Diagnóstico e Manejo de Recursos Arqueológicos Em Unidades de Conservação Uma Proposta Para o...

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Este trabalho objetivou a elaboração de uma proposta para o diagnóstico derecursos arqueológicos das Reservas Naturais Serra do Itaqui e Cachoeira (litoralnorte paranaense), sob o enfoque da inserção do Patrimônio Histórico-Arqueológicono planejamento ambiental de Unidades de Conservação (UCs) no Brasil. Sãoapontadas perspectivas metodológicas para a planificação, levantamento eavaliação arqueológica regional, tendo por base o uso de métodos oportunísticos ecritérios explícitos de visibilidade e acessibilidade dos recursos. Tencionou-se comisso, discutir formas mais apropriadas para o diagnóstico das potencialidades efragilidades existentes, com vistas a apontar diretrizes prioritárias para o manejo egestão de bens arqueológicos nas áreas de proteção integral ou de usoregulamentado, seja sob domínio público ou privado. As principais avaliaçõesrealizadas a partir dos 66 sítios arqueológicos identificados, compreenderam: aanálise comparativa dos fatores de degradação; o prognóstico de áreas e atividadescríticas; a definição de critérios de significância e prioridade e; a identificação daspotencialidades de uso e preservação dos bens culturais. Por sua vez, a utilizaçãode parâmetros associados ao uso e ocupação do solo (remanescente, atual efuturo), bem como o exame das características ambientais das áreas, permitiucaracterizar normas para um zoneamento arqueológico mais adaptado às demandasdo ordenamento territorial nas UCs. Finalmente, foram apontados subsídios erecomendações gerais para a gestão e manejo de recursos arqueológicos,considerando ainda, as diferenças de avaliação em cada reserva.

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULOFACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS

    MUSEU DE ARQUEOLOGIA E ETNOLOGIA

    Larcio Loiola Brochier

    Diagnstico e manejo de recursos arqueolgicos em Unidades de Conservao: uma proposta para o

    litoral paranaense

    So Paulo2004

  • Larcio Loiola Brochier

    DIAGNSTICO E MANEJO DE RECURSOS

    ARQUEOLGICOS EM UNIDADES DE CONSERVAO: UMA PROPOSTA PARA O LITORAL PARANAENSE

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, para obteno do ttulo de Mestre em Arqueologia.Instituio: Museu de Arqueologia e Etnologia da USP.

    Orientador: Profa. Dra. Marisa Coutinho Afonso

    So Paulo2004

  • ii

    AGRADECIMENTOS

    Tantos foram os acontecimentos e convivncias durante o perodo de elaborao

    deste trabalho, que para mim literalmente representaram uma vida. S tenho a agradecer e

    dividir a minha satisfao com todos que direta ou indiretamente participaram do meu

    restabelecimento enquanto estive enfermo, e da minha nova caminhada representada aqui

    por esta dissertao. Certamente no ser possvel nomear todos aqueles que me foram

    solidrios e companheiros. Assim, neste contexto, destaco apenas genericamente os meus

    familiares, os amigos prximos e distantes, e ainda, aos muitos colegas e professores do MA E-USP que prestaram um incrvel apoio naqueles momentos mais difceis.

    Registro agora, os agradecimentos especiais a algumas pessoas e instituies que

    contriburam decisivamente para a estruturao, continuidade e f inalizao desta pesquisa.

    O primeiro reconhecimento e agradecimento direciona-se Profa. Dra. Marisa

    Coutinho Afonso, orientadora paciente e amiga, pelo seu sincero e explcito interesse na

    transmisso de conhecimentos e, pela excepcional capacidade de compreenso e

    atendimento a um orientando pouco exemplar.

    Gostaria de citar com destaque os professores, Erika M. Robrahn-Gonzlez, Paulo

    Dantas De Blasis, Margarida Davina Andreatta e Jos Luiz de Morais, a todo o incentivo

    profissional e pessoal recebido.

    Agradeo a Astolfo Arajo, pelo apoio e as importantes orientaes fornecidas nos

    poucos contatos que tivemos. Destaco ainda o seu exemplo como arquelogo dedicado e

    perspicaz.

    Sandra Nami, minha grande amiga, pelos seus conselhos, por sua atitude alegre e

    sempre carinhosa, apesar dos tapinhas. Agradeo ainda, sua pronta disposio de me

    acolher como hspede em sua casa.

    A todos os colegas do MAE, especialmente Juliana e Lucas Bueno, Enrique

    Pozzi, Andrei Isnardis, Fernando (caminho), Julia, Patrcia, Elisangela, Robson,

    Joo, Marcelo Gomes, Luciane Kamase, Flavio Calippo, Gilson Rambeli, Camila

    Souza, entre outros, que sempre fizeram de minha estada em So Paulo uma

    permanncia muito agradvel.

    Aos colegas paranaenses de mestrado e grandes companheiros de viagens,

    Antonio Cavalheiro, que prestou ajuda imprescindvel de campo, disponibilizando

    ainda, equipamentos e informaes histricas importantes. Rucirene Miguel,

    tambm uma sobrevivente, pelo seu exemplo de perseverana em batalhar pelo

  • iii

    que certo. E, a Luiz Fernando Erig Lima, pela amizade sincera e apoio

    incondicional.

    Ao astrnomo Alcides Cores, que alterou seu olhar do cu para o solo, me

    ajudando nas atividades prospectivas de campo.

    Ao Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de So Paulo, principalmente

    aos professores, pessoal da Secretaria Acadmica, bibliotecrias e funcionrios.

    Ao CEPA/UFPR pelos bons anos de trabalho, que possibilitaram meu

    crescimento profissional. Agradeo em especial ao Professor Igor Chmyz, exemplo

    de dedicao Arqueologia.

    Sociedade de Proteo em Vida Silvestre (SPVS) por todo o amparo

    logstico e financeiro para a realizao dos trabalhos arqueolgicos. Ao

    LABSIG/SPVS pela confeco de mapas e alguns produtos. Em especial, agradeo

    aos coordenadores Ricardo (Mestre) e Andr, cuja empolgao com a arqueologia

    me deixou bastante sensibilizado.

    Finalizo com o agradecimento aos funcionrios e administradores das

    Reservas Itaqui e Cachoeira, que me acompanharam em campo, revelando-se

    ainda, fonte constante de informaes sobre os vestgios histricos nas reas

    pesquisadas.

    RESUMO

  • iv

    BROCHIER, L.L. Diagnstico e manejo de recursos arqueolgicos em Unidades de Conservao: uma proposta para o litoral paranaense. 2004. 165f. Dissertao (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2004.

    Este trabalho objetivou a elaborao de uma proposta para o diagnstico de

    recursos arqueolgicos das Reservas Naturais Serra do Itaqui e Cachoeira (litoral

    norte paranaense), sob o enfoque da insero do Patrimnio Histrico-Arqueolgico

    no planejamento ambiental de Unidades de Conservao (UCs) no Brasil. So

    apontadas perspectivas metodolgicas para a planificao, levantamento e

    avaliao arqueolgica regional, tendo por base o uso de mtodos oportunsticos e

    critrios explcitos de visibilidade e acessibilidade dos recursos. Tencionou-se com

    isso, discutir formas mais apropriadas para o diagnstico das potencialidades e

    fragilidades existentes, com vistas a apontar diretrizes prioritrias para o manejo e

    gesto de bens arqueolgicos nas reas de proteo integral ou de uso

    regulamentado, seja sob domnio pblico ou privado. As principais avaliaes

    realizadas a partir dos 66 stios arqueolgicos identificados, compreenderam: a

    anlise comparativa dos fatores de degradao; o prognstico de reas e atividades

    crticas; a definio de critrios de significncia e prioridade e; a identificao das

    potencialidades de uso e preservao dos bens culturais. Por sua vez, a utilizao

    de parmetros associados ao uso e ocupao do solo (remanescente, atual e

    futuro), bem como o exame das caractersticas ambientais das reas, permitiu

    caracterizar normas para um zoneamento arqueolgico mais adaptado s demandas

    do ordenamento territorial nas UCs. Finalmente, foram apontados subsdios e

    recomendaes gerais para a gesto e manejo de recursos arqueolgicos,

    considerando ainda, as diferenas de avaliao em cada reserva.

    PALAVRAS-CHAVE

    Arqueologia Conservacionista - Diagnstico Arqueolgico Mtodos de

    Levantamento Regional Unidades de Conservao Gesto de Recursos

    Culturais

  • vSUMRIO

    AGRADECIMENTOS.............................................................................ii

    RESUMO..............................................................................................iii

    LISTA DE TABELAS ..........................................................................viii

    LISTA DE QUADROS........................................................................... ix

    LISTA DE FIGURAS.............................................................................. x

    CAPTULO 1 INTRODUO ........................................................................1

    1.1 Justificativas, Hiptese e Objetivos .............................................................................5

    1.2 Apresentao das reas de Estudo .............................................................................9

    1.3 Unidades de Conservao: histrico, categorias de manejo e a insero dos valores scio-culturais.......................................................................................................12

    CAPTULO 2 PLANIFICAO REGIONAL: ENQUADRAMENTO, DEFINIO DOS TERMOS E A OPO DO MTODO............................................................... 20

    2.1 Pressupostos para a planificao regional da pesquisa.........................................28

    2.2 Tcnicas probabilsticas versus tcnicas oportunsticas: necessidade da explicitao..........................................................................................................................30

    2.3 Especificidades espaciais e temporais das UCs e suas implicaes metodolgicas.....................................................................................................................34

    2.4 Parmetros para o registro arqueolgico regional...................................................37

    2.5 Unidades de anlise arqueolgica: proposta para o parcelamento territorial em UCs........................................................................................................................................40

    2.6 O desenvolvimento dos trabalhos de campo............................................................47

    CAPTULO 3 ESTUDOS PRVIOS SOBRE O POTENCIAL HISTRICO-ARQUEOLGICO REGIONAL E LOCAL.......................................................... 51

    3.1 A Etno-Histria do Litoral Norte Paranaense ............................................................523.1.1 Roteiro Histrico por Bacias Hidrogrficas........................................................65

    3.2 Levantamentos e Pesquisas Arqueolgicas Anteriores..........................................73

  • vi

    CAPTULO 4 LEVANTAMENTOS E AVALIAES DE CAMPO: O DIAGNSTICO DAS FRAGILIDADES E POTENCIALIDADES............................................................81

    4.1 Levantamento Arqueolgico de Campo.....................................................................81

    4.2 Anlise dos Fatores de Degradao de Stios Arqueolgicos................................864.2.1 Bioturbao.............................................................................................................864.2.2 Processos Erosivos ...............................................................................................874.2.3 Impacto Humano Remanescente..........................................................................884.2.4 Impacto Humano Direto (Atual).............................................................................89

    4.3 Prognstico de Atividades e reas Crticas..............................................................96

    4.4 Avaliao de Criticidade/Prioridade ...........................................................................98

    4.5 Potencialidades...........................................................................................................1034.5.1 Pesquisa, Conservao e Proteo....................................................................1034.5.2 Educao Ambiental/Patrimonial .......................................................................1054.5.3 Uso Pblico e Desenvolvimento Sustentvel ...................................................108

    CAPTULO 5 PROPOSIES PARA O MANEJO E GESTO DO PATRIMNIO ARQUEOLGICO NAS RESERVAS ITAQUI E CACHOEIRA ..................................113

    5.1 Subsdios e Recomendaes Gerais........................................................................1165.1.1 Pesquisas Prioritrias..........................................................................................1165.1.2 Envolvimento e Participao Comunitria........................................................1175.1.3 Inspees Peridicas...........................................................................................1185.1.4 Plano de Conservao dos Stios.......................................................................1185.1.5 Processos Erosivos .............................................................................................1195.1.6 Manejo da Vegetao ...........................................................................................1195.1.7 Delimitao e Proteo das reas de Entorno .................................................1205.1.8 Pesquisas e Escavaes Arqueolgicas...........................................................1205.1.9 Stios Arqueolgicos em Exposio..................................................................121

    RESULTADOS E DISCUSSES DO DIAGNSTICO ARQUEOLGICO ................... 122

    REFERNCIAS ........................................................................................ 130

    ANEXO 1 : MAPA HISTRICO DO LITORAL NORTE PARANAENSE................... 139

    ANEXO 2: Mapa de stios arqueolgicos identificados na RESERVAITAQUI (Elaborao LABSIG-SPVS).................................................. 142

    ANEXO 3: Mapa de stios arqueolgicos identificados na RESERVA CACHOEIRA (Elaborao LABSIG-SPVS)......................................... 144

    ANEXO 4: Amostras do registro fotogrfico....................................... 146

  • vii

    ANEXO 5: Quadro com os atributos de anlise da RESERVA ITAQUI 153

    ANEXO 6: Quadro com os atributos de anlise da RESERVA CACHOEIRA ...................................................................................... 158

  • viii

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Dinmica populacional nos anos e 1815 e 1838 na regio de Paranagu ...........62

    Tabela 2: Quantif icao dos Fatores de degradao existentes nas ocorrncias arqueolgicas levantadas na Reserva Natural Itaqui................................................90

    Tabela 3: Quantif icao dos Fatores de degradao existentes nas ocorrncias arqueolgicas levantadas na Reserva Natural Cachoeira. .......................................91

    Tabela 4: Relao entre as reas de ocorrncias, avaliaes de prioridade (1 ordem em vermelho e 2 ordem em azul ou roxo), e o prognstico de atividades criticas nas Reservas Itaqui e Cachoeira....................................................................................102

    Tabela 5: Representatividade dos fatores de degradao mais crt icos em cada reserva, em relao as ocorrncia de 1 ordem (avaliao da Criticidade/Prior idade)..............128

  • ix

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Descrio das principais Unidades Conservao Brasileiras tidas como de Proteo Integral (retirado de MMA, 2003). ..............................................................16

    Quadro 2 - Descrio das principais Unidades Conservao Brasileiras tidas como de Uso Sustentvel (retirado de MMA, 2003) ........................................................................17

    Quadro 3 - Atributos de signif icao para a avaliao dos registros arqueolgicos, com a indicao das possibilidades de soma de pontos que sero utilizados na definio da Signif icncia Geral. ...............................................................................................46

    Quadro 4: Critrios para o estabelecimento da ordem de Pr ioridades (P) entre as ocorrncias arqueolgicas avaliadas nas Reservas Itaqui ( I) e Cachoeira (C) e a quantif icao correspondente....................................................................................99

    Quadro 5: Tabela de Avaliao de Crit icidade/Prioridade para a Reserva Itaqui. As cores identif icam os critrios para o estabelecimento das prioridades. ...........................100

    Quadro 6: Tabela de Avaliao de Crit icidade/Prioridade para a Reserva Cachoeira. As cores identif icam os critrios para o estabelecimento das prioridades...................101

    Quadro 7: Procedimentos para o manejo da vegetao em s tios arqueolgicos (modif icado de OLIV EIRA, 2000:182, adaptado de HA MEL & JONES, 1982). .........................120

  • xLISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Disposio das Reservas no Estado do Paran (fonte LABSIG/SPVS) .................10

    Figura 2: Posicionamento das Reservas (elipses) junto a rea de Proteo de Guaraqueaba (linha cinza), no contexto do Litoral Paranaense e Planalto Curit ibano (fonte LABSIG SPVS, adaptado) .............................................................11

    Figura 3: Mapa dos acessos principais as Reservas Naturais Serra do Itaqui e Cachoeira (fonte LABSIG SPVS, adaptado) ...............................................................................12

    Figura 4: Mapa da pr imeira metade do sc. XIX, mostrando as principais localidades existentes na regio do rio Cachoeira e Faisqueira. .................................................66

    Figura 5: Detalhe do Mapa anterior, com aproximao da regio do Limoeiro, observando-se a presena de um antigo salto junto ao rio Cachoeira. .............................................67

    Figura 6: Sambaquis cadastrados em pesquisas anteriores nas proximidades da Reserva do Itaqui (segundo PA RELLADA & GOTARDI NETTO, 1993). .....................................80

    Figura 7: Sambaquis cadastrados em pesquisas anteriores nas proximidades da Reserva Cachoeira (segundo PA RELLA DA & GOTARDI NETTO, 1993). .............................80

    Figura 8: Visualizao quantitativa dos tipos culturais identif icados nas Reservas ...............84

    Figura 9: Comparao das avaliaes da signif icncia geral dos stios arqueolgicos em ambas as reservas.....................................................................................................85

    Figura 10: Visualizao das relaes entre os tipos de fatores degradantes e a quantidade de stios afetados em cada Reserva. ........................................................................92

    Figura 11: Comparativo dos fatores de degradao das Reservas Itaqui e Cachoeira. As linhas tracejadas correspondem tendncia mdia dos valores percentuais. ........93

    Figura 12: Exemplo de Cermica Tupiguarani, com pintura em motivos geomtricos (fonte:HERA NA, 1994) ..........................................................................................111

    Figura 13: Peas e fragmentos cermicos da Tradio Neobrasileira, localizados na reserva Itaqui. ........................................................................................................................112

    Figura 14: Quadro indicando os principais atributos para o plano de gesto e manejo de stios arqueolgicos na Reservas Itaqui e Cachoeira (em parte adaptado de Oliveira, 2000). .........................................................................................................115

  • CAPTULO 1 INTRODUO

    O permanente parece estar sempre fitando o transitrio com certa

    superioridade que paira entre zombaria e tolerncia, e assim eu, velho

    homem, me sinto analisado e observado por essa vastido [...], tolerado

    com u m pouquinho de ironia, sem me sentir humilhado.

    Hermann Hesse

    O estudo em questo compreende a expectativa do aperfeioamento de abordagens

    voltadas ao diagnstico arqueolgico para f ins de plano de manejo em reas naturais

    protegidas ou de uso regulamentado. Tal proposio surgiu em um contexto atual de

    demandas especf icas no Brasil, cujo enfoque almeja a insero dos recursos arqueolgicos

    na prxis do planejamento e gesto ambiental em Unidades de Conservao (UCs), estando

    portanto, associada principalmente arqueologia denominada conservacionista

    (conservancy archaeology).

    Foi a partir da relativa experincia do autor em levantamentos e avaliaes

    arqueolgicas para Estudos de Impacto Ambiental (EIA-RIMAs diversos), ou ainda, em

    algumas proposies de zoneamento arqueolgico de reas urbanas (CHMYZ; BROCHIER,

    1999)1 ou stios especf icos (CHMYZ; CHMYZ J.; BROCHIER, 1999), que permitiu o

    vislumbre das problemticas existentes para o diagnstico e manejo de bens patrimoniais

    em amplos espaos territoriais, com grande diversidade ambiental e de ocupao humana.

    Ainda, considerando o escopo deste trabalho, revelaram-se importantes dois estudos mais

    recentes realizados em reas naturais e antropizadas no litoral paranaense, cujos propsitos

    interpunham questes de compatibilizao entre as necessidades scio-econmicas e

    desenvolvimentistas dessas reas, com as exigncias legais da conservao ambiental e

    patrimonial.

  • 2Um primeiro momento de introspeco metodolgica foi realizado durante a

    execuo do diagnstico para o EIA Rima das Estaes de Tratamento de Esgoto (ETEs)

    nos municpios litorneos de Matinhos e Pontal do Paran (primeiro semestre de 2002).

    Nessa ocasio, com o intuito de avaliar o potencial arqueolgico em uma ampla faixa da

    plancie costeira, foram abordados terrenos com grandes diferenas no contexto natural e

    de uso antrpico recente (ambientes de matas de restinga, mangues, zonas urbanas,

    balnerios e reas tursticas, uma rea insular, etc). Tais condies implicavam na adoo

    de diferentes tcnicas prospectivas, tanto sistemticas quanto oportunsticas, de modo a

    avaliar as reais possibilidades de impacto ou r isco ao patrimnio arqueolgico. No entanto,

    foram verif icadas situaes de inviabilidade de observao superficial (ou mesmo sub-

    superficial) em ambientes como os de brejos intercordes, cobertos com mata fechada e

    solos encharcados. Em contraste, os setores com solos expostos, como nas laterais da

    Rodovia das Praias (recm abertas e limpas) ou nos barrancos erosivos situados no

    contato com guas marinhas, permitiram a deteco rpida de ocorrncias, inclusive

    aquelas situadas a uma certa profundidade.

    Naquele contexto, as caractersticas do uso do solo e cobertura f lorstica alterara m

    sensivelmente as condies de visibilidade e acessibilidade do registro arqueolgico, o que

    em muitos casos favorecia a deteco de stios, porm comprometiam a qualidade da

    amostragem dos recursos nos diferentes setores prospectados. Assim, a necessidade de

    compatibilizar o crescimento e o saneamento das reas urbanas com preservao de

    recursos culturais, muitos dos quais ainda desconhecidos, implicava na capacidade do

    diagnstico arqueolgico em no apenas apontar stios, mas avaliar o potencial preditivo

    para sua ocorrncia nas diversas reas impactadas pelo empreendimento.

    Adotou-se ento uma perspectiva de incorporao dos principais fatores

    tendenciantes (no caso, aspectos de visibilidade e acessibilidade) como unidades de

    amostragem arqueolgica, o que permitiu reduzir os seus efeitos danosos no

    1 No publicado.

  • 3desenvolvimento das prospeces e nos resultados do levantamento. Como exemplo, foram

    utilizadas as prprias feies atuais de exposio de solos existentes nas reas de estudo

    (barrancos, trilhas, estradas, valas de drenagem, etc), como verdadeiras trincheiras ou

    transects de observao superficial e subsuperficial controlada.

    Desta forma, optou-se pela descrio e mensurao, por fotos areas recentes e

    dados de campo, das feies de exposio de solos (extenso e profundidade), objetivando

    utiliz-las como elementos explcitos de avaliao arqueolgica amostral. Assim foi

    possvel controlar algumas atividades prospectivas, direcionando-as somente para algumas

    feies distribudas eqidistantemente pela rea.

    Em um segundo momento, proporcionado pelos estudos de consultoria para o Plano

    de Manejo e Zoneamento Ecolgico-Econmico (ZEE) da rea de Proteo Ambiental

    (APA) de Guaratuba (segundo semestre de 2002), as problemticas para o diagnstico

    arqueolgico se intensif icaram. Os quase 200.000 ha da APA, que abrangiam desde a

    ambientes estuarinos da baia de Guaratuba at parcelas amplas da Serra do Mar, tambm

    apresentavam intensa ocupao humana em alguns locais (considerando que as APAs

    podem admitir o uso direto do solo e a presena de propriedades particulares). Em virtude

    da grande extenso das reas a serem cobertas e dos objetivos do levantamento (gesto e

    manejo dos recursos arqueolgicos), foram selecionadas zonas amostrais consideradas

    mais frgeis do ponto de vista arqueolgico-ambiental e que pudessem fornecer os

    elementos necessrios para uma avaliao das problemticas e potencialidades existentes.

    Como no estudo anterior, as particularidades de uso e ocupao do solo, que

    propiciavam as diferenas mais sensveis em termos de visibilidade e acessibilidade das

    reas, tambm nortearam explicitamente as atividades de campo. Porm desta vez, os

    elementos tendenciantes na amostragem (ex. barrancos de estradas, valas de drenagem,

    zonas aradas, ravinamentos erosivos, trilhas, atracadouros, cercas, etc) foram considerados

    como fatores positivos, pois destacavam e sobrelevavam os registros arqueolgicos com

    maior fragilidade (perturbados por processos erosivos, revolvimentos de solo, construo de

  • 4estradas e infra-estruturas rurais, etc.) ou aqueles mais aptos a um futuro uso e manejo

    (situados em locais mais acessveis visitao, por exemplo). Assim, tais fatores

    proporcionaram uma caracterizao rpida e objetiva de reas arqueolgicas, registradas a

    partir de uma abordagem essencialmente oportunstica e enfocada na preeminncia das

    aes a serem implementadas na rea.

    Por sua vez, o enfoque sobre o uso e ocupao do solo, em contraponto aos

    aspectos naturais e de biodiversidade da rea de estudo (ecossistemas florsticos e

    faunsticos, clima, compartimentos geomorlgicos, geologia e solos, etc), tambm se

    mostrou como fator imprescindvel na definio do Zoneamento Ecolgico-Econmico (ZEE)

    da APA de Guaratuba, revelando-se um componente de reflexo comum entre as

    abordagens ambientais e arqueolgicas.

    A partir desses estudos, quatro questes surgiram como necessidades para futuros

    levantamentos em Unidades de Conservao (UCs): 1) Haveria formas de aprimorar os

    levantamentos por mtodos oportunsticos de maneira a promover diagnsticos

    arqueolgicos direcionados s especif icidades e objetivos das UCs no Brasil? 2) Como

    avaliar as fragilidades e potencialidades dos recursos arqueolgicos, considerando a

    utilizao de critrios como signif icncia arqueolgica, dinmica de fatores naturais e uso do

    solo (remanescente, atual e futuro)? 3) Considerando o elevado potencial predit ivo de

    determinadas reas e o expressivo nmero de ocorrncias arqueolgicas identif icadas em

    trabalhos de campo (73 stios na APA de Guaratuba), como seria possvel estabelecer

    critrios para priorizar as aes preservacionistas ou de manejo nos variados tipos de st ios,

    ou nas diferentes zonas potenciais? 4) Quais as anlises mais apropriadas para a

    espacializao das problemticas e potencialidades associadas aos recursos arqueolgicos,

    de forma a promover um zoneamento mais adequado s realidades e propsitos das UCs?.

    No presente estudo, realizado junto ao Plano de Manejo da Reservas Naturais Serra

    do Itaqui e Cachoeira, no litoral norte do Paran, estas e outras questes foram testadas

    permitindo a apresentao de uma proposta de diagnstico arqueolgico para Unidades de

  • 5Conservao no Brasil. Entretanto, considerando a ampla diversidade das categorias de

    manejo existentes, seja nas UCs de Proteo Integral (Estaes Ecolgicas, Parques, etc)

    ou nas de Uso Regulamentado (APAs, Reservas Extrativistas, etc), a pesquisa ir se deter

    sobre aspectos prprios da regio costeira do Estado do Paran, onde as caractersticas

    antrpicas, ambientais e de evoluo f isiogrfica, permitem um enfoque de delimitao

    regional.

    Embora a condio atual das reas estudadas corresponda a simples reservas

    particulares, existe a proposio futura do seu enquadramento como UCs, ou seja, como

    Reservas Particulares do Patrimnio Natural (RPPNs, ver item 1.3). Entretanto, tais

    Reservas encontram-se inseridas na rea de Proteo Ambiental (APA) de Guaraqueaba,

    constituindo pores signif icativas desta UC no Litoral Norte Paranaense. Assim, os estudos

    apresentados j consideram tais reas como UCs, embora ainda no estejam sob as

    normas regimentais determinadas pelo poder pblico para RPPNs .

    1.1 Justificativas, Hiptese e Objetivos

    Dois motivos gerais justif icam a pesquisa: um de natureza terica que compreende a

    necessidade da estruturao e explicitao de critrios para o levantamento, avaliao e

    manejo dos recursos culturais em reas naturais protegidas, o que permitir definir tcnicas

    e mtodos voltados especif icamente insero dos bens histrico-arqueolgicos no

    planejamento ambiental de Unidades de Conservao no Brasil.

    O segundo motivo, de natureza prtica ou empr ica, est relacionado prpria

    carncia de levantamentos mais detalhados sobre os stios arqueolgicos na regio

    litornea do Estado do Paran, mas principalmente, demanda existente nas reas de

    estudo (Reservas Naturais Serra do Itaqui e Cachoeira), que compreende a necessidade de

  • 6avaliaes arqueolgicas para f ins de Zoneamento Ambiental e Plano de Manejo nessas

    reas.

    Com base nas justif icativas acima e nas problemticas gerais apresentadas no texto

    introdutrio, surgiram perguntas relacionadas a questes mais especf icas que nortearam a

    realizao do presente estudo:

    Considerando as diferenas de objetivos entre a arqueologia praticada nas

    Avaliaes de Impacto Ambiental (AIA), nas pesquisas de carter interpretativo (incluindo

    aquelas associadas a resgates arqueolgicos) e nos estudos para Zoneamento Ambiental,

    como esses distintos enfoques podero refletir propostas metodolgicas de levantamento

    regional em UCs?

    Considerando as caractersticas de proteo e uso restritivo das UCs, bem

    como suas especificidades temporais e espaciais de implementao e regularizao, quais

    os fatores mais relevantes a serem apontados em um diagnstico arqueolgico preliminar

    dessas reas ?

    Como poderiam ser distribudas as unidades de anlise para o levantamento

    arqueolgico, adotando-se fatores como visibilidade e acessibilidade diferencial. De que

    forma a escolha dessas unidades afetar os resultados do diagnstico arqueolgico e as

    proposies da resultantes?

    Considerando as abordagens no sistemticas como favorveis a

    identificao e avaliao de fragilidades e potencialidades em UCs, como seria possvel

    obter uma amostra representativa destes aspectos nas reas? Haveria maneiras de

    comparar UCs pelos mesmos critrios metodolgicos?

    Que critrios seriam mais aceitveis para a avaliao do estado de

    conservao atual dos recursos, bem como, a identificao e prognstico de riscos no

    interior das reservas? Apenas com base nos levantamentos pontuais de campo, seria

  • 7possvel identificar elementos eficazes para uma quantizao e hierarquizao das

    atividades e reas mais crticas?

    Quais os mecanismos que poderiam ser utilizados para qualificar e quantificar

    as problemticas e potencialidades arqueolgicas, de modo a estabelecer critrios para a

    tomada de decises prioritrias de manejo e gesto?

    Como inserir as peculiaridades de proteo, conservao, pesquisa e uso dos

    recursos arqueolgicos nas propostas de zoneamento e gesto da UCs?

    Em UCs com os mesmos propsitos e ambientes similares, tais como as

    Reservas Naturais Itaqui e Cachoeira, quais as diferenas mais significativas que poderiam

    ser captadas no diagnstico arqueolgico, de forma a promover um manejo adequado as

    peculiaridades de cada reserva ? De que maneira a comparao entre as reservas e outras

    UCs poderia ajudar na estruturao de metodologias mais apropriadas ao Zoneamento

    Ambiental dessas unidades?

    No decorrer das atividades de campo e gabinete, as problemticas inicialmente

    visualizadas foram definidas com melhor propriedade, o que permitiu a enunciao de duas

    hipteses gerais, que serviram de guia para o desenvolvimento do trabalho.

    A principal hiptese da pesquisa tem carter metodolgico e considera as

    abordagens oportunsticas de levantamento regional como as mais apropriadas ao

    diagnstico arqueolgico preliminar requerido junto aos Planos de Manejo das Unidades de

    Conservao no Brasil. Esta assertiva vlida para os mtodos e tcnicas desenvolvidos a

    partir de critrios explcitos de avaliao arqueolgica, onde os fatores de visibilidade e

    acessibilidade so utilizados para amostrar e delimitar as principais fragilidades e

    potencialidades dos recursos culturais regionais. Portanto, presume-se que para efeito da

    insero de recursos arqueolgicos nas primeiras etapas do planejamento ambiental, os

    elementos mais signif icativos para o zoneamento territorial e prerrogativas de gesto, sero

    dados pelas particularidades do uso do solo (remanescente, atual e futuro) e as

  • 8condicionantes ambientais de cada UC, e no pela necessidade de amostrar a totalidade de

    recursos arqueolgicos existentes, por exemplo.

    A segunda hiptese complementar a primeira e estabelece a existncia de uma

    relao de interdependncia entre: (i) as condies ambientais e de uso (e ocupao) do

    solo de uma dada rea; (ii) aspectos de visibilidade e acessibilidade e; (iii) as principais

    fragilidades e potencialidades dos registros arqueolgicos nela inseridos. Assim, em um

    diagnstico arqueolgico que considere explicitamente esta relao, torna-se possvel

    avaliar qualquer um dos itens, a partir dos outros. Esta relao importante, pois se

    considera neste trabalho, que os elementos determinantes para o zoneamento territorial de

    uma UC (apontados no Plano de Manejo), sero dados sobremaneira pelas primeiras

    condicionantes (variveis ambientais e uso do solo). Assim, atravs dessa expectativa de

    interconexo que ser possvel inserir de forma objetiva os recursos arqueolgicos no

    processo de planejamento ambiental dessas unidades.

    Nesse contexto so considerados ento, os seguintes objetivos gerais para o projeto

    e desenvolvimento da pesquisa:

    Contribuir para a reflexo sobre os procedimentos mais adequados para o

    diagnstico arqueolgico em UCs, balizados sob o enfoque da insero dos recursos

    culturais nas estratgias de planejamento e manejo ambiental;

    Estabelecer parmetros objetivos para o levantamento inicial de dados

    primrios e secundrios capazes de avaliar as fragilidades e potencialidades arqueolgicas

    existentes nas UCs, permitindo proposies eficazes para o zoneamento e gesto dos

    recursos culturais e naturais;

    Realizar levantamentos arqueolgicos nas Reservas Naturais Serra do Itaqui

    e Cachoeira (litoral norte paranaense), que permitam anlises comparativas entre as

    prprias Reservas e outras Unidades de Conservao no Brasil;

  • 9Ampliar a produo de conhecimentos sobre o patrimnio arqueolgico do

    litoral paranaense, com a identif icao de novos indcios culturais, posicionamento preciso

    das ocorrncias, descrio das caractersticas dos vestgios, avaliaes sobre o estado de

    conservao atual, entre outros, alm de perspectivas mais objetivas quanto proteo,

    conservao, pesquisa e uso pblico dos bens arqueolgicos em reas costeiras;

    1.2 Apresentao das reas de Estudo

    As Reservas Naturais Serra do Itaqui e Cachoeira esto situadas na poro norte do

    litoral do Estado do Paran (Figura 1), compreendendo reas laterais as baias de Antonina

    e Guaraqueaba (Figura 2). O acesso principal se d atravs da estrada PR 405 entre as

    localidades de Cacatu e Tagaaba (Figura 3). Ambas as Reservas esto inseridas na rea

    de Proteo Ambiental de Guaraqueaba, e embora representem unidades particulares

    independentes, aproximam-se do enquadramento proposto para Reservas Particulares do

    Patrimnio Natural (RPPNs).

  • 10

    Figura 1: Disposio das Reservas no Estado do Paran (fonte LABSIG/SPVS)

    As reas das reservas foram adquiridas e implementadas como unidades de

    conservao pela organizao no governamental (ONG) denominada SPVS (Sociedade de

    Pesquisa em Vida Selvagem e Educao Ambiental). Desde 1990 a SPVS tem concentrado

    suas aes na rea de Proteo A mbienta (APA) de Guaraqueaba, litoral norte do Paran,

    que, junto com o litoral sul de So Paulo, compe o maior remanescente contnuo de

    Floresta Atlntica do Brasil.

    Com o apoio da The Nature Conservancy (ONG amer icana fundada em 1951), a

    SPVS vem implementando o projeto denominado "Ao Contra o Aquecimento Global em

    Guaraqueaba". Trata-se de um plano piloto para a captao de carbono da atmosfera (o

    primeiro realizado na Floresta Atlntica, e um dos 3 projetos deste t ipo em andamento no

    Brasil) por meio da conservao de f lorestas, enriquecimentos de f lorestas degradadas e

    restaurao f lorestal em antigas pastagens de bfalos.

    Baseada em sua misso conservacionista e com apoio de parcerias de grandes

    empresas, a SPVS garantiu recursos que viabilizam projetos de 40 anos para criao de um

    sumidouro de carbono na regio. As propostas de f ixao de carbono compreendem a

    manuteno dos fragmentos florestais preservados, atividades de restaurao ambiental

    com espcies nativas, estudos para a conservao da biodiversidade e programas de

    desenvolvimento sustentvel.

    Para esse propsito foram adquiridas trs reservas, entre as quais a da Serra do

    Itaqui, no municpio de Guaraqueaba, que apresenta uma rea de aproximadamente 7 mil

    hectares, e a Reserva Natural Cachoeira, no munic pio de Antonina, com cerca de 12 mil

    hectares. Em decorrncia das atividades de proteo e f iscalizao das reas, plantio de

    mudas, instalao de infra-estruturas, etc, foram contratados 36 funcionrios para atuarem

    nas reservas (17 em Itaqui e 19 em Cachoeira). Entretanto, para a efetiva implementao

    dos projetos preservacionistas e conservacionistas nas reas, esto sendo promovidos

  • 11

    Planos de Manejo a partir de estudos interdisciplinares, de modo a garantir a manuteno

    dos recursos naturais e scio-culturais existentes.

    Figura 2: Posicionamento das Reservas (elipses) junto a rea de Proteo de Guaraqueaba (linha cinza), no contexto do Litoral Paranaense e Planalto Curitibano (fonte LABSIG SPVS, adaptado)

    A necessidade da implementao de levantamentos para a caracterizao do

    patrimnio arqueolgico nas reservas deu-se pelas prprias caractersticas geogrficas

    dessas reas, situadas na plancie costeira paranaense, onde a paisagem visivelmente

    marcada pela ocorrncia de inmeros registros culturais, como sambaquis e runas

    histricas.

  • 12

    Figura 3: Mapa dos acessos principais as Reserva s Naturais Serra do Itaqui e Cachoeira (fonte LABSIG SPVS, adaptado)

    1.3 Unidades de Conservao: histrico, categorias de manejo e a insero

    dos valores scio-culturais

    A concepo de reas de proteo ambiental apresenta razes em antigas prticas

    culturais e sociais ligadas valorizao de st ios geogrficos, relacionada a determinadas

    f lorestas ou animais sagrados, presena de gua potvel, caa ou fontes de matrias

    primas, existncia de mitos ou eventos histricos, aspectos de contemplao, etc. Existem

    referncias documentadas a essas prticas que antecedem a mais de 2.200 anos (MILLER,

    1997, p. 4). O acesso ou a utilizao desses locais e seus recursos geralmente estavam

    vinculados a prescries ou ditos reais (ex. ndia, Indonsia, Nepal), tabus e aspectos

  • 13

    religiosos (ex. Japo, Bali, Gana, frica do Sul), mecanismos sociais comunitrios ou rgidos

    controles administrativos ao nvel de aldeia (ex. Indonsia e Filipinas) 2. Exemplos mais

    recentes, mundiais e brasileiros (ex. ANDERSON; POSEY, 1985), tambm remetem a

    possibilidades de formas pretritas de manejo de reas onde seriam adotados sistemas de

    auto-regulao explorao excessiva ou a manuteno e manipulao de determinados

    recursos f lorestais.

    A partir da expanso europia apoiada sobre o colonialismo e o mercantilismo,

    comea um processo de explorao desenfreada dos recursos existentes, notadamente no

    hemisfrio ocidental, frica, Austrlia e na regio do Pacf ico. Este impulsionou

    signif icativamente o desbravamento das f lorestas (como o caso do pau-brasil), a explorao

    mineral, o aproveitamento de plantas e animais selvagens, entre outros.

    Neste sentido a criao do Parque Nacional de Yellowstone, em 1872 nos EUA,

    representou uma importante ruptura com os valores existentes, considerando que a sua

    extensa rea (cerca de 813.000 ha) foi reivindicada em favor da totalidade do povo e das

    geraes futuras, e no a explorao ou propsitos de enriquecimento pessoal. Interessante

    notar que mesmo sob este enfoque preservacionista, a sua implantao exps relaes de

    interesse bastante conflituosas entre os colonizadores americanos e as populaes

    amer ndias ali existentes. Para os primeiros, os propsitos recaram sobre a proteo do

    esplendor cnico, a no explorao e privatizao de terras, ao potencial de lazer e

    relevncia histrica, enquanto que para as comunidades indgenas, o Yellowstone foi e

    continua sendo considerado um lugar sagrado.

    O Parque Nacional de Yellowstone inspirou no Brasil, as primeiras iniciativas para a

    criao de reas protegidas no pas. Em 1876, por sugesto do Engenheiro Andr

    Rebouas tencionou-se a criao de dois Parques Nacionais: um em Sete Quedas e outro

    na Ilha do Bananal. Entretanto, o primeiro parque com essas caractersticas, o Parque

    Nacional de Itatiaia, s tornou-se uma realidade data de 1937.

    2 Miller, op. cit. , p.3

  • 14

    Assim, o conceito de reas protegidas expande-se para o mundo alternando diversos

    interesses, usos e valores, inspiradas por noes ligadas e construdas dentro de uma

    estrutura e processo social de cada povo. (MENESES, 19963 apud OLIV EIRA, 2000, p.189).

    Entretanto, as propostas de criao geralmente recaiam sobre alguns objetivos gerais:

    permitir a preservao de stios de valor material, esttico, espiritual e histrico; propiciar

    formas de manejo de recursos naturais renovveis e; prover a manuteno de paisagens

    consideradas valiosas.

    Tais proposies comeam a mudar a partir do sculo XXI, onde outros enfoques (ou

    paradigmas) entram em cena: a manuteno de ecossistemas e da biodiversidade4 como

    objetivos primordiais de conservao, porm acompanhados em algumas reas, por

    mecanismos de incorporao social denominados sob o rtulo do desenvolvimento

    sustentvel.

    Uma definio global de reas protegidas, proposta no IV Congresso Mundial de

    Parques Nacionais e reas de Proteo em 1994, preconiza a incorporao dos elementos

    culturais e naturais num quadro amplo de planejamento e gerenciamento:

    Uma rea de terra ou mar especialmente dedicada proteo e conservao da

    diversidade biolgica e dos recursos naturais e culturais a ela associados, e manejada por

    meios legais ou outros meios eficazes. (IUCN/CNPPA, 19945 apud MILLER, 1997, p.7).

    Seguindo as tendncias mundiais, o Brasil institui bases legais 6 para a criao,

    categorizao, implantao, consolidao e gesto das chamadas Unidades de

    Conservao (UCs) com base em objetivos preservacionistas, conservacionistas,

    educacionais, cientf icos e pblicos. As categorias mais utilizadas de UCs foram propostas

    pela edio de 1989 do Sistema Nacional de Unidades de Conservao, o SNUC, que

    3 MENEZES, U. T.B.. Os usos culturais da Cultura: Contribuio para uma abordagem crtica das prticas e polticas culturais. In: YZIGI, I. (org) Turismo: Espao, Paisagem e Cultura. So Paulo: Hucitec, p.88-99.4 No Artigo 2, da Conveno de Di versidade Biolgica - CDB, a biodi versidade, ou diversidade bi olgica, defini da como: "a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquticos e os complexos ecol gicos de que fazem parte; compreendendo ai nda a di versidade dentro de espci es, entre espcies e de ecossistemas. (Disponvel em . Acesso em 12/11/2003).5 IUCN/CNPPA. Guidelines for Protected Area Man agement Cat egories. Gl and, Sua: UICN, 1994, p. 7.

  • 15

    reduziu os 16 tipos anteriormente definidos, para 9 categor ias (IBA MA/FUNATURA, 1989).

    Estas foram definidas muito mais pelos propsitos e objetivos de gesto, do que por sua

    denominao formal.

    A implementao do SNUC procurou uniformizar a base conceitual referente s

    reas protegidas, especialmente no que concerne s categorias de UCs nas trs esferas de

    governo (federal, estadual e municipal), o que permitiu uma maior articulao do processo

    de gesto do patrimnio ambiental brasileiro (MMA, 2003).

    Por sua vez, o SNUC prev alguns mecanismos atuais de legit imao do processo

    de criao dessas unidades, apoiando-se na aproximao das comunidades locais e

    regionais como forma de melhorar o processo de gesto, bem como garantir a distribuio

    dos benefcios diretos e indiretos decorrentes da implantao das UCs (MMA, op. cit.).

    As Unidades de Conservao no Brasil so consideradas um tipo especial de rea

    protegida, compreendendo espaos geogrficos delimitados, legalmente institudos e

    protegidos por ato do Poder Pblico, sob regime especial de administrao, estando

    enquadradas nas diferentes categorias de manejo existentes no Pas. As categorias de

    manejo definem os objetivos das UCs e a formas de uso permitidas em cada rea.

    As UCs podem ser dividas em categorias de manejo destinadas preservao e a

    conservao (MOTA, 1997). Nas reas de preservao, entendidas como Unidades de

    Proteo Integral (Quadro 1), no permitido o aproveitamento direto dos recursos

    naturais, ou seja, comportam apenas o uso indireto atravs de atividades educacionais,

    cientf icas e recreativas7. Em geral, a sua implantao exige-se dominialidade pblica, como

    no caso das Estaes Ecolgicas, Reservas Biolgicas e Parques Nacionais. No entanto,

    nesta classe ainda esto includas as RPPNs (Reservas Particulares do Patrimnio Natural),

    de domnio essencialmente particular.

    6 Como o C digo Florestal de 1965 e a Lei de Proteo Fauna, de 1967 e o Pl ano do Sistema de Unidades de Conser vao no Br asil, de 1979.7 Algumas dessas reas tambm so passveis de visitao turstic a, porm de forma mais control ada, e conforme as diretrizes estabelecidas pelo Plano de Manej o.

  • 16

    Estao

    Ecolgica

    Tem como objetivo a preser vao da natureza e a realizao de pesquisas ci entficas. de posse e

    domnio pblicos.

    Reserva

    Biolgica

    Tem como objeti vo a proteo i ntegral da biota e demais tributos naturais existentes em seus

    limites, sem interfernci a humana direta ou modificaes ambientais, excetuando-se as medidas de

    recuper ao de seus ecossistemas alter ados e as aes de manejo necessrias par a recuper ar e preservar o

    equilbrio natural, a diversidade biolgica e os proc essos ecolgicos naturais. de posse e domni o pblicos.

    Parque

    Nacional

    Tem como objeti vo bsico preservao de ecossistemas naturais de grande relevncia ecolgica e beleza cnica, possi bilitando a realizao de pesquisas cientficas e o desenvolvi mento de ativi dades de

    educao e interpretao ambi ental, de recreao em contato com a natureza e de turismo ecolgico. de

    posse e domni o pblicos .

    Monumento

    Natural

    Tem como objeti vo bsico preser var s tios naturais raros, singulares ou de grande beleza cnica.

    Pode ser constitudo por r eas particular es.

    Refgio de

    Vida Silvestre

    Tem como obj eti vo proteger ambientes naturais onde se asseguram condies para a existncia ou

    reproduo de espcies ou comunidades da flora l ocal e da fauna resi dente ou migratria.

    Quadro 1 - Descrio das principais Unidades Conservao Brasileiras tidas como de Proteo Integral (retirado de MMA, 2003)8.

    Por sua vez, as reas de conservao ou Unidades de Uso Sustentvel, so

    espaos sob dominialidade pblica e/ou privada onde existe a possibilidade de uso direto

    dos recursos ambientais, procurando a compatibilizao da conservao da natureza com o

    uso sustentvel de parcela dos seus recursos naturais (MMA, 2003).Enquadram-se nesta

    categoria as Reservas Extrativistas Florestais, as reas de Proteo Ambiental (APAs), as

    reas de Relevante Interesse Ecolgico (ARIEs), entre outras (Quadro 2).

    rea de Proteo

    Ambiental (APA)

    rea extensa, com certo grau de ocupao humana, dotada de atributos abiticos, biticos , estticos ou culturais especial mente importantes para a qualidade de vi da e o bem-estar das

    populaes humanas, e tem como obj eti vos bsicos pr oteger a di versidade biolgica, disciplinar o

    processo de ocupao e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos natur ais. cons tituda por

    terras pblicas ou privadas.

    rea de Relevante

    Interesse Ecolgico

    (ARIE)

    uma rea em geral de pequena extenso, com pouca ou nenhuma ocupao humana, com carac tersticas naturais extraor dinrias ou que abriga exempl ares raros da biota regional, e tem

    como obj eti vo manter os ecossistemas naturais de i mportnci a regional ou local e regular o uso

    admissvel dessas reas, de modo a compati biliz-lo com os obj eti vos de conservao da natureza.

    constituda por terras pblicas ou privadas .

    Floresta N acional

    (FLONA)

    uma rea com cobertura flores tal de espci es predominantemente nati vas e tem como objeti vo bsico o uso mltiplo sustentvel dos recursos florestais e a pesquisa cientfica, com nfase

    em mtodos para expl orao sus tentvel de florestas nati vas . de posse e domnio pblicos.

    8 Endereo eletrnico do Ministrio do Mei o Ambi ente. Disponvel em: . Acesso em: 20/12/2003

  • 17

    Reserva Extrativista

    (RESEX)

    uma rea utilizada por popul aes extrati vistas tradicionais, cuja subsistncia baseia-se

    no extrati vismo e, complementariamente, na agricultura de subsistnci a e na criao de ani mais de

    pequeno porte, e tem como objetivos bsicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populaes, e assegurar o uso sustentvel dos recursos naturais da uni dade. de domni o pblico

    com seu uso concedi do s populaes extrati vistas tradicionais.

    Reserva de Fauna

    uma rea natural com populaes ani mais de espcies nati vas, terrestres ou aquticas ,

    residentes ou migratrias, adequadas para estudos tcnico-cientficos sobre manej o econmico

    sustentvel de recursos faunsticos. de posse e domnio pblicos .

    Reserva de

    Desenvolvimento

    Sustentvel

    uma r ea natural que abriga populaes tradicionais, cuj a existnci a baseia-se em

    sistemas sustentveis de expl orao dos recursos naturais, desenvol vidos ao longo de geraes e

    adaptados s condies ecolgicas locais e que desempenham um papel fundamental na proteo

    da natureza e na manuteno da di versidade biol gica. de domnio pblico.

    Reserva Particular do Patrimnio Natural

    (RPPN)

    uma rea privada, gravada com perpetuidade, com o objeti vo de conservar a di versidade biolgica.

    Quadro 2 - Descrio das principais Unidades Conservao Brasileiras tidas como de Uso Sustentvel (retirado de MMA, 2003)9

    A implantao de UCs torna-se, portanto, um dos principais mecanismos para a

    conservao e o manejo da biodiversidade no Brasil, pas este detentor da maior

    diversidade biolgica do planeta10. A definio desses espaos territoriais incumbncia do

    poder pblico, de acordo com a Constituio Federal, em seu artigo 225, 1, Inciso III.

    Importante citar que em muitas situaes pode haver sobreposio de UCs, sem implicar

    em conflitos legais, j que no geral, as unidades ou regras mais restritivas mantm sua

    autonomia e prioridade sobre as menos restritivas. Como exemplo, cita-se a APA de

    Guaratuba, no litoral sul do Paran, apresentando em seu interior um Parque Nacional

    (Saint Hilaire-Lange) e um Parque Estadual (Boguau).

    Considerando o amplo espectro das categorias de manejo das UCs no Brasil,

    percebe-se que muitos outros objetivos podem se igualar ou superar, em importncia os

    aspectos estritamente biticos. Entre eles, citam-se a proteo de bacias e fontes dgua, o

    9 Endereo eletrnico do Ministrio do Meio Ambiente. Disponvel em: . Acesso em: 20/12/2003 10 Segundo o Ministrio do Meio Ambiente (MMA, 2003), o Brasil conta com pelo menos 10 a 20% do nmerototal de espcies mundiais, distribuda em biomas como: a Amaznia, a Mata Atlntica, a Zona Costeira e Marinha (incluindo ecossistemas de mangues, restingas, praias , costes , recifes de corais, entre outros), as Florestas de Araucrias e Campos Sulinos, a C aatinga, o Cerrado e o Pantanal.

  • 18

    estmulo ao turismo e recreao, a conservao de st ios histricos e culturais, a preveno

    de desastres naturais, a educao ambiental, preservao de feies geomorfolgicas

    nicas (BARBORAK, 1997, p. 42) ou ainda, a manuteno do modo de vida e subsistncia

    das populaes tradicionais, do incremento de economias locais sustentveis e, da gerao

    de perspectivas para o crescimento econmico regional

    O principal instrumento legalmente institudo que fornece as direes bsicas para o

    planejamento das UCs refere-se ao Plano de Manejo, que deve abranger no apenas a rea

    da unidade, mas tambm possveis zonas de amortecimento e corredores ecolgicos,

    prevendo-se portanto medidas para promover a integrao da UC na vida econmica e

    social das comunidades vizinhas (SNUC, Art. 27, 1)

    Segundo o SNUC (1988), o Plano de Manejo constitu um documento tcnico

    mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma UC, se estabelece o seu

    zoneamento e as normas que devem presidir o uso da rea e o manejo dos recursos

    naturais, inclusive a implantao das estruturas fsicas necessrias gesto da unidade.

    Assim, o Plano de Manejo surge como o pr incipal meio de promover o Zoneamento

    Ambiental ou Zoneamento Ecolgico-Econmico (ZEE) das UCs, pretendendo-se desta

    forma, conciliar as vrias possibilidades de uso econmico com a proteo ambiental. O

    zoneamento constituiria, segundo Griff ith et al.11 (1989, apud LANGE JR., 1997:16) na

    diviso de uma rea geogrfica em setores onde, aps devida deliberao, certas

    atividades de uso da terra so permitidas e outras no, de maneira que as necessidades de

    alteraes fsicas e biolgicas dos recursos naturais se harmonizem com as de conservao

    do meio ambiente.

    Conforme Caldarelli (1999, p. 348), o Decreto 99.540 de 21/09/1990 prescreve que o

    ZEE dever obedecer a uma abordagem interdisciplinar, que considere a estrutura e a

    dinmica ambiental e econmica, bem como os valores histrico-evolutivos do patrimnio

    11 GRIFFITH, J. J. Zoneamento: uma anlise crtica. Ambiente, v.3, n.1, p. 20-25, 1989.

  • 19

    biolgico e cultural do Pas, permitindo ainda o estabelecimento das relaes de

    interdependncia entre os subsistemas fsico-bitico e scio-econmico.

    Para o caso de uma A PA, por exemplo, o Zoneamento A mbiental definido pelo Plano

    de Manejo abrangeria:

    [...] etapas encadeadas, iniciando pelo levantamento e anlise de dados dos meios fsico, ambiental, socioeconmico, cultural, nos planos regional e local. So envolvidos os diversos ramos do conhecimento, buscando informaes geomorfolgicas, geolgicas, mineralgicas, hidrolgicas, pedolgicas, de potencial e vocao de usos agrcolas, da cobertura vegetal, da fauna, aspectos climticos, processos de ocupao, projees populacionais e de presso antrpica, reas degradadas, dentre outras. Integrados e analisados os dados obtidos, elaborado um plano de diretrizes, com mapeamento, propondo-se as diferentes zonas e formulando-se parmetros gerais de uso dos recurso s naturais, parcelamento do solo, condies de ocupao e manejo de atividades, uso s permitidos e proibidos [...]. No pode ser descurada a identificao dos atores sociais envolvidos, e sua participao no processo de elaborao e implementao do zoneamento [...], (bem como) de prever mecanismos de atualizao, pois nem o ecossi stema nem as comunidades envolvidas so estticos.(MOTTA, 1997, p. 33).

  • 20

    CAPTULO 2 PLANIFICAO REGIONAL: ENQUADRAMENTO,DEFINIO DOS TERMOS E A OPO DO MTODO

    [...] uma disciplina cientfica (ou que pretende s-lo) no deva ser

    caracterizada por objetos empricos j constitudos, mas pelo contrrio, pela

    constituio de objetos formais. Ou seja, a nica coisa passvel, a nosso

    ver, de definir uma disciplina (qualquer que seja), no de forma alguma

    um campo de investigao dado [...], muito menos uma rea geogrfica ou

    um perodo da histria e sim, a especificidade da abordagem utilizadaque transforma esse campo, essa rea, esse perodo em objeto cientfico.

    Laplantine (1991:96)

    A estruturao de uma proposta metodolgica associada aos objetivos deste estudo

    compreende primeiramente uma aproximao com algumas das tendncias da pesquisa

    arqueolgica no quadro global. No se trata de uma incorporao acritica de modelos de

    levantamentos arqueolgicos, mas de uma avaliao das contribuies existentes,

    adaptando-as ao desenvolvimento de um desenho mais adequado s realidades

    brasileiras. Desta forma, e necessariamente, sero pontuados tambm alguns estudos

    realizados no Brasil que apresentem subsdios planif icao de estratgias para o

    diagnstico e manejo arqueolgico em UCs.

    Convm ento caracterizar as principais opes de abordagens arqueolgicas, cujos

    propsitos permeiam ou vo de encontro expectativa deste trabalho. Dessa anlise

    resultar a descrio dos princpios gerais do mtodo, estabelecendo parmetros e tcnicas,

    que posteriormente sero aplicados dentro do contexto de levantamento e avaliao de

    recursos arqueolgicos nas reas de estudo.

    O primeiro enquadramento proposto refere-se caracterizao de alguns

    subcampos gerais da disciplina arqueolgica, cujos direcionamentos de pesquisa

    apresentam problemticas prprias, refletidas no desenvolvimento de enfoques terico-

    metodolgicos constituintes. As principais linhas de atuao esto relacionadas s

  • 21

    chamadas Arqueologia Conservacionista (ou Preventiva), a Arqueologia Pblica, a

    Geoarqueologia e a Arqueologia da Paisagem.

    Por Arqueologia Conservacionista (Conservancy Archaeology) entende-se aquela

    voltada essencialmente preservao e conservao dos recursos arqueolgicos. Uma das

    particularidades mais explcitas dessa abordagem est ligada a Gesto de Recursos

    Culturais ou GRC (SANTOS, M. dos, 2001), que neste trabalho apresenta correspondncia

    ao enfoque denominado Cultural Resource Management (CRM), na literatura anglo-

    amer icana.

    Convm neste momento caracterizar a expresso recursos culturais ou recursos

    arqueolgicos, termos que sero bastante utilizados no decorrer da dissertao. A definio

    usual apresentada por Fow ler (1982) para cultural resource aproxima-a dos aspectos

    estritamente ligados cultura mater ial (e, portanto aos prprios recursos arqueolgicos), ou

    seja, aos aspectos fsicos, naturais e artif iciais, associados s atividades humanas,

    incluindo st ios, estruturas e objetos possuindo signif icncia, individualmente ou em grupo,

    em histria, arquitetura, arqueologia ou desenvolvimento (cultural) humano. (conforme

    CALDA RELLI, 1999, p. 347). Embora compreenda-se que os recursos culturais enceram

    uma totalidade bem mais abrangente, o que incluiria os seus aspectos no materiais, a

    demarcao de Fow ler ser preterida neste trabalho, de forma a igualar ambos os termos

    (recursos arqueolgicos e culturais) em uma mesma definio.

    A opo pelo reconhecimento do patrimnio arqueolgico com recurso traz

    conseqncias no apenas pela aproximao com os recursos naturais da Nao criando,

    segundo Caldarelli12 , uma linguagem comum entre os arquelogos e os demais

    especialistas da rea ambiental, mas principalmente, pelo reconhecimento de um valor

    econmico associado ao seu valor cultural, o que permitir ia a possibilidade da incorporao

    ao sistema social circundante (SOSA, 1998).

    12 Ibid. , p.347.

  • 22

    Os aspectos prticos mais diretamente relacionados com a Arqueologia

    Conservacionista dizem respeito ao seu vnculo com abordagens de levantamento

    arqueolgico regional (SCHIFFER et al., 1978), onde so privilegiados enfoques para

    obteno de um mximo de informao com o mnimo custo e mnimo impacto sobre os

    recursos existentes (PLOG, F., 1978, p. 423). Outra caracterstica relaciona-se com

    trabalhos arqueolgicos voltados consultoria e implementao de polt icas pblicas e com

    forte influncia da legislao (OLIV EIRA, 2000, p. 202).

    Segundo Fred Plog, a Gesto de Recursos Culturais (GRC) compreende questes

    tericas, legais e f iscais prprias, relacionadas a aspectos ticos com diretivas na

    preservao, muito embora esta diretriz represente um ideal muitas vezes inatingvel

    (PLOG, F., 1978, p. 422). O autor acrescenta o signif icante papel dos arquelogos ligados a

    GRC nos processos de planejamento da Nao (que foram e sempre sero processos

    polticos), exigindo no apenas compromissos preservacionistas, mas a necessria

    adequao com as metas de crescimento da sociedade. Esta relao permanece explicita

    na prpria legislao que tem levado ao avano da temtica ambiental e arqueolgica, sem

    implicar na supresso dos propsitos desenvolvimentistas e scio-econmicos 13. Assim, a

    premissa recai sobre aspectos de conservao, manejo e gesto dos recursos culturais,

    cabendo ao arquelogo na maioria das vezes, as decises sobre o que preservar, o que

    salvar e o que sacrificar (CALDARELLI; SA NTOS, M. dos, 1999-2000, p. 59).

    Explicitamente ligada aos preceitos da New Archaeology (PLOG F., 1978) esta forma

    de abordagem, segundo Arajo, teve em seu incio, um papel preponderante na adoo e

    implantao de amplos programas de levantamento arqueolgico com amostragem

    probabilstica, considerando que a necessidade de se trabalhar em reas enormes com

    restries de tempo, dinheiro e pessoal fez com que a amostragem se transformasse na

    nica alternativa vivel (ARAJO, 2000, p. 100). Tal assertiva, no entanto, comearia a

    mudar a partir de artigos como os de Schiffer et al. (1978) que ressaltaram as problemticas

    13 ibid., p.423.

  • 23

    envolvidas em algumas tcnicas probabilsticas (vide adiante no mesmo captulo) e a

    clarif icao da distino existente entre a descoberta de materiais arqueolgicos e a

    estimativa de parmetros regionais, o que implicava em muitos casos, na

    complementaridade das abordagens probabilistas e no probabilistas.

    Como j mencionado, as principais problemticas envolvidas na GRC compreende m

    a dif iculdade para implantao de levantamentos detalhados e propostas de gesto em

    reas de grande extenso, que em geral apresentam variadas condies de visibilidade e

    acessibilidade dos recursos. Mais recentemente, objetivando contornar tais obstculos so

    utilizadas metodologias regionais de baixo custo com perspectivas avaliatrias alternativas,

    utilizando-se exaustivas informaes secundrias etnogrficas, histricas e ambientais,

    mapas e outras bases de dados espaciais, para inferir padres antigos de uso da paisagem,

    onde o destaque recai principalmente sobre modelamentos preditivos como forma de

    antecipar a distribuio e t ipos de recursos patrimoniais em uma dada regio (HAMILTON;

    LARCOMBE, 1994; KIPNIS, 1997; KASHIMOTO, 1997).

    Outra dif iculdade em GRC est na definio das estratgias mais apropriadas de

    proteo e gesto, que passa pela necessidade da explicitao dos critrios utilizados para

    a tomada de decises, seja nos estudos de impacto ambiental ou naqueles voltados a

    regulamentao de reas protegidas. Segundo Oliveira, as estratgias de gesto do

    patrimnio arqueolgico a partir de um fundamento preservacionista, geralmente admitem

    que o objeto de estudo seja abordado a partir de uma perspectiva que considere a

    pesquisa, a proteo e o envolvimento comunitrio, dentro de uma estrutura de

    planejamento baseada no zoneamento territorial. (OLIV EIRA, 2000, p. 203, grifo nosso)

    Neste sentido, Potter Jr. (199414 apud OLIV EIRA, op cit.), comenta que as

    abordagens usualmente utilizadas nos EUA apontam para a diviso territorial em Unidades

    de Gesto e Unidades de Estudo, onde a primeira corresponderia estruturao de aes

    14 POTTER JR, P. B. Pos tprocessual Approaches and Public Archaeolog y: Putting Critical Archaeology to Wor k for the Public. In: KERBER, J . E. (org.). Cultural Resource Management: Archaeological Research, Preservation Planning, and Public Education in the Northeastern United States. New England;USA: Bergin & Gar vey, 1994. p. 65-85.

  • 24

    preservacionistas sob o aspecto dos fatores e atividades degradantes e a segunda, utilizada

    na organizao dos aspectos de compreenso sobre a ocupao histrica e arqueolgica.

    As unidades de gesto arqueolgica de Potter Jr., conforme o comentrio de Oliveira (2000),

    deveriam deixar de se preocupar exclusivamente nas caractersticas fsicas, biolgicas e de

    diviso polt ica, e passem a basear-se nos padres atuais e projetados da atividade de

    desenvolvimento e de uso do solo, vistos ento como fatores culturais da prpria tendncia

    de ocupao territorial contempornea, a partir de um enfoque naquilo que efetivamente

    pode ser gerenciado (OLIVEIRA, op. cit., p. 203, grifo nosso).

    Outra caracterizao importante, praticamente derivada do primeiro subcampo

    abordado, refere-se ao termo Arqueologia de Contrato, bastante utilizado no Brasil e cujo

    enfoque geralmente est ligado avaliao ambiental de projetos desenvolvimentistas,

    onde os trabalhos so realizados a partir de processos licitatrios e remunerao

    negociadas entre as partes (MEIGHAN, 198615 apud CALDA RELLI; SANTOS, M. dos, 1999-

    2000, p. 53). Para Caldarelli16 a principal responsabilidade do arquelogo de contrato seria o

    de elaborar pareceres para a tomada de deciso sobre o futuro dos recursos arqueolgicos

    de sua rea geogrfica de trabalho ou ainda contribuir, no presente, para que a construo

    do futuro no se faa custa do passado.

    Assim, a arqueologia de contrato tambm est ligada fundamentalmente gesto de

    recursos culturais, sendo seu objetivo apontado como equivalente s proposies da

    Cultural Resource Management, ou seja, da Arqueologia Conservacionista dos paises

    anglo-americanos (ARAJO, 2001; SANTOS, M. dos, 2001; CALDARELLI; SANTOS, M.

    dos, 1999-2000, entre outros). Entretanto, deve-se considerar a existncia de possveis

    diferenas, relacionadas em uma primeira instncia prpria defasagem em termos tericos

    e metodolgicos (KIPNIS, 1997), bem como a uma tmida atuao em outras frentes de

    linha conservacionista (como por exemplo, nas inmeras Unidades de Conservao

    espalhadas pelo Brasil). Outras caractersticas distintivas remetem: aos v nculos com os

    15 Meighan, C.W. Archaeo logy for Money. Calabasas, Califor nia: Wor mwood Press , 1986.16 Ibid. , p. 54.

  • 25

    aspectos prprios da legislao ambiental brasileira; a conotao ainda bastante intensa

    com estudos de Avaliaes de Impactos Ambientais (A IA) e resgates arqueolgicos; ou

    ainda; o enfoque cada vez mais empresarial, o que pode afast-las das abordagens

    conservacionistas praticados por universidades pblicas, por exemplo. No entanto, as

    principais problemticas permanecem as mesmas, j que sua prtica envolve questes

    conceituais e ticas importantes e que, freqentemente, esto susceptveis a polmicas, tais

    como: o seu envolvimento com projetos desenvolvimentistas pblicos e privados; os critrios

    para avaliaes de signif icncia dos recursos; a definio das medidas mitigadoras ou

    compensatrias nem sempre apropriadas; etc.

    Outra abordagem ou subcampo alternativo ao conceito de Gesto de Recursos

    Culturais, segundo Potter Jr., compreenderia a Arqueologia Pblica (Public Archaeology),

    que determinaria um maior envolvimento de arquelogos (public archaeologist) na gerencia

    no apenas de recursos arqueolgicos, mas de um conjunto de tcnicas e diretrizes ligadas

    aos interesses da sociedade contempornea em relao ao passado, considerando-se

    w hat we manage is our contemporary society and its various interests, not cultural

    resouces (POTTER Jr, 1994 apud OLIVEIRA, 2000, p.203)

    A Arqueologia Pblica, no dizer de Oliveira, J. (2002) deve ser compreendida como

    uma Arqueologia aberta para o pblico e que aspira um engajamento social por parte dos

    arquelogos, tendo em conta que sua atuao nunca ser neutra, pois tambm est

    inserido em um contexto econmico e polt ico-social que marca a vida em sociedade

    (FUNA RI, 1988; TRIGGER, 1989, 199017 apud OLIV EIRA, J, op. cit.). Assim, esta

    Arqueologia permitiria apontar questes que compreendem as relaes existentes entre

    arquelogos e o pblico em geral, incluindo populaes indgenas, bem como sua prxis

    educacional no ensino superior (notadamente no contexto das universidades pblicas) e a

    questo da preservao de bens culturais18.

    17 TRIGGER, B. G. A history of archeological thought. Cambridge : Cambridge U niversity Press, 1989.TRIGGER, B. G. History and contemporar y American archeology: a critical analysis. In LAMBERG-KARLOVSKY, C. C. Archeological thought in America. C ambridge: Cambridge U niversity Press, 1990. p.19- 34.18OLIVEIRA, J ., op cit.

  • 26

    Da mesma forma que no h pesquisa que esteja parte dos interesses da

    sociedade, Funar i (1999-2000, p.82) ao citar vrios autores, comenta a necessria

    perspectiva humanista e pblica da arqueologia, relevante nos aspectos multiculturais da

    coletividade, na atuao e no engajamento do arquelogo com o povo e comunidades,

    considerando ainda que no h trabalho arqueolgico que no implique patrimnio e

    socializao do patrimnio e do conhecimento (Tamanini, 199819). Em linhas similares de

    concepo, Jorge E. de Oliveira, aponta possibilidades para a Arqueologia Pblica no Brasil,

    com a atuao do arquelogo enquanto cientista e educador (BENDER; SMITH, 200020)

    onde o processo de engajamento social presume a construo de uma cidadania popular,

    coletiva, que necessariamente passa por reflexes a serem realizadas, tambm, para alm

    das fronteiras da academia e em defesa de uma universidade pblica, gratuita e socialmente

    referenciada. (OLIV EIRA, J. 2002).

    A implantao de uma concepo em arqueolgica pblica tambm enfrenta

    algumas dif iculdades prticas e resistncias, relacionadas muitas vezes, segundo Funari,

    prpria relutncia dos arquelogos em considerar que a patrimonializao dos objetos

    parte integrante do ofcio arqueolgico. Para o autor, um dos motivos estaria ligado a

    noo estreita, defendida por alguns, de que a Arqueologia no o estudo de objetos, de

    coisas (Meneses, 1980, p. 6) 21 o que descaracteriza a inevitvel ligao entre a arqueologia

    e a apropriao dos artefatos pela sociedade. (FUNARI 1999-2000, p. 82)

    Os dois subcampos seguintes (Geoarqueologia e Arqueologia da Paisagem) ,

    apresentam vnculos com enfoques ecolgicos gerais, ligados Arqueologia Contextual

    (Contextual Archaeology) e a Arqueologia Ambiental (Environmental Archaeology). A

    primeira pode ser caracterizada, segundo Waters (1992, p. 4), por uma abordagem

    sistmica na qual a recuperao de componentes contextuais do ecossistema humano

    (f lora, fauna, clima, paisagem e cultura humana) so usados na interpretao de aspectos

    19 Tamanini, D. Museu, arqueologia e poder pblico: um olhar necessrio. In: P.P.A. FUNARI (org.) Cultura Material e Arqueologia Histrica. Campinas: IFCH-Unicamp, 1998. p.179-220.20 BENDER, S. J. ; SMITH, G. S. (Ed.).Teaching Archaeo logy in the Twent y-First C entury. Washi ngton, SAA, 2000. Citados por Oli veira J. , (2002).

  • 27

    sobre estabilidade ou mudana cultural. Compreenderia, portanto, a investigao simultnea

    de dados geolgicos, biolgicos, climticos e culturais. Igualmente, a Arqueologia Ambiental

    em sua definio mais ampla, tambm remete ao study of mans relations and interaction

    with the environment in the past through Archaeology and related disciplines, ou ainda, as

    a bridge discipline betw een Archaeology and the Biological and Earth Sciences (AEA,

    2003)

    Por sua vez, a utilizao e adequao especf ica dos conhecimentos oriundos das

    chamadas geocincias para o estudo e resoluo das problemticas arqueolgicas

    (HASSAN, 1978, 1979; GLADFELTER, 1977, 1981) determinou o surgimento da

    Geoarqueologia como subdisciplina, resultando com isso, na formulao de uma base

    conceitual prpria, de papel ativo nos processos de interpretao cultural (BUTZER, 1977, p.

    126).

    O desenvolvimento da abordagem geoarqueolgica e as implicaes das cincias

    da terra (earth sciences) em teoria e mtodos arqueolgicos tambm foram abordados por

    Arajo (1999) que props, a partir de modelos formulados por Clarke (1973) e Sullivan

    (1978), uma diviso da estrutura terica da Arqueologia em cinco conjuntos de corpos

    tericos interconectados: Teoria Explanatria; Teoria Formativa; Teoria Formal ou

    Sistemtica; Teoria de Recuperao e Teoria Inferencial. Estes estariam ligados aos

    diversos nveis de informaes do registro arqueolgico e relacionados s sucessivas

    perdas e adies sofridas pelo mesmo. Na opinio do autor, a geoarqueologia nada mais

    que uma arqueologia bem feita e amadurecida do ponto de vista terico e de mtodos j

    que estaria profundamente associada Teoria Formativa, no que se refere aos processos

    de formao do registro arqueolgico (site formation processes). Porm, tambm faria parte

    essencial da Teoria de Recuperao, que abrange as relaes entre o observado e o

    existente, permitindo que o arquelogo tome decises compatveis com as questes a

    21 MENESES, U.T.B. O objeto material como documento. Texto datilografado, aula mi nistrada em curso sobre Patrimnio Cultural: polticas e perspecti vas. So Paulo: Condephaat, 1980.

  • 28

    serem respondidas, antes e durante a manipulao de vestgios 22. Finalmente comporia

    parte da Teoria Inferencial, relacionada juno de todos os corpos tericos e aos

    processos envolvidos na sntese das diversas linhas de evidncia, com o objetivo de

    produzir inferncias sobre o registro arqueolgico.

    No caso da Arqueologia da Paisagem, esta entendida como a unio da Geografia

    com a Arqueologia (MORAIS, 1999), e apresenta muitos preceitos associados arqueologia

    espacial da dcada de 1960 (FUNA RI, 1999-2000), porm com enfoque mais abrangente,

    onde a paisagem (ou o espao) tambm visto e determinado (construdo) socialmente.

    Dos aspectos prticos dessa abordagem a serem referenciados citam-se aqueles baseados

    em levantamentos regionais com baix ssima interveno nos stios, o enfoque sobre o

    entorno ambiental tido tambm como ambiente-cultural, o uso de geotecnologias espaciais,

    a estreita ligao com aspectos patrimoniais, bem como aspectos de organizao e

    gerenciamento de valores e heranas histrico arqueolgicas.

    2.1 Pressupostos para a planificao regional da pesquisa

    Com base nos enquadramentos do item anterior, pretende-se incorporar alguns dos

    pressupostos e enfoques j explicitados, incluindo algumas propostas elaborao de uma

    estratgia para desenho de pesquisa mais adaptada s caractersticas do presente estudo.

    O termo planificao regional ser utilizado neste trabalho em correspondncia prxima

    expresso survey design, compreendendo a escolha, o planejamento e a estruturao das

    tcnicas e mtodos que sero adotados no levantamento arqueolgico e avaliao regional

    de reas, norteados a partir de problemticas e hipteses prprias de cada pesquisa. O

    conjunto de processos e produtos, associados ou resultantes das abordagens de

    levantamento e avaliao de recursos arqueolgicos ser designado neste trabalho por

    diagnstico arqueolgico. Um dos objetivos da planif icao regional ser, portanto,

    22 ARAJO, op cit, p. 43.

  • 29

    estabelecer os parmetros e estratgias para o diagnstico arqueolgico, que neste caso,

    direciona-se a espaos protegidos ou regulamentados pelo poder pblico, ou seja, para

    Unidades de Conservao (UCs). Assim, a planif icao regional estabelecida para este

    trabalho, reflete o prprio mtodo geral da pesquisa, compreendendo as seguintes

    premissas e direcionamentos principais:

    (i) O levantamento arqueolgico estar baseado no potencial informativo e logstico

    das tcnicas ditas oportunsticas e dever considerar explicitamente os fatores que afetam o

    registro arqueolgico regional sob esse enfoque. Deve permitir a distino clara entre

    descoberta de materiais culturais, estimativa de parmetros regionais e abordagens de

    carter interpretativo.

    (ii) As estratgias adotadas devero atender aos propsitos das UCs e suas

    especif icidades espaciais e temporais de implantao e operacionalizao, associadas as

    etapas de diagnsticos temticos, zoneamento ambiental e planos de gesto das UCs;

    (iii) Estabelecimento de parmetros para o registro arqueolgico regional, incluindo

    as estratgias tcnicas e logsticas utilizadas na descoberta dos vestgios culturais e a

    adoo de unidades de anlise em multi-escalas, delineadas a partir de critrios especf icos

    enfocados no uso do solo e condicionantes ambientais das reas em estudo;

    (iv) A avaliao dos registros culturais compreender a anlise de sua signif icncia

    cientf ica e patrimonial, bem como o detalhamento das principais fragilidades (atuais e

    prognosticadas) e potencialidades (preservacionistas, cientf icas, educacionais e publicas)

    associadas s ocorrncias e seu entorno;

    (v) As propostas de manejo devem prever a expectativa de zoneamento territorial

    dinmico e gesto participativa, adotando-se programas ou planos em multi-estgios

    sucessivos e progressivos, com diretrizes voltadas ao envolvimento comunitrio como

    prtica conservacionista.

  • 30

    2.2 Tcnicas probabilsticas versus tcnicas oportunsticas: necessidade da

    explicitao

    A primeira considerao ou premissa (i) apresentada no item anterior remete a

    discusso sobre as opes mais utilizadas no processo de escolha das tcnicas de

    levantamentos arqueolgico, que em geral, almejam amostragens representativas ou no

    tendenciosas de stios de uma regio (BINFORD, 1964; SCHIFFER et al., 1978). Este tipo

    de preocupao levou a arqueologia americana das dcadas de 70 e 80, a uma produo

    signif icativa sobre questes de levantamento arqueolgico, com enfoque central em

    procedimentos de amostragem probabilstica.

    Essa expectativa torna-se evidente, por exemplo, na pesquisa de cunho

    interpretativo relacionada identif icao de padres na distribuio de s tios (ou artefatos)

    na paisagem. Entretanto, nos estudos voltados avaliao de impactos aos bens

    arqueolgicos (nos projetos que envolvem alteraes no ambiente fsico), onde a

    capacidade de identif icar e amostrar todas as categorias de recursos arqueolgicos de uma

    rea determinada admitida como questo primordial na elaborao e desenvolvimento de

    levantamentos arqueolgicos (CALDARELLI; SANTOS M. dos, 1999-2000, p. 59). Nestes

    casos a f inalidade dos levantamentos estaria em delinear o universo de recursos sob risco

    de destruio, condicionando, a partir de ento, todas a decises de gesto subseqentes

    (SANTOS, M. dos, 2001, p. 40).

    Outras formas de obteno de dados regionais referem-se aos levantamentos ditos

    oportunsticos, no probabilsticos ou assistemticos, que embora utilizem tcnicas

    consideradas methodologically unlovely (AIKENS, 197623 apud SCHIFFER et al., 1978, p.

    2) so atualmente amplamente empregadas e, em geral, desenvolvidas concomitantemente

    com tcnicas no tendenciosas. A justif icativa para seu uso d-se em razo de: a) criticas

    a amostragem probabilstica como nica forma de obteno de amostras confiveis e

    representativas da realidade arqueolgica investigada; b) relativa eficincia de mtodos

  • 31

    assistemticos na deteco de certos tipos de stios, a baixo custo operacional, e

    principalmente; c) do reconhecimento das diferenas existentes entre a descoberta de

    mater iais arqueolgicos e a estimativa de parmetros regionais, expresso em artigos como o

    de Schiffer, Sullivan e Klinger (SCHIFFER et al., op. cit.). Estes autores apontaram tambm

    para as dif iculdades de implantao de um levantamento probabilstico sob determinadas

    condies de campo e sua ineficcia em detectar ou estimar a populao de vestgios

    altamente concentrados (adensados), escassos ou raros:

    Clearly, many research and management problems require discovery of rare and

    clustered elements and estimation of their abundance in the population, sometimes w ere

    f ield conditions are poor. 24

    Desta forma, sugere-se para alguns casos a complementaridade das tcnicas

    probabilsticas e no probabilsticas. Esta perspectiva tambm adotada pela maior parte

    dos pesquisadores brasileiros associados arqueologia de contrato (CALDARELLI;

    SANTOS M. dos, 1999-2000). Mesmo assim, a estratgia oportunstica ainda no vista

    com bons olhos pelos arquelogos em razo do seu carter essencialmente intuit ivo,

    indutivo, no explcito e, portanto, pouco cientf ico (HOLE, 1980), sendo indicada apenas

    como forma melhorar a resoluo dos levantamentos sistemticos.

    No Brasil, esta abordagem tambm continua profundamente associada quela

    desenvolvida junto ao Programa Nacional de Pesquisas Arqueolgicas (PRONAPA,

    realizado entre 1965 e 1971, seguindo as orientaes de EVANS; MEGGERS, 1965), que

    preconizava o levantamento com base nos cursos dgua e informaes orais. Muitas

    crticas foram feitas ao mtodo dito pronabiano, que segundo Mello (1997, p.17) no seria

    capaz de fornecer uma amostra confivel: Por no ser probabilstica, e produzir desvios,

    no produz estimativas vlidas dos riscos de erro, tornando-se praticamente imposs vel

    replicar ou avaliar, qualitativa ou quantitativamente, esses trabalhos. Para Alexander

    23 AIKEN S, C. M. Some archeological concerns of the Bureau of Land Management in Oregon: observations and recommendations. Manuscript, Department of Anthropolog y, Uni versity of Oregon, 1976.24 Ibid. , p. 2

  • 32

    (1983:17725 apud MELLO, op. cit.), tais levantamentos assistemticos dependeriam ainda de

    trs outros fatores:

    1. a localizao de materiais est enfocada pesadamente sobre a exposio do solo;

    2. uso de estratgias de prospeco, geralmente baseadas no conhecimento

    comum ou experincia pessoal do pesquisador, destacando aqueles locais considerados

    mais propcios, e assim, produzindo seleo ou tratamento diferencial de reas em vez de

    padres culturais;

    3. influncia dos dados etnogrficos e informaes histricas na intensif icao dos

    levantamentos sobre as reas ocupadas durante o perodo documentado;

    Entretanto, tais assertivas parecem no atentar para o fato que tambm existe m

    grandes limitaes e produo de desvios amostrais nos mtodos ditos mais cientf icos ou

    probabilsticos, e que raramente so explicitados no mbito dos trabalhos. Um exemplo

    refere-se influncia dos fatores de visibilidade nos levantamentos sistemticos amostrais

    ou mesmo nos chamados de cobertura total, que tenham por base a identif icao de

    ocorrncias arqueolgicas superficiais. A implementao de transects ou caminhamentos

    orientados nem sempre diminui tais fatores, que em geral, no so considerados nas

    anlises e interpretaes finais. No caso de transects, por exemplo, sua or ientao se d de

    forma a cobrir estratos paisagsticos diferenciados esperando que a variabilidade de

    ambientes percorridos se traduza em uma avaliao amostral da variabilidade dos stios

    existentes. Entretanto, muitos parecem desconsiderar que estratos paisagsticos

    diferenciados podem apresentar condies de visibilidade diferenciada, o que ir traduzir-se

    em uma maior percepo de certas reas em relao s outras. (ex. TERRENATO;

    AMMERMAN, 1996).

    Ainda nesse aspecto, verif ica-se que muitos relatrios cientf icos e diagnsticos

    arqueolgicos que utilizam levantamentos probabilsticos amplos tm sido produzidos sem

    25 ALEXANDER, D. The li mitation of traditional sur veying techniques i n a forests environment. Journal of Field Archaeology, n.10, p. 177-186.

  • 33

    qualquer meno aos possveis efeitos dos fatores de visibilidade ou acessibilidade na

    descoberta e avaliao de s tios. Assim, feies com reas aradas, cortes de estradas,

    zonas erosivas, trilhas, etc. certamente esto presentes ou ausentes nas unidades

    amostrais (sejam aleatrias, sistemticas ou estratif icadas), e podem produzir desvios nos

    resultados da pesquisa.

    No caso do inadequado uso de estratgias de prospeco baseadas no

    conhecimento comum ou experincia do pesquisador, estas atualmente apresentam

    grande correspondncia com as abordagens preditivas relacionadas, por exemplo, a

    utilizao de variveis ambientais de relevncia arqueolgica (KASHIMOTO, 1997),

    consideradas mais aceitas. A diferena principal parece estar na explicitao dos critrios,

    permitindo a identif icao clara dos mtodos e das suas conseqncias.

    Para Caldarelli e Monteiro dos Santos (1999-2000, p. 61) a explicitao de conceitos

    e parmetros adquire signif icado determinante no momento de planejamento e elaborao

    do desenho de levantamento arqueolgico, o que ir influenciar diretamente o resultado

    das pesquisas. Tais critrios, segundo as autoras, devem advir de decises explcitas, que

    compreendem entre outros:

    A definio de sitio arqueolgico: que ir delimitar o que ser ou no

    registrado;

    Tipo de cobertura, determinando como e em que locais sero aplicados os

    procedimentos de levantamento;

    Intensidade do levantamento (mtodo prospectivo);

    Grau de visibilidade, referente s condies de visualizao de vestgios

    superficiais;

    Acessibilidade, relacionada facilidade ou no do acesso s reas definidas

    para o levantamento.

  • 34

    Finalmente cabe citar que os parmetros adotados sejam por mtodos

    oportunsticos, probabilsticos ou ambos, precisam ser considerados no mbito dos

    problemas a serem resolvidos e, em conformidade com as particularidades da rea de

    pesquisa. Estas ltimas incluem: os propsitos de criao e delimitao (pesquisas

    tradicionais, avaliao ambiental de empreendimentos, regularizao de Unidades de

    Conservao, etc); os conhecimentos pr-existentes sobre o contexto histrico, etnogrfico

    e arqueolgico e; as suas caractersticas ambientais e de uso do solo.

    2.3 Especificidades espaciais e temporais das UCs e suas implicaes

    metodolgicas

    Como preconiza a premissa (ii) da planif icao regional, faz-se necessrio

    considerar as condicionantes prprias de implementao das UCs, nas propostas de

    levantamento e avaliao arqueolgica dessas reas. Para isso, convm apontar alguns

    contrastes existentes com os estudos arqueolgicos associados AIA, amplamente

    realizados no Brasil, e que tambm abordam aspectos de gesto dos recursos

    arqueolgicos. Desta maneira, pretende-se demonstrar adicionalmente, que os mtodos

    freqentemente utilizados nos processos de licenciamento ambiental no so apropriados

    para o diagnstico em UCs, justif icando a adoo de outra perspectiva metodolgica.

    1. Os objetivos gerais das UCs (associados as categorias de manejo) diferem

    signif icativam