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Embrapa Arroz e FeijãoSanto Antônio de Goiás - GO

2005

DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E DINÂMICA DA PRODUÇÃO DE ARROZ

DE TERRAS ALTAS NO BRASIL

Carlos Magri FerreiraIvan Sergio Freire de Sousa

Patricio Méndez del Villar Editores

Empresa Brasileira de Pesquisa AgropecuáriaCentro Nacional de Pesquisa de Arroz e FeijãoMinistério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

Exemplares desta publicação podem ser adquiridos na:

Embrapa Arroz e FeijãoRod. Goiânia Nova Veneza , Km 12Caixa Postal 179Fone: ( 0xx62) 533 2123Fax: (0xx62) 533 [email protected] Santo Antônio de Goiás - GO

Supervisor Editorial: Marina A. Souza de OliveiraRevisor de texto: Vera Maria Tietzmann SilvaNormalização bibliográfica: Ana Lúcia D. de FariaCapa: Fábio NoletoEditoração eletrônica: Fabiano Severino

1ª. edição1ª. impressão 2005: 2.000 exemplares

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)Embrapa Arroz e Feijão

Desenvolvimento tecnológico e dinâmica da produção de arroz de terras altas no Brasil / editores, Carlos Magri Ferreira, Ivan Sergio Freire de Sousa, Patricio Méndez del Villar. - Santo Antônio de Goiás : Embrapa Arroz e Feijão, 2005.

118 p.

ISBN 85-7437-024-X

1. Arroz de Terras Altas - Produção. 2. Arroz de Terras Altas - Eco-nomia Agrícola. - Dinâmica Agrícola. 3. Arroz de Terras Altas - Comer-cialização. I. Ferreira, Carlos Magri. II. Sousa, Ivan Sergio Freire de. III. Méndez del Villar, Patricio. IV. Embrapa Arroz e Feijão.

CDD 633.179 (21. ed.)

© Embrapa 2005

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Capítulo 7

VIABILIDADE ECONÔMICA E PAPEL SOCIAL DA PE-QUENA AGROINDÚSTRIA

Carlos Magri FerreiraPatricio Méndez del Villar

O Brasil enfrenta vários problemas sociais, destacando-se a baixa renda per capita e a disparidade na distribuição de renda. Em passado recente existiam, em quase todos os municípios, pequenos engenhos de arroz, para beneficiar a produção e abastecer o mercado local. Contudo, esses estabelecimentos vêm gradativamente diminuindo, em função da tendência de concentração das indústrias, da mudança da preferência dos consumidores e da maior exigência qualitativa. Neste capítulo descreve-se a situação atual e discutem-se os fatores capazes de proporcionar sustentabilidade para pequenas indústrias de processamento de arroz na Região Central do Brasil. Observou-se que os pequenos engenhos apresentam viabilidade se houver garantia de estocagem de matéria-prima durante o ano e organização dos produtores, facilitando o acesso à assistência técnica, possibilitando usufruir das vantagens na comercialização de insumos e produtos e criando condições para a oferta de produtos com padrão demandado pelo mercado.

No estudo de Ferreira & Yokoyama (1999), a preferência dos consumidores nas capitais dos Estados do Centro-Oeste brasileiro era determinada, em ordem de importância, por: aspecto (46%), marca (42%), preço (12%) e embalagem (1%). Portanto, os consumidores de arroz mantêm uma forte fidelidade com a marca comercial, tornando a agroindústria um dos principais componentes da cadeia. Isto significa ainda que a agroindústria deve procurar matéria-prima com qualidade que possibilite a criação de uma marca comercial forte.

Historicamente, o vínculo entre a indústria de arroz e os produtores é marcado por compromissos não contratuais. Este tipo de relação tem causado freqüentes reclamações de ambas as partes, pois as relações ocasionais dependem do poder de pressão e da leitura que cada parte faz do mercado; assim é comum surgir artificialmente excesso de oferta, prejudicando os produtores, que também utilizam de artifícios como segurar o produto para forçar um aumento de preços. Esse tipo de interação constitui um entrave à profissionalização da cadeia.

A partir dos anos 90, as empresas realizaram importantes investimentos tecnológicos a fim de conseguirem competitividade nos mercados. O setor produtivo também se viu obrigado a se encaixar no novo paradigma. Contaram com significativas contribuições tecnológicas da pesquisa, como a melhoria

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genética, que possibilitou a obtenção de melhor produção e rendimento. As empresas foram também influenciadas pelas novas tecnologias ligadas à informação eletrônica da comunicação para fins comerciais. A pronta resposta do setor produtivo constituiu-se na base para solidificação de um modelo de produção em escala. A mudança de preferência e maior exigência dos consumidores, aliadas à modernização tecnológica e ao encarecimento dos equipamentos utilizados nas agroindústrias do arroz, dificultaram e em algumas regiões até inviabilizaram a competitividade dos pequenos engenhos de arroz. Essa conjuntura de fatores permitiu a concentração de maneira significativa da indústria do arroz no Brasil.

Retrospectiva da indústria arrozeira

Para melhor compreensão da situação da indústria do arroz é interessante fazer uma breve retrospectiva do seu papel nas diferentes regiões produtoras e mostrar o perfil da cultura no país. As grandes indústrias do Estado do Rio Grande do Sul foram criadas nos anos de 1920 e tinham alto nível tecnológico. No início, as estratégias dessas indústrias eram orientadas para o mercado internacional, com objetivo de abastecer essencialmente os países da Bacia do Prata - Argentina e Uruguai. Naquela época, as indústrias financiavam os custeios de produção. Essa dependência financeira continuou durante os anos 30 e até o início dos anos 50 (Martins et al. 2002).

O desenvolvimento da rizicultura na região Centro-Oeste ocorreu essencialmente nas fronteiras pioneiras, na abertura de novas terras agrícolas. As principais características da rizicultura nas décadas de 30 e 40 eram: a) cultivava-se um grande número de variedades, sem pureza varietal; b) cultivo de pequenas áreas e, por conseqüência, a comercialização ocorria em pequenos lotes; c) a logística de transporte era pouco desenvolvida e com custos elevados.

Naquela época as pequenas indústrias do Centro-Oeste, apesar de sua rusticidade, desempenharam um importante papel no desenvolvimento e expansão dos Cerrados brasileiros. Em cada município da região encontrava-se uma ou mais unidades que beneficiavam e ofertavam arroz para a comunidade local. Portanto, essas indústrias eram diferentes das grandes indústrias do Sul quanto ao aspecto tecnológico, perspectiva de mercado e maneira de atuação, uma vez que no Centro-Oeste os produtores e os intermediários entravam em contato somente no momento da comercialização, ao contrário do Sul, onde as relações produtores-beneficiadores-comerciantes eram contínuas durante o ano todo. Além disso, os produtores do Sul contavam com apoio tecnológico e logístico do Instituto Rio Grandense do Arroz (IRGA), que desenvolvia pesquisas agrícolas e defendia os interesses comerciais dos rizicultores. Apesar das indústrias

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do Centro-Oeste serem menos tecnificadas que as indústrias gaúchas e operarem em menor escala, o produto ofertado por elas era o preferido no mercado nacional.

Atualmente, as indústrias de arroz no Brasil se distinguem entre aquelas que executam algum processo industrial, por exemplo a parboilização, e aquelas que somente beneficiam. Estas últimas podem ainda ser diferenciadas entre aquelas que utilizam baixa tecnologia e as que empregam alta tecnologia. A diferença entre elas é que as primeiras somente descascam e condicionam. Neste caso, conseguem ofertar um produto com qualidade culinária, mas sem o mesmo aspecto dos produtos ofertados pelos grandes engenhos. Os grandes engenhos utilizam equipamentos e processos que causam menos danos e realçam a qualidade física dos grãos, além de promover seleção eletrônica dos grãos. A partir dessas vantagens, conseguem constituir marcas comerciais que se tornam líderes no mercado.

Estratégias de concentração e de localização das empresas

De acordo com Jaeger et al. (1983), no início dos anos 1980 existiam cerca de 800 indústrias de arroz no Estado do Rio Grande do Sul, mas somente 610 estavam em atividade. A capacidade de transformação instalada era de 600 mil t/mês. As cooperativas recebiam e beneficiavam ao redor de 70% da produção do Estado, o restante era transformado por sociedades privadas. Estas arrozeiras localizavam-se em 22 das 24 microrregiões produtoras do Estado. As principais regiões produtoras eram também as mais industrializadas (Beskow, 1984).

Entre 1983 e 1996, a concentração do setor industrial do arroz no Rio Grande do Sul prosseguiu (Tabela 7.1). O percentual de indústrias que tinham cessado suas atividades passou para 25%. As 50 maiores transformavam 55% da produção em 1983 e 72% em 1996. As dez maiores transformaram, respectivamente, 31% e 39% do total nos mesmos anos. Em 1996, das 882 indústrias existentes no Rio Grande do Sul, 283 beneficiavam menos de 250 t/mês, 163 beneficiavam entre 250 a 500 t/mês, 115 entre 500 a 2.000 t/mês e somente 33 acima de 2.000 t/mês.

Tabela 7.1. Características do setor agroindustrial do arroz no Rio Grande do Sul, em 1983 e 1996.

Fonte: *Jaeger et al. (1983); **Cogo (1997).

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Nos anos 1980, considerava-se que o tamanho mínimo que garantia a viabilidade econômica de uma indústria de beneficiamento de arroz era 200 t/mês. Em 1994, a escala aumentou para 250 t/mês, em 1997 passou para 500 t/mês. Considerando este último valor como referência, em 1996, somente 33 das indústrias instaladas no Rio Grande do Sul poderiam ser consideradas economicamente viáveis. Em 2001, as 50 maiores indústrias no Rio Grande do Sul transformaram 2,8 milhões de toneladas, que corresponde a 53,3% do total produzido no Estado. Em termos de Brasil, esse percentual representa um quarto do consumo total. No ano de 2002, o mesmo número de indústrias beneficiou 3,4 milhões de toneladas, ou 62,2% do total produzido no Estado (Anuário Brasileiro do Arroz, 2002/2003).

A região Centro-Oeste, e em particular o Estado de Goiás, foram espaços econômicos privilegiados no recebimento de incentivos governamentais para instalação de agroindústrias. Esta ação foi fortalecida com um fluxo migratório de mão-de-obra qualificada vinda do sul do país, que contribuiu para uma mudança profunda no setor agrícola. Esse movimento já existia nos anos 1960, mas se intensificou com o Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento, a partir dos anos 1970. Porém a agroindústria do arroz não se modernizou na mesma proporção que as de outros produtos. Além da defasagem tecnológica, a indústria de arroz na região não realizou mudanças na gestão empresarial. Para se ter idéia da discrepância, cita-se o resultado encontrado por Ferreira & Yokoyama (1999) que, no levantamento realizado nas indústrias de arroz na região Centro-Oeste constataram que a maioria não tinha planilhas do custo operacional da empresa e não sabiam precisar o consumo de energia, valor de reposição de peças e equipamentos e custos de embalagens.

O processo de concentração de beneficiamento no Estado de Goiás iniciou ainda na década de 80. Segundo estimativa do Sindicato das Indústrias do Arroz no Estado de Goiás (SIAGRO), em 1989, 10% das indústrias beneficiavam ao redor de 90% da produção. Atribuíam duas razões para essa concentração: dificuldades de matéria-prima de primeira qualidade e as baixas margens de rendimento de engenho. Justificavam que por essas razões eram obrigadas a trabalhar com grandes volumes. Naquela época considerava-se como indústria de tamanho médio aquela que tinha capacidade de transformação de 30 t/dia, no entanto, as maiores indústrias ultrapassam 70 t/dia. Atualmente a empresa líder no mercado goiano tem capacidade de beneficiar 25 t/hora. Em 1996 existiam cerca de mil indústrias registradas no SIAGRO, mas não se sabe quantas, efetivamente, estavam em atividade. Na época, a Bolsa de Mercadoria do Estado de Goiás estimava que ao redor de 30% estavam inativas.

Em 1996, no Estado de Mato Grosso do Sul estavam cadastradas cerca de 315 indústrias na Delegacia do Ministério da Agricultura, e no Mato Grosso estavam cadastradas 411, das quais somente uma atuava no processo de

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parboilização. Também não foram encontradas estatísticas oficiais do número de empresas inativas, mas as estimativas giravam em valores próximos aos 40%. O Estado de São Paulo1, apesar da baixa produção, contava com mais de 300 indústrias em atividade (Giordano et al., 1998) e no Estado do Paraná havia cerca de 380 indústrias.

Os Estados de Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Santa Catarina e Maranhão produzem cerca de 70% da produção nacional. Desta forma, as principais regiões produtoras não coincidem com os principais centros consumidores, notadamente o Estado de São Paulo, que, de acordo com Martins et al. (2002), a partir dos anos 80, passou a importar 95% do arroz que consome, principalmente do Rio Grande do Sul.

Assim, os grandes centros consumidores localizados na Região Sudeste do país são abastecidos pelos grandes engenhos, que estão instalados nas regiões produtoras do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Cerca de 70% da produção dos engenhos do Rio Grande do Sul se destina a outros Estados. As grandes cidades do Nordeste também são abastecidas com arroz do Sul e com arroz de baixa qualidade oriundo da região central do país. O comércio de arroz de baixa qualidade ainda existe, seu destino são as populações mais desfavorecidas, mas o fluxo vem decrescendo nos últimos anos.

Uma das principais empresas brasileiras beneficia cerca de 30 mil t/mês. Isto representa aproximadamente 2% do consumo nacional. Conforme Giordano et al. (1998), a empresa líder do mercado nacional detém cerca de 6,5% do mercado e a segunda 5%, o market share das demais é menor do que 1%. Assim cerca de 85% do mercado nacional é abastecido por empresas de médio e pequeno porte.

Aproximadamente 15% do arroz produzido no Maranhão (7% da produção nacional) destina-se ao autoconsumo na região de produção, 30% é comercializado nos mercados locais e 50% no resto do Estado. Somente 5% é comercializado nos outros Estados (Méndez del Villar et al., 2001). Portanto, parte significativa do arroz produzido no Maranhão é beneficiada em pequenos engenhos.

No pólo de produção da região central do Brasil destaca-se a presença de importantes unidades industriais, notadamente nas cidades de Uberlância (MG) e Goiânia (GO). Com o potencial orizícola e com as novas variedades de terras altas que possuem qualidade semelhante ao arroz do Sul do país, algumas grandes indústrias salinas instalaram unidades de processamento na região de Sinop (MT). O governo local oferece incentivos na esperança de atrair novas indústrias. Constata-se que, apesar dos incentivos, as

1 Em 1960 mais de 90% do arroz comercializado no Estado de São Paulo era vendido para mais de duas mil unidades de transformações/atacadistas e os 10% restantes para os atacadistas intermediários (Junqueira et al., 1968).

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indústrias instaladas em Goiânia e Uberlândia mantiveram o propósito de não mudarem, pois consideram estratégica a posição dessas cidades em relação aos grandes centros consumidores e produtores.

Causas da crescente concentração das indústrias

Beskow (1984) constatou uma tendência de crescimento no tamanho médio dos engenhos, medido pela capacidade de beneficiamento e estocagem. Também verificou o crescimento da capacidade de transformação, enquanto diminuía o número de indústrias. Notou também que as grandes indústrias verticalizavam a produção, ou seja, produziam arroz para assegurar seu auto-abastecimento. Assim, a verticalização só não era completa porque dependiam das redes de distribuição e dos hipermercados para vender suas marcas.

Segundo Jaeger et al. (1983) a taxa de ociosidade da indústria arrozeira no Rio Grande do Sul era de 70%. Nesta época, as indústrias que se situavam fora das regiões tradicionalmente produtoras não tiveram problemas, pois elas operavam em pequena escala, visando ao abastecimento local e, portanto, não sofriam concorrência das grandes indústrias, enquanto as grandes indústrias localizadas nas regiões produtoras estavam num processo de intensa competitividade, o que causava a redução das margens de comercialização. O mesmo estudo concluiu que cerca de 40% da capacidade instalada era suficiente para atender à demanda e que o custo dessa ociosidade era repassado aos consumidores. Parte dessa subutilização foi atribuída ao fato de que as indústrias concentravam suas atividades nos primeiros meses depois da colheita, entre março e junho, assim, no restante do tempo ficavam total ou parcialmente desativadas.

A partir dos anos 1990, os efeitos da globalização foram negativos para a situação financeira do setor agroindustrial do arroz; provocaram a eliminação de algumas empresas e acentuou-se um processo de concentração do capital industrial no Estado do Rio Grande do Sul. Quase todos os engenhos que se encontravam fora das grandes zonas de produção foram fechados, em razão dos diferenciais de frete, que no caso do arroz é alto, devido ao baixo valor agregado. Foram também eliminadas aquelas empresas que operavam com reduzidas escalas de produção industrial. Um terceiro fator a ser considerado foi a agressividade comercial das marcas líderes sobre os mercados regionais. Neste aspecto, ressalta-se a diferença entre as indústrias do Sul do país e da região central, a primeira se preocupava em consolidar nos mercados dos grandes centros consumidores suas marcas comerciais, enquanto a segunda não tinha essa estratégia. Outros fatores favoráveis à concentração foram: a) o aumento da competitividade gerado pela consolidação do Mercosul; b) a abertura dos mercados regionais durante a administração Collor; c) a redução das margens de lucratividade média no fim dos anos 1980. Após essa série de transformações econômicas, somente as grandes empresas estavam em condições de incrementar seu desenvolvimento.

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Para Ferreira & Yokoyama (1999), o fechamento progressivo dos pequenos e médios engenhos na região Centro-Oeste deveu-se, dentre outros, aos seguintes fatores: a) preferência crescente do arroz longo-fino no mercado consumidor, característica que na época era primazia do arroz irrigado produzido no sul do país; b) o arroz de terras altas apresentava baixo rendimento de engenho e qualidade fora do novo padrão de exigência do consumidor; c) fortes flutuações da produção do arroz de terras altas; d) taxas do imposto ICMS, praticado pelos governos estaduais, e) baixo nível de gestão e gerenciamento da agroindústria arrozeira na região, que não se adequou às novas tendências da economia e do mercado.

Viabilidade econômica dos pequenos engenhos

Os pequenos engenhos são uma alternativa para a geração de empregos e estímulo para a produção nas pequenas propriedades agrícolas, além de fornecer um produto com preço mais acessível para a população de baixa renda. Deve-se lembrar que a contribuição desses engenhos é significativa no abastecimento nacional. Para analisar a viabilidade econômica desse tipo de engenho foi feita uma simulação de funcionamento ao longo do ano, durante 8 horas diárias e 22 dias por mês. Trata-se de um equipamento simples, com capacidade de beneficiar 180 kg/hora. Este equipamento tem possibilidade de oferecer um produto competitivo no mercado. Com relação à matéria-prima, foi considerado um rendimento total de 68%, e o rendimento de grãos inteiros variando de 45% a 54%. Outras medidas consideradas foram a produção de 5% de quirera e 10% de farelo.

De acordo com a legislação em vigor, o arroz polido, para ser classificado como tipo 1, pode ter no máximo até 10% de quebrado, sendo tolerado até 0,5% de quirera. De acordo com os dados coletados junto aos organismos de controle e de classificação de produtos agrícolas, todas as empresas trabalham dentro dos limites máximos permitidos. Para evitar riscos de contravenção e serem punidas com severas multas, adicionam uma quantidade de arroz quebrado um pouco abaixo do permitido pelas normas, pois sabem que durante o transporte e o manuseio pode ocorrer quebra do grão empacotado e ocasionar a ultrapassagem dos limites. Desta forma, para se aproximar da realidade, foi considerada uma mistura média de 8% de grãos quebrados na composição dos pacotes. Não foi levada em conta a utilização da quirera na composição do arroz para consumo, sendo considerada como subproduto.

Para determinar o preço da matéria-prima, foram considerados os valores médios na safra de 2003. Assim, por exemplo, na época da colheita, entre os meses de fevereiro e abril, o preço da saca de 60 kg era de R$25,00. A partir do mês de maio, foi considerado um aumento de R$1,00 por mês

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correspondente ao custo de armazenamento. O custo de beneficiamento de uma tonelada, R$17,00/t, incluindo os custos com energia e mão-de-obra, foi obtido a partir das informações coletadas nos pequenos engenhos nos Estados de Mato Grosso e Goiás e nas empresas que comercializam equipamentos. Outras despesas consideradas foram uma taxa de 7% sobre o valor da matéria prima referente ao Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, e um custo de R$0,30 por cada embalagem plástica.

O preço de venda do arroz quebrado (3/4), a quirera e o farelo foram obtidos nos engenhos em Goiás e Mato Grosso, respectivamente a R$0,30, R$0,20 e R$0,16. O preço inicial do arroz empacotado do tipo 1 foi de R$1,20/kg. As marcas líderes custavam R$1,50/kg, ou seja, 25% mais caras. A partir do segundo mês da colheita foi considerada uma taxa média fixa de 15% para corrigir a margem de comercialização da agroindústria.

A Tabela 7.2 apresenta um resumo financeiro e a viabilidade econômica dos pequenos engenhos, de acordo com as especificações técnicas e premissas de funcionamento descritas anteriormente. A unidade de transformação teria necessidade de 31,68 toneladas de arroz em casca por mês ao custo operacional de R$17.666,00, dos quais R$15.180,00 com a aquisição do arroz em casca, R$884,91 com embalagens, R$538,56 com beneficiamento e R$1.062,60 com ICMS. A receita média seria de R$20.413,00. Portanto, o lucro médio seria de R$2.747,00. Considerando uma produtividade média de 2,5 t/ha e uma área média de 5 ha por propriedade, seriam necessárias 30 famílias de pequenos produtores para abastecer cada engenho, que teria capacidade de abastecer 930 famílias, aproximadamente 3.900 pessoas. Além dos empregos indiretos, deve-se contabilizar que cada engenho gera, no mínimo, três empregos diretos.

Tabela 7.2. Custo, receitas e lucros (em Real) obtidos por um engenho com capacidade de beneficiar 180 kg/hora, operando oito horas diárias, durante 22 dias por mês.

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Condições para a competitividade

De acordo com Haguenauer et al. (1996), a competitividade se refere à capacidade de uma empresa formular e implantar estratégias concorrenciais que permitam ampliar ou manter de maneira durável uma posição no mercado. Assim, para os grandes engenhos com capacidade de ação no âmbito nacional, as perspectivas de se manterem no mercado são bem mais favoráveis, pois não só consolidam sua presença nos mercados locais, como ampliam sua capacidade, instalando filiais em pontos estratégicos do país, em particular na nova zona de produção rizícola no Mato Grosso.

Os resultados do presente trabalho mostram que, sob o ponto de vista econômico, os pequenos engenhos são viáveis, mas a sustentabilidade do empreendimento depende de outros fatores, como garantia de estocagem de matéria-prima para se trabalhar durante o ano todo, organização dos produtores para facilitar o recebimento de assistência técnica e usufruírem das vantagens na comercialização de insumos e produtos que o associativismo proporciona. Desta forma, os pequenos engenhos podem superar as dificuldades de encontrar matéria-prima com qualidade e adaptada ao novo mercado brasileiro.

Por outro lado, os pequenos engenhos devem superar as tênues relações entre empresas e produtores, pois as empresas não mantêm fidelidade com os produtores, e vice-versa; em outras palavras, é fundamental quebrar o círculo vicioso, o produtor, não tendo garantias, não produz com qualidade e não estoca, assim não proporciona uma oferta com qualidade e constância e as indústrias, não confiando na garantia de abastecimento e valendo-se da desorganização do mercado, não estabelecem parcerias com os produtores. Isto constitui-se num dos principais entraves para o desenvolvimento de uma relação estável. Para completar, os pequenos engenhos devem buscar a melhoria de sua capacidade de gestão empresarial e fixar com vigor suas estratégias visando a conquistar mercados regionais nas regiões de produção das fronteiras agrícolas e em municípios que produzem pequenas quantidades de arroz.

Considerações finais

A agroindústria é um segmento importante na cadeia produtiva do arroz no Brasil, no entanto é também um dos mais frágeis. Existe uma diversidade tecnológica e de gestão empresarial na agroindústria do arroz, uma complexidade na distribuição do arroz no país, e que, apesar de uma certa concentração das indústrias arrozeiras, o market share das grandes empresas no mercado nacional é baixo. O crescimento da grande empresa é importante e estratégico, mas, diante da constatação da viabilidade tecnológica e econômica dos pequenos e médios engenhos, sugere-se que

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se deve dar incentivo para a sua manutenção, pois também desempenham um papel social, em consonância com o programa de combate à fome do Governo Federal (Fome Zero), no sentido de ofertar empregos e ativar economias dos municípios. Pode-se concluir que existe espaço para todos os tipos de indústrias, cada um dentro de certos limites e condições de funcionamento.

Não se propõe uma ruptura dos paradigmas, mas uma reflexão sobre a agroindústria do arroz no Brasil, levando em consideração aspectos socioeconômicos, e não somente uma análise baseada nos critérios propostos pela política de globalização, que tem como lógica a produção em escala, mercado controlado por poucas empresas. No curto prazo esse é o caminho mais atraente, mas escamoteia alguns interesses latentes e legítimos da população. Também recomenda-se que sejam criadas políticas de desenvolvimento agroalimentar compatíveis com as realidades e tradições socioculturais de cada região.