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DHARMA Annie Besant Três palestras proferidas na 8ª Convenção Anual da Seção Indiana da Sociedade Teosófica, ocorrida em Varanasi (Benares), em 26, 27 e 28 de outubro de 1898 The Theosophical Publishing Society, 161 New Bond Street, W. London Reimpressão 1913 Tradução de Ricardo André Frantz Todos os direitos reservados para a Canadian Theosophical Association *** Índice I - DIFERENÇAS II - EVOLUÇÃO III - O CERTO E O ERRADO *** DIFERENÇAS Quando as nações da Terra foram criadas, uma após a outra, Deus concedeu para cada uma uma palavra especial, a palavra que cada uma delas deveria proclamar ao mundo, a palavra especial do Eterno que cada uma deveria falar. Quando contemplamos a história das nações, podemos ouvir esta palavra da boca coletiva do povo, pronunciada como ação, como a contribuição daquela nação à humanidade perfeita e ideal. A palavra dada ao antigo Egito foi Religião; para a Pérsia a palavra foi Pureza; para a Caldéia a palavra foi Ciência; para a Grécia, Beleza; para Roma, Lei; e para a Índia, a primogênita dentre as Suas filhas, para ela Deus concedeu uma palavra que resumia todas em uma só: a palavra Dharma. Esta é a palavra da Índia para o mundo. Mas não podemos falar esta palavra, tão cheia de significado, tão vasta no alcance de sua força, sem nos curvarmos diante daquele que foi a maior encarnação do Dharma que o mundo já conheceu: Bhîshma, o filho de Gangâ, a mais grandiosa encarnação do Dever. Venham comigo, viajemos para o passado, para cinco mil anos atrás, e veremos este herói estendido em seu leito de flechas no campo de Kurukshetra, mantendo a Morte em suspenso até que soasse a hora devida. Passamos por montes e montes de guerreiros mortos, sobre montanhas de elefantes e cavalos mortos, e passamos por muitas piras funerárias, por muitos montes de armas e carruagens quebradas. E chegamos ao herói deitando em seu leito de flechas, atravessado por centenas de setas, com sua cabeça recostada sobre um travesseiro feito delas. Ele jogara longe o travesseiro que lhe haviam trazido para que repousasse

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DHARMA

Annie Besant

Três palestras proferidas na 8ª Convenção Anual da Seção Indiana da Sociedade Teosófica,

ocorrida em Varanasi (Benares), em 26, 27 e 28 de outubro de 1898

The Theosophical Publishing Society, 161 New Bond Street, W. London

Reimpressão – 1913

Tradução de Ricardo André Frantz Todos os direitos reservados para a Canadian Theosophical Association

***

Índice I - DIFERENÇAS II - EVOLUÇÃO III - O CERTO E O ERRADO ***

DIFERENÇAS Quando as nações da Terra foram criadas, uma após a outra, Deus concedeu para cada uma uma palavra especial, a palavra que cada uma delas deveria proclamar ao mundo, a palavra especial do Eterno que cada uma deveria falar. Quando contemplamos a história das nações, podemos ouvir esta palavra da boca coletiva do povo, pronunciada como ação, como a contribuição daquela nação à humanidade perfeita e ideal. A palavra dada ao antigo Egito foi Religião; para a Pérsia a palavra foi Pureza; para a Caldéia a palavra foi Ciência; para a Grécia, Beleza; para Roma, Lei; e para a Índia, a primogênita dentre as Suas filhas, para ela Deus concedeu uma palavra que resumia todas em uma só: a palavra Dharma. Esta é a palavra da Índia para o mundo. Mas não podemos falar esta palavra, tão cheia de significado, tão vasta no alcance de sua força, sem nos curvarmos diante daquele que foi a maior encarnação do Dharma que o mundo já conheceu: Bhîshma, o filho de Gangâ, a mais grandiosa encarnação do Dever. Venham comigo, viajemos para o passado, para cinco mil anos atrás, e veremos este herói estendido em seu leito de flechas no campo de Kurukshetra, mantendo a Morte em suspenso até que soasse a hora devida. Passamos por montes e montes de guerreiros mortos, sobre montanhas de elefantes e cavalos mortos, e passamos por muitas piras funerárias, por muitos montes de armas e carruagens quebradas. E chegamos ao herói deitando em seu leito de flechas, atravessado por centenas de setas, com sua cabeça recostada sobre um travesseiro feito delas. Ele jogara longe o travesseiro que lhe haviam trazido para que repousasse

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suavemente, e aceitou somente o encosto de flechas oferecido por Arjuna. Ele, perfeito no Dharma, havia, ainda jovem, em nome de seu pai, em nome do dever para com seu pai, em nome do amor que sentia por seu pai, feito aquele grande voto de renúncia da vida familiar, renunciando à coroa, a fim de que a vontade do pai pudesse ser cumprida, e o coração do pai, satisfeito. E Shantanu lhe deu sua bênção, aquele dom maravilhoso de que a Morte só poderia se aproximar dele por seu próprio comando, só quando ele mesmo desejasse morrer. Quando ele caiu, cravejado por centenas de flechas, o sol estava se dirigindo para o sul, e por isso o momento não era favorável à morte de um ser que não haveria de retornar jamais. Então ele usou o poder que seu pai lhe dera, e fez a Morte esperar até que o sol abrisse caminho à paz e libertação eternas. Enquanto lá ficou estendido por muitos dias miseráveis, atormentado pela agonia do corpo despedaçado que usara, chegaram até ele muitos Rishis [Santos] e os descendentes dos reis Arianos, e ali chegou também Shri Krishna, para ver seu fiel. Também chegaram os cinco príncipes, os filhos de Pându, vitoriosos na grande guerra, e rodearam-no a chorá-lo e honrá-lo, e desejando ser ensinados por ele. E em meio àquela penosa agonia, Aquele cuja boca era a boca de Deus disse-lhe algumas palavras, e liberou-o da febre escaldante, e concedeu-lhe repouso corpóreo, e clareza mental, e tranqüilidade ao homem interno, e então instou-o que ele ensinasse ao mundo o que é Dharma - ele cuja vida inteira o havia ensinado, que não havia se desviado da senda da retidão, aquele que como filho, como príncipe, como estadista, como guerreiro, jamais se havia desviado do caminho estreito. Os que estavam ao seu redor pediram-lhe que ensinasse, e Vâsudeva lhe solicitou que falasse do Dharma, porque ele era capacitado para ensinar (Mâhâbharata, Shanti Parva, § LIV). E então se aproximaram os filhos de Pându, liderados pelo primogênito Yudhishthira, que liderara o exército que havia conduzido Bîshma à morte; e aquele hesitou em aproximar-se e fazer-lhe perguntas, pensando que aquelas flechas eram de fato suas, que ele havia sido atingido por sua causa, e era culpado do sangue de seu parente mais velho, e por isso não devia pedir para ser ensinado. Percebendo sua hesitação, Bhîshma, cuja mente sempre fora equilibrada, que havia trilhado a difícil senda do dever sem se desviar seja para a direita seja para a esquerda, falou as memoráveis palavras: "Assim como o dever dos Brâhmanes consiste na prática da caridade, do estudo e da penitência, da mesma forma o dever dos Kshattriyas é oferecer seus corpos no campo de batalha. Um Kshattriya deve matar senhores e potentados e irmãos e preceptores e parentes e familiares que possam estar engajados com ele em uma luta injusta. Este é o seu dever declarado. Diz-se que cumpre o seu dever aquele Kshattriya, oh Kesava, que mata em batalha seus próprios preceptores, se ocorre de serem pecadores e ambiciosos e desconsiderarem seus deveres e votos... Pergunta, pois, meu filho, sem receio". Então, assim como Vâsudeva, falando de Bhîshma, havia explicitado o direito de Bîshma de falar como professor, da mesma forma o próprio Bîshma, por sua vez, dirigindo-se aos príncipes, descreveu as qualidades que eram necessárias para aqueles que fariam perguntas sobre o problema do Dharma: "Que o filho de Pându, em quem há inteligência, autocontrole, brahmacharya [castidade], perdão, retidão, vigor e energia mentais, faça-me as perguntas.

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Que o filho de Pându, que por seus bons serviços sempre honra seus parentes e hóspedes e servos e outros que dependem dele, faça a mim as perguntas. Que o filho de Pându, em quem existem caridade e penitência, heroísmo, ânimo pacífico, sagacidade e destemor, faça-me as perguntas" (Ibid. § LIV). Estas são algumas das características do homem que pode procurar entender os mistérios do Dharma. Tais são as qualidades que vocês e eu devemos tentar desenvolver, se havemos de entender os ensinamentos, se havemos de ser dignos de perguntar. Então começou aquele maravilhoso discurso, sem paralelo entre os discursos do mundo. Ele trata dos deveres dos Reis e dos súditos, dos deveres das quatro castas, dos quatro modos de vida, dos deveres para todos os tipos de pessoas, deveres diferentes entre si e adequados a cada estágio da evolução. Todos vocês deveriam conhecer este grande discurso, deveriam estudá-lo, não só por sua beleza literária, mas por sua grandeza moral. Se fôssemos seguir o caminho traçado por Bishma nossa evolução se apressaria, então se aproximaria a aurora do dia da redenção da Índia. A respeito da moralidade - um assunto intimamente ligado ao Dharma, e que não pode ser entendido sem um conhecimento do que significa Dharma - alguns pensam que ela é uma coisa simples. Assim é, em linhas gerais. Os limites do certo e errado nas ações comuns da vida são claros, simples e definidos. Para uma pessoa de pouco desenvolvimento, para uma pessoa de inteligência estreita, para uma pessoa de conhecimento limitado, a moralidade parece bastante simples. Mas para aqueles que possuem profundo conhecimento e alta inteligência, para aqueles que estão se desenvolvendo em direção aos graus mais altos da humanidade, para aqueles que desejam entender seus mistérios, para estes a moralidade é coisa bem difícil: "A moralidade é coisa muito sutil", como disse o príncipe Yudhishthira quando estava lidando com o problema do casamento de Draupadi com os cinco filhos de Pându. E um maior que o príncipe havia falado também desta dificuldade; Shri Krishna, o Avâtar, em Seu discurso proferido no campo de Kurukshetra, falou sobre esta mesma questão a respeito da dificuldade da ação. Ele disse: "O que é ação, o que é inação? Mesmo os sábios se confundem com isso. É preciso distinguir a ação, distinguir a ação ilegal, distinguir a inação; misteriosa é a senda da ação" (Bhagavad Gita, IV, 16-17) Misteriosa é a senda da ação; misteriosa porque a moralidade não é, como pensa o ingênuo, a mesma para todos; porque ela varia com o Dharma do indivíduo. O que é certo para um, é errado para outro. E o que é errado para um é certo para outro. A moralidade é uma coisa individual, e depende do Dharma do homem que age, e não do que às vezes é chamado de "certo e errado absolutos". Não há nada de absoluto em um universo condicionado. E o certo e o errado são relativos, e devem ser julgados em relação ao indivíduo e aos seus deveres. Isso foi o que disse o maior dos Mestres a respeito do Dharma - e isso nos guiará neste complicado caminho - "Melhor cumprir nosso próprio Dharma, ainda que destituído de mérito, do que cumprir o Dharma

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alheio com perfeição. É melhor morrer no desempenho do próprio Dharma, pois o Dharma alheio é repleto de perigos" (Ibid. IV, 35). Ele repetiu a mesma coisa no fim daquele discurso imortal, e disse - mas desta vez alterada de modo a lançar uma luz renovada sobre o assunto: "Melhor cumprir o próprio Dharma, ainda que destituído de mérito, do que cumprir com perfeição o Dharma alheio. Aquele que cumpre o Dharma estabelecido por sua própria natureza não incorre em pecado" (Ibid. XVIII, 47). Aqui Ele expõe mais completamente este ensinamento, e delineia o Dharma das quatro grandes castas, e a própria terminologia que Ele emprega demonstra o significado desta palavra, que às vezes é traduzida como Dever, às vezes como Lei, outras como Retidão, e outras como Religião. Ela significa tudo isso, e mais do que tudo isso junto, pois seu significado é mais profundo e vasto do que o que qualquer uma destas traduções expressa. Tomemos as palavras de Shri Krishna quando Ele falou do Dharma das quatro castas: "Os Karmas dos Brâhmanes [sábios e religiosos], dos Kshattriyas [realeza, guerreiros e militares], dos Vaishyas [comerciantes, agricultores, artesãos, etc] e dos Shûdras [servos], oh Paranpata, foram distribuídos de acordo com os gunas [atributos] nascidos de suas próprias naturezas. Serenidade, autocontrole,

austeridade, pureza, perdão e justiça; sabedoria, conhecimento, fé em Deus, são o Karma do Brâhmane, nascido de sua própria natureza. Valor, esplendor, firmeza, destreza, e também não fugir do combate, generosidade, a natureza de um governante, são o Karma do Khsattriya, nascido de sua própria natureza. Lavrar a terra, proteger os rebanhos, e comércio, são o Karma do Vaishya, nascido de sua própria natureza. A ação de natureza servil é o Karma do Shûdra, nascido de sua própria natureza. O homem atinge a perfeição quando cada ser cumpre o seu próprio Karma". E então Ele passa a dizer: "Melhor cumprir o próprio Dharma, ainda que destituído de mérito, do que cumprir com perfeição o Dharma alheio. Aquele que cumpre o Dharma estabelecido por sua própria natureza não incorre em pecado". Vejam como as duas palavras, Dharma e Karma, são permutadas. Elas nos dão a chave que devemos usar para decifrar nosso problema. Deixem-me dar de início uma definição parcial de Dharma. Não posso estabelecer uma definição completa de uma só vez. Não posso deixar já totalmente clara a definição. Eu lhes darei a primeira metade, tratando da segunda quando chegar a hora. A primeira metade é "Dharma é a natureza interna que atingiu em cada homem um certo estágio de desenvolvimento e expressão". É esta natureza interna que modela a vida exterior, que é expressa por pensamentos, palavras e atos, a natureza interna que nasce no ambiente propício para seu crescimento prosseguir. A primeira idéia a compreendermos é que o Dharma não é uma coisa externa, como a lei, a retidão, a religião ou a justiça. É a lei da vida em desdobramento, que modela tudo em seu redor para a expressão de si mesma. Assim, ao tentar seguir este assunto difícil e sutil, tratarei dele em três partes principais. Primeiro, as Diferenças, pois as pessoas têm Dharmas diferentes. Mesmo na passagem citada são mencionadas quatro grandes classes.

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Olhando mais de perto, cada indivíduo tem seu próprio Dharma. Como vamos entendê-los? Só podemos se entendermos algo da natureza das diferenças - por que elas aparecem, por que devem existir, e o que queremos dizer quando falamos de diferenças - a menos que entendamos como cada homem demonstra, por pensamentos, palavras e atos, o estágio que atingiu, a menos que compreendamos isso, não poderemos entender o Dharma. Então, em segundo lugar, temos de lidar com a Evolução. Pois devemos acompanhar estas diferenças à medida que elas evoluem. Por fim, devemos tratar do problema do Certo e Errado, pois todo o nosso estudo conduz à resposta para esta questão: "Como um homem deve conduzir sua vida?". Não valeria a pena lhes pedir que me acompanhassem nestas difíceis regiões do pensamento a menos que no fim demos valor ao nosso conhecimento e tentemos viver de acordo com o Dharma, assim transmitindo ao mundo a palavra que a Índia deve ensinar. Em que consiste a perfeição de um Universo? Quando começamos a pensar em um universo e no que queremos dizer com esta palavra, descobrimos que queremos significar um vasto número de objetos separados atuando em conjunto mais ou menos harmoniosamente. A nota-chave do universo é variedade, assim como a unidade é a nota do Não-manifesto, do Incondicionado - do Um que não conhece outro além de Si mesmo. Diversidade é a nota do manifesto e condicionado - o resultado da vontade de se tornar muitos. Aprendemos que quando um Universo vai vir à existência, a Causa Primeira, o Inconcebível, o Indiscernível, o Sutil, resplandece por Sua própria Vontade. O que este resplandecer pode significar para Ele mesmo ninguém pode ousar sequer imaginar. O que isso significa para nós, em certa medida podemos compreender. Ishvara se manifesta, mas Ele, se manifestando, surge envolto no véu de Mâyâ - existem então dois lados do Supremo em manifestação. Muitas palavras têm sido usadas para expressar este par de opostos fundamental: Ishvara e Mâyâ, Sat e Asat, Realidade e Irrealidade, Espírito e Matéria, Vida e Forma. Estas são palavras que nós, em nossa linguagem limitada, costumamos empregar para expressar aquilo que está muito além do alcance do pensamento. Tudo o que podemos dizer é: "Assim os Sábios nos ensinaram, e assim humildes repetimos". Ishvara e Mâyâ. O que seria este universo? É a imagem de Ishvara refletida em Mâyâ - a perfeita imagem de Ishvara, já que Ele escolheu Se condicionar para este universo particular prestes a nascer. Sua imagem - limitada, condicionada. Sua imagem autocondicionada, ou seja, o universo, pronto para vir à luz. Mas como isso que é limitado, que é uma imagem parcial, poderia refletir Ishvara? Pela multiplicidade das partes trabalhando juntas em um todo harmonioso; a infinita variedade de diferenças, as múltiplas combinações de umas com as outras, devem expressar a lei do pensamento divino, até que a totalidade deste pensamento seja expressa na totalidade dest Universo aperfeiçoado. Devemos tentar captar um vislumbre do que isso significa. Procuremos juntos entender. Ishvara pensa em Beleza; de imediato Sua imensa energia, todo-poderosa, geradora, imprime-se sobre Mâyâ e a desdobra em miríades de formas de

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objetos que chamamos belos. Ela toca a matéria que está pronta para ser modelada - por exemplo, a água; e a água assume milhões de formas da Beleza. Vemos uma delas na vasta extensão do oceano plácido e tranqüilo, onde não sopra nenhum vento, e onde o céu se espelha em seu seio profundo. Então vemos outra forma da Beleza quando o vento o açoita, criando ondas sobre ondas, abismos sobre abismos, até que toda a massa adquira um aspecto terrível em sua fúria e grandiosidade. Então emana d'Ele uma outra forma da Beleza, e as ondas fragorosas e as águas espumantes se acalmam em miríades de miríades de ondulaçõezinhas, rebrilhando e fulgindo sob a luz da lua que cai sobre elas, com seus raios se dividindo em milhares de cintilações. E isso nos dá uma outra sugestão do que significa Beleza. E então vemos o oceano onde nenhuma terra limita o horizonte e onde a vasta esfera não é interrompida, e mais uma vez ficamos na praia e vemos as ondas quebrando a nossos pés. Cada mudança no aspecto das águas fala de um novo pensamento de Beleza. Um outro vislumbre do pensamento de Beleza lançado sobre a água vemos no lago de montanha, na placidez e serenidade de seu leito tranqüilo; e na fonte que salta de pedra em pedra; e na torrente que espuma em milhões de borrifos, colhendo e refratando a luz do sol em todos os tons do arco-íris. Assim, o pensamento de Beleza de Ishvara se revela quando Ele pronuncia a palavra, e é visto na água sob todas as formas e condições, desde o oceano revolto até o iceberg congelado, das névoas difusas até as nuvens maravilhosamente coloridas. Quando deixamos a água, conhecemos novos pensamentos de Beleza no delicado réptil, em sua multidão de cores brilhantes, na planta mais forte e no carvalho vigoroso, e na profunda sombra das florestas. Novos pensamentos de Beleza nos vêm da face de cada pico de montanha, da vasta e ampla pradaria onde a Terra parece ferver em novas possibilidades de vida, da areia do deserto, e do verdor das pastagens. Se cansamos da Terra, o telescópio traz à nossa vista a Beleza de miríades de sóis, fulgindo e se movendo pelas profundezas do espaço. Então o microscópio revela, ao nosso olhar maravilhado, a Beleza do infinitamente pequeno, assim como o telescópio nos revela a Beleza do infinitamente grande: e assim se abre uma nova porta para nossa contemplação da Beleza. Em nosso redor temos milhares de milhões de objetos belos. Da graça do animal, da força do homem, do rico encanto feminino, das covinhas no rosto da criança risonha, de todas estas coisas vislumbramos o que possa ser o pensamento de Beleza na mente de Ishvara. Desta forma podemos sentir algo do modo como Seu pensamento se dividiu em miríades de formas de esplendor, quando Ele falou de Beleza ao mundo. O mesmo é o caso da Força, da Energia, da Harmonia, da Música, e assim por diante. Compreendemos, então, a necessidade da variedade: pois nenhuma coisa limitada pode descrevê-Lo por completo, porque nenhuma forma limitada pode expressá-Lo inteiramente. Mas à medida em que cada coisa se torna perfeita em seu gênero, todas juntas combinadas podem revelá-Lo parcialmente. Assim, a perfeição do universo é a perfeição na variedade e na harmonia das partes inter-relacionadas. Tendo chegado a esta concepção, começamos a ver que o Universo só pode conseguir a perfeição se cada parte desempenhar sua função e desenvolver completamente sua própria parcela de vida. Se a árvore tentar imitar a

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montanha, ou a água imitar a terra, cada uma perderia sua própria beleza e fracassaria em expressar a da outra. A perfeição do corpo não depende de cada célula fazer o trabalho da outra, mas sim de cada uma executar sua parte com perfeição. Temos cérebro, pulmões, coração, órgãos digestivos, e assim por diante. Se o cérebro tentar fazer o trabalho do coração e o pulmão tentar digerir comida, então o corpo estaria em uma condição miserável. A saúde do corpo é assegurada por cada órgão fazer sua própria parte. Assim percebemos como se desenvolve o universo, cada parte seguindo o caminho assinalado pela lei de sua própria vida. A imagem de Ishvara na natureza jamais será perfeita antes que cada parte seja completa em si mesma e em suas relações com as outras. Como podem surgir estas diferenças inumeráveis? Como podem vir à luz todas estas diferenças? Como o universo fica, à medida que se desenvolve como um todo, em relação às suas partes que se desenvolvem cada uma segundo uma linha distinta? Dizem-nos que Ishvara, expressando-Se no lado Prakriti [Matéria], apresenta três qualidades - Sattva, Rajas e Tamas. Nenhuma palavra em português pode traduzí-las satisfatoriamente. Contudo, posso, por ora, traduzir Tamas como inércia, a qualidade que não se move, que dá estabilidade; Rajas é a qualidade da energia e do movimento; e Sattva talvez seja melhor expresso como harmonia, a qualidade que concede prazer, já que todo prazer surge da harmonia e só a harmonia pode conferí-lo. Então aprendemos que estes três gunas se modificam de sete modos, em sete grandes linhas, ao longo das quais são produzidas inumeráveis combinações. Todas as religiões falam desta divisão sétupla, todas as religiões proclamam a sua existência. No Hinduísmo eles têm os cinco elementos principais e os dois além. Estes são os sete Purushas de que fala o Manu. Estes três gunas se combinam e dividem em sete grandes grupos, de onde surgem vastos números de coisas através das várias combinações; lembremos que em cada coisa individual estas três qualidades entram em diferentes proporções, modificadas em um dos sete modos fundamentais. Desta diferença primária trazida de um Universo anterior - pois os mundos se interligam, bem como os Universos - descobrimos que a efusão de vida se dividiu e subdividiu à mediada que caía mais e mais na matéria, até que, atingindo a circunferência do imenso círculo, volta sobre si mesma. A evolução inicia neste ponto de inflexão, onde a onda de vida começa a voltar para Ishvara. O estágio anterior é o de involução, durante o qual a vida se torna cada vez mais envolta na matéria; já a evolução é o desdobramento dos poderes que ela contém. Podemos citar o Manu, quando ele diz que Ishvara colocou sua semente nas águas infinitas. A vida que Ishvara deu não era uma vida já desenvolvida, mas uma vida capaz de se desenvolver. No início tudo existe em semente. Assim como os pais dão sua vida para gerar uma criança, e assim como esta semente de vida é construída através de muitas combinações até chegar ao nascimento, então anos após ano, através da infância, juventude e maturidade, a imagem do pai é vista novamente no filho; o mesmo faz o Pai Eterno, quando Ele coloca sua semente no seio da matéria - ele dá a vida, mas esta vida ainda não é desenvolvida. Então ela começa sua

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ascensão, passando pelas fases sucessivas que gradualmente ela consegue ir expressando. À medida que estudamos mais o Universo, descobrimos que suas variedades diferem em idade. Este é um pensamento que está relacionado com nosso problema. Este mundo não veio à luz em sua condição atual através de uma única palavra criadora. Brâhma criou o mundo lenta e gradualmente em prolongada meditação. As formas de vida vieram umas após outras. As sementes de vida foram semeadas umas após outras. Se olharmos para qualquer Universo em qualquer tempo dado, descobrimos que a variedade daquele Universo tem o Tempo como fator principal. A idade da semente em desenvolvimento assinala o estágio em que esta semente apareceu. Em um Universo, em um único e mesmo tempo, há sementes de várias idades e vários estágios de desenvolvimento. Há sementes mais jovens que os minerais, perfazendo o que chamamos de reinos elementais. As sementes em evolução chamadas de reino mineral são mais velhas que aquelas. As sementes que evoluem como reino vegetal são mais velhas que as dos minerais, isto é, elas têm um passado evolutivo mais longo atrás de si; os animais são sementes com um passado ainda mais longo, e as sementes que chamamos de humanidade têm o passado mais longo de todos estes. Cada grande classe tem sua diversidade em relação ao seu surgimento no tempo. Assim igualmente a vida individual separada em uma pessoa - não a vida essencial, mas a vida individual e separada - é diferente da de outra, e diferimos na idade de nossas existências individuais assim como diferimos na idade de nossos corpos. A vida é uma só - uma só absolutamente; mas ela se desdobra em diferentes estágios de tempo, tomando em consideração o ponto de partida da semente que está crescendo. Devemos compreender esta idéia claramente. Quando um universo se aproxima de seu fim, haverá nele entidades em todos os estágios de crescimento. Já disse que os mundos estão interligados, e os Universos se interligam mutuamente. No início algumas entidades estarão em fases iniciais de evolução; algumas muito cedo estarão prontas para se expandir na consciência de Deus. Neste Universo, quando seu tempo de vida encerra, haverá todos os diferentes níveis de crescimento, que dependem de diferenças de tempo. Há uma só vida em todas as formas, mas o estágio de desenvolvimento de uma vida particular depende do tempo em que ela passou se desenvolvendo separadamente. Aqui compreendemos a verdadeira raiz de nosso problema - uma só vida, imortal, eterna, infinita no que tange à sua fonte e sua meta; mas esta vida se manifesta em diferentes graus de evolução e em diferentes etapas de desenvolvimento, diferentes parcelas de seu poder inerente se expressando de acordo com a idade de cada vida separada. Estes são os dois pensamentos a guardar, e então podemos passar à outra parte da definição de Dharma. Agora Dharma pode ser definido como "a natureza interna de uma coisa em qualquer estágio dado da evolução, e a lei do próximo estágio de seu desenvolvimento" - a natureza no ponto em que atingiu de desenvolvimento, e então a lei que rege o seu estágio seguinte de desdobramento. A natureza por si mesma assinala o ponto em que chegou na evolução, depois vem o que ela deve fazer a fim de evoluir ainda mais ao longo de seu caminho. Tomemos

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estes dois pensamentos juntos, e então entenderemos por que a perfeição deve ser atingida cumprindo cada um o seu próprio Dharma. Meu Dharma é o estágio de evolução que minha natureza atingiu ao desenvolver a semente de vida divina que é eu mesmo, mais a lei da vida de acordo com a qual a próxima etapa deve ser seguida por mim. Isso pertence a este eu separado. Devo conhecer o estágio de meu crescimento, e devo conhecer a lei que me possibilitará crescer mais; assim passo a conhecer meu Dharma, e seguindo este Dharma eu me encaminho para a perfeição. Fica claro, então, compreendendo o que isso significa, o motivo pelo qual cada um de nós deve estudar sua condição atual e seu próximo estágio. Se não reconhecemos o estágio atual, permanecemos ignorantes a respeito do próximo estágio para onde devemos nos dirigir, e por isso podemos estar indo contra nosso Dharma e assim atrasando a evolução. Ou, reconhecendo ambos, podemos atuar na linha de nosso Dharma, acelerando a evolução. Aqui existe uma grande armadilha. Vemos que uma coisa é boa, nobre e grandiosa, e desejamos realizar em nós mesmos essa coisa. Será ela o próximo estágio de evolução para nós? Será a coisa que a lei de nossa vida em evolução requer a fim de que esta vida possa fluir harmoniosamente? Nosso objetivo imediato não é aquilo que é melhor em si mesmo, mas aquilo que é melhor para nós em nosso estágio atual, e que nos leva um passo à frente. Tomemos uma criança. Sem dúvida, se tomarmos uma menina, ela tem diante de si um futuro mais nobre, elevado e belo do que quando ela está brincando com suas bonecas; ela será uma mãe com um filho nos braços em vez de uma boneca, pois este é o ideal da mulher perfeita: a mãe com seu filho. Mas ao mesmo tempo em que este é o ideal da mulher perfeita, forçar em direção a ele antes do tempo será prejudicial em vez de bom. Todas as coisas devem vir em seu tempo devido. Se aquela menina há de se desenvolver até a perfeição da feminilidade, e se há de ser mãe de uma família, saudável, forte, capaz de suportar a pressão da grande corrente da vida, então deve haver um período em que a menina brinque com suas bonecas, aprenda as lições, desenvolva o corpo. Mas se pensar que a maternidade é mais elevada e nobre do que a brincadeira, a maternidade será buscada antes de seu tempo, e nascerá uma criança de outra criança, e o bebê sofrerá, a mãe sofrerá, a nação sofrerá; e isso porque a época própria não foi tomada em consideração e a lei da vida em evolução foi violada. Surge toda sorte de sofrimentos se colhermos o fruto antes de ele estar maduro. Dei este exemplo porque ele é bem marcante. Vou-lhes ajudar a ver por que nosso próprio Dharma é melhor para nós do que um Dharma bem executado mas alheio, que não está na linha de nossa própria vida em evolução. Aquela posição elevada pode ser nossa no futuro, mas deve chegar seu tempo, o fruto deve amadurecer. Colha-o antes da estação e seus dentes travarão na casca azeda. Que fique na árvore, obedecendo à lei do tempo e da evolução seqüencial, e a alma crescerá de acordo com o poder de uma vida infinita. Isso nos dá uma outra chave para o problema - a função está em relação ao poder. Uma função assumida antes desenvolver-se o poder correspondente e necessário é extremamente danosa ao organismo. Assim aprendemos as lições da paciência e da confiança na Boa Lei. Podemos julgar o progresso de

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uma pessoa por sua vontade de trabalhar com a natureza e se submeter à lei. Por isso o Dharma é descrito como lei, e às vezes como dever; pois ambas as idéias nascem do pensamento básico de que ele é a natureza interna em dado estágio de evolução e a lei do estágio seguinte de seu desenvolvimento. Isso explica por que a moralidade é relativa, por que o dever deve ser diferente para cada alma, de acordo com seu estágio de evolução. Quando passamos a aplicar isso nas questões de certo e errado, descobrimos que podemos resolver alguns dos mais sutis problemas da moralidade empregando este princípio. Em um universo condicionado não se pode encontrar certo e errado absolutos, mas apenas certos e errados relativos. O absoluto só existe em Ishvara, e só lá para sempre ele há de ser encontrado. Assim as diferenças são necessárias para nossa consciência condicionada. Pensamos através das diferenças, sentimos através das diferenças, e conhecemos através das diferenças. Somente através delas é que sabemos que somos pessoas vivas e pensantes. A unidade não causa impressão alguma na consciência. As diferenças e diversidades são as coisas que tornam possível o crescimento da consciência. A consciência não-condicionada está além do alcance de nosso pensamento. Só podemos pensar dentro dos limites do separado e do condicionado. Agora vemos como vêm à luz as diferenças na natureza, como o fator tempo entra em jogo, e como, embora tenhamos todos a mesma natureza e atingiremos todos a mesma meta, ainda assim existem diferenças nos estágios de manifestação, e portanto também nas leis adequadas para cada estágio. Isso é o que devemos compreender esta noite, antes de lidarmos com o complexo problema de como se desenvolve a natureza interna. O assunto é verdadeiramente difícil, embora os mistérios da senda da ação possam ser esclarecidos à medida que compreendemos a lei subjacente, à medida que reconhecemos o princípio da vida em desdobramento. Possa Ele, que deu o Dharma como nota-chave da Índia, iluminar nossas mentes obscuras com Sua vida em expansão e imortal, com Sua luz efulgente e imutável, para que possamos tentar compreender um pouco de Sua lei; pois só quando Suas bênçãos recaem sobre o buscador suplicante é que Sua lei pode ser entendida pela mente, e Sua lei, gravada no coração.

EVOLUÇÃO

Esta noite vamos tratar da segunda parte do assunto que começamos ontem. Vocês podem lembrar que por conveniência dividi o assunto em três partes: Diferenças, Evolução, e o problema do Certo e do Errado. Ontem estudamos a questão das Diferenças - como veio a acontecer de homens diferentes terem Dharmas diferentes. Arrisco-me a lhes lembrar a definição de Dharma que adotamos, dizendo que ele significa a natureza interna, marcada pelo estágio de evolução, mais a lei do crescimento do estágio evolutivo subseqüente. Peço-lhes que mantenham em mente esta definição, pois sem ela não seremos capazes de aplicar o Dharma àquilo que iremos estudar na terceira parte do assunto.

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Sob o título de "Evolução" vamos estudar o modo como a semente de vida evolui até a perfeita imagem de Deus, lembrando que chegamos à conclusão de que a imagem de Deus só poderia ser representada pela totalidade dos numerosos objetos que perfazem um universo até seus detalhes, e que a perfeição do indivíduo depende da completude com que cumpre sua parte no todo estupendo. Antes que possamos entender a evolução, devemos encontrar sua fonte e motivo - uma vida que envolve a si mesma em matéria, antes de desenvolver organismos complexos de todos os tipos. Começamos com o princípio de que tudo vem de Deus e n'Ele está. Nada no universo está fora d'Ele. Não há vida alguma exceto a Sua vida, nenhuma força exceto a Sua, nenhuma energia exceto a Sua, nenhuma forma salvo a Sua forma - tudo isso como resultado de Seu pensamento. Esta é nossa premissa básica. Esta é a base onde devemos nos apoiar, tendo a coragem de aceitar tudo o que ela implica. Shri Krishna, falando como Ishvara Supremo, diz que "Eu sou a semente de todos os seres, oh Arjuna! Tampouco existe qualquer coisa, móvel ou imóvel, que possa existir fora de Mim" (Bhagavad-Gita, X, 39). Não tenhamos medo de assumir esta premissa central. Não fujamos de nenhuma conclusão a que esta verdade nos conduza só por causa da imperfeição das vidas em evolução. Em outro verso Ele diz: "Eu sou a fraude do embusteiro, e o esplendor das coisas esplêndidas" (X, 36). Qual é o sentido destas palavras que soam tão estranhas? Qual a explicação desta frase que parece quase uma profanação? Não apenas neste discurso temos esta posição enunciada, como vemos que o Manu ensina exatamente a mesma verdade: "Ele produz o universo a partir de Si mesmo". A vida que vem do Supremo cobre-se de véu após véu de Mâyâ, onde esta vida há de evoluir todas as perfeições que jazem nela em estado latente. Mas a primeira pergunta é: Esta vida, que vem de Ishvara, não contém em si tudo já desenvolvido, todos os poderes manifestos, todas as possibilidades concretizadas como realidades? A resposta a esta pergunta, pronunciada vezes sem conta através de símbolos, alegorias e palavras diversas, é: "não". Ela contém tudo em potência, mas nada manifesto de início. Contém tudo em germe, mas de início nada como um organismo já desenvolvido. A semente é aquela que foi posta nas vastas águas da matéria, e só a semente é dada pela Vida do Mundo. Estas sementes, que procedem da vida de Ishvara, desenvolvem - passo a passo, estágio após estágio, um degrau da escada após o outro - todos os poderes que residem no Pai gerador, nome que o próprio Ishvara dá a Si mesmo no Gitâ. Ele declara mais uma vez: "Meu ventre é o Mahat-Brahma; ali coloco a semente; daí vem a produção de todos os seres, oh Bhârata. Onde quer que haja ventres produzindo mortais, oh Kaunteya, o Mahat-Brahma é seu ventre, e Eu, seu Pai gerador" (XIV, 3-4). Desta semente - deste germe contendo tudo em possibilidade mas nada ainda em manifestação - desta semente há de evoluir uma vida, estágio após estágio, subindo cada vez mais alto, até que se forma enfim um centro de consciência capaz de se expandir até a consciência de Ishvara, embora permanecendo

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ainda um centro, com o poder de se manifestar como um novo Logos ou Ishvara para a produção de um novo universo. Estudemos este vasto pensamento em detalhe. Nosso começo é a vida envolta em matéria. Estas sementes de vida, estas miríades de sementes, ou, para usarmos a fraseologia Upanishádica, estas inumeráveis centelhas, todas provêm da Chama única que é o Brahman Supremo. As qualidades hão de ser produzidas a partir das sementes. Estas qualidades são poderes, mas poderes manifestos através da matéria. Estes poderes serão desenvolvidos um por um - poderes que são a vida de Ishvara quando velada em Mâyâ. Nos primeiros estágios o crescimento é lento, e oculto, assim como a semente permanece oculta quando lança sua primeira raiz para baixo e emite seu tenro broto para cima a fim de que mais tarde a árvore em crescimento possa aparecer. A semente divina germina em silêncio, e os seus inícios são envoltos em escuridão, como as raízes que ficam debaixo da terra. Este poder na vida, ou antes, estes inumeráveis poderes que Ishvara manifesta a fim de que o universo possa existir, estas miríades de poderes são de início inconspícuos na semente - nenhum sinal das grandiosas possibilidades, nenhum traço do que há de se tornar depois. A respeito desta manifestação na matéria há uma palavra que lança muita luz sobre o assunto, se pudermos compreender seu significado interno e sutil. Shri Krishna, falando de Sua Prakriti inferior, ou manifestação inferior, diz: "Terra, água, fogo, ar, éter, Manas e Buddhi e Ahankara - estas são as oito divisões de Minha Prakriti. Esta é a parte inferior". Então Ele passa a dizer o que é a Sua Prakriti superior: "Conhece, oh tu poderosamente armado, minha outra Prakriti, a superior: o elemento vida, pelo qual o universo é mantido" (VII, 4,5). Então um pouco depois, separadas por muitos versos, de modo que às vezes se perde o fio condutor, falam-se outras palavras: "Esta Minha Mâyâ divina, feita de gunas [atributos], é difícil de penetrar; mas os que vêm a Mim, estes a penetram" (VII, 14). Este Yoga-Mâyâ é, com efeito, difícil de penetrar; muitos não conseguem descobrí-Lo envolto em Mâyâ, tal a dificuldade de penetração, tal a dificuldade da descoberta. "Aqueles desprovidos de Buddhi pensam em Mim, o Não-manifesto, como se Eu tivesse manifestação, não conhecendo Minha natureza suprema, imperecível, excelentíssima. Tampouco sou descoberto por todos, envolto como estou em Minha Yoga-Mâyâ". (VII, 24, 25). Então ele declara ainda que todo o universo é permeado desta Sua vida não-manifesta. O elemento vida, ou Prakriti superior, é não-manifesto, e a Prakriti inferior é manifesta. Então Ele diz: "Na aurora do dia tudo que é manifesto emana do não-manifesto; quando chega o ocaso, tudo se dissolve n'Aquilo que é chamado de não-manifesto" (VIII, 18). Isso ocorre repetidas vezes. Então Ele declara novamente: "Portanto existe verdadeiramente, mais alto que o não-manifesto, um outro não-manifesto, eterno, que não é destruído na destruição de todos os seres" (VIII, 20). Há uma sutil distinção entre Ishvara e a imagem que Ele emite. A imagem é o não-manifesto refletido, mas Ele mesmo é o não-manifesto superior, o eterno que jamais é destruído. Compreendido isso, passemos ao desenvolvimento dos poderes. Aqui é onde de fato começamos nossa evolução. A vida efusa se envolveu em matéria a fim de levar a semente a condições envoltas em matéria que tornem possível a

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evolução. Quando chegamos à primeira germinação da semente iniciam nossas dificuldades. Pois devemos recuar até o tempo em que não havia, no eu embrionário, nenhuma razão, nenhuma faculdade imaginativa, nenhuma memória, nenhum julgamento, nenhuma das faculdades condicionadas da mente de que sabemos algo, quando toda a vida manifesta era como a que encontramos no reino mineral, com as mais baixas condições de consciência. Os minerais manifestam consciência através de suas atrações e repulsões, por sua coesão entre partículas, por suas afinidades mútuas, por suas repulsões mútuas, mas não mostram nada daquela consciência que pode ser chamada de um reconhecimento de um "eu" e de um "não-eu". Em cada uma destas formas inferiores no reino mineral a vida de Ishvara está começando a se desenvolver. Não só a semente de vida evolui ali, mas Ele, com todo o Seu poder e grandeza, também está ali, em cada átomo de Seu universo. É Sua a vida semovente que torna a evolução inevitável. É Sua a força que expande gentilmente as paredes da matéria, com paciência imensa e amor cuidadoso, a fim de que elas não rompam com a tensão. Deus, Ele mesmo o Pai da vida, mantém aquela vida dentro de Si como uma Mãe, desenvolvendo a semente na semelhança de Si mesmo, jamais impaciente, jamais apressado, desejando conceder todo o tempo das eras incontáveis que a semente possa precisar. O tempo não é nada para Ishvara, pois Ele é eterno e para Ele tudo também o é. É a perfeição da manifestação o que Ele busca, e em Sua obra não há pressa. E veremos, mais tarde, como atua Sua infinita paciência. O homem, que há de ser a imagem de seu Pai, mostra dentro de si mesmo o reflexo do Eu com quem é uno, e de onde veio. A vida deve ser despertada, mas como? Por golpes, por vibrações, a essência interior é chamada à atividade. A vida é ativada por vibrações que a atingem de fora. Estas miríades de sementes de vida, ainda não conscientes de si mesmas, envoltas em matéria, são lançadas umas contra as outras na infinidade de processos da natureza; mas a "natureza" é só a roupagem de Deus, é só a manifestação inferior em que Ele se apresenta no plano material. Estas formas colidem entre si repetidas vezes, agitando assim as conchas externas de matéria em que a vida se envolve, e quando o golpe acontece, freme a vida interior. Porém a natureza do golpe não é importante. Tudo o que importa é que o golpe seja forte. Qualquer experiência é útil. Tudo o que golpeia a concha de modo forte o bastante para fazer a vida vibrar em resposta é o que é necessário nos estágios iniciais. A vida interna deve ser posta a vibrar. Isso despertará algum poder latente da vida. De início é apenas um frêmito em si mesmo, nada mais do que uma agitação, sem resultados sobre a concha externa. Mas à medida que os golpes se repetem e cada choque incute suas fortes vibrações, a vida interna emite, através da concha envolvente, um frêmito de resposta. O golpe provocou uma resposta. Chega-se a um outro estágio - a vida interna emite uma resposta que atravessa a concha. Isso acontece nos reinos mineral e vegetal. No reino vegetal a resposta às vibrações causadas pelo contato começa a demonstrar um novo poder da vida - a sensação. A vida começa a mostrar em si aquilo que chamamos de "sentimento", isto é, são dadas respostas diferentes ante o prazer e ante a dor. O prazer é basicamente

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harmonioso. Tudo que dá prazer é harmonioso. Tudo o que causa dor é dissonante. Pensemos na música. Notas ritmadas tocadas juntas em acordes dão uma sensação agradável ao ouvido. Mas se corrermos nossos dedos pelas cordas sem atentarmos à posição das notas produziremos um acorde dissonante, que causa dor ao ouvido. O que vale para a música vale para tudo. A saúde é harmonia, a moléstia é dissonância. A força é harmonia, a fraqueza é dissonância. A beleza é harmonia, a feiúra é dissonância. Em toda natureza o prazer significa a resposta de um ser senciente a vibrações que são harmoniosas e ritmadas, e a dor significa sua resposta às que são dissonantes e desritmadas. As vibrações rítmicas criam um canal exteriorizante por onde a vida pode se expandir, e esta expansão é "prazer"; O fechamento desritmado dos canais e o extravasamento frustrado são "dor" [O estudante deve meditar extensivamente neste princípio fundamental, o que lhe esclarecerá muito o pensamento]. O extravasamento de vida em direção a objetos é o que chamamos de "desejo"; daí que o prazer resulta da gratificação do desejo. Esta diferença começa a se fazer sentir no reino vegetal. Chega um golpe que é harmonioso. A vida responde a estas vibrações harmônicas e se expande, sentindo "prazer" nesta expansão. Chega um golpe desastrado. A vida responde a isso dissonantemente, é bloqueada, e sente "dor" neste bloqueio. Os golpes se repetem sucessivamente, e só depois de eles ocorrerem miríades de vezes é que começa a surgir, na vida aprisionada, o reconhecimento da distinção entre os dois tipos. Nossa consciência, como ela é constituída no presente, só é capaz de distinguir os objetos entre si fazendo diferenciações. Tomemos um exemplo bem comum. Peguem uma moeda em suas mãos e fechem seus dedos em torno dela; vocês a sentem; mas se a pressão é contínua, sem variação alguma, a sensação na mão desaparece e vocês já não sabem que sua mão não está vazia. Movam um dedo e sentirão o dinheiro; mantenham a mão imóvel, e a sensação desaparecerá. Assim, a consciência só consegue conhecer as coisas através de diferenças. E quando a diferença é eliminada a consciência cessa de responder. Chegamos à próxima coisa que se manifesta à medida que a vida evolui no reino animal. A dor e o prazer agora já são percebidos agudamente, e principia um esboço de reconhecimento conectando objetos e sensações; chamamo-lo de "percepção". O que isso significa? Significa que a vida desenvolve o poder de formar uma ligação entre o objeto que a impressiona e a sensação com que ela responde ao objeto. Quando aquela vida incipiente, ao contatar um objeto externo, o reconhece como um objeto que proporciona prazer ou dor, então dizemos que aquele objeto é percebido, e que a faculdade de percepção, ou a criação de ligações entre os mundos externo e interno, se desenvolveu quando isso se estabelece; o poder mental começa a germinar e a crescer naquele organismo, e nós o encontramos nos animais superiores. Tomemos então o homem selvagem, mas deixemos de lado seus estágios mais iniciais. Vemos lentamente a se estabelecer nele a consciência do "eu" e do "não-eu", andando as duas juntas. O "não-eu" o toca, e o "eu" sente; o "não-eu" lhe dá prazer, e o "eu" reconhece-o; o "não-eu" causa-lhe dor, e o "eu" a sofre. Começa a ser feita uma distinção no sentimento, pensado como "eu", e tudo o que o causa, que é pensado como "não-eu". Aqui começa a inteligência

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e inicia o desenvolvimento da raiz da autoconsciência. Isto é, está sendo formado um centro para onde tudo se dirige e de onde tudo volta para fora. Falei antes da reiteração das vibrações, e agora a repetição produz resultados mais rapidamente. Quando a repetição origina a percepção dos objetos prazerosos, desenvolve-se o estágio seguinte, a expectativa do prazer antes que o contato tenha lugar. O objeto é reconhecido como um que deu prazer em ocasiões anteriores; espera-se uma repetição do prazer, e esta expectativa é o início da memória e da imaginação, do entrelaçamento entre intelecto e desejo. Porque o objeto deu prazer antes, espera-se que o dê novamente. Assim a expectativa traz à manifestação outra qualidade germinante na mente. Quando temos o reconhecimento do objeto e a expectativa de prazer em retorno, o próximo estágio é a criação e vivificação de uma imagem mental daquele objeto - a lembrança dele - causando assim uma efusão de desejo, o desejo de possuirmos aquele objeto, um anelo por ele, e finalmente uma busca por aquele objeto que nos dá uma sensação agradável. Assim o homem se torna cheio de desejos ativos. Ele deseja prazer, e a mente o impele a buscá-lo. Durante longo tempo ele permaneceu no estágio animal, quando ele jamais procuraria alguma coisa a menos que a sensação em seu corpo interno o fizesse desejar algo que só o mundo externo poderia satisfazer. Voltemos ao animal só por um momento, pensemos no que incita um animal à atividade. O desejo de se livrar uma sensação desagradável. Ele sente fome, deseja comida, e sai em sua procura; ele sente sede, deseja saciá-la, e sai a buscar água. Assim ele vai sempre em busca do objeto que lhe gratificará o desejo. Dêem-lhe a gratificação do desejo e ele ficará quieto. No animal não existe iniciativa própria. O impulso vem de fora. Com efeito, a fome está no corpo interno, mas este fica fora do centro da consciência. A evolução da consciência pode ser seguida pela proporção que o estímulo externo guarda em relação ao estímulo auto-iniciado. A consciência inferior é estimulada à atividade por impulsos vindos de fora de si mesma. A consciência superior é estimulada à atividade por um movimento que nasce dentro de si mesma. Mas ao analisarmos o selvagem, vemos que a gratificação dos desejos é a lei do seu progresso. Isso soará bem estranho para muitos de vocês. O Manu diz: "Procurar livrar-se dos desejos gratificando-os é o mesmo que tentar apagar fogo derramando-se-lhe manteiga". O desejo deve ser freado e restringido. O desejo deve ser completamente extinto. Esta é a verdade mais certa, mas só para o homem que atingiu um certo estágio de evolução. Nos estágios iniciais a gratificação do desejo é a lei da evolução. Se ele não gratifica seus desejos não lhe é possível nenhum crescimento. Vocês devem compreender que neste estágio não existe nada que possa ser chamado de moralidade. Não há distinção entre certo e errado. Todos os desejos devem ser gratificados; este centro incipiente de consciência só cresce quando procura gratificar seus desejos. Neste estágio inferior o Dharma do homem selvagem, ou do animal, lhe é imposto. Ele não escolhe; sua natureza interna, marcada pelo desenvolvimento do desejo, exige gratificação. A lei do seu crescimento é a gratificação destes desejos. Assim o Dharma do selvagem é a gratificação de cada desejo. E nele vemos que não há consciência alguma de certo ou errado, nem a mais pálida noção de que a gratificação dos desejos é proibida por alguma lei superior.

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Sem esta gratificação de desejos não há crescimento ulterior. Todo este crescimento deve preceder o alvorecer da razão e do julgamento, e o desenvolvimento dos poderes superiores da memória e imaginação. Todas estas coisas devem evoluir através da gratificação do desejo. A experiência é a lei da vida, é a lei do crescimento. A menos que ele adquira experiências de todos os tipos ele não poderá aprender que vive em um mundo de Lei. A lei encontra duas maneiras de se fazer conhecer para o homem; prazer, quando a Lei é seguida, e dor, quando é violada. Se naquele primitivo estágio selvagem o homem não tiver experiências de toda sorte, como ele poderia saber da existência da Lei? Como se desenvolveria o discernimento entre certo e errado, a menos que tenha havido antes tanto a experiência do bem como a do mal? Um universo jamais pode vir à existência senão através dos pares de opostos, e eles em certo estágio aparecem na consciência como bem e mal. Não se pode conhecer a luz sem as trevas, o movimento sem o repouso, o prazer sem a dor; assim, não se pode reconhecer o bem, que é harmonia com a Lei, sem conhecermos que o mal é o que vai contra a Lei. O bem e o mal são um par de opostos na evolução ulterior do homem, e um homem não pode se tornar consciente da diferença entre eles a menos que tenha experimentado ambos. Agora chegamos a uma mudança. O homem desenvolveu um certo poder de discriminação. Deixado completamente por si mesmo, ele viria a saber que algumas coisas o ajudam, que algumas coisas o fortalecem, que algumas coisas aumentam sua vida, e também que outras o enfraquecem e diminuem sua vida. A experiência o ensinaria tudo isso. Deixado só sob o ensino da experiência, ele viria a saber o que é certo e o que é errado, viria a identificar o que dá prazer que aumenta a vida como certo, e o que dá dor e diminui a vida, como errado, e enfim chegaria à conclusão de que toda a felicidade e crescimento estão na obediência da Lei. Mas levaria muito tempo para esta inteligência incipiente comparar as experiências de prazer e dor, e as confusas experiências em que aquilo que de início dá prazer se torna doloroso pelo excesso, e daí deduzir o princípio da lei. Levaria um tempo longuíssimo para comparar todas as experiências inumeráveis, e deduzir a partir delas a idéia de que esta coisa é certa e que aquela é errada. Mas ele não é deixado desamparado para fazer esta dedução. Vêm a ele, de mundos passados, Inteligências muito mais altamente evoluídas do que a sua, Mestres que vêm ajudar sua evolução, dirigir seu crescimento, e falar-lhe da existência de uma lei que determina aquilo que produzirá uma evolução mais acelerada e aumentará sua felicidade, inteligência e força. De fato, a revelação vinda da boca de um Mestre acelera a evolução, e em vez de o homem ser abandonado ao lento aprendizado pela experiência, a expressão da lei pela boca de um superior auxilia seu crescimento. O Mestre chega e diz a esta inteligência em botão: "Se você matar aquele homem, estarás fazendo um ato que proíbo com autoridade divina. Este ato é errado. Acarretará misérias". O Mestre diz: "É certo ajudar os famintos, pois o homem faminto é teu irmão; alimenta-o, não o deixes perecer, divide com ele o que possuis. Este ato é certo, e se obedeceres estarás em harmonia com a lei". São oferecidas recompensas para os atos corretos a fim de atrair a inteligência nascente na direção do bem, e são dadas punições e feitas ameaças para

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advertí-lo do errado. A prosperidade terrena é conseguida pela obediência à lei, e a miséria segue a desobediência a ela. Este anúncio da lei, de que a miséria segue aquilo que a lei proíbe, e a felicidade aquilo que a lei ordena, estimula a consciência nascente. Ele desconsidera a lei, segue-se a penalidade, e ele sofre, e diz: "O Mestre me havia avisado". A lembrança de um mandamento comprovado pela experiência faz na consciência uma impressão muito mais rápida e forte do que a experiência sozinha sem a revelação da lei. Com esta declaração daquilo que ele aprendeu como princípios da moralidade, a saber, que certas classes de ações retardam a evolução e outras classes a aceleram - com esta declaração a inteligência é grandemente estimulada. Se um homem não obedece à lei explicitada, então ele é deixado ao duro aprendizado da experiência. Se ele diz: "Eu terei aquela coisa, mesmo que a lei o proíba", então ele é deixado ao árduo ensinamento da dor, e as lágrimas do sofrimento ensinam a lição que não aprendeu dos lábios do amor. Como hoje em dia isso ocorre com freqüência! Quantas vezes um jovem, argumentativo e presunçoso, não ouve à lei, não ouve à experiência, não presta atenção ao treinamento do passado! O desejo vence a inteligência. Seu pai fica desolado. "Meu filho mergulhou no vício", diz ele, "meu filho anda no caminho do mal. Eu o ensinei na conduta correta, e vejam: ele se tornou um mentiroso; meu coração está despedaçado por sua causa!". Mas Ishvara, Pai mais amoroso do que qualquer pai terreno, tem paciência. Pois Ele está no filho tanto quanto está no pai. Ele está lhe ensinando uma lição da única maneira em que aquela alma deseja aprender. Ele não aprenderia com a autoridade ou o exemplo. Depois de todos os infortúnios, aquele desejo pelo mal que está impedindo sua evolução deverá ser extirpado de sua natureza. Se ele não aprender através da gentileza, que aprenda pela dor. Que aprenda pela experiência, que mergulhe no vício, e colha a amarga colheita que nasce do burlar a lei. Há tempo, ele aprenderá a lição com certeza, embora através da dor. Deus está nele, e mesmo assim permite que ele ande naquele caminho; antes, Ele mesmo o abre para que ele possa andar nele, e quando ele pergunta o motivo, a resposta de Deus é: "Meu filho, se tu não Me ouves, segue teu rumo e aprende tua lição no fogo de tua agonia e na amargura de tua degradação. Ainda assim estou contigo, velando por ti e por tuas ações, Eu que sou o Cumpridor da lei e o Pai de tua vida. Deverás aprender na miséria da degradação aquela cessação do desejo que não aprenderias da sabedoria e do amor". É por isso que Ele diz no Gitâ: "Eu sou a fraude do embusteiro". Pois Ele está sempre pacientemente trabalhando para aquela meta gloriosa, e por vias ásperas, quando não andamos por outras amenas. Nós, incapazes de entender esta compaixão infinita, lemos equivocadamente estas linhas, mas Ele trabalha com a paciência da eternidade, a fim de que o desejo possa ser completamente extirpado, e Seu filho possa se tornar tão perfeito como seu Pai no céu é perfeito. Passemos ao próximo estágio. Há certas grandes leis de crescimento que são genéricas, Aprendemos a ver certas coisas como certas e outras como erradas. Todas as nações têm seus padrões de moralidade. Só poucos sabem como se formaram estes padrões, e onde estes padrões são falhos. Para fins comuns os padrões são bons o bastante. A experiência da raça tem visto, sob

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a direção da lei, que algumas ações impedem a evolução, ao passo que outras a aceleram. A grande lei da evolução ordeira, que segue aos estágios iniciais, é a lei dos quatro degraus sucessivos do crescimento humano ulterior. Isso chega quando o homem atingiu certo patamar, depois que o treinamento preliminar terminou. É encontrado em todas as nações em certo estágio de evolução, mas isso foi proclamado na Índia como sendo a lei definitiva da vida em evolução, como a ordem seqüencial do crescimento da alma, como o princípio subjacente pelo qual o Dharma pode ser entendido e cumprido. O Dharma, lembremos, inclui duas coisas - a natureza interna no ponto em que chegou, e a lei de seu crescimento para o estágio subseqüente. O Dharma é explicitado para todos os homens. O primeiro Dharma é o do serviço. Não importa em que parte do mundo a alma venha a nascer depois de ela ter passado pelos estágios iniciais, pois então sua natureza interna exige a disciplina do serviço, e pelo serviço ela deve aprender as qualidades que são requeridas para o crescimento em direção à próxima etapa. Neste estágio o poder de ação independente é muito limitado. Neste estágio relativamente inicial há tendência a ceder ao impulso vindo do externo, mais do que apresentar um julgamento maduro para escolher a partir de dentro um rumo especial. Nesta classe encontraremos todos os que são do tipo servil. Lembremos as sábias palavras de Bîshma, de que se as características de um Brâhmane fossem encontradas em um Shûdra e não em um Brâhmane, então o Brâhmane não seria Brâhmane e o Shûdra não seria Shûdra. Em outras palavras, as características da natureza interna assinalam o estágio de crescimento daquela alma, e a marcam como pertencente a uma das grandes divisões e não a outra. Onde o poder de iniciativa é pequeno, onde o julgamento não foi treinado, onde o raciocínio é pobre e pouco desenvolvido, onde o Eu é inconsciente de seu alto destino, onde ele é movido principalmente pelo desejo, onde ele há de crescer ainda principalmente pela gratificação da maioria, mas não de todos, os desejos, então temos um homem cujo Dharma é o serviço, e só cumprindo este Dharma ele pode seguir a lei do crescimento pela qual ele atingirá a perfeição. E um tal homem é um Shûdra, seja qual for o nome que lhe seja aplicado em outros países. Na Índia antiga as almas que tinham estas características nasciam nas classes mais adequadas para isso, pois os Devas guiavam os nascimentos. Nesta época, porém, instalou-se a confusão [No original: In this age, however, confusion has supervened. Esta afirmação é bastante enigmática, levando a crer que os Devas tenham abandonado suas funções nos tempos recentes, ou sugerindo que a organização cósmica oculta tenha entrado em colapso, se revelando impotente para gerir as multifacetadas condições atuais do mundo, o que é uma suposição assaz estranha e duvidosa, estando em clara contradição com o bom-senso e com o restante dos ensinamentos Teosóficos. Porém, talvez isso seja mera figura de retórica, ou a autora tivesse em mente algum sentido diverso, não revelado ao público - NT]. Qual é a lei do crescimento neste estágio? Obediência, devoção, fidelidade. Esta é a lei do crescimento para esta etapa. Obediência, porque o julgamento não é desenvolvido. Aquele cujo Dharma é servir deve obedecer cegamente a quem presta serviço. Ele não deve questionar a ordem de seu superior, nem lhe cabe avaliar se a ordem é sábia ou não. Ele recebeu uma ordem para fazer tal coisa, e seu Dharma é a obediência, através da qual somente ele poderá

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aprender. As pessoas hesitam face a este ensinamento, mas ele é verdadeiro. Darei um exemplo que os impressionará vivamente - o de um exército, o de um soldado individual sob o comando de seu líder. Se cada soldado individual fosse usar seu próprio julgamento a respeito das ordens que vêm do General, e se fosse dizer: "Isso não está certo, pois em minha opinião eu seria de maior utilidade em outro lugar", o que sucederia a tal exército? O soldado individual seria fuzilado se desobedecesse, pois seu dever é a obediência. Quando o julgamento é frágil, quando somos movidos principalmente por impulsos externos, quando não conseguimos ser felizes sem barulho e algazarra e tumulto em volta, então o nosso Dharma é o serviço, seja qual for o lugar em que tenhamos nascido, e seremos afortunados se nosso Karma nos levar a uma posição onde a disciplina nos treine. Assim o homem aprende a se preparar para o próximo estágio. E o dever de todos os que estão em posição de autoridade é lembrar que o Dharma de um Shûdra é cumprido quando ele é obediente e fiel ao seu amo, e não se deveria esperar a demonstração de virtudes superiores de alguém neste grau de evolução. Exigir dele jovialidade no sofrimento, pureza de pensamento e o poder de sofrer privações sem reclamar é exigir demais, pois quando nós mesmos falhamos em expressar tais qualidades, como podemos esperar encontrá-las naqueles que pertencem às chamadas classes baixas? O dever do superior é expressar as virtudes superiores, mas ele não tem o direito de exigí-las dos seus inferiores. Se o servo demonstra fidelidade e obediência, o Dharma é cumprido com perfeição, e as outras faltas não devem ser punidas, mas só apontadas com gentileza pelo amo, pois ao fazer assim ele estará treinando aquela alma mais jovem, pois uma alma infantil deve ser conduzida com gentileza pelo caminho, e seu crescimento não deve ser tumultuado com tratamento áspero, como amiúde fazemos. Então a alma, tendo aprendido esta lição em muitos nascimentos, ao aprender a lição obedeceu à lei do crescimento, e cumprindo seu Dharma se aproximou do estágio seguinte, onde deverá aprender o primeiro uso do poder através da aquisição de riqueza. Então o Dharma daquela alma será evoluir todas as qualidades que estiverem prontas para tal e serão desenvolvidas levando uma vida que a natureza interna exigir, isto é, assumindo alguma ocupação que o estágio seguinte requer, o estágio onde é meritório adquirir riqueza. Pois o Dharma do Vaishya em todo o mundo é desenvolver certas faculdades definidas. A faculdade da justiça, do trato justo entre as pessoas, do não desviar-se por causa do apelo dos sentimentos, o desenvolvimento das qualidades de sagacidade, perspicácia, manutenção de um equilíbrio justo entre deveres em conflito, o pagamento justo em negócio justo, a exatidão no julgamento, a frugalidade, a ausência de desperdício e extravagância, a cobrança de cada servo do serviço que ele deve prestar, o pagamento de salários justos, mas apenas justos - estas são as características que o preparam para um crescimento superior. Em um Vaishya é meritório ser frugal, recusar pagamento maior do que o devido, insistir em um negócio justo e correto. Todas estas coisas desenvolverão qualidades que são requeridas e que conduzirão à futura perfeição. Seus estágios iniciais algumas vezes são desagradáveis, mas do ponto de vista superior eles são o Dharma daquele homem, e se ele não for cumprido haverá fraqueza de caráter, que mais tarde

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viria à tona e prejudicaria sua evolução. A liberalidade é de fato a lei de seu crescimento posterior, mas não a liberalidade de salários insuficientes ou excessivos. Ele deve adquirir riqueza pelo exercício da frugalidade e economia, e então gastar sua fortuna em objetivos nobres e com homens preparados, que a empregarão em esquemas dignos e bem organizados para promoção do bem público. Portanto o Dharma de um Vaishya é acumular com energia e sagacidade, e gastar cuidadosamente com discriminação e liberalidade, este é o florescimento de sua natureza, e a lei do seu crescimento subseqüente. Isso nos conduz ao próximo estágio, o dos líderes e guerreiros, o de batalhas e contendas, onde a natureza interna é combativa, agressiva, disputadora, inabalável em suas bases e pronta para proteger a todos no desfrute do que é correto. Coragem, destemor, esplêndida generosidade, entrega da vida em defesa dos pobres e no desempenho do dever - este é o Dharma de um Kshattriya. Seu dever é proteger o que lhe for confiado contra toda agressão externa. Isso pode lhe custar a vida, mas isso não importa. Ele deve cumprir seu dever. Proteger, guardar, este é o seu trabalho. Sua força deve ser uma barreira entre os fracos e os opressores, entre os desamparados e aqueles que querem pisoteá-los. Para ele o certo é acompanhar a guerra e a batalha na selva contra as feras. Porque não sabemos o que é a evolução, e o que é a lei do crescimento, ficamos aflitos ante os horrores da guerra. Mas os grandes Rishis, que criaram esta ordem, sabiam que uma alma fraca jamais pode chegar à perfeição. Não se pode ter força sem coragem, e a firmeza e a coragem não podem ser obtidas sem o enfrentamento do perigo e sem a disposição de entregar a vida quando o dever exigir o sacrifício. Nossos pseudomoralistas, sentimentais e trêmulos, fogem deste ensinamento. Mas eles esquecem que em todos os países existem almas que necessitam deste treinamento, e cuja evolução futura depende de seu sucesso nele. Volto a apelar a Bîshma, a encarnação do Dharma, e lembro do que ele disse, que é dever do Kshattriya matar milhares de inimigos, se seu dever como protetor assim o indicar. A guerra é terrível, a luta é chocante, nossos corações se revoltam contra ela, e fugimos diante da angústia dos corpos mutilados e destroçados. Em grande parte isso se deve porque somos completamente iludidos pelas formas. A única utilidade do corpo é proporcionar à vida interna um meio para evolução. Mas no momento em que ela aprendeu tudo o que o corpo poderia oferecer, que o corpo se desintegre, e que a alma siga livre para assumir um corpo novo, que lhe propiciará a expressão de poderes superiores. Não podemos penetrar na Mâyâ do Senhor. Estes nossos corpos podem perecer, vez após vez, mas cada morte é uma ressurreição para uma vida superior. Este corpo em si não passa de uma roupa que a alma veste, e nenhuma pessoa sábia gostaria que o corpo fosse eterno. Vestimos nosso filhinho com um casaco pequeno e o trocamos quando a criança cresce. Mas faremos um casaco de aço e impediremos o crescimento da criança? Este corpo é, assim, nosso casaco. Deve ele ser de aço para que seja imperecível? A alma não precisa de corpos melhores para seu crescimento superior? Que o corpo então se vá. Esta é a difícil lição que o Kshattriya aprende, e assim ele renuncia à sua vida corpórea, e nesta renúncia sua alma obtém o poder do auto-sacrifício, aprende perseverança, fortaleza, coragem, habilidade, devoção a um ideal, lealdade a uma causa, e alegremente oferece seu corpo como

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pagamento, sua alma ascendendo triunfante e se preparando para uma vida mais nobre. Então chegamos ao último estágio, o estágio do ensino. O Dharma deste estágio é ensinar. A alma deve ter assimilado todas as experiências inferiores antes de poder ensinar. Se ela não tiver passado por todos os estágios anteriores, e obtido sabedoria através da obediência e do engenho e do combate, como poderia ser um professor? Ela chega ao estágio de evolução onde a expansão natural de sua natureza interna é ensinar seus irmãos mais ignorantes. Estas qualidades não são artificiais. São qualidades inatas da natureza e se apresentam sempre que existem. Um Brâhmane não será um Brâhmane se não for um professor em virtude de seu próprio Dharma. Ele obteve conhecimento e um nascimento favorável a fim de tornar-se um professor. A lei de seu crescimento é o conhecimento, a piedade, o perdão, o ser amigo de todas as criaturas. Como o Dharma mudou! Mas como ele poderia ser amigo de todas as criaturas se ele não aprendeu a dar sua vida quando o dever chamou, e a própria batalha treinou o Kshattriya para mais tarde ele se tornar um amigo de toda criatura. Qual é a lei de crescimento de um Brâhmane? Ele jamais deve considerar ofensas. Jamais deve perder o autocontrole. Jamais deve ser precipitado. Deve ser sempre gentil, doutra forma falharia em seu Dharma. Ele deve ser todo pureza. Jamais deve levar uma vida má. Deve se afastar das coisas mundanas, se há de ter controle sobre elas. Apresento um padrão impossível? Mas só exponho a lei como os Grandes Seres a expuseram, e o que faço é só ecoar debilmente suas palavras. A lei estabeleceu o padrão, e quem ousaria rebaixá-lo? Quando o próprio Shri Krishna proclamou isso como o Dharma dos Brâhmanes, que esta deve ser a lei de seu crescimento, e que o término de seu crescimento é a libertação. Para eles há a libertação, mas só se eles apresentarem as qualidades que deveriam ter alcançado, e seguirem o alto ideal que é o seu Dharma. Esta é a única justificativa para chamá-los de Brâhmanes. Este ideal é tão belo que todo homem sério e racional deseja atingí-lo. Mas a sabedoria se adianta e diz: "Sim, será vosso, mas deveis conquistá-lo. Deveis crescer, deveis trabalhar; será certamente vosso, mas não antes de terdes pago o preço". É importante para nosso próprio crescimento, e para o crescimento das nações, que esta distinção entre os Dharmas seja entendida como dependente do estágio de evolução, e que sejamos capazes de discernir nosso próprio Dharma pelas características que encontramos em nossa própria natureza. Se apresentamos para uma alma despreparada um ideal tão excelso que não a comove, impedimos sua evolução. Se oferecermos a um camponês o ideal de um Brâhmane estaremos lhe apresentando um ideal impossível, e o resultado é que ele não faz nada. Quando prescrevemos para alguém uma coisa alta demais para ele, esta pessoa saberá que você esteve falando bobagens, pois a terá mandado fazer uma coisa que está além de seus poderes; sua própria tolice terá colocado diante dela motivos que não a mobilizam. Mas sábios eram os mestres de antanho. Eles davam às crianças brincadeiras, e aos mais velhos as lições superiores. Mas somos tão "espertos" que apelamos ao mais baixo pecador com motivos que só estimulariam o santo

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mais elevado, e assim, em vez de acelerar, estaremos impedindo sua evolução. Coloquemos nossos ideais tão alto quanto possível. Mas não o imponhamos para nossos irmãos, cuja lei de crescimento pode ser completamente diversa da nossa. Aprendamos a tolerância que auxilia cada pessoa em sua posição específica a fazer o que é bom para ela, e o que sua natureza a impele a fazer. Ajudemos deixando cada pessoa em seu próprio caminho. Aprendamos aquela tolerância que não repele ninguém, nem mesmo o pecador, aquela que vê em cada um a divindade em ação, e fica a seu lado para ajudá-lo. Em vez de ficarmos alheios em algum distante e elevado pico de espiritualidade, e pregando uma doutrina de auto-sacrifício que está completamente além de sua compreensão, usemos o egoísmo superior para destruirmos o egoísmo inferior. Não digamos ao camponês que quando ele não é diligente ele está se afastando do ideal, mas digamos: "Eis a tua mulher, tu a amas, mas ela passa fome. Começa a trabalhar e alimenta-a". Com este motivo, que certamente é egoísta, fazemos mais para elevar aquele homem do que lhe pregando sobre Brahman, o incondicionado e não-manifesto. Aprendamos o que Dharma significa, e seremos úteis para o mundo. Não desejo rebaixar nossos próprios ideais em um milímetro sequer; ninguém pode almejar alto demais. Seja nosso o que pudermos conceber, mas não imponhamos o mesmo para quem é menos evoluído dentre nossos irmãos mais jovens. Almejemos ao mais elevado que pudermos imaginar e amar. Mas almejando, consideremos os meios, bem como os fins, nossos poderes, bem como nossas aspirações. Alimentemos altas aspirações. Elas serão os germes de poderes em nossa vida futura. Ao mantermos sempre alto o ideal cresceremos em sua direção, e o que hoje só almejamos será nosso em dias vindouros. Mas tenhamos a tolerância do conhecimento, e a paciência que é divina. Cada coisa tem sua hora e lugar adequados. À medida que a natureza interna se desenvolver poderemos apelar para as qualidades do auto-sacrifício, da pureza e da completa devoção altruísta, e para a vontade firmemente fixada em Deus. Este é o ideal conquistado só pelos mais desenvolvidos. Que ascendamos para ele gradualmente, senão fracassaremos de todo em alcançá-lo.

O CERTO E O ERRADO

Durante os dois últimos dias de nosso estudo estivemos dando nossa atenção e fixando nosso pensamento no que posso chamar de, em grande parte, o lado teórico deste problema complicado e difícil. Tentamos entender como surgem as diferenças entre as naturezas. Tentamos captar a idéia sublime de que este mundo foi criado para crescer a partir da simples semente de vida dada por Deus até a imagem d'Aquele que a deu. A perfeição desta imagem, como vimos, só pode ser expressa pela multiplicidade dos objetos finitos, e a perfeição jaz nesta multiplicidade; mas nesta mesma multiplicidade que vemos está necessariamente implicada a limitação de cada objeto. Então vimos que pela lei do crescimento, devemos ter existindo num universo, a um só tempo, todas as variedades de naturezas internas em evolução. Como estas naturezas estão todas em estágios diferentes de evolução, não podemos fazer-lhes mas

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mesmas exigências, e nem esperar delas o desempenho das mesmas funções. A moralidade deve ser estudada em relação às pessoas que hão de praticá-la. Ao julgarmos o padrão de certo e errado para cada indivíduo devemos considerar em que estágio de crescimento este indivíduo chegou. O certo absoluto só existe em Ishvara; nossos certo e errado são relativos e dependem muito do estágio de evolução que tivermos alcançado. Esta noite tentarei aplicar esta teoria à conduta na vida. Veremos se conseguimos obter, pela linha de estudo que seguimos, uma idéia racional e científica da moralidade, de modo que possamos não ter mais a confusão que se vê hoje em dia. Pois vemos que os ideais são de um lado proclamados como sendo aqueles que deveriam ser reproduzidos na vida, e de outro lado percebemos que existe um fracasso completo mesmo na aspiração em sua direção; testemunhamos a mais infeliz das discrepâncias entre a fé e a prática. A moralidade não existe sem suas leis; como tudo mais no universo que é a expressão do pensamento divino, a moralidade também tem suas condições e limitações. Desta forma pode ser possível tirar o cosmo deste atual caos moral e aprender lições práticas de moralidade que possibilitem à Índia crescer, se desenvolver, se tornar de novo um exemplo para o mundo, reproduzindo sua antiga grandeza, demonstrando mais uma vez sua antiga espiritualidade. Há três escolas de moralidade reconhecidas existentes entre os povos ocidentais. Devemos lembrar que o pensamento ocidental está influenciando mui largamente a Índia, e está influenciando especialmente as novas gerações, onde reside a esperança da Índia. Portanto é necessário que entendamos algo destas escolas de moralidade ocidentais, que diferem em suas teorias e ensinamentos, mesmo que seja só para aprendermos a evitar suas limitações e tirar delas o que possam ter de bom a oferecer. Há uma escola que diz que a revelação de Deus é a base da moralidade. A objeção levantada pelos oponentes desta declaração é que neste mundo há muitas religiões, e que cada religião tem sua própria revelação. Argumenta-se que olhando para esta variedade de escrituras religiosas é difícil dizer que uma revelação deva ser considerada como baseada em uma autoridade suprema. É natural que cada religião considere sua própria revelação como suprema, mas neste conflito de línguas como o estudante poderá tomar uma decisão? Então se diz ainda que há um defeito inerente nesta teoria, afetando todos os padrões morais encontrados em uma revelação que foi dada de uma vez para sempre. A fim de que um esquema seja útil para a época em que foi dado, deve ele ter uma natureza adaptada ao seu tempo. À medida que as nações evoluem, e milhares de milhares de anos se passam entre o povo, descobrimos que aquilo que era adequado à nação em sua infância se torna inadequado para ela em sua maturidade; muitos dos preceitos uma vez úteis já não o são hoje em dia, com a mudança das circunstâncias da época. Esta dificuldade é reconhecida e resolvida quando passamos a lidar com as escrituras Hindus, pois encontramos nelas uma vasta variedade de ensinamentos morais, adequados a todos os graus de evolução das almas. Há preceitos tão simples, tão claros, tão definidos e tão imperativos que mesmo a mais jovem das almas pode utilizá-los. Mas vemos também que os Rishis reconheciam que estes

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preceitos não se prestavam ao treinamento de uma alma altamente desenvolvida. Encontramos na Sabedoria Antiga que eram dados também ensinamentos a umas poucas almas avançadas, ensinamentos que seriam completamente ininteligíveis para as massas. Estes ensinamentos eram restritos a um grupo interno de pessoas que haviam atingido a maturidade da raça humana. No Hinduísmo sempre têm sido reconhecido que as diferentes escolas de moralidade são necessárias para o crescimento humano. Mas sempre que, em alguma grande religião, este reconhecimento não existe, temos uma certa moralidade teórica, não adequada às necessidades em evolução das pessoas e, portanto, existe uma sensação de irrealidade, um sentimento de que não é razoável permitir agora o que era permissível na infância da humanidade. Por outro lado, encontramos aqui e ali, em todas as escrituras, preceitos do mais elevado caráter que só poucos hoje em dia podem sequer tentar obedecer. Quando um mandamento adequado para os quase selvagens, ou o mandamento que é dado a um santo, é tornado uma obrigação universal e dado com a mesma autoridade para todos, em qualquer dos casos surge este sentimento de irrealidade, e o resultado é a confusão de pensamento. Surgiu também uma outra escola, que baseia a moralidade na intuição - dizendo que Deus fala para cada pessoa através da voz da consciência. Ela alega que a revelação é feita para nação após nação, mas que não somos compromissados com um único livro, e a consciência é o árbitro final. A objeção feita a esta teoria é que a consciência de uma pessoa tem a mesma autoridade que a consciência de outra. Se a sua consciência difereda de outro, então quem irá decidir entre as duas consciências, entre a consciência do rústico ignorante e a consciência do místico iluminado? Se dissermos que admitimos o princípio da evolução, e que devemos tomar como juiz a consciência mais elevada da raça, então a intuição deixa de ser uma base sólida para a moralidade, e o mesmo elemento de variedade destrói a rocha onde se pretende edificar. A consciência é a voz do homem interno, que lembra as experiências do seu passado, e destas experiências imemoriais ele julga uma dada linha de conduta de hoje. Esta assim chamada intuição é o resultado de incontáveis encarnações, e de acordo com o número de encarnações a mente terá desenvolvido a qualidade de consciência de que hoje depende o indivíduo; tal intuição, pura e simples, não pode ser tomada como um guia suficiente em moralidade. Precisamos de uma voz liderando, e não de uma algazarra de vozes. Precisamos da autoridade do professor e não do burburinho confuso da multidão. A terceira escola de moralidade é a escola do utilitarismo. A visão desta escola, como geralmente se apresenta, não é nem razoável nem satisfatória. Qual a máxima desta escola? "O certo é o que conduz o maior número de pessoas à maior felicidade". Esta máxima não suporta análise. Percebam as palavras "o maior número". Tal limitação faz com que a inteligência iluminada rejeite esta asserção. Não é uma questão de maioria quando lidamos com a humanidade. Sua base é a vida única, sua meta é o Deus único; não podemos separar a felicidade de um da de outro. Não podemos romper a sólida unidade e, escolhendo a maioria, dar-lhe felicidade, e deixar a minoria desconsiderada. Esta teoria não reconhece a irrefutável unidade da raça humana, e por

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conseqüência sua máxima falha como base para a moralidade. E falha porque, em conseqüência desta unidade, uma pessoa não pode ser perfeitamente feliz a menos que todas o sejam igualmente. Sua felicidade falha em perfeição onde uma unidade for deixada infeliz. Deus não faz distinções a respeito de unidades e minorias, mas dá uma única vida à humanidade e a todas as criaturas. A vida de Deus é a única vida no universo, e a perfeita felicidade desta vida é a meta do universo. Assim, sua máxima também falha em ser um motivo atraente porque ela apela somente àqueles de inteligência desenvolvida, isto é, somente à alma altamente evoluída. Se formos ao homem comum do mundo, a uma pessoa egoísta, e dissermos a ela: "Você deve levar uma vida de auto-sacrifício e virtude e perfeita moralidade, mesmo que isso lhe custe a vida", qual vocês acham que será a sua resposta? Uma tal pessoa diria: "Por que eu deveria fazer isso pela raça humana, por pessoas no futuro a quem jamais verei?" Se tomarmos isso como padrão de certo e errado, então o mártir se torna o maior dos tolos que a humanidade já produziu, pois ele desiste da possibilidade de felicidade [pessoal] e não obtém nada em troca. Não podemos assumir este padrão, exceto limitando nossa consideração a casos onde temos uma alma nobre, altamente evoluída e, embora não inteiramente espiritual, possui em si a possibilidade de despertar a espiritualidade. Há pessoas como William Kingdom Clifford, em cujas mãos a doutrina do utilitarismo foi insuflada com uma nota de sublime elevação. Clifford, em seu ensaio sobre Ética, apela aos mais altos ideais e dá o mais nobre ensinamento de auto-sacrifício. Ele não acreditava na imortalidade da alma; aproximando-se da morte, ele foi capaz de ficar ao lado de seu futuro túmulo, acreditando que ali terminaria tudo, e pregar que a mais alta virtude é a única coisa que um homem de verdade pode praticar, uma vez que deve isso a um mundo que lhe deu tudo. Mas muito poucos tirarão uma inspiração tão nobre de uma perspectiva tão sombria, e precisamos de uma visão de certo e errado que inspire a todos, apele a todos, e não meramente àqueles que precisem de sua fraca motivação. O que resultou enfim deste debate? Confusão, e algo pior: uma aceitação hipócrita da revelação, com praticamente uma total desconsideração dela na vida prática. Temos, de fato, uma revelação modificada pelo costume. Este é o padrão que surge desta confusão. A revelação é tomada teoricamente como autoridade, mas na prática é desconsiderada, porque muitas vezes é vista como imperfeita. De modo que temos a atitude irracional de que aquilo que é aceito como autoridade seja rejeitado na vida, e leva-se uma vida de tipo ilógico, superficial, sem qualquer lógica ou razão, sem a base de qualquer sistema racional e definido. Poderemos encontrar na idéia de Dharma uma base mais satisfatória, uma base onde a conduta na vida possa ser construída inteligentemente? Por mais baixo ou mais alto que seja o estágio de evolução ocupado pelo indivíduo, a idéia de Dharma nos dá o pensamento de uma natureza interna desenvolvendo a si mesma em direção a um maior crescimento, e vimos que o mundo como um todo está evoluindo - evoluindo do imperfeito para o perfeito, da semente para o homem divino, estágio por estágio, em todos os graus da vida manifesta. Esta evolução acontece pela vontade divina. Deus é o poder

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propulsor, o Espírito-guia do todo. É o Seu modo de construir o mundo. É o método que Ele adotou a fim de que os Espíritos que são Seus filhos possam reproduzir a semelhança de seu Pai. Esta mesma declaração não aponta para uma lei? A de que o certo é aquilo que atua em concordância com o propósito divino na evolução do universo, e auxilia esta evolução do imperfeito para o perfeito. E a de que o errado é aquilo que atrasa ou frustra este propósito divino, e tende a arrastar o universo de volta para um estágio de onde já saiu. Ele cresce do mineral para o vegetal, do vegetal para o animal, do animal para o homem-animal, e do homem-animal para o homem divino. Certo é o que auxilia a evolução rumo à divindade; errado é o que a puxa para trás ou impede seu progresso. Mas se pensarmos por um momento nesta idéia, talvez consigamos uma visão clara desta lei, e deixemos de sentir desconforto quanto a este aspecto relativo do certo e do errado. Coloquemos uma escada com sua base no chão e seu topo em algum lugar acima do teto. Suponhamos que um de vocês subiu cinco degraus, outro dois, enquanto um terceiro ficou parado no chão. Para o homem que subiu cinco degraus, ficar ao lado daquele que só subiu dois significaria descer, mas para aquele que está no chão significaria subir. Suponhamos que cada degrau da escada represente uma ação: cada uma seria ao mesmo tempo moral e imoral, de acordo como ponto de vista em que olharmos. A ação que seria moral para um homem bruto seria imoral para um homem altamente cultivado. Pois para uma pessoa na parte superior da escada, descer seria ir contra a evolução e, portanto, para ele este ato seria imoral; mas para alguém que estivesse na parte inferior, subir até onde está aquele outro seria moral, porque estaria na linha de sua evolução. E bem pode acontecer de duas pessoas estarem no mesmo degrau, mas uma tendo subido e a outra descido para se encontrarem, sendo o ato moral para uma e imoral para a outra. Percebam isso e começaremos a desvendar nossa lei. Tomemos dois rapazes: um deles é um garoto esperto e intelectual, mas a quem agradam muito as gratificações do corpo, da comida e de tudo que lhe dê prazer sensual. O outro mostra alguma espiritualidade nascente, é brilhante, vivaz e intelectual. Tomemos um terceiro garoto que tem sua natureza espiritual desenvolvida em considerável extensão. Temos três rapazes. Que motivação deveríamos usar para auxiliar a evolução de cada um? Para o garoto que tem prazer nas gratificações sensuais, se dissermos: "Meu filho, tua vida deveria ser uma vida de perfeito altruísmo, tu deverias levar uma vida ascética", ele daria de ombros e iria embora, e eu não o teria ajudado a subir um único degrau da escada. Se eu disser: "Meu jovem, estes teus prazeres te dão um deleite momentâneo, mas arruinarão teu corpo e abalarão tua saúde; olha para aquele homem prematuramente envelhecido, que levou uma vida de indulgências sensuais; este será o teu destino se continuares assim; não seria melhor separar parte de teu tempo para cultivo da mente, aprendendo algo, de modo que venhas a ser capaz de escrever um livro ou compor uma poesia, ou ajudar num dos trabalhos do mundo? Tu poderás conseguir fortuna, saúde e fama, e com isso gratificarás tua ambição; gasta de vez em quando alguma quantia para comprar um livro, em vez de comprar sempre comida". Falando assim, estimulo aquele jovem com a idéia da ambição; uma ambição egoísta, admito, mas nele ainda não existe o poder de responder ao apelo do auto-

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sacrifício. O apelo à ambição é egoísta, mas é um egoísmo de um tipo mais refinado do que a gratificação sensual, e que lhe dá algo para o intelecto, eleva-o da brutalidade, coloca-o no nível do homem que está desenvolvendo o intelecto, e assim o ajuda a subir mais alto na escada da evolução; para ele este seria um preceito mais sábio do que o altruísmo impraticável. Não lhe dá um ideal perfeito, mas sim um ideal adequado à sua capacidade. Mas quando eu chegar junto ao jovem intelectual com uma espiritualidade nascente, lhe apresentarei o ideal de servir seu país; farei deste o seu objetivo e aspiração, em parte egoísta e em parte altruísta, ampliando sua ambição e ajudando em sua evolução. E quando lidar com o jovem de natureza espiritual, abandonarei todas as motivações baixas e apelarei, ao contrário, à eterna lei do auto-sacrifício, à devoção à Vida Única, à veneração dos Grandes Seres e de Deus. Eu lhe ensinarei Discriminação (Vivekah) e Desapego (Vairagya), e assim ajudarei sua natureza espiritual a desenvolver suas infinitas possibilidades. Entendendo assim a moral como coisa relativa, seremos capazes de trabalhar com eficiência. Se falhamos em ajudar cada alma no seu próprio nível é porque somos professores mal-preparados. Em todos os países há certas coisas que são definitivamente assinaladas como erradas, como matar, roubar, mentir, ser vil. Todas elas são reconhecidas como crimes. Esta é a visão geral. Mas não nasce inteiramente dos fatos. Até onde estas coisas são reconhecidas como morais ou imorais na prática? Por que são reconhecidas como erradas? Porque a massa da nação chegou a certo estágio de evolução. Porque a maioria da nação está mais ou menos no mesmo estágio de evolução, e neste estágio reconhece estas coisas como más, como contra o progresso. O resultado é que a minoria, estando abaixo deste estágio, é considerada como sendo constituída de "criminosos". A maioria já chegou a um estágio mais elevado de evolução, e a maioria faz a lei; então aqueles que não podem chegar sequer ao nível mínimo da maioria são acusados como criminosos. Para nós existem dois tipos de criminosos. Um em quem não se pode fazer qualquer tipo de impressão apelando-se a seu senso de certo e errado. O público diz que são criminosos irrecuperáveis. Mas esta visão é equivocada, e nos leva a resultados lamentáveis. Eles são meramente ignorantes, almas subdesenvolvidas, almas infantis, iniciantes na Escola da Vida, e não os ajudamos rebaixando-os ainda mais e brutalizando-os ainda mais, porque eles mal subiram um degrau acima dos animais. Deveríamos usar todos os meios em nosso poder, tudo o que a razão pudesse sugerir, para guiar e ensinar estas almas infantis, para discipliná-las para uma vida melhor; não as tratemos como criminosos irrecuperáveis porque elas são meros bebês ainda no berçário. O outro tipo de criminoso é constituído de pessoas que sentem algum remorso e arrependimento depois de cometer um crime, que sabem que fizeram algo errado. Elas estão em um nível um pouco acima, e podem ser ajudadas a no futuro resistir ao mal pelo próprio sofrimento imposto sobre eles pela lei humana. Falei da necessidade de todo tipo de experiência, a fim de que a alma possa aprender a discernir entre o certo e o errado. Precisamos da experiência do bem e do mal até que possamos distinguir o bem do mal, mas depois de conseguirmos esta distinção a experiência já não é necessária. Quando as

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duas linhas de ação são nítidas diante de você, e você sabe que uma é certa e a outra errada, então se você escolhe a estrada errada você está cometendo um pecado, está indo contra a lei que você conhece e aceita. Uma pessoa neste estágio comete pecados porque seus desejos são fortes demais, impondo-lhe a escolha do caminho que é reconhecido como errado. Ela sofre, e é bom que sofra, se seguir estes desejos. Estando presente o conhecimento do errado, neste momento também existe a degradação deliberada na indulgência ao impulso. A experiência do mal só é necessária antes que o errado seja reconhecido como errado, e a fim de que ele possa vir a ser reconhecido como tal. Quando dois rumos se abrem diante de nós, sem que nenhum deles apareça como moralmente diferente do outro, então podemos seguir qualquer um sem cometer um erro. Mas no momento em que um é reconhecido como errado, seria uma traição a nós mesmos permitirmos que o animal em nós domine o Deus em nós. Este é o verdadeiro pecado; esta é a condição da maioria, mas não de todos, dos que fazem o mal hoje em dia. Passemos disto para um olhar mais detalhado sobre algumas faltas específicas. Por exemplo, o assassinato: vemos que o senso comum faz uma distinção entre tipos de assassinato. Se uma pessoa pega uma faca, em meio a um acesso de fúria, e golpeia seu inimigo, a lei o considera um assassino e o enforca. Se milhares de pessoas pegam suas facas e matam milhares de outras, então dizemos que o assassinato coletivo é uma guerra. E o prêmio para quem mata desta forma é a glória, e não a punição. A mesma multidão que dependura o assassino que matou seu inimigo glorifica aqueles que mataram dez mil inimigos. O que seria esta estranha anomalia? Como podemos explicá-la? Haverá algo que justifique o veredicto da comunidade? Haverá alguma diferença entre os dois atos que justifique o tratamento diferenciado? Sim, existe. A guerra é uma coisa contra a qual a consciência pública protesta cada vez mais, e logo analisaremos este fato do crescimento da consciência pública. Mas ao mesmo tempo que temos de fazer tudo que pudermos para evitar a guerra, ao mesmo tempo que devemos tentar disseminar a paz e educar nossos filhos no amor à paz, há, não obstante, uma diferença real na conduta de quem mata por malícia individual e o assassínio que ocorre em uma guerra; esta diferença tem um alcance tão vasto que devo me demorar um pouco sobre ela. No primeiro caso satisfaz-se um ódio pessoal, e encontra-se uma satisfação individual. No outro caso, o homem que mata não está gratificando nenhum sentimento pessoal, não está servindo a nenhum objetivo pessoal, não está buscando nenhum ganho pessoal. Os homens se matam entre si obedecendo a uma ordem emitida por superiores, em quem recai a responsabilidade pela justificativa da guerra. Em toda a minha vida eu preguei a paz, e tentei mostrar os males da guerra. Mas, não obstante, reconheço que há muita coisa útil na mera disciplina da força militar, que é de vital importância para aqueles que são submetidos a este treinamento. O que aprende o soldado? Ele aprende a obediência às ordens, limpeza, agilidade, precisão, prontidão na ação e no enfrentamento de dificuldades físicas sem lamentos ou murmúrios. Ele aprende a arriscar sua vida, e dar sua vida para uma causa ideal. Não é um treinamento útil na evolução de uma alma? A alma não aproveita nada disso? Quando o ideal do país incendeia o coração, quando a vida é alegremente sacrificada por homens rudes, comuns e incultos, eles podem ser rudes, violentos, bêbados, mas mesmo assim estão passando

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por um treinamento que em vidas futuras os fará homens melhores e mais nobres. Tomemos então uma frase usada por um homem de gênio um tanto estranho, Rudyard Kipling, que em sua obra faz os soldados dizerem que lutarão "pela viúva que está em Windsor" [alusão à Rainha Vitória]. Isso pode soar um tanto rude, mas é bom para o homem que passa fome, que sofre mutilações no campo de batalha, se ele puder se imaginar diante de sua Rainha-Imperatriz, mãe de milhões de pessoas, oferecendo-lhe sua vida, aprendendo pela primeira vez a beleza da fidelidade, da coragem e da devoção. Há esta diferença que, embora mui fracamente discernida pelo público, assinala a distinção entre o assassinato privado e a guerra. Pois o interesse do primeiro caso é pessoal, o do outro pertence ao eu mais vasto - ao eu da nação. Tratando desta questão da moralidade, na prática ficamos muitas vezes aquém desta visão. Há muitos casos de roubo, de mentira, de assassinato, que a lei humana não pune, mas que a lei do Karma registra e devolve a quem os pratica. Muitos atos de roubo vão disfarçados como comércio; muitos atos de burla são chamados de negócios; muitos arranjos refinados de mentiras são chamados de diplomacia. O crime reaparece sob formas surpreendentes, disfarçado e oculto, e os homens têm de aprender a autopurificação vidas após vidas. Então entra em jogo uma outra consideração, antes de analisarmos a essência do pecado - uma consideração que não posso negligenciar de todo - o pensamento e a ação. Há alguns atos que o homem comete que são inevitáveis. Você não entende o que está fazendo quando se permite pensar em uma linha errada. Em pensamento você cobiça o ouro alheio; a todo momento você arrebata com suas mãos imaginárias o que não lhe pertence. Você está construindo o Dharma de ladrão. A natureza interna é o Dharma, e se você constrói esta natureza interna por pensamentos maus, você nascerá com um Dharma que o levará a cometer atos viciosos. Então estes atos serão executados sem questionamento. Vocês fazem alguma idéia de quantos pensamentos existem em nós que acabaram sendo concretizados em atos? Podemos represar a água, evitar que ela flua ao longo do canal, mas no momento em que um buraco é feito na represa, a água acumulada nela fluirá pelo buraco e arrastará a represa junto: o mesmo ocorre com o pensamento e a ação. O pensamento se acumula lentamente por trás da represa por ausência de oportunidade. À medida que pensamos e pensamos, a corrente de pensamentos fica cada vez mais forte por trás da fachada de circunstâncias. Em alguma outra vida a fachada ruirá, e a ação será cometida sem haver qualquer novo pensamento naquela direção. Estes são os crimes inevitáveis que por vezes arruínam uma grande carreira, quando o pensamento do passado colhe seu fruto no presente, quando o Karma do pensamento acumulado se materializa em ação. Se lhes suceder esta situação, e tiverem tempo de parar para pensar, para dizer "Devo fazer isso?", então a ação não será inevitável para vocês. A pausa para pensar significa que podemos colocar o pensamento do outro lado e reforçar a barreira. Não há desculpas para praticarmos quaisquer atos que saibamos ser errados. Só são inevitáveis aqueles atos feitos sem pensamento, onde o pensamento pertence ao passado e a ação ao presente.

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Agora chegamos à grande questão da separatividade: aqui está a essência do erro de qualquer ato. No passado a separatividade era correta. O grande leito da corrente da vida divina estava se dividindo em muitos; era necessário construir centros individuais de consciência. Enquanto um centro necessite ser fortalecido a separatividade está do lado do progresso. Em certo período as almas precisam ser egoístas, em seus primeiros tempos não podem crescer sem serem egoístas. Mas agora a lei da vida em evolução para os mais avançados está na erradicação da separatividade, e na busca da realização da unidade. Hoje estamos nos encaminhando para a unidade, estamos nos aproximando cada vez mais entre nós. Agora devemos nos unir, a fim de seguir em frente. O propósito continua o mesmo, embora agora o método na evolução tenha mudado com a passagem do tempo. A consciência pública está começando a reconhecer que o crescimento de uma nação reside não mais na separação, mas sim na unidade. Estamos tentando substituir a guerra pela arbitragem internacional, a competição pela cooperação, o pisoteamento dos fracos pela sua proteção, e tudo isso porque a linha de evolução é em direção à unidade e não à separatividade. A separação é o sinal da queda na matéria, e a unificação é o sinal da ascensão para o Espírito. O mundo está no caminho ascendente, embora milhares de almas possam estar atrasadas. Hoje o ideal é paz, cooperação, proteção, fraternidade e ajuda. Hoje a essência do pecado reside na separatividade. Mas este pensamento nos leva a um outro teste de conduta. Nossa ação busca ganho pessoal ou promove o bem geral? Nossa vida é egoísta e inútil, ou ajuda a humanidade? Se for egoísta, então está errada, é má, está contra o crescimento do mundo. Se vocês estiverem entre aqueles que contemplaram a beleza do ideal de unidade, e reconheceram a perfeição da humanidade divina que buscamos, então vocês devem matar em si mesmos esta heresia da separatividade. Quando analisamos muitos dos ensinamentos do passado e vemos a conduta dos Sábios, surgem certas questões de moralidade que alguns acham bem difíceis de explicar. Levanto aqui este problema porque posso sugerir-lhes a linha de pensamento pela qual se pode defender os Shâstras de críticas e que lhes possibilitará aproveitar os ensinamentos sem confusão. Um grande Sábio não é sempre, em sua conduta, um exemplo que o homem comum deveria tentar seguir. Quando falo agora de um grande Sábio, quero dizer alguém em quem todo desejo pessoal está morto, que não é atraído por nenhum objeto neste mundo, cuja vida é toda obediência à lei divina, que se oferece como um dos canais da força divina para auxílio do mundo. Ele desempenha a função de um Deus, e as funções dos Deuses diferem muito das funções dos homens. A Terra é cheia de todo tipo de catástrofes - guerras, terremotos, fome, pestilências, pragas. Quem as causa? Não há outra causa em um universo de Deus exceto o próprio Deus, e estas coisas que parecem tão terríveis, tão chocantes, tão penosas, são Seus modos de nos ensinar quando estamos agindo mal. Uma praga ceifa milhares de vidas de um país. Uma grande guerra espalha seus milhares de mortos no campo de carnificina. Por quê? Porque aquela nação desconsiderou a lei divina de seu crescimento, e deve aprender sua lição pelo sofrimento, se não a aprender pela razão. A praga é o resultado da desconsideração das leis de saúde e de vida higiênica. Deus é

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misericordioso demais para permitir que uma lei seja violada pelos desejos e fantasias e sentimentos de homens que evoluem lentamente, sem lhes chamar a atenção para aquilo que negligenciaram. Estas catástrofes são orquestradas pelos Deuses, pelos agentes de Ishvara, que, invisíveis mas espalhados por todo o mundo, administram a lei divina, assim como os magistrados administram as leis civis. Exatamente porque eles são administradores da lei e atuam impessoalmente, suas ações não são um exemplo a ser seguido mais do que a ação do juiz que aprisiona um criminoso é um exemplo para demonstrar que uma pessoa comum pode vingar-se de seu inimigo. Vejamos, por exemplo, o grande Sábio Nârada. Nós o encontramos incitando a guerra, quando dois países chegaram a um ponto onde o bem maior para cada um só poderia ser conseguido através das lutas da guerra, e pela conquista de um pelo outro. Corpos são mortos, e para os que morrem é a melhor ajuda que seus corpos sejam descartados e que em novos corpos eles possam ter maiores possibilidades de crescimento. Os Deuses ocasionam as batalhas em que morrem milhares de pessoas. Para nós, imitá-los seria mau, pois incitar a guerra buscando conquistas ou ganhos, ou ambicionando coisas ou objetos onde a personalidade é quem fala, seria pecaminoso. Mas não é o caso de Nârada, porque Devarishis [grandes santos] como ele estão ajudando o mundo ao longo do caminho da evolução através da remoção de obstáculos. Entenderemos algo das maravilhas e mistérios do universo quando soubermos que as coisas que parecem más do lado da forma são boas do lado da vida; tudo o que acontece é para o bem maior. "Há uma divindade que modela nossos fins, aceitemo-los como pudermos". A religião está certa quando diz que Deus governa o mundo e guia as nações, e dirige e mesmo força as nações no caminho correto quando elas se extraviam. Um homem, altamente personalista e atraído pelos objetos de desejo, cujo eu é todo Kâma [Desejo], um tal homem, quando comete um ato instigado por

Kâma, amiúde comete um crime; mas o mesmo ato cometido por uma alma liberta, livre de todo desejo, cumprindo uma ordem divina, seria uma coisa correta. No completo descrédito em que hoje caíram os atos dos Deuses, tais palavras podem soar estranhas, mas não existe nenhuma energia na natureza que não seja a manifestação física de um Deus cumprindo a vontade do Supremo. Esta é a visão verdadeira da natureza. Nós só vemos do lado da forma, cegos por Mâyâ, e chamamos algo de mal; mas os Deuses, quando destróem as formas, estão limpando o caminho dos obstáculos que impedem a evolução. Aqui podemos entender uma ou duas outras questões que muitas vezes são lançadas em nosso rosto por aqueles que têm uma visão superficial das coisas. Suponhamos um homem que deseja cometer um pecado, mas é impedido somente pela pressão das circunstâncias; suponhamos que o desejo fica cada dia mais forte; o que seria melhor para ele? Seria ele ter a oportunidade de colocar em prática o desejo. Cometer um crime? Sim, mesmo um crime é menos danoso para a alma do que um pensamento contínuo a respeito, como se fosse um câncer a corroer o coração da vida. Uma vez empreendido, o ato está morto, e o sofrimento que segue ensina a lição necessária, mas o pensamento é gerador e vivo. [Isso não significa que uma pessoa deva cometer um crime, mas sim que deve lutar contra ele. Enquanto ele lutar, será

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bom, pois estará ganhando forças. O caso referido é onde não há luta, onde o homem está procurando praticar a ação mas lhe falta oportunidade. Em tal caso, o quanto antes se oferecer a oportunidade, melhor para o homem; o longo desejo se realiza, depois traz seu sofrimento, o homem aprende a lição necessária e é purgado de um veneno moral que poderia crescer cada vez mais]. Compreendem? Se sim, então entenderão o motivo, nas Escrituras, de Deus colocar no caminho de uma pessoa a oportunidade de cometer um pecado que o homem deseja cometer, e de fato já o cometeu em seu coração. Sem dúvida ele sofrerá por seu pecado, mas com o sofrimento ele compreenderá o que sucede a quem pratica o mal. Se aquele pensamento maligno fosse deixado a crescer no coração, ficaria cada vez mais forte, e acabaria por destruir toda a natureza moral do homem. Pois isso é como um câncer que, se não for removido rapidamente, envenenará todo o corpo. É, pois, muito mais misericordioso que um tal homem peque e sofra, do que ele fique a desejar e seja impedido pela mera falta de oportunidade, e assim produza uma inevitável degradação para suas vidas futuras. Da mesma forma, se uma pessoa está fazendo um progresso rápido, mas houver alguma fraqueza oculta em si, ou algum Karma passado ainda não esgotado, ou algum ato mau não expiado, aquela pessoa não pode ser liberada enquanto o Karma não for esgotado, enquanto houver algum débito pendente. Qual seria a coisa mais misericordiosa a fazer com ele? Ajudar esta pessoa a pagar seu débito na angústia e na degradação, de modo que na miséria subseqüente à falta ele possa esgotar seu Karma do passado. Significa que seu caminho terá sido limpo de um obstáculo que impedia sua libertação, e Deus lhe põe esta tentação no caminho para quebrar as últimas barreiras. Não tenho tempo de entrar nos detalhes desta linha de pensamento tão fértil, mas peço que vocês por si a desenvolvam e verifiquem o que ela significa, e como ela ilumina os obscuros problemas do crescimento e as quedas dos santos. Depois de a terem assimilado, vocês poderão ler livros como o Mahâbhârata, e entenderão a atuação dos Deuses nos assuntos humanos; vocês verão os Deuses atuando através das tempestades e do sol, na paz e na guerra, e saberão que tudo o que sucede, seja para a pessoa, seja para o país, é bom, pois a mais nobre sabedoria e o mais terno amor é quem guia tudo para sua meta indicada. Agora chego à última palavra - uma palavra que ouso pronunciar-lhes, a vocês que tem estado a escutar com paciência em um assunto tão difícil e abstruso. Há uma nota ainda mais alta: saibam que existe uma meta suprema, e no último trecho em sua direção nem o Dharma pode mais nos guiar. Tomemos algumas palavras maravilhosas do grande Mestre, Shri Krishna, e vejamos como, em Sua instrução final, Ele fala de algo ainda mais excelso do que qualquer coisa que sequer tenhamos ousado abordar. Eis Sua mensagem de paz: "Ouvi, mais uma vez, Minha palavra suprema, a mais secreta de todas; amo-vos todos, portanto falarei em vosso benefício. Mergulhai vosso Manas [Mente] em Mim, oh devotos, sacrificai a Mim, prostrai-vos diante de Mim, e chegareis a Mim. Abandonando todos os Dharmas, buscai refúgio em Mim somente; não vos entristeçais, eu vos libertarei de todos os pecados" (Bhagavad-Gîtâ, XVIII, 64-66).

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Minhas últimas palavras são endereçadas só àqueles que levam aqui a vida no supremo desejo de se sacrificarem a Ele; estes têm o direito a estas últimas palavras de esperança e paz. Então é alcançado o fim do Dharma. Então o homem já não deseja nada exceto o Senhor. Quando a alma atingiu este estágio de evolução, quando já não pede nada do mundo, mas se entrega totalmente a Deus, quando eliminou todos os apelos do desejo, quando o coração obteve a liberdade através do amor, quando todo seu ser se prostra aos pés do Senhor - então, todos os Dharmas o abandonam, eles já não lhe dizem respeito; para este já não se aplicam as leis do crescimento, o equilíbrio do dever, a análise da conduta. Este se entregou ao Senhor. Nele já não existe nada que não seja divino. Que Dharma pode restar para quem se uniu ao Senhor, que já não é um eu separado? Sua vida imerge na d'Ele, Sua vida é sua; ele pode viver no mundo, mas só como instrumento do Senhor. Ele é todo de Deus. Sua vida é a de Ishvara, e o Dharma já não pode reclamar nada dele. Sua devoção o libertou, pois sua vida se oculta em Deus. Esta é a palavra do Mestre. Este é o último pensamento que deixo com vocês. E agora, meus irmãos, adeus. Nosso trabalho junto está feito. Depois de uma apresentação imperfeita de um assunto grandioso, posso lhes dizer: prestem atenção ao pensamento na mensagem, e não a quem a transmite, pois é só seu mensageiro; abram seus corações ao pensamento, e esqueçam as imperfeições dos lábios que o transmitiram. Lembrem que à medida que ascendemos para Deus, devemos tentar transmitir para nossos irmãos, mesmo que fracamente, algum toque da vida que buscamos. Portanto esqueçam quem fala, mas lembrem a mensagem. Adorem a Deus, cujo ensinamento estivemos estudando, e por caridade perdoem as faltas da serva que o repetiu.

PAZ A TODOS OS SERES