Diagnóstico e Manejo de Recursos Arqueológicos Em Unidades de Conservação Uma Proposta Para o...
-
Upload
veio-dasarmas -
Category
Documents
-
view
251 -
download
0
description
Transcript of Diagnóstico e Manejo de Recursos Arqueológicos Em Unidades de Conservação Uma Proposta Para o...
-
UNIVERSIDADE DE SO PAULOFACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
MUSEU DE ARQUEOLOGIA E ETNOLOGIA
Larcio Loiola Brochier
Diagnstico e manejo de recursos arqueolgicos em Unidades de Conservao: uma proposta para o
litoral paranaense
So Paulo2004
-
Larcio Loiola Brochier
DIAGNSTICO E MANEJO DE RECURSOS
ARQUEOLGICOS EM UNIDADES DE CONSERVAO: UMA PROPOSTA PARA O LITORAL PARANAENSE
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, para obteno do ttulo de Mestre em Arqueologia.Instituio: Museu de Arqueologia e Etnologia da USP.
Orientador: Profa. Dra. Marisa Coutinho Afonso
So Paulo2004
-
ii
AGRADECIMENTOS
Tantos foram os acontecimentos e convivncias durante o perodo de elaborao
deste trabalho, que para mim literalmente representaram uma vida. S tenho a agradecer e
dividir a minha satisfao com todos que direta ou indiretamente participaram do meu
restabelecimento enquanto estive enfermo, e da minha nova caminhada representada aqui
por esta dissertao. Certamente no ser possvel nomear todos aqueles que me foram
solidrios e companheiros. Assim, neste contexto, destaco apenas genericamente os meus
familiares, os amigos prximos e distantes, e ainda, aos muitos colegas e professores do MA E-USP que prestaram um incrvel apoio naqueles momentos mais difceis.
Registro agora, os agradecimentos especiais a algumas pessoas e instituies que
contriburam decisivamente para a estruturao, continuidade e f inalizao desta pesquisa.
O primeiro reconhecimento e agradecimento direciona-se Profa. Dra. Marisa
Coutinho Afonso, orientadora paciente e amiga, pelo seu sincero e explcito interesse na
transmisso de conhecimentos e, pela excepcional capacidade de compreenso e
atendimento a um orientando pouco exemplar.
Gostaria de citar com destaque os professores, Erika M. Robrahn-Gonzlez, Paulo
Dantas De Blasis, Margarida Davina Andreatta e Jos Luiz de Morais, a todo o incentivo
profissional e pessoal recebido.
Agradeo a Astolfo Arajo, pelo apoio e as importantes orientaes fornecidas nos
poucos contatos que tivemos. Destaco ainda o seu exemplo como arquelogo dedicado e
perspicaz.
Sandra Nami, minha grande amiga, pelos seus conselhos, por sua atitude alegre e
sempre carinhosa, apesar dos tapinhas. Agradeo ainda, sua pronta disposio de me
acolher como hspede em sua casa.
A todos os colegas do MAE, especialmente Juliana e Lucas Bueno, Enrique
Pozzi, Andrei Isnardis, Fernando (caminho), Julia, Patrcia, Elisangela, Robson,
Joo, Marcelo Gomes, Luciane Kamase, Flavio Calippo, Gilson Rambeli, Camila
Souza, entre outros, que sempre fizeram de minha estada em So Paulo uma
permanncia muito agradvel.
Aos colegas paranaenses de mestrado e grandes companheiros de viagens,
Antonio Cavalheiro, que prestou ajuda imprescindvel de campo, disponibilizando
ainda, equipamentos e informaes histricas importantes. Rucirene Miguel,
tambm uma sobrevivente, pelo seu exemplo de perseverana em batalhar pelo
-
iii
que certo. E, a Luiz Fernando Erig Lima, pela amizade sincera e apoio
incondicional.
Ao astrnomo Alcides Cores, que alterou seu olhar do cu para o solo, me
ajudando nas atividades prospectivas de campo.
Ao Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de So Paulo, principalmente
aos professores, pessoal da Secretaria Acadmica, bibliotecrias e funcionrios.
Ao CEPA/UFPR pelos bons anos de trabalho, que possibilitaram meu
crescimento profissional. Agradeo em especial ao Professor Igor Chmyz, exemplo
de dedicao Arqueologia.
Sociedade de Proteo em Vida Silvestre (SPVS) por todo o amparo
logstico e financeiro para a realizao dos trabalhos arqueolgicos. Ao
LABSIG/SPVS pela confeco de mapas e alguns produtos. Em especial, agradeo
aos coordenadores Ricardo (Mestre) e Andr, cuja empolgao com a arqueologia
me deixou bastante sensibilizado.
Finalizo com o agradecimento aos funcionrios e administradores das
Reservas Itaqui e Cachoeira, que me acompanharam em campo, revelando-se
ainda, fonte constante de informaes sobre os vestgios histricos nas reas
pesquisadas.
RESUMO
-
iv
BROCHIER, L.L. Diagnstico e manejo de recursos arqueolgicos em Unidades de Conservao: uma proposta para o litoral paranaense. 2004. 165f. Dissertao (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2004.
Este trabalho objetivou a elaborao de uma proposta para o diagnstico de
recursos arqueolgicos das Reservas Naturais Serra do Itaqui e Cachoeira (litoral
norte paranaense), sob o enfoque da insero do Patrimnio Histrico-Arqueolgico
no planejamento ambiental de Unidades de Conservao (UCs) no Brasil. So
apontadas perspectivas metodolgicas para a planificao, levantamento e
avaliao arqueolgica regional, tendo por base o uso de mtodos oportunsticos e
critrios explcitos de visibilidade e acessibilidade dos recursos. Tencionou-se com
isso, discutir formas mais apropriadas para o diagnstico das potencialidades e
fragilidades existentes, com vistas a apontar diretrizes prioritrias para o manejo e
gesto de bens arqueolgicos nas reas de proteo integral ou de uso
regulamentado, seja sob domnio pblico ou privado. As principais avaliaes
realizadas a partir dos 66 stios arqueolgicos identificados, compreenderam: a
anlise comparativa dos fatores de degradao; o prognstico de reas e atividades
crticas; a definio de critrios de significncia e prioridade e; a identificao das
potencialidades de uso e preservao dos bens culturais. Por sua vez, a utilizao
de parmetros associados ao uso e ocupao do solo (remanescente, atual e
futuro), bem como o exame das caractersticas ambientais das reas, permitiu
caracterizar normas para um zoneamento arqueolgico mais adaptado s demandas
do ordenamento territorial nas UCs. Finalmente, foram apontados subsdios e
recomendaes gerais para a gesto e manejo de recursos arqueolgicos,
considerando ainda, as diferenas de avaliao em cada reserva.
PALAVRAS-CHAVE
Arqueologia Conservacionista - Diagnstico Arqueolgico Mtodos de
Levantamento Regional Unidades de Conservao Gesto de Recursos
Culturais
-
vSUMRIO
AGRADECIMENTOS.............................................................................ii
RESUMO..............................................................................................iii
LISTA DE TABELAS ..........................................................................viii
LISTA DE QUADROS........................................................................... ix
LISTA DE FIGURAS.............................................................................. x
CAPTULO 1 INTRODUO ........................................................................1
1.1 Justificativas, Hiptese e Objetivos .............................................................................5
1.2 Apresentao das reas de Estudo .............................................................................9
1.3 Unidades de Conservao: histrico, categorias de manejo e a insero dos valores scio-culturais.......................................................................................................12
CAPTULO 2 PLANIFICAO REGIONAL: ENQUADRAMENTO, DEFINIO DOS TERMOS E A OPO DO MTODO............................................................... 20
2.1 Pressupostos para a planificao regional da pesquisa.........................................28
2.2 Tcnicas probabilsticas versus tcnicas oportunsticas: necessidade da explicitao..........................................................................................................................30
2.3 Especificidades espaciais e temporais das UCs e suas implicaes metodolgicas.....................................................................................................................34
2.4 Parmetros para o registro arqueolgico regional...................................................37
2.5 Unidades de anlise arqueolgica: proposta para o parcelamento territorial em UCs........................................................................................................................................40
2.6 O desenvolvimento dos trabalhos de campo............................................................47
CAPTULO 3 ESTUDOS PRVIOS SOBRE O POTENCIAL HISTRICO-ARQUEOLGICO REGIONAL E LOCAL.......................................................... 51
3.1 A Etno-Histria do Litoral Norte Paranaense ............................................................523.1.1 Roteiro Histrico por Bacias Hidrogrficas........................................................65
3.2 Levantamentos e Pesquisas Arqueolgicas Anteriores..........................................73
-
vi
CAPTULO 4 LEVANTAMENTOS E AVALIAES DE CAMPO: O DIAGNSTICO DAS FRAGILIDADES E POTENCIALIDADES............................................................81
4.1 Levantamento Arqueolgico de Campo.....................................................................81
4.2 Anlise dos Fatores de Degradao de Stios Arqueolgicos................................864.2.1 Bioturbao.............................................................................................................864.2.2 Processos Erosivos ...............................................................................................874.2.3 Impacto Humano Remanescente..........................................................................884.2.4 Impacto Humano Direto (Atual).............................................................................89
4.3 Prognstico de Atividades e reas Crticas..............................................................96
4.4 Avaliao de Criticidade/Prioridade ...........................................................................98
4.5 Potencialidades...........................................................................................................1034.5.1 Pesquisa, Conservao e Proteo....................................................................1034.5.2 Educao Ambiental/Patrimonial .......................................................................1054.5.3 Uso Pblico e Desenvolvimento Sustentvel ...................................................108
CAPTULO 5 PROPOSIES PARA O MANEJO E GESTO DO PATRIMNIO ARQUEOLGICO NAS RESERVAS ITAQUI E CACHOEIRA ..................................113
5.1 Subsdios e Recomendaes Gerais........................................................................1165.1.1 Pesquisas Prioritrias..........................................................................................1165.1.2 Envolvimento e Participao Comunitria........................................................1175.1.3 Inspees Peridicas...........................................................................................1185.1.4 Plano de Conservao dos Stios.......................................................................1185.1.5 Processos Erosivos .............................................................................................1195.1.6 Manejo da Vegetao ...........................................................................................1195.1.7 Delimitao e Proteo das reas de Entorno .................................................1205.1.8 Pesquisas e Escavaes Arqueolgicas...........................................................1205.1.9 Stios Arqueolgicos em Exposio..................................................................121
RESULTADOS E DISCUSSES DO DIAGNSTICO ARQUEOLGICO ................... 122
REFERNCIAS ........................................................................................ 130
ANEXO 1 : MAPA HISTRICO DO LITORAL NORTE PARANAENSE................... 139
ANEXO 2: Mapa de stios arqueolgicos identificados na RESERVAITAQUI (Elaborao LABSIG-SPVS).................................................. 142
ANEXO 3: Mapa de stios arqueolgicos identificados na RESERVA CACHOEIRA (Elaborao LABSIG-SPVS)......................................... 144
ANEXO 4: Amostras do registro fotogrfico....................................... 146
-
vii
ANEXO 5: Quadro com os atributos de anlise da RESERVA ITAQUI 153
ANEXO 6: Quadro com os atributos de anlise da RESERVA CACHOEIRA ...................................................................................... 158
-
viii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Dinmica populacional nos anos e 1815 e 1838 na regio de Paranagu ...........62
Tabela 2: Quantif icao dos Fatores de degradao existentes nas ocorrncias arqueolgicas levantadas na Reserva Natural Itaqui................................................90
Tabela 3: Quantif icao dos Fatores de degradao existentes nas ocorrncias arqueolgicas levantadas na Reserva Natural Cachoeira. .......................................91
Tabela 4: Relao entre as reas de ocorrncias, avaliaes de prioridade (1 ordem em vermelho e 2 ordem em azul ou roxo), e o prognstico de atividades criticas nas Reservas Itaqui e Cachoeira....................................................................................102
Tabela 5: Representatividade dos fatores de degradao mais crt icos em cada reserva, em relao as ocorrncia de 1 ordem (avaliao da Criticidade/Prior idade)..............128
-
ix
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Descrio das principais Unidades Conservao Brasileiras tidas como de Proteo Integral (retirado de MMA, 2003). ..............................................................16
Quadro 2 - Descrio das principais Unidades Conservao Brasileiras tidas como de Uso Sustentvel (retirado de MMA, 2003) ........................................................................17
Quadro 3 - Atributos de signif icao para a avaliao dos registros arqueolgicos, com a indicao das possibilidades de soma de pontos que sero utilizados na definio da Signif icncia Geral. ...............................................................................................46
Quadro 4: Critrios para o estabelecimento da ordem de Pr ioridades (P) entre as ocorrncias arqueolgicas avaliadas nas Reservas Itaqui ( I) e Cachoeira (C) e a quantif icao correspondente....................................................................................99
Quadro 5: Tabela de Avaliao de Crit icidade/Prioridade para a Reserva Itaqui. As cores identif icam os critrios para o estabelecimento das prioridades. ...........................100
Quadro 6: Tabela de Avaliao de Crit icidade/Prioridade para a Reserva Cachoeira. As cores identif icam os critrios para o estabelecimento das prioridades...................101
Quadro 7: Procedimentos para o manejo da vegetao em s tios arqueolgicos (modif icado de OLIV EIRA, 2000:182, adaptado de HA MEL & JONES, 1982). .........................120
-
xLISTA DE FIGURAS
Figura 1: Disposio das Reservas no Estado do Paran (fonte LABSIG/SPVS) .................10
Figura 2: Posicionamento das Reservas (elipses) junto a rea de Proteo de Guaraqueaba (linha cinza), no contexto do Litoral Paranaense e Planalto Curit ibano (fonte LABSIG SPVS, adaptado) .............................................................11
Figura 3: Mapa dos acessos principais as Reservas Naturais Serra do Itaqui e Cachoeira (fonte LABSIG SPVS, adaptado) ...............................................................................12
Figura 4: Mapa da pr imeira metade do sc. XIX, mostrando as principais localidades existentes na regio do rio Cachoeira e Faisqueira. .................................................66
Figura 5: Detalhe do Mapa anterior, com aproximao da regio do Limoeiro, observando-se a presena de um antigo salto junto ao rio Cachoeira. .............................................67
Figura 6: Sambaquis cadastrados em pesquisas anteriores nas proximidades da Reserva do Itaqui (segundo PA RELLADA & GOTARDI NETTO, 1993). .....................................80
Figura 7: Sambaquis cadastrados em pesquisas anteriores nas proximidades da Reserva Cachoeira (segundo PA RELLA DA & GOTARDI NETTO, 1993). .............................80
Figura 8: Visualizao quantitativa dos tipos culturais identif icados nas Reservas ...............84
Figura 9: Comparao das avaliaes da signif icncia geral dos stios arqueolgicos em ambas as reservas.....................................................................................................85
Figura 10: Visualizao das relaes entre os tipos de fatores degradantes e a quantidade de stios afetados em cada Reserva. ........................................................................92
Figura 11: Comparativo dos fatores de degradao das Reservas Itaqui e Cachoeira. As linhas tracejadas correspondem tendncia mdia dos valores percentuais. ........93
Figura 12: Exemplo de Cermica Tupiguarani, com pintura em motivos geomtricos (fonte:HERA NA, 1994) ..........................................................................................111
Figura 13: Peas e fragmentos cermicos da Tradio Neobrasileira, localizados na reserva Itaqui. ........................................................................................................................112
Figura 14: Quadro indicando os principais atributos para o plano de gesto e manejo de stios arqueolgicos na Reservas Itaqui e Cachoeira (em parte adaptado de Oliveira, 2000). .........................................................................................................115
-
CAPTULO 1 INTRODUO
O permanente parece estar sempre fitando o transitrio com certa
superioridade que paira entre zombaria e tolerncia, e assim eu, velho
homem, me sinto analisado e observado por essa vastido [...], tolerado
com u m pouquinho de ironia, sem me sentir humilhado.
Hermann Hesse
O estudo em questo compreende a expectativa do aperfeioamento de abordagens
voltadas ao diagnstico arqueolgico para f ins de plano de manejo em reas naturais
protegidas ou de uso regulamentado. Tal proposio surgiu em um contexto atual de
demandas especf icas no Brasil, cujo enfoque almeja a insero dos recursos arqueolgicos
na prxis do planejamento e gesto ambiental em Unidades de Conservao (UCs), estando
portanto, associada principalmente arqueologia denominada conservacionista
(conservancy archaeology).
Foi a partir da relativa experincia do autor em levantamentos e avaliaes
arqueolgicas para Estudos de Impacto Ambiental (EIA-RIMAs diversos), ou ainda, em
algumas proposies de zoneamento arqueolgico de reas urbanas (CHMYZ; BROCHIER,
1999)1 ou stios especf icos (CHMYZ; CHMYZ J.; BROCHIER, 1999), que permitiu o
vislumbre das problemticas existentes para o diagnstico e manejo de bens patrimoniais
em amplos espaos territoriais, com grande diversidade ambiental e de ocupao humana.
Ainda, considerando o escopo deste trabalho, revelaram-se importantes dois estudos mais
recentes realizados em reas naturais e antropizadas no litoral paranaense, cujos propsitos
interpunham questes de compatibilizao entre as necessidades scio-econmicas e
desenvolvimentistas dessas reas, com as exigncias legais da conservao ambiental e
patrimonial.
-
2Um primeiro momento de introspeco metodolgica foi realizado durante a
execuo do diagnstico para o EIA Rima das Estaes de Tratamento de Esgoto (ETEs)
nos municpios litorneos de Matinhos e Pontal do Paran (primeiro semestre de 2002).
Nessa ocasio, com o intuito de avaliar o potencial arqueolgico em uma ampla faixa da
plancie costeira, foram abordados terrenos com grandes diferenas no contexto natural e
de uso antrpico recente (ambientes de matas de restinga, mangues, zonas urbanas,
balnerios e reas tursticas, uma rea insular, etc). Tais condies implicavam na adoo
de diferentes tcnicas prospectivas, tanto sistemticas quanto oportunsticas, de modo a
avaliar as reais possibilidades de impacto ou r isco ao patrimnio arqueolgico. No entanto,
foram verif icadas situaes de inviabilidade de observao superficial (ou mesmo sub-
superficial) em ambientes como os de brejos intercordes, cobertos com mata fechada e
solos encharcados. Em contraste, os setores com solos expostos, como nas laterais da
Rodovia das Praias (recm abertas e limpas) ou nos barrancos erosivos situados no
contato com guas marinhas, permitiram a deteco rpida de ocorrncias, inclusive
aquelas situadas a uma certa profundidade.
Naquele contexto, as caractersticas do uso do solo e cobertura f lorstica alterara m
sensivelmente as condies de visibilidade e acessibilidade do registro arqueolgico, o que
em muitos casos favorecia a deteco de stios, porm comprometiam a qualidade da
amostragem dos recursos nos diferentes setores prospectados. Assim, a necessidade de
compatibilizar o crescimento e o saneamento das reas urbanas com preservao de
recursos culturais, muitos dos quais ainda desconhecidos, implicava na capacidade do
diagnstico arqueolgico em no apenas apontar stios, mas avaliar o potencial preditivo
para sua ocorrncia nas diversas reas impactadas pelo empreendimento.
Adotou-se ento uma perspectiva de incorporao dos principais fatores
tendenciantes (no caso, aspectos de visibilidade e acessibilidade) como unidades de
amostragem arqueolgica, o que permitiu reduzir os seus efeitos danosos no
1 No publicado.
-
3desenvolvimento das prospeces e nos resultados do levantamento. Como exemplo, foram
utilizadas as prprias feies atuais de exposio de solos existentes nas reas de estudo
(barrancos, trilhas, estradas, valas de drenagem, etc), como verdadeiras trincheiras ou
transects de observao superficial e subsuperficial controlada.
Desta forma, optou-se pela descrio e mensurao, por fotos areas recentes e
dados de campo, das feies de exposio de solos (extenso e profundidade), objetivando
utiliz-las como elementos explcitos de avaliao arqueolgica amostral. Assim foi
possvel controlar algumas atividades prospectivas, direcionando-as somente para algumas
feies distribudas eqidistantemente pela rea.
Em um segundo momento, proporcionado pelos estudos de consultoria para o Plano
de Manejo e Zoneamento Ecolgico-Econmico (ZEE) da rea de Proteo Ambiental
(APA) de Guaratuba (segundo semestre de 2002), as problemticas para o diagnstico
arqueolgico se intensif icaram. Os quase 200.000 ha da APA, que abrangiam desde a
ambientes estuarinos da baia de Guaratuba at parcelas amplas da Serra do Mar, tambm
apresentavam intensa ocupao humana em alguns locais (considerando que as APAs
podem admitir o uso direto do solo e a presena de propriedades particulares). Em virtude
da grande extenso das reas a serem cobertas e dos objetivos do levantamento (gesto e
manejo dos recursos arqueolgicos), foram selecionadas zonas amostrais consideradas
mais frgeis do ponto de vista arqueolgico-ambiental e que pudessem fornecer os
elementos necessrios para uma avaliao das problemticas e potencialidades existentes.
Como no estudo anterior, as particularidades de uso e ocupao do solo, que
propiciavam as diferenas mais sensveis em termos de visibilidade e acessibilidade das
reas, tambm nortearam explicitamente as atividades de campo. Porm desta vez, os
elementos tendenciantes na amostragem (ex. barrancos de estradas, valas de drenagem,
zonas aradas, ravinamentos erosivos, trilhas, atracadouros, cercas, etc) foram considerados
como fatores positivos, pois destacavam e sobrelevavam os registros arqueolgicos com
maior fragilidade (perturbados por processos erosivos, revolvimentos de solo, construo de
-
4estradas e infra-estruturas rurais, etc.) ou aqueles mais aptos a um futuro uso e manejo
(situados em locais mais acessveis visitao, por exemplo). Assim, tais fatores
proporcionaram uma caracterizao rpida e objetiva de reas arqueolgicas, registradas a
partir de uma abordagem essencialmente oportunstica e enfocada na preeminncia das
aes a serem implementadas na rea.
Por sua vez, o enfoque sobre o uso e ocupao do solo, em contraponto aos
aspectos naturais e de biodiversidade da rea de estudo (ecossistemas florsticos e
faunsticos, clima, compartimentos geomorlgicos, geologia e solos, etc), tambm se
mostrou como fator imprescindvel na definio do Zoneamento Ecolgico-Econmico (ZEE)
da APA de Guaratuba, revelando-se um componente de reflexo comum entre as
abordagens ambientais e arqueolgicas.
A partir desses estudos, quatro questes surgiram como necessidades para futuros
levantamentos em Unidades de Conservao (UCs): 1) Haveria formas de aprimorar os
levantamentos por mtodos oportunsticos de maneira a promover diagnsticos
arqueolgicos direcionados s especif icidades e objetivos das UCs no Brasil? 2) Como
avaliar as fragilidades e potencialidades dos recursos arqueolgicos, considerando a
utilizao de critrios como signif icncia arqueolgica, dinmica de fatores naturais e uso do
solo (remanescente, atual e futuro)? 3) Considerando o elevado potencial predit ivo de
determinadas reas e o expressivo nmero de ocorrncias arqueolgicas identif icadas em
trabalhos de campo (73 stios na APA de Guaratuba), como seria possvel estabelecer
critrios para priorizar as aes preservacionistas ou de manejo nos variados tipos de st ios,
ou nas diferentes zonas potenciais? 4) Quais as anlises mais apropriadas para a
espacializao das problemticas e potencialidades associadas aos recursos arqueolgicos,
de forma a promover um zoneamento mais adequado s realidades e propsitos das UCs?.
No presente estudo, realizado junto ao Plano de Manejo da Reservas Naturais Serra
do Itaqui e Cachoeira, no litoral norte do Paran, estas e outras questes foram testadas
permitindo a apresentao de uma proposta de diagnstico arqueolgico para Unidades de
-
5Conservao no Brasil. Entretanto, considerando a ampla diversidade das categorias de
manejo existentes, seja nas UCs de Proteo Integral (Estaes Ecolgicas, Parques, etc)
ou nas de Uso Regulamentado (APAs, Reservas Extrativistas, etc), a pesquisa ir se deter
sobre aspectos prprios da regio costeira do Estado do Paran, onde as caractersticas
antrpicas, ambientais e de evoluo f isiogrfica, permitem um enfoque de delimitao
regional.
Embora a condio atual das reas estudadas corresponda a simples reservas
particulares, existe a proposio futura do seu enquadramento como UCs, ou seja, como
Reservas Particulares do Patrimnio Natural (RPPNs, ver item 1.3). Entretanto, tais
Reservas encontram-se inseridas na rea de Proteo Ambiental (APA) de Guaraqueaba,
constituindo pores signif icativas desta UC no Litoral Norte Paranaense. Assim, os estudos
apresentados j consideram tais reas como UCs, embora ainda no estejam sob as
normas regimentais determinadas pelo poder pblico para RPPNs .
1.1 Justificativas, Hiptese e Objetivos
Dois motivos gerais justif icam a pesquisa: um de natureza terica que compreende a
necessidade da estruturao e explicitao de critrios para o levantamento, avaliao e
manejo dos recursos culturais em reas naturais protegidas, o que permitir definir tcnicas
e mtodos voltados especif icamente insero dos bens histrico-arqueolgicos no
planejamento ambiental de Unidades de Conservao no Brasil.
O segundo motivo, de natureza prtica ou empr ica, est relacionado prpria
carncia de levantamentos mais detalhados sobre os stios arqueolgicos na regio
litornea do Estado do Paran, mas principalmente, demanda existente nas reas de
estudo (Reservas Naturais Serra do Itaqui e Cachoeira), que compreende a necessidade de
-
6avaliaes arqueolgicas para f ins de Zoneamento Ambiental e Plano de Manejo nessas
reas.
Com base nas justif icativas acima e nas problemticas gerais apresentadas no texto
introdutrio, surgiram perguntas relacionadas a questes mais especf icas que nortearam a
realizao do presente estudo:
Considerando as diferenas de objetivos entre a arqueologia praticada nas
Avaliaes de Impacto Ambiental (AIA), nas pesquisas de carter interpretativo (incluindo
aquelas associadas a resgates arqueolgicos) e nos estudos para Zoneamento Ambiental,
como esses distintos enfoques podero refletir propostas metodolgicas de levantamento
regional em UCs?
Considerando as caractersticas de proteo e uso restritivo das UCs, bem
como suas especificidades temporais e espaciais de implementao e regularizao, quais
os fatores mais relevantes a serem apontados em um diagnstico arqueolgico preliminar
dessas reas ?
Como poderiam ser distribudas as unidades de anlise para o levantamento
arqueolgico, adotando-se fatores como visibilidade e acessibilidade diferencial. De que
forma a escolha dessas unidades afetar os resultados do diagnstico arqueolgico e as
proposies da resultantes?
Considerando as abordagens no sistemticas como favorveis a
identificao e avaliao de fragilidades e potencialidades em UCs, como seria possvel
obter uma amostra representativa destes aspectos nas reas? Haveria maneiras de
comparar UCs pelos mesmos critrios metodolgicos?
Que critrios seriam mais aceitveis para a avaliao do estado de
conservao atual dos recursos, bem como, a identificao e prognstico de riscos no
interior das reservas? Apenas com base nos levantamentos pontuais de campo, seria
-
7possvel identificar elementos eficazes para uma quantizao e hierarquizao das
atividades e reas mais crticas?
Quais os mecanismos que poderiam ser utilizados para qualificar e quantificar
as problemticas e potencialidades arqueolgicas, de modo a estabelecer critrios para a
tomada de decises prioritrias de manejo e gesto?
Como inserir as peculiaridades de proteo, conservao, pesquisa e uso dos
recursos arqueolgicos nas propostas de zoneamento e gesto da UCs?
Em UCs com os mesmos propsitos e ambientes similares, tais como as
Reservas Naturais Itaqui e Cachoeira, quais as diferenas mais significativas que poderiam
ser captadas no diagnstico arqueolgico, de forma a promover um manejo adequado as
peculiaridades de cada reserva ? De que maneira a comparao entre as reservas e outras
UCs poderia ajudar na estruturao de metodologias mais apropriadas ao Zoneamento
Ambiental dessas unidades?
No decorrer das atividades de campo e gabinete, as problemticas inicialmente
visualizadas foram definidas com melhor propriedade, o que permitiu a enunciao de duas
hipteses gerais, que serviram de guia para o desenvolvimento do trabalho.
A principal hiptese da pesquisa tem carter metodolgico e considera as
abordagens oportunsticas de levantamento regional como as mais apropriadas ao
diagnstico arqueolgico preliminar requerido junto aos Planos de Manejo das Unidades de
Conservao no Brasil. Esta assertiva vlida para os mtodos e tcnicas desenvolvidos a
partir de critrios explcitos de avaliao arqueolgica, onde os fatores de visibilidade e
acessibilidade so utilizados para amostrar e delimitar as principais fragilidades e
potencialidades dos recursos culturais regionais. Portanto, presume-se que para efeito da
insero de recursos arqueolgicos nas primeiras etapas do planejamento ambiental, os
elementos mais signif icativos para o zoneamento territorial e prerrogativas de gesto, sero
dados pelas particularidades do uso do solo (remanescente, atual e futuro) e as
-
8condicionantes ambientais de cada UC, e no pela necessidade de amostrar a totalidade de
recursos arqueolgicos existentes, por exemplo.
A segunda hiptese complementar a primeira e estabelece a existncia de uma
relao de interdependncia entre: (i) as condies ambientais e de uso (e ocupao) do
solo de uma dada rea; (ii) aspectos de visibilidade e acessibilidade e; (iii) as principais
fragilidades e potencialidades dos registros arqueolgicos nela inseridos. Assim, em um
diagnstico arqueolgico que considere explicitamente esta relao, torna-se possvel
avaliar qualquer um dos itens, a partir dos outros. Esta relao importante, pois se
considera neste trabalho, que os elementos determinantes para o zoneamento territorial de
uma UC (apontados no Plano de Manejo), sero dados sobremaneira pelas primeiras
condicionantes (variveis ambientais e uso do solo). Assim, atravs dessa expectativa de
interconexo que ser possvel inserir de forma objetiva os recursos arqueolgicos no
processo de planejamento ambiental dessas unidades.
Nesse contexto so considerados ento, os seguintes objetivos gerais para o projeto
e desenvolvimento da pesquisa:
Contribuir para a reflexo sobre os procedimentos mais adequados para o
diagnstico arqueolgico em UCs, balizados sob o enfoque da insero dos recursos
culturais nas estratgias de planejamento e manejo ambiental;
Estabelecer parmetros objetivos para o levantamento inicial de dados
primrios e secundrios capazes de avaliar as fragilidades e potencialidades arqueolgicas
existentes nas UCs, permitindo proposies eficazes para o zoneamento e gesto dos
recursos culturais e naturais;
Realizar levantamentos arqueolgicos nas Reservas Naturais Serra do Itaqui
e Cachoeira (litoral norte paranaense), que permitam anlises comparativas entre as
prprias Reservas e outras Unidades de Conservao no Brasil;
-
9Ampliar a produo de conhecimentos sobre o patrimnio arqueolgico do
litoral paranaense, com a identif icao de novos indcios culturais, posicionamento preciso
das ocorrncias, descrio das caractersticas dos vestgios, avaliaes sobre o estado de
conservao atual, entre outros, alm de perspectivas mais objetivas quanto proteo,
conservao, pesquisa e uso pblico dos bens arqueolgicos em reas costeiras;
1.2 Apresentao das reas de Estudo
As Reservas Naturais Serra do Itaqui e Cachoeira esto situadas na poro norte do
litoral do Estado do Paran (Figura 1), compreendendo reas laterais as baias de Antonina
e Guaraqueaba (Figura 2). O acesso principal se d atravs da estrada PR 405 entre as
localidades de Cacatu e Tagaaba (Figura 3). Ambas as Reservas esto inseridas na rea
de Proteo Ambiental de Guaraqueaba, e embora representem unidades particulares
independentes, aproximam-se do enquadramento proposto para Reservas Particulares do
Patrimnio Natural (RPPNs).
-
10
Figura 1: Disposio das Reservas no Estado do Paran (fonte LABSIG/SPVS)
As reas das reservas foram adquiridas e implementadas como unidades de
conservao pela organizao no governamental (ONG) denominada SPVS (Sociedade de
Pesquisa em Vida Selvagem e Educao Ambiental). Desde 1990 a SPVS tem concentrado
suas aes na rea de Proteo A mbienta (APA) de Guaraqueaba, litoral norte do Paran,
que, junto com o litoral sul de So Paulo, compe o maior remanescente contnuo de
Floresta Atlntica do Brasil.
Com o apoio da The Nature Conservancy (ONG amer icana fundada em 1951), a
SPVS vem implementando o projeto denominado "Ao Contra o Aquecimento Global em
Guaraqueaba". Trata-se de um plano piloto para a captao de carbono da atmosfera (o
primeiro realizado na Floresta Atlntica, e um dos 3 projetos deste t ipo em andamento no
Brasil) por meio da conservao de f lorestas, enriquecimentos de f lorestas degradadas e
restaurao f lorestal em antigas pastagens de bfalos.
Baseada em sua misso conservacionista e com apoio de parcerias de grandes
empresas, a SPVS garantiu recursos que viabilizam projetos de 40 anos para criao de um
sumidouro de carbono na regio. As propostas de f ixao de carbono compreendem a
manuteno dos fragmentos florestais preservados, atividades de restaurao ambiental
com espcies nativas, estudos para a conservao da biodiversidade e programas de
desenvolvimento sustentvel.
Para esse propsito foram adquiridas trs reservas, entre as quais a da Serra do
Itaqui, no municpio de Guaraqueaba, que apresenta uma rea de aproximadamente 7 mil
hectares, e a Reserva Natural Cachoeira, no munic pio de Antonina, com cerca de 12 mil
hectares. Em decorrncia das atividades de proteo e f iscalizao das reas, plantio de
mudas, instalao de infra-estruturas, etc, foram contratados 36 funcionrios para atuarem
nas reservas (17 em Itaqui e 19 em Cachoeira). Entretanto, para a efetiva implementao
dos projetos preservacionistas e conservacionistas nas reas, esto sendo promovidos
-
11
Planos de Manejo a partir de estudos interdisciplinares, de modo a garantir a manuteno
dos recursos naturais e scio-culturais existentes.
Figura 2: Posicionamento das Reservas (elipses) junto a rea de Proteo de Guaraqueaba (linha cinza), no contexto do Litoral Paranaense e Planalto Curitibano (fonte LABSIG SPVS, adaptado)
A necessidade da implementao de levantamentos para a caracterizao do
patrimnio arqueolgico nas reservas deu-se pelas prprias caractersticas geogrficas
dessas reas, situadas na plancie costeira paranaense, onde a paisagem visivelmente
marcada pela ocorrncia de inmeros registros culturais, como sambaquis e runas
histricas.
-
12
Figura 3: Mapa dos acessos principais as Reserva s Naturais Serra do Itaqui e Cachoeira (fonte LABSIG SPVS, adaptado)
1.3 Unidades de Conservao: histrico, categorias de manejo e a insero
dos valores scio-culturais
A concepo de reas de proteo ambiental apresenta razes em antigas prticas
culturais e sociais ligadas valorizao de st ios geogrficos, relacionada a determinadas
f lorestas ou animais sagrados, presena de gua potvel, caa ou fontes de matrias
primas, existncia de mitos ou eventos histricos, aspectos de contemplao, etc. Existem
referncias documentadas a essas prticas que antecedem a mais de 2.200 anos (MILLER,
1997, p. 4). O acesso ou a utilizao desses locais e seus recursos geralmente estavam
vinculados a prescries ou ditos reais (ex. ndia, Indonsia, Nepal), tabus e aspectos
-
13
religiosos (ex. Japo, Bali, Gana, frica do Sul), mecanismos sociais comunitrios ou rgidos
controles administrativos ao nvel de aldeia (ex. Indonsia e Filipinas) 2. Exemplos mais
recentes, mundiais e brasileiros (ex. ANDERSON; POSEY, 1985), tambm remetem a
possibilidades de formas pretritas de manejo de reas onde seriam adotados sistemas de
auto-regulao explorao excessiva ou a manuteno e manipulao de determinados
recursos f lorestais.
A partir da expanso europia apoiada sobre o colonialismo e o mercantilismo,
comea um processo de explorao desenfreada dos recursos existentes, notadamente no
hemisfrio ocidental, frica, Austrlia e na regio do Pacf ico. Este impulsionou
signif icativamente o desbravamento das f lorestas (como o caso do pau-brasil), a explorao
mineral, o aproveitamento de plantas e animais selvagens, entre outros.
Neste sentido a criao do Parque Nacional de Yellowstone, em 1872 nos EUA,
representou uma importante ruptura com os valores existentes, considerando que a sua
extensa rea (cerca de 813.000 ha) foi reivindicada em favor da totalidade do povo e das
geraes futuras, e no a explorao ou propsitos de enriquecimento pessoal. Interessante
notar que mesmo sob este enfoque preservacionista, a sua implantao exps relaes de
interesse bastante conflituosas entre os colonizadores americanos e as populaes
amer ndias ali existentes. Para os primeiros, os propsitos recaram sobre a proteo do
esplendor cnico, a no explorao e privatizao de terras, ao potencial de lazer e
relevncia histrica, enquanto que para as comunidades indgenas, o Yellowstone foi e
continua sendo considerado um lugar sagrado.
O Parque Nacional de Yellowstone inspirou no Brasil, as primeiras iniciativas para a
criao de reas protegidas no pas. Em 1876, por sugesto do Engenheiro Andr
Rebouas tencionou-se a criao de dois Parques Nacionais: um em Sete Quedas e outro
na Ilha do Bananal. Entretanto, o primeiro parque com essas caractersticas, o Parque
Nacional de Itatiaia, s tornou-se uma realidade data de 1937.
2 Miller, op. cit. , p.3
-
14
Assim, o conceito de reas protegidas expande-se para o mundo alternando diversos
interesses, usos e valores, inspiradas por noes ligadas e construdas dentro de uma
estrutura e processo social de cada povo. (MENESES, 19963 apud OLIV EIRA, 2000, p.189).
Entretanto, as propostas de criao geralmente recaiam sobre alguns objetivos gerais:
permitir a preservao de stios de valor material, esttico, espiritual e histrico; propiciar
formas de manejo de recursos naturais renovveis e; prover a manuteno de paisagens
consideradas valiosas.
Tais proposies comeam a mudar a partir do sculo XXI, onde outros enfoques (ou
paradigmas) entram em cena: a manuteno de ecossistemas e da biodiversidade4 como
objetivos primordiais de conservao, porm acompanhados em algumas reas, por
mecanismos de incorporao social denominados sob o rtulo do desenvolvimento
sustentvel.
Uma definio global de reas protegidas, proposta no IV Congresso Mundial de
Parques Nacionais e reas de Proteo em 1994, preconiza a incorporao dos elementos
culturais e naturais num quadro amplo de planejamento e gerenciamento:
Uma rea de terra ou mar especialmente dedicada proteo e conservao da
diversidade biolgica e dos recursos naturais e culturais a ela associados, e manejada por
meios legais ou outros meios eficazes. (IUCN/CNPPA, 19945 apud MILLER, 1997, p.7).
Seguindo as tendncias mundiais, o Brasil institui bases legais 6 para a criao,
categorizao, implantao, consolidao e gesto das chamadas Unidades de
Conservao (UCs) com base em objetivos preservacionistas, conservacionistas,
educacionais, cientf icos e pblicos. As categorias mais utilizadas de UCs foram propostas
pela edio de 1989 do Sistema Nacional de Unidades de Conservao, o SNUC, que
3 MENEZES, U. T.B.. Os usos culturais da Cultura: Contribuio para uma abordagem crtica das prticas e polticas culturais. In: YZIGI, I. (org) Turismo: Espao, Paisagem e Cultura. So Paulo: Hucitec, p.88-99.4 No Artigo 2, da Conveno de Di versidade Biolgica - CDB, a biodi versidade, ou diversidade bi olgica, defini da como: "a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquticos e os complexos ecol gicos de que fazem parte; compreendendo ai nda a di versidade dentro de espci es, entre espcies e de ecossistemas. (Disponvel em . Acesso em 12/11/2003).5 IUCN/CNPPA. Guidelines for Protected Area Man agement Cat egories. Gl and, Sua: UICN, 1994, p. 7.
-
15
reduziu os 16 tipos anteriormente definidos, para 9 categor ias (IBA MA/FUNATURA, 1989).
Estas foram definidas muito mais pelos propsitos e objetivos de gesto, do que por sua
denominao formal.
A implementao do SNUC procurou uniformizar a base conceitual referente s
reas protegidas, especialmente no que concerne s categorias de UCs nas trs esferas de
governo (federal, estadual e municipal), o que permitiu uma maior articulao do processo
de gesto do patrimnio ambiental brasileiro (MMA, 2003).
Por sua vez, o SNUC prev alguns mecanismos atuais de legit imao do processo
de criao dessas unidades, apoiando-se na aproximao das comunidades locais e
regionais como forma de melhorar o processo de gesto, bem como garantir a distribuio
dos benefcios diretos e indiretos decorrentes da implantao das UCs (MMA, op. cit.).
As Unidades de Conservao no Brasil so consideradas um tipo especial de rea
protegida, compreendendo espaos geogrficos delimitados, legalmente institudos e
protegidos por ato do Poder Pblico, sob regime especial de administrao, estando
enquadradas nas diferentes categorias de manejo existentes no Pas. As categorias de
manejo definem os objetivos das UCs e a formas de uso permitidas em cada rea.
As UCs podem ser dividas em categorias de manejo destinadas preservao e a
conservao (MOTA, 1997). Nas reas de preservao, entendidas como Unidades de
Proteo Integral (Quadro 1), no permitido o aproveitamento direto dos recursos
naturais, ou seja, comportam apenas o uso indireto atravs de atividades educacionais,
cientf icas e recreativas7. Em geral, a sua implantao exige-se dominialidade pblica, como
no caso das Estaes Ecolgicas, Reservas Biolgicas e Parques Nacionais. No entanto,
nesta classe ainda esto includas as RPPNs (Reservas Particulares do Patrimnio Natural),
de domnio essencialmente particular.
6 Como o C digo Florestal de 1965 e a Lei de Proteo Fauna, de 1967 e o Pl ano do Sistema de Unidades de Conser vao no Br asil, de 1979.7 Algumas dessas reas tambm so passveis de visitao turstic a, porm de forma mais control ada, e conforme as diretrizes estabelecidas pelo Plano de Manej o.
-
16
Estao
Ecolgica
Tem como objetivo a preser vao da natureza e a realizao de pesquisas ci entficas. de posse e
domnio pblicos.
Reserva
Biolgica
Tem como objeti vo a proteo i ntegral da biota e demais tributos naturais existentes em seus
limites, sem interfernci a humana direta ou modificaes ambientais, excetuando-se as medidas de
recuper ao de seus ecossistemas alter ados e as aes de manejo necessrias par a recuper ar e preservar o
equilbrio natural, a diversidade biolgica e os proc essos ecolgicos naturais. de posse e domni o pblicos.
Parque
Nacional
Tem como objeti vo bsico preservao de ecossistemas naturais de grande relevncia ecolgica e beleza cnica, possi bilitando a realizao de pesquisas cientficas e o desenvolvi mento de ativi dades de
educao e interpretao ambi ental, de recreao em contato com a natureza e de turismo ecolgico. de
posse e domni o pblicos .
Monumento
Natural
Tem como objeti vo bsico preser var s tios naturais raros, singulares ou de grande beleza cnica.
Pode ser constitudo por r eas particular es.
Refgio de
Vida Silvestre
Tem como obj eti vo proteger ambientes naturais onde se asseguram condies para a existncia ou
reproduo de espcies ou comunidades da flora l ocal e da fauna resi dente ou migratria.
Quadro 1 - Descrio das principais Unidades Conservao Brasileiras tidas como de Proteo Integral (retirado de MMA, 2003)8.
Por sua vez, as reas de conservao ou Unidades de Uso Sustentvel, so
espaos sob dominialidade pblica e/ou privada onde existe a possibilidade de uso direto
dos recursos ambientais, procurando a compatibilizao da conservao da natureza com o
uso sustentvel de parcela dos seus recursos naturais (MMA, 2003).Enquadram-se nesta
categoria as Reservas Extrativistas Florestais, as reas de Proteo Ambiental (APAs), as
reas de Relevante Interesse Ecolgico (ARIEs), entre outras (Quadro 2).
rea de Proteo
Ambiental (APA)
rea extensa, com certo grau de ocupao humana, dotada de atributos abiticos, biticos , estticos ou culturais especial mente importantes para a qualidade de vi da e o bem-estar das
populaes humanas, e tem como obj eti vos bsicos pr oteger a di versidade biolgica, disciplinar o
processo de ocupao e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos natur ais. cons tituda por
terras pblicas ou privadas.
rea de Relevante
Interesse Ecolgico
(ARIE)
uma rea em geral de pequena extenso, com pouca ou nenhuma ocupao humana, com carac tersticas naturais extraor dinrias ou que abriga exempl ares raros da biota regional, e tem
como obj eti vo manter os ecossistemas naturais de i mportnci a regional ou local e regular o uso
admissvel dessas reas, de modo a compati biliz-lo com os obj eti vos de conservao da natureza.
constituda por terras pblicas ou privadas .
Floresta N acional
(FLONA)
uma rea com cobertura flores tal de espci es predominantemente nati vas e tem como objeti vo bsico o uso mltiplo sustentvel dos recursos florestais e a pesquisa cientfica, com nfase
em mtodos para expl orao sus tentvel de florestas nati vas . de posse e domnio pblicos.
8 Endereo eletrnico do Ministrio do Mei o Ambi ente. Disponvel em: . Acesso em: 20/12/2003
-
17
Reserva Extrativista
(RESEX)
uma rea utilizada por popul aes extrati vistas tradicionais, cuja subsistncia baseia-se
no extrati vismo e, complementariamente, na agricultura de subsistnci a e na criao de ani mais de
pequeno porte, e tem como objetivos bsicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populaes, e assegurar o uso sustentvel dos recursos naturais da uni dade. de domni o pblico
com seu uso concedi do s populaes extrati vistas tradicionais.
Reserva de Fauna
uma rea natural com populaes ani mais de espcies nati vas, terrestres ou aquticas ,
residentes ou migratrias, adequadas para estudos tcnico-cientficos sobre manej o econmico
sustentvel de recursos faunsticos. de posse e domnio pblicos .
Reserva de
Desenvolvimento
Sustentvel
uma r ea natural que abriga populaes tradicionais, cuj a existnci a baseia-se em
sistemas sustentveis de expl orao dos recursos naturais, desenvol vidos ao longo de geraes e
adaptados s condies ecolgicas locais e que desempenham um papel fundamental na proteo
da natureza e na manuteno da di versidade biol gica. de domnio pblico.
Reserva Particular do Patrimnio Natural
(RPPN)
uma rea privada, gravada com perpetuidade, com o objeti vo de conservar a di versidade biolgica.
Quadro 2 - Descrio das principais Unidades Conservao Brasileiras tidas como de Uso Sustentvel (retirado de MMA, 2003)9
A implantao de UCs torna-se, portanto, um dos principais mecanismos para a
conservao e o manejo da biodiversidade no Brasil, pas este detentor da maior
diversidade biolgica do planeta10. A definio desses espaos territoriais incumbncia do
poder pblico, de acordo com a Constituio Federal, em seu artigo 225, 1, Inciso III.
Importante citar que em muitas situaes pode haver sobreposio de UCs, sem implicar
em conflitos legais, j que no geral, as unidades ou regras mais restritivas mantm sua
autonomia e prioridade sobre as menos restritivas. Como exemplo, cita-se a APA de
Guaratuba, no litoral sul do Paran, apresentando em seu interior um Parque Nacional
(Saint Hilaire-Lange) e um Parque Estadual (Boguau).
Considerando o amplo espectro das categorias de manejo das UCs no Brasil,
percebe-se que muitos outros objetivos podem se igualar ou superar, em importncia os
aspectos estritamente biticos. Entre eles, citam-se a proteo de bacias e fontes dgua, o
9 Endereo eletrnico do Ministrio do Meio Ambiente. Disponvel em: . Acesso em: 20/12/2003 10 Segundo o Ministrio do Meio Ambiente (MMA, 2003), o Brasil conta com pelo menos 10 a 20% do nmerototal de espcies mundiais, distribuda em biomas como: a Amaznia, a Mata Atlntica, a Zona Costeira e Marinha (incluindo ecossistemas de mangues, restingas, praias , costes , recifes de corais, entre outros), as Florestas de Araucrias e Campos Sulinos, a C aatinga, o Cerrado e o Pantanal.
-
18
estmulo ao turismo e recreao, a conservao de st ios histricos e culturais, a preveno
de desastres naturais, a educao ambiental, preservao de feies geomorfolgicas
nicas (BARBORAK, 1997, p. 42) ou ainda, a manuteno do modo de vida e subsistncia
das populaes tradicionais, do incremento de economias locais sustentveis e, da gerao
de perspectivas para o crescimento econmico regional
O principal instrumento legalmente institudo que fornece as direes bsicas para o
planejamento das UCs refere-se ao Plano de Manejo, que deve abranger no apenas a rea
da unidade, mas tambm possveis zonas de amortecimento e corredores ecolgicos,
prevendo-se portanto medidas para promover a integrao da UC na vida econmica e
social das comunidades vizinhas (SNUC, Art. 27, 1)
Segundo o SNUC (1988), o Plano de Manejo constitu um documento tcnico
mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma UC, se estabelece o seu
zoneamento e as normas que devem presidir o uso da rea e o manejo dos recursos
naturais, inclusive a implantao das estruturas fsicas necessrias gesto da unidade.
Assim, o Plano de Manejo surge como o pr incipal meio de promover o Zoneamento
Ambiental ou Zoneamento Ecolgico-Econmico (ZEE) das UCs, pretendendo-se desta
forma, conciliar as vrias possibilidades de uso econmico com a proteo ambiental. O
zoneamento constituiria, segundo Griff ith et al.11 (1989, apud LANGE JR., 1997:16) na
diviso de uma rea geogrfica em setores onde, aps devida deliberao, certas
atividades de uso da terra so permitidas e outras no, de maneira que as necessidades de
alteraes fsicas e biolgicas dos recursos naturais se harmonizem com as de conservao
do meio ambiente.
Conforme Caldarelli (1999, p. 348), o Decreto 99.540 de 21/09/1990 prescreve que o
ZEE dever obedecer a uma abordagem interdisciplinar, que considere a estrutura e a
dinmica ambiental e econmica, bem como os valores histrico-evolutivos do patrimnio
11 GRIFFITH, J. J. Zoneamento: uma anlise crtica. Ambiente, v.3, n.1, p. 20-25, 1989.
-
19
biolgico e cultural do Pas, permitindo ainda o estabelecimento das relaes de
interdependncia entre os subsistemas fsico-bitico e scio-econmico.
Para o caso de uma A PA, por exemplo, o Zoneamento A mbiental definido pelo Plano
de Manejo abrangeria:
[...] etapas encadeadas, iniciando pelo levantamento e anlise de dados dos meios fsico, ambiental, socioeconmico, cultural, nos planos regional e local. So envolvidos os diversos ramos do conhecimento, buscando informaes geomorfolgicas, geolgicas, mineralgicas, hidrolgicas, pedolgicas, de potencial e vocao de usos agrcolas, da cobertura vegetal, da fauna, aspectos climticos, processos de ocupao, projees populacionais e de presso antrpica, reas degradadas, dentre outras. Integrados e analisados os dados obtidos, elaborado um plano de diretrizes, com mapeamento, propondo-se as diferentes zonas e formulando-se parmetros gerais de uso dos recurso s naturais, parcelamento do solo, condies de ocupao e manejo de atividades, uso s permitidos e proibidos [...]. No pode ser descurada a identificao dos atores sociais envolvidos, e sua participao no processo de elaborao e implementao do zoneamento [...], (bem como) de prever mecanismos de atualizao, pois nem o ecossi stema nem as comunidades envolvidas so estticos.(MOTTA, 1997, p. 33).
-
20
CAPTULO 2 PLANIFICAO REGIONAL: ENQUADRAMENTO,DEFINIO DOS TERMOS E A OPO DO MTODO
[...] uma disciplina cientfica (ou que pretende s-lo) no deva ser
caracterizada por objetos empricos j constitudos, mas pelo contrrio, pela
constituio de objetos formais. Ou seja, a nica coisa passvel, a nosso
ver, de definir uma disciplina (qualquer que seja), no de forma alguma
um campo de investigao dado [...], muito menos uma rea geogrfica ou
um perodo da histria e sim, a especificidade da abordagem utilizadaque transforma esse campo, essa rea, esse perodo em objeto cientfico.
Laplantine (1991:96)
A estruturao de uma proposta metodolgica associada aos objetivos deste estudo
compreende primeiramente uma aproximao com algumas das tendncias da pesquisa
arqueolgica no quadro global. No se trata de uma incorporao acritica de modelos de
levantamentos arqueolgicos, mas de uma avaliao das contribuies existentes,
adaptando-as ao desenvolvimento de um desenho mais adequado s realidades
brasileiras. Desta forma, e necessariamente, sero pontuados tambm alguns estudos
realizados no Brasil que apresentem subsdios planif icao de estratgias para o
diagnstico e manejo arqueolgico em UCs.
Convm ento caracterizar as principais opes de abordagens arqueolgicas, cujos
propsitos permeiam ou vo de encontro expectativa deste trabalho. Dessa anlise
resultar a descrio dos princpios gerais do mtodo, estabelecendo parmetros e tcnicas,
que posteriormente sero aplicados dentro do contexto de levantamento e avaliao de
recursos arqueolgicos nas reas de estudo.
O primeiro enquadramento proposto refere-se caracterizao de alguns
subcampos gerais da disciplina arqueolgica, cujos direcionamentos de pesquisa
apresentam problemticas prprias, refletidas no desenvolvimento de enfoques terico-
metodolgicos constituintes. As principais linhas de atuao esto relacionadas s
-
21
chamadas Arqueologia Conservacionista (ou Preventiva), a Arqueologia Pblica, a
Geoarqueologia e a Arqueologia da Paisagem.
Por Arqueologia Conservacionista (Conservancy Archaeology) entende-se aquela
voltada essencialmente preservao e conservao dos recursos arqueolgicos. Uma das
particularidades mais explcitas dessa abordagem est ligada a Gesto de Recursos
Culturais ou GRC (SANTOS, M. dos, 2001), que neste trabalho apresenta correspondncia
ao enfoque denominado Cultural Resource Management (CRM), na literatura anglo-
amer icana.
Convm neste momento caracterizar a expresso recursos culturais ou recursos
arqueolgicos, termos que sero bastante utilizados no decorrer da dissertao. A definio
usual apresentada por Fow ler (1982) para cultural resource aproxima-a dos aspectos
estritamente ligados cultura mater ial (e, portanto aos prprios recursos arqueolgicos), ou
seja, aos aspectos fsicos, naturais e artif iciais, associados s atividades humanas,
incluindo st ios, estruturas e objetos possuindo signif icncia, individualmente ou em grupo,
em histria, arquitetura, arqueologia ou desenvolvimento (cultural) humano. (conforme
CALDA RELLI, 1999, p. 347). Embora compreenda-se que os recursos culturais enceram
uma totalidade bem mais abrangente, o que incluiria os seus aspectos no materiais, a
demarcao de Fow ler ser preterida neste trabalho, de forma a igualar ambos os termos
(recursos arqueolgicos e culturais) em uma mesma definio.
A opo pelo reconhecimento do patrimnio arqueolgico com recurso traz
conseqncias no apenas pela aproximao com os recursos naturais da Nao criando,
segundo Caldarelli12 , uma linguagem comum entre os arquelogos e os demais
especialistas da rea ambiental, mas principalmente, pelo reconhecimento de um valor
econmico associado ao seu valor cultural, o que permitir ia a possibilidade da incorporao
ao sistema social circundante (SOSA, 1998).
12 Ibid. , p.347.
-
22
Os aspectos prticos mais diretamente relacionados com a Arqueologia
Conservacionista dizem respeito ao seu vnculo com abordagens de levantamento
arqueolgico regional (SCHIFFER et al., 1978), onde so privilegiados enfoques para
obteno de um mximo de informao com o mnimo custo e mnimo impacto sobre os
recursos existentes (PLOG, F., 1978, p. 423). Outra caracterstica relaciona-se com
trabalhos arqueolgicos voltados consultoria e implementao de polt icas pblicas e com
forte influncia da legislao (OLIV EIRA, 2000, p. 202).
Segundo Fred Plog, a Gesto de Recursos Culturais (GRC) compreende questes
tericas, legais e f iscais prprias, relacionadas a aspectos ticos com diretivas na
preservao, muito embora esta diretriz represente um ideal muitas vezes inatingvel
(PLOG, F., 1978, p. 422). O autor acrescenta o signif icante papel dos arquelogos ligados a
GRC nos processos de planejamento da Nao (que foram e sempre sero processos
polticos), exigindo no apenas compromissos preservacionistas, mas a necessria
adequao com as metas de crescimento da sociedade. Esta relao permanece explicita
na prpria legislao que tem levado ao avano da temtica ambiental e arqueolgica, sem
implicar na supresso dos propsitos desenvolvimentistas e scio-econmicos 13. Assim, a
premissa recai sobre aspectos de conservao, manejo e gesto dos recursos culturais,
cabendo ao arquelogo na maioria das vezes, as decises sobre o que preservar, o que
salvar e o que sacrificar (CALDARELLI; SA NTOS, M. dos, 1999-2000, p. 59).
Explicitamente ligada aos preceitos da New Archaeology (PLOG F., 1978) esta forma
de abordagem, segundo Arajo, teve em seu incio, um papel preponderante na adoo e
implantao de amplos programas de levantamento arqueolgico com amostragem
probabilstica, considerando que a necessidade de se trabalhar em reas enormes com
restries de tempo, dinheiro e pessoal fez com que a amostragem se transformasse na
nica alternativa vivel (ARAJO, 2000, p. 100). Tal assertiva, no entanto, comearia a
mudar a partir de artigos como os de Schiffer et al. (1978) que ressaltaram as problemticas
13 ibid., p.423.
-
23
envolvidas em algumas tcnicas probabilsticas (vide adiante no mesmo captulo) e a
clarif icao da distino existente entre a descoberta de materiais arqueolgicos e a
estimativa de parmetros regionais, o que implicava em muitos casos, na
complementaridade das abordagens probabilistas e no probabilistas.
Como j mencionado, as principais problemticas envolvidas na GRC compreende m
a dif iculdade para implantao de levantamentos detalhados e propostas de gesto em
reas de grande extenso, que em geral apresentam variadas condies de visibilidade e
acessibilidade dos recursos. Mais recentemente, objetivando contornar tais obstculos so
utilizadas metodologias regionais de baixo custo com perspectivas avaliatrias alternativas,
utilizando-se exaustivas informaes secundrias etnogrficas, histricas e ambientais,
mapas e outras bases de dados espaciais, para inferir padres antigos de uso da paisagem,
onde o destaque recai principalmente sobre modelamentos preditivos como forma de
antecipar a distribuio e t ipos de recursos patrimoniais em uma dada regio (HAMILTON;
LARCOMBE, 1994; KIPNIS, 1997; KASHIMOTO, 1997).
Outra dif iculdade em GRC est na definio das estratgias mais apropriadas de
proteo e gesto, que passa pela necessidade da explicitao dos critrios utilizados para
a tomada de decises, seja nos estudos de impacto ambiental ou naqueles voltados a
regulamentao de reas protegidas. Segundo Oliveira, as estratgias de gesto do
patrimnio arqueolgico a partir de um fundamento preservacionista, geralmente admitem
que o objeto de estudo seja abordado a partir de uma perspectiva que considere a
pesquisa, a proteo e o envolvimento comunitrio, dentro de uma estrutura de
planejamento baseada no zoneamento territorial. (OLIV EIRA, 2000, p. 203, grifo nosso)
Neste sentido, Potter Jr. (199414 apud OLIV EIRA, op cit.), comenta que as
abordagens usualmente utilizadas nos EUA apontam para a diviso territorial em Unidades
de Gesto e Unidades de Estudo, onde a primeira corresponderia estruturao de aes
14 POTTER JR, P. B. Pos tprocessual Approaches and Public Archaeolog y: Putting Critical Archaeology to Wor k for the Public. In: KERBER, J . E. (org.). Cultural Resource Management: Archaeological Research, Preservation Planning, and Public Education in the Northeastern United States. New England;USA: Bergin & Gar vey, 1994. p. 65-85.
-
24
preservacionistas sob o aspecto dos fatores e atividades degradantes e a segunda, utilizada
na organizao dos aspectos de compreenso sobre a ocupao histrica e arqueolgica.
As unidades de gesto arqueolgica de Potter Jr., conforme o comentrio de Oliveira (2000),
deveriam deixar de se preocupar exclusivamente nas caractersticas fsicas, biolgicas e de
diviso polt ica, e passem a basear-se nos padres atuais e projetados da atividade de
desenvolvimento e de uso do solo, vistos ento como fatores culturais da prpria tendncia
de ocupao territorial contempornea, a partir de um enfoque naquilo que efetivamente
pode ser gerenciado (OLIVEIRA, op. cit., p. 203, grifo nosso).
Outra caracterizao importante, praticamente derivada do primeiro subcampo
abordado, refere-se ao termo Arqueologia de Contrato, bastante utilizado no Brasil e cujo
enfoque geralmente est ligado avaliao ambiental de projetos desenvolvimentistas,
onde os trabalhos so realizados a partir de processos licitatrios e remunerao
negociadas entre as partes (MEIGHAN, 198615 apud CALDA RELLI; SANTOS, M. dos, 1999-
2000, p. 53). Para Caldarelli16 a principal responsabilidade do arquelogo de contrato seria o
de elaborar pareceres para a tomada de deciso sobre o futuro dos recursos arqueolgicos
de sua rea geogrfica de trabalho ou ainda contribuir, no presente, para que a construo
do futuro no se faa custa do passado.
Assim, a arqueologia de contrato tambm est ligada fundamentalmente gesto de
recursos culturais, sendo seu objetivo apontado como equivalente s proposies da
Cultural Resource Management, ou seja, da Arqueologia Conservacionista dos paises
anglo-americanos (ARAJO, 2001; SANTOS, M. dos, 2001; CALDARELLI; SANTOS, M.
dos, 1999-2000, entre outros). Entretanto, deve-se considerar a existncia de possveis
diferenas, relacionadas em uma primeira instncia prpria defasagem em termos tericos
e metodolgicos (KIPNIS, 1997), bem como a uma tmida atuao em outras frentes de
linha conservacionista (como por exemplo, nas inmeras Unidades de Conservao
espalhadas pelo Brasil). Outras caractersticas distintivas remetem: aos v nculos com os
15 Meighan, C.W. Archaeo logy for Money. Calabasas, Califor nia: Wor mwood Press , 1986.16 Ibid. , p. 54.
-
25
aspectos prprios da legislao ambiental brasileira; a conotao ainda bastante intensa
com estudos de Avaliaes de Impactos Ambientais (A IA) e resgates arqueolgicos; ou
ainda; o enfoque cada vez mais empresarial, o que pode afast-las das abordagens
conservacionistas praticados por universidades pblicas, por exemplo. No entanto, as
principais problemticas permanecem as mesmas, j que sua prtica envolve questes
conceituais e ticas importantes e que, freqentemente, esto susceptveis a polmicas, tais
como: o seu envolvimento com projetos desenvolvimentistas pblicos e privados; os critrios
para avaliaes de signif icncia dos recursos; a definio das medidas mitigadoras ou
compensatrias nem sempre apropriadas; etc.
Outra abordagem ou subcampo alternativo ao conceito de Gesto de Recursos
Culturais, segundo Potter Jr., compreenderia a Arqueologia Pblica (Public Archaeology),
que determinaria um maior envolvimento de arquelogos (public archaeologist) na gerencia
no apenas de recursos arqueolgicos, mas de um conjunto de tcnicas e diretrizes ligadas
aos interesses da sociedade contempornea em relao ao passado, considerando-se
w hat we manage is our contemporary society and its various interests, not cultural
resouces (POTTER Jr, 1994 apud OLIVEIRA, 2000, p.203)
A Arqueologia Pblica, no dizer de Oliveira, J. (2002) deve ser compreendida como
uma Arqueologia aberta para o pblico e que aspira um engajamento social por parte dos
arquelogos, tendo em conta que sua atuao nunca ser neutra, pois tambm est
inserido em um contexto econmico e polt ico-social que marca a vida em sociedade
(FUNA RI, 1988; TRIGGER, 1989, 199017 apud OLIV EIRA, J, op. cit.). Assim, esta
Arqueologia permitiria apontar questes que compreendem as relaes existentes entre
arquelogos e o pblico em geral, incluindo populaes indgenas, bem como sua prxis
educacional no ensino superior (notadamente no contexto das universidades pblicas) e a
questo da preservao de bens culturais18.
17 TRIGGER, B. G. A history of archeological thought. Cambridge : Cambridge U niversity Press, 1989.TRIGGER, B. G. History and contemporar y American archeology: a critical analysis. In LAMBERG-KARLOVSKY, C. C. Archeological thought in America. C ambridge: Cambridge U niversity Press, 1990. p.19- 34.18OLIVEIRA, J ., op cit.
-
26
Da mesma forma que no h pesquisa que esteja parte dos interesses da
sociedade, Funar i (1999-2000, p.82) ao citar vrios autores, comenta a necessria
perspectiva humanista e pblica da arqueologia, relevante nos aspectos multiculturais da
coletividade, na atuao e no engajamento do arquelogo com o povo e comunidades,
considerando ainda que no h trabalho arqueolgico que no implique patrimnio e
socializao do patrimnio e do conhecimento (Tamanini, 199819). Em linhas similares de
concepo, Jorge E. de Oliveira, aponta possibilidades para a Arqueologia Pblica no Brasil,
com a atuao do arquelogo enquanto cientista e educador (BENDER; SMITH, 200020)
onde o processo de engajamento social presume a construo de uma cidadania popular,
coletiva, que necessariamente passa por reflexes a serem realizadas, tambm, para alm
das fronteiras da academia e em defesa de uma universidade pblica, gratuita e socialmente
referenciada. (OLIV EIRA, J. 2002).
A implantao de uma concepo em arqueolgica pblica tambm enfrenta
algumas dif iculdades prticas e resistncias, relacionadas muitas vezes, segundo Funari,
prpria relutncia dos arquelogos em considerar que a patrimonializao dos objetos
parte integrante do ofcio arqueolgico. Para o autor, um dos motivos estaria ligado a
noo estreita, defendida por alguns, de que a Arqueologia no o estudo de objetos, de
coisas (Meneses, 1980, p. 6) 21 o que descaracteriza a inevitvel ligao entre a arqueologia
e a apropriao dos artefatos pela sociedade. (FUNARI 1999-2000, p. 82)
Os dois subcampos seguintes (Geoarqueologia e Arqueologia da Paisagem) ,
apresentam vnculos com enfoques ecolgicos gerais, ligados Arqueologia Contextual
(Contextual Archaeology) e a Arqueologia Ambiental (Environmental Archaeology). A
primeira pode ser caracterizada, segundo Waters (1992, p. 4), por uma abordagem
sistmica na qual a recuperao de componentes contextuais do ecossistema humano
(f lora, fauna, clima, paisagem e cultura humana) so usados na interpretao de aspectos
19 Tamanini, D. Museu, arqueologia e poder pblico: um olhar necessrio. In: P.P.A. FUNARI (org.) Cultura Material e Arqueologia Histrica. Campinas: IFCH-Unicamp, 1998. p.179-220.20 BENDER, S. J. ; SMITH, G. S. (Ed.).Teaching Archaeo logy in the Twent y-First C entury. Washi ngton, SAA, 2000. Citados por Oli veira J. , (2002).
-
27
sobre estabilidade ou mudana cultural. Compreenderia, portanto, a investigao simultnea
de dados geolgicos, biolgicos, climticos e culturais. Igualmente, a Arqueologia Ambiental
em sua definio mais ampla, tambm remete ao study of mans relations and interaction
with the environment in the past through Archaeology and related disciplines, ou ainda, as
a bridge discipline betw een Archaeology and the Biological and Earth Sciences (AEA,
2003)
Por sua vez, a utilizao e adequao especf ica dos conhecimentos oriundos das
chamadas geocincias para o estudo e resoluo das problemticas arqueolgicas
(HASSAN, 1978, 1979; GLADFELTER, 1977, 1981) determinou o surgimento da
Geoarqueologia como subdisciplina, resultando com isso, na formulao de uma base
conceitual prpria, de papel ativo nos processos de interpretao cultural (BUTZER, 1977, p.
126).
O desenvolvimento da abordagem geoarqueolgica e as implicaes das cincias
da terra (earth sciences) em teoria e mtodos arqueolgicos tambm foram abordados por
Arajo (1999) que props, a partir de modelos formulados por Clarke (1973) e Sullivan
(1978), uma diviso da estrutura terica da Arqueologia em cinco conjuntos de corpos
tericos interconectados: Teoria Explanatria; Teoria Formativa; Teoria Formal ou
Sistemtica; Teoria de Recuperao e Teoria Inferencial. Estes estariam ligados aos
diversos nveis de informaes do registro arqueolgico e relacionados s sucessivas
perdas e adies sofridas pelo mesmo. Na opinio do autor, a geoarqueologia nada mais
que uma arqueologia bem feita e amadurecida do ponto de vista terico e de mtodos j
que estaria profundamente associada Teoria Formativa, no que se refere aos processos
de formao do registro arqueolgico (site formation processes). Porm, tambm faria parte
essencial da Teoria de Recuperao, que abrange as relaes entre o observado e o
existente, permitindo que o arquelogo tome decises compatveis com as questes a
21 MENESES, U.T.B. O objeto material como documento. Texto datilografado, aula mi nistrada em curso sobre Patrimnio Cultural: polticas e perspecti vas. So Paulo: Condephaat, 1980.
-
28
serem respondidas, antes e durante a manipulao de vestgios 22. Finalmente comporia
parte da Teoria Inferencial, relacionada juno de todos os corpos tericos e aos
processos envolvidos na sntese das diversas linhas de evidncia, com o objetivo de
produzir inferncias sobre o registro arqueolgico.
No caso da Arqueologia da Paisagem, esta entendida como a unio da Geografia
com a Arqueologia (MORAIS, 1999), e apresenta muitos preceitos associados arqueologia
espacial da dcada de 1960 (FUNA RI, 1999-2000), porm com enfoque mais abrangente,
onde a paisagem (ou o espao) tambm visto e determinado (construdo) socialmente.
Dos aspectos prticos dessa abordagem a serem referenciados citam-se aqueles baseados
em levantamentos regionais com baix ssima interveno nos stios, o enfoque sobre o
entorno ambiental tido tambm como ambiente-cultural, o uso de geotecnologias espaciais,
a estreita ligao com aspectos patrimoniais, bem como aspectos de organizao e
gerenciamento de valores e heranas histrico arqueolgicas.
2.1 Pressupostos para a planificao regional da pesquisa
Com base nos enquadramentos do item anterior, pretende-se incorporar alguns dos
pressupostos e enfoques j explicitados, incluindo algumas propostas elaborao de uma
estratgia para desenho de pesquisa mais adaptada s caractersticas do presente estudo.
O termo planificao regional ser utilizado neste trabalho em correspondncia prxima
expresso survey design, compreendendo a escolha, o planejamento e a estruturao das
tcnicas e mtodos que sero adotados no levantamento arqueolgico e avaliao regional
de reas, norteados a partir de problemticas e hipteses prprias de cada pesquisa. O
conjunto de processos e produtos, associados ou resultantes das abordagens de
levantamento e avaliao de recursos arqueolgicos ser designado neste trabalho por
diagnstico arqueolgico. Um dos objetivos da planif icao regional ser, portanto,
22 ARAJO, op cit, p. 43.
-
29
estabelecer os parmetros e estratgias para o diagnstico arqueolgico, que neste caso,
direciona-se a espaos protegidos ou regulamentados pelo poder pblico, ou seja, para
Unidades de Conservao (UCs). Assim, a planif icao regional estabelecida para este
trabalho, reflete o prprio mtodo geral da pesquisa, compreendendo as seguintes
premissas e direcionamentos principais:
(i) O levantamento arqueolgico estar baseado no potencial informativo e logstico
das tcnicas ditas oportunsticas e dever considerar explicitamente os fatores que afetam o
registro arqueolgico regional sob esse enfoque. Deve permitir a distino clara entre
descoberta de materiais culturais, estimativa de parmetros regionais e abordagens de
carter interpretativo.
(ii) As estratgias adotadas devero atender aos propsitos das UCs e suas
especif icidades espaciais e temporais de implantao e operacionalizao, associadas as
etapas de diagnsticos temticos, zoneamento ambiental e planos de gesto das UCs;
(iii) Estabelecimento de parmetros para o registro arqueolgico regional, incluindo
as estratgias tcnicas e logsticas utilizadas na descoberta dos vestgios culturais e a
adoo de unidades de anlise em multi-escalas, delineadas a partir de critrios especf icos
enfocados no uso do solo e condicionantes ambientais das reas em estudo;
(iv) A avaliao dos registros culturais compreender a anlise de sua signif icncia
cientf ica e patrimonial, bem como o detalhamento das principais fragilidades (atuais e
prognosticadas) e potencialidades (preservacionistas, cientf icas, educacionais e publicas)
associadas s ocorrncias e seu entorno;
(v) As propostas de manejo devem prever a expectativa de zoneamento territorial
dinmico e gesto participativa, adotando-se programas ou planos em multi-estgios
sucessivos e progressivos, com diretrizes voltadas ao envolvimento comunitrio como
prtica conservacionista.
-
30
2.2 Tcnicas probabilsticas versus tcnicas oportunsticas: necessidade da
explicitao
A primeira considerao ou premissa (i) apresentada no item anterior remete a
discusso sobre as opes mais utilizadas no processo de escolha das tcnicas de
levantamentos arqueolgico, que em geral, almejam amostragens representativas ou no
tendenciosas de stios de uma regio (BINFORD, 1964; SCHIFFER et al., 1978). Este tipo
de preocupao levou a arqueologia americana das dcadas de 70 e 80, a uma produo
signif icativa sobre questes de levantamento arqueolgico, com enfoque central em
procedimentos de amostragem probabilstica.
Essa expectativa torna-se evidente, por exemplo, na pesquisa de cunho
interpretativo relacionada identif icao de padres na distribuio de s tios (ou artefatos)
na paisagem. Entretanto, nos estudos voltados avaliao de impactos aos bens
arqueolgicos (nos projetos que envolvem alteraes no ambiente fsico), onde a
capacidade de identif icar e amostrar todas as categorias de recursos arqueolgicos de uma
rea determinada admitida como questo primordial na elaborao e desenvolvimento de
levantamentos arqueolgicos (CALDARELLI; SANTOS M. dos, 1999-2000, p. 59). Nestes
casos a f inalidade dos levantamentos estaria em delinear o universo de recursos sob risco
de destruio, condicionando, a partir de ento, todas a decises de gesto subseqentes
(SANTOS, M. dos, 2001, p. 40).
Outras formas de obteno de dados regionais referem-se aos levantamentos ditos
oportunsticos, no probabilsticos ou assistemticos, que embora utilizem tcnicas
consideradas methodologically unlovely (AIKENS, 197623 apud SCHIFFER et al., 1978, p.
2) so atualmente amplamente empregadas e, em geral, desenvolvidas concomitantemente
com tcnicas no tendenciosas. A justif icativa para seu uso d-se em razo de: a) criticas
a amostragem probabilstica como nica forma de obteno de amostras confiveis e
representativas da realidade arqueolgica investigada; b) relativa eficincia de mtodos
-
31
assistemticos na deteco de certos tipos de stios, a baixo custo operacional, e
principalmente; c) do reconhecimento das diferenas existentes entre a descoberta de
mater iais arqueolgicos e a estimativa de parmetros regionais, expresso em artigos como o
de Schiffer, Sullivan e Klinger (SCHIFFER et al., op. cit.). Estes autores apontaram tambm
para as dif iculdades de implantao de um levantamento probabilstico sob determinadas
condies de campo e sua ineficcia em detectar ou estimar a populao de vestgios
altamente concentrados (adensados), escassos ou raros:
Clearly, many research and management problems require discovery of rare and
clustered elements and estimation of their abundance in the population, sometimes w ere
f ield conditions are poor. 24
Desta forma, sugere-se para alguns casos a complementaridade das tcnicas
probabilsticas e no probabilsticas. Esta perspectiva tambm adotada pela maior parte
dos pesquisadores brasileiros associados arqueologia de contrato (CALDARELLI;
SANTOS M. dos, 1999-2000). Mesmo assim, a estratgia oportunstica ainda no vista
com bons olhos pelos arquelogos em razo do seu carter essencialmente intuit ivo,
indutivo, no explcito e, portanto, pouco cientf ico (HOLE, 1980), sendo indicada apenas
como forma melhorar a resoluo dos levantamentos sistemticos.
No Brasil, esta abordagem tambm continua profundamente associada quela
desenvolvida junto ao Programa Nacional de Pesquisas Arqueolgicas (PRONAPA,
realizado entre 1965 e 1971, seguindo as orientaes de EVANS; MEGGERS, 1965), que
preconizava o levantamento com base nos cursos dgua e informaes orais. Muitas
crticas foram feitas ao mtodo dito pronabiano, que segundo Mello (1997, p.17) no seria
capaz de fornecer uma amostra confivel: Por no ser probabilstica, e produzir desvios,
no produz estimativas vlidas dos riscos de erro, tornando-se praticamente imposs vel
replicar ou avaliar, qualitativa ou quantitativamente, esses trabalhos. Para Alexander
23 AIKEN S, C. M. Some archeological concerns of the Bureau of Land Management in Oregon: observations and recommendations. Manuscript, Department of Anthropolog y, Uni versity of Oregon, 1976.24 Ibid. , p. 2
-
32
(1983:17725 apud MELLO, op. cit.), tais levantamentos assistemticos dependeriam ainda de
trs outros fatores:
1. a localizao de materiais est enfocada pesadamente sobre a exposio do solo;
2. uso de estratgias de prospeco, geralmente baseadas no conhecimento
comum ou experincia pessoal do pesquisador, destacando aqueles locais considerados
mais propcios, e assim, produzindo seleo ou tratamento diferencial de reas em vez de
padres culturais;
3. influncia dos dados etnogrficos e informaes histricas na intensif icao dos
levantamentos sobre as reas ocupadas durante o perodo documentado;
Entretanto, tais assertivas parecem no atentar para o fato que tambm existe m
grandes limitaes e produo de desvios amostrais nos mtodos ditos mais cientf icos ou
probabilsticos, e que raramente so explicitados no mbito dos trabalhos. Um exemplo
refere-se influncia dos fatores de visibilidade nos levantamentos sistemticos amostrais
ou mesmo nos chamados de cobertura total, que tenham por base a identif icao de
ocorrncias arqueolgicas superficiais. A implementao de transects ou caminhamentos
orientados nem sempre diminui tais fatores, que em geral, no so considerados nas
anlises e interpretaes finais. No caso de transects, por exemplo, sua or ientao se d de
forma a cobrir estratos paisagsticos diferenciados esperando que a variabilidade de
ambientes percorridos se traduza em uma avaliao amostral da variabilidade dos stios
existentes. Entretanto, muitos parecem desconsiderar que estratos paisagsticos
diferenciados podem apresentar condies de visibilidade diferenciada, o que ir traduzir-se
em uma maior percepo de certas reas em relao s outras. (ex. TERRENATO;
AMMERMAN, 1996).
Ainda nesse aspecto, verif ica-se que muitos relatrios cientf icos e diagnsticos
arqueolgicos que utilizam levantamentos probabilsticos amplos tm sido produzidos sem
25 ALEXANDER, D. The li mitation of traditional sur veying techniques i n a forests environment. Journal of Field Archaeology, n.10, p. 177-186.
-
33
qualquer meno aos possveis efeitos dos fatores de visibilidade ou acessibilidade na
descoberta e avaliao de s tios. Assim, feies com reas aradas, cortes de estradas,
zonas erosivas, trilhas, etc. certamente esto presentes ou ausentes nas unidades
amostrais (sejam aleatrias, sistemticas ou estratif icadas), e podem produzir desvios nos
resultados da pesquisa.
No caso do inadequado uso de estratgias de prospeco baseadas no
conhecimento comum ou experincia do pesquisador, estas atualmente apresentam
grande correspondncia com as abordagens preditivas relacionadas, por exemplo, a
utilizao de variveis ambientais de relevncia arqueolgica (KASHIMOTO, 1997),
consideradas mais aceitas. A diferena principal parece estar na explicitao dos critrios,
permitindo a identif icao clara dos mtodos e das suas conseqncias.
Para Caldarelli e Monteiro dos Santos (1999-2000, p. 61) a explicitao de conceitos
e parmetros adquire signif icado determinante no momento de planejamento e elaborao
do desenho de levantamento arqueolgico, o que ir influenciar diretamente o resultado
das pesquisas. Tais critrios, segundo as autoras, devem advir de decises explcitas, que
compreendem entre outros:
A definio de sitio arqueolgico: que ir delimitar o que ser ou no
registrado;
Tipo de cobertura, determinando como e em que locais sero aplicados os
procedimentos de levantamento;
Intensidade do levantamento (mtodo prospectivo);
Grau de visibilidade, referente s condies de visualizao de vestgios
superficiais;
Acessibilidade, relacionada facilidade ou no do acesso s reas definidas
para o levantamento.
-
34
Finalmente cabe citar que os parmetros adotados sejam por mtodos
oportunsticos, probabilsticos ou ambos, precisam ser considerados no mbito dos
problemas a serem resolvidos e, em conformidade com as particularidades da rea de
pesquisa. Estas ltimas incluem: os propsitos de criao e delimitao (pesquisas
tradicionais, avaliao ambiental de empreendimentos, regularizao de Unidades de
Conservao, etc); os conhecimentos pr-existentes sobre o contexto histrico, etnogrfico
e arqueolgico e; as suas caractersticas ambientais e de uso do solo.
2.3 Especificidades espaciais e temporais das UCs e suas implicaes
metodolgicas
Como preconiza a premissa (ii) da planif icao regional, faz-se necessrio
considerar as condicionantes prprias de implementao das UCs, nas propostas de
levantamento e avaliao arqueolgica dessas reas. Para isso, convm apontar alguns
contrastes existentes com os estudos arqueolgicos associados AIA, amplamente
realizados no Brasil, e que tambm abordam aspectos de gesto dos recursos
arqueolgicos. Desta maneira, pretende-se demonstrar adicionalmente, que os mtodos
freqentemente utilizados nos processos de licenciamento ambiental no so apropriados
para o diagnstico em UCs, justif icando a adoo de outra perspectiva metodolgica.
1. Os objetivos gerais das UCs (associados as categorias de manejo) diferem
signif icativam