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Realidade e história da região do Araguaia Xingu SÉRIE 2

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Realidade e histriada regio do Araguaia XinguSRIE2Realidade e histria da regio do Araguaia XinguRealidade e histriada regio do Araguaia XinguO INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL ISA uma Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico (Oscip), fundada em 22 de abril de 1994, por pessoas com formao e experincia marcantes na luta por direitos sociais e ambientais. Tem como objetivo defender bens e direitos coletivos e difusos, relativos ao meio ambiente, ao patrimnio cultural, aos direitos humanos e dos povos. O ISA produz estudos e pesquisas, implanta projetos e programas que promovam a sustentabilidade socioambiental, valorizando a diversidade cultural e biolgica do pas.Para saber mais sobre o ISA consulte www.socioambiental.orgConselho Diretor: Neide Esterci (presidente), Marina Kahn (vice-presidente), Ana Valria Arajo, Anthony R. Gross, Jurandir M. Craveiro Jr. Secretrio Executivo: Andr Villas-BasSecretria Executiva Adjunta: Adriana RamosApoio institucionalISA SO PAULO (sede) Av. Higienpolis, 901, 01238-001. So Paulo (SP), Brasil. Tel: (11) 3515-8900, fax: (11) 3515-8904, [email protected] BRASLIA SCLN 210, bloco C, sala 112, 70862-530, Braslia (DF). Tel: (61) 3035-5114, fax: (61) 3035-5121, [email protected] MANAUS R. Costa Azevedo, 272, 1 andar, Largo do Teatro, Centro, 69010-230, Manaus (AM). Tel/fax: (92) 3631-1244/3633-5502, [email protected] BOA VISTA R. Presidente Costa e Silva, 116, So Pedro, 69306-670, Boa Vista (RR). Tel: (95) 3224-7068, fax: (95) 3224-3441, [email protected] SO GABRIEL DA CACHOEIRA R. Projetada, 70, Centro, 69750-000 S. Gabriel da Cachoeira (AM). Tel/fax: (97) 3471-1156, [email protected] CANARANA Av. So Paulo, 202, Centro, Canarana, 78.640-000. Tel (66) 3478-3491, [email protected] ELDORADO R. Paula Souza, 103, 11960-000, Eldorado (SP).Tel: (13) 3871-1697/1545, [email protected] ALTAMIRA R. Professora Beliza de Castro, 3253, Bairro Jd. Independente II, 68372-530, Altamira (PA). Tel: ( 93) 3515-0293PROJETO DISSEMINANDO A CULTURA AGROFLORESTAL NA REGIO DO ARAGUAIA XINGUExecuoArticulao Xingu Araguaia (AXA)ParceirosAssociao Nossa Senhora da Assuno (Ansa), Comisso Pastoral da Terra (CPT), Instituto Socioambiental (ISA), Operao Amaznia Nativa (Opan).ApoioProjetos Demonstrativos (PDA)/PadeqResponsveis institucionais pelo projetoRodrigo Gravina Prates Junqueira (ISA) Carlos Garca Paret (ISA)Eric Deblire (ISA) Cristina Velasquez (ISA)Vnia Costa Aguiar (Ansa)Claudia Alves de Arajo (CPT)Juliana Almeida (Opan)EXECUOPARCEIROSAPOIOO PROGRAMA XINGU do ISA visa a contribuir com o ordenamento socioambiental da Bacia do Rio Xingu, considerando a expressiva diversidade socioambiental que a caracteriza e a importncia do corredor de reas protegidas de 28 milhes de hectares, que inclui Terras Indgenas e Unidades de Conservao, ao longo do rio. Desenvolve um conjunto de projetos voltados proteo e sustentabilidade dos 24 povos indgenas e das populaes ribeirinhas que habitam a regio, viabilizao da agricultura familiar, adequao ambiental da produo agropecuria e proteo dos recursos hdricos.Coordenador do Programa Xingu: Andr Villas-BasCoordenadores Adjuntos: Marcelo Salazar, Paulo Junqueira e Rodrigo Gravina Prates JunqueiraRealidade e histria da regio do Araguaia XinguSRIEVOLUME 2So Paulo, maio de 2012.CARLOS GARCA PARETSRIEA resposta da terraVOLUME Realidade e histria da regio do Araguaia XinguTextosCarlos Garca ParetApoio na documentaoFernanda BelleiReviso dos textosElisa Marn, Antnio Canuto eCarolina Delgado de CarvalhoEstatsticasCarlos Garca Paret, Marcos Ramires, Gislene Rocha Delgadode Carvalho, Heber Queiroz Alves e Marcelo Moreira MapasHeber Queiroz AlvesProjeto grfco e diagramaoAna Cristina SilveiraAgradecimentosPedro Casaldliga, Paulo Csar Moreira (CPT), Nara Letycia Martins (CPT), Antnio Canuto (CPT), Jeane Bellini (CPT),Edileuza Nunes (Arquivo da Prelazia de So Flix do Araguaia), Paulo Gonalves (Prelazia de So Flix do Araguaia),Andr Villas-Boas (ISA), Neide Esterci (ISA), Lea Vaz Cardoso (ISA), Claudio Aparecido Tavares (ISA), Marcelo Moreira (OPAN), Ariovaldo Umbelino de Oliveira (USP), Augusto Dunck,Joo DAnglica e Rafael Govari (O Pioneiro)ATIVIDADE DENTRO DO PROJETODisseminando a cultura agroflorestalna regio do Araguaia XinguResponsveis do projeto PDA PADEQRODRIGO GRAVINA PRATES JUNQUEIRA Coordenador Adjunto Programa XinguInstituto Socioambiental (ISA) CARLOS GARCA PARET Coordenador tcnico do projeto PDA/PADEQ Instituto Socioambiental (ISA)CRISTINA VELASQUES Equipe de apoio ao projeto PDA/PADEQ Instituto Socioambiental (ISA)ERIC DEBLIRE Gestor fnanceiro projeto PDA/PADEQ Instituto Socioambiental (ISA)VNIA COSTA AGUIAR Responsvel PDA/PADEQ Associao Nossa Senhora da Assuno (ANSA)CLAUDIA DE ARAJO Responsvel PDA/PADEQ Comisso Pastoral da Terra (CPT)JULIANA ALMEIDA Responsvel PDA/PADEQ Operao Amaznia Nativa (OPAN)LICENAPara democratizar a difuso dos contedos publicados neste livro, os textos esto sob a licena Creative Commons (www.creativecommons.org.br), que fexibiliza a questo da propriedade intelectual. Na prtica, essa licena libera os textos para reproduo e utilizao em obras derivadas sem autorizao prvia do editor (no caso o ISA), mas com alguns critrios: apenas em casos em que o fm no seja comercial, citada a fonte original (inclusive o autor do texto) e, no caso de obras derivadas, a obrigatoriedade de licenci-las tambm em Creative Commons. Essa licena no vale para fotos e ilustraes,que permanecem em copyright .Voc pode:Copiar e distribuir os textos desta publicao. Criar obras derivadas a partir dos textos desta publicao.Sob as seguintes condies:Atribuio: voc deve dar crdito ao autor original, da forma especifcada no crdito do texto. Uso no-comercial: voc no pode utilizaresta obra com fnalidades comerciais. Compartilhamento pela mesma Licena: se voc alterar, transformar ou criar outra obra com base nesta,voc somente poder distribuir a obra resultantesob uma licena idntica a esta.Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)ndices para catlogo sistemtico:1. Diagnstico socioambiental e histrico de ocupao da regio do Araguaia Xingu:Geografa matogrossense 918.172Garca Paret, CarlosRealidade e histria da regio do Araguaia Xingu / Carlos Garca Paret. -- So Paulo : Instituto Socioambiental, 2012. -- (Srie A resposta da terra ; v. 2)ISBN 978-85-85994-92-11. Brasil - Araguaia Xingu, Regio (Mato Grosso) - As-pectos ambientais2. Brasil - Araguaia Xingu, Regio (Mato Grosso) - Aspectos econmicos3. Brasil - Araguaia Xingu, Regio (Mato Grosso) - Aspectos sociais4. Brasil - Araguaia Xingu, Regio (Mato Grosso) - Descrio 5. Brasil - Araguaia Xingu, Regio (Mato Grosso) - HistriaI. Ttulo.II. Srie.12-06261CDD-918.172IMPRESSO Ipsis GrfcaTIRAGEM 2 mil exemplaresFSC710 123452586668154458sumrioPrefcioDuas bacias unidaspor um s destinoEstrutura econmicado Araguaia XinguIntroduoAs encruzilhadas do futuroAnexo estatsticoTerra de bois, migrantes e ndiosEstrutura fundiria como resultado de uma histria de lutas e conquistasPatrimnio ambiental ameaado7Realidade e Histria da regio do Araguaia XinguUma palavra de PrefcioO hinodaPrelaziadeSoFlixdoAra-guaiacomeaassim:DoAraguaiaat o Xingu... E nesse marco dos dois rios que a gente tem vivido mais de 40 anos de expe-rinciasmarcantesdavidadestepovo,retirante em grande maioria, e o processo ambiental desta regio de fronteira.Com caractersticas prprias evidentemente, a po-pulao e a natureza aqui tm sofrido uma Mar-cha para o Oeste. Para a sofrida esperana do povo e para a incontrolvel cobia do latifndio, era esta terra uma terra de ningum. Os povos indgenas eram desconsiderados por parte da poltica ocial e estereotipados negativamente pelo povo em geral; herana de 500 anos de massacre colonialista. A lei, se dizia, era a lei do 38 e a poltica era, por parte dosresponsveis,umaignornciatotaldaproble-mtica e do futuro desta rea da Amaznia Legal. Acartapastoralquelanamosnodiadaminha ordenaoepiscopalseintitula,atingindoosdois problemas-raiz: Uma Igreja da Amaznia em con-ito com o latifndio e a marginalizao social.PEDRO CASALDLIGAPREFCIDContinuamdeprementeatualidadeosdesaos maioresecontinuasendoolatifndio,travestido de agronegcio, o nosso inimigo numero um; con-tra o povo da terra e contra a terra do povo. O li-vro da Articulao Xingu Araguaia (AXA) retrata, muito lucidamente, a histria no contada, a his-tria mal contada e a falta de vontade poltica mes-mo para as duas bacias fundidas em um destino.Ns temos insistido sempre que os problemas e as solues desta regio, entre o Araguaia e o Xingu, devem se enfrentar regionalmente; em ecologia, em sade,emeducao,emcomunicao,emprodu-o,emcomercializao.Eporissomerecetodo aplausoacampanhadeconscientizaoederea-lizao pioneira que a AXA vem levando frente.Paraasencruzilhadasdofuturo,quehoje, AXA, com todas as entidades solidrias e em uma mobilizaopedaggicaepolticadapopulao, essaconscinciaeaoregionaisdevemserban-deiradeumaverdadeirarevoluo,geopolticae integralmenteecolgica,emumaterraquejfoi estigmatizada como vale dos esquecidos.Contra toda poltica homicida e ecocida e apesar de defecesecorrupes,seguiremosunidos,indig-nados e esperanados. A Vida tem a ltima palavra.Pedro Casaldliga e Antnio Carlos Moura vindo de Serra Nova Dourada, 15 de novembro de 1971Pedro Casaldliga, bispo da Prelaziade So Flix do Araguaia 1971-2005Fotos: Arquivo da Prelazia de So Flix do Araguaia8Realidade e Histria da regio do Araguaia XinguINTRDDUDEm2010,nombitodeseuprojetoDisse-minandoaculturaagroorestalnaregio doAraguaiaXingu,aArticulaoXingu Araguaia(AXA)sepropsrealizarumdiagnsti-co deste territrio, com o intuito de construir uma visoabrangentedarealidadeatual,enriquecida peladimensohistricadosprocessosdeocupa-o territorial do nordeste mato-grossense. Desde osculopassado,aregiovemmarcandooBra-silcomseusconitos,lutaseconquistas.Nesse sentido,estetrabalhoderesgateeanlisepreten-detrazerelementosqueenriqueamodebateda problemticasocioambientalprpriadasregies situadas no arco de desmatamento da Amaznia. Apropostadodiagnsticosurgiunomomento em que assistamos mudana do perl econmi-co da regio, que se traduzia principalmente pela expansoaceleradadasmonoculturasaoredor da BR-158. Este movimento foi incentivado pelas perspectivas promissoras dos mercados crescentes da soja e da carne e pela construo das infra-es-truturas do PAC (asfaltamento da BR-158 e cons-truodasFerroviasNorte-SuleLeste-Oeste). Esta estratgia desenvolvimentista, sustentada por diversasaesdopoderpblicoeprivado.Nelas noforamcontempladasquestesrelacionadas ao ordenamento territorial, proteo dos recur-sos naturais, adequao da pecuria e da soja s novas exigncias de mercados preocupados com a sustentabilidadedaproduo,estruturaode umaagriculturadebaixocarbono,aoimpacto da mudana do clima, aos desgios da agricultura familiar,dospovosindgenasedascadeiaspro-dutivas da sociobiodiversidade, ao apoio s micro epequenasempresasvoltadosparaodesenvolvi-mento local, etc. Pelo contrrio, via-se um enfra-quecimentodapolticaindgena,agrcolaeam-biental,acompanhadoporsucessivastentativas de esvaziamento e exibilizao da estrutura legal que preserva a sociobiodiversidade. Omovimentodeinserodaregionovadin-micadesenvolvimentistatevecomofocodoisati-vos principais: Terra e gua. Terra historicamente expurgadadendioseposseiros.Terrabarata emcomparaoaoutrasregiesocupadas.Terra livredaslimitaeslegaisoueconmicaspresen-tesemoutrosterritriosamaznicosjque58% daregioencontra-senoCerradoaotempoque pairavaumaexpectativadeanistiasobreasreas desmatadas. Como resultado disso, as monocultu-rasvoltaramaocuparummilhodehectaresem 2010, um recorde indito desde 2004/2005, perodo conhecido tambm pelos picos de desmatamento e conitos fundirios. O outro recurso, a gua, foi incorporado ao ciclo expansivocomomeroinsumoprodutivoutiliza-do para os mais variados ns: perspectivas de alta rentabilidadedaterceirasafraanualparaasoja, produo de hidroeletricidade na bacia do Xingu, barateamentodoscustosdetransportedegros graas ao projeto dehidrovia do Araguaia/Tocan-tins. gua poluda por agrotxicos e pela falta de saneamentobsiconascidades,afetandovida dos povos indgenas e ribeirinhos. gua degradada pelo poder pblico que ignora a necessidade e ur-gncia de proteo das matas ciliares. Neste contexto, nossa preocupao maior era cons-tatar que o novo modelo no vinha acompanhado do debate necessrio sobre os seus impactos e con-dicionantes.Enquantoanovaondademoderni-dadeeraimpulsionada,assistamosasituaes extremas tais como terras indgenas ocupadas pelo Araguaia Xingu: cruzandoo vale dos esquecidos9Realidade e Histria da regio do Araguaia Xingugado e pela soja, peixes de ndios e ribeirinhos po-ludosporagrotxicos,frigorcosautuadospelo MinistrioPblico,desmatamento,intensicao das queimadas e da degradao orestal, especula-o fundiria sobre as reas de assentamento, e um absoluto abandono da agricultura familiar. RealidadeehistriadoAraguaiaXinguore-sultadodessasinquietaes,quelevaramaAXA adetrazerumnovoolharquealimenteodebate sobre o desenvolvimento regional, questionando as visesmonolticasqueinsistememrepetirmode-los falidos. Modelos que se baseiam na disponibili-dade de recursos naturais ociosos (terra, gua, etc.) sem ter em conta as demandas locais e que carecem deumavisodelongoprazo.Aolongodoscap-tulos, o livro aborda as principais questes relacio-nadasaodesenvolvimentoregional:Duasbacias unidas por um s destino caracteriza o territrio doAraguaiaXingu;Terradebois,migrantese ndios descreve o processo demogrco e aponta a diversidade de gentes que o povoam; Estrutura econmicadoAraguaiaXingudescreveotecido produtivo regional, suas principais foras e resulta-dos;Estruturafundiriacomoresultadodeuma histriadelutaseconquistasexplicaquemocu-paoterritrioeporqu;Patrimnioambiental ameaado expe a situao da biodiversidade na regio como consequncia dos impactos do mode-lo produtivo e de ocupao.Porumlado,odiagnsticodarealidadeapia-se emdadosestatsticosqueconferemumaobjetivi-dade maior descrio dos principais processos de-mogrcos, sociais, econmicos, fundirios e am-bientais. Na construo destes dados, constatamos queosinstitutoseorganismosociaistmdiante de si o importante desao de atualizar e aprimorar suasinformaesparapermitirumdebatemais qualicado sobre os problemas da regio. Chamou especial ateno a falta de dados ociais em temas--chave tais como desenvolvimento humano, pobre-za,sadeemeioambiente.Osegundopilardeste diagnsticoestnoresgatedaevoluohistrica dosprincipaisprocessosdeocupaoedosseus impactos,comocomponenteessencialparauma boacompreensodocontextoatual.Poisquem esquece a sua histria est condenado a repeti-la dizia J. Santayana. Aelaboraodestapublicaofoidesaadora pelotamanhodageograa,pelahistoria-densa em fatos, conitos e protagonistas - pela comple-xidadedosprocessosqueexplicamodesenvolvi-mentoeosseusimpactos.Nosesforamospara queotextooferecesseumequilbrioentreuma abordagemfundamentadaepedaggicaquepos-sibilitasseaapropriaodasidiasexpostaspelo conjunto da cidadania.Osentidoltimodolivroestnacontextualiza-odotrabalhocomumqueasorganizaesda regiorealizamemproldeumdesenvolvimento mais justo e sustentvel. Realidade e histria do Araguaia Xingu faz parte da srie A resposta da Terra, na qual as entidades que formam a AXA mostramosresultadosdeseutrabalhonoslti-mosseisanos.Paraentenderocarterinovador epropositivodessasexperincias,eranecessrio compreender o cenrio e a problemtica que mo-tivaramseusurgimento.Nessecontextoasorga-nizaesdaAXA,juntoaoutrosparceiros,tra-balhamparaconstruirumaregiomaisjustae harmoniosa, orgulhosa da sua sociobiodiversida-de, como principal vetor de desenvolvimento. Um futuroemqueoAraguaiaXingunosejamais apelidado de Vale dos Esquecidos.Estrada BR-242 em So Flix do Araguaia (MT). Luis Mena10Realidade e Histria da regio do Araguaia Xingu1 Carlos Garca Ayrton VignolaDuas bacias unidaspor um s destino desaadordenirareaocupadapelare-gioAraguaiaXingunageograamato--grossense:seurecenteprocessodeocupa-o, as mltiplas interfaces geogrcas, polticas e econmicas, as diferentes matrizes culturais con-guram um processo dinmico de contnua constru-o da identidade. Entretanto, resgatar alguns as-pectos histricos pode ajudar a entender melhor a congurao desse territrio. Foi em 1948, durante o Governo Dutra, que se constituiu o municpio de Barra de Garas, naquela poca o maior municpio do Brasil. Sua sede, Barra do Garas, era um vila-rejosemestruturaquelhepermitisseadministrar aquela imensido. A partir dos anos 70, a maioria dos municpios do Araguaia Xingu, que hoje ocu-pam o nordeste mato-grossense, foram se emanci-pando. Nesta mesma poca, em 1970, o Papa Paulo VI assinou o decreto que criou por direito cannico a Prelazia de So Flix do Araguaia, com 150.000 km2desuperfcie;foiassimqueaIgrejaCatlica tornou-se a primeira fora estruturante a se insta-larnaquelasociedadenascente,antesmesmodo EstadoBrasileiro.Atosdiasdehoje,frequen-Rio Araguaia em So Flix do Araguaia (MT)Rio Xingu cortando o Parque Indgena do Xingu (MT)teouvirosmoradoressereferiremregiocomo regio da Prelazia devido importncia que esta instituio teve na congurao histrica regional, principalmente no que diz respeito defesa das po-pulaesexcludaseoprimidaspelaspolticasde colonizao da ditadura militar. O linguajar local tambm acunhou o Vale do Araguaia, expresso signicativadopontodevistahistricoporree-tiropioneiroprocessodeocupaoapartirdas margens do rio Araguaia algumas dcadas antes da aberturadasprincipaisestradas.OValedoAra-guaia acolheu a leva de nordestinos que trilhavam as rotas marcadas pelas bandeiras verdes de Padre Ccero. Hoje, ao olhar para a regio, ca claro que a expresso perdeu seu sentido dada a importncia dos municpios da bacia hidrogrca do Xingu do ponto de vista populacional, econmico, poltico, socioambiental, e mesmo geogrco: eles ocupam 43% da regio. Mas, dentre todos, o mote popular ValedosEsquecidosquerevelaoverdadeiro mal-estar de seus habitantes, indignados pelo iso-lamento e atraso socioeconmico e que denunciam alto e claro a responsabilidade dos poderes pbli-11Realidade e Histria da regio do Araguaia Xingucos por esta situao. A expresso ganhou at um lme, realizado por Maria Raduan em 2011.Navisodasorganizaessocioambientais,que em2007criaramaArticulaoXinguAraguaia (AXA), o territrio Araguaia Xingu uma aliana deduasbaciasaoredordoeixodaBR-158que aspiraaumarealidademaisjustaepacca,que integre a riqueza da diversidade social com a sus-tentabilidade de seus meios de produo. A AXA surgiudeduasrealidadesqueconvergemesere-foraram mutuamente: de um lado, o trabalho de-senvolvidopeloInstitutoSocioambientalnoPar-que Indgena do Xingu e na regio das cabeceiras doXingu,cujaexpressomximaacampanha YIkatu Xingu, que procura alternativas para uma ocupao territorial que respeite a diversidade so-cioambiental;edeoutrolado,atradicionalluta conduzida pelas organizaes vinculadas defesa dosdireitoshumanoseligadasPrelaziadeSo Flix do Araguaia. 1http://valedosesquecidos.com.br/!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.Boa VistaRi o AraguaiaRi o XinguRio AmazonasRio SolimesRi oTocanti nsRio TocantinsRio AmazonasCuiabRio BrancoPorto VelhoManausPalmasBelmMacapSo LusBacia Hidrogrficado Rio XinguGoiniaTeresinaBrasliaBacia Hidrogrficado Rio AraguaiaCanaranaSo Flix ao AraguaiaPorto Alegre do NorteMAPA 1No destaque, rea de atuao da AXA nas baclas dos rlos Xlngu e AragualaCapital e Limite Estadual: IBGE/DGC. Base Cartogrfica Contnua, ao milionsimo BCIM: verso 3.0. Rio de ISA, 2012.Janeiro, 2010 ;Hidrografia: IBGE em http://sigel.aneel.gov.br/ ; Regio do Araguaia Xingu: ISA, 2011; Bacia Hidrogrfica: ANA, 2006; Amaznia Legal Brasileira: Lei 1.806 de 06/01/1953 ; Biomas: IBGE, 2004 (primeira aproximao)Fontes: LegendaLimite EstadualLimite de Bacia HidrogrficaAmazniaPantanalMata AtlnticaCerradoCaatingaBiomasLImite da Amaznia LegalRegio do Araguaia Xingu!. CapitalHidrografia0 200 100KmPorltimo,nestedifcilprocessodedenirare-gio, tivemos em conta o conceito de mesorregio utilizadopeloInstitutoBrasileirodeGeograae Estatstica (IBGE) a partir dos anos 60. As mesor-regiessodivisesterritoriaisentreosestadose asmicrorregies,queagrupamconjuntosdemu-nicpios conforme os critrios seguintes: um pro-cesso social como determinante, o quadro natural como condicionante e a rede de comunicao e de lugarescomoelementodaarticulaoespacial.2 Assim, identicamos a regio Araguaia Xingu com sendoamesorregionordestedoMatoGrosso que, por sua vez, possui trs microrregies: Norte Araguaia, Canarana e Mdio Araguaia. SearegioAraguaiaXingufosseumEstadoda Federao,seriaodcimosextoemextenso 177.729,37km2,umaquintapartedoestadode MatoGrosso,menorqueParanemaiorque Acre ou Cear. J, em termos populacionais, cor-2http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/geografa/ default_div_int.shtm12Realidade e Histria da regio do Araguaia Xinguresponde metade da populao de Roraima, o es-tado menos povoado do pas. Como algum disse certavez,umpasdentrodeoutropas,uma realidadedeestepesiberiana,desertoaustraliano oupampaargentino.AintegraodoAraguaia Xingu ao territrio nacional foi movida por sonhos de migrantes, lutas pela terra e o rudo das motos-serras. Durante dcadas, permaneceu no escanteio e foi relegado pelo poder pblico ao status de um fundodequintalondeabrutalidadelheconferiu certoardefaroeste.Napassagemdosculo,foi arrastadoaocentrodascontradiesdaglobali-zao, que traz consigo benefcios diretos e outros Caractersticas Araguaia Xingu Mato Grosso %rea (km2) 177.336 903.358 19,6%N municpios25 141 17,7%Populao (2010) 276.901 3.035.122 9,1%Densidade de populao (hab/km2) 1,6 3,4 ---Crescimento populao (2000-2010) 17,8% 17,6% ---PIB (2009) 4.276.151 53.023.000 8,1%PIBpc (2009) 15.274 17.823 85,7%ndice pobreza (2003) 36% 34% 105,6%N cabeas de boi (2010) 6.295.882 28.757.438 21,9%rea soja colhida (2009) 647.668 5.831.468 11,1%N Assentamentos 91 537 16,9%Capacidade assentamentos (lotes)22.328101.33522,0%% rea PAs sobre total 8,7% 6,7% ---% rea TIs sobre total 15,0% 14,8% ---% rea UCs sobre total 4,0% 3,5% ---rea desmatada total (Amaznia, km2)30.861132.01923,4%N de povos indgenas22 4055,0%DADDS CERAIS CDMPARATIVDSSertanejo e xinguanoFotos: Luis Menacompensatrios, o sucesso de uns e a marginaliza-odeoutros,aopassoqueademocraciaainda vinha se instalando de forma tmida. Nos anos 70, aregiofoiligadaaoterritrioporumaprecria estradafederaldeterra(BR-158)queatravessava o pas de norte a sul e que precisou esperar trinta anosparaveroasfaltochegar.Poderiamtersido mais, no fosse o empurro econmico do recente boom das commodities. Atualmente, so 25 os mu-ncipios que ocupam o espao entre as duas bacias, testemunhas de um dos mais fascinantes episdios da histria brasileira e que compem uma das mais ricas sociobiodiversidades do Brasil.13Realidade e Histria da regio do Araguaia XinguMAPA 2Carta base da reglo do Araguala Xlngu!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.QuernciaSanta Cruz do XinguSo Jos do XinguPorto Alegre do NorteSanta TerezinhaConfresaVila RicaLuciaraCanabrava do NorteSo Flix do AraguaiaAlto Boa VistaSerra NovaDouradaNovo SantoAntnioBom Jesus do AraguaiaCanaranaRibeiro CascalheiraCocalinhoNova Nazargua BoaNova XavantinaCampinpolisSanto Antniodo LesteNovo So JoaquimAraguaianaBarra do Garas0 50 25KmRi o das MortesRio das GarasRi oAraguaiaRio CristalinoRi o Araguai aRi o Araguai aRi oSetede SetembroRio Coronel VanickRio CulueneRi o Curi sevoRio XinguRio BatoviRio RonuroRio XinguRio TanguroRio Huai-MiuRio XinguRio Auai-MiuRio PretoRio PaturiRio Sui-MiuRio Manissau-MiuRi o Comandante FontouraRio Jarina ou Jurun aIgarap Font ourinhaRio BelezaRio TapirapRio das PacasRio DarroBR-070BR-158BR-446BR-070BR-158BR-242BR-158Ri o das MortesPeixoto de AzevedoPiumLagoa da ConfusoFormoso do AraguaiaMarcelndiaFeliz NatalGacha do NorteParanatingaGeneral CarneiroPoxoroTesouroPontal do AraguaiaAragarasBom Jardimde GoisBritniaMozarlndiaAruanNova CrixsMundo NovoCrixsUirapuruBonpolisSo Miguel do AraguaiaSandolndiaAraguauLegendaLimite MunicipalLimite EstadualHidrografiaFederalEstadualEstrada:Regio do Araguaia XinguRio XavantinocBalsac>Sede Municipal !.c>c>Sede Municipal, Estradas, Limite Municipal e Estadual: IBGE/DGC. Base Cartogrfica Contnua, ao milionsimo ISA, 2012.BCIM: verso 3.0. Rio de Janeiro, 2010 ; Balsa: ISA, 2012 ; Hidrografia: SIPAM/IBGE, 2004 ; Regio do Araguaia Xingu: ISA, 2011.Fontes: 14Realidade e Histria da regio do Araguaia XinguAs primeiras notcias sobre o Araguaia Xingu surgem em meados do sculo XVII, quando os primeiros bandeirantes atravessaram o Araguaia. Bandeiras como as de Pires de Campos e Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera, percorreram a rea por volta de 1660, capturando ndios para depois vend-los como escravos. Em 1673, a regio foi explorada pelo bandeirante Manoel de Campos Bicudo, em busca de ouro. Estas expedies foram responsveis pelo surgimento da lenda da Serra dos Martrios, um lugar fantstico de formaes geogrficas que lembram os martrios de Cristo, onde haveria muito ouro na superfcie. O local descrito pelos bandeirantes nunca foi encontrado, mas rapidamente surgiram pequenas vilas garimpeiras nas beiras do Rio das Mortes, como a de Aras. Com o fim do ouro de lixiviao, os povoados logo foram abandonados.Em meio a estes primeiros registros histricos, destaca-se uma carta escrita na Ilha de SantAnna, atual ilha do Bananal, em 1775, pelo alferes Jos Pinto da Fonseca, pertencente ao exrcito do Portugal, ao General de Goyazes. Nela, narra o contato pacfico com os Karaj, que caracteriza com ndios assustados e com medo dos Xavante que, no tempo da seca, atravessavam o Araguaia e vinham arranchar-se nas roas dos Karaj. Primeiras referncias histricas do Araguaia XinguLINHA Do TEMPO1673Explorao da regio pelo BandeiranteManoel de Campos Bicudo1775Carta escrita desde a Ilha do Bananal peloalferes portugus Jos Pinto da Fonseca1887 Expedio cientfca de Karl von den Stein ao Xingu1895Padres Dominicanos se estabelecem na regiode Conceio do Araguaia1914Primeiro contato dos Pe. Dominicanos com os indios Tapirap1932Inaugurao da igreja do morro em Santa Terezinha, a primeira da regio1943 Expedio Roncador Xingu1944Instalao da sede da Fundao Brasil Central, futura Nova Xavantina1948 Constituio do municipio de Barra de Garas1952 Chegada das Irmzinhas de Jesus aldeia Tapirap1961 Criao do Parque Indgena do Xingu1962Abertura da estrada de Barra do Garasat So Flix do Araguaia1966Expulso dos Indgenas de Mariwatsdpela fazenda Sui Missu1967Incio da resistncia dos posseiros de Santa Terezinha frente a fazenda CODEARA1970 Paulo VI cria a Prelazia de So Flix do Araguaia1971Ordenao episcopal de Pedro Casaldliga e lanamento da carta pastoral Uma igreja em confito com o latifndio e a marginalizao social1972Primeira assembleia do povo realizada em Pontinpolis, So Flix do Araguaia1972 Criao do Conselho Indigenista Missionrio (Cimi)1973Chegada dos primeiros colonosde Tenente Portela (RS) a Canarana (MT)1975Criao da Comisso Pastoral da Terra (CPT) e abertura da BR-158 at o Par1976Assassinato do Padre Joo Bosco em Ribero Bonito e erguimento do Santurio dos Mrtires da Caminhada1980Primeiros assentamentos de reformaagrria se implantam na regio1992 Demarcao e homologao da TI Urubu Branco1998 Homologao da TI Mariwatsd2000Audincia Popular contra a Hidrovia do Araguaia rene 600 pessoas para defender o rio2000 Pico de desmatamento na regio com 2.315 km22004 Primeiro Encontro das Cabeceiras do Xingu2006Relatrio do Greenpeace Comendo a Amazonia denunciando o desmatamento incentivado pela soja2006 Incio da Campanha YIkatu Xingu2007 criada a Articulao Xingu Araguaia2008Projeto de lei do ZSEE/MT, so realizadas as audincias pblicas2008I Feira de Iniciativas Socioambientais em Canarana, no mbito da Campanha YIkatu Xingu2009 Criao do assentamento Bordolndia2009Greenpeace lana o relatrio A Farra do Boina Amaznia, denunciando o desmatamento incentivado pela pecuria na AmazniaAriosto da Riva, contato com os Xavante da Mariwatsd, 1966 Arquivo Funai15Realidade e Histria da regio do Araguaia Xingu2 Alexandre MacedoTerra de bois,migrantes e ndiosGado pastando no municpio de Canabrava do Norte (MT)Deacordocomocensode2010realizado peloIBGE,onmerodehabitantesdo AraguaiaXingude276.901,comuma densidadepopulacionaldeapenas1,5habitante/km2.Apesardabaixadensidadedemogrca,a populaonodeixoudecrescernosltimos50 anos,pormessecrescimentofoiperdendofora com o passar do tempo, de acordo comos censos realizados a cada dez anos pelo IBGE.A regio no se diferencia muito das bacias pecu-rias que foram criadas em outros pontos da perife-ria amaznica e conguram o modelo caractersti-co da ocupao territorial desde os anos 60: uma economia que se baseia principalmente na criao extensivadegadoesedesenvolveemestruturas fundirias de alta concentrao. Nestesentido,umadasparticularidadesdaocu-pao do territrio a relao entre a populao e o rebanho bovino: contam-se, para cada pessoa, vintecabeasdegado.Hdecertoumaestreita causalidadeentreabaixadensidadepopulacio-naleopesodapecuria:estanecessitadegran-des territrios para se desenvolver, de mo de obra escassaesemqualicao,gerandoprocessosde acumulao de capital limitados em relao ao es-pao ocupado. O resultado so ndices baixos de densidadedemogrcaedesenvolvimentohuma-no em comparao com outras regies de econo-mia mais avanada e diversicada.Metadedapopulaoconcentra-senasseisprin-cipaissedesmunicipais(porordemdeimportn-cia): Barra de Garas, Agua Boa, Nova Xavantina, Canarana,ConfresaeVilaRica.Umquintodos habitantesdaregiovivenacidadedeBarrado Garas,aoitavadoestadodeMatoGrossocom 55.000 habitantes (IBGE 2011). Em paralelo con-centrao urbana, a regio apresenta um ndice de ruralidade1 de 32%, quase o dobro que o resto do Estado(18%).Noentanto,selevarmosemcon-1 ndice de ruralidade: pessoas que moram fora das capitais munici-pais (em pequenos distritos, propriedades rurais, assentamentos ou terras indgenas) em relao ao total de populao.16Realidade e Histria da regio do Araguaia Xingusideraoospadresinternacionais,ofenmeno rural bem mais expressivo. Aestruturapopulacionaldaregioevidenciaque se trata de uma populao em meio a uma transi-odemogrca2.umapopulaoaindajovem, mais da metade tem menos de trinta anos, porm, com um leve processo de envelhecimento. o nme-rodejovensmenornosmunicpiosmaisestag-nados economicamente, marcados pela emigrao juvenilrumosgrandescidades.Noentanto,no conjunto da regio a concluso mais esperano-sa: nos ltimos 10 anos, os jovens continuaram mi-grando, mas numa proporo menor.Noquedizrespeitoaosgrupospopulacionais, asociedadedoAraguaiaXingufoiformadape-lospovosindgenas,habitantestradicionaisda 2 Transio demogrfca a passagem de uma sociedade com altas taxas de mortandade e natalidade, e portanto baixo crescimento popu-lacional, a outra sociedade com taxas baixas. Historicamente, a queda das taxas de mortandade precedeu queda das taxas de natalidade, gerando crescimento populacional. regio,eachegadadepopulaesvindasdos quatrocantosdopas.Retirantesespontneos, colonospioneiroseaudaciosos,trabalhadores temporrios(boias-frias),migrantesqueemi-gram sem descanso, fugindo da pobreza em bus-cadenovasoportunidades:estamosfalandode uma sociedade marcada pelos fenmenos de imi-grao e ocupao. Nos ltimos 40 anos, apesar daestruturaodascidadesedainstalaono campo das famlias detentoras de ttulos de pro-priedade ou concesses de uso, essa caraterstica embrionria ainda confere estrutura social um carterprovisrio,nmade,derazessuper-ciais, sustentada graas rede de parentes e laos comunitriosquereforamacapacidadedeso-brevivncia dos indivduos.Achegadadestaspessoasocorreudemaneiraes-pontnea a partir do inicio do sculo XX e poste-riormente,desdeapocaVargas,comoresultado dossucessivosprojetosgovernamentaisdeocupa-o. O saldo destas duas fases o mosaico scio--cultural atual: Assentados no PA Brasil Novo, municpio de Querncia (MT). Luis Mena17Realidade e Histria da regio do Araguaia XinguGRFICO 1EVDIUD DA PDPUIADReglo do Araguala XlnguGRFICOS 3ESTRUTURA PDPUIACIDNAI Por falxas etrlasGRFICO 4DISTRIBUID DA PDPUIAD Reglo do Araguala Xlngu, zooGRFICO 6NDICE DE RURAIIDADEzooGRFICO 5DISTRIBUID DA PDPUIAD Reglo do Araguala Xlngu, zooGRFICO 2EVDIUD DA PDPUIAD NDS MUNICPIDSEntre zooo e zooFonte: IBGEFonte: IBGEFonte: IBGEFonte: IBGEFonte: IBGE1970 1980 1991 2000 2010 2020estimativa350.000300.000250.000200.000150.000100.00050.000038%20%9%8%7%7%7%4%DemaisBarra do GarasConfresaVila Ricagua BoaNova XavantinaCanaranaSo Flix do Araguaia38%62%UrbanaRural60% 54% 52% 44% 43% 42% 35% 21% 20% 20% 10% 9%Santa TerezinhaQuernciaPorto Alegre do NorteCanabrava do NorteConfresaSo Flix do AraguaiaVila RicaCanaranaNova Xavantinagua BoaBarra do GarasLuciara250020001500100050001 a 4 5 a 910 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 7980 a 8485 a 8990 a 9495 a 99mais de 100Santa Terezinha 2010gua Boa 20102500030000200001500010000500001 a 4 5 a 910 a 1415 a 1920 a 2425 a 2930 a 3435 a 3940 a 4445 a 4950 a 5455 a 5960 a 6465 a 6970 a 7475 a 7980 a 8485 a 8990 a 9495 a 99mais de 100Regio 2000Regio 201080%60%40%20%0%-20%QuernciaConfresaVila RicaPorto Alegre do Nortegua BoaCanaranaMato GrossoRegioSanta TerezinhaNova XavantinaBarra do GarasRibeiro CascalheiraSo Flix do AraguaiaCanabrava do NorteLuciaraSo Jos do XinguAlto Boa Vista18Realidade e Histria da regio do Araguaia XinguMATRIZNORDESTINAdeimigraomaisantiga epaulatina,atendeuaochamadodasban-deirasverdesedademandademodeobra dos grandes latifndios que se instalaram na regioapartirdosanos60.Osnordestinos fundaramascidadesdabeiradoAraguaia como Santa Terezinha, Luciara, So Flix do Araguaia e Santo Antnio do Rio das Mortes.MATRIZGOIANAETOCANTINENSEseusintegrantes naturalmenteatravessaramoAraguaiapela Ilha do Bananal procura das pastagens na-tivas da margem oeste, de terras dos projetos de reforma agrria ou de empregos nas fazen-das e municpios.MATRIZ SULISTA, ligada aos projetos de colonizao privada e que chega regio a partir dos anos 70.Estegrupoestatualmenteenvolvidona agriculturadeescala,e,especialmente,no negcio da soja. Fundaram os municpios de Canarana, Querncia, Agua Boa ou Vila Rica. MATRIZ PAULISTA, contingente menor e de ocupao mais ocasional, mas com uma importante in-uncia na congurao socioeconmica pela presena de fazendeiros, empresrios e pesso-as qualicadas que participam dos processos sociais de estruturao das polticas do Esta-do de bem-estar e do terceiro setor. MATRIZMATO-GROSSENSE,amaisrecente,formada pelos lhos dos migrantes e pelos moradores advindos da imigrao interna do estado. MATRIZ INDGENA, com 22 etnias que habitam 19 ter-ras indgenas, fundamentalmente xinguanos, xavante, tapirap e karajs.Da esquerda para a direita, de cima para baixo: 1. Crianas (So Flix do Araguaia), 2. Colonos (Querncia),3. Indgenas Waur (PIX), 4. liderana Xavante (Mariwatsd). Joo Correia Elisa Marn Luis Mena Alexandre Macedo19Realidade e Histria da regio do Araguaia XinguMAPA 3Caracterlzao da popuIao!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.QuernciaSanta Cruz do XinguSo Jos do XinguPorto Alegre do NorteSanta TerezinhaConfresaVila RicaLuciaraCanabrava do NorteSo Flix do AraguaiaAlto Boa VistaSerra NovaDouradaNovo SantoAntnioBom Jesus do AraguaiaCanaranaRibeiro CascalheiraCocalinhoNova Nazargua BoaNova XavantinaCampinpolisSanto Antniodo LesteNovo So JoaquimAraguaianaBarra do Garas0 50 25KmLegendaPopulao (habitantes em 2010)Limite MunicipalLimite EstadualCidades (habitantes em 2010)Distribuio (habitantes em 2010)Populao IndgenaPopulao RuralPopulao Urbana!. 2.501 - 5.000!.5.001 - 10.0001 - 5.0005.001 - 10.00010.001 - 15.00015.001 - 20.00020.001 - 30.00030.001 - 60.000!.1 - 2.500!.10.001 - 20.000!.20.001 - 51.000Regio do Araguaia XinguSede Municipal, Limite Municipal e Estadual: IBGE/DGC. Base Cartogrfica Contnua, ao milionsimo BCIM: verso 3.0. Rio de Janeiro, 2010;ISA, 2012.Regio do Araguaia Xingu: ISA, 2011; Dados de populao nas cidades, por municpio, rural e urbana: IBGE, consulta realizada em fevereiro de 2012;Populao Indgena municipalizada: FUNAI / IBGE / ISA, consulta realizada em dezembro de 2011.Fontes: LocalidadeN de habitantes (2010)Brasil 190.755.799Mato Grosso 3.035.122Regio do Araguaia Xingu 276.90120Realidade e Histria da regio do Araguaia XinguAntesdachegadadosmigrantes,aregiojera ocupadaporndiosdevriasetniasdostroncos JeTupi.Karaj,nabeiradoAraguaia,Xavante, nas reas de Cerrado, Tapirap e Kayap, povos da mata, j se aproximando da divisa com o Par. O Parque do Xingu, que hospeda dezesseis etnias das bacias do Tapajs e Xingu, fruto da luta vision-ria dos irmos Vilas Boas e do antroplogo Darcy Ribeiro, funcionrio do Servio de Proteo ao n-dio, nos anos cinquenta. Foi a primeira terra ind-genahomologadapelogovernoem1961ehoje uma das mais importantes aes de preservao da diversidade sociocultural no mundo. O Araguaia Xingu acolhe atualmente 20.914 ndios (ISA2011)pertencentesavinteeduasetnias,8% GRFICO 7PDPUIAD INDCENAReglo do Araguala Xlngu, zoGRFICO 9PDPUIAD NAS TERRAS INDCENASReglo do Araguala Xlngu, zoGRFICO 10EVDIUD DD ND DE TERRAS INDCENAS RECDNHECIDASReglo do Araguala XlnguGRFICO 8SITUAD )URDICADAS TERRAS INDCENASReglo do Araguala Xlngu Fonte: ISAFonte: ISA(*) Aweti, Yudja, Kalapalo, Kamaiur, Kaiabi, Kuikuro, Matipu, Mehinako, Kisdj, Trumai, Ikpeng, Wauja, Yawalapiti, Nahuku, Naruvotu, Tapayuna.Xavante 11.1334.8291.38885865357352451237569Xinguanos (*)Kayap e TapayunaBororo e XavanteKarajTapirapBororoTapirap e KarajKinsdj e TapayunaNaruvotuPI XinguTI ParabubureTI Capoto/JarinaTI Pimentel BarbosaTI So Marcos TI AreesTI MaraiwatsedeTI Sangradouro/Volta GrandeTI Urubu BrancoTI MerureTI WawiTI Cacique FontouraTI Tapirap/KarajTI UbawaweTI So DomingosTI Pequizal do NaruvotuTI Cho Preto0 1.000 2.000 3.000 4.000 5.0001210864201960s 1970s 1980s 1990s 2000sde sua populao total e entre 40% e 50% da po-pulao indgena de todo o estado de Mato Grosso. Abrigadezenoveterrasindgenasqueocupamum total de 27.064 km2, aproximadamente um sexto do territrio.Estotodashomologadaseregistradas excetoAreesIeII,emprocessodeidenticao, easTIsCaciqueFontouraePequizaldoNaruvo-tu, somente declaradas. Estatisticamente, as terras indgenas so as reas melhor conservadas do pon-todevistaambientalcom92%doterritriono desmatado.Doispovos,oKrenak-Maxacalieo Canelaaindanotmosseusdireitosterritoriais reconhecidos.Outrosdoispovos,apesardeterem suas terras homologadas, no conseguem ocupar a totalidade do seu territrio, trata-se dos Xavante de Mariwatsde e dos Tapirap da TI Urubu Branco. 1522Homologada e registradaDemaisDeclaradaTI Cacique Fontoura e TI Pequizal do NaruvotuIdentifcadaTI Aries I e TI Aries II21Realidade e Histria da regio do Araguaia XinguA criao doParque do XinguPor Andr Villas-BoasA regio do Xingu de ocupao antiga, milenar, de um complexo cultural que foi se formando com uma origem Karibe. Sempre houve um fuxo migratrio desde a poca dos portugueses, que defagrou em uma movimentao de etnias, alm das que estavam na regio. O primeiro contato registrado com a regio data de 1887, quando Karl von den Stein veio por meio de uma expedio cientfca alem. Ele chegou no Xingu pelo rio Culuene. uma regio de difcil acesso. Nas cabeceiras do Xingu, na parte sul, os rios tem uma navegabilidade muito restrita. Tambm tinha a presena dos Xavantes, que eram um povo aguerrido. Na parte norte da bacia, as frentes de ocupao de inicio do sculo XX, vinculadas ao ciclo da seringa, no conseguiram chegar na regio por causa da presena dos tambm aguerridos Kayap. Por isso, o Xingu fcou com um contato postergado at 1946, quando se inicia a expedio Roncador-Xingu, que foi a primeira expedio de integrao nacional no contexto da marcha para o Oeste, que tinha como objetivo ocupar o centro oeste brasileiro. Nela participaram os irmos Villas-Boas, que comearam como trabalhadores e terminaram liderando a expedio. Na expedio existia tambm um interesse estratgico em relao rota area Rio de Janeiro / Manaus / Miami. Queriam se instalar bases da FAB que ajudassem na navegao nesse percurso: Aragaras, Xavantina, Jacar (no parque), Cachimbo e Jacarecanga. Vale a pena ressaltar que a ocupao no se deu por conta da expedio e sim posteriormente nos anos 70 com a abertura das estradas BR163 (oeste da bacia) e BR158 (leste da bacia). O PIX foi criado no ano 1961, mas a discusso da sua constituio veio desde a dcada dos 50. A primeira proposta foi do ano 1952 e mostrava um parque cinco vezes maior do que ele hoje. Os interesses mobilirios mato-grossenses se posicionaram contra a sua constituio. Foram realizadas sucessivas divises no projeto at que em 1961 Jnio Quadros criou o PIX, que depois teve algumas mudanas no seu desenho. O parque contemplou a territorialidade integral de algumas etnias, mas deixou fora parcelas signifcativas de territrio tradicional de povos que l habitavam. Os Panar, Ikpeng, Kindsedge e os Caiabi, que habitavam fora do parque, perderam territrios na sua ida para o Xingu. Eles estavam debilitados pelas epidemias Entrevista realizada por Fernanda Bellei em 2011e adaptada por Carlos Garca Paret.decorrentes dos contatos com as frentes de expanso. Foram trazidos para o parque como um porto seguro. O PIX pode ser avaliado de vrias maneiras. Naquela poca a sociedade percebia os ndios como algo do passado e no do futuro. No havia legislao que garantisse os direitos territoriais dos ndios. A criao de uma rea de proteo com a presena do Estado dentro daquele contexto foi uma ousadia histrica. O grande mrito do PIX foi ter protegido efetivamente os ndios. Os Caiabi, que viviam na bacia do Teles Pires, so um bom exemplo disso. Se voc comparar os Caiabi que fcaram fora do parque e os que foram para dentro h diferenas perceptveis em termos de manuteno da lngua e dos aspectos culturais. Os que fcaram fora tiveram que enfrentar as frentes de expanso com perdas populacionais e culturais. Foi, portanto, uma ao de gesto territorial que liberou territrios para as frentes de expanso. Cabe dizer que os seus limites no foram discutidos com os ndios tal e como acontece hoje. A sua demarcao foi uma interpretao das pessoas que tinham contato com os ndios. Se eles tivessem participado o parque provavelmente seria maior.Por outro lado, para os ndios houve perdas territoriais. Vrias etnias contabilizam essas perdas de partes de territrios ou de territrios inteiros de grupos que foram trazidos para o parque. Para a elite da poca tambm houve uma perda em termos de terras disponveis para a especulao imobiliria. Em defnitiva, foi uma engenharia social o desafo de colocar povos que moravam em espaos maiores em uma rea mais restrita. A presena dos Villas- Boas ajudou nessa pacifcao interna entre os grupos rivais. Eles investiram na criao de uma situao de paz e de harmonia, de desarmamento dos espritos guerreiros decorrentes das disputas histricas entre esses povos.Aldeia Waur (PIX). Luis Mena22Realidade e Histria da regio do Araguaia XinguO primeiro grito de contestao frente ditadura na AmazniaEm 24 de outubro de 1971, no mesmo dia da consagrao como bispo da Prelazia de So Flix do Araguaia, Dom Pedro Casaldliga distribua sua primeira carta pastoral: Uma igreja da Amaznia em confito com o latifndio e a marginalizao social. 123 pginas que descrevem a regio da Prelazia de So Flix do Araguaia e os principais confitos provocados pelas grandes empresas. O texto um amplo e rigoroso diagnstico, nico da sua poca, baseado em dados primrios e secundrios levantados durante um ano de trabalho. Lembra o Pe. Pedrito que Pe. Canuto viajou desde So Flix do Araguaia at Barra do Garas procura de dados estatsticos no cartrio, porque como Pedro Casaldliga disse, precisvamos mostrar com rigor o que estava acontecendo. Foi o Padre Canuto que tinha levado previamente o material para So Paulo; Pedro tinha pedido para ela fazer essa viagem e imprimi-lo em vrias grfcas para tentar driblar a censura e garantir que o documento viesse a luz. A CNBB ajudou na sua divulgao. A carta teve repercusso em todo o Brasil e a nvel internacional. A carta comea dando pinceladas geogrfcas: Esta Prelazia de So Flix, bem no corao do Brasil, abrange uns 150.000 Km2 de extenso, dentro da Amaznia legal, no nordeste do Mato Grosso, e com a Ilha do Bananal em Gois. Est encravada entre os rios Araguaia e Xingu e lhe faz como de espinha dorsal, de Sul a Norte, a Serra do Roncador. (...)Compem o solo da Prelazia terras de mata frtil, forestas, grandes pastagens, margens de areia e argila, campos e cerrados, serto e varjes. Duas estaes, bem marcadas, de clima sub-equatorial, se repartem o ano todo: as chuvas, de novembro at abril, e a seca de maio a outubroDom Pedro descrevia o povo do Araguaia de comeo dos anos 70, um amlgama de posseiros, ndios, pees e latifundirios, antes da chegada dos grandes deslocamentos de sulistas nos projetos de colonizao, dos boias frias nordestinos e da reforma agrria. A Maior parte do elemento humano sertanejo: camponeses nordestinos, vindos diretamente do Maranho, do Par, do Cear, do Piau..., ou passando por Gois. Desbravadores da regio, posseiros. Povo simples e duro, retirante como por destino numa forada e desorientada migrao anterior, com a rede de dormir nas costas, os muitos flhos, algum cavalo magro, e os quatro trens de cozinha carregados numa sacola.Adauta Luz Batista, flha da regio e protagonista da histria local, se refere a eles com este signifcativo depoimento: Acostumados com a aspereza da vida agreste, desprezados pela esfera dos altos poderes, ludibriados na sua boa f de gente simples, eles vem os seus dias, semelhana das nuvens negras, sempre anunciando um mau tempo. Ele (o sertanejo) a vtima da ganncia alheia, da inconscincia dos patres, da explorao dos trfegos polticos que na regio aparecem de eleio em eleio para pedir voto e mais que tudo isto, da sua prpria ignorncia. o homem que comete muitas das vezes um crime, porque embargando-se-lhes o direito, s lhe resta a violncia. Esse infeliz, sobejo das pragas e da verminose, vive na penumbra de um futuro incerto. Indiferentemente a tudo, eles vo ganhando o po de cada dia, pois para eles s existem dois direitos: o de nascer e o de morrer. O produto de seus esforos somado ao de seus sacrifcios, vai aparecendo lentamente nos grandes armazns das vilas, ou numa cabea de gado a mais nas fazendas circunvizinhas.Pedro Casaldliga. Ribeiro Bonito Outubro de 1977.Fotos: Arquivo da Prelazia de So Flix do Araguaia23Realidade e Histria da regio do Araguaia XinguA Marcha para o OesteGetlio inaugurou a Marcha para Oeste na tentativa de deslocar contingentes humanos do litoral para as reas de interior dos estados de Paran, Gois (que na poca incorporava Tocantins) e Mato Grosso (que na poca era tambm Mato Grosso do Sul). Seu objetivo era fazer avanar a fronteira civilizatria e incorporar esses territrios unidade nacional. Para tornar possvel esse desafio, o presidente encarregou o ministro da Coordenao de Mobilizao Econmica, Joo Alberto Lins de Barros, de promover a interiorizao do Brasil: assim nasceu a Fundao Brasil Central, e imediatamente, foi anunciada a criao da Expedio Roncador-Xingu. Iniciada em 1943, desbravou o sul da Amaznia e travou contato com diversas etnias indgenas ainda desconhecidas. Uma epopeia que entrou para a Histria como das maiores aventuras do sculo XX e que foi liderada pelos trs irmos Villas-Boas: Leonardo, Cludio e Orlando.Naquela poca, Anpolis era a maior cidade do Centro-Oeste. Braslia ainda no existia e alguns dizem que, durante o governo Vargas, o ponto onde atualmente se ergue a cidade de Nova Xavantina foi cogitado como um dos possveis locais para a construo da nova capital brasileira. A viagem para alcanar o Araguaia Xingu fazia-se por estrada de cho at a cidade de Barra do Garas, que obteve o status de municpio em 1948, transformando-se no maior municpio do Brasil com 273.476 mil km. Ao norte, a sociedade nacional fazia-se presente nos pequenos aldeamentos situados na beira do Araguaia: Santa Terezinha, Luciara, o Servio de Proteo do ndio, os restos de povoados garimpeiros do Rio das Mortes e a cidade nascente de Nova Xavantina. Uma doena, uma boda, uma viagem, podem acabar com toda uma vida dolorosas poupanas. O sertanejo nunca conheceu a lei do protesto, das greves, do direito ou do uso da razo. Todo o seu cabedal histrico est dentro das quatro paredes de um msero rancho e na prole que aparece descontroladamente. Desfaz as suas profundas mgoas entre um e outro copo de cachaa, ou num cigarro de palha, cujas baforadas se encarregam de levar bem longe a infelicidade que ele tem bem perto. (Da pesquisa Sociolgica realizada pelo professor Hlio de Souza Reis, em So Flix, durante o ano de 1970).Os indgenas constituem uma pequena parte dos moradores. Os Xavante: caadores, fortes, bravos ainda faz poucos anos quando semeavam o terror por estas paragens. Receosos. Bastante nobres Os Caraj: pescadores, comunicativos, fceis amizade, festeiros, artesos do barro, das penas dos pssaros e da palha das palmas; moles e adoentados, particularmente agredidos pelos contatos prematuros desonestos com a chamada Civilizao, por meio do funcionalismo, do turismo e do comrcio: com a bebida, o fumo, a prostituio e as doenas importadas. Os Tapirap: lavradores, mansos e sensveis; mui comunitrios e de uma delicada hospitalidade.A vrias tribos agrupadas dentro do parque Nacional do Xingu seriam ofcialmente virgens se benefciaram de um certo isolamento, depois de sofrer maior ou menor deportao. Foram porm afetadas por presenas e atuaes discutveis.O restante da populao est formado por fazendeiros, gerentes e pessoal administrativo das fazendas latifundirias, quase sempre sulistas distantes, como estrangeiros de esprito, um pouco super-homens, exploradores da terra, do homem, e da poltica. Por funcionrios da FUNAI e de outros organismos ofciais, com as caractersticas prprias do funcionrio no interior. Por comerciantes e marreteiros, motoristas, boiadeiros, pilotos, policiais, vagabundos, foragidos e prostitutas. E principalmente por pees: os trabalhadores braais contratados pelas fazendas agropecurias, em regime de empreitada. Trazidos diretamente de Gois ou do Nordeste, ou vindos de todo canto do pas; mais raramente moradores da regio, que neste caso so comumente rapazes. (Muitos dos pees passam a ser moradores da regio aps se libertar do servio das fazendas.).Pedro Casaldliga e Jos Mara,So Flix do Araguaia 1969.24Realidade e Histria da regio do Araguaia XinguMAPA 4Caracterlzao da popuIao lndigena!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.!.QuernciaSanta Cruz do XinguSo Jos do XinguPorto Alegre do NorteSanta TerezinhaConfresaVila RicaLuciaraCanabrava do NorteSo Flix do AraguaiaAlto Boa VistaSerra NovaDouradaNovo SantoAntnioBom Jesus do AraguaiaCanaranaRibeiro CascalheiraCocalinhoNova Nazargua BoaNova XavantinaCampinpolisSanto Antniodo LesteNovo So JoaquimAraguaianaBarra do GarasTI PimentelBarbosaTI AreesTI Arees ITI Arees IITI ParabubureTI UbawaweTI SoMarcosTI MerureTI WawiParque Indgena do XinguTI Capoto/JarinaTI MaraiwatsedeTI UrubuBrancoTI TapirapTI CaciqueFontouraTI So DomingosTI Sangradouro/Volta GrandeTI Pequizal do NaruvtuLegendaLimite MunicipalLimite EstadualPopulao nas Terras IndgenasHidrografiaSede Municipal !.Limite de Bacia HidrogrficaTerra Indgena / Etnia0 50 25KmBacia Hidrogrfica do Rio Xingu Bacia Hidrogrfica do Rio Araguaia#0#0#0#0TI Cho Preto#0#0#0#0#0#0#0#0#0#0#0#0#0#0#0Estrada Federal1.001 - 2.000#02.001 - 5.000#0501 - 1.000#0251 - 500 #01 - 250#0sem dados#0Aweti, Yudja, Kalapalo, Kamaiur, Kaiabi, Kuikuro, Matipu,Mehinako, Kisdj, Trumai, Ikpeng, Wauja, Yawalapititi,Nahuku, Naruvotu e TapayunaBR-070BR-158BR-446BR-070BR-158BR-242BR-158Ri o das MortesRio das GarasRio Araguai aRio CristalinoRi o Araguai aRi o Araguai aRioSetede SetembroRio Coronel VanickRio CulueneRi oCuri sevoRio XinguRio BatoviRio RonuroRio XinguRio TanguroRi o Huai-MiuRio XinguRio Auai-MiuRio PretoRio PaturiRio Sui-MiuRio Manissau-MiuRio Comandante FontouraRio Jarina ou Jurun aIgarap Font ourinhaRio BelezaRio TapirapRio das PacasRio DarroRio das MortesPeixoto de AzevedoPiumLagoa da ConfusoFormoso do AraguaiaMarcelndiaFeliz NatalGacha do NorteParanatingaGeneral CarneiroTesouroPontal do AraguaiaAragarasBom Jardimde GoisBritniaAruanSo Miguel do AraguaiaSandolndiaAraguauTI Marechal RondonTI Karaj de Aruan IITI BatoviTI PanarTI TerenaGleba IririTI UtariaWyhyna/Irdu IrnaTIInwbohonaParque Indgenado AraguaiaKarajKisdj e TapayunaKayap, Metyktire e TapayunaTapirap e KarajTapirapRegio do Araguaia XinguTerra IndgenaRio XavantinoTI MenkragnotiBororoBororo e XavanteXavanteSede Municipal, Estradas, Limite Municipal e Estadual: IBGE/DGC. Base Cartogrfica Contnua, ao milionsimo ISA, 2012.BCIM: verso 3.0. Rio de Janeiro, 2010 ; Hidrografia: SIPAM/IBGE, 2004 ; Bacia Hidrogrfica: ANA, 2006 ; Regio do AraguaiaXingu: ISA, 2011; Dados de populao: http://pib.socioambiental.org/ - acesso em fevereiro de 2012 ; Terra Indgena/Etnia: ISA, 2011. Fontes: 25Realidade e Histria da regio do Araguaia XinguPRINCIPAIS INDICADDRESEmtermoseconmicos,aregioAraguaia Xingu apresenta um Produto Interno Bru-to de 4.276 milhes de reais que, distribu-dos entre seus 276.901 habitantes, representa um PIBpercapitadeaproximadamente15.443reais por pessoa/ano. AnalisaroPIBnosdideiaaproximadadota-manhodaeconomia,dovalordesuaproduo anualdebenseserviosapreosdaqueleano (correntes). Vejamos ento no detalhe o que sig-nicamessesnmerosnocontextoregionale mato-grossense: 1. O PIB regional equivale a 8% do PIB mato-gros-sense e 0,16% do PIB nacional. 2.Comparativamente,aeconomiadoAraguaia Xingu menor que a economia da cidade de Ron-donpolis(MT)esemelhanteseconomiasdos municpiosdeItu(SoPaulo),BoaVista(Rorai-ma),SeteLagoas(MinasGerais)1.Noentanto, estes territrios so bem menores, o que denota o padroeconmicodoAraguaiaXingu:produo de bens e servios baseados no setor primrio, alta-mente intensivos no recurso terra, de escasso valor agregado e escassa diversicao.3. Do ponto de vista temporal, entre 2003 e 2009, oPIBregionalcresceuemmdia18%aoano. Esteaumento,quesuperaodaeconomiachi-nesa, explica-se por quatro fatores: o boom dos preosdascommodities,aconsolidaodare-giocomoreadeexpansoagrcola,amaior disponibilidadederecursospblicoseocresci-mento do mercado de produtos de consumo en-tre as classes mais populares.4. No entanto, as economias municipais so mo-nopolizadas por poucas cadeias produtivas agro-pecurias (gado de corte e soja), que por sua vez 1 http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_munic%C3%ADpios_do_Brasil_por_PIB3 Luis MenaEstrutura econmica do Araguaia XinguEstrada direo ao assentamentos PA Brasil Novo, Querncia (MT)26Realidade e Histria da regio do Araguaia Xingu2003 2005 2007 20091.782.702.924.28sofrem importantes oscilaes, ligadas aos preos praticados nos mercados internacionais, taxa de cmbioeaoresultadodassafras,condicionadas pelos imprevistos climticos. 5.Existeumaimportanteconcentraoterritorial da produo/renda: os municpios de Barra do Gar-as, Querncia, Agua Boa e Canarana produzem o equivalente aos 21 municpios restantes da regio.6. O PIB por habitante em mdia 13% menor que no resto do estado e 6% menor que a mdia nacio-nal (IBGE 2009). 7.Adistribuioderendaaltamentedesigual dentro do territrio. As maiores rendas per capita encontram-senosdoismunicpiosquemaispro-duzem soja: Santo Antnio do Leste e Querncia, com nveis de renda equivalentes a Japo e Coria doSul,respectivamente.Nooutroextremoesto dois municpios da beira do Araguaia, mais perif-ricos,decolonizaomaisantigaeescassapopu-lao: Novo Santo Antnio e Luciara, com rendas equivalentes a El Salvador. 8.Calcula-sequeumaparteimportantedapo-pulaoencontra-seabaixodonveldepobreza, aproximadamente100.000pessoasem2011.No extremodapobrezasituam-seosmunicpiosde SantaTerezinhaouLuciara,comquaseametade da populao nesse grupo. No outro extremo, es-to municpios como Agua Boa com somente 30% dapopulaonessascondies(IBGE2003).En-tretanto,paraalmdeumaleituramercantilista, cabedestacarquealgunsmunicpiosclassicados ocialmente como mais pobres tem uma boa parte dasuapopulaorural(assentados,ribeirinhos, povosindgenas)vivendoemreasaltosnveisde soberania alimentar devido riqueza e acesso aos recursos naturais. D PASSADD ACRDEXTRATIVISTAE A CHECADA DA MDDERNIDADEAntigamente os ndios que habitavam os cerrados, as matas e as beiras de rio do Araguaia Xingu, com um maior ou menor nvel de aldeamento, viviam do agroextrativismo.Asuaforadesustentaoeco-nmicaederenovaosocioculturaltinhacomo GRFICO 11PIB RECID ARACUAIA XINCU Em blIhes de realsGRFICO 12DISTRIBUID PIB RECIDNAI zooGRFICO 14DSCIIAD DD CRESCIMENTD DD PIBEm mlIhes de realsFonte: IBGE2003 2005 2007 2009So Flix do Araguaiagua Boa 400300200100031%17%12%9%8%6%6%6%5%DemaisBarra do GarasQuernciagua BoaCanaranaVila RicaConfresaSo Antonio do LesteGRFICO 13MDIA DE CRESCIMENTDANUAI DD PIBzoo-zoo010%20%30%40%50%60%QuernciaSo Flix do AraguaiaSerra NovaBom Jesus do AraguaiaPorto Alegre do NorteConfresaVila RicaNova XavantinaBarra do Garasgua BoaCanaranaLuciaraCanabrava do NorteTotal regio51%35%34%31%31%28%24%18%17% 17%15%12%11%2%27Realidade e Histria da regio do Araguaia XinguGRFICO 15PIB PER CAPITAEm reals, zooGRFICO 16NDICE DE PDBREZA zooFonte: IBGEQuernciaSanto AntonioNovo Santo AntonioMato Grossogua BoaBrasilMdia da regioSo Flix do AraguaiaPorto Alegre do NorteConfresaVila RicaCanaranaLuciara68.729,0037.139,2220.560,2417.823,0817.802,1016.414,1915.443,0012.690,1811.798,609.641,738.000,926.972,136.845,95Quernciagua BoaSo Flix do AraguaiaPorto Alegre do NorteConfresaCanaranaLuciaraMato GrossoSanta Terezinha34.34%48.41%48.13%37.30%36.67%35.85%33.45%33.08%30.04%fundamentoaagrobiodiversidade,semprefarta, vivenciada comunitariamente e percebida como um domdaMeTerra.Comoarmaairmzinhade Foucault Odile Tapirap em Urubu Branco: meio brincando podemos dizer que se tratava de uma so-ciedadedescartvel,omeninopodiaquebraruma echa, no importava, tinha outra na mata. Osprimeirosnordestinosegoianosqueforam chegandoespontaneamentepelaIlhadoBananal, vinham com seus animais, seus bois, aproveitando ariquezadepastagensnaturais.Ovastoterrit-rio podia acolher a todos, ndios e posseiros. gua no faltava, a natureza era generosa. Nas matas, os posseiros faziam suas roas de toco com a mesma tecnologiaqueosndios,ofogo.Essaspequenas roas temporrias, de alguns poucos hectares, no tinham outro ttulo de propriedade que o conquis-tadopelasmoscalejadasdaquelequeasabriae comissosustentavaafamliafornecendomilho, mandioca,arroz,feijo...,basedaalimentao. Exploravam-nasdurantedois,trs,quatroanos, paradepoismigrarparaoutrasreas,procu-radepastosmaisfrescos,beirasderiocommais cardumesematasdensas.Orestantedascalorias obtinha-se da pesca, da caa e da coleta. Os rem-dios eram tirados das folhas, cascas e razes. Nesta sociedadepioneira,odinheiroerapoucoeoco-28Realidade e Histria da regio do Araguaia XinguMAPA 5Economla munlclpaI"/"/"/"/"/"/"/"/"/"/"/"/"/"/"/"/"/"/"/%2%2%2%2%2%2%2%2%2%2%2%2%2%2%2%2%2%2%2%2%2%2%2%2%2QuernciaSanta Cruz do XinguSo Jos do XinguPorto Alegre do NorteSanta TerezinhaConfresaVila RicaLuciaraCanabrava do NorteSo Flix do AraguaiaAlto Boa VistaSerra NovaDouradaNovo SantoAntnioBom Jesus do AraguaiaCanaranaRibeiro CascalheiraCocalinhoNova Nazargua BoaNova XavantinaCampinpolisSanto Antniodo LesteNovo So JoaquimAraguaianaBarra do Garas0 50 25Km")")")")")")LegendaProduto Interno Brutoano de 2009 em milhes de reaisLimite MunicipalLimite EstadualProduto Interno Bruto Per Capitaano de 2009 em mil reaisndice de pobreza em 2003 (%)sem informao ")35,01 - 40"/30,01 - 35"/400.001 - 800.000200.001 - 400.000100.001 - 200.00050.001 - 100.0000 - 50.00040.001 - 80.000%220.001 - 40.000%210.001 - 20.000 %225 - 30"/40,01 - 50"/0 - 10.000 %2Regio do Araguaia XinguLimite Municipal e Estadual: IBGE/DGC. Base Cartogrfica Contnua, ao milionsimo BCIM: verso 3.0. Rio de Janeiro, 2010 ; Regio do Araguaia Xingu: ISA, 2011;ISA, 2012.ndice de pobreza, IBGE - Censo Demogrfico 2000 e Pesquisa de Oramentos Familiares - POF 2002/2003, disponvel em http://www.ibge.gov.br, acesso em maio de 2011;Produto Interno Bruto Per Capita e Produto Interno Bruto: IBGE - Diretoria de Pesquisas, Coordenao de Contas Nacionais - Malha municipal digital do Brasil, disponvel emhttp://www.ibge.gov.br, acesso em maio de 2011.Fontes: Localidade PIB 2009 R$ (x1000)Brasil 3.143.000.000Mato Grosso 53.023.000Regio Araguaia Xingu 4.276.15129Realidade e Histria da regio do Araguaia Xingumrciobaseava-sefundamentalmentenatroca.O dinheiroserviaparacomprarosmantimentose utensliosbsicostrazidosdadistantecivilizao: panelas,ferramentas,fsforos,munio,acar, sal, leo... Assim constituram-se pequenas comu-nidadesealdeamentosesparsoseseminmades pertodosriosAraguaia,RiodasMortes,Xavan-tinho e Tapirap, os primeiros embries da futura sociedade, que, na sua essncia econmica, no di-feria muito do modus vivendi indgena. Aeconomianacionalchegoucomoumasinfonia em vrios movimentos: timidamente nos anos qua-rentaecommaisintensidadenosanossetenta.A presenadogarimpofoimuitopontualeefme-ra, foi a fora fundadora de Barra de Garas e da ocupaodoRiodasMortes.Noentanto,asto esperadasjazidasnoforamencontradaseaeco-nomia nacional traou outros planos para a regio: um novo perodo abriu-se com a fundao da Suia--Missem1962edaCompanhiadeDesenvolvi-mento do Araguaia (CODEARA) em 1967. Eram, naquelapoca,dosmaioresempreendimentos agro pecuriosdomundo,com696.000hectarese 370.000hectaresrespetivamente.Apropostaera abrir reas para agropecuria extensiva. O latifn-dio chegou atrado pelo estmulo das isenes s-cais, concesses de crdito e facilidades para a ob-teno dos ttulos da terra. Apoiou-se no contexto nacional de incentivo ocupao de terras vazias Terra sem gente para gente sem terra e da ame-aa de uma conspirao internacional que pairava sobre a Amaznia Integrar para no entregar. Denaturezaexpansiva,foiimplantadoporpro-prietrios distantes que se valiam de grilos, capan-gas e trabalhadores em regime de escravido para seenriquecer.Namaioriadasvezes,essemodelo econmicotinhaumcartermaisespeculativoe de acumulao ociosa do que de empreendimento. Como resultado, nos primeiros tempos da coloni-zao a regio do Araguaia no se parecia em nada ao sonho de modernidade que Getlio Vargas teve quando sobrevoou o rio pela primeira vez a convite do ento governador de Gois, Pedro Ludovico, l pelos anos quarenta do sculo passado. AsegundametadedosculoXXtestemunhouo partotraumticodamodernidade,emparteali-viadocomachegada,tardiaetmida,dademo-cracia. A regio assistiu ao encontro entre mundos contraditrios envolvidos na disputa de terras, em umamiradedeconitosesquecidosondemorre-rammilharesdepessoas:ndios,posseiros,boias frias,colonosefazendeirosformavamumaTorre de Babel, como tantas outras situadas s portas da Amaznia. O que a regio vivenciou nesse tempo a morte traumtica de um sistema e o surgimento de outro mais ousado, cada um com os seus mitos, suapropaganda...Umdilogoimpossvelemum tempo em que nem sequer o estado ditatorial fazia--se presente nesse m de mundo. Aforadodinheiro,dosfundospblicosepriva-dos, atraiu investimentos, implantou a propriedade privada, cidades, estradas, vilarejos, trouxe as cer-cas,camposdebraquiria,benfeitorias,tratores, raas melhoradas de boi, frigorcos, soja, secado-res, multinacionais, asfalto, transgenia... Seguindo asdiretrizestraadaspelosplanosdogovernoe domercadoremoveram-seasorestas,extraindo asmadeirasmaisnobres,plantaram-sepastagens exticas de maior rendimento, e o Araguaia Xingu viu surgir uma das bacias pecurias que hoje uma das mais antigas da periferia da Amaznia. J na democracia, a fora das leis do Estado de Di-reito e de uma sociedade mais conscientizada ajuda-ram a modernizar a economia agropecuria: proces-so de erradicao do trabalho escravo, demarcao deterritriosindgenas,distribuiodeterranoContato com os Xavante de Mariwatsd. Arquivo da FUNAI30Realidade e Histria da regio do Araguaia XinguA chegada de Joo da Anglica nos anos 60Disse o velho meu pai, velha a minha me que eu nasci em uma data feliz de 1940 em Barreira do Campo (Par). 1945 ns mudou para aqui, beirando Porto Alegre. Naquela poca voc caava lugar, falava assim com os compadre. Eu arranjei um lugar bom: tem muita agua e muita mata boa e pasto bom para o gado. No tinha perturbao de nada. Chegamos no dia de So Joo. Os ndios mantaram um rapaz, que os ndios kayap eram muito bravos e ns mudemos para Jatoba Torto. L tinha uns oito vaqueiros e meu pai resolveu tirar um lugar e botaram o nome de Cedrolndia, (hoje Porto Alegre do Norte). Ele foi l botou a roa, tudo queimou. Chegamos 6 de janeiro de 1950. Desde ento eu estou l, Porto Alegre do Norte. Eu era um homem muito bonito, e as mulheres fcavam arriba de mim e ai resolvi casar. Nesse casamento arrumei 10 flhos, 1 homem e nove mulher. Hoje t bem rodeado de famlia, os dez flhos, graas a deus, 24 netos, dois bisnetos. E ainda t querendo ver se fao dez meninos mais, que 10 t pouco (risadas). Quando a gente chegou, naquela poca no tinha perturbao de fazenda. Era o tempo melhor que ns passamos. Um tempo muito muito feliz, muita amizade. Aquele tempo, companheiro, eu tenho saudade para esses meus netos ver. No tinha roubo. O gado era tudo junto. Voc ia no campo e voc caava uma vaca sua, achava um cara com uma vaca do outro e levava para o curral, para sarar, era aquela satisfao, ningum roubava do outro. O meu pai me ensinou para trabalhar. A pastagem era natural. Demorei em conhecer as pastagens que eles plantavam. Primeiramente era o capim Jaragu, ai o Colonio, ai o tal de Braquiaro. Hoje tanto enxerto que eles plantam que nada nada nada. Eu acredito que a pastagem natural. Porque eu conheo esse lado todo e sei como que . Na pastagem natural dava para criar o gado bom e gordo. Depois que misturou tudo no prestou mais. Tem tantas lei que eu no combino com isso. Se pudesse morar longe de tantas lei que s tivesse o povo, s ns igual que os ndios. Foi botar lei demais. Para acabar com tudo o que Deus deixou nesse mundo. Primeiramente as matas, eram matas bonitas. O cara derrubava a roa, sim derrubava. Um pedacinho, quatro linhas de cho. Cercava aquela roa, plantava dois, trs anos. Eram assim, no era esse mundo de coisa que os fazendeiro faz. Por isso, companheiro, que eu tenho saudade daquele tempo. Ns viviam que nem os ndios, da pesca e caa, plantava e tinha o gadinho. Ai chegou a fazenda Frenova. Dai para c s foi para pior. Eu tenho uma historinha, o Pedro (Casaldliga) sabe dessa histria. O gerente da fazenda me contratou para matar o padre, me dando 7000 naquele tempo. Ns fazia uma cerca por 30 cruzeiro. O Padre Enrique. Ele queria mandar matar, o padre ia na casa dos companheiros e falava, vocs no saem daqui, que vocs esto com 10 e 20 anos. Se vocs sair daqui, vai para outra terra, vo fazer o que l. No conhece ningum, no tem apoio. E com esse povo foi ateando a cabea. Ai, disse, tem que matar o padre. Ns tomemos 3500 dele, porque o resto era de prestao, e no matemos o padre. Perdemos o resto do dinheiro e deixemos o padre vivo. Eu falo assim, oh bicho danado padre, que ns perdemos tanto dinheiro hein!! (risadas). O padre tinha fugido, a perdemos o dinheiro e o padre (mais risadas). O padre era quem mais ajudava ns, era amigo nosso. O tempo bom j passou e no volta mais porque os home no faz uma lei para proteger a nao, esse mundo nosso, no vi essa lei ainda. Mas de acabar sim isso que estou lhe falando. Papel, todo o mundo pega, agora abrao que eu tenho que outro tem do meu jeito pouco que tem. Entrevista realizada porCarlos Garca Paret em 2011. Alexandre Macedo31Realidade e Histria da regio do Araguaia Xingumbitodareformaagrria,diminuiododesma-tamento, recomposio dos passivos ambientais... Contudo, e apesar da chegada da modernidade, a sabedoriaancestraldaeconomiaagroextrativista aindasefazpresentenoscostumesdosndios,ri-beirinhos e agricultores. Uma cultura popular que conhece profundamente as frutas, bras, razes, re-mdios,peixes,sementes...,queusainmeraspa-lavras,mitoselendas,tecendoumuniversoonde a agrobiodiversidade ainda vivenciada em roas, propriedades, matas e quintais. Basta um olhar nos quintais, uma conversa, um prato na mesa ou uma festa para perceber a riqueza incorporada por um povo que aprendeu a viver na abundancia do Ara-guaia Xingu. A ECDNDMIA NDS DIAS DE HD)E Oprocessodeocupaodaregiofundamental para entender sua atual estrutura econmica. Me-tadedaproduoregionalcompostapelosetor de servios (50%), seguido pelo setor agropecurio (40%), e por ltimo, por um inexpressivo setor in-dustrial (10%). No mbito do setor de servios podemos conside-rartodasasprossesliberais,asatividadesco-merciais,deconstruoeasvinculadasaosetor pblico:educao,sadeeoutrosserviospres-tadospelasprefeiturasepelosdiversosrgosda administraofederaleestadual.Osetordeser-viosmaisintensivoemmo-de-obraqueose-toragropecurio,quetemseusprincipaisfatores produtivos na terra, em primeiro lugar, e no capi-tal, sobretudo no que diz respeito agricultura de grande escala. A CIDADE E A ADMINISTRAD PBIICAA importncia do setor de servios para a gerao de renda e a empregabilidade est vinculada a duas realidades: a estrutura empresarial de micro e pe-quenas empresas nas cidades e a presena da admi-nistrao pblica. DeacordocomaSecretariadePlanejamentodo EstadodeMatoGrosso(SEPLAN),aregiodo Araguaia Xingu oferece uma rede de aproximada-mente9.000empresas2,querepresentam10%do totaldoMatoGrosso.Segundoamesmafonte, 93% das empresas so privadas, 99,5% so micro epequenasempresas(MPEs)commenosde50 funcionrios. Dentro deste grupo, as microempre-sas (menos de 10 funcionrios) so a maioria, com 97,2%. As MPEs tm um carter urbano, familiar, 2 Censo econmico dos municpios de MT (2007), SEPLAN. http://www.indicador.seplan.mt.gov.br/censo/ e no SEBRAE: http://www.bibliote-ca.sebrae.com.br/bds/BDS.nsf/25BA39988A7410D78325795D003E8172/$File/NT00047276.pdfGRFICO 17CDMPARAD DAS PRINCIPAIS ECDNDMIAS DD ARACUAIA XINCUVaIores anuals em mlIhes de realsFonte: elaborao prpria.PIB agropecuario 2007PIB setor servios/setor pblico 2007ICMS ecolgico 2008Bolsa Familia 2007Terceiro setor (*)Valor produo soja 2006Pronaf 2006Repasse Gov. Fed. Mun 2007Exportaes 2006Valor produo algodo 2006Valor produo leite 2006Valor produo algodo 2007Valor produo mandioca 2006Receitas prefeituras 2008FUNDEB1.558,501.246,80386,15355,64318,40195,39190,6540,8039,3028,5622,9721,6716,2911,7710,00(*) Estimativa prpriaGRFICO 18CDMPDSID DD PIBzoo50%10%40%PIB ServiosPIB AgropecurioPIB Industrial32Realidade e Histria da regio do Araguaia Xingue ainda apresentam um grau de informalidade sig-nicativo: aproximadamente 30% no estariam le-galmenteregistradase50%dosfuncionriosno teriam carteira assinada. conveniente destacar o papelfundamentaldestasempresasnaeconomia, noquedizrespeitoempregabilidade,diversi-caoegeraoedistribuioderiqueza.Seu fortalecimentoeinovaoumdospilaresmais importantes da luta contra a pobreza na regio. Aadministraopblicaoutroatordegrande relevncianosetordeserviosporvriasrazes. Por um lado, sua presena essencial na disponibi-lizao das polticas sociais, ainda mais quando os principais indicadores sociais mostram que certos municpiosaindaseencontramabaixodamdia mato-grossense quanto satisfao das principais necessidades bsicas da populao. O peso do oramento anual das prefeituras outra evidncia, representa entre 10% e 20% do PIB mu-nicipal, dependendo do maior ou menor dinamismo do setor privado, e, seu impacto na empregabilidade alto. Por exemplo, em 2011, a prefeitura de So F-lix do Araguaia era o maior empregador do munic-pio, com aproximadamente 10% da populao eco-nomicamente ativa inserida na folha de pagamento. OrepassederecursosdoGovernoFederalpara os Municpios constitui aproximadamente 6% do PIB regional (IBGE 2007). So recursos direciona-dosparaaestruturaodepolticaspblicasque sooferecidasnosmunicpios,principalmenteno ramodasade,educaoeassistnciasocial.A maior parte destinada para a sade, num total de 71,4milhesdereais(2011)3,sendo28,6milhes 3 Dados para 2011 obtidos no site do Governo Federal: http://www.portaltransparencia.gov.br/Indicadores sociais Ano do dado Araguaia Xingu MTndice de Desenvolvimento Humano 2001 0,706 0,773Esperana de vida (anos) 2000 66,9 68,7Taxa de mortalidade (X1000 hab) 2000 38,9 32,9N total homicdios 2009 52 987N Mortes acidentes transito 2009 88 1118N Mdicos x 1000 habitantes 2000 0,210,29 % Domiclios agua canalizada sobre total 2000 49% 64%% Domiclios com eletricidade sobre total 2000 77% 90%ndice de pobreza 2003 36,3% 34,3%% Pessoas recebem Benefcios de Prestao Continuada 2011 1,4% 1,3%% Pessoas recebem Bolsa Famlia 2011 6,8% 5,7%% Pessoas da rea rural recebem PRONAF 2010 8,5% 7,2%N Indgenas 2011 7,6% 1,2%N Assentados 2010 8,1% 3,3%Populao rural 2010 32,2% 18,2%INDICADDRES SDCIAIS CDMPARATIVDSAssentamento Brasil Novo, Querncia (MT). Luis Mena33Realidade e Histria da regio do Araguaia XinguGRFICO 19TAMANHD DAS EMPRESAS Reglo do Araguala Xlngu, zo GRFICO 18PRINCIPAIS ATIVIDADES SETDR SERVIDS E CDMERCIAI Por nmero de funclonrlos em MT, zoo8Fonte: SEPLANFonte: SEPLAN0.1%97.2%0.4%2.3%Grande (mais de 250)Mdia (de 51 a 250)Pequena (de 11 a 50)Micro (menos de 10 funcionarios)Administrao pblica em geralComrcio varejista de artigos do vesturio e complementosChopperias, whiskeria e outros estabelecimentos especializadosLanchonete, casas de ch, de sucos e similaresMinimercadosServios de manuteno e reparao de automveisRestauranteCabeleireirosComrcio a varejo de peas e acessrios para veculosComrcio varejista de materiais de construoComrcio varejista de produtos farmacuticosAtividades de organizaes religiosasOutros48.5%18.2%14.8%12.5%12.4%12.2%10.1%8.8%7.8%7%6.4%6.3%22.7%para o Programa Sade na Famlia (PSF) e 16 mi-lhes para a sade indgena4. Na rea da educao, o programa mais importante o Fundo de Manu-teno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de Valorizao dos Prossionais da Educao (FUN-DEB), que injeta 21,7 milhes de reais no conjun-todaregio.Naassistnciasocial,osprogramas federais mais expressivos em recursos e nmero de beneciriossooProgramaBolsaFamlia,que em 2011 destinou a soma de 19,5 milhes de reais a18.925pessoas(6,8%dototaldapopulao);e o Benefcio de Prestao Continuada para idosos, asaposentadoriasespecialmentecriadaspara quemviveunocampoenainformalidade,eque acumularam 21,6 milhes de reais distribudos en-tre 4.000 pessoas (dados do IPEA).Porltimoestoterceirosetor,queconstituium eixo de atividade muito representativo da dinmica social do Araguaia Xingu. Ainda que no represen-temumaporosignicativaemtermosderenda e emprego, em temos qualitativos as denominadas OrganizaesNo-Governamentaisrenemum conjunto de instituies e aes inovadoras de alto valorestratgicoparaacoesosocial,geraode renda e estabelecimento de processos de desenvolvi-mento sustentvel. Trabalham em busca de respos-4 Clculo prprio em base aos dados disponveis no Portal da Trans-parncia e das consultas realizadas com os responsveis locais da Secretaria Especial da Sade Indgena. tasfrentesproblemticasdomodeloeconmico de ocupao territorial (desmatamento, queimadas, etc.) e da pobreza, frente s necessidades da agricul-tura familiar e dos povos indgenas, etc. Este grupo composto por associaes, OSCIPs, igrejas, etc. e calcula-se que as dez principais entidades investem na regio aproximadamente 10 milhes de reais por ano, destinados a trabalhos na rea socioambiental (gerao de renda, recuperao ambiental de rios e matas, sade indgena, etc.). A DINMICA DD CAMPDAinda no que diz respeito estrutura econmica, o setor agropecurio o segundo setor em impor-tncia: produz o equivalente a 1,6 bilhes de re-ais, 40% do PIB regional (IBGE 2009). Em linhas 34Realidade e Histria da regio do Araguaia Xingugerais,existeumaproduoaltamenteconcen-trada em duas cadeias de valor: a pecuria de corte e a soja. Ambas determinam 80% do PIB agrope-curioe,geogracamente,ocupam95%dasre-as de uso econmico. O resto da cadeia produtiva estformadapeloalgodo,amandioca,omilho, o arroz, a cana e a pecuria de leite, ocupando no seuconjuntoumespaopoucorepresentativoda renda e do territrio produtivo. O setor agropecu-rio o responsvel pela maioria das exportaes, as quais em 2010 somaram 700 milhes de reais ou 44% do PIB agropecurio. Nesse sentido, a econo-mia do Araguaia Xingu possui uma forte dinmica agro-exportadora, processo que se intensicou nos ltimos anos. Como explicvamos anteriormente, seupesoeconmiconotemimpactodiretona empregabilidade e sim na territorialidade, por ser mais intensivo no recurso terra: as atividades agro-pecurias ocupavam em 2006 37% do territrio do Araguaia Xingu (dados IBGE).A RECID CDMD BACIA PECURIAA pecuria a principal cadeia produtiva em termos de valor, mo-de-obra, espao territorial ocupado, etambmamaisantiga.Desdeosanossessenta, osdiversosgovernosquesesucederamdaditadu-ra democracia sempre projetaram na regio uma grande bacia pecuria, que foi se estruturando com subsdioseconmicosdediversandole(isenes scais,crditos,vendadeterraspblicas,projetos deassentamento...).Noentanto,apesardosest-mulos,cabelembrarqueogadojseencontrava na matriz cultural do povo transumante que inicial-menteocupouasreasdepastagensnaturaisdas beirasdoAraguaia.Osgrandesprojetosagrope-curios,entreelesareformaagrria,demoraram quatro dcadas em ocupar essas reas e abrir outras novas na mata at formar um estoque aproximado deseismilhesdehectaresdepastagens(IBGE). Os principais instrumentos utilizados para a derru-bada das orestas, sua retirada e subsequente con-verso em pastagens foram os machados, as moto-serras, a tcnica do corrento e o fogo. A partir dosanosoitenta,oplantiodepastagensexticas (braquiria, colonio, andropogon, etc.), a compra deanimais,comaintroduodenovasraas,eo estabelecimento de cercas foram os principais desti-nos dos projetos nanceiros aprovados pelo Banco do Brasil com recursos pblicos. A estruturao da pecuria em uma rea to vasta e com instrumen-tosdealtoimpactoparaaocupaodeespaos TRANSFERNCIA DE RECURSDS DD CDVERND FEDERAI ADS MUNICPIDSReglo Araguala Xlngu, comparatlvo zoo; zo. Dados do PortaI da Transparncla. Coverno FederaIrea Valor R$ 2007 R$/Habitante Valor R$ 2011 R$/Habitante CrescimentoSade 43.355.562,82 163,71 71.431.312,99 251,45 65%Assistncia Social 13.697.092,48 51,72 19.881.296,98 69,98 45%Educao 3.701.702,89 13,98 9.834.073,78 34,62 166%Agricultura 980.549,00 3,70 1.135.875,00 4,00 16%Organizao Agrria 9.868.022,71 37,26 3.656.469,33 12,87 -63%Comrcio e Servios 891.250,00 3,37 169.908,38 0,60 -81%Cultura 54.988,13 0,21 75.000,00 0,26 36%Desporto e Lazer 380.167,66 1,44 14.703,00 0,05 -96%Encargos Especiais 108.341.526,66 409,10 149.434.690,51 526,03 38%Transporte 8.358.864,82 31,56 4.135.904,78 14,56 -51%Habitao 975.000,00 3,68 518.805,00 1,83 -47%Urbanismo 3.759.660,94 14,20 4.327.553,00 15,23 15%Segurana Pblica 873.000,00 3,30 --100%Gesto Ambiental 148.213,00 0,56 --100%Cincia e Tecnologia -333.333,34 1,17Total Geral 95.385.601,11 737,77 264.948.926,09 932,66 36%35Realidade e Histria da regio do Araguaia Xinguvirgens, como o fogo, criou um enorme passivo am-biental que ainda no foi recuperado. Hoje, 6,3 milhes de cabeas de gado (IBGE 2010) ocupamoAraguaiaXingu,22%dorebanhobo-vinomato-grossense,destinadoemsuamaioria obtenodecarne.Omunicpiocommaiorre-banho da regio Vila Rica, com 693.260 cabeas (IBGE 2010), quinto lugar na classicao estadu-al. Existem estruturas industriais que internalizam parte da cadeia produtiva, como os frigorcos; o maisimportantepropriedadedaempresaJBSe situa-senacidadedeBarradoGaras,comuma capacidadedeabatede2.000animaispordiae 1.500 funcionrios (dados de 2011)5.5 http://www.araguaia.net/news/?Noticia=12869GRFICO 21MUNICPIDS MAIS EXPDRTADDRES Reglo do Araguala Xlngu, zooVaIores em mlIhes de realsGRFICO 20EVDIUD DAS EXPDRTAES Reglo do Araguala XlnguVaIores em mlIhes de realsGRFICO 22CADEIAS PRDDUTIVASDD SETDR ACRDPECURIDReglo do Araguala Xlngu, em reals, zoo;GRFICO 23CADEIAS PRDDUTIVASDD SETDR ACRDPECURIDReglo do Araguala XlnguEm hectares, zooFonte: IPEA Fonte: IPEAFonte: IBGEFonte: IBGE300 250 200 150 100 50 0Barra do Garasgua BoaQuernciaSo Flix do AraguaiaNova XavantinaCanaranaSanto Antnio do Leste300 400 500 600 700 800 900 1 bilho200 100 02003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 201055%29%6%3%1%CanaLeiteArrozMilhoDemais (maioria pecuria)MandiocaAlgodoSoja2%2%2%61%24%2%7%Pastagens naturaisPastagensPastagens degradadasRestante do territrioSojaAgriculturas4%2%Paraalmdodinamismoeconmicoedosdesa-os ambientais associados, a pecuria possui uma importantepapelsocialnombitodaagricultura familiar, como vetor de gerao de renda e de valor patrimonialdosassentados,agricultoresemora-dores de cidades que possuem pequenas proprieda-des, graas s escassas barreiras tecnolgicas ou de capital que a caracterizam. Em resumo, existe um grande desao de harmonizao do valor social e econmicodapecuriadecorteedediminuio dos passivos ambientais. Almdaproduodecarne,existeumpequeno rebanho de pecuria leiteira composto por 73.000 vacas (13% do Mato Grosso) e com uma produ-o total prxima do milho, arroz ou mandio-ca.Suaimportnciacomoalternativaprodutiva 36Realidade e Histria da regio do Araguaia Xingupara a agricultura familiar tem aumentado, devi-do a que, diferena da pecuria de carne, gera umarendadiriaparaasfamliasdocampoea necessidade de um manejo mais constante e cui-dadosodapropriedade,quejnopodeseren-tendida como um mero valor patrimonial. Apesar dasestruturasdebeneciamentodoleiteserem umpoucomaiscomplexas,principalmentepara manteracadeiadofrio,abarreiratecnolgica tem sido superada graas a pequenos investimen-tos na aquisio de resfriadores comunitrios. A presenadelaticniosnaregiopermitiuquese formasse a escala necessria para viabilizar a es-truturao da cadeia.A economia do gado ocupa aproximadamente seis milhes de hectares de pastagens, 34% do total do territrio do Araguaia Xingu. Dessa rea, aproxi-madamente 850.000 hectares, 14% do estoque to-tal de pastagens, estariam dentro dos assentamen-tosdereformaagrria.Trata-sedeumapecuria extensiva, onde uma cabea de gado bovino ocupa um hectare de pasto. Trs quartos do total so pas-tagens plantadas e um quarto so pastos naturais, que totalizam uma faixa de 700.000 hectares e situ-am-seprincipalmentenasbeirasmato-grossenses dos rios Araguaia e das Mortes, nos municpios de Cocalinho, So Flix do Araguaia, Luciara, Novo Santo Antnio e Santa Terezinha. Segundo os dados do Censo Agropecurio de 2006 as pastagens degradadas abrangem 2,5% do terri-trio Araguaia Xingu; uma rea de 436.000 hec-taresdeterrasdeprodutividademuitobaixaou nula. No entanto, segundo um clculo mais recen-te do Instituto Mato-grossense de Economia Agro-pecuria (IMEA) essa rea seria de 671.000 hecta-res em 2011 ou 3,8% do territrio. Trata-se de um territrio equivalente ao ocupado pelas lavouras de soja na regio. A recuperao destas reas tem sido apontada por entidades como a EMBRAPA como umadaspolticasestratgicasmaisimportantes parafavorecerocrescimentosustentvelagrope-curionasregiesdefronteiradaAmaznia,no intuito de conciliar crescimento e preservao, sem a abertura de novas reas. GRFICO 24ND CABEAS DE BDIReglo do Araguala Xlngu, em mlIhesGRFICO 25EVDIUD CDMPARATIVAReglo do Araguala XlnguCabeas de bol, em mlIhes765432101975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 20101975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 201035302520151050Mato GrossoAraguaia XinguAlto: frigorfco JBS-Friboi (Barra do Garas); acima: desmatamento e pecuria (Querncia). Carlos Garca Paret Luis Mena37Realidade e Histria da regio do Araguaia XinguGRFICO 29ND DE VACAS DRDENHADAS Reglo do Araguala XlnguGRFICO 26EVDIUD DA PECURIAReglo do Araguala XlnguGRFICO 27CABEAS DE CADD PDR MUNICPIDReglo do Araguala Xlngu, zooGRFICO 28REA DCUPADA PEIAS PASTACENSReglo do Araguala XlnguEm hectares, zoo6Fonte: IBGEFonte: IBGEFonte: IBGEFonte: IBGE600.000500.000400.000300.000200.000100.00001996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006reas de forteexpansoreas de crescimentomoderadoreas madurasou de regressoQuernciaSo Flix do AraguaiaPorto Alegre do NorteCampinpolisSo Jos do Xingugua BoaConfresaCocalinhoRibeiro CascalheiraRegioVila RicaBarra do GarasCanarana45%9%30%25%24%13%13%11%11%11%7%2%1%-4%6%5%5%3%3%2%2%2%1%0%0%-1%Variao 2006-2010Mdia anual0 500 1000 1500 2000 2500Vila RicaDemaisgua BoaBarra do GarasConfresaCocalinhoSo Jos do XinguCanaranaRibeiro Cascalheira70%23%7%Pastagens degradadasPastagens nativasPastagens boas38Realidade e Histria da regio do Araguaia XinguMAPA 6Importncla da pecurla e da agrlcuItura39Realidade e Histria da regio do Araguaia XinguD AVAND DAS CDMMDDITIES ACRCDIASEmparaleloatividadepecuria,humapresen-a crescente da agricultura de escala na regio. Em 2010,haviaquaseummilhodehectaresdestina-dos a lavouras, 5% do territrio e 10% das lavouras de Mato Grosso. Portanto, hoje, a regio caracteri-za-se por uma grande bacia pecuria manchada por territrios agrcolas, que naturalmente continuaro crescendo, j que a agricultura consegue rendimen-tos econmicos mais expressivos do que a pecuria: ocupandoquasesetevezesmenosrea,gera45% do PIB agropecurio da regio (IBGE 2009). Desde uma perspectiva temporal, essa mancha agr-cola atingiu dois picos, em 2004 e 2010, ano em que atingiuumtamanhoduasvezesemeiamaiorque noano2000.Aexpansoagrcolaavanasobreas reasdepastagem,ocorreaoredordaBR158,na direosul-norte,eincentivadapelaexpectativa dobarateamentodacomercializao.Oprincipal fatorestnodesenvolvimentodoseixosdeescoa-mento com o asfaltamento da estrada e a concluso daferrovianorte-sulemTocantins,quesegueat oportodeItaquiemSoLuizdeMaranho,ede l aos principais mercados globais: China, Estados Unidos, Unio Europeia, Rssia, etc. Asojaaprincipallavoura,estende-sesobre aproximadamente650.000hectares,80%doto-taldasreasagrcolasdaregio(dados2010). Concentra-seprincipalmenteemquatromunic-pios (num total de vinte e cinco), que constituem o polo da soja na regio: Querncia, Santo Ant-nio do Leste, Canarana e Novo So Joaquim, por ordem de importncia. Em termos de renda anual, a soja gerou uma m-dia de 540 milhes de reais nos ltimos trs anos, aproximadamente um tero do PIB agropecurio. No entanto, ao contrrio da pecuria, esta cadeia produtiva tem menor impacto sobre a empregabili-dade e a agricultura familiar. 36%146%122%105%68%62%53%51%39%34%26%11%9%-20%-27%-50%31%26%17%15%13%13%10%9%6%3%2%-5%-7%-13%2007-2010Anualreas de forteexpansoreas de crescimentomoderadoreas de regressoQuernciaSo Flix do AraguaiaPorto Alegre do NortePorto Alegre do NorteSanta Cruz do XinguVila RicaBom JesusNovo So JoaquimSo Jos do Xingugua BoaConfresaRibeiro CascalheiraRegioBarra do GarasCanaranaGRFICO 30AVAND DA ACRICUITURA DE ESCAIAReglo do Araguala Xlngu40Realidade e Histria da regio do Araguaia XinguGRFICO 31REAS CDIHIDAS PDR CUITURAReglo do Araguala Xlngu, zoo6GRFICO 32REAS PIANTADASEm hectares, zooGRFICO 33EVDIUD DAS REAS ACRCDIASReglo do Araguala XlnguEm mlIhares de hectaresGRFICO 34EVDIUD CDMPARATIVADAS REAS ACRCDIASReglo do Araguala XlnguEm mlIhes de hectaresFonte: IPEA Fonte: IPEAFonte: IPEAFonte: IPEA79%9%6%2%AlgodoOutrosCanaSojaMilhoArroz1%3%25%18%14%12%6%5%4%4%12%QuernciaSanto Antnio do LesteCanaranaNovo So Joaquimgua BoaBom Jesus do AraguaiaNova XavantinaSo Flix do AraguaiaOutrosTotal rea colhida soja Araguaia XinguTotal rea plantada Araguaia2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 20101.2001.00080060040020002000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2010 2009109876543210Total rea colhida de soja MTTotal rea plantada AraguaiaTotal rea plantada AraguaiaTotal rea colhida de soja Araguaia XinguPlantao, colheita e silos de soja no entorno do Parque Indgena do Xingu (MT). Ton Koene Marcos Vergueiro/Secom-MT Ton Koene41Realidade e Histria da regio do Araguaia XinguOs esforos para limpar as cadeias produtivas desmatadorasNos ltimos 30 anos, a estruturao das cadeias da pecuria e da soja no Araguaia Xingu resultaram na abertura de 6 milhes de hectares para pastos e um milho para agricultura, criando um considervel impacto ambiental. A histria se repete em outras regies da Amaznia. Desde 1988 os satlites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) registraram anualmente o alcance desta tragdia. No ano de 2004 foi o pico do desmatamento e da produo agropecuria no Mato Grosso e na Amaznia como um todo. Em 2006, o Greenpeace publicou o relatrio Comendo a Amazniadenunciando a relao entre a cadeia da soja e o desmatamento, colocando no foco as empresas Cargill e McDonalds. No mesmo ano, o ento governador do estado de Mato Grosso, Blairo Maggi, ganhou o premio Moto Serra de Ouro com 10.348 votos. Como resultado dessas presses, em junho de 2006, a ABIOVE - Associao Brasileira da Indstria de leos Vegetais e a ANEC - Associao Brasileira dos Exportadores de Cereais comprometeram-se a no comercializar a soja oriunda de reas desforestadas no Bioma Amaznia enquanto o governo no criasse uma estrutura de governana por meio de um zoneamento econmico-ecolgico (vide na pgina --- o processo do ZSEE do governo do Estado de MT). Foi durante a gesto de Marina Silva (2003-2008) que o Governo comeou a priorizar a luta contra o desmatamento com polticas pblicas mais ousadas, iniciativa que lhe valeu inmeras inimizades no seio da bancada ruralista e de alguns setores do governo e levou sua demisso em 2009.Em 2007, o documento Desmatamento Zero foi publicado por vrias ONGs propondo um eixo de aes que visavam eliminar o desmatamento no prazo de sete anos. Nesse mesmo ano, o Governo apresentou o Plano Nacional sobre Mudanas Climticas que integrava, entre outras medidas, um objetivo de reduo voluntria de emisses de carbono a travs da diminuio do desmatamento em 80% at 2020. Em 2008, o Conselho Monetrio Nacional adotou uma resoluo segundo a qual todo o crdito rural, pblico ou privado, destinado safra 2008/2009 nos 550 municpios do Bioma Amaznia seria condicionado a critrios ambientais: licena ambiental do imvel rural, respeito reserva legal e comprovao de que a fazenda tem Certifcado de Cadastro do Imvel Rural (CCIR) vlido.Em junho de 20