Design Inteligente na natureza ROBERTO LENZ BETZ · que apenas utiliza o corpo para manifestar-se...

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ROBERTO LENZ BETZ Design Inteligente na natureza

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R O B E R T O L E N Z B E T ZDesign Inteligente na natureza

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Um dos maiores desafios da neurociência é decifrar os mistérios da consciência.1

Como explicar a percepção da própria existência? Como expli-car o controle que possuímos sobre os pensamentos e con-sequentemente a percepção de que estes pensamentos são nossos? Ou ainda a empatia que sentimos por determinadas pes-soas à primeira vista, enquanto em relação a outras, pode surgir um sentimento de antipatia? Es-ses são exemplos de questões ainda não completamente eluci-dadas pelos cientistas. Máquinas com a mais sofisticada inteligên-cia artificial vêm constantemente sendo produzidas, como é o caso do supercomputador Watson da IBM,2 capaz de enxergarem de-talhes, de conversar sobre pra-ticamente qualquer assunto em qualquer idioma e utilizando-se de gírias locais, capaz de apren-der e até mesmo de realizar diag-nósticos médicos e individualizar o tratamento. Apesar de tanta ca-pacidade, o Watson não possui a percepção de sua existência, nem possui ideia alguma do que está fazendo.

Existem diversas maneiras de tentar explicar a consciência, mas praticamente todas elas são variantes de duas formas prin-cipais, chamadas de monismo e dualismo. A primeira, que é a mais aceita na comunidade cien-tífica, diz que a mente é produzi-da pelo sistema nervoso central, que os processos físico-químicos que ali ocorrem são os responsá-veis pela interpretação de todas as informações obtidas através dos sentidos, por todos os pen-samentos (incluindo a consciên-cia) e por todas as decisões. Por esse motivo, o monismo é muitas

vezes chamado de materialismo ou fisicalismo. Já a segunda alter-nativa, o dualismo, postula que a mente é uma substância ou pro-priedade separada do corpo, e que apenas utiliza o corpo para manifestar-se no meio físico.

Existe uma tendência de que defensores de teorias sobre a ori-gem da vida alternativas ao evo-lucionismo optem por defender o dualismo, provavelmente sob a ideia de que o apelo à existência de substâncias e propriedades desconhecidas, ou até mesmo à de que a mente seja uma en-tidade espiritual, esteja em de-sacordo com os princípios evo-lucionistas. Acredita-se também que, sendo possível demonstrar a existência desta entidade, que independe do mundo físico, se-ria inegável a existência de uma realidade inteligente que trans-cende a matéria. Por esse motivo, muitas vezes o dualismo é tido como sinônimo de design inteli-gente e o monismo como sinôni-mo de evolucionismo na discus-são sobre as origens. Entretanto, é preciso ficar claro que essas associações podem representar um importante equívoco!

Um exemplo do erro deste tipo de associação é o fato de que diversos dualistas moder-nos não escondem sua posição evolucionista em seus trabalhos. Vejamos, por exemplo, o que diz David Chalmers, um dos maiores defensores do dualismo, em um de seus principais artigos: “Tra-ta-se de uma versão inofensiva de dualismo, completamente compatível com a visão científica do mundo. Nada nessa aborda-gem contradiz qualquer coisa na teoria fisicalista […] Se for para a posição receber um nome, uma boa escolha seria dualismo natu-

Computador IBM Watson é capaz

de enxergar detalhes, de

conversar sobre praticamente

qualquer assunto em

qualquer idioma e utilizando-

se de gírias locais, capaz de aprender

e até mesmo de realizar

diagnósticos médicos e

individualizar o tratamento.

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ralista.”.3:212

Um dos maiores pesquisado-res dualistas no Brasil, Moreira--Almeida, não parece ver confli-to entre sua posição dualista e o darwinismo, ao comparar o status do dualismo no meio científico atual ao status que a teoria evo-lucionista de Darwin ocupava na época em que foi proposta.4 Ale-ga que o darwinismo enfrentou objeções no início, mas que, com o desenvolvimento científico ao decorrer da história, tornou-se a teoria com maior poder explica-tivo conforme as evidências, e as barreiras foram vencidas.

Os dualistas Karl Popper e John Eccles também deixam evidente o seu posicionamento evolucionista na obra conjunta O eu e seu cérebro. Popper sugere que “o Universo, ou sua evolu-ção, é criativo, e que a evolução dos animais sencientes com ex-periências conscientes, trouxe algo novo. Essas experiências foram pela primeira vez de uma forma mais rudimentar e, poste-riormente, de um tipo superior; e no final esse tipo de consciência de si mesmo e esse tipo de criati-vidade emergiram ao que, sugiro eu, encontramos no homem.”.5:15

Esses exemplos são suficien-tes para demonstrar que a res-posta para o design inteligente não se encontra no dualismo. Pelo contrário, as evidências cien-tíficas atuais disponíveis apon-tam para o monismo como res-posta a esta equação. Segundo Castro, Andrade e Muller, “com o desenvolvimento das neurociên-cias o conceito dualístico tornou--se mais difícil de ser aceito.”.6:41 Dualistas negarão essa afirma-ção, apesar de reconhecerem que o monismo é a posição aca-demicamente mais aceita.7

Cada vez são descobertas mais funções das regiões cere-brais8 e também circuitos neu-rais responsáveis por funções mais complexas,9,10 até mesmo do controle sobre pensamentos indesejados!11 Em alguns estu-dos recentes, foi possível ler a mente de voluntários através de neuroimagem e interpretação das ondas cerebrais,12-14 o que se deu de forma muito rudimen-tar, mas revela consistentemen-te que os processos de pensa-mento estão ocorrendo através das reações físico-químicas que ocorrem no cérebro. Lesões nes-tas regiões resultarão em altera-ção da mente e da consciência, e as bases orgânicas dos distúr-bios psiquiátricos já estão sendo descobertas.15-18 Até mesmo nas condutas imorais são observa-das alterações neurológicas.19,20 Este último dado é muito interes-sante, pois revela que o cérebro foi projetado para funcionar de acordo com um código moral, ou seja, informação pré-programa-da. (Ver neste mesmo número da Origem em Revista o artigo “Có-digo moral pré-programado?”, de autoria deste mesmo autor).

Portanto, se algum dia vier a ser provado que a mente é de fato produzida pelo cérebro, como a maior parte das evidên-cias científicas nos leva a crer, de nenhum modo isto caracteriza-ria uma evidência evolucionista. Pelo contrário, aumentaria em muito a dificuldade de explica-ção do surgimento do sistema nervoso central através de pro-cessos evolutivos, pois estaría-mos diante de uma superestru-tura muito mais complexa do que qualquer supercomputador Watson desprovido de consciên-cia, o qual, diga-se de passagem,

Foi possível ler a mente de volun-tários através de neuroimagem e interpretar as ondas cerebrais, isso revelou con-sistentemente que os processos de pensamento estão ocorrendo através das rea-ções físico-quí-micas no cére-bro.

Máquina de leitura de pensamentos inven-tada pelo Prof. Bradley Greger, da Universi-dade de Utah.

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precisou de dezenas de projetistas altamente qualificados.

John Searle, um dos mais proeminentes defensores do monismo, apesar de ser evo-lucionista, parte para além da complexidade, alegando em sua obra O mistério da consciên-cia21 que complexidade por si só é insignifican-te para produzir a mente. É necessário que este sistema complexo esteja organizado de uma forma única que possa produzir processos neu-robiológicos específicos capazes de produzir a consciência. E esta organização não é obser-vada em nenhuma outra máquina ou sistema complexo, é exclusiva do cérebro.

Ainda sob uma óptica monista, Cabanis, o pai da psicofisiologia, alega que “Para se ter uma ideia exata das operações que produzem o pensamento, é necessário considerar o cére-bro como um órgão especial planejado especi-ficamente para produzi-lo.”.22:152

Portanto, Searle parece contradizer seu po-sicionamento sobre a origem da vida, sendo que a incoerência entre monismo e evolucio-nismo fica evidente em sua argumentação. Ou-tro ponto analisado é o de que, há dois séculos, o conceito de planejamento já aparece como implicação lógica do modelo monista, como vemos no trabalho de Cabanis. O monismo na relação mente-cérebro está mais alinhado com o design inteligente do que o dualismo, uma vez que o modelo monista requer esta estrutu-ra cerebral de altíssima e irredutível complexi-dade e inteligentemente organizada de forma exclusiva;8,21,23,24 enquanto que na visão dualis-ta esse órgão é, no mínimo, subestimado ao ser tratado como um mero canal de transmissão.

Ainda, essa abordagem simplista do cére-bro estaria auxiliando o evolucionismo a so-lucionar um de seus maiores problemas, que consiste no desafio intransponível de explicar como teria evoluído essa supermáquina arti-

ficialmente irreprodutível de cerca de cem bi-lhões de neurônios, realizando muitos trilhões de conexões, organizados num espaço menor do que de uma bola de futebol.21

Devemos nos libertar dos dogmas evoluti-vos que acompanham o materialismo e partir para uma posição mais inteligente de fisicalis-mo. Todos somos de certo modo fisicalistas, ao explicar os fenômenos da natureza através de leis físicas, e é justamente através dessas des-cobertas científicas que encontramos cada vez mais informação e complexidade; ou seja, cada vez surgem mais evidências de planejamento inteligente. O mesmo ocorre no problema da relação mente-cérebro, sua compreensão atra-vés de leis naturais somente produzirá mais evidências de uma origem inteligente.

Entretanto, para fugir dos dogmas evolu-cionistas que tomaram conta das ciências na-turais, é preciso uma nova forma de abordar a questão mente-cérebro seguindo a luz das evidências atuais, mostrando que o monismo é um dado extremamente favorável a planeja-mento inteligente e completamente incoerente com evolucionismo. (Ver neste mesmo número da Origem em Revista o artigo “Alma’, ‘Espírito’ e ‘Mente’ na Cosmovisão Bíblica”, de Natal Gar-dino). Assim como toda a natureza, o cérebro é obra magistral de um ser extremamente inte-ligente. Este órgão pode ser compreendido à medida que o conhecimento científico avança, pode até mesmo ser manipulado por outros seres inteligentes, assim como também é pos-sível manipular o restante da natureza. Propo-nho, portanto, uma forma diferenciada de mo-nismo, algo que nomeamos aqui de “monismo inteligente”!

Imagem do cérebro expressando sentimento de felicidade.

Imagem do cérebro expressando sentimento de tristeza.

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Referências

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3. Chalmers DJ. Facing up to the problem of consciousness. J Conscious Stud. 1995;2:200-19.

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Roberto Lenz Betz é médico, especialista em Neurologia.

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