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81 Determinação de parâmetros de transmissão de calor em uma areia uniforme Determination of the heat transmission parameters in uniform sand Determinación de parámetros de transmisión de calor en una arena uniforme Marcos Vinicius Vieira Pereira Roberto Francisco de Azevedo Vanusca Oliveira Bertazo Resumo Este artigo trata da determinação de parâmetros de calor, condutividade térmica e capacidade de aquecimento volu- métrico, de uma areia uniforme em diferentes condições de densidade relativa e saturação. Foram feitos dois conjuntos de ensaios, um com amostras secas e, o outro, com amostras úmidas. Procurou-se usar a mesma densidade relativa nos ensaios com amostras secas e úmidas. Em todos os ensaios, fez-se a mesma distribuição de sensores de tempera- tura na amostra, em diferentes alturas e distâncias em relação à fonte de calor. Cada ensaio durou cerca de cinco dias. Posteriormente, os dados experimentais foram comparados com os dados obtidos através de uma modelagem numérica usando o método dos elementos finitos por meio do programa TEMP/W da GEO-Slope. Os parâmetros de condução de calor mencionados acima foram obtidos por meio da minimização dos erros entre os resultados laboratoriais e numéricos. Nos resultados obtidos observou-se que os valores de condutividade térmica aumentaram com a densidade relativa e o grau de saturação. Já a capacidade de aquecimento volumétrico aumentou de acordo com a densidade relativa no estado saturado, ficando praticamente constante no estado seco. Os resultados ficaram bem próximos aos encontrados na literatura. Portanto, a metodologia desenvolvida mostrou-se adequada para os objetivos do trabalho. palavras-chave: n condutividade térmica n areia uniforme n propriedades térmicas dos solos. Abstract This article deals with the determination of parameters for heat, thermal conductivity and volumetric heat capacity of uniform sand in different conditions of relative density and saturation. Two sets of tests were carried out; one with dry samples and the other with damp samples. It was sought to use the same relative density for the tests with dry and damp Boletim Técnico da Petrobras, Rio de Janeiro, v. 55, n. 2, p. 81-92, maio/ago. 2012

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Determinação de parâmetros de transmissão de calor em uma areia uniforme

Determination of the heat transmission parameters in uniform sand

Determinación de parámetros de transmisión de calor en una arena uniforme

Marcos Vinicius Vieira PereiraRoberto Francisco de AzevedoVanusca Oliveira Bertazo

Resumo Este artigo trata da determinação de parâmetros de calor, condutividade térmica e capacidade de aquecimento volu-

métrico, de uma areia uniforme em diferentes condições de densidade relativa e saturação. Foram feitos dois conjuntos de ensaios, um com amostras secas e, o outro, com amostras úmidas. Procurou-se usar a mesma densidade relativa nos ensaios com amostras secas e úmidas. Em todos os ensaios, fez-se a mesma distribuição de sensores de tempera-tura na amostra, em diferentes alturas e distâncias em relação à fonte de calor. Cada ensaio durou cerca de cinco dias. Posteriormente, os dados experimentais foram comparados com os dados obtidos através de uma modelagem numérica usando o método dos elementos finitos por meio do programa TEMP/W da GEO-Slope. Os parâmetros de condução de calor mencionados acima foram obtidos por meio da minimização dos erros entre os resultados laboratoriais e numéricos. Nos resultados obtidos observou-se que os valores de condutividade térmica aumentaram com a densidade relativa e o grau de saturação. Já a capacidade de aquecimento volumétrico aumentou de acordo com a densidade relativa no estado saturado, ficando praticamente constante no estado seco. Os resultados ficaram bem próximos aos encontrados na literatura. Portanto, a metodologia desenvolvida mostrou-se adequada para os objetivos do trabalho.

palavras-chave: n condutividade térmica n areia uniforme n propriedades térmicas dos solos.

Abstract This article deals with the determination of parameters for heat, thermal conductivity and volumetric heat capacity of

uniform sand in different conditions of relative density and saturation. Two sets of tests were carried out; one with dry samples and the other with damp samples. It was sought to use the same relative density for the tests with dry and damp

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samples. In all of the tests, the same distribution of temperature sensors was used in the sample, at different heights and distances from the heat source. Each test lasted around five days. Subsequently, the experimental data were compared to data obtained through numerical modeling using the finite elements method through the program Temp/W from GEO-Slope. The parameters of heat conduction mentioned above were obtained by means of minimizing the errors between the laboratory and numerical results. From the results obtained, it was observed that the thermal conductivity values increase with the relative density and the degree of saturation. However, the volumetric heat capacity increased in accordance with the relative density in the saturated state, remaining practically constant in the dry state. The results were very close to those found in literature. Therefore, the methodology proved itself to be adequate for the objectives of the work.

keywords: n thermal conductivity n uniform sand n thermal properties of soils.

ResumenEste articulo trata de la determinación de parámetros de calor, conductividad térmica y capacidad de calentamiento

volumétrico, de una arena uniforme en diferentes condiciones de densidad relativa y saturación. Se realizaron dos series de pruebas, una con muestras secas y, la otra, con muestras húmedas. Se buscó usar la misma densidad relativa en las pruebas con muestras secas y húmedas. En todas las pruebas, se realizó la misma distribución de sensores de tempera-tura en la muestra, en diferentes alturas y distancias en relación a la fuente de calor. Cada prueba duró cerca de 5 días. Posteriormente, los datos experimentales se compararon con los datos obtenidos a través de un modelo numérico usando el método de los elementos finitos por medio del programa TEMP/W de GEO-Slope. Los parámetros de conducción de calor mencionados anteriormente se obtuvieron mediante la minimización de los errores entre los resultados numéricos y del laboratorio. En los resultados obtenidos se observó que los valores de conductividad térmica aumentaron con la densidad relativa y el grado de saturación. Dado que la capacidad de calentamiento volumétrico aumentó de acuerdo con la densidad relativa en el estado saturado, permaneciendo prácticamente constante en el estado seco. Los resul-tados fueron muy similares a los encontrados en la literatura. Por lo tanto, el desarrollo de esta metodología se mostró adecuada para los objetivos del trabajo.

palabras-clave: n conductividad térmica n arena uniforme n propiedades térmicas de los suelos.

Determinação de parâmetros de transmissão de calor em uma areia uniforme

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IntroduçãoDevido a fatores como a revolução industrial e a aglo-

meração da população em grandes cidades, vários estudos sobre condução de calor em solos vêm sendo feitos com mais frequência desde a década de 1970.

A utilização e a ocupação excessiva e, muitas vezes, desordenada de solos, tanto para fins agrícolas quanto para fins industriais, têm elevado os índices de contaminação

dessa matriz ambiental. Daí, várias técnicas para tra-tamento de solos contaminados foram desenvolvidas. (Evans, 1991).

Dentre essas técnicas, a dessorção térmica se mostrou inovadora para a remediação de solos, lamas ou sedimen-tos contaminados. A técnica consiste em aquecer, por um período de tempo, o solo contaminado a uma temperatura suficiente para volatilizar os contaminantes e, posterior-mente, coletar os gases e tratá-los.

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A dessorção térmica tem sido utilizada para separar contaminantes com baixo ponto de ebulição (vaporização), tais como: contaminantes orgânicos, dioxinas, pesticidas, produtos derivados do petróleo e metais pesados, como mercúrio e cianetos (Duarte, 2004; Baptista, 2005).

Para se estudar a dessorção térmica, é necessário co-nhecer as propriedades térmicas, condutividade térmica e capacidade de aquecimento volumétrico, dos solos nos quais se pretende aplicar a técnica, com a finalidade de avaliar a sua eficiência.

ObjetivosO presente trabalho teve os seguintes objetivos:

• desenvolver um sistema para aplicação de um gra-diente de calor em amostra de solos de grandes dimensões e medição de temperatura ao longo do tempo em vários pontos da amostra durante o ensaio;

• realizar um programa de ensaios com um solo are-noso variando a sua densidade relativa e seu grau de saturação;

• estabelecer uma metodologia para determinação da condutividade térmica e da capacidade de aquecimento volumétrico de solos por meio de retroanálises numéricas dos ensaios.

Propriedades térmicas dos solos

A propagação de calor nos solos é governada pelas suas características térmicas, e essas propriedades são necessárias para a modelagem do fluxo de calor nos solos. O fluxo de calor através do solo envolve vários mecanismos de transporte.

A condução é responsável pelo fluxo de calor através dos materiais sólidos, enquanto, através dos poros, três

mecanismos ocorrem em paralelo: condução, convec-ção e irradiação. Quando a água está presente, o calor latente de destilação é um fator adicional envolvido na transferência de calor (Jackson e Taylor, 1986).

Condutividade térmica

A condutividade térmica é definida como a quantidade de calor que flui através de uma unidade de área em uma unidade de tempo, devido a um gradiente de temperatu-ra. Condutividade térmica é a propriedade essencial que controla o fluxo de calor.

A condutividade térmica dos solos é na verdade uma média aritmética das condutividades dos vários consti-tuintes que compõem a massa de solo, visto que na parte mineral do solo é, em média, igual a 6,12KJ/(h.m.ºC), e as condutividades térmicas da água e do ar são 2,16 e 0,0864 KJ/(h.m.ºC) respectivamente. Sendo assim, o calor se transfere principalmente através das partículas sólidas. Uma vez que a condutividade da água é maior que a do ar, um solo úmido possui condutividade térmica maior que um solo seco (Mitchell, 1993).

A condutividade térmica é obtida através da equação 1:

lTA

qt

(1)

Onde:

qt = fluxo de calor (W ou J/s);

λ = coeficiente de condutividade térmica (W/m/ºK);

ΔT = gradiente de temperatura (ºK ou ºC);

A = área da seção transversal ao fluxo (m²);

l = distância percorrida (m).

As tabelas 1 e 2 apresentam valores de condutividade térmica para diferentes tipos de solos e em relação a alguns índices físicos.

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Material λ em KJ/(h.m.ºC)

Solos saturados 2,16 – 14,4

Areia seca 0,54 – 0,9

Areia úmida 0,9 – 7,2

Areia saturada 7,2 – 14,4

Argila seca a úmida 0,54 – 6,48

Argila saturada 2,16 – 9,0

Tabela 1 - Conduti-vidade térmica dos solos (modificada de Hukseflux, 2005).

Table 1 - Thermal conductivity of soils (modified from Huk-seflux, 2005).

Tabla 1 – Conducti-vidad térmica de los suelos (modificada de Hukseflux, 2005).

S (%) e λ em KJ/(h.m.ºC)

0 0,65 – 0,39 0,648 – 1,019

19 – 40 0,96 – 0,57 2,484 – 4,536

40 – 80 0,74 – 0,39 3,348 – 6,984

100 0,75 – 0,48 7,92 – 9,684

Tabela 2 - Conduti-vidade térmica dos solos (modificada de Pessôa, 2006).

Table 2 - Thermal conductivity of soils (modified from Pes-sôa, 2006).

Tabela 2 - Conducti-vidad térmica de los suelos (modificada de Pessôa, 2006).

Capacidade de aquecimento volumétrico

Quando existir fluxo de calor transiente, o comporta-mento térmico de um solo será governado não somente pela condutividade térmica do solo, mas também pela sua capacidade de aquecimento volumétrico.

A capacidade de aquecimento volumétrico (C) de um solo é a energia de calor necessária para se aumentar de 1ºC a temperatura de um volume unitário de solo, sendo sua unidade no sistema internacional dada em cal/cm³.ºC, sendo representado pela equação 2:

cC (2)

Onde:

C = capacidade de aquecimento volumétrico (cal/ cm³. ºC);

ρ = massa específica (g/cm3);

c = calor específico (cal/g.ºC).

A tabela 3 apresenta valores de capacidade de aqueci-mento volumétrico (C) para diferentes materiais.

MaterialCapacidade de

aquecimento volumétrico (KJ/m3.ºC)

Água 4.184

Valores médios dos solos 1.924,64

Matéria orgânica 2.510,4

Ar 1,21

Tabela 3 - Valores de capacidade de aqueci-mento volumétrico de alguns materiais (mo-dificado de Mitchell, 1993 e Farouki, 1986).

Table 3 - Values of volumetric heat capacity in certain materials (modified from Mitchell, 1993 and Farouki, 1986).

Tabela 3 - Valores de capacidad de calen-tamiento volumétrico de algunos mate-riales (modificado de Mitchell, 1993 y Farouki, 1986).

Materiais e métodos

Material

A areia ensaiada é um solo coluvionar muito usado em trabalhos de construção civil na cidade de Viçosa (MG).

Foram realizados, de acordo com as normas técnicas da ABNT, ensaios de distribuição granulométrica, massa específica dos sólidos (γs ) e índices de vazios máximo

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(emáx ) e mínimo (emín ). A tabela 4 apresenta os valores desses índices físicos, e a figura 1, a distribuição granu-lométrica do solo.

,γs (kN/m3) emáx emín

2,69 0,99 0,33

Tabela 4 - Caracterís-ticas físicas do solo arenoso.

Table 4 - Physical characteristics of sandy soil.

Tabela 4 - Caracte-rísticas físicas del suelo arenoso.

Todos os ensaios foram realizados em um tambor ci-líndrico de 94cm de altura e 57cm de diâmetro, no qual se colocaram as amostras de areia que tinham 60cm de altura (fig. 2).

Figura 3 - Fonte de calor. Figure 3 - Heat source. Figura 3 - Fuente de calor.

Na base do tambor colocou-se uma camada de brita, drenante, e na interface da camada de brita com a camada de areia foi colocada uma manta geotêxtil para evitar que as partículas de areia colmatassem a camada de brita.

A fonte de calor, mostrada na figura 3, possui 5cm de raio e 56cm de comprimento e foi confeccionada para suportar temperaturas de até 500ºC.

A peça consiste em um elemento resistivo de níquel--cromo, com potência de 1.500w, envolvido por uma pedra refratária, que funciona como isolante, ambos embutidos em um tubo de latão que resiste a altas temperaturas e protege o elemento resistivo.

A fonte de calor foi alimentada por corrente alternada. Sua temperatura foi escolhida e controlada através de um sensor (termopar) colocado bem próximo da fonte de calor (fig. 4).

As temperaturas no solo foram lidas por sensores con-feccionados em aço inoxidável, nos quais os elementos de medição eram termopares do tipo Pt100 altamente estáveis em suas medidas, com precisão de 0,1ºC (fig. 5).

Figura 1 - Curva granulomé-trica da areia ensaiada.

Figure 1 - Granulometric curve of the sand tested.

Figura 1 - Curva granu-lométrica de la arena ensayada.

Figura 2 - Tambor cilíndrico usado nos ensaios.

Figure 2 - Cylindrical drum used in the tests.

Figura 2 - Tambor cilíndrico usado en las pruebas.

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O equipamento que controla a temperatura da haste e, ao mesmo tempo, lê as temperaturas nos termopares é mostrado na figura 6. Trata-se de um sistema de ope-ração simples que controla a potência aplicada, ligando e

Figura 4 - Unidade con-troladora e termopar.

Figure 4 - Control unit and thermocouple.

Figura 4 - Unidad controladora y termopar.

Figura 5 - Medidores de temperatura (termopares).

Figure 5 - Thermometers (thermocouples).

Figura 5 - Medidores de temperatura (termopares).

desligando automaticamente para manter a temperatura. preestabelecida. Devido à inércia térmica, não é simples manter a temperatura desejada rigorosamente constan-te. Por exemplo, se a temperatura desejada for de 100ºC, quando a haste estiver aquecendo, ela deverá ser desligada quando a temperatura estiver um pouco abaixo dos 100ºC; quando a temperatura estiver diminuindo, a haste deverá ser religada quando a temperatura estiver um pouco acima dos 100ºC. O sistema controlador é programável por meio de várias funções, justamente para se ajustar às tempera-turas em que ele deve ser ligado e desligado, em função do solo, da temperatura média desejada, etc.

Além de aplicar e controlar a temperatura com a qual se deseja fazer o experimento, o sistema controlador possui um medidor de temperatura que permite monitorar os dez sensores (termopares do tipo Pt100) e, com isso, medir a temperatura no solo e no ambiente.

Na unidade controladora conectavam-se os termopares que faziam a leitura das temperaturas periodicamente.

Figura 6 - Unidade controladora: (a) Vista frontal (b) Vista da parte traseira.

Figure 6 - Control unit: (a) Front view (b) Rear view.

Figura 6 - Unidad controladora: (a) Vista frontal (b) Vista de la parte posterior.

a

b

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Essas temperaturas eram apontadas num visor da unidade controladora, o que permitia o seu registro.

Metodologia

O programa de ensaios foi subdividido em duas etapas. Na primeira, foram realizados seis ensaios com o solo seco. Na segunda, foram feitos três ensaios com o solo umedecido por percolação. Os índices de compacidade relativa adotados para os ensaios realizados com a areia seca foram repetidos nos ensaios com a areia úmida. Em cada etapa procurou-se fazer um ensaio com a areia no estado fofo, outro no estado de compacidade média, e um terceiro com a areia densa.

Todos os experimentos seguiram a mesma metodo-logia de ensaio, a única diferença consistiu na etapa de umedecimento realizada nos ensaios com a areia úmida.

Na preparação das amostras para realização dos en-saios, determinou-se a quantidade de areia seca necessá-ria para satisfazer a condição de compacidade desejada. Em seguida, o material foi arranjado em seis camadas, e cada uma delas foi submetida à energia de compactação necessária para que se chegasse ao valor de densidade relativa desejado, garantindo o mesmo índice de vazios ao longo da altura da amostra.

Nos ensaios com a amostra úmida, depois da preparação da amostra seca na compacidade relativa desejada, com a fonte de calor e o termopar para controlar a sua temperatura já posicionados, iniciou-se o umedecimento da amostra.

Para isso, colocou-se outro reservatório numa cota mais alta do que o topo do tambor com a areia e, por gravidade, manteve-se um fluxo de água ascendente na amostra com vazão controlada por meio de registros.

Manteve-se esse fluxo até que a água extravasasse pelo registro superior do tambor de ensaio durante um período de, aproximadamente 24h (fig. 7).

Em todos os ensaios foram utilizados oito medidores de temperatura. A colocação desses sensores com relação à

distância da fonte de calor e à distância vertical entre eles não mudou nos diversos ensaios.

O teor de umidade foi determinado coletando-se seis amostras, duas próximas ao topo, duas no meio e duas próximas à base de cada corpo de prova. Cada amostra permitia a medição de três teores de umidade, de forma que para cada ensaio o teor de umidade médio era obtido a partir de 18 medições, considerando-se um intervalo de confiança de 95% (Larson, 1982).

O grau de saturação do ensaio era, então, determinado a partir desse teor de umidade médio, do índice de vazios da amostra e do peso específico dos sólidos.

Resultados

Temperaturas no estado seco

Os resultados obtidos nos três ensaios realizados com as amostras do solo arenoso seco, juntamente com

Figura 7 - Ensaio com areia úmida montado.

Figure 7 - Assembled test for damp sand.

Figura 7 - Se montó prue-ba con arena húmeda.

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os resultados numéricos obtidos com o MEF (programa TEMP/W da Geo-Slope) e os parâmetros “ótimos” são apresentados nas figuras 8, 9 e 10. Procurou-se fazer um ensaio com a areia no estado fofo (Dr = 26%), outro no estado de compacidade média (Dr = 50%), e um terceiro com a areia compacta (Dr = 90%). Observa-se, primeiro, que houve boa repetibilidade entre os dois conjuntos de ensaios realizados, o que fez com que não se julgasse ne-cessário repetir os ensaios com amostras do solo arenoso úmido. E, segundo, boa concordância entre os resultados experimentais e numéricos.

Figura 8 - Temperatura X Distância para Dr = 26% em solo arenoso seco.

Figure 8 - Temperature X distance for Dr = 26% in dry sandy soil.

Figura 8 – Temperatura X Distancia para Dr = 26% en suelo arenoso seco.

Figura 10 - Temperatura x Distância para Dr = 90% em solo arenoso seco.

Figure 10 - Temperature X distance for Dr = 90% in dry sandy soil.

Figura 10 – Temperatura X Distancia para Dr = 90% en suelo arenoso seco.

Figura 11 - Temperatura X Distância para Dr = 26% em solo arenoso úmido.

Figure 11 - Temperature X distance for Dr = 26% in damp sandy soil.

Figura 11 – Temperatura X Distancia para Dr = 26% en suelo arenoso húmedo.

Figura 9 - Temperatura X Distância para Dr = 50% em solo arenoso seco.

Figure 9 - Temperature X distance for Dr = 50% in dry sandy soil.

Figura 9 - Temperatura X Distancia para Dr = 50% en suelo arenoso seco.

Temperaturas no estado úmido

O grau de saturação médio dos três ensaios realizados com o solo úmido foi de 85%.

As figuras 11, 12 e 13 apresentam os resultados obti-dos nos três ensaios realizados com as amostras do solo arenoso úmido, juntamente com os resultados numéricos obtidos com o MEF e os parâmetros “ótimos”. Novamente, observa-se que houve boa concordância entre os resultados experimentais e numéricos.

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Dr (%)λ (KJ/h.m.ºC) C (KJ/m³.ºC)

Seca Úmida Seca

26 0,8 4,3 1.900

50 1,34 4,7 1.950

90 1,5 5,0 1.950

Tabela 6 - Resulta-dos dos parâmetros térmicos.

Table 6 - Results from the thermal parameters.

Tabela 6 - Resulta-dos de los paráme-tros térmicos.

Figura 12 - Temperatura X Distância para Dr = 50% em solo arenoso úmido.

Figure 12 - Temperature X distance for Dr = 50% in damp sandy soil.

Figura 12 – Temperatura X Distancia para Dr = 50% en suelo arenoso húmedo.

Figura 13 - Temperatura X Distância para Dr = 90% em solo arenoso úmido.

Figure 13 - Temperature X distance for Dr = 90% in damp sandy soil.

Figura 13 – Temperatura X Distancia para Dr = 90% en suelo arenoso húmedo.

Erro relativo

Foram realizadas sucessivas simulações numéricas, variando-se tanto os valores de condutividade térmica, quanto de capacidade de aquecimento volumétrico. Para um dado valor de condutividade térmica, modificava-se, primei-ramente, a capacidade de aquecimento volumétrico até que o erro fosse o menor possível. Em seguida, fixava-se esse valor de capacidade de aquecimento volumétrico e mudava--se a condutividade térmica até que o erro ficasse mínimo.

A equação 3 é usada para encontrar o erro:

100(%)

1

2

1

2

xlabi

numi

labi

erronpontos

i

npontos

i

T

TT

(3)

Onde:

T labi = temperatura no termopar i medida no laboratório;

T numi = temperatura no termopar i obtida numericamente.

Os erros relativos mínimos alcançados estão apresen-tados na tabela 5.

Propriedades térmicas

A tabela 6 apresenta as variações da condutividade térmica (λ) e da capacidade de aquecimento volumétrico (C) em função da compacidade e da umidade. Observa--se que os valores obtidos estão bem próximos das faixas encontradas na literatura (tabelas 1, 2 e 3).

Dr(%)Erro relativo (%)

Seca Úmida

26 9,8 3,7

50 6,7 3,6

90 2,5 4,8

Tabela 5 - Erros relativos.

Table 5 - Relative errors.

Tabela 5 - Errores relativos.

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Os resultados das variações da condutividade térmi-ca da areia com a densidade relativa e a umidade são apresentados na figura 14. Essas mesmas variações, mas da capacidade de aquecimento volumétrico da areia, são apresentadas na figura 15. Observa-se que, em todos os casos, correlações lineares ajustaram bem os resultados experimentais.

ConclusãoEste trabalho teve como objetivos desenvolver um

sistema de grandes dimensões para aplicação de calor em amostras de solos, medindo a temperatura ao longo do tempo em vários pontos da amostra durante o ensaio. Além disso, estabelecer e determinar a condutividade tér-mica e a capacidade de aquecimento volumétrico do solo a partir de análises numéricas dos resultados dos ensaios. Por fim, realizar um programa de ensaios com uma areia para determinar a condutividade térmica e a capacidade de aquecimento volumétrico em função do seu teor de umidade e da sua densidade relativa.

As principais conclusões obtidas são as seguintes:

• os equipamentos montados para a execução dos experimentos funcionaram adequadamente;

• devido à inércia térmica, a temperatura com a qual se desejava aquecer a amostra de solo não permanecia constante, ocorriam oscilações que se mostraram dependentes da condutividade térmica do meio: quanto maior a condutividade térmica, menores eram os valores dessas oscilações;

• em todos os ensaios realizados, as temperaturas no solo ficaram praticamente constantes a partir de 120h de ensaio (cinco dias);

• a metodologia desenvolvida a partir da análise numérica dos experimentos mostrou-se adequada;

• como se esperava, a condutividade térmica da areia, tanto seca quanto úmida, aumentou à medida que a sua densidade relativa aumentava;

• a condutividade térmica do solo seco foi sempre menor que a do solo saturado, como era esperado;

• para o solo seco, a capacidade de aquecimento volumétrico ficou praticamente constante com a variação da densidade relativa. Já para o solo úmido, próximo da saturação, a capacidade de aquecimento volumétrico aumentou com a densi-dade relativa;

• os valores de condutividade térmica e da capaci-dade de aquecimento volumétrico obtidos ficaram bem próximos dos valores reportados na literatura.

Figura 14 - Variação da condutividade térmica com a densidade relativa.

Figure 14 - Variation in thermal conductivity with relative density.

Figura 14 - Variación de la conductividad térmica con la densidad relativa.

Figura 15 - Variação da capacidade de aquecimento volumétrico com a densida-de relativa.

Figure 15 - Variation in volumetric heat capacity with relative density.

Figura 15 - Variación de la capacidad de calenta-miento volumétrico con la densidad relativa.

y = 0,0102x + 0,6473R2 = 0,8131

y = 0,0106x + 4,0809R2 = 0,9499

0

1

2

3

4

5

6

20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 90 95 100

Densidade relativa (%)

Cond

utiv

idad

e té

rmic

a (K

J/h.

m°C

)

Areia seca Areia úmida Linear (Areia seca) Linear (Areia úmida)

y = 4,7194x + 1.772,2R2 = 0,9978

y = 0,7015x + 1.894,5R2 = 0,6173

1.800

1.900

2.000

2.100

2.200

2.300

2.400

20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 90 95 100

Densidade relativa (%)

Capa

cida

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vol

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J/h.

m³.°

C)

Areia seca Areia úmida Linear (Areia úmida) Linear (Areia seca)

Determinação de parâmetros de transmissão de calor em uma areia uniforme

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AgradecimentosOs autores agradecem à Fundação de Amparo à Pes-

quisa do estado de Minas Gerais (Fapemig), pela bolsa de iniciação científica dada ao segundo autor e pelo auxílio financeiro concedido ao terceiro autor que propiciou o desenvolvimento da pesquisa que originou este artigo.

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Pereira et al.

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Determinação de parâmetros de transmissão de calor em uma areia uniforme

Autores

Marcos Vinicius Vieira PereiraInstituto Federal de Minas Gerais

[email protected]

Marcos Vinicius Vieira Pereira é professor de ensino básico, técnico e tecnológico (EBBT) de caráter efetivo e detém cadeira em disciplinas do curso técnico de edificações do Instituto Federal de Minas Gerais IFMG, no Campus Santa Luzia. Possui graduação em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) em 2009. Tem experi-ência na área de Engenharia Civil, com ênfase em geotecnia ambiental.

Vencedor da 4ª edição do Prêmio Petrobras de Tecnologia na ca-tegoria Tecnologia e Preservação Ambiental – Graduação.

Vanusca Oliveira BertazoCompanhia de Pesquisa de Recursos MineraisSuperintendência Regional de Salvador (Sureg/SA)

[email protected]

Vanusca Oliveira Bertazo possui graduação em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) em 2002 e mestrado em Engenharia Civil, na subárea geotecnia, pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) em 2007. É engenheira hidróloga da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM). Tem experiência na área de hidrologia e gestão de recursos hídricos, adquirida no Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM).

Roberto Francisco de AzevedoUniversidade Federal de ViçosaDepartamento de Engenharia Civil

[email protected]

Roberto Francisco de Azevedo possui graduação em Engenharia Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro em 1970, mestrado em Engenharia Civil pelo Laboratório de Engenharia Civil de Lisboa/Portugal em 1976, doutorado em Engenharia Civil pela University of Colorado/EUA em 1983 e pós-doutorado pela Concordia University/Canadá em 1994 e pela École Central de Paris/França em 2000. Foi professor do Departamento de Engenharia Civil Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro de 1977 a 1998. É pesquisador do CNPq. Desde 1998 é professor titular do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Viçosa. Foi membro do CA-EC do CNPq por duas vezes. Tem experiência na área de Engenharia Civil, com ênfase em mecânica dos solos, atuando principalmente em ensaios especiais de laboratório para determinação de propriedades mecânicas de solos, rejeitos de mineração e resíduos sólidos domiciliares, modelagem do comportamento desses materiais e métodos numéricos.

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