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O amor, o destino e a sedução do cinema na visão de três irmãs cegas.São irmãs. São três. São cegas. Unidas por esta peripécia incomum do destino, elas viveram toda sua vida cantando

e tocando ganzá em troca de esmolas nas cidades e feiras do Nordeste do Brasil. O filme acompanha os afazeres cotidianos destas mulheres e revela as curiosas estratégias de sobrevivência da qual participam parentes e vizinhos. Mergulha em sua história, flagrando uma trama complexa de amor e morte, miséria e arte. E acompanha, numa reviravolta inesperada, o efeito-cinema na vida destas mulheres, transformando-as em celebridades. Um filme em que diretor e personagens confrontam-se com os laços que surgem entre eles, revelando a sedução e os riscos do ofício de documentarista.

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“...agora eu não sei como é que uma pessoa pode ter ciúme de

outra sem estar vendo nada.” Maria sobre seu marido Manoel

“... Trabalhava o feio pro bonito comer... eles não davam um

prego numa barra de sabão.” Maria sobre seus irmãos

Nascidas numa família de camponeses sem terra, passaram a infância perambulando pelas cidades do Nordeste do Brasil,

seguindo os passos do pai alcoólatra que alugava-se como mão-de-obra temporária para os proprietários de terra

da região. Para complementar a renda, a mãe dedicava-se ao artesanato e elas aprenderam a cantar nas feiras e nas

portas das igrejas em troca de esmolas.

Após a morte do pai, a cantoria tornou-se a principal fonte de renda de uma família numerosa, e que não parava de crescer. Houve um momento em que as ceguinhas sustentavam, com seus míseros ganhos, 14 pessoas, entre irmãos e irmãs, um deles adotado, sobrinhos, a mãe e seu novo marido.

Maria Barbosa, a mais habiliadosa e autônoma das três irmãs, foi a única que casou. E por duas vezes, ambas com deficientes visuais. Ficou duas vezes viúva. O primeiro marido foi Manuel Traquiline, violeiro e cantador, que passou a apresentar-se com elas nas feiras. Tiveram uma filha, Maria Dalva, que nasceu em 1989. Após o nascimento da filha, Maria foi viver com o marido em Natal, no Rio Grande do Norte. Foi o único período de suas vidas em que as irmãs estiveram separadas. Quando a filha já tinha completado cinco anos, Manuel morreu e Maria voltou para junto de suas irmãs, em Campina Grande. Lá conheceu Silvestre, o grande amor de sua vida, com quem viveu dois anos, até o marido ser assassinado a facadas.

Quando a equipe da Tv ZERO entrou em contato com As Três Ceguinhas pela primeira vez, em 1997, elas viviam praticamente sós, em uma pequena casa numa vila em Campina Grande, na Paraíba. A mãe delas tinha morrido há cerca de seis meses e Silvestre estava morto há menos de quatro. A filha de Maria estava em poder de umas tias distantes que se recusavam a devolver a menina para a mãe. O que aconteceu deste momento em diante está no filme.

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Carioca, 47, é diretor de vídeo clipes, filmes publicitários e documentários. Foi um dos fundadores do Circo Voador, onde fez uma série de filmes sobre o movimento de artistas envolvidos com os projetos de música, dança, teatro, circo, além de iniciativas em comunidades carentes. Pioneiro na direção de clipes, realizou

“Alagados” e “A novidade” para os Paralamas. Mais tarde viria a conquistar prêmios com trabalhos como “Mandrake e os cubanos” e “Partida de futebol”, ambos da banda mineira Skank e “Cachimbo da paz” de Gabriel o Pensador. Seus documentários também foram premiados no Brasil e no exterior, entre eles: “Angola” (1988), “God for all” (1993), “Som da rua” (1997), “A pessoa é para o que nasce - o curta” (1999) e “Afinação da Interioridade” (2002). “A pessoa é para o que nasce” é o seu primeiro documentário de longa metragem. É sócio da TvZero, onde atualmente se dedica aos novos episódios da série “Som da rua” e desenvolve seu primeiro longa-metragem de ficção “A senhora das imagens”, inspirado na vida da dra. Nise da Silveira.

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Em 1997, durante as filmagens da série de TV “Som da rua”, sobre músicos anônimos, o diretor Roberto Berliner conheceu as irmãs Regina, Maria e Conceição. Como elas já não se apresentavam mais nas ruas, tinham perdido seus ganzás, sem os quais não se sentiam a vontade para cantar. Enquanto a produção providenciava novos instrumentos, a equipe teve oportunidade de conversar longamente com as três. A filmagem para o programa foi realizada, mas Roberto deixou o set tão impressionado com o que viu e ouviu, que decidiu que as três ceguinhas seriam o tema de seu primeiro longa-metragem.

Alguns meses depois, Roberto voltou ao Nordeste com o roteirista Maurício Lissovsky e uma câmera digital, para uma série entrevistas que serviriam de base para elaboração do roteiro. Com o apoio do Ministério da Cultura, este material de pesquisa originou a edição de um curta-metragem, que serviria ainda como laboratório de linguagem para uma obra de maior fôlego. O curta “A pessoa é para o que nasce” , com seis minutos de duração, foi lançado em 1998 e ganhou muitos prêmios, no Brasil e no exterior.

Partiu-se então para a produção do longa-metragem. As primeiras filmagens ocorreram ainda em 1998 e, no ano seguinte, com o apoio do Itaú Cultural e do Jan Vridjman Fund, fundação ligada ao maior festival de documentários do mundo, o IDFA, elas puderam ser intensificadas.

A repercussão da série Som da Rua, bem como do curta “A pessoa é para o que nasce”, fez com que a música das três irmãs cegas de Campina Grande chegasse aos ouvidos de Naná Vasconcelos e Gilberto Gil, curadores do Percpan. Foram convidadas para participar do festival como “artistas profissionais”, recebendo cachês pelas três apresentações que fizessem, em Salvador e São Paulo, em meio a diversas atrações nacionais e internacionais. Diante de tal reviravolta na vida de nossas personagens, decidiu-se interromper a edição e filmar estas apresentações. Depois de mais de um ano sem vê-las, registramos a primeira, e até hoje única turnê das

“Ceguinhas de Campina Grande”, como foram chamadas pela imprensa.

As duas últimas sessões de filmagem aconteceram em 2002 e 2003, visando apreender que transformações esta efêmera celebridade teria produzido em suas vidas. Foram feitas, em sua maioria, com equipamento doméstico, pelo próprio diretor, praticamente sem qualquer assistência. Indicam assim, a nosso ver, aquilo que é a essência da atividade do documentarista: o registro, sempre arriscado, de uma expedição tripulada em direção ao outro. O

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Equipe de filmagem em Salvador, abril de 2000

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LEONARDO DOMINGUES Co-direção e Montagem

Carioca, 31, estudou cinema na Universidade Federal Fluminense. Iniciou sua carreira editando documentários, videoclipes e comerciais. Em 2003, passou a dirigir videoclipes e co-dirigiu “A Pessoa é para o que nasce”, seu primeiro longa – metragem. Atualmente trabalha como coordenador artístico da TvZero, desenvolve projeto para seu primeiro longa de ficção, “Pessoas do século passado”, baseado em livro homônimo de Dodô Azevedo, e prepara o documentário “Histórias de primeira mão”, para o History Channel.

MAURÍCIO LISSOVSKY Roteiro

Carioca, 47, historiador, roteirista de cinema, vídeo e Tv, professor da Escola de Comunicação da UFRJ. Entre seus trabalhos para o cinema estão os longas-metragens

“Seja o que Deus quiser” (com Murilo Salles e João Emanuel Carneiro) e “A Pessoa é para o que nasce” (de Roberto Berliner). Atualmente desenvolve, com Flávia Castro, roteiro para o filme “A senhora das imagens”.

JACQUES CHEUICHE Direção de Fotografia Carioca, 46, formou-se em Geografia na UNB. Começou a fazer cinema em 1980, como assistente de câmera, até tornar-se diretor de fotografia em 1986. Fotografou curtas como “Tom Jobim e a Mata Atlântica” e as séries para TV “Free Jazz” e “Som da rua”; trabalhou com Domingos de Oliveira no longa-metragem “Amores”, com Miguel Faria em “Estelinha”, nos mais recentes documentários de Eduardo Coutinho — “Santo forte”, “Edifício Master” e “Peões” —, e nos últimos documentários de longa-metragem do finlandês Mika Kaurismaki — “Moro no Brasil” e “Brasileirinho” —, ambos ainda inéditos no Brasil. Atualmente está filmando mais um documentário de Mika, sobre o baterista norte-americano Billy Cobham.

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um filme TvZERO direção ROBERTO BERLINER

Co-direção e Montagem Leonardo DominguesFotografia Jacques Cheuiche, ABCRoteiro Maurício Lissovsky Com Regina Barbosa, Maria das Neves Barbosa, Francisca da Conceicão BarbosaProdução Executiva Renato Pereira, Rodrigo Letier e Paola VieiraProdutores Associados Jacques Cheuiche, Maurício Lissovsky e Leonardo DominguesSom Paulo Ricardo NunesTrilha Sonora Original Hermeto Pascoal Trilha Sonora Adicional João Barone, Patrick Laplan, Pedrão Selector, Renato MartinsPós-produção Anna Julia Werneck, Kika BrandãoEdição de Som e Mixagem Denilson Campos, Mariana Barsted (Solo Audio)Design Visual Marcelo Pereira, Clarisse Siqueira (Tecnopop)

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Equipe de finalização, setembro de 2003.

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Por um lado, é a continuação de uma atividade típica de uma época sem rádio e TV, na qual só existia um tipo de música: a música ao vivo. Por outro lado, o rádio e a TV acabaram preenchendo com sua música incessante o dia-a-dia destas pessoas, multiplicando muitas vezes seu repertório, imprimindo em sua memória os sucessos passageiros e os clássicos que nunca deixam de ser tocados.

O CD 1 do álbum das “ceguinhas” mostra com seu repertório a ponta do iceberg de nossa memória musical inconsciente e coletiva.

São Cocos de Embolada tradicionais e anônimos, cujos refrões fortes servem para que as cantadoras puxem versos da lembrança, versos aleatórios, intercambiáveis, num sistema recombinatório que é típico do Coco.

São pedaços de sambas, de toadas dolentes, de valsinhas nostálgicas, que elas talvez tenham ouvido na Rádio Borborema em programas como “Encontro com o Passado”.

São retalhos de canções que elas pegaram de ouvido sem saber de quem eram, ou de canções compostas por alguém da rua, alguém do bairro; o cancioneiro inesgotável das músicas que nunca foram gravadas, voz incessante de um país onde todo mundo arranha um violão e arrisca um versinho.

Há fragmentos de versos de um cordel de João Martins de Athayde (os versos de “rebolei todo o trem fora da linha”, em “Jurema Preta”), há uma canção atribuída a Eliseu Ventania, veterano poeta repentista do Rio Grande do Norte; há uma canção do primeiro marido de Lia, que mostra a simplicidade poética e melódica que é tão espontânea ao brasileiro. Estas canções feitas de fumaça e vento produzem este rumor surdo e profundo que pode se ouvir a qualquer hora, em qualquer parte do Brasil. É gente sem nome e sem rosto fazendo uma música sem dono e sem fim.

O CD 2, “Releituras” mostra a fase seguinte deste processo, quando artistas profissionais (BNegão, Otto, Zé Renato, Tereza Cristina, Lenine, Júnior Barreto, Mombojó, Pato Fu, Elba Ramalho, Lula Queiroga, Silvério Pessoa, Paralamas do Sucesso, Pedro Luís e a Parede, Lirinha, Cabelo, Nervoso e Canastra, Originais do Sample, Braulio Tavares, Fausto Fawcett e Laufer, Banda Eddie) retomam os temas, os refrões, os versos passados adiante por elas e os recriam, cada qual ao seu estilo e feição. Vemos aí uma colcha-de-retalhos tipicamente

contemporânea. O samba, a marchinha, o coco, a Jovem Guarda, o hip-hop, a toada eletrônica, a palavra falada, a colagem sonora, a batucada. E por baixo disto tudo, como se fosse a terra que nutre uma jângal inteira de espécies vegetais, o som da rua.

Regina, Maria e Conceição conheceram um breve período de visibilidade à luz dos holofotes e das câmeras, e um dia retornarão para o oceano primordial de onde emergiram. A arte que produzem é aprendida, recomposta e refinada por artistas de têmpera mais rija, mais preparados para a guerra sem quartel que é o show business. E se perpetua. Quando Gilberto Gil e Naná Vasconcelos prestam homenagem às ceguinhas no palco do Percpan, o que temos ali é a gasolina-de-avião pedindo a bênção ao petróleo bruto de onde foi extraída.

O CD Duplo de “A Pessoa é para o que nasce” estará disponível nas lojas no mês de junho. Visite nosso site www.apessoa.com.br e faça download de até três músicas e das fotos e textos contidos nesse press book.

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em Cd DUPLOGilberto Gil, Naná Vasconcelos e Otto. São três

dos fãs que as Ceguinhas de Campina Grande conquistaram com sua “doçura e fragilidade”

(Gil). Depois de assistir o espetáculo de Regina, Maria e Conceição no Percpan 2000,

Otto sugere que o sucesso das irmãs está apenas começando. Pode ser, porque junto

com o filme está sendo lançado um CD duplo. O primeiro disco traz, na íntegra, as canções

originais interpretadas por elas no filme; o segundo apresenta recriações destas

músicas por grandes artistas da cena musical contemporânea. Leia, a seguir, o comentário

do poeta, escritor e compositor Bráulio Tavares sobre este CD.

Por Braulio Tavares. Nasci e fui criado em Campina Grande, e as três ceguinhas que cantavam coco fizeram parte da minha paisagem durante a vida inteira, com seu trinado de vozes e seus ganzás, desgrenhadas como as feiticeiras de Macbeth, mas nunca ameaçadoras. Vozes tristes, maltratadas, mas com aquela pungência de quem não tem mais o que perder e qualquer coisa que ganhar é lucro.

O encontro das irmãs com Roberto Berliner, que resultou em filme e CD, é, para alguns, uma prova de que a nossa vida é regida pelo Acaso. Mas, quando Lia procura explicar a atitude das três diante da vida, produz a frase que acabou se tornando o título do filme, e que exprime a dificuldade em conciliar o sonho individual e a predestinação coletiva. Cada um nasce para preencher um destino que o espera. Tudo indica conformismo, resignação, e o fatalismo “maktub” de uma cultura que crê no Livro do Destino. Os que em vez do Acaso acreditam no Destino vêem justamente nesta alta improbabilidade uma prova de que aquele encontro “tinha de acontecer”, “estava escrito”.

O Som da Rua buscado por Roberto Berliner é este murmúrio constante que escutamos nas esquinas de qualquer cidade brasileira. Pessoas que cantam canções, que improvisam versos, que recitam, que tocam instrumentos toscos na calçada, com microfones primitivos presos ao pescoço, e amplificadores de segunda mão equilibrados em cima de um tamborete.

Hermeto Pascoal

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* Publicado na Críticos.com, em 23 de outubro de 2004. Reproduzido com autorização do autor.

Por Carlos Alberto de Mattos. Roberto Berliner tinha dois caminhos à sua frente quando se dispôs a fazer um trabalho mais completo sobre as três ceguinhas de Campina Grande, com quem já tinha realizado um antigo microprograma de TV e um curta-metragem. Ou optava pela correção política, fingindo documentar pessoas comuns e cercando-se de precauções éticas, ou partia para um envolvimento afetivo com as personagens e suas características

“especiais”. Felizmente, ele fez a segunda opção, fonte de todo o encantamento e também de algumas restrições puristas que vêm sendo feitas a seu belo filme. Esse envolvimento transparece em todos os níveis. Na linguagem despudorada, capaz, por exemplo, de arrastar o romantismo épico de uma conhecida melodia de Ennio Morricone para o cenário da caatinga. Ou na convivência do diretor com “as meninas” em quatro períodos desde os anos 1980, a ponto de Maria desenvolver um sentimento mais profundo em relação a ele. A inserção desse tema espinhoso na edição do filme não só dá mostras do tipo de relação estabelecida durante o trabalho, como informa sobre a disponibilidade afetiva dessas mulheres afastadas das imagens do mundo, mas não da experiência dele. A Pessoa É para o que Nasce é um exercício no fio de uma lâmina. Nada mais arriscado do que filmar quem não vê e portanto não controla a forma como se dá a ver. Apesar da consciência de estarem sendo

“estrelas de cinema”, que Berliner trabalha habilmente numa seqüência inesquecível, o fato é que as três irmãs não estão habilitadas a se “construírem” diante das câmeras, como fazem todos os que enxergam. Documentá-las, portanto, é viver o difícil dilema de penetrar na sua intimidade sem no entanto explorá-las além do que elas estariam dispostas a aceitar. Nesse aspecto, o filme é quase irretocável. Pode-se fazer alguma restrição à seqüência em que uma delas é instada a usar um telefone, provocando risadas constrangidas na platéia. Pode-se reprovar o uso metafórico de um passarinho na seqüência final. Ou perceber uma perda de densidade no bloco da Bahia, quando elas se apresentam no Percpan coadjuvadas por um Gilberto Gil paternalizante.

Mas tudo isso fica insignificante diante de uma jóia cinematográfica que encanta a cada minuto. A cena final com o banho ao ar livre, uma das mais polêmicas do documentário, é de uma coragem notável. Berliner confronta os preconceitos estéticos do espectador e impõe uma poética bruta que paira acima e além da beleza. Estamos no terreno da mais plena fantasia cinematográfica, algo que as três irmãs têm evidente prazer em intuir. O desnudamento físico de Maria, Conceição e Regina é apenas uma parcela irrisória do quanto elas se dão a ver num projeto que ajudou a transformar suas vidas.

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