DIALOGANDO ATRAVESDASLENTES coralineaceitas2013

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Dialogando através das lentes: registros audiovisuais e afirmação identitária dos pescadores e pescadoras do litoral do ES Autoras: Profa. Dra. Winifred Knox, Profª Dra. Aline Trigueiro, Profª Dra. Daniela Zanetti Autores das fotos: Narayana Catano, João Paulo Izoton Resumo Este trabalho busca refletir sobre a utilização de registros imagéticos e sonoros - através de metodologias dialogadas - no trabalho de campo de projeto de pesquisa/extensão desenvolvido com uma equipe multidisciplinar entre pescadores no litoral do ES. A pesquisa foi realizada nas comunidades pesqueiras litorâneas, cujos contextos sociocultual e ambiental nos últimos anos têm sido de exclusão social por conta dos impactos resultantes da instalação de Grandes Projetos de Desenvolvimento nessas localidades. Pode-se dizer que se fez o uso de metodologia participativa e dialogada. Introdução Este paper tem o propósito de apresentar alguns resultados da

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Dialogando atravs das lentes:registros audiovisuaise afirmao identitria dospescadores e pescadoras do litoral do ES

Autoras: Profa. Dra. Winifred Knox, Prof Dra. Aline Trigueiro, Prof Dra. Daniela ZanettiAutores das fotos: Narayana Catano, Joo Paulo Izoton

Resumo

Este trabalho busca refletir sobre a utilizao de registros imagticos e sonoros - atravs de metodologias dialogadas - no trabalho de campo de projeto de pesquisa/extenso desenvolvido com uma equipe multidisciplinar entre pescadores no litoral do ES. A pesquisa foi realizada nas comunidades pesqueiras litorneas, cujos contextos sociocultual e ambientalnos ltimos anos tmsidodeexcluso social por conta dos impactos resultantesda instalao de Grandes Projetos de Desenvolvimento nessas localidades. Pode-se dizer que se fez o uso de metodologia participativa e dialogada.

Introduo

Este paper tem o propsito de apresentar alguns resultados da pesquisa de extenso realizada junto s populaes pesqueiras do litoral do ES no ano de 2012 com a finalidade de analisar a experincia de trabalho e a metodologia utilizada1 A pesquisa em questo contou com apoio financeiro do MEC/PROEXT/PPROEX/UFES e foi desenvolvida sob a coordenao da Profa. Aline Trigueiro, vice-coordenao da Profa. Winifred Knox e colaborao da Profa. Daniela Zanetti.

. O trabalho foi realizado a partir de uma metodologia dialogada com os sujeitos pesquisados, por meio de oficinas que tinham durao em torno de 5 horas, nas quais pescadores e pescadoras eram convidados a serem os protagonistas na fala e na exposio de seus problemas. Utilizou-se como instrumento de coleta de dados os recursos audiovisuais: a gravao de entrevistas e a filmagem das oficinas realizadas, assim como dos depoimentos dos(as) pescadores(as). 2 Importa salientar que o projeto est inserido nos objetivos de pesquisa do G rupo de Estudos e Pesquisa em Populaes pesqueiras E Desenvolvimento no ES GEPPEDES/UFES, o qual integra alunos de graduao e de ps-graduao

Pretende-se refletir sobre o processo de utilizao de registros imagticos e sonoros atravs de metodologia dialogada no trabalho de campo. Aplicamos o termo metodologia dialogada entendendo-a como o processo dialgico que estabelecido entre sujeito pesquisado e pesquisador, aquele que acredita na importncia da escuta do sujeito, uma escuta atenta e densa, partindo do princpio de que este sujeito pode ser e um questionador de sua existncia, que pode ser tirado de uma posio passiva para a de revelador de questes subjetivas e objetivas. Assim, apostou-se que o sujeito social responde reflexivamente sobre si e sobre o mundo por ele pensado, produzindo o desvelamento de si e do Outro.Muito j foi produzido para relatar o peso e a assimetria entre quem est na frente das lentes das cmeras e quem est atrs (COUTINHO, 1997). Discusso esta que permeia o estatuto epistemolgico de uma antropologia simtrica (VIVEIROS, 2012)Pode-se dizer que nesta metodologia consideramos a importncia de participar desta reflexo, compartilhando e nos solidarizando com a problemtica organizada pela reflexo do entrevistado, entendendo nossa participao com limites relativos alteridade deste sujeito pesquisado e ao campo cientfico de onde nossa atuao se originava, e de onde a poltica devia ser tangencialmente capturada.Procurou-se refletira partir dessa experincia de pesquisa, questes tericas referentes ao uso deste instrumento metodolgico, o que pretendemos fazer mais adiante. Fez parte de nossas reflexes a forma de operacionalizao e de disponibilizao dos arquivos audiovisuais para no somente os sujeitos entrevistados, mas suas comunidades.A pesquisa foi realizada com equipe multidisciplinar nas comunidades pesqueiras cujos contextos sociocultural e ambientalnos ltimos anos tmsidodeinvisibilizao, expropriao territorial e excluso social j que o modelo de desenvolvimento do estado do ES tem sua base na instalao de Grandes Projetos de Desenvolvimento, como os porturios, enrgicos e indstria qumica e a excluso desta parcela da populao da possibilidade de trabalho na costa litornea.

1- Um pouco sobre o contexto: o pano de fundo do cenrio pesquisado

Nesse primeiro momento importa definir e identificar quem so estes pescadores artesanais, como vivem e trabalham. Uma indagao de fundo guia nossas reflexes: trata-se to somente a pesca artesanal de mais uma atividade econmica que est em extino, como vrias outras profisses de artesos que desapareceram com a entrada da industrializao nas sociedades modernas?Se seguirmos na anlise da evoluo do capitalismo, vamos observar que a Revoluo Industrial significou uma ruptura nos modos de fazer artesanais. Tal ruptura j estava delineada desde os tempos da produo manufatureira, quando se agregou ao processo produtivo os dispositivos mecnicos da mquina-ferramenta (MARX, 1982). Essa mudana visava, inicialmente, ampliar a capacidade produtiva humana que se encontrava, no perodo artesanal, limitada pela prpria condio fsica do trabalhador; ou seja, este somente poderia manejar ferramentas de trabalho compatveis com sua fora corporal. Esse movimento vai, posteriormente, culminar na ascenso da grande indstria.3 Trata-se de um momento em que definitivamente o modelo artesanal de produo teria sido deixado para trs em prol da acelerao e produtividade exigidas pelo processo capitalista de produo industrial. Seriam suplantados, com isso, os ritmos de trabalho diferenciados do artefato manual, do mecnico e dos processos de transmisso oral dos saberes que eram intercambiados pela leitura da natureza e pela relao no dissociada entre pensamento e prtica durante o processo produtivo.

No obstante, nas outras fases do capitalismo industrial, sobretudo nas sociedades que tm por valor o ato de consumo (BAUMAN, 2008), o que pode parecer um paradoxo, notar o ressurgimento de vrias profisses artesanais. A permanncia ou o retorno desses ofcios acontecem com a valorao da atividade como algo fora da produo em srie, tornando o artefato produzido altamente caro (em relao ao produzido grande escala) e qualificado. Seria ento a atividade extrativa da pesca artesanal um desses casos? Entendemos que no. A pesca artesanal no diz respeito a uma atividade que deixou de existir num determinado perodo histrico e que de repente retornou por conta de um modismo, ou de uma presso do mercado consumidor esclarecido. A pesca artesanal uma atividade que perpassou os tempos e as transformaes histrico-sociais enquanto um modo de vida, muito mais que uma atividade profissional apenas. Hoje, porm, ela enfrenta um dos seus maiores embates: os processos modernizadores que adentram com cada vez mais fora os seus lugares de vivncia e de produo. (CANCLINI, 2003).

Figura 1- foto de Narayana Caetano, mostrando pequenos e mdios barcos no canal de Camburi/Vitria e ao fundo as torres da fbrica de pelotizao da Vale/Fribria, 2012.

Figura 2- foto de Narayana Caetano, mostrando barco no canal de Camburi/Vitria e ao fundo as torres da fbrica de pelotizao da Vale/Fribria, 2012.

Figura 3- Foto de Narayana Caetano, mostrando pequenos e mdios barcos no canal de Camburi/Vitria e ao fundo as torres da fbrica de pelotizao da Vale/Fribria, 2012.

Figura 4- Foto de Joo Paulo Izoton, mostrando adolescente e mulheres trabalhando na limpeza de mariscos e caranguejos.

Nas sociedades de modernidade tardia (GIDDENS, 1997) como as pesquisadas, a modernizao tem trazido alguns benefcios e melhorias tecnolgicas, mas tem significado um grande impacto na organizao social das sociedades haliuticas, sociedades de pescadores martimos, pois a densa ocupao demogrfica do litoral atua desalojando-os de suas reas de residncia. As atividades cada vez maiores de explorao dos mares, pela construo dos portos para exportao de commodities, pela explorao de petrleo, pelo intenso movimento turstico na costa, tm ocasionado impactos ambientais que se refletem na atividade socioeconmica desses grupos. Isso faz com que a pesca prxima da costa, aquela mais artesanal, fique cada vez mais comprometida na sua funo inicial, a de ser uma pequena economia domstica e de prover a sobrevivncia familiar. A alternativa encontrada tem sido o avano para mares mais distantes em barcos um pouco maiores e um pouco mais instrumentalizados tecnologicamente. Mas estes barcos ainda so frgeis, feitos de tbuas de madeira, enfrentam grandes perigos no mar alto e ainda tm que competir com os grandes barcos industriais, as conhecidas traineiras, que adentram a rea de pesca onde no deveriam penetrar porque no so permitidas. Isso significa pensar o quanto atividade da pesca artesanal tem sido fortemente abalada pelos processos modernizadores, os quais tm a sua histria atrelada ao clssico modelo do desenvolvimento mimtico, projetado pelos pases ricos para os pases pobres, comportando uma transferncia de pacotes tecnolgicos (o mais emblemtico foi a Revoluo Verde)4Conferir Paul Little, 2002

, incentivos industrializao, assim como a valorizao do estilo de vida urbano e dos costumes modernos. Decorre da que os modos de vida divergentes desse modelo - ou que travam resistncias ao mesmo - passam a ser considerados como entraves ao progresso econmico. So logo tomados por arcaicos ou atrasados e acabam, muitas vezes, sobrepujados.

Figura 5- Foto de Joo P. Izoton mostrando a praia de Barra do Riacho.

Figura 6- Foto de Joo P. Izoton mostrando as torres de fumaa da mineradoura Samarco em Anchieta/ES.

Considerando que a vida social de qualquer grupo ou sociedade s se faz e se sustenta na inter-relao com o ambiente, seja ele natural ou humanamente construdo, compreende-se o quanto as populaes e grupos sociais que tm seus modos de vida intrinsecamente relacionados aos elementos biofsicos e aos ciclos naturais como o caso dos pescadores, das pescadoras, das marisqueiras e catadores de sururu so impactadas com as alteraes promovidas nesse ambiente. Estas representam alteraes nos seus cotidianos e tambm reelaboraes nos seus processos de trabalho.A esse tipo de sociabilidade capitalista (ACSELRAD, 1998), impactante e degradadora, tm sido produzidos alguns espaos de crtica e fontes de resistncia, dentre os quais destacamos: a) criao de arenas pblicas para debater a questo ambiental (FUKS, 2001), tais como: Conselhos ambientais; Encontros e Conferncias nacionais e internacionais, etc.; b) a institucionalizao desse tema nas agendas governamentais (criao de rgos reguladores; legislaes e normatizaes); c) a ambientalizao (LEITE LOPES, 2006) das bandeiras e discursos de parte dos movimentos sociais contemporneos; e d) os conflitos distributivos (ALIER, 2007) promovidos por grupos portadores de saberes e vivncias que esto atrelados a um determinado territrio e que lutam contra a instalao de processos modernizadores em seus espaos de vida. No Brasil, esses grupos contam com o amparo legal do Decreto 6040/2007, que institui a Poltica de Desenvolvimento Sustentvel dos Povos e Comunidades Tradicionais. No Esprito Santo os processos modernizadores e desenvolvimentistas ganharam destaque a partir da segunda metade do sculo XX. Nesse perodo buscou-se atrair para o territrio grandes plantas industriais, dando incio uma poltica cujo objetivo era substituir o modelo primrio-exportador, antes baseado na cafeicultura, por uma matriz industrial, sobretudo extrativista. Foram instaladas desde ento empresas consideradas amplamente degradadoras do meio ambiente, nos ramos de: siderurgia; celulose e energia (petrleo e gs)5Segundo http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/ambiente/conteudo_276590.shtml Conferir tambm http://www.guardian.co.uk/environment/2010/feb/18/worlds-top-firms-environmental-damage .

. Alm dessas empresas ganham relevo as atividades porturias, responsveis pela logstica e pelo escoamento dos produtos dessas atividades extrativistas.

2- Aproximando studium e o punctunNo trabalho realizado pelo GEPPEDES, adotou-se o formato de oficinas para efetivar essa aproximao entre pesquisadores e atores sociais, a partir do que se estabeleceu como um debate em torno das questes relativas pesquisa. Inicivamos as oficinas apresentando a proposta de trabalho e do uso do registro audiovisual. Solicitvamos a autorizao da filmagem e do uso da imagem para fins no comercias posteriormente. Em todas elas foi aceito a filmagem e assinaram termo de autorizao. Exceto em uma das oficinas quando o presidente da Colnia de Pescadores se recusou a autorizar sua filmagem, mas como os outros participantes autorizaram, ns filmamos e para contornar a situao, filmamos a oficina que foi somente gravada a partir da posio do presidente da Colnia de Pescadores, sem film-lo.Durante as oficinas, a equipe de filmagem priorizou basicamente trs tipos de registro audiovisual: i) o registro completo das oficinas, com foco nas falas dos pescadores e na forma como estes debatem os temas propostos; ii) as entrevistas individuais; e iii) imagens complementares, ou "de apoio", que oferecem um panorama do contexto no qual est inserida cada uma das comunidades e o cotidiano de atividades dos pescadores: o ambiente externo (o porto, a praia, a casa, a rua), os barcos, instrumentos de trabalho (baldes, redes, cordas), os "produtos" (peixes, mariscos). As oficinas, realizadas em espaos fechados, foram registradas em geral com uma cmera fixa, em plano aberto, de modo a dar visibilidade a todos os participantes. As entrevistas, em geral, privilegiaram o enquadramento em plano mdio, valorizando as expresses dos pescadores e suas posturas frente aos temas propostos, o direcionamento de seu olhar, o modo como estabelece uma relao com os entrevistadores e com os colegas. Esses dois tipos de registro tambm forneceram o udio para a transcrio das falas e anlise dos discursos.Durante a realizao das oficinas, os temas em evidncia foram relativos aos modos de vida e as condies trabalho: as mudanas nas condies de trabalho, no meio ambiente, na sociedade, na relao com os pares. Para alm da pesca artesanal como atividade comum, os relatos, as impresses, as demandas, os problemas, so aspectos que confluem e que ajudam a conformar essas comunidades. Ao mesmo tempo, e de modo paradoxal, so tambm os elementos que contribuem para a dissoluo desses grupos, uma vez que a tradio da pesca artesanal, passada de gerao para gerao, est ameaada. Frente a essa realidade, nota-se um discurso de vrios pescadores que manifestam o desejo de que seus filhos tenham outras profisses ainda que essa fala to somente reflita um anseio por maior reconhecimento social dessa atividade. da que surge, por exemplo, o conflito entre continuar sendo pescador e, portanto, ser dono do prprio negcio e gozar de maior autonomia , ou aderir ao mercado de trabalho convencional, o que incluiria ter uma carteira de trabalho e outros benefcios, mas, ao mesmo tempo, se tornar empregado. Considerando o teor e a importncia das falas e o quanto elas significam em termos de uma crtica aos processos modernizadores no ES - principalmente nos aspectos socioambientais - que pensamos ser o atual modelo de desenvolvimento em curso, no ES, desprovido de qualquer envolvimento com as comunidades pesqueiras artesanais, trata-se muito mais de um (des)envolvimento, ou no-envolvimento. O bem-estar coletivo impactado por conta da reduo da qualidade ambiental, visvel nas mudanas ocorridas nas condies de vida e de trabalho, assim como os estreitos caminhos de dilogos (interativos e participativos) at agora postos em implementao pelos organismos estatais.

3- Audiovisual e compartilhamento

A antropologia teve desde seus primeiros trabalhos de campo a preocupao com o registro visual (RIBEIRO, 2005, NOVAES, 2009). Este registro imagtico constitua-se dentro da lgica de complementao do texto escrito, da busca pela melhor forma de falar sobre a realidade pesquisada, atentando pela suposta maior capacidade realista da fotografia (DARBON, 2005), e atendendo s demandas de uma cincia social mais objetiva. com Margareth Mead e Gregory Bateson que a proposta de um casamento perfeitamente equilibrado entre imagem e texto realizada (ALVES, 2000, BATESON e MEAD,1942, NOVAES, 2009)Mas apesar do forte apelo visual da sociedade europeia antes e durante a II Guerra Mundial, h um longo perodo de baixa produo nos estudos socioantropolgicos da imagem e do som. sociologia e cincia poltica os mtodos quantitativos agradavam mais, e eram usados para a apresentao dos resultados de pesquisa na forma de grficos e planilhas na maior parte dos trabalhos de pesquisa.Nas dcadas de 60 e 70 h um retorno do uso da imagem e do som para fins etnogrficos de uma maneira inovadora. com Jean Rouch e sua filmografia que uma nova forma de contribuio se constituir (RIBEIRO, 2007). Sua disposio ao dilogo e para uma etnografia que captasse a cultura do sujeito pesquisado, trazendo o significado dado por elas, reformula o cinema etnogrfico. Com roteiros abertos e com aproximao dialogada com os sujeitos filmados, em vrios momentos de seus filmes, possvel perceber a passagem ntida de objetos pesquisados sujeitos que falam de si, interferem inclusive na proposta original do cineasta.Do ponto de vista epistemolgico esta ser uma discusso que acompanhar a antropologia contempornea ps-colonialista. Tanto os trabalhos visuais como os de audiovisuais (videodocumentrios de curta e longa durao e at o cinema), nos ltimos anos, tm enfatizado a reflexo sobre o sujeito desobjetificado, que no somente fala de si, mas capaz de se autorretratar. Assim no so poucos os projetos que envolvem a construo imagtica dos nativos sobre si mesmo, inclusive podemos citar a ampla produo dos vdeos (e tambm de fotografias) por grupos antes considerados subalternos ou colonizados6 A produo Cineastas indgenas: um outro olhar (2010) se enquadra nessa linha de ao. Vide: www.videonasaldeias.org.br/downloads/vna_guia_prof.pdf

Essas metodologias tm sido chamadas por diversos nomes dialogadas, compartilhadas - em que pesem algumas diferenas entre elas, o princpio do dilogo o fundamento das mesmas.No nosso processo de aproximao e de interao com as comunidades pesqueiras estudadas, a utilizao de recursos audiovisuais se mostrou necessria e desejada pelos entrevistados, quando retornvamos com as fotos. Em termos prticos nos ajudou no registro das falas, gestos, expresses dos participantes, mas tambm serviu como elemento de reflexo acerca de questes sobre como poder auxiliar os entrevistados atravs do uso das imagens, contribuindo nas suas reivindicaes e experincias de lutas. A partir da reflexo sobre o modo de abordagem audiovisual a ser realizada ao longo do processo, optou-se por um modelo de registro documental que fosse mais "interativo", considerando, com base em Nichols (1991), os princpios que caracterizam o modelo de documentrio interativo. Esse modo proposto inicialmente por Jean Rouch e Edgar Morin na dcada de 1960 pressupe a existncia da parcialidade, da presena situada e do conhecimento local derivado do encontro entre os realizadores e os indivduos retratados. Neste sentido foi importante identificar como a equipe de filmagem e os atores sociais respondiam um ao outro, considerando que um dos principais instrumentos utilizados nessa mediao aconteceu no formato de entrevista, com perguntas e respostas, questes colocadas e debatidas. A princpio a presena da cmera e de certa posio assimtrica relativa ao poder de ter nas mos a cmera a filmar, ia sendo diluda com a fora e o poder da autoridade de quem pode dizer pela experincia do que se vive.Um documentarista brasileiro que pautou seu trabalho a partir desta vertente do filme documental Eduardo Coutinho, diretor de vrios filmes, e cujo mtodo, em parte, foi usado como referncia.7Diretor de filmes como Boca de Lixo (1992), Santo Forte (1999), Edifcio Master (2002), Pees (2004), entre outros.

Pode-se afirmar que o documentrio, a partir dessa abordagem, assume a funo de um "agente catalisador", possibilitando a qualquer sujeito se converter em um "participante articulado da sociedade" (BARNOUW, 2002, p. 220). H de se considerar que os entrevistados, em torno de 20, tinham uma relao direta ou indireta com a atividade pesqueira. Tinham sido ou eram ainda pescadores, presidentes de Colnia de Pescadores, o presidente da Federao dos Pescadores do ES, mulheres que participavam da cadeia produtiva da pesca, seja pescando, limpando ou simplesmente vendendo o pescado nas comunidades pesqueiras. Estas comunidades dispostas ao longo da costa litornea do ES no fazem parte de grupos isolados, normalmente so cotidianamente abordados por consultores ambientais e por pesquisadores que utilizam-se de questionrios e material audiovisual. So moradores de vilas que, em geral, esto cada vez mais absorvidas pela urbanizao crescente no litoral, pela modernizao dos costumes e compartilham do consumo de imagens que caracteriza nossa sociedade midiatizada. Portanto, em geral atuam como agentes ativos no processo de troca de informaes com os entrevistadores. No entanto, no podemos deixar de sinalizar que o diferencial dessas comunidades estava justamente em seus modos de vida terem tradicionalmente sido intimamente atrelados s suas prticas sociais de trabalho a pesca ou coleta artesanal , altamente ligadas natureza, o que as caracteriza como sendo "tradicionais".O registro audiovisual como um todo, serviu de base para a produo de dois vdeos documentrios: a) uma espcie de teaser (uma pea que antecede o lanamento de um produto ou de uma campanha) sobre o projeto, com cinco minutos de durao; e b) c) um vdeo de 20 minutos direcionado ao pblico em geral, e que trata, em especial, da situao atual das principais comunidades pesqueiras no ES e suas problemticas locais frente expanso industrial na regio e a falta de polticas pblicas voltadas para a preservao da pesca artesanal. Atualmente est disponibilizado na internet no sitio https://www.youtube.com/watch?v=cu_k9ONDoEg, sob o titulo: Tradies deriva.A edio do vdeo documentrio foi realizada no departamento de Comunicao com a participao dos alunos, da prof Daniela Zanetti e de tcnico de edio deste departamento da UFES. Aps a edio e montagem do documentrios colocamos em um DVD e retornamos s comunidades onde foram realizadas as primeiras oficinas, para exibio do vdeo. As exibies geraram novas oficinas. Nestas comevamos passando o vdeo e novos debates eram realizados. As novas oficinas foram tambm momento da realizao dos dilogos dos mapas mentais acerca da percepo do risco que existia na comunidade. Sobre estas novas tomadas realizou-se novo pequeno vdeo-documentrio que serviu para relatrio de pesquisa junto ao projeto de pesquisa financiada pelo CNPq.

4- Arquivos visuais e fontes orais: uma experincia de memria

Os estudos sobre memria nas cincias sociais, desde o filsofo Henry Bergson e seu discpulo Halbwacks, tm sinalizado para a constituio de uma memria alm da individual. Alis, muito mais do que uma outra memria, a memria coletiva a base para a individual que constituda e confirmada por um conjunto de processos sociais de afirmao identitria e coletiva, segundo Halbwacks (1990).A ao destes processos sociais coletivos so fundamentais para acessar o armazenamento consciente de memria, e por isso, favorecem os mecanismos de constituio de identidades, reconstituio de antigos saberes, ordenao de narrativas temporais e histricas e a emergncia de novos fios no tecido da histria, alguns autores usam o termo reinveno das tradies da histria, como Hobsbwam (2002)Pudemos perceber que a coleta de depoimentos fazia este percurso acima traado: do resgate da memria infantil, da vida vivida na localidade s relaes destes com a pesca. Por isso solicitvamos aos entrevistados que falassem sobre o passado rememorado, as transformaes no espao fsico, nos modos de viver e se relacionarem. Atravs destes depoimentos se realizava um reencontro com o passado lembrado que parecia fazer com que a memria deles nos ajudasse a reconstituir para a pesquisa o passado daqueles pescadores e pescadoras. E, embora entendssemos que este passado emergia na narrativa de forma idealizada, servia como referncia para a distncia que o presente sinalizava com as transformaes da atualidade. Este passado ganhava um por que, um sentido existencial, individual e coletivo mais claro. E o mais importante era que fornecia material para a reflexo e para a luta da preservao destas memrias, costurava o argumento da identidade frente fora do (novo) imaginrio do progresso, j que este passado se expressava como detendo uma lgica distante e possuidora de uma ecologia colidente (Zhouri, 2005) frente modernizao/progresso/desenvolvimento.Quando retornamos s comunidades mostrando o vdeo, como fruto destes vrios encontros, era como se acessssemos ainda outros tantos arquivos da memria deles, os quais pelas semelhanas expostas emergiam nas novas narrativas discursivas. Outro momento importante de valorizao destes atores, sujeitos de nossa pesquisa aconteceu quando fizemos um encontro onde trouxemos pescadores e pescadoras de diversas comunidades para assistirem ao vdeo/documentrio no Cine Metrpolis, na UFES, onde realizamos a I Reunio para o Debate sobre a Pesca Artesanal e Desenvolvimento no ES, em 16/12/2013, com a presena de professores, ambientalistas e pescadores. Figura 7- foto de Narayana Caetano, pescador negro na penumbra remando em Vitria, 2012.

5- Consideraes Finais

Cabem aqui algumas notas sobre o conjunto de dados coletados em forma de arquivos visuais e sonoros e os objetivos dos projetos de pesquisa do GEPPEDES. Com parte do material editamos um teaser de 4 minutos, um vdeo de 20 minutos, e outro de 10 minutos.Ficou decidido que haveramos de constituir um banco de dados com todo o material possvel de ser disponibilizado, o qual fosse num futuro prximo, acessvel pela comunidade acadmica, pelas comunidades pesqueiras e pela sociedade em geral.O processo de pesquisa e de elaborao flmica foi marcado pela preocupao com o reforo ao direito de acesso das comunidades aos seus depoimentos, mas, sobretudo com a defesa dos direitos seu espao de moradia e de trabalho, assim como a expresso livre dos depoentes. Apesar do vdeo no ter sido editado por eles, consideramos que este tem o potencial denunciativo que marcou a maioria dos depoimentos coletados elaborados frente situao da pesca artesanal na costa litornea do estado do Esprito Santo. Referncias

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