Detienne - Metis

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DETIENNE MÉTIS

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DETIENNE

MÉTIS

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MÈTIS O sentido da palavra, segundo o Dictionnaire Bailly grec-français é: 1 sabedoria e prudência, intenção de fazer algo, 2 astúcia, artifício A partir do livro: DETIENNE Marcel et VERNANT, Jean-Pierre, Les ruses de l’intelligence, la mètis chez les grecs, Paris, Flammarion, 1974

RESUMO DA INTRODUÇÃO DO LIVRO

A realidade, que se tenta descobrir, projeta-se numa pluralidade de planos, muito distintos uns dos outros, como, por exemplo, uma teogonia, os saberes de Athena, de Zeus, de Prometeu, o projeto de uma rede de pescador, a arte do tecelão, o jogo dos enigmas e das adivinhações e o ilusionismo retórico dos sofistas.

A mètis percorre todo o universo cultural grego, opera a todos os níveis, e é preciso identificar em documentos, aparentemente heterogêneos, uma mesma atitude de espírito, um mesmo modelo segundo o qual os gregos representaram para si um certo tipo de inteligência engajada na prática, enfrentando obstáculos, sendo astuta (sagaz) para obter o sucesso.

Trata-se de uma categoria mental porque as formas de inteligência astuta (sagaz), de astúcia adaptada e de eficácia que os gregos operaram em largos setores de sua vida social e espiritual, que eles valorizaram muito no seu sistema religioso, nunca são objeto de uma formulação explícita, de uma análise em termos de conceito ou de uma exposição seguida de ordem teórica. Não existem tratados sobre a mètis, nem sistemas filosóficos construídos sobre os princípios da inteligência astuta (sagaz, esperta). A presença da mètis pode ser decifrada no jogo das práticas sociais e intelectuais: ela não é dada num texto que manifestaria seus fundamentos e seus processos.

A mètis é uma forma de inteligência e de pensamento, um modo de conhecimento. Ela implica um conjunto complexo, porém muito coerente, de atitudes mentais, de comportamentos intelectuais que combinam o faro, a sagacidade, a previsão, a flexibilidade, a finta, a capacidade de se virar, a atenção vigilante, o sentido de oportunidade, habilidades diversas e uma experiência adquirida com o tempo; ela se aplica a realidades fugazes, mutantes, desconcertantes e ambíguas, que não são captadas por medidas precisas, nem por cálculos exatos, nem por um raciocínio rigoroso.

Para Aristóteles, a prudência tem muitos traços da mètis. Contudo no universo da filosofia grega, onde existe uma forte dicotomia entre o domínio do ser e o domínio do devir, a mètis acaba sendo sacrificada. O que a caracteriza é precisamente operar como uma contínua gangorra, num jogo de ida e vinda constante entre dois pólos opostos. Ela transforma em seus contrários termos que não são ainda definidos como conceitos estáveis e delimitados, mas que se apresentam como potências em situação de confronto e que, dependendo do que acontece, podem ser vitoriosos ou vencidos.

O indivíduo, dotado de mètis, seja ele deus ou homem, quando é confrontado a uma realidade múltipla, polimorfa, só pode domina-la quando ele também se transforma numa pessoa mais múltipla, mais móvel e mais polimorfa.

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É esta variedade de operações pelas quais a inteligência, para entrar em contato com seu objeto, se coloca frente a ele numa relação de rivalidade, feita ao mesmo tempo de conivência e de oposição, que podemos chamar de mètis.