alternativas de apresentao e consumo do produto, adequando-se s exigncias dos consumidores e, sobretudo, empenhando-se em mostrar as qualidades nutricionais e funcionais do alimento.

Produo de arroz no Brasil

O arroz cultivado em todos os Estados brasileiros e, em 2002, foi cultivado em 70% dos 5543 municpios do pas. A renda e a importncia econmica e social diferem de acordo com as condies agro-climticas e a tradio da cultura na regio.

Como anteriormente observado, existem no Brasil dois sistemas bsicos de cultivo, o arroz irrigado e o arroz de terras altas. No final da dcada de 60, cerca de 80% do arroz produzido no Brasil originava-se do sistema de sequeiro. Em meados da dcada de 70, a quantidade produzida neste sistema caiu para aproximadamente 75% da produo nacional. Desse montante, a metade era produzida nos Estados de Gois, Mato Grosso, Minas Gerais e So Paulo. O arroz irrigado era produzido no Rio Grande do Sul, em algumas reas de Santa Catarina, no vale do Paraba, em So Paulo, e no Estado de Gois, que abrangia o atual Estado do Tocantins. No incio dos anos 80, a relao entre a produo de sequeiro e irrigado era de 1:3. Nos qinqnios 86/90, 91/95 e 96/2000, as participaes da produo do arroz irrigado na produo total foram, respectivamente, 52%, 58,5% e 61%; conseqentemente, a do arroz de sequeiro, hoje chamado de terras altas, 48%, 41,5% e 39% (Tabela 1.1).

13

Na dcada de 70, as cultivares de arroz de terras altas no possuam qualidade de gro compatvel com as exigncias de mercado, isso contribuiu para que muitas regies e produtores perdessem a vantagem comparativa para produzir, levando-os a abandonarem ou reduzirem o plantio. Por falta de condies para competir em preo e qualidade, esses produtores substituram o arroz por outras lavouras. Isso ocorreu, por exemplo, nos Estados de So Paulo, Paran e outros. Segundo Gasques & Conceio (2000), em 1970 o arroz figurava entre os cinco principais produtos no valor da produo em dez Estados dos 25 existentes naquela poca. Em 1995, ocupava esta posio somente em seis dos 27 Estados existentes.

Nos ltimos 13 anos, a produo de arroz teve um crescimento mdio anual de 1,67%. Parte desse resultado foi devido ao aumento dos rendimentos de 4,1% ao ano. A mdia da produo nacional passou de 2,084 t/ha no trinio 1989 a 1991 para 3,241 t/ha nos anos 2000-02. Por outro lado, as reas cresceram, em mdia, 1,94% ao ano (Tabela 1.2).

Tabela 1.2. Evoluo da produo de arroz no Brasil e nas regies Sul e Centro-Oeste

reas Produo RendimentosAnos

Brasil SulCentro-Oeste

Brasil SulCentro-Oeste

Brasil SulCentro-Oeste

1990 4 158 547 1 005 893 873 761 7 818 068 4 033 631 1 033 659 1 880 4 010 1 183

1991 4 224 316 1 109 098 759 337 9 724 375 4 801 285 1 230 126 2 302 4 329 1 620

1992 4 876 655 1 177 596 1 197 829 10 406 782 5 485 242 1 787 161 2 134 4 658 1 492

1993 4 644 165 1 249 374 1 019 364 10 639 782 5 785 851 1 340 464 2 291 4 631 1 315

1994 4 473 377 1 233 881 881 606 10 677 951 5 124 308 1 523 415 2 387 4 153 1 728

1995 4 420 677 1 248 192 785 828 11 343 457 5 982 584 1 444 352 2 566 4 793 1 838

1996 3 269 664 1 074 374 684 998 8 684 228 5 112 946 1 222 036 2 656 4 759 1 784

1997 3 093 802 1 006 395 565 594 8 446 079 4 856 862 1 138 541 2 730 4 826 2 013

1998 3 155 305 1 060 258 558 120 7 948 213 4 525 181 1 198 842 2 519 4 268 2 148

1999 3 851 178 1 198 218 1 008 423 11 823 116 6 577 019 2 378 870 3 070 5 489 2 359

2000 3 704 863 1 174 274 920 014 11 255 374 6 036 943 2 385 596 3 038 5 141 2 593

2001 3 238 700 1 200 500 598 800 10 655 600 6 560 200 1 649 300 3 290 5 465 2 754

2002 3 148 253 1 196 347 601 039 10 472 093 6 578 416 1 624 869 3 336 5 499 2 703

2003 3 149 675 1 174 958 614 170 10 198 945 5 911 731 1 738 677 3 238 5 031 2 831

Fonte: Levantamento Sistemtico da Produo Agrcola (1990-2003).

(1990-2003).

Os dados da dcada de 90 (Tabela 1.3) sugerem um panorama de estabilidade em relao ao arroz irrigado e um processo de transio no arroz de terras altas. Na Tabela 1.4 observa-se que a taxa de crescimento do arroz irrigado, na dcada de 90, foi de -0,5%, 1,1% e 1,5%, respectivamente, para a rea, produo e produtividade. No mesmo perodo, o arroz de vrzea apresentou as seguintes taxas, -11,6%, 11,7% e 0,1% e o arroz de terras altas -4,2%, 0,03% e 4,1%. Portanto, a rea plantada no Brasil apresentou tendncia de reduo (-2,7%), enquanto a produtividade cresceu (3,6%). Isso compensou a queda

14

de rea e a produo praticamente no se alterou (0,4%). Nota-se, ainda, que a produtividade do arroz irrigado apresentou pequena variao positiva, enquanto a taxa do arroz de terras altas foi bem maior.

Na Figura 1.1, apresenta-se a produtividade mdia de arroz no Brasil nos ltimos 50 anos. Observa-se que se manteve praticamente constante no perodo de 1940 a 1970. A partir da, inicia-se uma tendncia de aumento, que se acentua a partir do incio da dcada de 80.

Tab

ela

1.3

.

rea,

pro

duo

epro

dutivid

ade

(kg/h

a)

do

arr

oz

no

Bra

sil,

nos

difere

nte

ssis

tem

as

pro

dutivos,

de

1991

a2001.

Ter

ras

alta

sIrrigad

oV

rze

aTota

lA

no

re

aPro

dRen

d

rea

Pro

dRen

d

rea

Pro

dRen

d

rea

Pro

dRen

d1991

2.7

74.1

47

3.7

01.4

29

1334

1.1

68.6

46

5.4

12.8

03

4631

173.9

08

343.2

61

1973

4.1

16.7

01

9.4

57.4

93

2297

1992

3.2

62.8

97

3.5

16.6

04

1077

1.2

58.1

03

6.1

20.0

03

4864

166.9

88

318.2

57

1905

4.6

87.9

88

9.9

54864

2123

1993

2.9

19.7

57

3.3

58.7

85

1150

1.3

38.4

80

6.4

97.9

10

4854

172.5

42

336.3

98

1949

4.4

30.7

79

10.1

93.0

93

2300

1994

2.9

43.5

07

4.3

76.8

47

1486

1.3

38.1

13

5.8

44.1

04

4367

170.0

50

322.7

90

1898

4.4

51.6

70

10.5

43.7

41

2368

1995

2.8

81.3

30

4.2

62.1

37

1479

1.3

59.2

78

6.7

30.6

34

4951

157.3

01

295.8

56

1880

4.3

97.9

09

11.2

88.6

27

2566

1996

2.6

09.2

91

3.9

65456

1519

1.1

73.9

27

5.7

84.1

76

4927

139.7

88

249.4

54

1784

3.9

23.0

06

9.9

99.0

86

2548

1997

2.3

21.9

48

3.3

32.2

22

1435

1.1

12.0

18

5.6

25.8

25

5059

119.1

74

223.9

13

1878

3.5

53.1

40

9.1

81.9

60

2584

1998

1.8

57.8

08

2.5

77.6

82

1387

1.1

12.6

26

5.0

04.0

10

4497

96.1

45

188.4

91

1960

3.0

66.5

79

7.7

70.1

83

2533

1999

2.4

27.6

99

4.4

49.8

14

1832

1.3

04.6

44

7.1

75.3

62

5499

78.0

64

153.6

31

1968

3.8

10.4

07

11.7

78.8

07

3091

2000

2.3

61.6

20

4.4

28.4

33

1875

1.2

46.9

56

6.5

72.5

76

5270

59.3

01

118.9

72

2006

3.6

67.8

77

11.1

19.9

81

3031

2001

1.8

67.8

35

3.2

49.5

18

1739

1.2

25.5

94

6.8

49.6

59

5588

50.1

01

95.1

69

1899

3.1

43.5

30

10.1

94.3

46

3242

Fonte

:Levanta

mento

Sis

tem

tico

da

Pro

duo

Agrcola

(1996-2001).

adapta

do

pelo

sauto

res.

Fig.

1.1

. P

rodu

tivid

ade

do a

rroz

no

Bra

sil,

na d

cad

as d

e 40 a

90,

em k

g/ha

.

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

40

50

60

70

80

90

Dc

adas

Produtividade(kg/ha)

Produtivid

ade

mdia

na

dcada

15

Importncia econmica

O arroz, o trigo e o milho so os principais cereais produzidos no mundo. O arroz tambm uma das mais importantes fontes alimentcias, um alimento bsico para mais da metade de populao mundial. S na sia, mais de 2 milhes de pessoas obtm de 60 a 70 por cento do consumo de energia do arroz e seus derivados; a fonte alimentcia com um crescimento mais rpido na frica e de grande importncia para a seguridade alimentcia em pases com renda escassa (FAO, 2004a). Portanto, o arroz um alimento bsico no s para a populao brasileira. Este fato pode ser comprovado pela ao da Organizao das Naes Unidas para Agricultura e Alimentao (FAO), que, diante da ameaa de desabastecimento, decretou em 1965 o ano internacional do arroz, com o objetivo de encorajar os governos e as indstrias a concretizarem esforos para promover a produo, consumo, consolidao e abertura de mercados. Nos dias atuais, a discusso sobre a pobreza no mundo volta a ganhar destaque, e o ano de 2004 ser novamente um ano internacional do arroz para a FAO.

No perodo de 1994 a 2001, a participao mdia do agronegcio no produto interno bruto - PIB - brasileiro foi cerca de 30,5%, sendo o PIB da agricultura de 21,5% e da pecuria de 9%. Portanto, o agronegcio respondeu por cerca de um tero da economia nacional (Tabela 1.5). A importncia do agronegcio no se resume participao efetiva do setor na economia, mas tambm se relaciona com o poder que possui para alavancar outros setores. Essa aptido foi verificada por Portugal & Alves (2002). Esses autores utilizaram um modelo para determinar a influncia do PIB agrcola sobre a variao do PIB no agrcola em 5.434 municpios brasileiros. Chegaram a dois resultados: o primeiro foi que, em 609 municpios, no houve ajuste que explicasse a causalidade entre os PIB desses setores. Neste caso, concluram que a agricultura pouco importante em relao aos setores urbanos. No segundo caso, nos 4825 restantes, onde, de acordo com o censo de 2000, residiam 69,8 milhes de pessoas, o PIB agrcola teve grande poder de explicao da variao do PIB no agrcola. Foram encontradas relaes mostrando que um incremento de 10% no PIB agrcola trazia reflexos positivos de 9% do PIB dos setores industrial e de servios.

16

Tabela 1.5. Participao do PIB do agronegcio, da agricultura e da pecuria noPIB nacional, de 1994 a 2001.

Participao do PIB agrcola em relao ao PIB nacionalAno

Agronegcio Agricultura Pecuria1994 33 24 9

1995 32 23 9

1996 31 22 9

1997 30 21 9

1998 30 21 9

1999 30 21 9

2000 29 20 9

2001 29 20 9

Fonte: Furtuoso & Guilhoto (2002); Ipea (2002a), adaptado pelos autores.

Os planejadores de polticas macroeconmicas tm marginalizado determinados setores e produtos, como, por exemplo, a produo de alimentos bsicos, como o arroz, que, apesar de ser importante, no tem recebido o mesmo tratamento de outros produtos. As polticas negligenciam a produo de produtos bsicos em detrimento dos produtos agrcolas com maior possibilidade de exportao. Na Tabela 1.6, observam-se os resultados dessa poltica, o crescimento da renda desses produtos e a diminuio da renda dos produtos bsicos. Assim, as mudanas tecnolgicas ocorridas na cultura do arroz na ltima dcada e suas conseqncias foram discutidas somente por alguns segmentos da cadeia produtiva. Por outro lado, o Governo Federal, atravs do Programa da Comunidade Solidria e da Companhia Nacional de Alimentos (CONAB) e governos municipais e estaduais, utiliza parte da produo de arroz para compor as cestas bsicas do Programa de Distribuio Emergencial de Alimentos (PRODEA). Segundo Lavinas (1998), no ano de 1997 foram distribudas 12 milhes de cestas, consumindo cerca de 120 mil toneladas de arroz. Ressalta-se que o produto utilizado nestas cestas, via de regra, de qualidade inferior.

Apesar dessa forte concorrncia de culturas mais voltadas para o mercado externo, a rizicultura continua numa posio de destaque no agronegcio brasileiro, um dos principais produtos na economia do Brasil, representando 3,8% da renda agrcola. No perodo de 1990 a 2002, respondeu por 6,88% da renda agrcola total, sendo o sexto produto em renda, ficando atrs da soja (18,47%), da cana-de-acar (13,94%), do milho (13,68%), da laranja (7,67%) e do caf (7,38%) (Tabela 1.7).

17

18

Na Tabela 1.8, observa-se que o arroz tem um papel de destaque no agronegcio: de 1994 a 2001 apresentou um PIB mdio de 5,2 milhes de reais, o que representa cerca de 0,49% do PIB nacional. Observa-se, ainda, que a sua participao relativa est diminuindo. Esses dados foram calculados com base na informao da Associao Brasileira de Agribusiness (2002), e do conta de que, do total do PIB agrcola, cerca de 30% gerado dentro da porteira, 66% depois da porteira e 4% correspondem a gastos com bens e servios. Assim, no caso do arroz e do feijo, que agregam pouco valor, os dados podem estar superdimensionados, enquanto os da soja, que bastante processada, desdobrando-se em vrios produtos, podem estar subdimensionados. Conseqentemente, os dados apresentados na Tabela 1.8 so valores aproximados.

A renda total agrcola do arroz no Brasil, no perodo de 1990 a 2002, representou, em mdia, 7% da renda obtida pelos principais produtos agrcolas. O peso econmico e social dessa cultura regionalizado nas microrregies dos Estados, e o grau de importncia influenciado pelas condies ambientais e tradies locais. Essas diferenas tambm determinam o tipo e quantidade consumida. O consumo anual de arroz polido no Brasil est estimado em torno de 7,2 milhes de toneladas. Considerando uma populao de 170 milhes, tem-se um consumo per capita de 45 kg/habitante/ano, ou, ainda,123 gramas/habitante/dia.

Abastecimento nacional

O Brasil o nono produtor mundial de arroz e o maior produtor, desconsiderando-se os pases asiticos. As mdias de produo e consumo de arroz no Brasil nos ltimos dez anos foram, respectivamente, 10,3 milhes e 11,6 milhes de toneladas. O dficit mdio foi de 1,3 milho de toneladas (Figura 1.2). Portanto, entre 1992 a 2001 cerca de 10,6% da demanda interna foi complementada com produto importado. Nesse perodo, o ano com

19

menor participao de arroz importado foi 2001 (7%), e o maior foi o ano de 1998 (27%), seguido por 2003 (15%) (Tabela 1.9). O pas adquire produto em especial dos pases vizinhos do Mercosul, Uruguai e Argentina. Em anos de maior escassez importa produto dos Estados Unidos e mesmo da sia. No perodo de 1985 a 1989, as importaes foram baixas, com exceo do ano de 1986, que sofreu influncia do Plano Cruzado (Tabela 1.9). No perodo de 1990 a 1994, a importao ficou instvel, mas em altas quantidades, pois, alm da abertura comercial, a importao de arroz foi afetada pela criao do Mercosul, que facilitou substancialmente as importaes dos pases vizinhos. Observa-se, ainda, na Tabela 1.9, que em 1998 houve um maior volume relativo de importaes, que chegou a 27% da produo nacional. A importao mantm um certo relacionamento padro com o estoque, ou seja, quando os estoques esto baixos as importaes aumentam. No entanto, o valor da correlao entre essas variveis baixo, -0,469. A correlao no mais forte devido ao comportamento no tradicional nos perodos de instabilidade macroeconmica, ou seja, 1985/86 e de 1991 a 1994 (Figura 1.3). Desconsiderando esses anos, a correlao passa a ser -0,74.

Tabela 1.9. Percentual de importao em relao ao total produzido no Brasil, perodo de 1985 a 2003.

Fonte: Indicadores da Agropecuria (1994-2003), adaptada pelos autores.

Fig. 1.2. Quantidade produzida, importada e estocada anualmente, de 1980 a 2001.

20

A produo nacional est concentrada, principalmente, nas regies Centro-Oeste e Sul. Na dcada de 1990, a primeira produziu, em mdia, 15% da produo nacional, com destaque para o Estado de Mato Grosso, que respondeu por, aproximadamente, 9,0% da produo total. Os Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina so os maiores produtores de arroz irrigado e produziram, em mdia, 44% e 6,8% da produo nacional na dcada de 90 (Tabela 1.10).

Apesar da pulverizao da produo brasileira pode-se divid-la em trs plos:

- o primeiro a regio Sul, produzindo arroz irrigado com alta tecnologia, destacando o Rio Grande do Sul e Santa Catarina ;

- o segundo plo abrange as regies Sudeste e Centro-Oeste, envolvendo So Paulo, Minas Gerais, Gois e Mato Grosso. Nesse plo, vrios sistemas so utilizados, passando pelo de baixa tecnologia, que alcanam 1,2 t/ha, at sistemas com capacidade de atingir 4 t/ha.

- o terceiro plo a regio Nordeste, representado basicamente pelo Estado do Maranho, que, alm da importncia histrica na produo, foi o terceiro Estado produtor deste cereal na dcada de 90. A rizicultura neste Estado tem caractersticas singulares, como a forte porcentagem da produo destinada ao auto-abastecimento dos produtores, que Mndez del Villar et al. (2001) estimaram em 30%. De acordo com os mesmos autores, aproximadamente 52% da produo do arroz do

Fig. 1.3. Quantidade importada e estoque regulador no Brasil , perodo 1985-2001.

Fonte: Levantamento Sistemtico da Produo Agrcola (1985-2001), adaptada pelos autores.

21

Maranho oriunda de lavouras com utilizao de baixa tecnologia, porm ocorrem regies, como a de Balsas, que utilizam tecnologias mais avanadas.

Sistemas de produo

No cultivo de arroz irrigado ocorre uma pequena variao de sistemas produtivos, que utilizam modernas tcnicas de produo, permitindo elevada produtividade e gros com caractersticas mais uniformes e de melhor aceitao no mercado. O cultivo do arroz de terras altas apresenta-se com uma ampla variabilidade de sistemas produtivos com produtividade menor, mas que vm apresentando significativa evoluo tecnolgica nos

Tabela 1.10. Produo e participao mdia dos Estados em relao produo total de arroz no Brasil, mdia de 1991 a 2001.

Fonte: Levantamento Sistemtico da Produo Agrcola (1991-2002), adaptada pelos autores.

22

ltimos anos. O arroz irrigado cultivado principalmente no Sul do Brasil, nos Estados de Rio Grande do Sul e Santa Catarina, onde o setor orizcola mais organizado do que no Centro-Oeste. Estes Estados ocupam cerca de 37% da rea cultivada com arroz e participam com mais de 60% da produo nacional. Portanto, o arroz irrigado responsvel pela maior parte do abastecimento. Conseqentemente, cerca de 40% do arroz produzido no pas tem origem em lavouras de terra altas.

Preos no mercado interno

No perodo de 1970 a 1975, ocorreram variaes nos preos, mas o arroz de terras altas continuou com o preo mais alto (Figura 1.4). Em 1975 ocorreu uma inverso temporria, pois o domnio do arroz irrigado passou a vigorar somente a partir de 1980. Este comportamento pode ser justificado pelo aumento da participao do arroz irrigado no mercado e sua melhor cotao, conforme j foi explicitado anteriormente. Nos anos de 1990 e 1991, o arroz irrigado volta a ser mais valorizado, mas a partir de 1992 o arroz de terras altas inicia um perodo de recuperao, tendncia que vem se mantendo. No perodo de 1994 a 1998, verifica-se uma reduo entre o diferencial de preo. Estes dados demonstram que, nas ltimas dcadas, a pesquisa agrcola desenvolveu tecnologias que deram condies de competio ao arroz produzido em terras altas, despertando novamente o interesse do mercado para esse tipo de produto.

Fig. 1.4. Relao entre o preo pago aos produtores de arroz de terras altas no Estado de Gois e o preo pago aos produtores de arroz irrigado no Estado do Rio Grande do Sul, no perodo de janeiro de 1970 a dezembro de 2001.

23

Alm dos aspectos j mencionados, h outras questes relevantes a serem mencionadas no processo evolutivo da rizicultura nacional. O governo, que era o maior comprador do produto, no exigia qualidade, no havendo estmulo para se produzir qualidade, mas quantidade. A conjuno de outros fatores polticos tambm influenciou nas significativas transformaes no agronegcio do arroz brasileiro. Dentre outras variveis, citam-se: o movimento de globalizao, a poltica econmica nacional que resultou na estabilidade monetria, acompanhada do processo de abertura, composto de reduo de tarifas e desburocratizao dos processos de compra e venda internacionais da desregulamentao do mercado e da integrao do Mercosul.

Consumo

A evoluo do consumo per capita do arroz no Brasil foi calculada at 1969, considerando-se somente a produo interna. A partir daquela data foram consideradas as importaes e exportaes. Por outro lado, at meados dos anos 1970 houve um crescimento do consumo. Depois disso h um decrscimo (Figura 1.6).

Fig. 1.5. Preo pago aos produtores no Rio Grande do Sul e Gois, no perodo de 1985 a setembro de 2003, em Real (R$), valores deflacionados para setembro de 2003, da tonelada de arroz em casca.

No perodo de 1985 a 2003, os preos recebidos pelos produtores, tanto no Rio Grande do Sul como em Gois, sofreram um reduo em valores reais, queda equivalente, aproximadamente, de 42% e 47%, respectivamente para os produtores gachos e goianos (Figura 1.5). Nos nveis de mercado do atacado e varejo a queda foi, respectivamente, de 57% e 54%.

24

A partir dos anos 1990, esse decrscimo no consumo de arroz foi acompanhado por uma srie de anlises tentando explicar as razes de tal fenmeno. Os pontos explicativos mais comuns eram a suposta pouca atratividade do produto no mbito do mercado globalizado e a mudana gradual dos hbitos alimentares da populao. Sem dvida, tais tentativas de explicao tiveram a sua participao no aumento das incertezas quanto ao futuro da produo e consumo de arroz. Alguns analistas menos informados e mais intempestivos chegaram a apregoar o descaso tanto com a pesquisa agrcola para a rizicultura quanto com a busca de alternativas de apresentao e consumo do produto arroz.

Observa-se, na Figura 1.6, a evoluo do consumo per capita do arroz no Brasil. At 1960, o consumo foi calculado considerando somente a produo interna e, a partir desse ano, considerando tambm as importaes e exportaes. Nota-se um crescimento do consumo at meados dos anos 70 e depois um decrscimo. A partir dos anos 90, esse fato foi acompanhado de uma insistente divulgao na mdia e at em trabalhos acadmicos. Estes, na maioria das vezes, no se baseavam em estudos mais profundos das causas, reforando que o produto no tinha boas perspectivas no mercado globalizado e que a populao tinha mudado seus hbitos alimentares. Isto contribuiu para aumentar as incertezas quanto ao futuro da produo e consumo do arroz. Nesse sentido, os menos informados apregoavam que no era necessrio ter maiores preocupaes com a pesquisa agrcola para rizicultura, nem com a busca de alternativas de apresentao e consumo do arroz.

Analisando o fato por perodos, verifica-se que o aumento do consumo per capita do arroz foi acentuado nas dcadas de 30, 40 e 50,

Fig. 1.6. Consumo per capita de arroz no Brasil, 1930 a 2000.

Fonte: Ipea (2002b), adaptada pelos autores.

25

respectivamente, 33, 47 e 59 kg/habitante/ano. Nas trs dcadas seguintes, 60, 70 e 80, o consumo ficou estvel em cerca de 75 kg/habitante/ano. Na dcada de 90 ocorreu uma ligeira queda, 73 kg/habitante/ano. Portanto, o decrscimo no consumo no foi alarmante como vem sendo propalado. O perfil e as caractersticas dos consumidores de arroz ainda so pouco conhecidos. No se sabe quais os tipos demandados ou quantidade. Na Figura 1.7 percebe-se que, pelos dados da Pesquisa de Oramento Familiar 95/96 (IBGE, 1998), o consumo do arroz varia conforme a renda. Por outro lado, o levantamento desse estudo feito nas metrpoles. Porm, segundo a Comisso de Financiamento da Produo (1981), no final dos anos 70 a diferena entre o consumo per capita de arroz nas metrpoles era menor, cerca de 14%, do que o consumo rural.

Fig. 1.7. Consumo mdio anual de arroz polido por faixa de renda, nas populaes das cidades de Belm, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, So Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Braslia e Goinia, nos anos de 1995/96.

Fonte: IBGE (1998), adaptada pelos autores.

Consideraes finais

O conjunto das informaes apresentadas conduzem a uma reflexo sobre o que estaria ocorrendo com o arroz de terras altas no contexto nacional. O exame da situao importante porque o arroz irrigado sozinho no tem sido capaz de abastecer o mercado interno, mesmo se a tendncia do consumo per capita continuar diminuindo. Portanto a insero definitiva do arroz de terras altas interessante para garantir o abastecimento interno sem a necessidade de aumentar as importaes.

26

Outro ponto que corrobora a necessidade de um acompanhamento contnuo da cultura que, na tentativa de se ajustar aos novos conceitos e paradigmas socioeconmicos, esto ocorrendo constantes transformaes na cadeia produtiva do arroz. Como reflexo das mudanas, podem citar-se a maior estabilidade de produo e a oferta de produto de melhor qualidade. Parte desses resultados positivos devem-se ao arroz de terras altas, que adquiriu uma certa competitividade, reanimando os produtores nas regies de fronteira agrcola, como o Centro-Oeste e o Norte do pas. As principais causas podem ser atribudas utilizao de sistemas produtivos mais tecnificados e ao surgimento de novas variedades com gros mais adequados e adaptados ao mercado.

27

Captulo 2

DINMICA DA PRODUO DE ARROZ EM MATO GROSSO

Patricio Mndez del VillarCarlos Magri Ferreira

Augusto Hauber GameiroPaulo Nazareno Alves Almeida

Este captulo mostra e caracteriza o tipo de dinmicas agrcolas, nos ltimos dez anos, das principais culturas. Trata-se tambm de evidenciar o desenvolvimento da cultura e o desempenho das cultivares de arroz no Estado de Mato Grosso. A ateno especial para o estudo do arroz de terras altas no Estado de Mato Grosso se justifica pelo fato de ser este o maior produtor de arroz nesse sistema. Alm disso, historicamente a cultura de arroz desempenhou um papel importante na economia daquele Estado. Nos anos de 1970, 1975, 1980, foi a segunda atividade agrcola em termos de valor da produo, em 1985 caiu para a quinta e em 1995 no figurou entre as cinco primeiras (Gasques & Conceio, 2000). Apesar da reduo de importncia, o Mato Grosso continua sendo o segundo maior produtor desse cereal no Brasil. Portanto, a queda no valor da produo, comparada com outros produtos, no significou que o arroz tenha deixado de ser uma fonte de renda para o produtor daquele Estado, mas que apareceram novas alternativas. A agricultura se diversificou, conforme mostrado neste captulo. Na safra 2002/03, a produo foi estimada em torno de 1,25 milho de toneladas, representando, aproximadamente, 10,5% da produo total do Brasil. Portanto, o potencial de produo de arroz de terras altas em Mato Grosso torna-se uma alternativa interessante para garantir o abastecimento nacional deste cereal.

No obstante o crescimento da agricultura matogrossense, muitas questes relacionadas com a dinmica1 das culturas no tinham sido estudadas. Por exemplo, ao longo do tempo, qual foi a relao e integrao das culturas nas microrregies, qual foi a evoluo da rea plantada, qual foi o desempenho da produtividade? No caso do arroz de terras altas, alm dessas indagaes, tambm fundamental esclarecer se o crescimento da rea cultivada foi em ambiente de reas novas, permanecendo como cultura desbravadora, ou se participou de sistemas de rotao de cultura.

1 Entende-se por dinmicas agrcolas a identificao das relaes de causas e efeitos da disperso e evoluo espacial da produo e das vinculaes entre as culturas.

28

Para atingir o primeiro objetivo, o mtodo proposto analisou estatisticamente os dados da Produo Agrcola Municipal (IBGE, 2002) e os resultados foram aplicados a um Sistema de Informao Geogrfica (SIG), para mostrar e caracterizar a dinmica da agricultura no Estado. Para atingir os demais objetivos foi realizado um levantamento, no ms de abril de 2002, submetendo questionrios junto a produtores, responsveis tcnicos das lavouras, indstrias e secretrios de agricultura. Os municpios visitados foram Lucas de Rio Verde, Tapurah, Sorriso, Sinop, Cludia, Vera, Santa Carmen, Matup, Colder, Alta Floresta, Paranata, Novo Mundo, Guarant, Nova Cana do Norte e Peixoto de Azevedo. Estes municpios responderam por cerca de 42% da rea plantada com arroz no Estado de Mato Grosso na safra 2001/02, cuja rea total foi estimada em 410.000 ha (Levantamento Sistemtico da Produo Agrcola, 2002). A partir desses dados, estimou-se a participao das cultivares na produo de cada municpio, cujos resultados foram plotados em mapas utilizando um programa de Sistema de Informaes Geogrficas (SIG).

Evoluo das reas agrcolas no Mato Grosso

Na dcada de 90, as reas agrcolas no Mato Grosso cresceram cerca de 8% ao ano. Em 2000, as reas cultivadas com gros superaram os 4,5 milhes ha, sendo a soja, o arroz, o milho e o algodo as principais culturas. As duas primeiras apresentaram, respectivamente, taxas de crescimento mdio de 7,2% e de 4,5% ao ano, sendo hoje o maior produtor de soja do Brasil e o segundo de arroz. O crescimento da produo de arroz em Mato Grosso foi obtido graas a maiores rendimentos, passando de uma mdia de 1.330 kg/ha nos anos de 1990/92, para 2.640 kg/ha nos anos de 2000/02, representado um crescimento mdio de 5,0% a.a. No mesmo perodo, a soja tambm obteve um crescimento do rendimento mdio de 2,5% a.a., passando de 2.300 kg/ha para 2.900 kg/ha. O crescimento do rendimento do algodo foi mais expressivo, de 11,5% a.a. O rendimento do milho no sofreu grande mudana, estabilizando-se em 2.500 kg/ha.

Caracterizao territorial da produo de gros em Mato Grosso

Os resultados mostram que, no incio dos anos 90, as reas de produo de gros concentravam-se no Oeste e Leste, nas microrregies dos Parecis e de Paranatinga. Atualmente, a produo de gros concentra-se principalmente no Mdio Norte e Oeste, nas microregies de Alto Teles Pires e Parecis (Figuras 2.1 A e B).

29

Entre 1990 e 2000, percebe-se que ocorreu uma migrao da cultura do arroz no sentido Sul Norte, seguindo trajetria da fronteira agrcola para a regio Mdio Norte e com destaque para as microrregies de Alto Teles Pires, Paranatinga, Sinop e Arinos (Figuras 2.2 A e B). Porm percebe-se, no ano 2002, mudanas expressivas e rpidas em relao ao ano 2000. As reas de arroz tiveram um forte declive, quase sumindo, especialmente na regio da Chapada dos Parecis. O cereal concentrava-se, em 2002, principalmente em Tapurah, a Oeste da BR-163, na regio Centro Norte (Figura 2.2C.). Quanto disperso da cultura, percebe-se que o cereal produzido em todos os municpios, mas verificou-se que em 2000 somente quatro municpios plantavam rea superior a 30 mil ha : Sorriso, Tapurah, Paranatinga e Diamantino. Estes municpios responderam por cerca de 25% da rea total de arroz. Em 2002, Tapurah plantou 50 mil ha, Paranatinga e Sinop prximo de 20 mil ha cada. Esses municpios, mais Vera e Sorriso, produziram 32,5% do total do Estado.

Fig. 2.1. A (1990-92) e 2.1. B 2000-02) reas totais de gros no Mato Grosso.

30

A soja produzida em quase 50% dos municpios do Mato Grosso. Mas, apesar de ser produzida em diversas regies, ela concentra-se mais na regio Central, nas microrregies de Parecis e Alto Teles Pires e nos municpios de Sorriso, Campo Novo dos Parecis, Diamantino, Nova Mutum e Lucas de Rio Verde (Figuras 2.3A e B). Em 2000 essa regio representava cerca de 50% da rea total de soja do Estado. Na regio Central, a rea cultivada com soja cresceu, acompanhando as reas de arroz no processo de abertura de novas reas agrcolas. Os municpios mais representativos desta dinmica foram: Novo Mutum, Sinop e So Jos de Rio Claro. Em

Fig. 2.2. A (1990) e 2.2. B (2000) reas de arroz no Mato Grosso em ha.

Fig. 2.2. C. reas de arroz no Mato Grosso (2002) em ha.

31

outras regies, como em Aripuan, Parecis, Canarana e Tangar da Serra, o desenvolvimento da soja foi feito principalmente em substituio ao arroz. Os municpios mais representativos desta evoluo foram: Campo Novo dos Parecis, gua Boa e Novo So Joaquim. Apesar do crescimento geral da cultura da soja no Estado, em algumas regies observa-se queda das reas; por exemplo, nas microrregies de Norte Araguaia e Mdio Araguaia, mais orientadas para a pecuria.

Fig. 2.3. A (1990) e 2.3.B (2002) reas de soja no Mato Grosso em ha.

O milho produzido em quase todo o Estado, mas em reas relativamente pequenas. Em 2002, somente sete municpios ultrapassaram 20 mil ha: Lucas de Rio Verde, Sorriso, Primavera do Leste, Nova Mutum, Campo Verde, Tapurah e Sapezal (Figura 2.4A e B). As reas de milho nestes municpios representaram quase 50% da rea total desta cultura no Estado. Nas demais regies, as reas mdias de milho por municpio encontravam-se abaixo de trs mil ha. As regies mais importantes so: Alto Teles Pires (Lucas de Rio Verde e Sorriso), Primavera do Leste, Rondonpolis e Parecis (Sapezal e Campo Novo dos Parecis). Nos municpios mais expressivos, o milho apresentou um crescimento similar ao da soja, acompanhou tambm o arroz no processo de abertura de novas reas agrcolas. Assim, por exemplo, a rea de milho cresceu com a do arroz e da soja no municpio de Nova Mutum. Contrariamente, nos municpios de Lucas de Rio Verde e Sorriso, foi, juntamente com a soja, plantado em substituio ao arroz. Por outro lado, nas microrregies de Primavera do Leste, Tesouro e Canarana, as reas de milho cresceram juntamente com o algodo, substituindo o arroz.

32

O algodo foi a cultura com maior desenvolvimento, com uma mdia de crescimento de rea de 25% ao ano, sendo cultivado em mais de 50% dos municpios. Porm, em 2002, somente em sete municpios as reas ultrapassaram os 15 mil ha, Campo Verde, Sapezal, Novo So Joaquim, Itiquira, Primavera do Leste, Sorriso e Rondonpolis (Figura 2.5B). Essa regio respondeu por 60% da rea total plantada. Nos demais municpios produtores de algodo, a mdia de reas encontrava-se abaixo de 1.500 ha. O desenvolvimento do algodo, juntamente com a soja e o milho, foi feito principalmente em substituio ao arroz. As regies mais relevantes desta dinmica foram Rondonpolis, Primavera do Leste, Tesouro e Aripuan. Tambm se observou um crescimento das reas de algodo e arroz, em abertura de reas no municpio de Nova Mutum. Em alguns municpios, percebe-se uma queda de reas em relao ao incio dos anos 1990 (Figura 2.5A), como por exemplo, nas regies de Tangar da Serra, Alta Floresta, Alto Pantanal e Jauru, estes ltimos mais orientados para a pecuria.

Fig. 2.4. A (1990) e 2.4.B (2002) reas de milho no Mato Grosso em ha.

33

Dinmicas do arroz em Mato Grosso

Seguindo os esquemas de desenvolvimento das principais culturas, podem-se observar cinco grandes dinmicas. A primeira distingue-se pela explorao do arroz nas reas de fronteira agrcola, reas recm-desmatadas, ou em reas de pastagens degradadas. A segunda caracterizada pela expanso do arroz de forma integrada com a soja e o milho e, mais recentemente, com o algodo. A terceira a substituio do arroz pela soja. A quarta a substituio do arroz pelo milho ou o algodo. A quinta refere-se a reas com predomnio de agricultura familiar, de pecuria e reas no agricultveis na regio de Pantanal. (Figura 2.6).

Fig. 2.5. A (1990) e 2.5.B (2002) reas de algodo no Mato Grosso em ha.

Fig. 2.6. Tipologia das microrregies no Mato Grosso

34

Nas reas de fronteira agrcolaEsta dinmica refere-se explorao da cultura nas reas de fronteiras

agrcolas, em reas recm-desmatadas, ou em reas de pastagens degradadas. A dinmica de abertura de novas reas ou reforma de pastagens com arroz foi encontrada, principalmente, no extremo Norte do Estado, nas regies mais orientadas para a pecuria, onde a infraestrutura do agronegcio pouco desenvolvida e a topografia mais acidentada. Por estas razes, a soja nessa regio tem menor expresso. Dentre os municpios mais significativos esto Alta Floresta e Colider.

Acompanhando a implantao da cultura da soja, milho e algodo Esta dinmica caracterizada pela expanso do arroz de forma integrada

com a soja e o milho e, mais recentemente, com o algodo. Ela ocorre numa vasta zona central que dispe de um conjunto de infra-estruturas de transformao e de vias de comunicao importantes, possibilitando a rpida comercializao desses produtos. Os municpios mais representativos desta dinmica so Sorriso, Nova Mutum, Lucas de Rio Verde e Sinop.

Substitudo pela soja reas com dinmica da substituio do arroz pela soja esto localizadas

nas antigas regies orizcolas do Leste (Paranatinga) e Oeste (Parecis) do Mato Grosso. Neste caso, percebe-se a expressiva reduo das reas de arroz e um forte crescimento das reas de soja, milho e algodo, principalmente nos municpios de Campo Novo dos Parecis, Campos de Jlio e Sapezal. A dinmica de substituio do arroz avana para alguns municpios do Mdio Norte, como Sorriso e Lucas de Rio Verde.

Substitudo pelo milho e algodo

reas com a dinmica da substituio do arroz pelo algodo foram identificadas na regio Sudeste do Estado, nos municpios de Rondonpolis e Primavera do Leste. Ocorreu tambm na regio de Canarana, no Centro do Estado. Essas reas tiveram um forte crescimento nas regies de Primavera do Leste, Alto Teles Pires e Tesouro. Dentre os municpios mais expressivos desta evoluo esto Campo Verde e Lucas de Rio Verde.

Em reas com predomnio da agricultura familiar e pecuria

Uma dinmica de baixa intensidade de utilizao das reas agricultveis ocorre em regies com reas agroecolgicas mais isoladas, onde prevalece a agricultura familiar, a pecuria e os cultivos com maior valor agregado, como as hortalias. As regies mais significativas esto nos municpios de Alto Pantanal e Norte Araguaia, por exemplo.

35

Entraves ao desenvolvimento do arroz em Mato Grosso

Diante da evoluo descrita, percebe-se que o arroz continua atuando fortemente no esquema de abertura de reas ou reforma de pastagens e que a sua participao na rotao com outras culturas est ocorrendo em nveis abaixo do projetado pela pesquisa. Mesmo em regies como Sapezal, Sinop, Primavera do Leste e outras, que tradicionalmente cultivavam arroz, h tendncia de maior estabelecimento de lavouras, como a soja e o milho. Nos Estados de Rondnia e Par, a rea e produo esto aumentando de forma contnua, predominando o seu papel de cultura desbravadora. Mas deve-se fazer a ressalva de que existe uma grande diferena entre a situao ocorrida na abertura dos cerrados na regio do Brasil Central na dcada de 70, pois atualmente, na regio pr-amaznica, esto sendo utilizados sistemas mais tecnificados e com um produto de melhor aceitao no mercado.

Ainda durante a dcada de 90, a produo de arroz continuou sua migrao no sentido sul-norte, seguindo a mesma trajetria da fronteira agrcola. Observou-se, tambm, que a cultura assume diferentes papis, dependendo da vocao da microrregio. Quando a vocao a pecuria, o arroz tem funo primordial de cultura de abertura de rea. Quando a regio tem vocao para agricultura, pode ocorrer ainda o retorno para a cultura do arroz aps alguns anos para renovao da rea, iniciando-se novamente o ciclo. Portanto, atualmente, o arroz, alm da funo de cultura de desbravamento, pode voltar ao sistema depois de cinco a seis anos. A participao do arroz neste esquema justificada tanto por questes agronmicas quanto econmicas.

Um ponto a destacar que, devido a problemas recorrentes, ligados funo de abertura de reas, a qualidade do arroz produzido em Mato Grosso no evoluiu como o esperado. O produtor que no produz com qualidade no tem muitas alternativas de mercado, e o produto acaba tendo como destino o estoque pblico. Observa-se, na Tabela 2.1, que ocorreu um aumento da aquisio pelo governo do arroz produzido no Estado nos ltimos cinco anos. Este fato tem preocupado tanto o Ministrio da Agricultura quanto os produtores, porque parte significativa desse arroz armazenado do produto que no teve boa receptividade no mercado, sendo, portanto, de difcil comercializao.

Tabela 2.1. Produo total e quantidade adquirida pelo governo de arroz em casca, no Estado de Mato Grosso (em 1000 toneladas).

*Informao pessoal obtida junto Conab, Braslia, DF.Fonte: Levantamento Sistemtico da Produo Agrcola (1997-2001).

36

Consideraes finais

Este captulo mostra que a dinmica do arroz de terras altas dentro do Estado de Mato Grosso est intimamente relacionada cultura da soja, algodo e milho. Porm a cultura do arroz ainda no se consolidou como um componente estvel de sistemas de produo e continua sendo utilizada na abertura de novas reas agrcolas ou na reforma de pastagens para posterior utilizao com soja ou milho. Os esquemas de cultivo podem ser resumidos em desmatamento arroz soja/milho safrinha, em microregies com vocao agrcola, e desmatamento arroz pastagem, em microregies com vocao para a pecuria.

Comparando-se a situao atual com a de cinco anos atrs, pode-se dizer que os problemas e as preocupaes com a cadeia produtiva do arroz de terras altas voltaram tona, pois - ante a variabilidade de sistemas produtivos e dos problemas tecnolgicos, de qualidade de gros no resolvidos e a presso do mercado - os produtores comearam, sem o respaldo de informaes da pesquisa, a buscar alternativas para cultivar o arroz. A conseqncia foi o surgimento de novas dificuldades, como, por exemplo, o desempenho no satisfatrio da cultura em plantio direto, o aparecimento de doenas, quando cultivado aps a soja, a falta de semente fiscalizada e o uso de sementes misturadas. Diante disso, entende-se que a cultura do arroz de terras altas na regio Central e Norte do Mato Grosso ainda no se consolidou como um componente estvel dos sistemas de produo.

Finalmente, diante do dinamismo da cadeia produtiva do arroz de terras altas, fundamental que a obteno de informaes intrnsecas s relaes nessa cadeia seja gil, pois, quanto mais demorado o diagnstico, maior tempo ser necessrio para apresentar a soluo. Isto uma sria deficincia para qualquer atividade econmica, principalmente num mercado competitivo, que exige, dentre outras coisas, qualidade e preo compatvel com sua expectativa.

Apesar das importantes inovaes tecnolgicas conseguidas nas dcadas de 80 e 90, a pesquisa brasileira segue com muitos desafios no que se refere ao arroz de terras altas. O maior desafio parece ser a consolidao da cultura, de forma sustentvel, como um componente dos sistemas de produo de gros, especialmente sob plantio direto. Outro fator preponderante para o sucesso da atividade est aliado mudana de filosofia dos produtores, que continuam tratando o arroz como uma atividade secundria. Desta maneira, no aplicam corretamente as tecnologias e recomendaes sobre cuidados e pocas de plantio e colheita, como os tratos culturais. Portanto, o futuro da rizicultura em Mato Grosso depende das inovaes tecnolgicas visando a atingir novos patamares de produtividade, mas, necessariamente, tem que passar por questes ambientais.

37

Captulo 3

QUALIDADE E UTILIZAO DAS PRINCIPAIS CUL-TIVARES DE ARROZ DE TERRAS ALTAS1

Carlos Magri FerreiraPatricio Mndez del Villar

Paulo Nazareno Alves Almeida

O objetivo deste captulo avaliar a demanda por qualidade pelos diferentes segmentos da cadeia produtiva e relacion-la s cultivares de arroz e levantar a distribuio da utilizao das cultivares de arroz de terras altas em alguns municpios da regio central e norte do Estado de Mato Grosso. O estudo se justifica porque os parmetros quanto qualidade no so exatamente os mesmos para os segmentos cincia/tecnologia, produtores rurais, armazenadores, processadores, varejistas e consumidores (Sousa, 2001). Assim, na determinao da qualidade de uma cultivar devem-se considerar as demandas de todos os segmentos da cadeia. Desta forma, torna-se importante conhecer as caractersticas organolpticas e fsico-qumicas do gro de arroz, suas relaes quanto coco e aparncia, que definem os padres de qualidade nos mercados brasileiro e internacional. Por outro lado, parte do crescimento da produo de arroz na regio Centro-Oeste tem sido atribudo introduo das novas cultivares. Na Tabela 3.1, detecta-se a evoluo das cultivares de arroz em relao ao seu ano de lanamento.

1 Os autores agradecem a colaborao do Dr. Orlando Peixoto de Morais e Dr. Francisco J. P. Zimmermann, ambos pesquisadores da Embrapa Arroz e Feijo

Fonte: Alston et al. (2001), adaptada pelos autores.

Tabela 3.1. Taxa de utilizao percentual das cultivares de arroz em relao rea total cultivada no Brasil.

38

A definio da qualidade do gro de arroz inicia-se quando o produtor escolhe a cultivar e o manejo que ir adotar (Castro et al., 1999). O conjunto de fatores, como: variedade escolhida, cuidados no cultivo, principalmente na colheita, cuidados ps-colheita, na secagem e armazenamento definem a qualidade do produto em relao ao rendimento industrial e qualidade de panela. Em outras palavras, as propriedades qumicas e fsicas e os cuidados no cultivo e beneficiamento determinam a classe e o tipo do arroz.

A preferncia do consumidor, que pressupe a valorizao dos atributos que lhe agradam, determinada no s pelas propriedades qumicas e fsicas do gro, mas tambm por aspectos relacionados aparncia do produto aps cozimento (rendimento de panela, tempo de coco, gros secos e soltos, permanecer macio quando requentado), o aroma, a consistncia e o sabor. Atualmente, a tendncia de oferta, principalmente na regio Centro-Sul, para o arroz do tipo agulhinha , com teor intermedirio de amilose. Embora no se conheam estudos mais aprofundados, acredita-se que existam nichos de mercado para outros tipos, inclusive para tipos especiais, como o orgnico e o aromtico.

Conhecer o arranjo e a localizao de utilizao das cultivares pode fornecer importantes informaes para o desenvolvimento de novos materiais. Outro aspecto a se considerar que as novas cultivares, por serem mais produtivas, necessitam de cuidados especiais no manejo, como adubaes eficientes e aplicaes de defensivos. O presente estudo fornece tambm subsdios para recomendaes dos sistemas de cultivos. Nessas condies, o perfil tecnolgico dos produtores e suas estratgias produtivas podem tambm interferir na preferncia de utilizao das cultivares.

O ndice de adoo de uma cultivar est relacionado a questes agronmicas e de qualidade dos gros. Quanto primeira, so observados os itens produtividade, tolerncia a pragas e doenas, resistncia degrana, arquitetura da planta, maturao ps-colheita, rusticidade, disponibilidade de semente, dentre outros. Quanto qualidade, so observados o tipo do gro, que deve ser - preferencialmente - longo fino, atributos culinrios e maturao ps-colheita. O conjunto desses fatores determina a aceitao ou rejeio de uma cultivar, tanto pelos produtores, quanto pela agroindstria e os consumidores. As cultivares de arroz de terras altas tm conseguido atender, de forma parcial, essas demandas, contribuindo para que a cultura se tornasse mais competitiva em relao ao arroz irrigado dos Estados do Sul.

Considerando a produtividade como proxy do avano tecnolgico, pode-se considerar que o Mato Grosso apresentou sinais de maior eficincia, pois a produtividade nesse Estado cresceu 6,17% ao ano, enquanto a do Rio Grande do Sul e do Brasil cresceram somente 1,08% ao ano; mas os patamares de produtividade j eram relativamente elevados no Sul do pas,

39

ao contrrio do Mato Grosso onde as possibilidades de progresso eram (e ainda so) importantes (Figura 3.1). Os R2 nas regresses das produtividade do Brasil e de Mato Grosso foram, respectivamente, 0,40 e 0,85. Estes resultados confirmam a hiptese de que houve avanos agronmicos que favoreceram o arroz de terras altas, representados, principalmente, pelas novas variedades e sistemas de cultivo mais tecnificados.

Fig. 3.1. Produtividade do arroz no Brasil e nos Estados do Rio Grande do Sul e Mato Grosso, perodo 1985 a 2001. Fonte: Levantamento Sistemtico da Produo Agrcola (1985-2001), adaptada pelos autores.

As cultivares tambm exerceram uma grande influncia no processo em discusso (Figura 3.2). Dividindo-se o perodo em trs fases, constata-se que a primeira foi caracterizada pela utilizao de cultivares de gros longos, como a IAC 47, IAC 25, Cuiabana, Araguaia e Guarani. Na segunda fase ainda persiste a maior participao das cultivares de gros longos, com destaque para a larga utilizao da variedade Guarani, mas observa-se o cultivo das primeiras cultivares com gros longos finos de arroz de terras altas, com destaque para a variedade Caiap. A terceira fase consistiu no uso das cultivares de gros longo fino, com qualidades fsicas prximas s cultivares de arroz irrigado do Sul. Destacam-se a Maravilha, Confiana, Primavera, Carisma e IAC 202. Assim, a partir desta fase, a diferena de preos entre o produto irrigado e o de terras altas diminuiu, conforme foi demonstrado no Captulo 1.

40

Qualidade dos gros de arroz

Algumas qualidades do arroz so determinadas pelas propriedades do amido, que, por sua vez, constitudo por molculas de glucose. Na amilose, as molculas de glucose tm disposio linear e, na amilopectina, ramificada. O teor de amilose est correlacionado com as propriedades texturais, como maciez, coeso, cor, brilho e volume de expanso, ou seja, o contedo de amilose fornece informaes sobre as mudanas que ocorrem durante o processo de coco. O teor de amilose, portanto, uma das principais propriedades que interferem na qualidade culinria. Outra propriedade importante a temperatura de gelatinizao (TG). Ela mede a reao do gro de arroz com uma soluo alcalina. a temperatura na qual os gros comeam a absoro de gua durante o processo de coco, iniciando o processo de amolecimento. Nesse ponto, os gros de amido crescem e h a perda de cristalinidade e o resultado depende do grau de cristalinidade do amido. Em termos prticos, a TG um teste que avalia o ndice de resistncia coco, ou seja, as caractersticas do amido determinam o tempo de cozimento. Arroz com alto teor de amilose normalmente apresenta gros secos, soltos e aps o resfriamento podem ficar endurecidos. As cultivares com baixo teor apresentam gros macios, aquosos e pegajosos no cozimento. Aquelas com teor intermedirio, preferido pelo consumidor brasileiro, apresenta gros pouco aquosos, soltos e macios, mesmo aps o resfriamento. Em termos prticos para o consumidor, essas propriedades esto relacionadas com a aparncia do produto, o rendimento de panela, o tempo de coco, caractersticas

Fig. 3.2. Caracterizao das fases de maior utilizao das cultivares de arroz de terras altas.

Fonte: Levantamento Sistemtico da Produo Agrcola (1985-2001), adaptada pelos autores.

41

dos gros aps o cozimento, ou seja, se ficam secos e soltos e ainda seu comportamento quando requentado.

Outras propriedades essenciais so a renda do benefcio ou rendimento total, o rendimento de inteiros, aspecto e as dimenses do gro. A renda do benefcio o percentual de arroz beneficiado ou beneficiado e polido, resultante do processamento do arroz em casca. Uma renda total base considerada nacionalmente 68%. Ela constituda de um rendimento de 40% de gros inteiros e 28% de gros quebrados e quirela. Constitui-se num importante parmetro para determinar o valor de comercializao. As dimenses dos gros consideradas so: comprimento, espessura e relao comprimento/largura. Estas determinam as classes, que podem ser; longo fino, longo, mdio, curto e misturado. A Tabela 3.2 registra as atuais caractersticas que definem cada classe.

Tabela 3.2. Classes do arroz e suas dimenses.

* O produto deve ter no mnimo 80% do peso dos gros inteiros com essas dimenses** No se enquadra nas classes anteriores e se apresenta constitudo pela mistura de duas ou mais classes. Fonte: Brasil (1988, 1991).

Outros aspectos importantes para o consumidor so a translucidez e a aparncia do gro. A primeira est relacionada propriedade do gro de arroz se deixar atravessar pela luz, permitindo a viso ou distino de imagens ou objetos atravs de sua espessura. A aparncia do gro se relaciona com a presena de reas opacas, manchas e imperfeies causadas por picada de insetos ou doenas. A presena de reas opacas e defeitos deprecia o produto. Alm disso, o consumidor brasileiro prefere o arroz com endosperma translcido e paga mais por isso, apesar de que a intensidade da translucidez no afeta o aspecto do arroz aps o coco. Ressalta-se que o aspecto do endosperma est associado variedade e a questes ambientais e de manejo da cultura.

Com relao ao aspecto translucidez do gro, alguns pontos podem ser levantados. As propriedades fsico-qumicas s vezes podem estar vinculadas a outras caractersticas, por exemplo, o teor de amilose est relacionado tambm com questes genticas e com o grupo ou subespcies. O grupo ndica apresenta maior teor de amilose do que o grupo Japnica. Naturalmente, mudanas quanto a este aspecto podem ocorrer tambm devido interferncia do homem. Por exemplo, os melhoristas americanos estabeleceram que as

42

suas cultivares de gros longo fino, grupo japnica teriam que apresentar teor de amilose intermediria. Outra forma de alterar a qualidade do arroz submet-lo a um processo de industrializao. Dentre os vrios processos pode-se destacar a parboilizao.

Exigncias priorizadas pela pesquisa, produtores, agroindstria e consumidores

Com o intuito de verificar quais as caractersticas mais desejadas pelos diferentes segmentos da cadeia produtiva e para conhecer a percepo do lado da pesquisa, foi feito um painel com melhoristas da Embrapa Arroz e Feijo. Pelo lado do consumidor, foram aplicados questionrios em 671 famlias na regio metropolitana de Goinia e interior de Mato Grosso e em 30 produtores nos seguintes municpios: Sinop, Alta Floresta, Guarant, Matup, Cludia, Lucas do Rio Verde, Nova Mutum, Nova Ubirat, Tapurah, Sorriso, Santa Carmen, Primavera do Leste ; e agroindstrias de Gois e Mato Grosso.

Na Tabela 3.3, observam-se caractersticas que os pesquisadores consideram ideais para uma cultivar de arroz. As caractersticas agronmicas predominam (54%), seguidas pela qualidade industrial (29%) e, por ltimo, pelas qualidades culinrias (17%). Observa-se, ainda, que consideram os aspectos produtividade e propriedades fsico-qumicas mais relevantes. Na Tabela 3.4, registra-se a avaliao dos pesquisadores da Embrapa Arroz e Feijo sobre algumas cultivares de arroz de terras altas. Os resultados demonstram que no existe a cultivar ideal.

Tabela 3.3. Principais caractersticas e pesos que determinam uma cultivar ideal de arroz, na viso dos pesquisadores da Embrapa Arroz e Feijo.

* Nveis 1,2 e 3 correspondem, respectivamente, pouco importante, medianamente importante e muito importante.

43

Tab

ela

3.4

. A

valia

o

dos

pesq

uisa

dore

s da

Em

brap

a A

rroz

e F

eij

o so

bre

algu

mas

cul

tivar

es j

la

nad

as e

out

ras

a se

rem

la

nad

as, te

ndo

com

o pa

rm

etro

s ca

ract

ers

ticas

pr

-est

abel

ecid

as p

elo

prog

ram

a de

mel

hora

men

to.

1 =

lan

amen

to p

revi

sto

para

2004

2 =

lan

amen

to p

revi

sto

para

2005

3 =

no

pre

vist

o

44

O resultado da metodologia obtido junto aos produtores no foi satisfatrio, pois quase a totalidade dos entrevistados no conseguiu ordenar a importncia que os itens relacionados tem na determinao da qualidade de uma cultivar de arroz. Nos cinco questionrios respondidos satisfatoriamente, observou-se a seguinte ordenao, do mais para o menos importante:

1) Preo pago pela indstria;

2) Tolerncia a pragas e doenas;

3) Maturao ps-colheita;

4) Produtividade;

5) Rusticidade;

6) Arquitetura da planta;

7) Resistncia degrana;

8) Variedade nova;

9) Disponibilidade de semente.

Alguns resultados merecem comentrios. A maturao ps-colheita uma caracterstica bem valorizada porque os rizicultures da regio comercializam suas safras logo aps a colheita. Rusticidade importante porque o arroz cultivado utilizando poucos insumos. A demanda pela arquitetura tem a ver com a dificuldade de controle de plantas daninhas e utilizao de mquinas compatveis com a explorao da soja. Como a utilizao de sementes certificadas baixa, dizem que a disponibilidade de semente no tem muita interferncia. Na Tabela 3.5, detecta-se que, no perodo de 1995 a 2002, o nvel mdio de utilizao de sementes certificadas no sistema de arroz de terras altas foi de 11,7%, e no sistema de arroz irrigado foi de 53,9%. Na estimativa desses valores foi considerado junto o arroz de terras altas e o sistema de vrzeas e um consumo mdio de 60 kg de semente por hectare e no sistema irrigado 120 kg/ha.

45

As exigncias priorizadas por sete industriais de Goinia e Mato Grosso foi calculada pela nota mdia que eles atriburam a cada atributo, sendo a nota 10 para o mais importante e nota um para o menos importante. A varivel rendimento inteiro foi considerada a mais essencial e a variedade a menos essencial de todas.

1) Rendimento de inteiro (8,4)

2) Qualidades culinrias (7,7)

3) Rendimento total (7,2)

4) Aparncia aps o beneficiamento (6,7)

5) Defeitos dos gros (5,5)

6) Gros longos finos (5,5)

7) Teor de umidade (4,8)

8) Uniformidade aps o beneficiamento (3,4)

9) Pureza do produto em casca (3,1)

10) Variedade (2,0)

As exigncias priorizadas pelos consumidores antes da coco esto relacionadas integridade do gro. A caracterstica longo fino no to importante como se imaginava (Tabela 3.6). A translucidez e uniformidade de tamanho aparecem como caractersticas do arroz mais desejadas antes

Tabela 3.5. Produo de semente de arroz no Brasil e percentual de utilizao das reas cultivadas.

Fonte: David et al. (2003).

46

da coco. Quanto s exigncias priorizadas pelos consumidores aps a coco, as trs primeiras caractersticas consideradas mais importantes tm relao com o paladar e o visual do produto (Tabela 3.7). Durante o levantamento, os consumidores no reconheceram a importncia das qualidades nutricionais do arroz.

Tabela 3.6. Caractersticas desejadas pelos consumidores de arroz antes da coco.

1=Mdias de cada varivel com as mesmas letras no diferem entre si, pelo teste de Scott-Knof a 5%2=As menores mdias significam maior importncia.

1=Mdias de cada varivel com as mesmas letras no diferem entre si, pelo teste de Scott-Knof a 5%2=As menores mdias significam maior importncia.

Tabela 3.7. Caractersticas desejadas pelos consumidores de arroz depois da coco.

Utilizao de cultivares de arroz de terras altas

Os dados utilizados neste captulo foram obtidos a partir de uma pesquisa feita no Estado do Mato Grosso em abril de 2002, portanto, poca da colheita da safra 2001/02. A metodologia bsica foi a aplicao de questionrios junto a produtores, responsveis tcnicos das lavouras, indstrias e secretrios de agricultura. Os municpios visitados foram Lucas de Rio Verde, Tapurah, Sorriso, Sinop, Cludia, Vera, Santa Carmen, Matup, Colder, Alta Floresta, Paranata, Guarant, Novo Mundo, Nova

47

Cana do Norte e Peixoto de Azevedo. Estes municpios responderam por cerca de 42% da rea plantada com arroz no Estado de Mato Grosso na safra 2001/02, cuja rea total foi estimada em 410 mil ha (Levantamento Sistemtico da Produo Agrcola, 2002). A partir desses dados, foi estimada a participao das cultivares na produo de cada municpio, e os resultados foram plotados em mapas utilizando um programa de Sistema de Informaes Geogrficas (SIG).

Os dados da pesquisa revelam que mais de 90% da rea plantada na safra 2001/02 utilizou as cultivares Primavera, Cirad 141 e Maravilha (Tabela 3.8). A Primavera a cultivar de arroz de terras altas de maior aceitao no mercado, ocupando cerca de 50% da rea plantada na regio estudada (Tabela 3.8). Essa receptividade ocorre devido ao seu potencial produtivo e ao padro de qualidade, que apreciado tanto pela indstria como pelos consumidores. No entanto, conforme se observa na Tabela 3.8, a participao da Primavera varia de municpio para municpio. Ela era amplamente utilizada na regio Central nos municpios Nova Mutum, ocupando cerca de 90% das reas com arroz, 70% em Lucas de Rio Verde, 80% em Tapurah e 95% em Cludia. Porm, mais para o Norte, a sua utilizao decresce. Uma explicao pode estar relacionada aos esquemas produtivos desses municpios, que esto mais voltados para a pecuria. Neste caso, os produtores tm maior interesse na abertura de rea para pastagens do que na qualidade do produto em si. Deste modo, preferem utilizar cultivares mais rsticas. Em outras palavras, a cultivar Primavera exige mais cuidados agronmicos, sendo mais procurada pelos produtores que tm maior preocupao com aspectos mercadolgicos. Esta situao inversa que ocorre nos municpios de Nova Cana do Norte, onde a Primavera participa somente com 20% da rea total cultivada; 20% em Peixoto de Azevedo; 30% em Alta Floresta; e 40% em Tapurah. Em Sorriso, Sinop e Santa Carmen, a participao da cultivar Primavera era, respectivamente, 35%, 35% e 30%. Nesses municpios, a menor participao da Primavera pode ser explicada, tambm, pela maior presena de fornecedores de sementes, que trabalham com outras cultivares e, assim, fazem concorrncia.

A cultivar Cirad 141, que era considerada pelos produtores como rstica, mas com boa produtividade e com menor aceitao na indstria do que a Primavera, ocupa quase 30% da rea plantada na regio estudada (Tabela 3.8). Devido s suas caractersticas, ela mais cultivada nos municpios pecuaristas do Norte do Estado, como Peixoto de Azevedo (65%), Colider (60%), Nova Cana do Norte (60%), Novo Mundo (60%) e Alta Floresta (50%). Na regio Central, esta cultivar tambm bastante utilizada nos municpios de Santa Carmen (70%), Sinop (45%) e Sorriso (35%). Nota-se baixa utilizao dela nos municpios de reas agrcolas mais consolidadas como Nova Mutum e Lucas de Rio Verde. Destaca-se sua boa produtividade, superior a 3.000 kg/ha, nos municpios de Tapurah e Cludia.

48

O percentual de utilizao da cultivar Maravilha na rea estudada era de, aproximadamente, 12% (Tabela 3.8). Por apresentar melhor desempenho em condies de alta umidade, sua utilizao mais significativa nas regies com maior pluviometria no Norte do Estado, nos municpios de Paranata (40%), Novo Mundo (40%), Matup (25%) e Nova Cana do Norte (20%). Nota-se sua presena tambm no municpio de Lucas de Rio Verde (15%), por ter um microclima favorvel (as chuvas comeam cedo).

Os lanamentos de novas cultivares, ocorridos nos trs ltimos anos, no causaram muito impacto. Isso leva a concluir que no houve boa aceitao pelo mercado consumidor. o caso da Bonana e Sucupira, que foram lanadas na safra 2001/02, mas que, por enquanto, no mostraram bom desempenho (Tabela 3.8).

Tabela 3.8. Principais cultivares plantadas no Mato Grosso, na safra agrcola 2001/02.

Em relao cultivar Primavera, os principais comentrios referem-se s suas boas caractersticas agronmicas, sua boa produtividade e rendimento de panela. Portanto, das cultivares disponveis a que engloba mais caractersticas desejveis para o mercado. Como pontos fracos, foram destacadas a baixa resistncia brusone e a susceptibilidade ao acamamento. O srio problema mencionado que a semente disponvel no mercado possui alto grau de mistura varietal.

A cultivar Cirad 141 tem como pontos favorveis sua rusticidade, resistncia a pragas e doenas, adaptando-se melhor em terrenos arenosos que a Primavera. Apresenta problemas de maturao ps-colheita, sendo necessrios cerca de 100 dias para dar panela; tem uma aceitao menor pelo mercado que a Primavera.

A cultivar Maravilha, por sua vez, apresenta problemas agronmicos, como susceptibilidade a pragas e doenas, alta sensibilidade a manchas do gro e elevada exigncia de adubao. Devido a esses problemas, ela exige cuidados

49

especiais que encarecem sua produo. Alm disso, apresenta problemas em reas novas que no recebem adequada adubao. Outras limitaes apontadas foram a dificuldade no beneficiamento e a baixa qualidade de panela. Diante desses obstculos, ela menos plantada que as cultivares descritas anteriormente.

Sobre as cultivares Sucupira e Bonana, foram apresentadas mais desvantagens que vantagens. Em relao primeira, foi destacado que seu cultivo exige alto padro tecnolgico. Portanto, sua utilizao fica restrita aos produtores que dispem de tecnologia adequada e que esto dispostos a utiliz-las na produo de arroz. Os principais problemas indicados foram a baixa densidade, ou seja, apresenta baixo peso em relao ao volume, e apresenta difcil descascamento na indstria.

Os principais problemas citados para a cultivar Bonana foram os de que ela no classificada como longo fino, sendo ainda ruim de panela e apresentando problema de maturao ps-colheita, o que exige ficar, no mnimo, armazenada por quatro meses para ser consumida. Alm desses problemas, a adoo dessa cultivar foi sensivelmente prejudicada pelo fato de que, a partir de seu lanamento, ter sido criada a expectativa de que ela fosse substituir a Primavera. Como ela no apresentava as mesmas qualidades, gerou uma desmotivao para sua adoo. Essa mesma desmotivao ocorreu em relao cultivar Sucupira. A Figura 3.3 mostra as reas onde predomina a utilizao das cultivares Primavera, Cirad 141 e Maravilha. Existe uma clara fronteira no nvel dos municpios de Sinop e Sorriso. Ao Sul h uma clara predominncia da cultivar Primavera. No entanto, no Norte do Estado predomina a cultivar Cirad junto com Maravilha.

Fig. 3.3. Principais cultivares de arroz de terras altas cultivadas na regio meio-norte e norte do Estado de Mato Grosso na safra 2001-02.

50

Existe um grupo de produtores que afirmam saber que a utilizao de semente certificada proporciona produto de melhor qualidade, maior produtividade e maior segurana contra doenas. Mas ainda existem produtores que dizem que a semente certificada no aumenta a produtividade, no oferece segurana contra doenas e no interfere, ou interfere pouco, na qualidade do produto final. Independente da cultivar, a utilizao desse insumo ainda baixa. Justificam que os benefcios no so compatveis com o seu custo. O que se observa que o mercado de semente de arroz no Estado de Mato Grosso um setor desorganizado e que, mesmo com a demanda sendo baixa, no tem sido capaz de atend-la.

Consideraes finais

As exigncias de qualidade ou de caractersticas variam em funo das demandas ao longo dos segmentos da cadeia produtiva do arroz. Com relao aos consumidores, destaca-se o aspecto visual. No que refere-se s indstrias, a qualidade se define em torno da renda de beneficiamento dos gros, aspecto do gro e qualidades culinrias. No mbito dos produtores, o preo foi a principal varivel considerada.

Verificou-se que o nvel de adoo das cultivares de arroz de terras altas varia de regio para regio. Os aspectos que determinam os nichos mais apropriados para as cultivares so o perfil dos produtores, a adaptabilidade da cultivar ao sistema produtivo mais utilizado na regio, as condies edafoclimticas, o tipo e qualidade da matria-prima comercializada na regio e a disponibilidade de semente. Portanto, para um melhor desempenho das cultivares, fundamental considerar as particularidades das regies. Assim, a etapa de avaliao de linhagens, do processo de melhoramento e desenvolvimento de cultivares, deve ser realizada em um nmero maior de regies, para que as variedades tenham maior identificao com as necessidades locais. Alm disso, o lanamento das cultivares deve contemplar pesquisas de manejo adequadas s caractersticas locais, pois os sistemas apresentam diversidade de prticas agronmicas que, por sua vez, divergem quanto exigncia tecnolgica.

51

Captulo 4

COMPETITIVIDADE ENTRE O ARROZ IRRIGADO E O DE TERRAS ALTAS NO BRASIL

Patricio Mndez del VillarAugusto Hauber Gameiro

Carlos Magri FerreiraTiago Sarmento Barata

O objetivo deste captulo comparar a competitividade entre os sistemas de cultivo de arroz irrigado no Rio Grande do Sul e o arroz de terras altas em Mato Grosso. Para estudar a competitividade entre os sistemas irrigado e o de terras altas foi utilizada a metodologia de anlises comparativas entre os sistemas, comparando custos e resultados por atividade. Os dados primrios e coeficientes para as avaliaes foram obtidos nas planilhas de cada sistema produtivo que, por sua vez, foram levantados em painis com produtores, realizados em setembro e outubro de 2002, na regio de Sinop em Mato Grosso e em Santa Vitria do Palmar, importante regio produtora do Rio Grande do Sul.

A metodologia de painel como forma de coleta de informaes sobre a estrutura de funcionamento das unidades agrcolas consiste em reunir pesquisadores, tcnicos e produtores representativ