Dialogos entre arte e publico - caderno 3

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Publicaçao ano 3 - 2011

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CADERNO DE TEXTOS III

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Ficha catalográFica:

Diálogos entre Arte e Público: caderno de textos. Organizado por Anderson Pinheiro Santos. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, v.3, 2010. 136p.:il.

Bibliografia

ISSN: 1983-9960

1.Arte 2. Diálogos 3. Santos, Anderson Pinheiro. I. Título

CDD- 700

CDU- 70

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00 · Apresentação · luciana Félix | Márcio alMeida | regina Buccini

Editorial - Por que todos os caminhos são da rainha de copas anderson Pinheiro

ACESSIBILIDADE CUTUR AL: ABRINDO TRINCHEIR AS

01 · A acessibilidade de alguns espaços expositivos de Porto Alegre – Ações e Conquistas | gaBriela Bon

02 · Democratização do acesso aos museus - apontamentos sobre ações e políticas públicas para acessibilidade cultural | Flávia PaloMa caBral BorBa

03 · Repensando a acessibilidade em museus - a experiência do Núcleo de Ação Educativa da Pinacoteca do Estado de São Paulo Milene chiovatto, gaBriela aidar, luis roBerto soares, danielle aMaro

04 · O galo inacessivel - da arte e do dever de agradar | sonia Marques

05 · Acessibilidade e Comunicação Sensorial nos Museus e Espaços Culturais - novos desafios para a mediação cultural viviane Panelli sarraF

CAMINHOS PAR A INCLUSÃO

06 · Audio-descrição - um novo recurso de mediação e acessibilidade cultural | alexsandra leite

07 · Uma imagem em mil palavras - audiodescrição de obras de arte a deficientes visuais à luz da gramática do design visual Marisa Ferreira aderaldo

08 · Arte, educação e inclusão - orientações para audio-descrição em museus | Francisco José de liMa, Paulo andré de Melo vieira, ediles revorêdo rodrigues, siMone são Marcos Passos

09 · Como vemos a cegueira ?- algumas respostas: umas boas, outras não | João vicente ganzarolli de oliveira

10 · A Arte e o Perceber- a experiência do Ateliê de Artes para Pessoas com Deficiência Visual | ana carMen Franco nogueira

11 · Aprender para ensinar - a mediação em museus por meio da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) ciBele lucena, Joana zatz Mussi, daina leyton

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12 · A inclusão de públicos especiais em museus - o Programa Educativo para Públicos Especiais da Pinacoteca do Estado de São Paulo | aManda Fonseca toJal, Margarete de oliveira, Maria christina da silva costa, saBrina denise riBeiro

13 · Educação profissional de síndrome de down no Instituto Inhotim: fundamentos para mediação inclusiva em arte contemporânea lara ceres de carvalho loPes

14 · Projeto FotoLibras

MEDIAÇÃO CULTUR AL PROMOVE QUE TIPO DE ACESSIBILIDADE?

15 · Arte-educação e as rosas - dialogando com as práticas pedagógicas e a formação dos professores | aMélia garcia

16 · Arte, cotidiano e cultura visual - perspectivas de uma arte/educação dialógica | Fernanda Mélo, Maria Juliana sá

17 · Mecanismos de mediação da obra de arte - possibilitando experiência ou ampliando o acesso à informação? siMone Ferreira luizines

18 · Criança pequena e museu - uma relação possível (e desejada) Maria isaBel leite

19 · Observar e compreender: a mediação cultural enquanto registro de uma presença vitalícia no mundo anderson Pinheiro santos

DISSEMINANDO CULTUR A

20 · Projeto “Música na Escola” - acesso à educação e à cultura musical | álvaro henrique Borges

21 · Digitalización de danzas folklóricas peruanas en Buenos Aires - los migrantes como “archiveros” del arte | Mag. silvia Benza

ACESSANDO AS MEMÓRIAS DO DIÁLOGO ANTERIOR (2009)

22 · Sobre o Laboratório Metodológico Arte Público – Recife 2009 reJane galvão coutinho

23 · Aprendizes da arte, mediadores e professores - olhares compartilhados? | Mirian celeste Martins

24 · RESUMOS

25 · PERFIL DOS COLABORADORES

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Referência nacional no que se refere a uma política de democratização do acesso ao fazer artístico e aos bens culturais, a Prefeitura do Recife tem ampliado, cada vez mais, seus canais de interlocução com a população. É com honra e orgulho, portanto, que a Fundação de Cultura Cidade do Recife lança mais uma edição do caderno Diálogos entre Arte e Público, consolidando o trabalho desenvolvido ao longo deste ano pela Gerência de Serviços de Formação em Artes Visuais.

Em 2010, o Diálogos entre Arte e Público surge sob o tema da acessibilidade cultural, entendendo que é nosso dever propor um debate sobre todas as formas de promovê-la e, mais importante, de irradiá-la, contribuindo para o respeito às diferenças e para o intercâmbio de experiências.

Não por acaso, a publicação se dá no momento em que a gestão do prefeito João da Costa soma ao êxito do Orçamento Participativo a criação da primeira plenária para a pessoa com deficiência, reafirmando, dessa forma, o compromisso com a inserção social.

Dentro de sua missão como casa editora, a Fundação de Cultura valoriza a importância do registro nas ações formativas e preserva ideias e discussões. Ao reuni-las neste volume, maximiza, assim, suas possibilidades de circulação, tornando-as mais acessíveis e abertas às sugestões enriquecedoras de leitores de todo o país.

luciana Félix

Fundação de Cultura Cidade do Recife · Prefeitura do Recife

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A Gerência Operacional de Artes Visuais e Design, através da Gerência de Formação em Artes Visuais, publica este ano a terceira edição do Caderno de Textos Diálogos entre Arte e Público, que abordará questões referentes à

acessibilidade cultural, com o tema Acessibilidade cultural: o que é acessível e para quem?

Nesta terceira edição buscamos agregar, por meio de uma chamada pública, textos de colaboradores que discutam questões sobre acessibilidade cultural, compreendida em

um horizonte diverso de discursos e práticas, desejos e demandas, políticas públicas e iniciativas da sociedade civil.

Sugerem-se alguns questionamentos a respeito do tema: quando e como uma produção cultural torna-se acessível a todos os possíveis públicos? Que estratégias

são ou podem ser utilizadas pelos diversos atores sociais envolvidos na promoção da acessibilidade cultural? Qual a formação necessária para os profissionais que atuam e

pensam o tema? Que experiências e práticas são desenvolvidas pela iniciativa privada, pela sociedade civil e pelo poder público?

Assim, reafirmamos nossa meta de uma política pública comprometida com a formação e o acesso de todos à produção cultural.

Márcio alMeida

Gerente Operacional de Artes Visuais e Design

Fundação de Cultura Cidade do Recife

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“A existência humana, assim como a arte, encontra várias formas de desabrochar, valorizando sempre a heterogeneidade.” 1 (Cláudia Werneck)

Como considerar a diversidade, a heterogeneidade da existência humana, quando estabelecemos diálogos entre a arte e o público? Como promover tais interlocuções de forma inclusiva? No amplo espectro da arte e da cultura, o que é acessível e para quem?

Estabelecendo-se como importante aglutinador de ideias, reflexões e experiências relacionadas ao universo abrangente da mediação cultural, a presente publicação chega a sua terceira edição debruçando-se sobre as formas e os processos de inclusão e exclusão presentes nos universos das artes, da cultura e das políticas socioculturais.

Reunimos aqui artigos, relatos de experiências e proposições que partem da compreensão e do entendimento sobre as diversas formas, através das quais, públicos diversos podem se relacionar com os bens culturais, para descortinar véus e tirar o foco dos obstáculos nos processos de mediação, pois tornar acessível é também criar caminhos para as possibilidades.

Percorrendo, então, as páginas a seguir, percebe-se que ao evidenciar as potencialidades provenientes da diversidade das identidades, ampliam-se as formas de percepção do mundo e, consequentemente, de expressão da humanidade. E é nessa amplitude que desejamos estabelecer os diálogos entre a arte, o público e todos os atores envolvidos na promoção da acessibilidade cultural.

Entendemos que o acesso à cultura, em todas as suas dimensões, é um direito imanente ao exercício pleno da cidadania e um importante vetor para o desenvolvimento social.

1. WERNECK, Cláudia. Sociedade Inclusiva. Quem cabe no seu TODOS? Rio de Janeiro: WVA, 1999. Coleção Inclusão.

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Nessa perspectiva, o Programa Diálogos entre Arte e Público, em 2010 – ano em que a Organização das Nações Unidas, através da Resolução 45/91 2,

determina como marco para a conclusão, com êxito, de uma sociedade para TODOS – toma como desafio levantar questões que revelam um longo caminho, ainda por

trilhar.

No entanto, acreditamos que avançar disseminando ações, ideias, demandas e desejos de democratização cultural em nossa região e em nosso país é contribuir para o fortalecimento desse percurso, até a efetivação de uma sociedade verdadeiramente inclusiva.

regina Buccini

Gerente de Serviços de Formação em Artes Visuais · Fundação de Cultura Cidade do Recife

2. Resolução 45/91 de 14 de dezembro de 1990 – A ssembleia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU, Nova York.

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EDITORIAL

“Poderia me dizer, por favor, que caminho devo tomar para ir embora daqui?” “Depende bastante de para onde quer ir”, respondeu o Gato. “Não me importa muito para onde”, disse Alice. “Então não importa que caminho tome”, disse o Gato. “Contanto que eu chegue a algum lugar”, Alice acrescentou à guisa de explicação. “Oh, isso você certamente vai conseguir”, afirmou o Gato, “desde que ande bastante.” (Lewis Carroll, 1865)

Parece que o sonho ou o desejo ou a vontade de muitas pessoas é mesmo poder encontrar algo ou alguém que possa sempre indicar o caminho de acesso de um canto a outro. Mas, na verdade, o que gostamos mesmo é de poder locomover e decidir pelas coisas que queremos absorver do mundo, quando, como e do modo que desejamos.

E quando isso não é possível? E quando é preciso fazer um esforço grandioso para estar ou se sentir incluso nos grupos com os quais transita? Como proceder? Parece fácil ou banal quando observamos de fora, mas tentem imaginar um pouco como é estar no lugar do outro.

Queremos muito. Exigimos muito. Mas, o que fazemos para permitir o acesso dos que estão próximos de nós a coisas mínimas como estar presente numa conversa acompanhando a conversa; compreendendo do que se trata; do que estão observando; do que estão alcançando?

Parece simples, mas como estar na pele de uma criança que tenta ver a vitrine numa exposição que está além de sua visão e alcance?

Parece simples, mas como acompanhar os discursos complexos e truncados de quem tenta explicar para que servia uma moeda do século XIX a alguém que mal sabe escrever seu nome?

Por que todos os caminhos são da rainha de coPas?

anderson Pinheiro

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Parece simples, mas como contar a alguém que não ouve sobre o que os outros estão rindo devido à graça dita por algum ator durante sua performance?

Parece simples, mas como decifrar uma cena cinematográfica onde o silêncio entre os personagens impera mais que as dúvidas em sua mente?

Particularmente, sempre é mais difícil pôr, diariamente, na mente que tudo é possível e que tudo está ao alcance quando essa crença parece uma canção de Lennon.

Sendo assim, o que é preciso para efetuar a acessibilidade cultural para as cerca de 92% das pessoas que nunca foram a um museu ou instituição cultural (IBGE, 2005), já que cerca de 90% dos municípios brasileiros não possuem sequer salas de cinema, teatro, museu ou outros espaços culturais públicos? Quais as políticas públicas aplicadas para melhorar isso? Quais as experiências museais existentes que buscam a redução desse fosso?

Cabe-nos pensar o que fazemos de concreto no dia a dia (as pequenas ações ou grandes ações, que seja) que de fato ajuda a consolidar algum tipo de acessibilidade cultural?

Parece simples e é quando temos tantos profissionais que nos fazem sentir seres completos, integrantes da grande equipe de seres humanos que transitam, discutem choram e dialogam sobre os mesmos motivos. Isso sem direcionar o olhar de derrota.

A atual publicação tenta demonstrar algumas experiências e discussões que são aplicadas ao redor do país, e até fora, como em nossa vizinha Argentina sobre o que se tem feito para propagar o que temos de mais importante como patrimônio: a nossa memória.

São mais de 20 textos de várias localidades de nosso país, de estudantes recém-formados a pesquisadores de longo prazo. Não esquecendo que a grande maioria concorreu ao edital público levando em conta a temática “Acessibilidade Cultural: o que é acessível, e para quem?”. Pena que não deu para incluir tantos outros textos bons principalmente por problemas com a temática da atual publicação. Quem sabe na próxima? Afinal, como discutir acessibilidade quando alguns são barrados? Seria acessibilidade então desenvolver qualquer tipo de atividade que envolva essa pessoa dita excluída de algo? Se assim fosse, seria mais simples escolher qualquer caminho da rainha de copas e chamá-lo de nosso. O caminho da “verdade”. Porém, creio que mesmo assim sempre ouviríamos: “Cortem a cabeça!”

“You may say I’m dreamer. But I’m not the only one. I hope someday you’ll join us and the world will be as one.” (John Lennon, 1971)

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A ACESSIBILIDADE DE ALGUNS ESPAÇOS

EXPOSITIVOS DE PORTO ALEGRE:

AÇÕES E CONQUISTAS

01gaBriela Bon

ACESSIBILIDADE CUTUR AL: ABRINDO TRINCHEIR AS

om a proximidade de eventos esportivos internacionais que terão o Brasil como sede, tais como a Copa do Mundo, as Olimpíadas e as Paraolimpíadas, a questão da acessibilidade vem se tornando pauta de vários programas de televisão. Mais recentemente, o assunto virou até tema central de novela. Além disso, encontramos extensas reportagens em telejornais, em que se discute bastante sobre os acessos a locais públicos.

O programa Sem Barreiras (exibido em dias e horários irregulares, desde 01/11/2008, pela SporTV e SporTV2), por exemplo, é dedicado aos esportistas com deficiência e mostra reportagens sobre diversos atletas paraolímpicos brasileiros. Na novela Viver a Vida (exibida de segunda a sábado, de 14/09/2009 a 15/05/2010, às 20 h e 55 min, pela Rede Globo de Televisão – RGT), um dos temas centrais é a paraplegia da personagem Luciana, interpretada por Alinne Moraes. A acessibilidade, a partir do ensejo da novela, foi debatida pelo Fantástico (exibido aos domingos, às 20 h e 45 min, pela RGT) em reportagens como: “Conheça a cadeirante da vida real que inspira a Luciana de Viver a Vida”, “Teste mostra que motoristas desrespeitam vagas de idosos e deficientes”, “Cadeirantes testam acessibilidade de ônibus em cinco capitais” (reportagens exibidas em 07, 14 e 28 de março de 2010, respectivamente). Em pelo menos duas oportunidades, o quadro Proteste Já (exibido nas segundas-feiras, às 22 h e 15 min, pela Rede Bandeirantes de Televisão – BAND), do programa CQC (Custe o que Custar), atestou a dificuldade de locomoção dos cadeirantes na cidade de São Paulo. No dia 24/03/2008, o mesmo quadro investigou os acessos do metrô da mesma cidade e no dia 02/06/2008, verificou o uso das vagas destinadas exclusivamente para deficientes físicos em diversos estacionamentos da capital paulista.

Outro destaque importante ao tema foi dado pelo programa Tele Domingo (exibido aos domingos, às 23 h e 40 min, pela Rede Brasil Sul de Televisão – RBSTV, emissora afiliada à RGT) no dia 28/03/2010. Nessa reportagem, o advogado Gilberto Stanieski Filho examina os acessos a cadeirantes de diversos locais públicos da capital gaúcha. Entres esses locais, ressalta-se sua visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli – MARGS, onde lhe foi indagado por um segurança que se encontrava no alto da grande escadaria principal, de forma nada amistosa, o que ele estaria fazendo naquele museu. Diante dessa situação concreta, verifica-se não só a imposição de barreiras arquitetônicas de acesso ao museu como o total despreparo de seus funcionários.

Presenciei situação semelhante em 2005, durante a 5ª Bienal de Artes Visuais do Mercosul. Nessa exposição, atuando como Assistente de Supervisão e, pela primeira vez, recebendo uma cadeirante no MARGS, verifiquei a precariedade da instituição com relação à acessibilidade. Nessa ocasião, foi possível constatar a dificuldade de

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acesso com uma cadeira de rodas pela porta lateral do museu, seguida da barreira imposta pelo elevador extremamente pequeno. Outra peripécia foi localizar a chave do cadeado do elevador guardada pelos seguranças da casa. Além disso, nessa mesma oportunidade, verifiquei, ao final da visita, que o banheiro acessível estava interditado e sem previsão de reabertura, fato que provocou grande constrangimento para a visitante. Ela necessitou de auxílio de um outro visitante para ser carregada até o banheiro feminino o qual possui porta estreita. Ressalte-se que a cadeirante informou ter ligado para o museu antes da visita para assegurar-se de que o prédio dispunha de um banheiro acessível e ter recebido a anuência de um funcionário da instituição.

Na 6ª Bienal do Mercosul, em 2007, preocupada em promover o acesso universal aos espaços expositivos, procurei implementar um projeto de inclusão das pessoas com deficiência. Nesse sentido, o projeto visava fornecer consultoria para a criação de uma política inclusiva, que não significasse apenas criar dispositivos ou eliminar barreiras físicas. A ideia era a promoção de uma política inclusiva efetiva que buscasse a implementação de uma filosofia norteadora de todos os atos da Fundação Bienal. Infelizmente, devido ao pouco tempo para execução e falta de verba, o projeto pôde apenas executar algumas de suas ambições. Foi possível discutir algumas questões relativas ao tema durante o curso de formação dos mediadores e realizar uma experiência de limitação de sentidos com os mediadores dentro de seu próprio ambiente de trabalho.

No curso de Formação de Mediadores e Professores-Mediadores da 7ª Bienal, no dia 13 de agosto de 2009, participei, juntamente com os professores Adilso Corlassoli e Viviane Loss, de uma aula que abordou as especificidades do trabalho com pessoas com necessidades especiais. Nesse encontro, os palestrantes procuraram mostrar aos mediadores algumas dicas para facilitar o trabalho com esse público. Posteriormente, repetiu-se a experiência de limitação de sentidos nos espaços expositivos. Além disso, conversou-se com o pessoal responsável pela museografia, no intuito de se evitar barreiras arquitetônicas em todos os espaços alocados para a Bienal.

Na experiência de limitação de sentidos, os mediadores receberam dispositivos que bloqueavam ou prejudicavam um dos seus sentidos, como óculos com lentes escuras ou embaçada, protetores auriculares, caneleiras com cerca de 1 kg cada, cadeira de rodas, entre outros. Assim, sem poder ver, ouvir, falar ou se locomover da forma habitual, eles puderam perceber que as obras podiam ser fruídas através dos outros sentidos e desenvolveram estratégias de mediação mais criativas e inclusivas. As barreiras arquitetônicas também foram levadas em consideração e eles mesmos deram sugestões de como vencê-las sem constranger o visitante. O mais interessante da experiência foi auxiliar o grupo todo a perceber que a acessibilidade não se limita aos cadeirantes, pois há diversas limitações, definitivas ou temporárias que podem influir em uma visita. Idosos ou crianças também podem ter dificuldades caso o mediador não se adapte ao seu ritmo, linguagem ou possibilidade de entendimento, por exemplo.

Com relação à museografia da 7ª Bienal, evitaram-se espaços estreitos de circulação; providenciaram-se vagas exclusivas para pessoas com deficiência, sinalizadas e com a largura adequada; todos os espaços tiveram banheiros realmente acessíveis e funcionais; as rampas seguiram a inclinação adequada.

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REFERÊNCIAS#Cadeirantes testam acessibilidade de ônibus em cinco capitais. Fantástico. Rede Globo de Telev isão. Disponível em: <http://v ideo.globo.com/Videos/Player/Notic ias/0,,GIM1238201-7823-CADEIR ANTES+TESTAM+ACESSIBIL IDADE+DE+ONIBUS+EM+CINCO+CAPITAIS,00.html>. Acesso em: 12 maio 2010.#Conheça a cadeirante da v ida real que inspira a luciana de v iver a v ida. Fantástico. Rede Globo de Telev isão. Disponível em: <http://v ideo.globo.com/Videos/Player/Notic ias/0,,GIM1224598-7823-CONHECA+A+CADEIR ANTE+DA+VIDA+REAL+QUE+INSPIR A+A+LUCIANA+DE+VIVER+A+VIDA,00.html>. Acesso em: 12 maio 2010.#Fundação bienal de artes v isuais do mercosul. Site institucional. D isponível em: <http://www.bienalmercosul.ar t.br>. Acesso em: 11 maio 2010.#Proteste já. Custe O Que Custar. Rede Bandeirantes de Telev isão. Disponível em: <http://www.band.com.br/cqc/proteste_ ja.asp>. Acesso em: 11 maio 2010.#Sem barreiras. SporTV.com. Disponível em: <http://spor tv.globo.com/sem-barreiras>. Acesso em: 10 maio 2010.#Tele domingo. Rede Brasil Sul de Telev isão. Disponível em: <http://mediacenter. clicrbs.com.br/templates/player.aspx?uf=2&contentID=107213&channel=45>. Acesso em: 11 maio 2010.#Teste mostra que motoristas desrespeitam vagas de idosos e deficientes. Fantástico. Rede Globo de Telev isão. Disponível em: <http://v ideo.globo.com/Videos/Player/Notic ias/0,,GIM1229036-7823-TESTE+MOSTR A+QUE+MOTORISTAS+DESRESPEITAM+VAGAS+DE+IDOSOS+E+DEFICIENTES,00.html>. Acesso em: 12 maio 2010.#Viver a v ida. Rede Globo de Telev isão. Disponível em: <http://v iverav ida.globo.com>. Acesso em: 10 maio 2010.

13aLGumas concLusÕes

Apesar de iniciativas da mídia de divulgar a inclusão das pessoas com deficiência na agenda cultural, a demanda por locais efetivamente preparados para recebê-los é muito superior ao número de estabelecimentos adequadamente adaptados. É preciso ressaltar que a situação é bastante complexa, pois, mesmo quando há disposição dos agentes culturais de receber todos os públicos, de adaptar fisicamente os estabelecimentos, de oferecer serviços específicos e de capacitar seu corpo funcional, nem sempre há competência e/ou destinação de verba para tal. Outra situação comum é a de a instituição estar fisicamente aparelhada, mas não ter canais de divulgação de seus serviços para esse público específico. Por vezes, há também a tentativa de promover a inclusão sem ciência das normas técnicas adequadas, despendendo um alto orçamento para desempenhar um trabalho ineficiente.

Apesar de se ter boas intenções, sem a consultoria de um profissional ou uma comprovação empírica não se pode atestar se um espaço é efetivamente acessível. Diante dessa situação, cabe a todos, tanto aos profissionais envolvidos como aos cidadãos que visitam uma instituição, a tarefa de fiscalização e exigência de adaptação e de capacitação dos espaços museais. Saliente-se que nem sempre percebemos se efetivamente nossa instituição é acessível a todos ou não. Os espaços expositivos, em geral, possuem rampas e banheiros, mas estes nem sempre são funcionais, como demonstrado por minha experiência na 5ª Bienal do Mercosul.

Portanto, sem a promoção da habilitação contínua dos profissionais e sem vigilância constante nas práticas cotidianas de atendimento aos visitantes de qualquer instituição pública, desrespeito e despreparo, como foram revelados pela reportagem do Tele Domingo no Margs, continuarão a acontecer rotineiramente. Dessa forma, é preciso adotar alguns procedimentos com o objetivo tentar solucionar algumas questões, tais como remover barreiras arquitetônicas, capacitar continuamente as equipes, sinalizar os espaços e, principalmente, promover o diálogo com as pessoas com deficiência para verificar a efetividade de nossas práticas inclusivas.v

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02Flávia PaloMa caBral BorBa

ACESSIBILIDADE CUTUR AL: ABRINDO TRINCHEIR AS

as PoLÍticas PÚBLicas

formação do povo brasileiro está subordinada aos ditames conjunturais socioeconômicos que o Brasil enfrentou ao longo de seus mais de quinhentos anos. Dentre tantos aspectos formadores, a postura diante das políticas culturais evoluiu com as mudanças sociais. A própria História nos traz como exemplo a política cultural adotada pelo 2º Império, totalmente absorvido com o propósito de embranquecer e “europeizar” as terras trópicas, enfraquecendo ainda mais os ideais de soberania popular. A dinâmica dessa formação reflete diretamente as desigualdades na construção da cultura brasileira, que dentre suas insuficiências está o não posicionamento cívico como algo inerente à sua condição de cidadão.

A atual Constituição Brasileira, promulgada em 1988, legitima a importância do povo nas ações voltadas à resolução de problemas ligados à sociedade na forma de Políticas Públicas, ou seja, diretrizes adotadas e efetivadas pelo Estado, com o apoio popular, visando à resolução de problemas ligados a sociedade como um todo. Esse processo inclui, primeiramente, o esclarecimento de três questões básicas: Política para quem? Política para quê? Como se sustenta a política? Para tais esclarecimentos, a incorporação da sociedade civil é vital para a elaboração de estratégias eficientes, já que esses são os principais interessados e os que mais sofrerão o ônus da aplicação de uma política fora da realidade dos que dela participa.

a institucionaLiZaÇão como Garantia de acessiBiLidade

Enfim, com a intervenção unilateral do Estado quanto à promoção e proteção dos bens culturais, faltava-lhe o principal: colocá-los em seu devido lugar, à disposição da população, que são os detentores desses patrimônios. Porém, não bastava apenas disponibilizá-los para exposição, tinha que se promover sua interação com o público. A abordagem atual da gestão museal não mais traz o objeto em si como foco de suas ações, e sim as ações que alcancem os mais diversos públicos. No entanto, a museologia percorreu uma considerável caminhada para estabelecer o museu como prática social a serviço da comunidade e participante de seu desenvolvimento.

Obviamente, houve muitas intervenções para a construção de um vínculo das instituições museais e o seu entorno, porém, foi com o SPHAN1, construído na configuração do Estado Novo, que se deu a construção de uma política para o uso do patrimônio cultural que envolveu uma tímida dinâmica educacional por consequência da construção de um ideário nacionalista, proposta essa trazida pelos intelectuais modernistas.

DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO AOS MUSEUS:

APONTAMENTOS SOBRE AÇÕES E

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA ACESSIBILIDADE

CULTURAL

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15Em novembro de 1937, no governo do Presidente Getúlio Vargas, surge no cenário legislativo brasileiro um marco quanto à proteção e promoção de bens culturais com a aprovação do Decreto-Lei n° 25 que visa à organização e à proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Nesse documento constam as diretrizes e os parâmetros adotados quanto ao trato do patrimônio cultural material brasileiro, com itens que se referem principalmente ao tombamento desses bens, sendo esses critérios utilizados até os dias de hoje. Esse Decreto-Lei foi então complementado com o decreto 3551/2000, instituindo o registro de bens culturais imateriais. Porém, nenhum parâmetro se refere ao uso, no sentido educativo da palavra, desses bens tombados que, na sua maioria, encontravam-se “enterrados” nos museus para o deleite de um seleto grupo privilegiado. A função desse material cultural era meramente contemplativa, estando as questões de investigação, pesquisa e educação para os especialistas no assunto. Podemos ainda afirmar que esse é ainda um traço herdado da política cultural deixada pela Coroa Portuguesa, que quando se transferiu para o Brasil, em 1808, institucionalizou espaços culturais onde só aqueles abastados tinham acesso.

A partir de 1946, a dinamização das atividades museais, como também a inserção dos museus no cotidiano da comunidade, já estava nas mesas de debates por todo mundo. Nesse mesmo ano, deu-se a criação do Conselho Internacional de Museus (ICOM), vinculado à UNESCO, responsável por fomentar tais debates. Toda essa movimentação trouxe uma sensível modificação na configuração estática dos museus da década de 40. Já a partir da década de 60, devido aos movimentos de democratização da cultura que o mundo vivenciava, houve críticos debates para a afirmação de uma política pública de cultura que agregasse os mais diversificados públicos. Desde então, os debates com relação à participação dos museus na vida cotidiana e o foco em sua função social, tendo o público como alvo de suas ações, transformaram-se em algo indiscutível na nova tendência museal sacramentada no Movimento Internacional da Nova Museologia, lançado no Canadá em meados dos anos 80.

Chegando então ao século XXI, os debates não se atem apenas na importância de se democratizar a acessibilidade, mas como promover essa democratização. O Código de Ética dos Museus, elaborado recentemente pelo ICOM, trata da padronização ética, além dos princípios adotados pela comunidade internacional de museus. Dentre suas normas, constam propostas que se referem diretamente à funcionalidade de um museu e seu atrelamento com a sociedade, esclarecendo o dever dos museus em manter seus acervos a serviço da comunidade, desenvolvendo o seu papel educativo e promovendo o seu patrimônio.

Em tentativa nacional de estabelecer os critérios para institucionalização do setor, o poder público, na pessoa jurídica do IPHAN, em 2006, através de uma portaria normativa, apresentou as diretrizes para a elaboração do Plano Museológico, onde consta o cumprimento de dez programas de atuação nos museus, estando entre eles um programa específico para o cumprimento das ações voltadas ao setor educativo e cultural. A elaboração do Plano Museológico ganhou mais respaldo com a instituição do Estatuto dos Museus, legislação específica de orientação de gestão museal e primeira da América Latina, que coloca como obrigatório a elaboração do plano para os museus da esfera federal, além de dar outras providências.

Essas ações estão intimamente ligadas à Política Nacional de Museus que, dado o novo desenho museológico e sua função social, legitima novas perspectivas que ampliam as possibilidades de interação com a sociedade. Então, a comunidade museológica debateu o texto-base necessário para a efetivação sistemática de uma política pública

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16 que contemplasse exclusivamente o campo museológico brasileiro. Esse processo foi articulado pelo Ministério da Cultura e envolveu muitos profissionais além de instituições que colaborou para a construção dessa política. Essa construção resultou na implantação, em maio de 2003, da Política Nacional de Museus (PNM). O texto-base para a construção da PNM levou em consideração a Carta de Rio Grande e o documento elaborado pelo Conselho Federal de Museologia chamado “A imaginação museal a serviço do Brasil”.

Todas as ações da Política Nacional de Museus estão norteadas pelos parâmetros atuais da museologia, como também o incentivo a multiculturalidade com a democratização dos meios para a produção de bens culturais nos mais diversos grupos étnicos, além de uma gestão democrática e participativa. Essas ações têm como principal objetivo o trato com o patrimônio cultural brasileiro, usando-o como meio de inclusão social e cidadania.

A Configuração da PNM se estrutura em sete eixos, sendo eles os seguintes: Gestão e Configuração do Campo museológico, Democratização e acesso aos bens culturais, Formação e Capacitação de Recursos Humanos, Informatização de Museus, Modernização de Infra-estruturas Museológicas, Financiamento e Fomento para Museus, Aquisição e Gerenciamento de Acervos Culturais. Desses, destaco o eixo referente à acessibilidade, que não só abrange ações quanto à aproximação do público, mas também o estimulo à criação de redes de informação com as instituições museais do país, à promoção de uma gestão participativa e à produção intelectual.

Outras ações vinculadas à Política foram estabelecidas, como a criação do Sistema Brasileiro de museus (SBM), que promove a criação dos sistemas regionais com a finalidade de somar esforços para construção de ações estratégicas de desenvolvimento e inclusão social do setor. A composição do sistema se dá através de um termo de adesão firmado entre a instituição interessada e o Ministério da Cultura. O Cadastro Nacional de Museus também é um instrumento do SBM e está relacionado ao caráter censitário a fim de levantar informações e integrar o cenário museal nacional.

Em consequência das inovações no setor museológico, surgiu a necessidade da criação de uma entidade pública que se responsabilizasse única e exclusivamente pela gestão da política museológica. Para isso, foram desvinculadas do IPHAN essas responsabilidades, antes executada pelo Departamento de Museus, e, em 2009, criou-se o Instituo Brasileiro de Museus (IBRAM) que dá um tratamento diferenciado aos museus brasileiros, desafogando o IPHAN e concentrando-o no patrimônio material, imaterial e arqueológico. A justificativa dessa ação veio também do êxito de iniciativas internacionais que instituíram órgãos específicos para o setor e melhoraram os serviços para a população. As atividades do IBRAM não se limitam aos museus federais já que articula as políticas públicas em todas as esferas governamentais além de fomentar a participação de museus e centros culturais nas políticas públicas.

Dado todo o respaldo legislativo, confere-se nesse recorte histórico um considerável crescimento de ações voltadas à acessibilidade cultural, principalmente aquelas atreladas às questões educativas. Porém, no cotidiano do profissional de museus, percebe-se que muitas instituições estão alheias a essas novas configurações, onde muitas vezes sequer tem acesso a essas informações. Com isso, faz-se necessário não só romper as barreiras físicas e sociais para agregar a comunidade a seus museus, mas também esclarecer e capacitar seus profissionais quanto às possibilidades que as políticas públicas de inclusão trazem. Sendo assim, com a iniciativa das instituições museais essas informações chegarão à comunidade, sendo instrumento de inclusão.

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17Por isso, a institucionalização das normas para os museus propõe a formação de uma estrutura unificada, a fim de agregar o máximo de instituições culturais, nivelando suas ações de acordo com o princípio da isonomia e da fruição coletiva do patrimônio cultural, onde todos os cidadãos devem ter iguais condições de conhecer, visitar e obter informações sobre os bens integrantes do patrimônio cultural nacional.v

NOTAS E REFERÊNCIAS1.Ser v iço do Patr imônio Histór ico e Ar tíst ico Nacional. Em 1970 passa a ser o Instituto do Patr imônio Histór ico e Ar tíst ico Nacional (IPHAN)

#BOTELHO, Isaura. A s Dimensões da Cultura e o Lugar das Polít icas Públicas In: São Paulo em Perspectiva. São Paulo: Editora Fundação SEADE, vol. 15, n. 2, abr il/junho 2001. Também disponível no s ite: http://www.centrodametropole.org.br #GRINSPUM, Denise. Educação para o Patrimônio: Museu e escola – responsabilidade compartilhada na formação de públicos. São Paulo: [s.n.], 2000. Tese de doutorado – Faculdade de Educação/Universidade de São Paulo.#GRUNBERG, Evelina. Educação Patrimonial: utilização dos bens culturais como recursos educacionais. D isponível em: http://www.pead.faced.ufrgs.br/sites/publico/eixo4/estudos_ sociais/educacao_patr imonial.pdf Acessado em: 05 maio 2010.#JULIÃO, Letíc ia. Apontamentos sobre a História dos Museus. D isponível em http://www.cultura.mg.gov.br/arquivos/Museus/File/caderno-diretr izes/cadernodiretr izes_segundapar te.pdf Acesso em: 10 maio 2010.#Direito de acessibilidade aos bens culturais. D isponível em: http://jus2.uol.com.br/doutr ina/texto.asp? id=11684 #O Sistema Brasileiro de Museus. Audiência pública realizada na Comissão de Educação e Cultura, no dia 3 jun 2004. Centro de Documentação e Informação Coordenação de Publicações. Brasília, 2004.

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Milene chiovatto

gaBriela aidar

luís roBerto soares

danielle aMaro

ACESSIBILIDADE CUTUR AL: ABRINDO TRINCHEIR AS

que queremos dizer quando falamos em acessibilidade? Nos últimos anos, o termo tem ganhado relevância no panorama museológico no país, sendo mais comumente usado para se referir às reflexões e práticas relativas à promoção de acesso de pessoas com deficiência aos museus. Essa correspondência não está circunscrita apenas aos museus. Ao contrário, encontra-se disseminada a tal ponto que um dos significados do termo, encontrado no Dicionário Aurélio, é “condição de acesso aos serviços de informação, documentação e comunicação, por parte de portador de necessidades especiais”.1

No mesmo dicionário, no verbete acessível, temos como definição algo de “fácil acesso”, “inteligível, compreensível”, o que indica um aspecto diretamente associado à transposição de barreiras não apenas físicas, mas também de caráter mais impalpável. Em nossa prática no Núcleo de Ação Educativa (NAE) da Pinacoteca utilizamos o termo acessibilidade no que consideramos uma acepção mais ampla, envolvendo não apenas as questões ligadas à promoção de acesso físico, por meio da garantia de circulação e afluxo de público às instituições (com a utilização de rampas, elevadores e mesmo com a gratuidade nos ingressos), mas também – e especialmente – no que se refere a aspectos intangíveis do contato com os museus, como aqueles relacionados ao acesso cognitivo, ou seja, ao desenvolvimento da compreensão dos discursos expositivos, e ao que podemos chamar de acesso atitudinal, por meio do desenvolvimento da identificação com sistemas de produção e fruição, e da confiança e prazer pela inserção no espaço do museu. Com a ampliação da compreensão e uso do termo, os museus podem desenvolver ações de acessibilidade que incluam não apenas públicos com deficiências, mas outros igualmente excluídos dos processos e sistemas oficiais de cultura.

Segundo recente pesquisa de consumo cultural feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 78% dos brasileiros não vão a museus. Entre esses, uma percentagem maior, 83% de pessoas das classes D/E, não frequenta esse tipo de instituição cultural.2 Na mesma direção, as pesquisas de perfil de público de museus realizadas pelo Observatório de Museus e Centros Culturais (OMCC), nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo entre 2005 e 2007, concluem que os visitantes dos museus paulistas e fluminenses têm alto nível de escolaridade e renda domiciliar mensal elevada.3 A pesquisa do OMCC, realizada especificamente na Pinacoteca, reforça essa situação indicando um perfil sociocultural de visitantes com alta escolaridade (66,5% com Ensino Superior completo ou incompleto) e renda entre média e alta.4

Complementando esses dados, podemos mencionar a pesquisa de público do entorno –Expectativas e Percepções em Relação à Pinacoteca, realizada entre 2007 e 2008 pelo NAE. Nesse caso, os resultados apontaram que o perfil do público do entorno do museu possui baixa escolaridade (25% dos respondentes nem sequer concluíram o Ensino

REPENSANDO A ACESSIBILIDADE EM

MUSEUS:A EXPERIÊNCIA DO NÚCLEO

DE AÇÃO EDUCATIVADA PINACOTECA DO

ESTADO DE SÃO PAULO

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19Fundamental), com alta frequência à região, e, entre eles, 19% afirmaram já ter visitado a Pinacoteca.

A partir desses resultados podemos afirmar que, tratando-se da participação cultural em nossa realidade, os excluídos são a grande maioria da população, em particular os de baixa renda e escolaridade. É, portanto, a partir dessas situações que o conceito de acessibilidade se alarga para congregar, em nosso entender, tanto as pessoas com necessidades especiais quanto a variedade de grupos socialmente vulnerabilizados.

Assim, levando em conta os pressupostos citados, desenvolvemos ações continuadas com grupos que possuem poucas oportunidades de acesso ao museu: professores e estudantes do Ensino Médio da rede pública; pessoas com deficiências; ou os próprios trabalhadores do museu.

Ainda nesse sentido, implantamos e mantemos em funcionamento, há oito anos, o Programa de Inclusão Sociocultural (PISC), que visa promover o acesso qualificado aos bens culturais presentes na Pinacoteca a grupos em situação de vulnerabilidade social, com pouco ou nenhum contato com instituições oficiais da cultura, como museus5. Nesse ponto, faz-se relevante esclarecer o uso que fazemos do conceito de inclusão social, pois, da mesma forma que o da acessibilidade, ele tem sido usado nos últimos anos para diferentes fins e com propósitos os mais variados, inclusive para referir-se especificamente aos processos educativos realizados junto a grupos de pessoas com deficiências.

Em nossa prática, ao usarmos o conceito de exclusão social nos referimos aos processos pelos quais um indivíduo ou grupo tem acesso limitado às ações, sistemas e instituições tidas como referenciais e consideradas padrão da vida social, e, por isso, encontram-se privados da possibilidade de uma participação plena na sociedade em que vivem. Esses indivíduos ou grupos, quando se encontram socialmente vulnerabilizados, podem enfrentar diversas e simultâneas situações de exclusão: a perda de direitos pela exclusão de sistemas políticos, a perda de recursos pela exclusão dos mercados de trabalho e a deterioração das relações pessoais pelo enfraquecimento de laços familiares e comunitários, ficando, consequentemente, sujeitos a um contexto de privação múltipla.6 A essa situação podemos acrescentar, ainda, o enfraquecimento de sentimentos de pertencimento e reconhecimento cultural pela exclusão dos circuitos e instituições da cultura oficialmente instituída. Para combater esse complexo quadro de exclusões, é necessária uma atuação em rede que integre serviços sociais civis e governamentais, e meios que possibilitem a participação política, econômica e cultural dos grupos em questão.7

O Programa desenvolve ações educativas continuadas junto a grupos de diversas faixas etárias, como aqueles em situação de rua; moradores de habitações precárias, como cortiços e ocupações; cooperativas e grupos de artesãos voltados à geração de renda; jovens e crianças de setores populares participantes de projetos socioeducativos; educadores sociais, entre outros. Atualmente, desenvolvemos diferentes frentes de trabalho a partir das seguintes ações:

Parcerias e visitas educativas aos grupos: estabelecemos parcerias com organizações que desenvolvam projetos socioeducativos a fim de realizar visitas educativas continuadas à Pinacoteca. Definimos conjuntamente os objetivos da parceria e planejamos o encadeamento de visitas que respondam às demandas de cada grupo e se somem às atividades já desenvolvidas pelas instituições de origem, pois, assim, o

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20 contato com o museu não será desvinculado do trabalho ou processo educativo que se realiza na instituição de origem. Como defende a teórica inglesa da educação em museus Eilean Hooper-Greenhill, é necessário considerar as comunidades interpretativas a que pertencem os grupos na proposição das ações educativas, a fim de gerar experiências que sejam de fato significativas.8

Curso para educadores sociais: consiste em uma série de encontros de formação para educadores atuantes em ONGs e serviços de assistência e desenvolvimento social públicos ou privados que desenvolvam programas socioeducativos. Tem como objetivo dar subsídios para a elaboração, execução e avaliação de projetos educativos socioinclusivos a partir da cultura, arte e patrimônio, tendo como base o potencial educativo da Pinacoteca.

Arte+: publicação para educadores sociais, elaborada para ampliar a abrangência e penetração dos mesmos conteúdos tratados no curso, com foco na educação em arte e na educação patrimonial, com distribuição gratuita entre organizações sociais de todo o país.

Ação educativa extramuros: acontece junto a duas casas de convivência para adultos em situação de rua do entorno do museu, com a participação de 15 adultos em cada uma delas. A ação se estrutura a partir de oficinas de arte semanais desenvolvidas nas organizações parceiras e de visitas educativas regulares à Pinacoteca, conjugando prática e reflexão sobre a arte e estimulando uma maior familiaridade com o museu. Além das visitas educativas, ocorrem oficinas específicas para relacionar a criação de imagens e textos, propondo um diálogo entre ambas as linguagens. Alguns de seus resultados foram as exposições educativas desses processos realizadas na Pinacoteca e nas organizações de origem dos grupos, incluindo ainda um catálogo e uma publicação de caráter avaliativo.

A compreensão dos termos acessibilidade e inclusão como conceitos amplos e abrangentes se concretiza ao se promoverem experiências significativas com o público no encontro com o patrimônio e com o museu. Isso pode envolver desde a aquisição de conhecimento formal e ampliação de repertórios até contemplar aspectos relativos à melhoria da sociabilidade, das habilidades de comunicação, ao fortalecimento de identidades, à criação de vínculos com o museu e à melhoria da autopercepção e da autoafirmação dos indivíduos e grupos envolvidos. Essa tarefa ultrapassa os limites das ações educativas e depende de uma disponibilidade da instituição como um todo.

Acessibilidade ampla implica ainda na atenção constante às necessidades e adequação dos discursos do museu aos grupos de visitantes, não hierarquizando as distintas formas de conhecimento e incorporando as expectativas e histórias de vida dos diferentes públicos, num espaço repleto de possibilidades.v

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NOTAS E REFERÊNCIAS1. FERREIR A, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed. Cur it iba: Posit ivo, 2004.2. Economia e polít ica cultural: acesso, emprego e f inanciamento. Coleção Cadernos de Políticas Culturais. Brasília: MinC/IPEA, 2007. v. 3.3. OBSERVATÓRIO de Museus e Centros Culturais – Pesquisa Per fil – Opinião 2006-2007. Museus e v isitantes de São Paulo. DEMU/IPHAN/Fiocruz/M AST.4. Em 2002, o NAE realizou uma pesquisa de per fil de público v is itante da P inacoteca, intitulada Você e o museu, que obteve resultados semelhantes aos da pesquisa do OMCC.5. Apesar da enorme var iedade que o termo situação de vulnerabilidade social implica, especialmente na sociedade brasileira, os grupos atendidos pelo Programa têm em comum, além do fato de estarem vulnerabilizados, em sua grande maior ia, por condições de pobreza, o fato de estarem v inculados a inic iativas da educação não formal. Embora seja adotado pelo Governo Federal, o termo situação de vulnerabilidade social não é consensual nem pode ser entendido como sinônimo de carência de renda. Adotamos no Programa sua compreensão como uma situação de v iolação de direitos, conforme expresso na “Polít ica Nacional de Assistência Social – versão ofic ial” (In: Revista Serv iço Social & Sociedade, n. 80, nov. 2004. Encar te.), e no ar tigo de Francisco de Oliveira, A questão do estado: vulnerabilidade social e carência de direitos (In: Cadernos Abong. 1 jun. 1995. Sér ie A s ONGs e a realidade brasileira.).6. DE HA AN, Arjan e M A XWELL, Simon. (eds.). Pover ty and social exclusion in Nor th and South. In: International Development Studies Bulletin, 1998. V.29, n.1, p.3. Apud AIDAR, Gabr iela. Museus e inclusão social. In: Patrimônio e Educação, Ciências & Letras - Rev ista da Faculdade Porto-Alegrense de Educação, Ciências e Letras, n. 31. Por to Alegre: jan/jun, 2002. p. 54.7. CHIOVATTO, Milene e AIDAR, Gabr iela. Arte+. São Paulo: P inacoteca do Estado, 2009. p3.8. Segundo a autora, as comunidades interpretativas podem ser identif icadas por grupos que compartilham as mesmas estratégias interpretativas, ou seja, por grupos que atr ibuem sentidos utilizando-se de estratégias interpretativas comuns. “É dentro das comunidades interpretativas que a construção de signif icados de um indiv íduo é testada, apoiada e desenvolv ida. A comunidade interpretativa impõe limites ao mesmo tempo em que possibilita a construção de signif icados.” HOOPER-GREENHILL, Eilean (ed.). The educational role of the museum. Londres e Nova York: Routledge, 1994. p. 13; 50.

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ACESSIBILIDADE CUTUR AL: ABRINDO TRINCHEIR AS

O GALO INACESSÍVEL: DA ARTE E DO DEVER

DE AGRADAR

sonia Marques

introduÇão: da reiJeiÇão do GaLo

escultura do Galo da Madrugada para o carnaval recifense de 2010 provocou inúmeras reações de descontentamento: apelidada de Frango do Meio-Dia, foi acusada de precariedade estética. Questionada a propriedade do gasto público com tal obra, abriu-se o debate sobre a acessibilidade cultural e os problemas de recepção. A jornalista Tereza Halliday (2010), entre outros, comentou o despautério de uma escultura que decepcionara o imaginário de muitos foliões. Desenvolvendo o raciocínio, afirmou a jornalista que esse desencontro entre expectativas de artista e público ocorreria mesmo quando o artista tem fama de bom. Exemplificou com as edificações de Oscar Niemeyer no Parque Dona Lindu, recomendou cuidado nas encomendas a artistas, arquitetos e ambientadores uma vez que, não raro, eles ignorariam gostos e necessidades do contratante, concluindo que “o contratado tem a missão de usar sua genialidade para amarrar o burro onde o dono sonha. Do contrário, pode dar zebra”. (HALLIDAY, 2010-A5).

Encaminhando o artigo a vários amigos, professores em universidades e ateliês, a jornalista sugeriu que fosse utilizado como matéria para reflexão com nossos alunos. Acolhendo a sugestão, o presente texto discute a relação entre gosto, qualidade arquitetônica e acessibilidade à obra de arte. Esta implicaria o dever de agradar ao público? Na obrigatoriedade da aceitação generalizada? A má acolhida invalidaria o valor de uma obra? Ou antes a acessibilidade tem a ver com a oferta, com o acesso democratizado, reconhecendo-se os limites de uma recepção consensualmente favorável?

da distinÇão entre Gostar e reconhecer a imPortância da arte

ao avistar, de passagem, a escultura do Galo, na ponte Duarte Coelho, achei-a menos imponente que em anos anteriores. Procurei perceber qual seria o material utilizado, o suporte, eventualmente, o novo processo de execução. São aspectos muito importantes para educadores e críticos que buscam olhar objetos e coisas do mundo, sobretudo aqueles ditos de criação artística, sem ter por objetivo a afirmação do próprio gosto, evitando um critério estético pré-concebido, questionando os valores hegemônicos.

Indagado sobre suas predileções, um dos maiores críticos de arte da atualidade, o professor de filosofia Arthur Danto afirmou ser muito conservador e adorar arte francesa do século XVIII, acrescentando: “Mas nem toda arte importante é necessariamente fácil de gostar. Não posso dizer que gosto do trabalho de Jeff Koons – mas o considero importante. Quem consegue realmente gostar do trabalho de Duchamp?”

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23Pergunto: Quantos conseguem realmente gostar de Marcel Proust? Ler e apreciar Ulysses de James Joyce? Ou Grande sertão: veredas de Guimarães Rosa? Ou O homem sem qualidades de Robert Musil? Impopulares junto ao grande público, a importância desses autores parece incontestável. A ideia é, no entanto, difícil de ser aceita em tempos de populismo. A ditadura do populismo cultural não é nova na História, que se repete como farsa, na expressão de um grande autor. Tenho medo dessa tendência ao plebiscito que está a instalar-se recentemente. Não gostaria de Robespierres na nossa paisagem cultural. Imaginem se começarmos a queimar, vandalizar, destruir objetos artísticos considerados divergentes das novas afirmações identitárias?

Quando Milton Nascimento canta que todo artista tem que ir aonde o povo vai, não creio que queira dizer que agradar a multidões seja o imperativo da criação. Nem tampouco que a sanção popular seja garantia de melhor qualidade. Se fosse, Paulo Coelho teria mais méritos do que Machado de Assis. Telemann, ao que parece, foi mais popular e querido a sua época que Vivaldi. Certamente a arquitetura de Paulo Mendes da Rocha, prêmio Pritzker 2006 de Arquitetura, não agrada às grandes massas.

artistas e arquitetos: a serviÇo do contrato?

Desde Vitruvius, questiona-se se arquitetura é arte, ato de criação que depende exclusivamente do indivíduo que concebe ou um serviço profissional que deve render-se aos ditames do contrato. Toda definição é em si arbitrária. Admitir que arte e arquitetura sejam ambas serviços a serem prestados como manda o cliente ou, pelo contrário, atividades autônomas é privilégio apenas do raciocínio que se queira seguir. Na maior parte das vezes, esse raciocínio é baseado em um desejo de como tais atividades deveriam ser. Tomo a História como referência, para não entrar no wishful thinking.

Até o mundo moderno era possível fazer uma certa distinção do grau de autonomia entre arquitetos e artistas: em parte porque as obras de arte eram, via de regra, menos caras que as de arquitetura. Van Gogh fez como quis sua pintura, sustentado pelo irmão Theo que vendia coisas mais palatáveis à burguesia endinheirada e pouco exigente. Já a maior parte da arquitetura de Le Corbusier ficou no papel.

Atualmente, contudo, os novos suportes artísticos, como instalações e vídeos, entre outros, custam muitas vezes mais caros que as edificações, diminuindo a possibilidade da realização da obra sem o poder da grana que “ergue e destrói coisas belas”. Donde o relativo menor

1. Cantando de Galo por Pablo Sousa, 2010.

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grau de autonomia do artista.

A relação entre contratante e contratado é uma relação de força, de natureza completamente instável. O autoritário Barão Haussmann ficou conhecido por considerar os arquitetos como perdulários e por impor seus gostos e princípios àqueles que contratava. Mas esse era o populismo do segundo império. Hélàs! Próximo ao Sarkozismo atual.

Desencontros entre expectativas e obra recebida não fazem sentido quando se trata de artistas com obra consagrada e conhecida. Contratados, espera-se que deles saia um determinado produto: um Brennand, um Niemeyer. Se, uma vez expostas ao público, as esculturas de Brennand escandalizam senhoras pernambucanas pudicas, é fato que escapa às questões da acessibilidade. Realizações de Niemeyer como o Espaço Ciência em João Pessoa ou como o parque Dona Lindu, podem, sem dúvida, ser criticadas sob aspectos diversos. Formalmente, no entanto, umas melhores, outras piores, no conjunto, as obras recentes de Niemeyer só podem decepcionar aqueles que não conhecem a sua obra precedente.

O que muda finalmente, ao longo da História, é a clientela da arte e da arquitetura e os demais membros do sistema de crença de bens simbólicos, como bem definiu Bourdieu (2006), que movem a produção do mercado artístico e definem as regras do gosto.

da decadência da quaLidade arquitetônica ou da cumPLicidade entre cLientes e incorPoradores

Emergentes endinheirados, celebridades recentes são a essência da clientela de arquitetos, via especulação imobiliária. Todos buscam originalidade: o resultado é um festival de mesmice e mau gosto. Em Natal, João Pessoa ou Recife é dificílimo encontrar alguma edificação recente de qualidade. Como dizia Lucio Costa: Muita construção, alguma arquitetura e um milagre. Este último, quando ocorre, é geralmente inacessível ao bolso da maioria. Os corretores louvam as virtudes (sic!) do que é novo, ainda “na planta”: a nobreza do bairro, a quantidade de banheiros e garagens, os incríveis aparatos de segurança, salões de festas, piscina, áreas de lazer, etc. Quando se trata de apartamentos usados, elogiam aqueles “completamente reformados, na cerâmica e gradeado”. “Embanheiradas”1 e engaioladas nossas edificações são. Basta por a cabeça na janela para ver. Iguais em sua maioria. Que não se condenem os arquitetos. Fazem uma arquitetura à altura do visual dos contratantes: galpões decorados, casas de recepção e igrejas universais já o atestam. Considero legítimo e legal oferecer a uma clientela sem educação do gosto serviços e espaços a sua imagem e semelhança. Porém, como parte dos atores do sistema de crença de bens simbólicos, acredito na educação do gosto, bem como no ímpeto que move uma sensibilidade criadora, necessário à produção artística. Wittgenstein disse que abandonou arquitetura e se tornou filósofo porque achava que era dotado de um gosto muito educado, muito elevado, mas faltava-lhe esse impulso autônomo, essa ousadia criativa que é de outra ordem. Sigo Wittgenstein nesse raciocínio que diferencia a sensibilidade analítica da sensibilidade criativa.

Acho, pois, desejável que, mesmo ao artista que se diz obrigado “a vender-se para poder comer” – palavras recentes de um aluno –, sobrasse algum tempo, a fim de que, uma vez nutrido, pudesse entregar-se aos desmandos de sua capacidade criadora, sem a tirania de uma encomenda de uma celebridade qualquer, sem render-se ao populismo dominante.

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25Temos uma geração ainda com sólida formação em arquitetura e mesmo alguns novos profissionais bastante competentes. Mas como enfrentar o mercado e o padrão das incorporadoras que definem a regra do jogo? Ninguém liga para a qualidade do projeto. Aliás, poucos sabem o que é qualidade de projeto. Senão, não contratariam imediatamente um decorador, perdão, arquiteto de interior, para reformar. Ou será “customizar”?

Não temos, na minha opinião, uma cultura de qualidade. Nem em arquitetura, nem em arte, nem em outros domínios. Perdemos aquela que foi de uma geração elitista: os modernistas. Muitos eram, sem dúvida, voltados para os valores ocidentais, colonizados e pouco atentos às nossas minorias e às diversidades populares. Mas tinham “senso de noção”. O que se perdeu na mobilidade social inclusiva em curso.

concLusão

O vaticínio não me parece, contudo, negativo. Quando a poeira da revolução populista que assola grande parte do mundo passar – se passar –, mais milagres acontecerão. Até lá, em vez de pedir aos artistas que amarrem o burro onde o dono do burro manda, eu diria que é preciso encorajá-los. Parafraseando o poeta português Jorge de Senna, é preciso deixar florescer todas as flores, as que nos espinham, aquelas cujo odor nos incomoda, como todos os saberes; todos necessários e complementares em sua diversidade. Como disse o sábio crítico:

Mas há ainda um longo caminho que se relaciona à educação, para que finalmente consigamos convencer os cidadãos a aceitarem de bom grado que seu dinheiro seja aplicado a um patrocínio num tipo de arte que eles muitas vezes acham repugnante. A educação pode diminuir esta rejeição, mas não a eliminar. Não há nenhuma regra a priori que determine que qualquer tipo de arte será apreciado por todas as pessoas. (DANTO, 2005:131)v

NOTAS E REFERÊNCIAS1. Expressão utilizada pela professora Edja Tr igueiro (UFRN) refer indo-se à epidemia de revestimentos cerâmicos que dão às fachadas de nossos edifíc ios aspecto de banheiro.

#HALLIDAY, Tereza. Contratando Ar tistas e Arquitetos. In: Diario de Pernambuco, 01/03/2010, p. A-5. #DANTO, Ar thur. Entrev ista concedida ao The Nation, traduz ida e publicada em Novos Estudos Ceprab 73, nov. 2005. p.127-132.#BOURDIEU, P ierre. A produção da Crença: Uma introdução à economia dos Bens Simbólicos. 3. ed. [S.l.]: Editora Zouk, 2006.

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05viviane Panelli sarraF

ACESSIBILIDADE CUTUR AL: ABRINDO TRINCHEIR AS

artindo do pressuposto de que o museu é um equipamento social deficiente em relação à acessibilidade para a diversidade de públicos existentes, é possível afirmar que o mesmo precisa repensar sua atuação, buscando maneiras de aproximação que respeitem as diferentes formas de alcance, comunicação e relacionamento da população, que em número significativo possui alguma deficiência ou dificuldade temporária.

Para que isso ocorra é necessário conhecer um dos principais focos do problema que é a estrutura de funcionamento dos museus. No aspecto físico de edifícios, após mais de 20 anos de redação da Norma Brasileira de Acessibilidade, NBR 9050, é possível afirmar que existe legislação e fiscalização das autoridades competentes e da sociedade civil para que as adequações de acessibilidade sejam implantadas. No aspecto de acesso à informação, apesar de existirem referências teóricas favoráveis ao uso dos sentidos nas estratégias de mediação, ainda são raros os casos de projetos e programas que coloquem esse aspecto em prática e que, consequentemente, tornem a linguagem dos museus mais acessível a indivíduos com diferentes níveis intelectuais e cognitivos.

A acessibilidade é uma forma de concepção de ambientes que considera o uso de todos os indivíduos independente de suas limitações físicas e sensoriais, desenvolvida a partir dos conceitos do movimento de Inclusão Social. O conceito influencia a melhoria da qualidade de vida da população com e sem deficiência.

Segundo a ABNT-NBR 9050 – Norma Brasileira de Acessibilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas –, acessibilidade é a possibilidade e condição de alcance, percepção e entendimento para a utilização com segurança e autonomia de edificações, espaço, mobiliário, equipamento urbano e elementos.

Seguindo os parâmetros da norma citada, acessível é o espaço, edificação, mobiliário, equipamento urbano ou elemento que possa ser alcançado, acionado, utilizado e vivenciado por qualquer pessoa, inclusive aquelas com mobilidade reduzida. O termo acessível implica acessibilidade física, intelectual, cognitiva e atitudinal.

Portanto, acessibilidade em museus significa que as exposições, espaços de convivência, serviços de informação, programas de formação e todos os demais serviços básicos e especiais oferecidos por esses espaços devem estar ao alcance de todos os indivíduos, perceptíveis a todas as formas de comunicação e com sua utilização de forma clara, permitindo a autonomia dos usuários. Os museus para serem acessíveis, portanto, precisam que seus serviços estejam adequados para serem alcançados, acionados, utilizados e vivenciados por qualquer pessoa, independentemente de sua condição física ou comunicacional.

ACESSIBILIDADE E COMUNICAÇÃO

SENSORIAL NOS MUSEUS E ESPAÇOS CULTURAIS: NOVOS DESAFIOS PARA A MEDIAÇÃO CULTURAL

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Para que os princípios da acessibilidade e da inclusão social das pessoas com deficiência nas instituições culturais sejam viabilizados de fato, além do cumprimento dos parâmetros expressos nas normas, é necessário desenvolver novas estratégias de mediação, nas quais todos os sentidos inerentes à percepção sejam envolvidos. A linguagem dos museus é regida pela cultura ocidental, em que predomina a exploração visual, o que leva as pessoas ali presentes a uma relação superficial com o conteúdo das exposições.

É possível afirmar que apesar da predominância do sentido da visão na cultura ocidental, berço dos museus e espaços culturais, os outros sentidos se mostram presentes em manifestações artísticas e culturais. A arte se manifestou multissensorial ao longo da história. Desde movimentos estéticos neoclássicos até a arte contemporânea, artistas emblemáticos propuseram experiências sensoriais. A história não é documentada apenas por suas imagens. Os sons, os sabores, os odores e as sensações também são contemplados pelos historiadores e pesquisadores em seus relatos e textos críticos. As ciências estudam fenômenos e formas de vida que não podem ser resumidos ao aspecto visual. As técnicas e tecnologias precisam ser perpetuadas e experimentadas em sua totalidade e não apenas contempladas como criações divinas.

O apelo visual na cultura contemporânea já não possui o caráter de sentido da razão e sabedoria presente no pensamento moderno. O paradoxo da visão e não visão é questionado por filósofos, artistas, cineastas, escritores e outros profissionais criativos que tentam de diferentes formas despertar outros sentidos nas relações culturais e humanas.

Talvez essa ‘insensibilidade’ na maior parte das vezes inconsciente, seja fruto de vários fatores pertinentes ao mundo contemporâneo, que vivemos regido principalmente pelo sentido da visão. O que temos é uma avassaladora pluralidade de informações visuais, bombardeadas pelos mais diversos tipos de mídia (televisão, cinema, revistas, jornais, outdoors, entre tantos outros) que para pessoas de maior sensibilidade, se tornam uma ‘massa’ indistinta de forte poluição visual, dificultando a percepção visual de simples elementos visuais do cotidiano. (RESENDE, 2002, texto curatorial da exposição “Vistas Táteis”)

No âmbito patrimonial também é possível identificar alguns motivos para uma nova forma de concepção da linguagem expográfica. Um deles é a existência de uma pluralidade de bens patrimoniais envolvendo desde objetos da cultura material até patrimônio imaterial e intangível. Essas novas categorias de coleção e acervo têm feito com que profissionais e teóricos da área de patrimônio problematizem constantemente os parâmetros e procedimentos de tombamento, conservação e documentação ligada a essa nova condição.

Os caminhos possíveis para preservação e difusão desses diferentes patrimônios podem ser a acessibilidade aos sistemas de informação e as propostas de mediação cultural, já que uma tradição ou indícios de saberes populares só são devidamente preservados na criação de sentido para o indivíduo.

Tomemos como exemplo as receitas tradicionais de alimentos. O que deve ser tombado: o fazer ou o paladar?

Uma receita resulta em um alimento de sabor único que, por sua vez, precisa ser preservado, já que é aquele sabor que informa as influências de uma ou mais culturas

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28 na combinação de ingredientes ou no tipo de utensílio utilizado para o preparo. Um autêntico “Baião de Dois” é reconhecido por seu aspecto visual, pelos ingredientes utilizados no preparo ou por seu sabor peculiar?

As exposições dedicadas a hábitos alimentares de uma comunidade ou região, por exemplo, geralmente articulam imagens bidimensionais, objetos expostos em vitrines e textos relacionados ao tema; nesse sentido a proposta de mediação pode ser comparada à leitura de um livro com a mesma temática; a única diferença é o espaço físico.

Outro exemplo favorável para incentivar a mudança de estratégias de mediação são as propostas de imersão em exposições de artistas contemporâneos, museus de ciências e expografias de mostras temáticas que começam a utilizar os recursos tecnológicos com a intenção de transpor as pessoas para situações inusitadas. Essa nova tecnologia pode ser utilizada também em programas museológicos e exposições de coleções permanentes com o intuito de proporcionar experiências sensoriais em relação ao patrimônio. Por exemplo, é possível proporcionar uma experiência de um ritual da religião Candomblé transpondo o visitante de um museu a um terreiro típico, por meio do uso dos sons, odores, iluminação e esfumaçamento do local. Tudo isso bem planejado e sincronizado oferece uma experiência de fruição da temática, que por sua natureza é multissensorial.

Mesmo sabendo que nós, seres humanos, percebemos o mundo através de todos os nossos sentidos, os espaços culturais e museus permanecem explorando excessivamente a visão, deixando de lado toda a riqueza de relações que podem ser estabelecidas de maneira mais holística e menos racional.

O desenvolvimento do pertencimento cultural, que é um dos principais objetivos dos museus na atualidade, pode ter a mediação sensorial como estratégia lançando mão de recursos olfativos, de apelo ao paladar, sonoros e táteis, além, é claro, do recorrente apelo visual. A percepção sensorial não pressupõe conhecimentos intelectuais, domínio de linguagem ou idioma e familiaridade com ofertas culturais; ela é livre das barreiras inerentes à origem elitizada e acadêmica dos museus e tem o poder de envolver e cativar toda a diversidade de público dos museus.

A visão é o sentido mais explorado nas exposições e esse fato contribui para a formação de uma barreira de comunicação com o visitante que impede a interatividade, uma das principais demandas das pessoas em relação aos

1. Audiodescrição no Museu Tiflológico ONCE – Madrid

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29museus. É possível observar as pessoas visitando as exposições sem se envolverem com o conteúdo apresentado, como consumidores em frente à vitrine de uma loja: tudo o que veem parece igual e distante de sua realidade.

O som é um recurso extremamente explorado e vital no cinema, nas telenovelas e até mesmo em mostras temporárias que utilizam abordagens intimistas, já que esse recurso envolve o indivíduo para influenciar sua percepção da mensagem. Durante a redação da “Declaração de Caracas”, em 1995, no encontro dos membros do ICOM – International Council of Museums, conselho que norteia a atuação dos museus e instituições culturais do mundo todo, o debate acerca do som como recurso de mediação já acontecia, como é possível constatar na citação:

Um caso em que a sonorização não constitui uma música ambiente, senão de certo modo, um elemento concreto da exposição: o som, no momento da visita do novo Museu da Bocha em Bayone (França). Uma montagem musical ilustra com precisão e com formas variadas a intervenção da música no desenvolvimento de uma partida de bola – o guia põe em funcionamento o som no momento preciso e à distância. (ARAÚJO E BRUNO apud RIVIÉRE, 1995 p. 14)

O tato é considerado pelos museus como um vilão, pelos prejuízos à conservação de acervos materiais. Essa afirmação é comprovada por importantes pesquisas, as quais também apontam que alguns materiais apresentam bastante resistência ao manuseio. As conclusões e considerações dessas pesquisas poderiam nortear a criação de programas de acesso tátil às obras e objetos de alta resistência física, como já acontece em museus que seguem políticas públicas ou institucionais de acesso.

A abordagem corpo-a-corpo com uma escultura, por exemplo, me deixa muito feliz, significa olhar não só com minhas mãos, mas com minha presença corporal, e um cego não olha somente com as mãos, mas também com todo o corpo, esta é a diferença. (BAVCAR, 2007, entrevista cedida para pesquisa de mestrado Reabilitação do Museu: políticas de inclusão cultural por meio da acessibilidade da autora)

O olfato ainda aparece de forma tímida, salvo em alguns museus de história natural, para complementar a interação dos visitantes com habitats e ecossistemas distantes e em estratégias de comunicação ligadas a acervos olfativos como museus de essências, perfumes e parques botânicos.

2. Toque na obra “Máscara de Voltaire” do artista Houdon Museu Histórico Nacional – RJ3. Visitante cega no Jardim Sensorial do Jardim Botânico de SP

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30 O paladar também é pouco utilizado, a não ser pelas cafeterias anexas que raras vezes oferecem cardápios ligados aos eixos curatoriais dos museus que as abrigam. Esse tipo de ação é mais constante em propostas de ação cultural em formatos mais populares como feiras e festivais. Nesses casos são criados espaços para propostas de mediação que extrapolam o espaço expositivo das instituições culturais. Alguns exemplos: “feiras étnicas”, “festivais de cultura popular”, “festas das nações”, geralmente promovidas por museus históricos e centros culturais ligados às manifestações populares.

Além dos cinco sentidos exemplificados no texto, os indivíduos possuem outros pouco conhecidos e explorados, mas essenciais para aqueles que perdem um ou mais sentidos. Como os golfinhos, possuímos a ecolocalização que é a capacidade de identificar a localização de um corpo ou objeto pelo eco de seu som. A percepção sinestésica permite decodificar espaços por meio do movimento do vento e da densidade do ar, mesmo em ambientes fechados.

O cotidiano das metrópoles e da dinâmica da vida contemporânea não incentiva as pessoas a desenvolverem os sentidos em sua plenitude; por essa razão podemos considerar que temos deficiências sensoriais, por nossa dificuldade em traduzir conteúdos e conceitos de diferentes linguagens, além da representação visual. O computador – ferramenta e a internet – , meio de relacionamento predominante na sociedade, não consegue estabelecer vínculos que não sejam visuais com seus usuários.

Dessa forma, os museus, como agentes de desenvolvimento social, responsabilidade, têm o desafio de cativar visitantes e desenvolver o pertencimento. Para ter sucesso nessas atribuições e se diferenciar dos meios de comunicação em massa precisa quebrar a dinâmica visual dos relacionamentos contemporâneos, fazendo uso de propostas de mediação multissensoriais para estabelecer vínculos sensíveis com seus visitantes, podendo, então, afirmar sua validade na dinâmica social e tornar-se acessível em sua natureza comunicativa.v

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AUDIO-DESCRIÇÃO1: UM NOVO RECURSO

DE MEDIAÇÃO E ACESSIBILIDADE

CULTURAL

06alexsandra leite

udio-descrição é um recurso de acessibilidade direcionado às pessoas com deficiência visual, é a tradução de qualquer imagem transformada em palavras. A audio-descrição integra o campo da Tradução Visual e é executada com aparato técnico pré-estabelecido, surgindo como recurso importante em ações de responsabilidade social, junto às pessoas cegas e com baixa visão. Direito adquirido, a audio-descrição se adapta às exigências legais como a Lei 10.098/2000 e o Decreto 5.296/2004, que, como outros dispositivos legais, visam a acessibilidade comunicacional às pessoas com deficiência visual, em todas as áreas de convívio social.

No âmbito cultural, proporcionar acesso aos cegos e pessoas com baixa visão ao cinema, teatro, espetáculos de dança, circo, TV e exposições de arte é o principal objetivo das pesquisas em audio-descrição, buscando modelos de acessibilidade audiovisual que atendam às necessidades desse público e formando profissionais competentes em nível de graduação e pós-graduação para atuarem no mercado de trabalho. Sendo assim, a formação profissional em audio-descrição está atrelada à formação de público, no sentido de desenvolver uma prática de integração sociocultural, conscientizando a sociedade a construir uma aprendizagem cooperante que avance na eliminação das barreiras pragmáticas e atitudinais, garantindo o acesso das pessoas com necessidades especiais aos serviços que promovem a convivência saudável no tocante à diversidade.

como se dÁ a FormaÇão em audio-descriÇão

A formação de audio-descritores, profissionais que realizam a audio-descrição, é realizada no Brasil pelas instituições de ensino superior, uma vez que a audio-descrição é considerada um modo de tradução audiovisual pouco conhecida. Especialistas na área, com formação no exterior, produzem e pesquisam a audio-descrição junto a seu público-alvo e, atualmente, são esses especialistas responsáveis pelos 160 audio-descritores formados a cada ano, a partir do que a legislação exige.

No Nordeste, Pernambuco, Ceará e Bahia têm-se destacado nos estudos e difusão da audio-descrição. Na Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, o Prof. Dr. Francisco Lima tem suas pesquisas datadas de 1997, implementando o curso de extensão Tradução Visual – Imagens que Falam, em 2008, como culminância dos anos de estudo. Iniciando suas pesquisas em 2005 a professora Vera Lúcia Santiago Araújo, da Universidade Estadual do Ceará – UECE, implementou a disciplina de tradução audiovisual na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, onde a audio-descrição passou a ter destaque como módulo na pós-graduação em Linguística e atualmente como possibilidade de vir a ser um curso de especialização, assim como na Pontíficia

CAMINHOS PAR A INCLUSÃO

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33Universidade Católica – PUC-Minas e na Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – UERN. Junto com a CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, um projeto de cooperação acadêmica coordenado pelas professoras Célia Magalhães (UFMG) e Vera Santiago (UECE) visa à formação de pesquisadores e profissionais na área de audio-descrição. Já as professoras Eliana Franco e Vera Santiago formaram, em 2008, 120 audio-descritores certificados por essas instituições. Também nesse ano, as duas professoras e o especialista Rodrigo Campos, da UFMG, formaram a primeira associação de audio-descritores do Brasil, a MIDIACE – Associação Mídia Acessível – que tem promovido a audio-descrição de várias formas, além de ter estabelecido padrões de normas e roteiros. Assim como a MIDIACE, a TRAMADAN – Tradução, Mídia, Audiodescrição e Dança –, ligada à UFBA, e a LEAD – Legendagem e Audiodescrição –, vinculada à UECE, são associações e grupos que atuam com competência na difusão e prestação de serviços em audio-descrição.

Vale salientar a participação das agências de fomento à pesquisa (CAPES, CNPq, FAPEMIG – Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de Minas Gerais – e FUNCAP – Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico) e das instituições financeiras (BNB – Banco do Nordeste do Brasil) nesse processo de consolidação da audio-descrição em nosso país, pois o custo médio de sua produção depende de muitas variáveis: de acordo com o conteúdo audiovisual, as necessidades técnicas de entrega e recebimento do material audio-descrito, o tipo de audio-descrição a ser produzida (gravada, ao vivo roteirizada ou ao vivo simultânea), os prazos de produção e o volume de trabalho a ser realizado, entre outros aspectos.

Quanto ao capital intelectual, são necessárias competências variadas de acordo com as diferentes etapas do processo de produção da audio-descrição. Todas essas etapas, com exceção do técnico de mixagem, são exploradas nos cursos das instituições mencionadas. Os audio-descritores precisam inicialmente ter acesso a um conhecimento específico sobre o conceito, as diretrizes nos variados países para, numa segunda etapa, ajustá-las ao Brasil por meio da prática da audio-descrição e revisão, que constitui o foco central dos cursos. As habilidades necessárias para a roteirização são apreendidas nos cursos: domínio do português, domínio do software para marcação de tempo, seleção de o quê e como audio-descrever, sintaxe-chave do texto, percepção audiovisual em TV, cinema e teatro etc. Na prática, é enfatizado o modelo de roteiro adotado e o processo de gravação, da gravação da audio-descrição ou da audio-descrição ao vivo (roteirizada e simultânea); é enfocada a familiarização com o estúdio, com o aparelho fonador e com o ritmo do produto audiovisual. Apesar de o audio-descritor ser um elemento à parte do enredo, sua entonação tem que seguir um pouco o ritmo da obra. Um filme de ação, por exemplo, exige uma audio-descrição que acompanhe seu ritmo, ou o suspense, e não combina com uma narração suave e lenta. Para a mixagem dos sons e ajustes de volumes é necessário que o profissional editor de som esteja a par das técnicas de ajustes específicos para a audio-descrição. Numa situação ideal, é recomendável que um audio-descritor acompanhe a gravação e mixagem, no sentido de evitar inadequações.

Torna-se relevante destacarmos que as ações supracitadas têm-se desenvolvido para a formação de uma mão de obra qualificada, atendendo ao acordo firmado entre o Ministério das Comunicações, representantes do setor de radiodifusão, do setor de produção de audio-descrição, do Comitê Brasileiro de Acessibilidade e da União Brasileira de Cegos, em reunião realizada em 23 de julho de 2008, focada na Portaria 466/08.

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34 duas eXPeriências cuLturais com a audio-descriÇão

Atuando na Torre Malakoff, equipamento cultural administrado pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco – FUNDARPE, como arte/educadora no Programa de Aperfeiçoamento em Gestão Pública de Cultura, uma das minhas atribuições era orientar, como colaboradora do referido equipamento, por meio do Educativo Malakoff, o Estágio de Aprendizagem dos jovens do Projeto Desenhando Culturas. Esses jovens haviam participado do curso de Cinema de Animação, numa proposta de ação articulada entre a FUNDARPE e a Secretaria de Ação Social, dentro do Programa Pacto pela Vida. Minha tarefa, ao lado do colega e igualmente arte/educador Carlito Person, era oferecer a esses jovens possibilidades de complementação e aplicação de conhecimentos. Contudo, tendo em vista a nossa formação em arte/educação, havia a necessidade de agregar valores relacionados à acessibilidade para a produção de material audiovisual, produto final de conclusão do curso e do estágio. Sendo assim, planejamos um corpo de atividades, visando ampliar o repertório cultural dos estagiários, colocando-os em contato direto com o universo das artes visuais, ambientes profissionais de cultura, artistas, designers e equipes de produção. Como havia iniciado as pesquisas em torno da audio-descrição no Centro de Estudos Inclusivos da UFPE sob orientação do Professor Francisco Lima, pensei na possibilidade de inserir os jovens estagiários no universo da audio-descrição. Nesse período, a Fundação Joaquim Nabuco promovia através do Cinema da Fundação, a programação do Dia Internacional da Animação, que contemplou a mostra oficial com curtas de animação nacionais e internacionais, além de mostras paralelas para pessoas com necessidades especiais auditivas e visuais. Os estagiários participaram, enquanto público específico de profissionais em processo de formação. Seria um primeiro contato no sentido de apresentar aos jovens mais uma possibilidade de ampliação das suas competências não somente como produtores culturais, mas como cidadãos, já que, entre eles havia um colega de curso, o estudante Clodomir Barbosa, de 21 anos, que desenvolve atividades em artes plásticas desde os 7 anos, e que, mesmo possuindo apenas 5% de uma visão, foi um dos contemplados no projeto Desenhando Culturas. A experiência foi muito proveitosa para todos, principalmente para Clodomir que compreendeu como a audio-descrição é importante para quem, como ele, sente na pele a exclusão. Após a mostra, o estudante, de modo descontraído e muito alegre, declarou: “Foi muito diferente assistir filmes com esse recurso, bem melhor para mim! Me senti bem mais independente!”, disse Clodomir. A partir dessa vivência, surgiu a proposta dos estagiários utilizarem o recurso na elaboração das produções audiovisuais subsequentes numa parceria com o CEI/UFPE.

Com o objetivo de dar a conhecer o que é audio-descrição, divulgar sua aplicabilidade e sua potencialidade na educação, no trabalho e no lazer, como recurso de acessibilidade comunicacional para as pessoas com deficiência, principalmente para as pessoas cegas ou com baixa visão, foi realizada no dia 04 de dezembro de 2009 a II Mostra de Áudio-descrição da UFPE. O Centro de Estudos Inclusivos preparou audio-descritores, pessoas de diversas áreas interessadas em acessibilidade comunicacional, por meio do Curso de Tradução Visual com Ênfase na Áudio-descrição Imagens que Falam para produzirem roteiros de audio-descrição para gravação em cinema, teatro ou televisão, bem como para fazer audio-descrição simultânea nesses ambientes e outros, como em museus, exposições de arte, congressos, conferências etc. Como aluna do curso fiz a audio-descrição do curta-metragem de conclusão do módulo II do projeto Desenhando Culturas, AS HEROÍNAS DE TEJUCUPAPO, a célebre história da resistência dos habitantes da Zona da Mata pernambucana aos holandeses. O vídeo foi produzido

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35e dirigido pelos estagiários do projeto Desenhando Culturas, sob orientação de Damaris Flor, Ivanildo Aquino, Matheus Calafange, Natália França, Raquel Lacerda e Paulo Leonardo, com pós–produção e edição de áudio de Natália França. A apresentação do curta foi realizada na mostra com o recurso voice over, tradução simultânea com estudo do objeto audiovisual e composição de roteiro feito por mim com o código de marcação do tempo.

Essas duas ações contribuíram para uma reavaliação na minha prática enquanto arte/educadora, atuando como mediadora, entre outras funções, num equipamento cultural envolto em limitações institucionais. Sendo a audio-descrição uma nova ferramenta de mediação cultural e de acessibilidade, convém dar continuidade às pesquisas, articulando encontros de reflexão e sensibilização da comunidade cultural e trabalhando na disponibilidade da audio-descrição na recepção do público específico a ser beneficiado nas exposições promovidas pela instituição, democratizando esse recurso.v

NOTAS E REFERÊNCIAS1.A utilização da grafia áudio-descr ição encontra justif icativa no texto “Em Defesa da Áudio-descrição: Versos e Controvérsias” do Professor do Centro de Estudos Inclusivos da UFPE Francisco Lima, com colaboração de Paulo Vieira: “Ao dizermos áudio-descr ição, estamos dizendo de áudio e estamos dizendo de descr ição. Os termos mantém indiv idualmente seu sentido or ig inal, porém, constituindo novo sentido numa nova unidade semântica. Quanto à prosódia e à grafia das palavras em separado, elas são mantidas, logo não havendo razão que justif icasse as unir na grafia ou as escrever em separado, sem hífen. Isto é, a junção dos termos áudio e descr ição pelo hífen leva ao entendimento de uma nova construção semântica, com sentido própr io, sem que cada termo se destitua por completo de seu sentido or ig inal.”

#AR AÚJO, Vera Lúcia Santiago. Acessibilidade na UECE. O POVO Online, Ceará, 25 abr. 2009. Opinião. Disponível em: <http://opovo.uol.com.br/opovo/opiniao/872889.html>. Acesso em: 21 nov. 2009.#CAMPOS, Rodr igo. Audiodescritores: informações acerca da audiodescr ição no Brasil. D isponível em: <http://www.audiodescr itores.com/page_3.html>._ _ _ _ _ _. Midiace: associação mídia e acessibilidade (formada por Rodr igo Campos, Edna Morato e Daniele Gaudêncio). D isponível em: < http://www.midiace.com.br/index.php?conteudo=notic ias&cod=6>.#FR ANCO, Eliana. Audiodescrição: o que é audiodescr ição (AD)? Disponível em: <http://www.audiodescr icao.com/clendo.htm>.#LAVORO PRODUÇÕES ARTÍSTICAS LTDA.; POZZOBON, Graciela. Audiodescr ição: como fazemos. Repositorio-educs.com. D isponível em: <http://www.repositor io-educs.com/blog/>.#LIM A, Francisco. Em defesa da áudio-descr ição. Vol. 1, No 1 (2009): Edição Especial de Lançamento).#M ACHADO, Fláv ia Oliveira; JESUS, Antônio Car los. Ouv indo imagens: inclusão social através da audiodescr ição. In: CONGRESSO BR ASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 32., 2009, Cur it iba. Anais. São Paulo: UNESP, p. 01-15. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2009/resumos/R4-1861-1.pdf>.

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UMA IMAGEM EM MIL PALAVRAS:

AUDIODESCRIÇÃO DE OBRAS DE ARTE A

DEFICIENTES VISUAIS À LUZ DA GRAMÁTICA DO

DESIGN VISUAL

07Marisa Ferreira aderaldo

30CAMINHOS PAR A INCLUSÃO

introduÇão

República Federativa do Brasil se fundamenta constitucionalmente no princípio da dignidade humana e tem como objetivo a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e a redução das desigualdades sociais e regionais. Em 1998, a Assembleia Constituinte livre, soberana e democrática escreveu no caput do Capítulo I (Dos direitos e deveres individuais e coletivos) no bloco dos Direitos e Garantias Fundamentais, artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (...)”. Entretanto, conforme a análise de Cabral (2005), “quando o objeto de análise são as pessoas portadoras de deficiência, fica clara a desproporção de acesso aos direitos individuais e sociais ao exercício das suas cidadanias...”. (grifos nossos)

Estudos revelam que mais de 94% da informação que recebem o homem e mulher contemporâneos entram no cérebro através da visão e da audição e mais de 80%, especificamente, através da percepção visual; vivemos, pois, na sociedade da imagem: “uma obra audiovisual pode supor, além do desfrute das emoções, uma experiência estética, intelectual ou política. Uma série de imagens pode fazer-nos refletir, recordar algo, mudar de ideia e inclusive tomar decisões”. (PAYÁ, 2007:81, grifos nossos)

Os dados revelados pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – no Censo de 2000 sobre os portadores de algum tipo de deficiência no Brasil são alarmantes e revelam que a deficiência caminha lado a lado com a exclusão econômica. Os resultados mostram que cerca de 24,6 milhões de pessoas apresentaram algum tipo de incapacidade ou dificuldade para enxergar, ouvir, locomover-se, ou alguma deficiência física ou mental, o que significa 14,5% da população total brasileira.

Em 01.06.1999, Fernando Henrique Cardoso, o então Presidente da República, decretou a criação do CONADE – Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (Decreto nº 3076) –, constituído por representantes de instituições governamentais e da sociedade civil, cuja função incluía, conforme o artigo 2º do referido decreto, a proposição de medidas e a constante fiscalização do cumprimento da política nacional para as pessoas deficientes. O Anexo dessa Portaria – Norma Complementar nº 01/2006, artigo 5º, alínea “b” prescreve “Audiodescrição, em Língua Portuguesa” em mídias. A audiodescrição é, pois, uma possibilidade de conferir acessibilidade aos deficientes visuais que têm o direito de exercer sua cidadania e frequentar espaços culturais com mobilidade e segurança.

No Brasil, onde é tímida a audiodescrição aplicada a filmes e teatros, ainda menos comum é a tradução de imagens e obras de arte, e a grande maioria de nossos museus e galerias de arte sequer incorporou a acessibilidade em seus espaços. “Se pensarmos

36

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37que o Brasil tem mais de dois mil museus e que pouco mais que vinte deles estão promovendo acessibilidade gradualmente, ainda é uma minoria”, diz Viviane Sarraf, especialista em museus acessíveis (disponível em internet, 2009).

A Lei 11904, de 14.01.2009, que regulamenta a atuação dos museus, estabelece em seu artigo 29 que “os museus deverão promover ações educativas, fundamentadas no respeito à diversidade cultural e na participação comunitária, contribuindo para ampliar o acesso da sociedade às manifestações culturais e ao patrimônio material e imaterial da Nação”.

Diante desse cenário, considera-se importante buscar respostas para as seguintes questões: a) é possível narrar imagens artísticas (pinturas) a deficientes visuais? b) como deve ser feita a narrativa das pinturas a deficientes visuais? c) é possível criar um modelo teórico de tradução de multimídia aplicável à audiodescrição?

GramÁtica do desiGn visuaL aPLicada À audiodescriÇão

De acordo com os autores Kress e Van Leeuwen (1996), a linguagem visual se constitui em um sistema simbólico de representação influenciado pelos princípios organizadores da significação em dadas culturas. Para compreendê-la, fundamentaram uma gramática visual, que se propõe a fornecer ferramentas técnicas para analisar de que forma as imagens representam as relações entre os elementos que nela encontramos: pessoas, lugares e objetos.

Essas relações nos alertam no sentido de que, para compreender toda a complexidade composicional de um texto visual, devemos observar cada recurso, por exemplo, a localização dos elementos entre si (esquerda, direita, parte superior, inferior, centro ou margem); a saliência, que se traduz no destaque realizado pelo recurso de posicionamento em primeiro ou segundo plano, contraste, nitidez, e a estruturação, conseguida pelos elementos que dividem ou enquadram o texto. (KRESS E VAN LEEUWEN, 1996:183)

“nu, FoLhas verdes e Busto”: audiodescriÇão À LuZ da GramÁtica do desenho visuaL

Recentemente todas as mídias, falada e escrita, divulgaram a notícia de um leilão na elegante galeria Christie’s de Nova Iorque na qual se negociou uma fabulosa quantia por um quadro: 81 milhões de euros na compra de Nu, folhas verdes e busto (Desnudo, hojas verdes y busto, Pablo Picasso, 1932).

Esse quadro, que foi exposto em público uma única vez, em 1961, durante a comemoração dos 80 anos do pintor, foi comprado na década de 50 pela colecionadora californiana Frances Lasker Brody, que o conservou em sua família até sua morte, em novembro de 2009.

“O quadro que descreveremos se chama Nu, folhas verdes e busto. Foi pintado por Pablo Picasso em 1932, em óleo e mede 162 cm x 130 cm. Apenas como recurso descritivo, dividiremos o quadro em duas metades, uma superior e uma inferior. Na metade superior, cobrindo todo o fundo do quadro, uma cortina em tons de azul cobre uma parede em tons de amarelo e vermelho. À frente do cortinado, ao lado direito do quadro, um pedestal sustenta uma cabeça ligeiramente inclinada: é o perfil de um homem meio calvo. Sua cor é levemente amarelada. O olhar do homem se dirige a um ramo com quatro folhas verdes que ocupa quase toda a

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38 metade superior esquerda do quadro. Entre a cabeça no pedestal e as quatro folhas verdes, projeta-se um perfil semelhante ao do busto, embora um pouco maior. É azul como a cor da cortina e seus lábios entreabertos tocam uma das folhas verdes. Na metade inferior do quadro, um corpo nu e de formas arredondadas estende-se em posição horizontal, de ponta a ponta. Do colo às coxas, o corpo se apresenta em posição frontal e deixa à mostra os seios e a genitália feminina, quase oculta pela coxa esquerda que se superpõe à coxa direita. O restante do corpo não aparece.O corpo tem matiz rosa, da cabeça aos seios, e a parte corresponde ao ventre e púbis é levemente mais clara. A cabeça da mulher está voltada para cima e pende para trás. Seus olhos estão cerrados e os lábios estão levemente entreabertos. Uma mancha em tom lilás se estende desde a nuca à orelha direita. Os cabelos lisos e em tons de amarelo se espalham na altura do pescoço e do ombro direito. Os braços, relaxados atrás da cabeça, encontram-se em semicírculo. A palma da mão esquerda está aberta, próxima aos cabelos. Dois traços oblíquos dividem o corpo da mulher. Um dos traços estabelece uma linha que vai dos seios à cabeça no pedestal, como se fosse uma sombra. O segundo traço oblíquo sobe do pescoço até o galho de uma das folhas verdes. No extremo inferior esquerdo do quadro, próximo à mão esquerda e aos cabelos, uma metade de prato redondo, sem cor, ostenta três frutas inteiras em tons de vermelho e laranja.”

consideraÇÕes Finais

Acreditamos que olhar, educado à luz da gramática do desenho visual, proporciona uma percepção semiótica que permite compartilhar uma obra de arte com um público portador de deficiência visual, de modo que o possível receptor perceba a referida mensagem como um todo harmônico, e da forma mais parecida como o faz uma pessoa que vê.

Nem sempre é possível tocar em uma obra e mesmo a confecção de réplicas não dá conta de detalhes como a cor que, ao contrário do que muitos pensam, é uma importante informação que não deve ser sonegada ao deficiente visual. As cores fazem parte do inventário social da humanidade, estão associadas a representações de conhecimento coletivo como bandeiras, brasões, uniformes de agremiações esportivas, aparecem em construções linguísticas como metáforas, refrãos etc.

1. Nu, folhas verdes e busto (Desnudo, hojas verdes y busto, Pablo

Picasso, 1932)

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39 A tradução de uma imagem, facilitada pela gramática do desenho visual, torna possível compartilhar o modo pelo qual seus recursos topológicos se estruturam e dão coesão a uma obra de arte. Outros elementos como a saliência e a saturação de uma cor, podem constituir pistas para a apreciação de uma obra de arte. E esse é o principal objetivo deste trabalho, qual seja, compartilhar com os deficientes visuais uma experiência estética que, de outro modo, lhe é inacessível.v

REFERÊNCIAS#BR ASIL. Pesquisa sobre deficientes no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2000.#BR AUN, S. (2007) Audio Descr iption from a discourse perspective: a socially relevant framework for research and training. Linguistica Antverpiensia NS 6, Audiov isual Translation: A Tool for Social Integration, Josélia Neves & Aline Remael (Eds.). Disponível em <http://epubs.surrey.ac.uk/translation/1/>. Acesso em 5 set. 2008.#CINTAS, D. J. Traducción audiov isual y accesibilidad. In: Traducción y acessibilidad: subtitulación para sordos y audiodescr ipción para c iegos: nuevas modalidades de Traducción Audiov isual. Frankfur t: Peter Lang GmbH, 2007.#KRESS, G. & VAN LEEUWEN, T. Reading images: the grammar of the design v isual. London: Routledge, 1996. _ _ _ _ _ _. Multimodal Discourse: the modes and media of contemporar y communication. New York: Oxford University Press Inc, 2001.#PAYÁ, P. M. La audiodescr ipción: traducciendo el lenguaje de las cámaras. In: Traducción y acessibilidad: subtitulación para sordos y audiodescr ipción para c iegos: nuevas modalidades de Traducción Audiov isual. Frankfur t: Peter Lang GmbH, 2007.#<http://senado.gov.br/sf/legislacao/const>. Acesso em 22 ago. 2008.#<http: //http://sentidos.uol.com.br/canais/mater ia.asp?codpag=13336&cod_canal=15>. Acesso em 12 maio 2010.#<http://www.chr ist ies.com/features/Pablo-Picassos-Nude-Green-Leaves-and-Bust-632-3.aspx>

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ARTE, EDUCAÇÃO E INCLUSÃO:

ORIENTAÇÕES PARA AUDIO-DESCRIÇÃO EM

MUSEUS

08

Francisco José de liMa Paulo andré de Melo vieira ediles revorêdo rodrigues siMone são Marcos Passos

CAMINHOS PAR A INCLUSÃO

introduÇão

acesso à arte não pode ficar dissociado do processo de desenvolvimento e conscientização dos sujeitos cognoscentes, pois lhes traz informações que ampliam o saber acerca de sua própria identidade e inserção no mundo da história, ainda que, enquanto história, ela, a arte, vinha sendo excludente, fato contra qual os sujeitos com deficiência vêm agora lutar para transformar.

A arte é, sem sombra de dúvida, cultura, educação, lazer e via de socialização humana. Por conseguinte, tal possibilidade humanizante não pode continuar a ser negada à pessoa humana com deficiência visual num mundo que se queira justo e inclusivo.

Um meio de minimizar a exclusão cultural a que as pessoas com deficiência têm sido submetidas está na oferta de um recurso tradutório da imagem em palavras, conhecido como audio-descrição. Esse recurso não só é de direito constitucional da pessoa com deficiência visual, uma vez que a todos é devido o direito à informação, à educação e ao lazer, quanto é viável, empregando recursos econômicos razoáveis na forma da lei.

a reLevância da arte no cenÁrio educacionaL

Conforme se pode conferir, os Parâmetros Curriculares Nacionais do ensino fundamental afirmam que o exercício da cidadania se dá pelo acesso de todos a todas as riquezas culturais apresentadas na vida social. Esse acesso às riquezas culturais, na maioria das vezes, se dá por meio das instituições de ensino. Segundo se lê nesse documento, esse recurso cultural vai desde o domínio da língua falada e escrita, reflexão matemática, percepção de mundo, explicações científicas até a capacidade de compreender obras de artes e mensagens estéticas.

A arte como educação:

A arte está presente na vida do homem desde o início da história da humanidade. Porém, o valor científico e cultural atribuído a essa área é recente, tendo acontecido no século XX (junto com as transformações educacionais ocorridas na época), quando se passou a preocupar com o processo de aprendizagem do aluno.

Foi assim que, inicialmente, a arte foi compreendida como manifestação espontânea e autoexpressiva do sujeito, o que trouxe contribuições significativas para formação de um indivíduo valorizado em sua plenitude. Isso se deu mais visivelmente com a reflexão, iniciada na década de 60, pois, com ela, a arte volta a ganhar reconhecimento como

40

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41construtora do desenvolvimento cognitivo e intelectual do cidadão. Atualmente, tem-se desenvolvido pesquisas sobre o ensino da arte, resgatando a arte crítica e reflexiva; buscando compreender o modo de aprender dos artistas; analisando os conteúdos a serem ensinados e visando a conhecer o processo de aprendizagem dos alunos quando da relação com essa área de conhecimento.

Arte enquanto conhecimento:

A arte comunga com as áreas científicas, técnicas e filosóficas quanto ao caráter de criação e inovação, ambas significam a representação das diversidades culturais que permeiam raças e povos.

Assim como cada frase ganha sentido no conjunto do texto, realizando o todo da forma literária, na arte, cada elemento visual, musical, dramático ou de movimento tem seu lugar e se relaciona com os demais daquela forma artística específica. E, como cada elemento artístico “relaciona-se com os demais”, entende-se que quando não se tem acesso a ele, seja qual for a razão, há prejuízos na compreensão do todo de determinada construção criativa; daí o esforço de restauradores que empenham-se em recuperar o que os séculos fizeram esvair, para que se possa ter de volta, por pesquisa e esmerado trabalho, a íntegra do que nos legou um dado artista, ou grupo deles. A preocupação em garantir a todos o acesso à totalidade do que nos comunica uma dada obra de arte, prova de seu valor, também deve ser assegurado ao indivíduo com deficiência visual, pois se hoje são investidas grandes quantias financeiras para que muitos cidadãos, graças ao trabalho de restauração, não percam o acesso ao testemunho histórico presente numa dada forma de arte, não seria razoável permitir que vários outros, por questão de deficiência, permaneçam alheios ao que lhes pode comunicar uma vasta quantidade de obras artísticas.

Portanto, se investimos em restauração, devemos investir também em acessibilidade, pois ambos os esforços visam igualmente a assegurar o contato do indivíduo com a informação.

audio-descriÇão: uma Fusão PerFeita entre arte e LinGuaGem

A importância e a relação da linguagem e da arte na formação do sujeito crítico e participativo são claras e notórias, assim como de todas as outras áreas do conhecimento que não podem ser negadas às pessoas com deficiência visual. Portanto, o recurso audio-descritivo precisa ser valorizado e aproveitado para que a existência dessas pessoas seja cada vez mais produtiva e significativa enquanto cidadãos.

A audio-descrição é um recurso de tecnologia assistiva que permite a inclusão de pessoas com deficiência visual, junto ao público de produtos audiovisuais. O recurso consiste na tradução de imagens em palavras. É, portanto, também definido como um modo de tradução audiovisual intersemiótico, onde o signo visual é transposto para o signo verbal. Essa transposição caracteriza-se pela descrição objetiva de imagens que, paralelamente e em conjunto com as falas originais, permite a compreensão integral da narrativa audiovisual. Como o próprio nome diz, um conteúdo audiovisual é formado pelo som e pela imagem, que se completam. A audio-descrição vem então preencher uma lacuna para o público com deficiência visual.1

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42 Alhures, ao escrevermos a respeito da audio-descrição, assim nos expressamos:

Uma técnica de tradução visual surge na década de 1980 e vem se mostrando eficaz na comunicação dos elementos visuais às pessoas com deficiência visual, já sendo a sua utilização prevista em lei no Brasil. Trata-se da audio-descrição, serviço de tecnologia assistiva que consiste na identificação e elocução de elementos visuais essenciais à compreensão e apreciação das imagens presentes nas obras teatrais, cinematográficas, televisivas, literárias, jornalísticas, científicas, artístico-culturais, entre outras, destinada principalmente às pessoas com deficiência visual, com dislexia, pessoas analfabetas, ou que não saibam o idioma em que um filme ou programa está sendo exibido.

O foco da audio-descrição é oferecer ferramentas para tornar o mundo das imagens acessível àqueles que não as veem, tornando tais imagens significativas, portanto, igualmente relevantes para as pessoas com deficiência visual, tanto quanto para os indivíduos que enxergam. Na audio-descrição, as imagens falam aos sujeitos que não as veem (com a mesma magnitude e beleza), agora, por meio da voz ou da escrita do audio-descritor. A audio-descrição faz parte do campo da tradução visual e é produzida segundo diretrizes técnicas pré-estabelecidas, dentre as quais a da oferta de narração dos elementos visualmente observados, nos intervalos/pausas entre as falas dos personagens, nas imagens contidas em livros e em legendas descritivas.

O propósito da audio-descrição é propiciar às pessoas com deficiência visual, cegas ou com baixa visão, um quadro mais completo do que está sendo mostrado, viabilizando-as a participar de uma dada apresentação com a qualidade permitida a uma pessoa sem deficiência visual.

Utilizando-se técnicas de audio-descrição de imagens estáticas, é possível aplicar o recurso no ambiente dos museus onde podem ser encontradas esculturas, pinturas e demais obras de arte para a apreciação de todos. Para a aplicação da audio-descrição nesses ambientes será necessária a aplicação das técnicas de audio-descrição de imagens estáticas. Este artigo se propõe também a colaborar na divulgação de orientações que auxiliem os audio-descritores na feitura da descrição de elementos visuais encontrados nos museus.

Para que se empreendam audio-descrições que sejam, não apenas padronizadas, mas também fiéis ao conteúdo da obra, algumas diretrizes de caráter geral têm sido aceitas pelo público com deficiência como sendo razoáveis na comunicação dos elementos essenciais à sua compreensão.

Expandindo as orientações de que na audio-descrição se deve atentar para o que descrever e o como descrever, elencamos aqui cinco diretrizes na elaboração de descrições de imagens estáticas:2

1. Ser objetivo – conforme (Audio Description Coalition, 2009, p. 2; LARRS3, s.d.; ACB4, 2009, p. 9) não trazer inferências em termos de intenções de personagens, ou juízos a respeito da imagem que possam sobrepor-se à capacidade do espectador de tirar suas próprias ilações.

2.Ser breve – deve-se tomar como referência o tempo que os visitantes videntes passam na observação de uma dada obra de arte; as imagens presentes nos catálogos e folders disponíveis nos museus vêm acompanhadas de textos, então o espaço disponível para a audio-descrição fica fisicamente reduzido, mais uma razão para ser conciso no trabalho descritivo;

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433. Ser descritivo – lançar mão de um vocabulário variado e fiel às diferentes nuances dentro de uma mesma determinada categoria de coisas;

A textura pode ser descrita como lisa, acetinada, grossa, granulada, áspera, usada, desbotada, coçada, gretada, rota, ondulada, canelada, padronizada, listrada, às pintas e picotada. A cor pode ser descrita como intensa, nítida, brilhante, clara, escura, apagada, pálida, desmaiada, sólida ou mesclada. Não há necessidade em evitar referenciar cores, no pressuposto que não tem sentido para os visitantes cegos. Em primeiro lugar, as descrições serão usadas por pessoas sem dificuldades visuais. Segundo, muitas das pessoas que agora são cegas já viram e conseguem recordar cores. Terceiro, por vezes as cores têm um significado simbólico nas obras de arte (apesar de frases interpretativas como “warm gold” ou “red angry” não deverem ser utilizadas). A técnica artística pode ser descrita como realista, abstracta, não natural, simplificada, detalhada, precisa, imprecisa, mal definida, borrada, salpicada, pincelada ou marcada.5

4. Ser lógico – várias diretrizes na literatura que vem sendo construída acerca de audio-descrição sugerem um sequenciamento padronizado nas informações que são comunicadas. Ir do todo para as partes (ADP Standards, 2009, p. 5); do primeiro plano passando pelo plano intermediário até ao plano de fundo; ir da esquerda para a direita; de cima para baixo são algumas delas (Audio Description Coalition, 2009, p. 19-20).

5. Ser rigoroso – uma das exigências de uma audio-descrição de qualidade é que seja feita uma pesquisa detalhada para que não se caia o descritor em descrédito ao compartilhar o seu trabalho globalmente.

Uma vez que as descrições fazem parte de uma experiência de um saber global das artes, deverão ser concretas e consistentes com outras fontes de informação referentes à peça de arte em questão. Poderá ser necessário recorrer a investigação já realizada para identificar correctamente imagens históricas, personalidades, localizações geográficas, tipos de vestuário, género de animais, elementos arquitectónicos, etc. No entanto, as descrições deverão evitar terminologia hermética (própria das artes) ou terminologia especializada que não seja familiar à maioria dos visitantes. Por exemplo, termos sobre estilos como sejam “abstracto” e “realista” serão facilmente compreensíveis o que já não acontece com “Geometric Abstractionist” e “French Academic”.6

Na linha de oferecer diretrizes para uma boa audio-descrição, ao treinar audio-descritores, Snyder (2010) costuma ensinar os seguintes fundamentos7:

1.Observação – a capacidade de ver o mundo de uma forma diferente, percebendo aquilo que num primeiro olhar costuma nos escapar;

2.Edição – selecionar o que vai ser descrito para que o essencial seja separado do que não é relevante;

3.Linguagem – utilização de um vocabulário rico para traduzir diferentes ações dentro de uma mesma categoria; sabendo, todavia ajustá-lo ao universo vocabular do cliente do serviço;

4.Habilidades vocais – a entonação correta com as pausas bem-marcadas na produção de sentidos.

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44 Das experiências com teatro e cinema, aproveitamos um conjunto de diretrizes, técnicas para a elaboração de audio-descrições que possam traduzir uma determinada obra de arte, colaborando definitivamente na sua compreensão por parte de uma vasta gama de cidadãos com deficiência.

A seguir, compilamos mais algumas dessas orientações bastante úteis e aplicáveis ao se empreender a audio-descrição em museus e mostras de Arte. São elas:

O total de áudio-descrição para uma dada mostra de objetos e imagens triviais deve ter a duração de duas vezes a quantidade de tempo que um visitante vidente típico pode passar explorando o trabalho. Por outro lado, a áudio-descrição de uma casa de época de grande importância histórica ou uma mostra que contenha artefatos de uma época ou cultura que não sejam familiares à maioria dos visitantes iria provavelmente durar, ao todo, três ou quatro vezes a quantidade de tempo que um vidente típico poderia passar visitando a exposição.8

O audio-descritor que acompanhe um grupo de alunos em determinada mostra artística ou histórica não necessita passar tempo em demasia alongando-se em detalhes de objetos de importância trivial. Poderá o descritor estender-se um pouco mais em seu trabalho tanto quanto maior destaque merecer o conteúdo que está sendo exibido. Um referencial fornecido é quanto tempo em média o visitante vidente passa em contato com um dado objeto na mostra.

Em sua série Museum of the Mind, Robert Sutter empreende a descrição de imagens de pinturas veiculadas através do rádio. Como nesta descrição da pintura a seguir9:

Nessa pintura, uma luz avermelhada se difunde na cena de outono e nos diz que cai à tardinha. O baixo ângulo do sol da tarde faz as encrespações sobre a água da embarcação que se desloca levemente, grandes no primeiro plano, contrastarem com a superfície espelhada do rio. Umas poucas árvores cobertas de cores do outono sobressaem-se de uma projeção de terra à margem esquerda do rio no fluxo por trás do barco de Schimitt e lançam os seus reflexos numa simetria perfeita sobre o espelho da superfície quieta do rio.

Detalhes que seguramente não são percebidos num primeiro olhar, nos são trazidos pela percepção do audio-descritor, a exemplo do que ele expressa ao usar os termos

1. Thomas Eakins. Max Schimitt num Barco Solitário, 1871

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45encrespações, projeção, simetria. Contudo, a descrição acima é formal, veiculada por rádio o que requereu fazer uso de um registro linguístico igualmente mais formal.

No exemplo ao lado, retirado da Revista Brasileira de Tradução visual, podemos aquilatar a leveza da audio-descrição, de sua clareza linguística e da acessibilidade que dá à arte da fotografia.

Fotografia em preto e branco nas dimensões 15 cm x 21 cm e formato retrato, onde se veem, em primeiro plano, duas figuras humanas – um homem e uma mulher – em um flagrante de carnaval. No segundo plano, mais ao longe, há pessoas desfocadas, em frente a uma construção de tijolos aparentes, com duas janelas. Vê-se, em parte, o lado esquerdo de uma mulher jovem, de rosto arredondado, de olhos escuros, a qual fita um ponto à esquerda além da foto. Ela usa chapéu de tonalidade clara e aba circular com laço de fita sobre a copa. A mulher tem a pele morena e traja uma fantasia carnavalesca com mangas volumosas, formadas em parte por tecido e em parte por lantejoulas circulares e brilhantes. Seus lábios, em um suave sorriso, deixam-lhe à mostra os dentes. Ela abraça um rapaz por trás, recostando-lhe a face direita no braço esquerdo, pouco abaixo do ombro. O homem é jovem, tem rosto alongado, cabelos curtos e crespos e a pele morena. Está com a face voltada para o rosto da mulher que o abraça. Os lábios do homem são grossos e estão levemente abertos. Ele traja uma camisa clara com desenhos de coqueiros no lado inferior esquerdo e usa um cordão escuro com pingente. Na mão direita, segura um pano à altura do abdômen.10

A audio-descrição pode, de fato deve estar presente em todas as imagens. Um exemplo cotidiano em que a falta de acessibilidade comunicacional pode ser percebida está no uso de logotipos sem descrição; no entanto, basta que se faça uma vez a audio-descrição para que a acessibilidade esteja presente em toda apresentação em que se fizer uso de uma dada marca ou logotipo, semelhantemente ao que se dará com um filme audio-descrito onde se poderá fazer quantas cópias forem necessárias. O trabalho será um, o custo será baixo e a acessibilidade será de muitos; por vezes, de dezenas de milhares. Como exemplo da audio-descrição aplicada a logotipos, tomemos a descrição do logotipo da Universidade Federal de Pernambuco elaborada por LIMA e VIEIRA (2008):

2.Fotografia Roberto Rômulo

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46 Numa moldura trapezoide de base curva, cuja linha de cima revela a extremidade superior de três tochas flamejantes, encontra-se a silhueta estilizada de um leão de perfil. Rugindo, ele ergue verticalmente uma tocha acesa. Tangenciando a parte inferior da moldura há uma fita ondulada, trazendo a epígrafe “VIRTUS IMPAVIDA”. Na parte inferior da fita, percebem-se as extremidades das tochas.

Barreiras atitudinais na audio-descriÇão

O recurso audio-descritivo possibilita a todos a apreciação das imagens na televisão, no cinema, no teatro, em museus. Permite maior socialização a todos dos conteúdos presentes nas diversas formas de expressões culturais.

Pessoas com alguma deficiência, seja visual, auditiva, intelectual ou mesmo física, enfrentam barreiras para sua inserção social, muitas vezes, chegando a situações de marginalização ou mesmo de desconsideração total de sua existência. E essa realidade tão cruel e desrespeitosa, com pessoas tão capazes quanto qualquer outra, se dá, principalmente, pelos obstáculos criados, ou mesmo não dizimados pelo próprio homem. Na esfera da inclusão cultural, por exemplo, as barreiras atitudinais podem ser vistas na falta de acessibilidade física aos ambientes como cinemas, teatros ou museus; na falta de acessibilidade comunicacional nos produtos desses ambientes e na falta de acessibilidade programática, tecnológica e metodológica para o atendimento de pessoas com deficiência.

De outra maneira posta, as barreiras atitudinais impedem o acesso das pessoas com deficiência a diversas instâncias da convivência social, isto é, elas fazem oposição ao conceito de acessibilidade atitudinal definido por Sassaki (2007) nos seguintes termos: “Sem preconceitos, estigmas, estereótipo e discriminações, como resultado de programas e práticas de sensibilização e de conscientização das pessoas em geral e da convivência na diversidade humana.”

As barreiras sociais podem se manifestar em diversas etapas do processo de feitura da audio-descrição das imagens presentes no mundo das artes como Lima et al discorre no artigo intitulado Áudio-descrição: orientações para uma prática sem barreiras atitudinais:

Barreira Atitudinal de Generalização: acreditar que pelo fato de uma determinada pessoa com deficiência preferir determinado tipo de audio-descrição, todas as outras pessoas com a mesma deficiência irão desejá-lo igualmente.

3. Logotipo da Universidade Federal de Pernambuco

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47Barreira Atitudinal de Ignorância: está arraigada no desconhecimento do audio-descritor a respeito das características do público-alvo.

Barreira Atitudinal de Medo: deixar de utilizar durante as descrições palavras como “cegueira” ou “surdez” por medo de ofender um grupo de espectadores com deficiência.

Barreira Atitudinal de Rejeição: recusar-se a interagir com os usuários do serviço de audio-descrição e seus acompanhantes, adotando comportamentos hesitantes diante da possibilidade de ter o seu trabalho avaliado ou de se ter um contato mais aproximado com esse público.

Barreira Atitudinal de Propagação da deficiência: relacionar uma deficiência com uma outra, julgando, por exemplo, que uma pessoa com deficiência visual precisa de mais explicações de uma cena por não poder compreendê-la satisfatoriamente; ou falar mais alto para ela pelo simples fato de ser cega.

Barreira Atitudinal de Inferioridade: basicamente é subestimar a capacidade da pessoa com deficiência.

Barreira Atitudinal de Comparação: comparar os espectadores com deficiência com aqueles que não têm deficiência, julgando que os primeiros têm como única motivação para ir ao cinema, teatro etc., a oferta de audiodescrição.

Barreira Atitudinal de Piedade: leva a um tratamento infantilizante para com espectadores com deficiência visual.

Barreira Atitudinal de Adoração do Herói: não encarar como natural o fato de uma pessoa com deficiência poder assistir a um filme no cinema ou ir ao teatro, encarando isso como espetacular o fato em si e não o evento artístico. Deve-se lembrar aqui que o espetáculo continua sendo o espetáculo e não a pessoa com deficiência que o está assistindo.

Barreira Atitudinal de Baixa Expectativa: crer que pessoas com deficiência visual não se interessam por eventos artísticos.

Barreira Atitudinal de Compensação: diz respeito a qualquer tipo de exagero na descrição visando compensar a deficiência visual.

Barreira Atitudinal de Exaltação do modelo: usar a imagem do espectador com deficiência, usuário do serviço de audio-descrição, como modelo de persistência, coragem e superação diante dos demais espectadores.

Barreira Atitudinal de Negação: considerar os espectadores com deficiência da mesma forma que os demais espectadores, não levando em consideração as necessidades reais e específicas advindas de sua deficiência.

Barreira Atitudinal de Substantivação da deficiência: denominar uma pessoa com base em uma de suas características, o “cego”; “o surdo”; etc.

Barreira Atitudinal de Segregação: obrigar as pessoas com deficiência, usuárias do serviço de audio-descrição, a ocupar determinados assentos no auditório, agindo de modo a segregá-las, não lhes permitindo a tomada de decisão sobre onde desejam sentar-se.

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48 Barreira Atitudinal de Adjetivação: adotar adjetivos para designar as pessoas com deficiência, atribuindo-lhes classificações pejorativas como “lentas”, “distraídas”, “desmemoriadas” etc.

concLusão

A arte, via de inclusão social nas mais diversas vertentes, precisa estar disponível a todos, em todas suas formas.

O museu, casa do conhecimento, da educação e do lazer, é morada da cultura, da arte e da mais verdadeira forma de registro do conhecimento humano. Não pode, assim, estar inacessível às pessoas com deficiência, nem por ser fisicamente inacessível, menos ainda, por estar inacessível por barreiras comunicacionais ou por barreiras atitudinais de seus curadores, de seus monitores e demais operadores do sistema.

Logo, propiciar meios com os quais as pessoas com deficiência possam desfrutar do que oferece o museu é meta que devemos perseguir, mormente derrubando as barreiras atitudinais, grandes responsáveis por toda sorte de obstáculo à inclusão dessas pessoas no seio social, cultural, educacional e de lazer.

Afastando as barreiras atitudinais no processo tradutório da oferta do serviço, a audio-descrição nos museus, teatros, cinema irá possibilitar a interação do indivíduo com o conteúdo e o mundo a sua volta, pois lhe garantirá o acesso ao mundo da arte, traduzido com palavras que, por si só eliciam imagens na mente de quem as ouvem.

Destarte, a reflexão a respeito dessas barreiras é pertinente para remoção de entraves à construção de uma sociedade justa, que não desperdice tantos potenciais individuais com base em crenças equivocadas historicamente construídas e baseadas em puro preconceito.

Quando, então, isso se der, teremos construído a maior das artes, a arte das artes, a primeira arte:

Uma sociedade humana em que basta ser humano para dela fazer parte, desfrutar, ser respeitado e respeitar. A pintura estará feita; a escultura, finalizada a obra-prima, será a mãe de todas as obras, será o sol que ilumina, esquenta e faz viver a vida.v

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NOTAS E REFERÊNCIAS1. Disponível em: <http://www.audiodescr icao.com/home.htm>. Acesso em: 08 jun. 2010.2. Disponível em: <http://www.acesso.umic.pt/museus/imgmuseus.htm>. Acesso em: 02 jun. 2010.3. Disponível em: <http://www.larrs.org/guidelines.html>. Acesso em: 07 jun. 2010.4. Disponível em: <http://www.acb.org/adp/docs/ADP_Standards.doc>. Acesso em: 07 jun. 2010. 5. Disponível em: <http://www.acesso.umic.pt/museus/imgmuseus.htm>. Acesso em: 02 jun. 2010.6. Disponível em: <http://www.acesso.umic.pt/museus/imgmuseus.htm>. Acesso em: 02 jun. 2010.7. Disponível em: <http://www.audiodescr ibe.com/about/ar ticles/fundamentals_of_ad.pdf>. Acesso em: 01 jun. 2010.8. Disponível em: <http://www.audiodescr iptionsolutions.com/auddescmuseum.htm>. Acesso em: 10 jun. 2010.9. Disponível em: <http://www.acb.org/adp/museumpainting.html>. Acesso em: 01 jun. 2010.10. Descr ição de Ernani Ribeiro e Lív ia Guedes. Disponível em: <http://www.rbtv.associadosdainclusao.com.br/index.php/pr incipal/issue/v iew/2>

#LIM A, Francisco José de; GUEDES, Lív ia Couto; GUEDES, Marcelo Couto. Áudio-descrição: or ientações para uma prática sem barreiras atitudinais. D isponível em: <http://www.rbtv.associadosdainclusao.com.br/index.php/pr incipal/ar ticle/download/28/22>. Acesso em: 02 jun. 2010.<http://www.acesso.umic.pt/museus/imgmuseus.htm>. Acesso em: 02 jun. 2010.<http://www.acb.org/adp/docs/ADP_Standards.doc>. Acesso em: 07 jun. 2010.<http://www.audiodescr ibe.com/about/ar ticles/fundamentals_of_ad.pdf>. Acesso em: 01 jun. 2010.<http://www.audiodescr icao.com/home.htm>. Acesso em: 08 jun. 2010.<http://www.audiodescr iptionsolutions.com/auddescmuseum.htm>. Acesso em: 10 jun. 2010.<http://www.cear t.udesc.br/rev ista_dapesquisa/volume3/numero1/plasticas/adr iane-mar iacr ist ina.pdf >. Acesso em: 24 nov. 2009.<http://www.larrs.org/guidelines.html>. Acesso em: 07 jun. 2010.<http://www.rbtv.associadosdainclusao.com.br/index.php/pr incipal/issue/v iew/2>. Acesso em: 08 jun. 2010.

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COMO VEMOS A CEGUEIRA?

ALGUMAS RESPOSTAS: UMAS BOAS,

OUTRAS NÃO

09João vicente ganzarolli de oliveira

CAMINHOS PAR A INCLUSÃO

Perder a visão é uma fatalidade; mas perder a esperança é o maior crime que se pode cometer contra a vida. Sor Gabriel, personagem de A noite é o meu reino

m filme precisa ser terminado, ainda que às cegas”, diz o protagonista cego de Los abrazos rotos (Abraços partidos, 2009). Será verdade? Pouco importa; não é esse o tema dessas linhas e a cegueira não é o foco central naquele filme recente de Pedro Almodóvar. O ator Lluis Homar vê normalmente na vida real, mas desempenha com eficácia o papel do personagem cego Harry Cane. Isso, em si, já é motivo de destaque, pois nem sempre a deficiência é representada com a devida fidelidade nas telas do cinema. City Lights (Luzes da cidade, 1931), estrelado e dirigido por Charles Chaplin e com Virginia Cherrill no papel da florista cega, é uma das maiores obras-primas da história do cinema. Muito menos conhecido, mas também uma obra-prima, é La nuit est mon royaume (A noite é meu reino, 1951), dirigido por Georges Lacombe. Um acidente traz a cegueira ao ferroviário Raymond Pinsard, interpretado por Jean Gabin, premiado na Bienal de Veneza daquele mesmo ano, devido à sua atuação magistral. O apoio da família, de outros cegos e, principalmente, o de sua professora de Braille, por quem se apaixona e é retribuído, dá novo sentido à vida de Raymond. Gabin levou a sério a tarefa de interpretar um cego: treinou durante meses, sob a orientação de especialistas. Estamos longe dos clichês, da demagogia, das caricaturas e da inverossimilhança que marcam alguns personagens cegos no cinema, tais como a protagonista de Dancer in the Dark (Dançando no escuro), de Lars von Trier. Isso para não falar no oportunismo e no desrespeito, beirando o sadismo, que servem de diapasão ao documentário A pessoa é para o que nasce (2004), do brasileiro Roberto Berliner.

Profumo di donna (Perfume de mulher, 1975), do cineasta Dino Risi e com Vittorio Gassman no papel principal, inspirado no livro Il buio e il miele (A escuridão e o mel) de Giovanni Arpino (vencedor do prêmio Moretti d’Oro em 1969), é um filme excelente. Em essência, Profumo di donna difere muito do posterior Scent of a Woman (Perfume de mulher, 1992), de Martin Brest, que teve sua fonte inspiradora no mesmo livro de Giovanni Arpino. O filme de Brest é comprometido pela inverossimilhança. O que pretendia Brest com a proposta de dar ao cego poderes que ele não é capaz de ter? Se a intenção era meramente fabulatória – e a arte tem esse poder (que até certo ponto é dever) de transfigurar a realidade –, o resultado foi negativo, pois foge da clave realista na qual a história é pautada; o cego “vidente” de Brest soa quase a um deus ex machina, já condenado por Aristóteles no teatro, o que indica a validade da mesma condenação para o cinema, arte representativa ele também.

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51Se Brest queria exaltar o cego perante a sociedade em geral, é provável que tenha obtido o resultado contrário. Em grande parte, o cego “paciniano” mostra-se admirável por ter poderes que não condizem com a cegueira e nem com a fisiologia humana: cegos na vida real não dirigem carros (menos ainda em disparada) e tampouco percebem cores mediante o olfato – o que, aliás, também é vetado ao olfato de quem vê. Das duas uma: ou a personagem exaltada não é cega de fato, ou então trata-se de uma noção errada de cegueira1. Embora deixe muito a desejar, o desempenho de Al Pacino como cego rendeu-lhe um Oscar. Em contrapartida, o ótimo Profumo di donna, de Dino Risi, foi esquecido pela mídia. Tornou-se raro; atualmente, seu acesso restringe-se a meia dúzia de colecionadores ou iniciados. Isso apenas confirma um fenômeno tão grave quanto evidente: cada vez mais, os critérios de aferição da qualidade artística se veem sujeitos a fatores externos que nada têm a ver com a qualidade do que se apresenta como arte.

Mais: nas duas alternativas há pouco referidas no filme de Brest (o protagonista na verdade não é cego, ou então trata-se de um conceito falso de cegueira), o homem cego na vida real nada tem a ganhar, mas muito a perder. O filme traz a informação implícita de que o cego não merece louvores, a não ser que deixe de ser o que ele realmente é. Não obstante, a história universal está repleta de personagens cegos interessantes devido ao seu caráter e as suas conquistas pessoais2. É plenamente possível fazer um filme bom sobre a vida dos cegos, mostrando as coisas tais como são. The Miracle Worker (O milagre de Anna Sullivan), de Arthur Penn (1962), é um filme primoroso, sob todos os ângulos. Conta a história real de Anna Sullivan e do seu empenho bem-sucedido para tirar Helen Keller da reclusão causada pela cegueira e pela surdez quase congênitas. Mais do que merecida foi a premiação dupla com o Oscar de 1963 para as atrizes Anne Bancroft e a então estreante Patty Duke. Tampouco há o que discordar do que disse a revista Time, na ocasião: “possivelmente será a mais comovente performance em dupla já gravada em filme”.

A deficiência define-se a partir de uma ausência. O deficiente carece de uma ou mais faculdades importantes; trata-se de uma carência que compromete as atividades do ser humano normal. Seria difícil encontrarmos uma sociedade que, ao menos em algum período da sua história, não discriminou os deficientes de alguma forma. Na Grécia Antiga existiram leis recomendando a sua eliminação. A deficiência revelava-se como uma das faces do não ser, categoria metafísica negativa combatida por Parmênides, Platão e Aristóteles, para citar apenas três gigantes do pensamento ocidental.

Há poucos anos, o Museu Nacional de Belas Artes da cidade do Rio de Janeiro começou a pôr em prática uma iniciativa louvável, inspirada no que já vem ocorrendo em diversos lugares do mundo: viabilizar o acesso dos deficientes à parte do seu acervo que se revela mais acessível a eles. O seminário Ver e sentir por meio do toque foi o marco zero de um projeto cujos benefícios são fundamentais para os deficientes e a própria sociedade em geral. Sendo um museu dedicado às artes visuais, é natural que a atenção se volte inicialmente para os cegos. É uma característica dos museus o acervo de caráter visual. E nisso nada há de arbitrário. Pelo menos 80% das nossas informações acerca do mundo chegam a nós por intermédio dos olhos; é inevitável que as artes sejam prioritariamente visuais.

A deficiência é um tema difícil. Seu estudo requer objetividade e determinação. A bibliografia relativa ao assunto é escassa e, muitas vezes, errada. O terreno é fértil para a demagogia e o oportunismo. Proliferam hoje em dia as ONGs e instituições diversas supostamente destinadas a defender os interesses dos deficientes. Contudo, muitas vezes os maiores beneficiados não são eles, mas sim os dirigentes e demais membros

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52 dessas instituições. Feito com verba pública, o filme referido de Berliner retrata bem esse contexto. Também é preciso ter cautela com a tirania dadaísta: apoiando-se no slogan falacioso segundo o qual “tudo é arte”, oportunistas diversos vêm impondo a aceitação de obras muitas vezes medíocres nas galerias, nos museus e na mídia em geral. Contraditório é que essas pessoas defendam a “liberdade de opinião”; em regra, recusam e atacam veementemente a qualquer um que apresente opinião diferente da sua. Cabe impedir que a deficiência seja mais um trampolim para aumentar o prestígio e o poder desses mesmos oportunistas.

Veio a calhar, naquele seminário recente, a exposição da professora Valeria Conde Aljan, do Instituto Benjamin Constant. Discorreu com precisão acerca da necessidade de que a população seja instruída sobre o modo correto de lidar com os cegos no dia a dia: desde a forma apropriada de auxiliá-los a cruzar uma rua até o vocabulário relativo à cegueira, sua palestra foi muito instrutiva. Falou também da inutilidade (e, em muitos casos, da nocividade) do linguajar politicamente correto (“portador de deficiência”, “não andante” e assim por diante) que se criou para tratar da deficiência. É mais do que hora de deixarmos de discutir palavras; os cegos e os outros deficientes precisam da aceitação devida no corpo social, do apoio dos órgãos competentes, bem como de medidas de alcance jurídico que garantam os seus direitos em todos os níveis da sociedade.

A pesquisadora Beatriz Pavão demonstrou conhecimento de causa ao tratar do acesso dos cegos aos museus e das condições específicas que a situação exige. Em sintonia com Beatriz, o coordenador da Seção Educativa do Museu Nacional de Belas Artes, Rossano Antenuzzi, expôs, juntamente com sua equipe, as linhas gerais do projeto em tela. De fato, é preciso que haja uma seleção das obras a serem apreciadas pelos cegos. O tema concentra-se na escultura, uma vez que as cores da pintura não se revelam a outro sentido que não sejam os olhos. Certas pinturas poderão ser “traduzidas” por meio de relevos a serem tocados pelos visitantes cegos. Estátuas relativamente pequenas e de formas simples são as mais adequadas ao tato.

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, ensina a sabedoria popular. É um radicalismo negar sistematicamente ao cego a possibilidade de tocar as esculturas, conforme apontou a artista plástica Virginia Vendramini na sua palestra. Mas o extremo oposto também é nocivo, como ela mesma destacou: se todos os visitantes passarem a tocar as esculturas, muitas delas se desgastarão num espaço curto de tempo. Encontrar o meio-termo adequado é um dos desafios que se apresentam aos museólogos e demais responsáveis por projetos dessa envergadura.

Esperemos que a iniciativa do Museu encontre o devido reconhecimento e respaldo por parte da sociedade; e que os benefícios aos cegos sejam estendidos aos outros deficientes. Naturalmente, isso precisará contar com a colaboração das artes não especificamente visuais. É preciso que os cinemas, as salas de concerto, os teatros e demais casas de espetáculos abram as suas portas ao deficiente. Claro está que isso inclui adaptação adequada dos projetos de arquitetura e engenharia civil, particularmente no caso dos paraplégicos; os deficientes mentais precisarão contar com acompanhantes especializados; na medida do possível, os surdos deverão ser assessorados por conhecedores da linguagem de sinais. Sabemos que Roma não foi feita num dia só. O caminho é longo e árduo. Mas é preciso começar a percorrê-lo. Em vez de nos perguntarmos por que devemos tornar os filmes, as músicas, as esculturas e demais obras de arte acessíveis aos deficientes, é hora de insistir na pergunta oposta: por que não? O que estamos esperando? Mão à obra!v

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NOTAS E REFERÊNCIAS1. Falei desse mesmo problema anter iormente (cf. GANZAROLLI DE OLIVEIR A. 2000: 10; _ _ _ _ _ _. 2002: 156 a 161; _ _ _ _ _ _. 2007: 162 e 163).2.Ver, por exemplo, o excelente livro do espanhol Jesús Montoso Martínez: Los ciegos en la historia, Madr i, ONCE, 1992; e também o do francês Louis Ciccone: Les musiciens aveugles dans l’histoire, Par is, L’Harmattan, 2001.

#CICCONE, Louis. Les musiciens aveugles dans l’histoire. Par is: L’Harmattan, 2001.#GANZAROLLI DE OLIVEIR A, João Vicente. Cécité: ni le préjugé ni le mythe. In: Le Valentin Haüy. Par is: 2000, 4º tr imestre, nº 60._ _ _ _ _ _. Do essencial inv isível: ar te e beleza entre os cegos. Rio de Janeiro: Revan/FAPERJ, 2002. _ _ _ _ _ _. Por que não eles? ar te entre os defic ientes. São Paulo: Cidade Nova, 2007.#MONTOSO M ARTÍNEZ, Jesús. Los c iegos en la histor ia. Madr i: ONCE, 1992.

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A ARTE E O PERCEBER: A EXPERIÊNCIA DO

ATELIÊ DE ARTES PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL

10ana carMen Franco nogueira

CAMINHOS PAR A INCLUSÃO

Ateliê de Artes para Pessoas com Deficiência Visual iniciou seus trabalhos em 2004, em parceria com o Projeto Acesso do Centro Brasileiro Educacional de Apoio Pedagógico Especializado ao Deficiente Visual na cidade de São Paulo. Hoje o Ateliê não é ligado a nenhuma instituição, mas mantém a busca do acesso às expressões artísticas de pessoas com deficiência visual.

O interesse em trabalhar com pessoa com deficiência visual surgiu através da convivência com uma colega de classe em um curso de Direito que, por sinal, nunca terminamos. Na época, nos chamava muito a atenção o fato de que a capacidade de ver ou não ver era muito variável e, justamente por isso, causava muitos conflitos e total falta de compreensão por parte dos colegas e professores.

O mundo da deficiência visual nos era totalmente desconhecido. O ver e o não ver apresentavam um grande desafio. E foi exatamente esse desafio que nos levou a procurar compreender como a pessoa com deficiência visual percebe o mundo e como dar a ela acesso à cultura e à arte.

O início do século XXI trouxe uma série de esperanças e expectativas de como a humanidade pretendia construir o milênio que se iniciava. A Carta para o Terceiro Milênio de 1999, da REHABILITATION INTERNATIONAL, continha uma proposta inovadora em relação à temática da inclusão.

A Carta falava como o progresso científico do século XX aumentou nossa compreensão sobre o valor inviolável da vida de cada ser humano. E, embora tenha havido essa valoração da vida, a ignorância, o preconceito, a superstição e o medo ainda dominam grande parte das respostas da sociedade em relação à deficiência. Está cada vez mais claro que precisamos aceitar a deficiência como parte da vida humana, visto que pelo menos 10% das pessoas já nascem ou adquirem, durante a vida, uma deficiência em qualquer sociedade.

A Carta para o Terceiro Milênio propunha a profunda compreensão sobre o acesso a todos os recursos da comunidade, “eliminando barreiras ambientais, eletrônicas e atitudinais que, ainda hoje, se oponham à plena inclusão do deficiente na vida comunitária”.

Segundo Vigotsky (1997: 19 - 27) o que realmente decide o destino de uma pessoa não é a deficiência em si mesma, mas sim as consequências sociais, suas realizações psicossociais. Uma criança com alguma imperfeição não é inevitavelmente uma criança deficiente. O grau da sua imperfeição e da sua normalidade irá depender do equilíbrio

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55social (la compensación social). Somente a cegueira ou outros defeitos parciais não transforma o indivíduo em deficiente. A deficiência perturba o curso normal do contato da criança com a cultura de seu meio e essa cultura, por sua vez, está adaptada a uma pessoa sem defeitos ou problemas físicos ou mentais. O que torna uma pessoa cega ou com baixa visão um deficiente, é sua exclusão da sociedade, do mundo cultural, do universo do vidente.

A nossa cultura muitas vezes faz com que a exploração do mundo por outros sentidos que não o da visão seja dificultado. Quantos “não toque”, “não cheire”, “não pise” ou “não sinta”, nos são impostos sem que percebamos?

[...] Olha teu corpo compreende e é o sentido, o assunto principal, e contém e é a alma. (WHITMAN apud LEHRER, 2009: 17)

Será o corpo uma grande razão?

Pensar o corpo como uma grande razão é o modo que encontramos para desenvolver os trabalhos dentro do ateliê.

Nossa grande questão era como dar acesso às poéticas artísticas, às experiências do mundo, tendo como referencial não a percepção da pessoa com visão, mas sim, o não vidente.

Estar diante de uma pessoa cega ou com baixa visão é estar diante de experiências conflitantes, diferentes das nossas, e este contato nos coloca diante de diferentes percepções, diferentes maneiras de perceber o mundo.

Por meio dos estudos feito pela professora Elcie Masini compreendemos que “para poder saber do DV, é pois necessário aproximar-se de seu corpo e da experiência que ele tem através dos sentidos de que dispõe, de maneira total e não fragmentada”. (MASINI, 1994: 91)

Ao pensarmos em pessoas cegas nos vem à mente a sua capacidade de conhecer e saber do mundo.

Por ser a visão o sentido que mais nos coloca em contato com as coisas, principalmente à distancia e em detalhes, parece no mínimo intrigante pensar como o cego estrutura seu mundo mental e como se apropria do conhecimento das coisas que não pode vivenciar pelo tato, olfato e audição – como o conceito de lua e nuvem, por exemplo. (ORMELEZI 2000: 37)

A pessoa com deficiência visual parece ser alvo constante de interrogação por parte daquele que possui o sentido da visão.

Como ela consegue? Como ela entende? Como ela aprende?

Para que uma pessoa com deficiência visual se organize no mundo é preciso fornecer oportunidades para a exploração de todas as experiências perceptivas. Precisamos derrubar as placas do “Não toque”, e levar em conta os outros sentidos e relembrar que existem muitos receptores sensoriais para conhecermos o mundo em que vivemos, uma vez que “Há mais razão no teu corpo do que na tua melhor sabedoria.” (NIETZSCHE 2009: 44)

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56 Então, qual é a chave de acesso para tornar visível o invisível, dizível o indizível, pensável o impensável? Como afirmar a potência criadora da arte para todas as pessoas?

Cada um percebe o mundo de acordo com o seu conhecimento. É através de nosso corpo que percebemos o mundo.

A cada momento, meu corpo perceptivo é preenchido de reflexos, de estalidos, de impressões táteis fugazes que não posso ligar de maneira precisa ao contexto percebido e que, todavia, eu situo imediatamente no mundo, sem confundi-los nunca com minhas divagações. (MERLEAU-PONTY 2006:5 -6)

Devemos oferecer oportunidade de aprender a perceber. Lembrando Merleau-Ponty(2004:20), é preciso deixar que as coisas entrarem em nós ou que o espírito saia pelos nossos sentidos para passear nas coisas.

O fazer artístico é um reflexo da interpretação de um objeto de estudo. Do interno para o externo, é uma realidade interpretada.

Masini (2008: 74), de acordo Merleau-Ponty (2006), considera que para compreender a complexidade do aprender destes sujeitos é preciso ter conhecimento de suas experiências perceptivas. É preciso acompanhar suas manifestações e sua relação com os objetos no uso de seu corpo como fonte de sentidos. É preciso ouvi-lo sobre o que faz e como percebe o que o cerca e como é para ele essa experiência, ou seja, ouvi-lo sobre sua experiência perceptiva.

Não se poderia, pois pensar no aprender senão pelo seu viver factualmente. Isso torna claro que é preciso partilhar com o aprendiz do conjunto dos caminhos de seu corpo, no fazer do dia-a-dia, para saber da sua experiência perceptiva (Ibid. : 79).

Repetindo Merleau-Ponty (2004: 16), assim como o artista empresta seu corpo ao mundo para tornar visível o que passou por ele, a pessoa com deficiência visual pode fazer uma descrição de sua experiência perceptiva de situações vividas e encontrar novas formas de linguagem e expressão. O deficiente visual irá compreender a obra de arte por meio de distintas fontes de informação (cinestésica, háptica, auditiva e proprioceptiva).

Desfrutar do processo criativo, é oferecer a oportunidade de reconstrução da personalidade, é dar autonomia e oferecer possibilidades de novas vivências e novos sentimentos, fazendo com que cada indivíduo tenha maior consciência para enfrentar suas escolhas. Possibilitar ao deficiente visual o fazer e o compreender arte, é uma maneira de ampliar o seu mundo e oferecer uma melhora na sua organização espacial e, consequentemente, uma melhora em todos os processos de aprendizagem, favorecendo sua socialização junto aos videntes.

Em nossa experiência dentro do Ateliê pudemos acompanhar o desenvolvimento e enriquecimento da capacidade criativa de cada um dos indivíduos que atendemos. O que nos fez observar a evolução de cada um não foi uma única obra criadora, mas o processo que se estabeleceu, através de realizações contínuas de decisões, da nova postura diante do aprender e da disponibilidade para um re-fazer transformador.

Ao planejarmos nossas aulas, pensamos em como assinalar os caminhos da aprendizagem, como incentivar o aluno a percorrer este caminho desperto para o novo

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57e para o desconhecido, como, enfim, aguçar a curiosidade. Por meio da arte podemos decifrar o mundo e a nós mesmos. A obra de arte e o fazer artístico proporcionam a experiência criadora onde nos diferenciamos e nos encontramos, “o pintor traz seu corpo para ver o que não é ele, o músico traz seu corpo para ouvir o que ainda não tem som, o escritor traz a volubilidade de seu espírito para cercar aquilo que se diz sem ele”. (CHAUI, 2002: 163)

A cada semestre apresentamos um projeto a ser desenvolvido pelos alunos baseado nas suas necessidades. O projeto para se tornar válido deve ter a aprovação de todos. Ao apresentarmos um artista, temos a intenção de apresentar a sua poética. Para desenvolver um trabalho de compreensão de diferentes poéticas, acreditamos ser preciso compreender o artista, o seu mundo, a sua busca e as suas faltas. Acreditamos que é preciso valorizar a bagagem de cada um e compartilhar conhecimentos que engrandeçam o grupo. Mesmo que os trabalhos sejam elaborados em encontros individuais, as dúvidas, descobertas e experiências são sempre compartilhadas. Acreditamos que para a compreensão do ato criativo a pessoa com deficiência visual deve compreender aquilo que está percebendo e ter capacidade de externar. É muito importante saber explorar, experimentar e compartilhar seu conhecimento.

O deficiente visual, assim como o vidente, quer utilizar a obra de arte como uma maneira de expressar algo, entender as relações humanas e refletir sobre o mundo.

A experiência concreta do fazer criativo, de dar “corpo” ao que estava em sua imaginação, de executar uma idéia, ofereceu a esses indivíduos a possibilidade de representar o seu mundo e de tornar visível o invisível. “Na arte, o ver não é tão importante quanto o tornar visível.” (KLEE, 2001: 31)v

1. e 2. Ateliê de Artes. (Foto AC. Nogueira)

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REFERÊNCIAS#Carta para o Terceiro Milênio. D isponível em: http://ww2.prefeitura.sp.gov.br//arquivos/secretar ias/saude/defic iencia/0008/Carta_para_Terceiro_ Milenio.pdf. Acesso em: 23 set 2003.#CHAUI, Mar ilena. Obra de Ar te e Filosofia. In: CHAUI, Mar ilena. Experiência do Pensamento: Ensaios sobre a obra de Merleau-Ponty. 1. ed. São Paulo: Mar tins Fontes, 2002. p. 151-195. Coleção tópicos.#KLEE, Paul. Sobre a arte moderna e outros ensaios. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. P. 126.#LEHRER, Jonah. Proust era um Neurocientista: Como a ar te antecipa a c iência. 1. ed. Alfragide: Lua de Papel, 2009. P. 271. Tradução Ana Carneiro. #M ASINI, Elc ie; F. Salzano. O Perceber e o Relacionar-se do Deficiente Visual: or ientando professores especializados. Brasília: Coordenador ia Nacional para Integração da Pessoa Por tadora de Defic iência, 1994. P. 159.#MERLEAU-PONTY, Maur ice. O olho e o espírito: seguido de A linguagem indireta e as vozes do silêncio e A dúv ida de Cézanne. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. P. 166.#MERLEAU-PONTY, Maur ice. Fenomenologia da Percepção. 3. ed. São Paulo: Mar tins Fontes, 2006.#NIETZSCHE, Fr iedr ich. Assim Falou Zaratustra. 4. ed. São Paulo: Mar tin Claret, 2009. p. 272. 2ª Reimpressão.#OR MELIZI, Eliana Mar ia. Os Caminhos da Aquisição do Conhecimento e a Cegueira: do universo do corpo ao universo s imbólico. 2000. f. 273. Disser tação (Mestrado) – Curso de Educação, Depar tamento de Psicologia e Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.#V YGOTSKI, Lev Semenov itch. Obras escogidas V: fundamentos de defectologia. Madr id: Visor, 1997.

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PROJETO APRENDER PARA ENSINAR: A MEDIAÇÃO

EM MUSEUS POR MEIO DA LÍNGUA BRASILEIRA DE

SINAIS (LIBRAS)

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ciBele lucena Joana zatz Mussi daina leyton

CAMINHOS PAR A INCLUSÃO

“aPrender Para ensinar” e a cuLtura surda

O projeto “Aprender para Ensinar” 1, idealizado em 2002, consiste na formação de jovens surdos como educadores, para que eles possam receber o público surdo no museu em “língua primeira” 2.

Para o linguista Élie Bajard, que observou o projeto “Aprender para Ensinar” entre 2005 e 2006, é um desafio para o MAM e seus professores-artistas (PA), que conduzem o processo de formação, orientar os jovens que não partilham sua língua. Uma vez que não existe, entre os PAs e os alunos Surdos, uma intercompreensão linguística, a situação requer a presença de professores-intérpretes (PI) que dominem ambas as línguas. Nessa singular situação de formação artística, a questão da diversidade das linguagens (com uso considerável de fotografias, vídeos, esquemas e filmes) se torna um ponto crucial. Por duas razões: a primeira, porque a imagem é uma linguagem que não pressupõe alfabetização prévia para ser compreendida; a segunda, porque o objeto de estudo é a própria arte (Bajard, 2005).

O espaço expandido de um curso continuado com jovens Surdos que se desdobra no atendimento de um grande público Surdo, traz aos frequentadores do museu a reflexão e compreensão de que a Libras não é um simples emaranhado de códigos visuais, mas uma língua de semiologia complexa, cujo aprendizado dá acesso a inesgotáveis dimensões de pensamentos e significados.

Antes de iniciado o trabalho contínuo com o público Surdo, desconhecíamos os desafios linguísticos que ele enfrenta para se comunicar. Durante muitos anos, os surdos foram considerados legalmente “incapazes”, e as escolas e centros de educação de diferentes partes do mundo proibiam a Língua de Sinais, obrigando os surdos a falarem a “língua dos ouvintes”. Todas as comunicações deviam ser orais 3.

Segundo Oliver Sacks (1998), o fato dos surdos não disporem de uma “língua primeira” os deixavam privados da capacidade de se comunicar, prejudicando a apreensão do conhecimento.

A existência milenar de línguas puramente escritas não foi suficiente para que se difundisse a noção de que a compreensão das ideias independe do som das palavras. Essa ainda é uma noção estranha para a maioria, porém sua compreensão é fundamental para o desenvolvimento da comunicação dos surdos.

O linguista Élie Bajard, ao contrário da concepção que vigorou até o final do século 19, considera que a língua utilizada pela comunidade surda

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60 é uma verdadeira língua, com um léxico e uma gramática singulares. [...] Ela é natural, isto é, um instrumento construído por um lento processo de elaboração, através da experiência comunicativa de várias gerações de uma mesma comunidade, e não por um inventor único, como é o caso do esperanto, por exemplo. Realizada por gestos, é uma língua que possibilita pensamento e comunicação. É um lugar-comum atribuir aos surdos uma capacidade de abstração baixa, sob o argumento das limitações dos sinais abstratos. Podemos fazer duas ressalvas a esse tipo de comentário. Primeiramente, muitas dificuldades de comunicação podem ser atribuídas à conquista tardia da língua. Em segundo lugar, limitações da Língua de Sinais podem encontrar sua origem num uso conjuntural por uma comunidade, e não na pretendida insuficiência de uma língua gestual.” (Bajard, 2005:16)

No Brasil, apesar de utilizada e ensinada há bastante tempo, a Libras só foi reconhecida como meio legal de comunicação em 2002 4. Isso nos mostra que, apesar de a questão da língua dos surdos ser antiga, sua regularização é bastante recente. Esse fato aponta para a dimensão pública do nosso trabalho, bem como para a relevância social de se preparar educadores Surdos.

Acreditamos que a arte desempenha um papel fundamental para a transformação do olhar em relação ao mundo. Através dela, podemos estabelecer relações significativas entre conteúdos teóricos e a cultura contemporânea, aprimorando a capacidade crítica do indivíduo ao estimular um olhar criador, procurando perceber os diversos significados culturais implicados na imensa quantidade de imagens com que temos contato diariamente.

Sobre a arte-educação contemporânea, Michael Parsons diz:

Obras de arte são poderosas encarnações de interesses comuns, pedem uma interpretação ativa, podem unir diversos meios de pensamento, relacionam-se a vários contextos e são suscetíveis a múltiplas interpretações. Por essas razões, o estudo da arte promove, em sua mais alta sofisticação, o tipo de entendimento exigido por uma sociedade pluralista, na qual grupos podem coexistir com diferentes histórias, valores e pontos de vista. Isto, creio, estabelece a tarefa do ensino e da pesquisa em arte-educação. (Parsons, 1998:9)

1. Educadores aprendizes formados pelo “Aprender Para Ensinar”.

2. Sistematização cartográfica dos aprendizados do curso.

3. Grupo de surdos conversando sobre a exposição com educador aprendiz.

(fotos Karina Bacci)

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61Museus e espaços culturais são locais privilegiados para o desenvolvimento de processos crítico-interpretativos. O aspecto inovador nas relações sociais que podem ser estabelecidas entre um museu ou espaço cultural e a comunidade é a elaboração de estratégias de mediação que permitam romper a distância espectador-obra, espectador-artista, espectador-museu ou espaço cultural, desmistificando papéis e criando um tipo de vínculo a partir do qual ocorra a apropriação dos conhecimentos gerados na relação com a arte.

Há várias maneiras de construir a mediação resultante da interação do educador com o grupo que visita a exposição. Uma delas é pedir ao grupo que faça perguntas sobre aquilo que está vendo. Assim, a curiosidade dos visitantes dará subsídio para que o percurso se desenvolva. As perguntas se tornam a base do aprendizado.

No caso de um curso de formação continuada como o “Aprender para Ensinar”, as perguntas dos alunos Surdos que dele participam podem se tornar futuramente as mesmas que eles farão aos grupos de visitantes Surdos que irão atender. Nesse caso, atuando como mediadores, os educadores-aprendizes se apropriam da dimensão criativa e significativa de sua própria experiência, na medida em que suas indagações se tornam as mesmas feitas para envolver o outro. Esse educador-aprendiz propõe posicionamentos e sentidos, constrói significados. Ele tem consciência de que a relação com a arte passa em primeiro lugar pela dimensão da experiência (o que implica levar em conta lugares sociais, culturais, políticos, histórias de vida etc.).

Ao passar por experiências significativas como conversas com artistas, curadores e outras diversas personagens que compõem o universo da arte e do museu (educadores, pessoas do acervo, seguranças, montadores), as perguntas dos alunos e as respostas que vão encontrando permanecem como eixos conceituais e problematizações ao longo de todo o ano. Assim, quando atendem como “educadores-aprendizes” os outros grupos, os alunos do “Aprender para Ensinar” estabelecem diversas conexões entre o que estão vendo ou “ensinando a ver” e as experiências de troca originadas das conversas que viveram no projeto, expandindo o próprio caráter da mediação.

Quando a articulação entre conteúdos e estratégias de aproximação com a arte e o museu ocorre, a mediação é bem-sucedida, e a proliferação de conhecimentos em ambas as direções (do museu para a sociedade e desta para o museu) acontece. Portanto, discutir a mediação

4 e 5. Ao visitar uma exposição sobre o modernismo brasileiro e o conceito de antropofagia os alunos criaram um sinal para essa palavra. (foto Daina Leyton)

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62 é crucial, pois nela reside a possibilidade de o museu ser modificado pelas pessoas e comunidades que o frequentam, configurando-o efetivamente como um espaço público.

Para Élie Bajard (2005), sendo a Língua de Sinais espacial-visual, a apreensão do mundo dos surdos é nitidamente diferenciada: sua diferença cultural não se manifesta apenas pela falta de audição, mas por uma apreensão a partir de uma configuração de sentidos específica, pelo domínio de uma língua gestual singular e pelo acesso precoce a uma segunda língua (português).

Se a língua é o instrumento do homem para ver e apreender o mundo e se, reciprocamente, esse instrumento é modelado pela experiência humana, cultura e língua estão intrinsecamente ligadas entre si. A relação sensível com o universo, com o corpo e com as pessoas é profundamente distinta em um mundo de sons e em um mundo de “silêncio”. É importante considerar que a relação do surdo com o mundo é, em primeiro lugar, diferente, não mutilada. O uso de uma língua com significantes gestuais cria uma sensibilidade específica, distinta da sensibilidade dos ouvintes que partilham a mesma vida cotidiana. Essa cultura específica, reivindicada pela comunidade Surda, requer reconhecimento por parte dos ouvintes.

Sendo o “Aprender para Ensinar” um curso de formação de formadores, não mediamos apenas a relação entre o aluno e a “arte”, mas sua relação com a “educação”. Isso significa que, ao longo do processo de ensino-aprendizagem, experienciar e compreender a “arte” (como forma e conteúdo) são atividades tão importantes quanto a apreensão consciente das estratégias e princípios utilizados pelas PAs. Por isso, nesse projeto, a possibilidade de interpretar as obras assume uma radicalidade singular: o que se produz no percurso entre as línguas e na relação desse percurso com a arte é o enriquecimento da própria Libras. Isso acontece quando apresentamos palavras, noções e conceitos para os quais não existe tradução, tornando necessária a invenção de sinais para que os alunos possam compartilhar com os grupos que recebem os novos aprendizados 5. Com isso, não são apenas novos sinais que estão sendo criados, mas uma nova cartografia de afetos, desejos e conhecimentos que se abrem e podem ser vividos, já que esses sinais se proliferam rapidamente, enriquecendo não só a língua, mas o próprio território por onde circula e se inscreve a cultura Surda.

O que o projeto “Aprender para Ensinar” evidencia que o ato de mediar deve ser entendido de forma ampla, abarcando aspectos não apenas relacionados à educação e, nesse caso, à arte, mas também às transformações culturais que os encontros entre diferentes agentes e espaços sociais provocam.v

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63NOTAS E REFERÊNCIAS1. O projeto “Aprender para Ensinar” é par te do programa Igual Diferente do Setor Educativo do M AM-SP. De 2002 a 2007, o projeto foi realizado em parcer ia com a escola de educação infantil e ensino fundamental para cr ianças e jovens Surdos DERDIC (Div isão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação da PUC-SP). Em 2008, o “Aprender para Ensinar” ampliou suas parcer ias. Atualmente, integram o curso alunos e profiss ionais da DERDIC, da Escola para Cr ianças Surdas Rio Branco, da Fundação Bradesco, do Colégio Radial e Instituto Santa Terez inha. 2. De acordo com o linguista Élie Bajard (2005, p. 6), “(...) o surdo nascido de pais ouv intes defronta-se com a dif íc il s ituação de não herdar uma língua de sua família. Para conquistar a Língua de Sinais, a cr iança surda precisa, imperativamente, conv iver dentro de uma comunidade de cr ianças surdas. A ssim, antes do diagnóstico e do contato com essa comunidade, não possui uma língua materna. Frequentando uma comunidade Surda de uma instituição educativa, aprende uma ‘pr imeira língua’. Depois, em sua fase de alfabetização, descobre a língua por tuguesa, como ‘segunda língua’.” Por tanto, utilizaremos os conceitos de “língua pr imeira” e “língua segunda”, que se aplicam melhor aos surdos do que os conceitos de língua materna e língua estrangeira. 3. Em um importante Congresso Internacional de Educadores de Surdos, realizado em 1880, em Milão, o oralismo saiu vencedor e o uso da Língua de Sinais, nas escolas, foi “ofic ialmente” abolido (ver Sacks, 1998, p.40). 4.Conforme a lei nº. 10.436, cr iada em 2002 e regulamentada em 2005, entende-se como Língua Brasileira de Sinais (Libras) a forma de comunicação e expressão, em que o s istema linguístico de natureza v isual-motora, com estrutura gramatical própr ia, constitui um sistema linguístico de transmissão de idéias e fatos, or iundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. Deve ser garantido, por par te do poder público em geral e empresas concessionár ias de ser v iços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil. 5. Algumas dessas conceitualizações para as quais s inais precisaram ser cr iados são fixas, ou seja, se repetem ao longo dos anos por serem eixos constantes do curso, como, por exemplo, “ar te contemporânea” e “educação contemporânea”. Outros aparecem e têm que ser aprofundados e discutidos conforme as exposições que estão em car taz no M AM como, por exemplo, “antropofagia”, “panorama”, “identidade”, “deslocamento” etc.

# BAJARD, Élie. Esquemas de comunicação no projeto Aprender para Ensinar. 2005. Pesquisa de obser vação do projeto “Aprender para Ensinar”, patrocinada pela Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração. # GEERTZ, Clifford. O saber local. Petrópolis: Vozes, 1999. PARSONS, Michael. Mudando direções na ar te-educação contemporânea. In: V Encontro sobre a compreensão e o prazer da ar te. São Paulo: SESC, 1998. # SACKS, Oliver. Vendo vozes: Uma v iagem ao mundo dos surdos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

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A INCLUSÃO DE PÚBLICOS ESPECIAIS EM MUSEUS: O PROGRAMA EDUCATIVO

PARA PÚBLICOS ESPECIAIS DA PINACOTECA DO

ESTADO DE SÃO PAULO

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aManda Fonseca toJal Margarete de oliveira Maria christina da silva costa saBrina denise riBeiro

CAMINHOS PAR A INCLUSÃO

introduÇão

É evidente, hoje, a progressiva conscientização e a implantação por parte dos museus brasileiros de políticas de ação educativa dirigidas aos públicos específicos, considerando o importante papel social desempenhado por essas instituições como espaços de referência da identidade cultural e autorreconhecimento dos cidadãos em sua comunidade. Essas novas posturas afirmam um dos mais importantes objetivos da nova museologia e das tendências do pensamento da contemporaneidade, o da responsabilidade social, que, em parceira com as iniciativas pública, privada e do terceiro setor, buscam garantir o respeito e a qualidade de vida dos cidadãos.

Cabe, portanto, aos museus, bem como a todas as instituições culturais, estar em sintonia com o pensamento contemporâneo de respeito e reconhecimento da diversidade cultural e social, trabalhando a favor, não somente da comunicação de seus objetos culturais, sob o ponto de vista multicultural, como também contribuindo para a democratização social e cultural por meio dos processos de inclusão social.

museus e PÚBLicos esPeciais

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 10% da população mundial apresenta algum tipo de deficiência, o que representa aproximadamente 610 milhões de pessoas com deficiência no mundo, das quais 386 milhões fazem parte da população economicamente ativa e 80% do total dessas pessoas vive em países em desenvolvimento.

No Brasil, dados estatísticos apurados pelo Censo Demográfico de 2000, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atestam a existência de 24,5 milhões de pessoas cadastradas portadoras de algum tipo de deficiência (pessoas com deficiências físicas, neuromotoras, intelectuais, auditivas e visuais), numa população geral de 169.799.170 habitantes, o equivalente a 14,5% da população brasileira.

Trata-se, portanto, de um universo expressivo de pessoas, agravado pelo fato de o Brasil estar entre os países com os maiores índices de acidentes de trabalho e de violência urbana, o que amplia significativamente esse número, principalmente de indivíduos jovens com essas características.

Dentro desse quadro de referências, o museu, como instituição pública, deve ter por objetivo não somente a preservação do patrimônio cultural nele abrigado, mas também o importante papel de promover ações culturais, enfocando o seu potencial educacional e de inclusão social.

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65Exemplificando esse relevante papel social que o museu pode e deve cumprir, a equipe de educadores do Programa Educativo para Públicos Especiais (PEPE) da Pinacoteca do Estado de São Paulo propõe um relato de sua experiência com esse público-alvo e as ações que permeiam seu trabalho educativo, referência para novas práticas e ações multiplicadoras em museus e instituições culturais de todo o país.

ProGrama educativo Para PÚBLicos esPeciais

A Pinacoteca do Estado de São Paulo tem como uma de suas prioridades a ampliação de ações educativas que possam aprofundar a compreensão das obras de seu acervo a públicos cada vez mais amplos, iniciativa esta reveladora de uma visão contemporânea da museologia, que defende a necessidade de tornar os acervos cada vez mais acessíveis ao público.

Assim, com essa orientação, no ano de 2003 foi implantado o Programa Educativo para Públicos Especiais (PEPE) como parte das iniciativas da ação educativa da instituição1.

Esse programa visa atender grupos especiais, compostos por pessoas com deficiências sensoriais (visuais e auditivas), intelectuais, físicas e com transtornos emocionais, como também grupos inclusivos, compostos por pessoas com e sem essas deficiências, tendo como objetivo incentivar e ampliar o acesso desse público ao importante patrimônio artístico e cultural brasileiro, representado pelo acervo da Pinacoteca.

O programa desenvolve também cursos de formação para educadores e profissionais das áreas de museus e saúde e para os próprios trabalhadores do museu, por meio do programa Consciência Funcional, tendo por objetivo a recepção e orientações preliminares ao público-alvo.

O Programa Educativo para Públicos Especiais (PEPE) desenvolve as seguintes ações:

1. Atendimentos aos públicos especiais e inclusivos

Visitas educativas previamente agendadas, nas quais o público-alvo, acompanhado por educadores especializados (pertencentes à equipe do programa)2, explora e conhece obras de arte selecionadas do acervo, de forma não somente visual, mas também sensorial, por meio dos sentidos do tato, audição e olfato.

Uma educadora surda especializada também integra essa equipe, com a função de realizar visitas educativas para o público surdo, levando em consideração o interesse e as necessidades desses participantes no universo da arte, por meio da comunicação em Libras (Língua Brasileira dos Sinais). Durante as visitas educativas são disponibilizados os seguintes recursos multissensoriais:

1.1. Liberação para apreciação sensorial por meio do toque de obras tridimensionais originais, principalmente para pessoas com deficiências visuais, acompanhadas pela equipe de educadores do programa.

Foram selecionadas, junto à equipe de profissionais do Núcleo de Conservação e Restauro, 30 esculturas de bronze, obras adequadas ao reconhecimento pelo toque, segundo os critérios de tamanho, segurança e diversidade de formas e texturas, possibilitando uma leitura histórica do desenvolvimento estético de esculturas (nacionais e internacionais) dos séculos XIX e XX, destacando a figura humana, tendo em vista a

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66 predominância dessa temática na coleção de esculturas em bronze do acervo.

1.2. Recursos para apreciação sensorial de obras bi e tridimensionais que, por serem inadequadas ao toque, são complementadas por materiais multissensoriais de apoio como:

1.2.1. Reproduções em relevo de obras de arte3

elaboradas em resina acrílica aproximando a produção da obra original por meio de formas e texturas, incluindo reproduções em relevo4 elaboradas em borracha texturizada sobre fundo contrastante, representando os elementos mais destacados de cada composição, tais como figuras, objetos, formas e esquemas de figura e fundo.

O uso desses materiais tem por objetivo auxiliar a compreensão e fruição das obras bidimensionais, principalmente das pessoas cegas ou com baixa visão, como também proporcionar uma enriquecedora forma de experimentação e reconhecimento tátil de imagens cuja apreciação é predominantemente visual às demais pessoas com e sem deficiência.

Foram reproduzidas 30 pinturas seguindo o critério de obras de destaque do acervo e a sua importância dentro do panorama histórico brasileiro, representado por artistas dos séculos XIX e XX, presentes na coleção.

1.3. Jogos sensoriais e maquetes articuladas5 que, de forma exploratória e interativa, estimulam o reconhecimento e a percepção dos elementos formais e interpretativos presentes nas obras de arte.

Esses materiais tridimensionais englobam a complexidade da percepção multissensorial, isto é, o reconhecimento feito a partir do estímulo e da exploração dos diversos sentidos (visual, tátil, auditivo, olfativo e sinestésico6), ampliando o reconhecimento e a fruição de obras bi ou tridimensionais ao propor, no caso das obras bidimensionais (pinturas), uma transferência dos elementos representados de forma plana para a representação espacial, tendo por objetivo, além do reconhecimento dos elementos formais apresentados de maneira mais próxima do real, estimular o conhecimento e a percepção de profundidade e perspectiva (característica da construção pictórica, muitas vezes complexa e de difícil tradução, principalmente para as pessoas com cegueira congênita).

Além das características e especificidades acima descritas, o emprego desses materiais ou recursos de apoio multissensoriais possui também a função de possibilitar

1. Almeida Junior “Caipira Picando Fumo”, 1893. Reproduções em relevo

(Foto Alfonso Ballestero)

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67uma melhor memorização, assim como instrumentalizar atividades de interpretação e recriação das obras originais, ao propor, durante a exploração, uma articulação e reconstrução dos elementos formais tridimensionais, bem como sua localização no espaço, concebido como um cenário de proporções reduzidas.

Foram elaborados 30 materiais tridimensionais (maquetes, indumentárias de época e jogos articulados) seguindo o mesmo critério de seleção das reproduções das obras bidimensionais (pinturas) realizadas em relevo, sendo que, por questões da diversidade técnica, muito representativa na produção artística da segunda metade do século XX, também foram acrescentados a esses materiais maquetes e jogos articulados referentes a esculturas e objetos tridimensionais do acervo representativo desse período.

1.4. Sonorização de obras do acervo7, recurso constituído a partir da edição de fragmentos sonoros de músicas instrumentais e sons da natureza, espaço urbano e cotidiano, com o intuito de complementar e introduzir também a percepção por meio do sentido da audição durante a apreciação das obras.

1.5. Maquetes visuais e táteis8 de reconhecimento do edifício da Pinacoteca e seus arredores, incluindo a planta baixa de localização da exposição de acervo do museu.

Material de grande importância, principalmente para o público com deficiências visuais, devido ao fato de ser a única forma de apreensão espacial do edifício do museu, patrimônio arquitetônico da cidade.

Durante os atendimentos realizados visando à exploração dessas maquetes são fornecidos, além de informações técnicas e estéticas sobre a arquitetura da época, dados sobre a história da região e da utilização do edifício desde a sua inauguração em fins do século XIX.

Todos esses recursos multissensoriais podem ser utilizados separada ou simultaneamente, de acordo com a avaliação da equipe do programa em conjunto com os educadores dos grupos interessados em realizar visitas, a partir da análise de suas especificidades.

2. Publicações especializadas

Encontram-se à disposição do público folhetos informativos sobre o programa e catálogos em dupla leitura, incluindo CD de áudio, distribuídos gratuitamente aos visitantes com deficiências visuais e às instituições participantes desse programa.

2. Tarsila do Amaral “São Paulo”, 1924Maquete tátil e jogo articulado(Foto Alfonso Ballestero)3. Maquete Tátil. Edifício da Pinacoteca do Estado de São Paulo(Foto Kika Costa)

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68 Os catálogos contendo respectivamente obras pictóricas e escultóricas foram elaborados com o intuito de fornecer informações históricas sobre o museu, artistas e obras selecionadas do acervo, contendo textos e imagens adaptados à leitura de pessoas cegas ou com deficiências visuais, bem como para pessoas com comprometimentos de compreensão de leitura.

Ainda desenvolvemos o Guia de Visitação para o Público Surdo ao Acervo da Pinacoteca do Estado, a partir das experiências das visitas realizadas pelo programa para esse público específico, com a finalidade de orientar e acompanhar o visitante surdo que quiser optar por uma visita autônoma, sem o acompanhamento de educadores nessa exposição.

3. Galeria Tátil de Esculturas Brasileiras do Acervo da Pinacoteca do Estado

Implantada em 2009, a Galeria Tátil de Esculturas Brasileiras tem por objetivo oferecer a possibilidade de visitação autônoma ao público cego ou com deficiências visuais à Pinacoteca do Estado.

Essa exposição permite que o público-alvo possa explorar e reconhecer, por meio do toque, doze esculturas de bronze pertencentes ao acervo do museu, apresentadas segundo um criterioso padrão de acessibilidade e complementadas por outros recursos de apoio, como piso tátil, textos, mapa e etiquetas em dupla leitura (tinta e Braille), folheto informativo e catálogo em dupla leitura com imagens em relevo, incluindo CD de áudio.

O público não vidente poderá também se utilizar de um audioguia, especialmente desenvolvido para fornecer orientações sobre o percurso9, textos descritivos e também exploratórios sobre as obras da exposição, com o intuito de instigar o visitante cego a reconhecer e interpretar as obras selecionadas, bem como as suas temáticas e narrativas.

A seleção das obras foi realizada considerando a indicação do público cego e com deficiências visuais que participou de visitas orientadas ao acervo do museu nos últimos cinco anos. Além disso, fatores como a dimensão, forma, textura e diversidade estética, que facilitam a compreensão e apreciação artística dessas obras ao serem tocadas, também foram adotados como critérios para a escolha das esculturas.

4. Cursos, Parcerias e Assessorias

Com o intuito de capacitar profissionais das áreas de museus, artes, educação inclusiva e saúde, como também

4. Galeria Tátil de Esculturas Brasileiras. Exploração Tátil de Escultura. Bruno GiorgiPrometeu Acorrentado, sem data(Foto acervo PEPE)

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69estabelecer parcerias com instituições culturais, sociais e educacionais, o PEPE oferece cursos, palestras e consultorias como forma de desenvolver metodologias de ensino da arte na educação inclusiva e a elaboração de projetos de acessibilidade e ação educativa e cultural inclusivos, tendo como referência a experiência desenvolvida nesse programa.

Entre as parcerias efetuadas, cumpre destacar as que foram realizadas entre a SMPED (Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida) do Município de São Paulo, bem como a parceria com a UPPM (Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico) da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, implantando o Programa de Formação em Acessibilidade e Ação Educativa Inclusiva em Museus, tendo por objetivo oferecer subsídios para a formação técnico-especializada de educadores e funcionários de museus, principalmente aqueles pertencentes à rede de museus da UPPM, localizados tanto no interior como também na capital do Estado.

Por outro lado, acreditando que um programa dirigido a um público específico deva ser compartilhado por todos que direta ou indiretamente se relacionem com o público frequentador dessa instituição, o PEPE realiza periodicamente encontros de Consciência Funcional para recepcionistas, vigias de sala, seguranças e outros funcionários do museu.

consideraÇÕes adicionais

Desde 2003, quando se iniciou o atendimento permanente às escolas e instituições especializadas na Pinacoteca do Estado, o Programa Educativo para Públicos Especiais vem atendendo semanalmente e de forma permanente grupos especiais e inclusivos, além de realizar encontros periódicos com funcionários e educadores do museu, estudantes e profissionais das áreas de artes, educação e saúde, interessados em programas de arte que levem em consideração a diversidade e necessidades especiais de seus alunos, públicos ou pacientes.

Os levantamentos de frequência desses públicos durante o período de 2003 a 2009 demonstram uma média de 1,2 mil visitantes com deficiências ao ano, destacando que esses atendimentos são realizados somente para grupos reduzidos, com o máximo de 15 pessoas, com direito de permanecer com a equipe de educadores do programa, de acordo com o interesse e as necessidades de cada público, durante todo o período da manhã ou da tarde.

Finalmente, importa também frisar a importância do estabelecimento de parcerias e apoios com as instituições culturais, a iniciativa privada e o terceiro setor em torno de projetos comuns, cujo objetivo esteja pautado pela consciência da necessidade do compromisso com a responsabilidade social em nosso país, parceria essa que pode assegurar a qualidade e a permanência de programas dirigidos aos públicos, muitas vezes menos reconhecidos e excluídos em nossa sociedade, bem como contribuindo para o desenvolvimento e a permanência dessa política cultural inclusiva, fazendo com que a Pinacoteca do Estado se torne uma referência tanto em suas ações educativas como também no cenário museológico brasileiro.v

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NOTAS E REFERÊNCIAS1. O PEPE foi implantado na gestão do diretor Marcelo Mattos Araújo, sendo coordenadora do Núcleo de Ação Educativa Mila Chiovatto. 2. Fazem par te atualmente da equipe do PEPE: Amanda Fonseca Tojal (coordenadora), Margarete de Oliveira (assistente de coordenação), Mar ia Chr ist ina Costa (educadora), Sabr ina Ribeiro (educadora intérprete de Libras) e Natali Coutinho de Souza (estagiár ia). 3. Projeto e realização de Alfonso Ballestero, com assistência de João Batista de Oliveira. 4. Idem. 5. Projeto e realização de Dayse de Andrade Tarr icone, com assistência de Magda Pianowski. 6. Sinestesia: combinação de duas ou mais sensações procedentes de diferentes domínios sensor iais como, por exemplo, músicas, aromas ou paladares que provoquem a associação com imagens, formas ou sensações relacionadas com os sentidos da v isão, tato, gosto, audição e olfato. 7. Projeto e realização de Izabel Ber tevelli.8. Projeto e realização de Dayse de Andrade Tarr icone e Regina Mar tinelli. 9. Produção e narração do audioguia: Hélio Zisk ind com apoio da equipe do PEPE.

#CHIOVATTO, Mila Milene e AIDAR, Gabr iela. Pinacoteca e Educação: uma relação fecunda. In: P inacoteca do Estado: a histór ia do museu. São Paulo: Ed. Ar temeio, 2007. #Museus e Acessibilidade. Lisboa: Instituto Por tuguês de Museus (IPM), 2004. Coleção Temas de Museologia. Disponível em: http://www.ipmuseus.pt/ #TOJAL, Amanda Pinto da Fonseca. Políticas públicas culturais de inclusão de públicos especiais em museus. Tese (Doutorado em Ciências da Informação) – Escola de Comunicações e Ar tes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

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lara ceres de carvalho loPes

consciência da possibilidade de benefícios mútuos foi o principal gatilho para a ação de inclusão no Inhotim, um espaço museológico constituído por uma sequência de galerias em meio a um parque botânico-ambiental. Consideramos esse trabalho de inclusão social, por meio da profissionalização, para além da lei de cotas. Pensamos nele principalmente como uma contribuição para a inclusão social. No artigo Inclusão social da pessoa com síndrome de down: uma questão de profissionalização, Ana B. M. Pires, Daiana Bonfim e Lana C. A. P. Bianchi, afirmam que investir em ações sociais

amplia em 74% suas relações com a comunidade; a motivação e a produtividade dos funcionários crescem em 34%, melhora o envolvimento do funcionário com a empresa em 40%, ao mesmo tempo em que contribui para o desenvolvimento de conhecimento, técnicas e habilidades dos funcionários em 52%. (PIRES, BONFIM e BIANCHI, 2007)

Rosemary tem 24 anos de idade, completou a quarta série na APAE1 de Brumadinho, é SD2 e foi contratada para compor a monitoria de área. Essa equipe é responsável por zelar pelo patrimônio artístico-ambiental de Inhotim. O monitor de área tem como atribuição monitorar a área que lhe foi atribuída, zelando pelo espaço e tudo que houver nele. O monitor de área recebe o visitante, informando-o, tirando suas dúvidas, indicando locais, etc. Assim como a equipe de monitoria de área, a equipe de Arte e Educação também trabalha diretamente com o público. No entanto, a Arte e Educação tem como objetivo principal o trabalho de mediação em arte, seja com o público, seja com a própria equipe. Ao contratarmos a Rosemary, iniciamos um trabalho cuidadoso de formação com a mesma. Esse trabalho é desenvolvido pelas duas equipes acima citadas.

somos suJeitos autores

Para o desenvolvimento deste trabalho buscamos Alícia Fernandez. Em seu livro Os idiomas dos aprendentes, Fernandez apresenta o conceito de sujeito autor, que, segundo ela, é aquele que constrói o seu conhecimento a partir de sua relação com o mundo. Para ela, ser autor é possuir autoria, é construir o seu conhecimento e a si próprio a partir de suas experiências em relação ao mundo, em relação ao outro, em relação à natureza, enfim, em relação aos fenômenos que a realidade apresenta.

Entendemos, portanto, a Rosemary e todos os atores envolvidos na profissionalização dela como sujeitos autores. Como sujeitos autores, somos ativos, construímos nosso conhecimento e proporcionamos ao outro a transformação do próprio conhecimento. Essa transformação vai acontecendo por meio da possibilidade que o sujeito tem de mostrar o que sabe e de articular esse conhecimento com o novo, transformando a

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CAMINHOS PAR A INCLUSÃO

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE

SÍNDROME DE DOWN NO INSTITUTO INHOTIM: FUNDAMENTOS PARA

MEDIAÇÃO INCLUSIVA EM ARTE CONTEMPORÂNEA

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si, a quem ensina e ao próprio objeto do conhecimento. Para Fernandez, esse sujeito se posiciona simultaneamente como ensinante e aprendente, portanto “só quem se posiciona como ensinante poderá aprender e quem se posiciona como aprendente poderá ensinar” (FERNANDEZ, 2001:54).

ProPosta de sensiBiLiZaÇão

Durante a formação profissional acontecem encontros entre os educadores e a Rosemary, no intuito de sensibilizá-la quanto às questões relativas à arte contemporânea. É o que chamamos de treinamento sensitivo. Segundo Theresinha Guimarães Miranda,

a qualificação profissional vai além das habilidades manuais. (...) Não basta mais que o trabalhador ‘saiba fazer’ é preciso também ‘conhecer’ e acima de tudo ‘saber aprender’. (...) As habilidades são atributos relacionados não apenas ao ‘saber fazer’, mas ao saber agir. (...) Implicam, pois, dimensões variadas: cognitivas, motoras e atitudinais. (MIRANDA, 2008)

Esses encontros, para mediação em arte, acontecem quinzenalmente e neles são desenvolvidas atividades de experimentação com a Rosemary dentro das galerias. As atividades são planejadas, aplicadas, registradas e avaliadas. Esse treinamento tem como objetivo propiciar a conversa, a experimentação e a interação da funcionária com a arte e com as pessoas. Além disso, as atividades pretendem aguçar a sensibilidade da Rosemary, estimulando a consciência dela como sujeito, propiciando o entendimento de seu lugar de fala e promovendo a autonomia da funcionária dentro da instituição.

Para a elaboração das atividades, os educadores lançam mão de conceitos que gravitam dentro do campo lexical da palavra ‘intuição’. As propostas são feitas dentro de uma metodologia que conta sempre com a própria mediação, com as obras e com o uso do espaço de galerias. Além disso, objetos, mapas, palavras e outra referências como músicas, movimentos artísticos, fotografias, etc., são apresentados a Rosemary.

o acervo de arte como Potência Para eXPeriência

Ao usarmos o acervo do museu e todo o espaço de Inhotim para mediação em arte com a Rosemary, retomamos algumas ideias de Merleau-Ponty que fala sobre o sujeito da fenomenologia. Segundo ele, é na relação que o sujeito estabelece com aquilo que o cerca que os significados vão sendo elaborados. Assim também ele vai construindo a sua identidade e a sua história, por meio de suas experiências. O sujeito que se relaciona com a arte contemporânea aproxima-se do sujeito que a fenomenologia aborda. A interpretação que o sujeito faz do mundo o torna singular e produtor de significados. O sujeito ativo atribui significados ao mundo e significa-se nele. Sem esse significado o aprender torna-se reprodução daquilo que é presenciado por ele e transmitido a ele. Não há criação.

Seguindo esse pensamento, buscamos John Dewey, no livro El Arte como experiência, que comenta que “a experiência adequada original não é fácil de alcançar, sua realização é uma prova de sensibilidade natural e de uma experiência madura por meio de diversos contatos” (DEWEY, 2008:339, tradução minha). São esses contatos que buscamos proporcionar nas atividades, por meio da interação entre os mais distintos elementos de Inhotim como obras, pessoas, idéias, etc. Cada nova experiência transforma a posição do sujeito em relação ao mundo e às pessoas. Ele é capaz de desenvolver o senso crítico e de ter um olhar transformador.

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Para aLÉm da mudanÇa do oLhar

As proposições de atividade e mediação em arte são elementos potenciais para formação profissional e pessoal da Rosemary. Marina Almeida deixa claro, em seu artigo Empregabilidade da pessoa com Síndrome de Down, que “no caso da pessoa com Síndrome de Down, o trabalho amplia seu campo de autonomia pessoal, (...) bem como sua identidade enquanto pessoa”. Ainda segundo a autora, “trabalhar não é um fim em si mesmo, mas um meio vital de cumprir sua função social a que pertence” (ALMEIDA, 2007).

A profissionalização da Rosemary foi iniciada, mas não será completamente encerrada. Para Pires, Bonfim e Bianchi “o progresso depende de um processo contínuo. A estagnação faz perder todos os avanços já conquistados e inviabiliza conquistas futuras. A ausência de estímulos na SD significa regressão” (PIRES, BONFIM e BIANCHI, 2007). Dessa forma, os resultados foram parcialmente obtidos por meio de registros como relatórios mensais e depoimentos colhidos até então.

Com a mediação inclusiva, Rosemary desenvolveu um melhor entendimento do espaço em que ela está inserida. Atualmente detém amplo conhecimento sobre o acervo. Seu olhar quanto à arte contemporânea está mais interpretativo, possibilitando a criação de conceitos próprios. Dialoga com mais propriedade sobre as obras, além de demonstrar maior interesse por elas. Hoje ela raciocina em cima do conteúdo absorvido, faz questionamentos e consegue criar seu próprio discurso. Toda essa melhora tem contribuído para uma boa compreensão sobre o que é educação patrimonial. Seu zelo quanto ao acervo é mais consciente.

Sobre os progressos da Rosemary retornamos ao artigo da Almeida. Segundo a mesma, o SD ganha no que se refere à independência e ao autoconhecimento, pois desenvolve a consciência de sua própria existência. Além disso, ganha autoconfiança, pois passa a acreditar na capacidade de aprender, de produzir e de compartilhar. Quanto aos ganhos do empregador, ela lembra que é possível agregar valores à empresa, ganhando em humanização e em enriquecimento das relações interpessoais. Ou seja, a empresa caminha para o melhor atendimento da diversidade humana.

Em nosso caso, além dos resultados apresentados pela própria Rosemary, obtivemos também resultados na equipe de monitoria, que experimentou a convivência diária com uma SD. As melhoras são vivíveis no que se refere à parceria no trabalho. A equipe de arte-educação aprendeu a aprender através da experimentação e observação. Com essa ação, Inhotim, enquanto instituição que promove cultura e defende princípios de acessibilidade, avança para o aperfeiçoamento de suas práticas nesse campo, tentando aplicar conceitos que permeiam as instituições culturais de todo Brasil.v

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NOTAS E REFERÊNCIAS1. APAE – A A ssociação de Pais e Amigos dos Excepcionais é uma sociedade c iv il, beneficente de assistência social, de caráter cultural e educacional voltada ao atendimento dos por tadores de necessidades especiais.2. SD - Síndrome de Down

#ALMEIDA, Mar ina da Silveira Rodr igues. Empregabilidade da pessoa com síndrome de down. 2007. Disponível em: <http://www.psicologia.com.pt/ar tigos/impr imir_o.php?codigo=AOP0116>. Acesso em: 25 set 2008.#DEWEY, John. El art como experiencia. Barcelona: Paidós, 2008.#FERNÁNDEZ, Alic ia. Os idiomas do aprendente: análises das modalidades ensinantes com famílias, escolas e meios de comunicação. Por to Alegre: Ar tmed, 2001.#MERLEAU-PONTY, Maur ice. A fenomenologia da percepção. São Paulo: Mar tins Fontes, 2006.#MIR ANDA, Theresinha Guimarães. O plano nacional de qualificação do trabalho: uma exper iência com pessoas por tadoras de defic iência. Disponível em: <http://www.anped.org.br/reunioes/23/textos/1516t.PDF> Acesso em: 09 set 2008.#PIRES, Ana B. M.; BONFIM, Daiana; BIANCHI, Lana C. P. Inclusão social da pessoa com síndrome de down: uma questão de profiss ionalização. 2007. Disponível em: <http://www.cienciasdasaude.famerp.br/racs_ol/vol-14-4/ID237.pdf>. Acesso em: 13 set 2008.

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PROJETO FOTOLIBRAS

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FotoLibras é um projeto que tem como objetivo aumentar a criatividade, autoestima e visibilidade de jovens surdos, explorando a fotografia como linguagem. Foi idealizado em 2006 e de lá para cá já promoveu cursos, oficinas, participou de palestras, mostras e exposições. Atualmente desenvolve atividades de fortalecimento dos multiplicadores, jovens que já foram alunos do projeto e hoje coordenam e participam de diversas ações, levando a metodologia e os impactos do projeto para outros jovens surdos. Isso é possível com o patrocínio do Banco Votorantim e do Instituto Votorantim, através da Lei Rouanet.

As ações da fase atual incluem oficinas internas de aperfeiçoamento em práticas fotográficas, elaboração de projetos, aprendizado de dinâmicas e acompanhamento fotográfico. Cerca de 20 jovens multiplicadores participam dessas atividades como forma de ampliarem seus conhecimentos e também sua segurança para aplicação em cursos e oficinas voltados para o público externo. Já fizemos diversas oficinas em Recife, no interior e em outros estados. Em Catende, por exemplo, os multiplicadores elaboraram uma oficina de 5 dias voltada para alunos surdos daquela cidade e de outras da região. Durante esse tempo, empregaram diversas dinâmicas e exercícios envolvendo fotografia, fizeram saídas práticas e terminaram com a exposição de um grande varal com as fotos dos alunos.

A motivação inicial do projeto é criar oportunidades de participação da comunidade surda na produção e fruição da cultura, sempre tendo a fotografia como elo transformador. Identificamos que a imagem, como um meio de expressão e comunicação, tem uma relevância especial para os surdos, pois o ato de fotografar e de realizar a leitura da imagem não dependem de conhecimento de nenhuma língua falada ou escrita.

A cidade ainda não está preparada para as pessoas com deficiência. Apesar de algumas tentativas por parte dos órgãos públicos, é necessário planejar melhor a infraestrutura dos equipamentos, ruas e calçadas.

1- As rampas de acesso ainda são muito mal-planejadas: altas, estreitas e com desnível entre a calçada e o asfalto. (Foto Aymme Lucy) 2- O direito de ir e vir de pessoas com deficiência não é assegurado. No acesso ao metrô, por exemplo, é necessário a ajuda de alguém para guiá-los. (Foto Geovana Alzira)

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A comunidade surda tem uma cultura diferenciada e sua forma de se comunicar, de ver o mundo e de realizar manifestações culturais é, muitas vezes, distinta da realidade dos ouvintes. A cultura surda é sistematicamente escondida quando, na verdade, deveria ser valorizada como parte integrante da cultura brasileira.

Ao longo desses anos, podemos contabilizar vários resultados positivos do Projeto FotoLibras. Fortalecimento da comunicação entre jovens surdos e seus familiares e crescimento na capacidade de expressão, além da visibilidade e autoestima dos participantes, são alguns exemplos. v

Mais informações: www.fotolibras.org comunicaçã[email protected]

3 - Os usuários de cadeira de rodas enfrentam riscos para se locomoverem na cidade. (Foto João Hélder)4 - O tempo que um usuário de cadeira de rodas leva para subir nos ônibus com porta de acesso causa irritação nos passageiros. (Foto Karoline Anne) 5 - Foto Tatiana Martins

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ARTE-EDUCAÇÃO E AS ROSAS:

DIALOGANDO COM AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E A

FORMAÇÃO DOS PROFESSORES

15aMélia garcia

prendemos sempre. Aprendemos até mesmo quando não nos damos conta disso. Tenho aprendido muito com a professora Luiza Christov, do Instituto de Artes da UNESP. Num desses dias, diante de alguns formadores de professores, em um curso de aprofundamento de estudos, lá estava ela trazendo a possibilidade da experiência de transformar cinzas em rosas.

Muito além dos conteúdos conceituais, Luiza nos ensinou a “provisoriedade”. Isso quer dizer que, hoje, provisoriamente, teremos a história que se apresenta e sempre podemos substituí-la, em outras ocasiões, por outras histórias, também provisórias. Igualmente são as inúmeras informações que recebemos em nosso dia a dia, advindas de diversos meios e formas: informações provisórias.

No campo da educação, se as informações são provisórias, o conhecimento pode se tornar substituível por simples informações se os educadores não desenvolverem os passos necessários para a transformação dessas informações em conhecimento. Sendo assim, a nossa postura, enquanto educadores, tem muito o que mudar para acompanhar e auxiliar no desenvolvimento de habilidades e competências capazes de proporcionar ao aluno a aquisição da autonomia sobre seu próprio conhecimento – “aprender a aprender”.

Dificilmente gostamos de sair da zona de conforto. A ideia de pronto e acabado é constantemente negada diante das necessidades do mundo contemporâneo, pois esse exige pesquisa, comprometimento e nos propõe que estejamos conectados o tempo todo com o que acontece ao nosso redor.

Nesse novo cenário, não há lugar para imediatismo, ou seja, buscar resultados sem reflexão e sem a problematização necessária que os conceitos pré-estabelecidos nos oferecem. Estamos preparando nossas crianças para serem adultos capazes de interagir em situações repletas de diversidade e de transformações constantes? Permitimos e mediamos acessibilidade cultural aos nossos alunos? Possibilitamos ações que permitam que a acessibilidade e a inserção no universo cultural aconteça? O que hoje é acessível? Quem são as pessoas que têm acessibilidade aos espaços culturais?

São questões que demandam urgência por ser a cultura uma das portas de entrada para inserção social. Os currículos escolares, hoje, não permitem que essa acessibilidade aconteça aos educandos quando não proporcionam ações que possibilitem o contato com os bens culturais existentes em nosso país, tais como museus, cinemas, galerias, núcleos históricos, bibliotecas, sítios arqueológicos, entre outros.

77MEDIAÇÃO CULTUR AL PROMOVE QUE TIPO DE ACESSIBILIDADE ?

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78 As políticas públicas pensadas para a sociedade em geral pretendem eliminar as barreiras físicas e sociais dos espaços, edificações e serviços, garantidos na Constituição Federal. Para a cultura, a Constituição afirma no Art. 215: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional1 (...)”. A Escola proporciona esses direitos? A área do conhecimento de Arte atua de forma a garantir que os educandos tenham acesso a visitações, a exposições, a museus, a espaços e espetáculos, teatros, shows, entre outros?

O texto de Jorge Luis Borges2 “A Rosa de Paracelso”, pode nos oferecer inúmeras possibilidades de reflexões a partir de um olhar mais cuidadoso em relação à educação e à cultura, um olhar que nos instigue a pensar e a criar estratégias para vencermos o desafio de mudar nossa postura diante do inevitável mundo que se anuncia: o do conhecimento.

O conto traz a noite em que o personagem Paracelso recebe a visita de um desconhecido que se oferece para ser seu discípulo. O jovem, que conhecia a fama de Paracelso como mestre, estava interessado na prova e sua capacidade em fazer milagres. Por isso, propôs então testemunhar o ressurgimento de uma rosa a partir de cinzas. Porém, enquanto Paracelso procurava conhecimento, assim que percebeu que o aprendiz buscava somente o reconhecimento imediato do seu dom, despediu-se e dispensou o rapaz da casa. E foi só quando o desconhecido virou as costas que o mestre transformou em rosa as cinzas. Paracelso nos ensina que o processo educativo deve ser conduzido pelo ensino e aprendizagem e que, antes de sabermos como fazer o milagre, devemos saber o porquê das transformações, levando em conta as experiências ao longo do processo, conforme fez Paracelso.

Mas, em que a analogia Arte-educação, a Cultura e a Rosa de Paracelso pode nos ajudar, enquanto educadores, a entender melhor as nossas práticas pedagógicas na sala de aula e por que não dizer nossa “alquimia”? Tenho me questionado se nossa postura diante das práticas pedagógicas em sala de aula, enquanto educadores, é de “discípulo” ou de “mestre”.

Se de “discípulo”, valorizamos somente os conceitos, nos furtando das aprendizagens pela experiência, as quais o “mestre” acredita construtora de aprendizagens significativas? Se de “mestre”, como dialogamos com as experiências estéticas dos alunos? Como proporcionamos que eles se relacionem com suas próprias “alquimias”?

Estamos nós educadores proporcionando acessibilidade cultural e criando situações reais de inclusão cultural e aprendizagens, onde os alunos possam construir conhecimentos pautados na percepção, na fruição e na resolução de problemas? Estamos desenvolvendo assim suas habilidades e competências para a construção autônoma dos saberes?

Ampliando ainda mais essa reflexão, busquemos em Jorge Larrosa, a aprendizagem pela experiência:

De uma experiência em que alguém, a principio, era de uma maneira, ou não era nada, pura indeterminação, e, ao final, converteu-se em outra coisa. Trata-se de uma relação interior com a matéria de estudo, de uma experiência com a matéria de estudo, na qual o aprender forma ou transforma o sujeito. Na formação humanística, como na experiência estética, a relação com a matéria de estudo é de tal natureza que, nela, alguém se volta para si mesmo, alguém é levado

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79para si mesmo. (...) Porque se alguém lê ou escuta ou olha com o coração aberto, aquilo que lê, escuta ou olha ressoa nele; ressoa no silêncio que é ele, e assim o silêncio penetrado pela forma se faz fecundo. E assim, alguém vai sendo levado à sua própria forma” (LARROSA, 2004:52).

Essa forma que Larrosa nos aponta de conhecer algo com o organismo todo é uma das formas de vivenciar uma experiência estética, que pode acontecer de um momento para o outro ou durante nossa trajetória de vida e formação.

No texto de Borges (2000), podemos entender no diálogo do mestre com o discípulo, o quanto o produto final e o resultado imediato são valorizados pelo discípulo em detrimento do processo de vivenciar a experiência como sujeito “ex-posto”, como um espaço que tem lugar os acontecimentos3. Em outras palavras, o quanto a “receita pronta” é valorizada em prejuízo da vivência da experiência.

A oportunidade de acessibilidade cultural fica comprometida na medida em que fecha as portas para o que é significativo e abre as portas aos “clichês”, ao que é senso comum e modismo, as consequências desse fato são o não acesso à experiência estética, à cultura e a possibilidade de se formar e se transformar e, assim, se tornar autônomo de sua própria aprendizagem.

Se entendermos discípulo como sendo os professores-alunos dos cursos pós-graduação e ou formação continuada, e mestre como os professores-formadores, poderemos questionar melhor o que – ou como – acontece a prática pedagógica na sala de aula.

As práticas dos professores-formadores exploram a cultura e provocam experiências se utilizando do fruir/sentir, do contextualizar/refletir e do fazer/produzir de forma que nossos professores-alunos experimentem com o corpo, com a cognição e com a alma os objetos de estudo?

Existem em cada um de nós, códigos próprios, capazes, pelos conhecimentos e processos de vida e formação, de propiciar atos criadores, trazidos do que nos é mostrado e dito na experiência de significar. No conto de Borges o discípulo duvida do mestre. Ele clama pelo conhecimento pronto e acabado. A escolha do mestre não atendeu às expectativas do discípulo, sua escolha não foi por uma prática pedagógica transmissiva, copiada, treinada, reproduzida, imediatista e somente de resultados, ou seja, de produtos. A postura do mestre foi a de proporcionar experiências capazes de desenvolver as potencialidades e ampliar os saberes do discípulo-aluno, mesmo que os pedidos de resultados pelo discípulo-aluno fossem implorativos e provocativos de descrença.

Assim, num conto breve, Borges (2000) traz o que o século XXI aponta e formula em termos de conhecimento, a oportunidade de dizer de outro modo essa nossa herança: copiar, reproduzir, transmitir. Os professores-alunos sabem as teorias, possuem as informações (acesso a internet, cursos, livros), mas precisam se apropriar dos conhecimentos didático-metodológicos capazes de gerar saberes de como transformar as informações em conhecimentos para construir situações de aprendizagens.

Apesar de sermos pessoas inteiras, providas de corpo, mente e espírito, a escola admite e valoriza o discurso da razão, para não ter nenhuma zona de escuridão, adestrando, controlando, direcionando a opinião conceitual e racional, reforçando assim todo processo tecnicista. Dessa forma, o lugar de direito, que deveria propor experiências estéticas e acessibilidade à cultura, valoriza somente a racionalidade enquanto conhecimento, privilegiando ações e disciplinas em detrimento de outras.

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80 Está posta a dificuldade do processo educacional: a dialética do conhecer versus acreditar. No processo do conhecer existe a entrega, ficamos dialeticamente na busca de sentidos. É preciso mais do que observar técnicas, como o discípulo de Paracelso queria; é preciso questionar.

Faz-se urgente uma reformulação cuidadosa no ensino superior de formação inicial. É preciso um cuidado especial no desenvolvimento e no aprendizado dos que são responsáveis pelo ensino na formação de educadores, pois as questões didático-metodológicas devem ser tratadas como tais e para que isso ocorra é necessário construir meios que possibilitem os professores formarem-se para além da formação inicial, ou seja, formação em curso, para que didaticamente e metodologicamente ele consiga encontrar caminhos e estratégias que o possibilite um pensar para fazer diferente.

O professor-formador deve ser um fabulador – o que favorece a produção de sentidos. Borges nos oferece uma oportunidade de dar sentidos. Onde a confiança e o mistério da experiência de cada um faça sentido. Hoje, estamos contando a nossa história assim. Que fabuladores somos nós e que fabuladores estamos provocando ser nossos professores?

Escolhemos criar estratégias para que cada aluno encontre o melhor de si e, assim, possam crer, ter fé e superar-se o tempo todo, fazendo a diferença onde atuarem? Ou escolhemos transmitir os conceitos culturalmente produzidos pela humanidade, reproduzindo velozmente cópias e mais cópias de homens não reflexivos, o que na analogia do conto de Borges (2000) seria fazermos ressurgir a rosa?v

NOTAS E REFERÊNCIAS 1. Constituição da República Federativa do Brasil. Título VI I-Da Ordem Social. Capítulo I I I-Da Educação, da Cultura e do Despor to. Seção I I-Da Cultura. Ar tigo 215.2. BORGES, Jorge Luis. A rosa de Paracelso. In: Obras completas. Ed. Globo: 2000 3. LARROSA, Jorge. Linguagem e educação depois de Babel. traduz ido por Cynthia Far ina. Belo Hor izonte: Autêntica, 2004. p. 161.

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ARTE, COTIDIANO E CULTURA VISUAL: PERSPECTIVAS DE

UMA ARTE/EDUCAÇÃO DIALÓGICA

16Fernanda Mélo

Maria Juliana sá

arte contemporânea tem oferecido possibilidades para aproximar espectador e Arte, pois, ao levantar indagações acerca de elementos do cotidiano, a postura contemplativa do público em relação à Arte pode ser substituída por um caráter questionador, permitindo uma interlocução mais próxima da realidade e favorecendo a acessibilidade. Contudo, é fundamental refletir sobre o real sentido da acessibilidade nas instituições.

A respeito desse fato, lançamos as seguintes reflexões: será que o desejo de ampliação do acesso está ligado ao aspecto quantitativo do público, tão necessário para a subsistência das instituições culturais? Ou se encontra na maneira como a Arte pode provocar a fruição estética e o pensamento reflexivo?

David Thistlewood, pesquisador em arte/educação, acredita que os museus de Arte estão preocupados com sua popularidade, assim eles investem mais no ato de produção e menos no conteúdo. Ou seja, existe uma preocupação maior com o aspecto quantitativo em detrimento da responsabilidade com a formação do olhar crítico do espectador.

Essa responsabilidade, atribuída geralmente ao setor educativo, infelizmente ocupa o último espaço na escala de prioridades na maioria das instituições brasileiras. Porém, compreender a relação arte x público é pensar, inevitavelmente, sobre a função e a responsabilidade educativa dos museus e instituições.

Nessa perspectiva, a função educacional está presente em todas as ações, desde a linguagem visual da exposição e dos textos curatoriais, até as atividades e estratégias de mediação.

A educação em museus não se restringe a um departamento que lide com crianças, escolas, comunidade, cursos para adultos (...) A curadoria e o design das exposições são educação também. A maneira de expor, de pendurar as obras, está diretamente ligada a conceitos de como se aprende arte que dominam uma sociedade. (BARBOSA, 2008:106)

Todavia, além das conexões institucionais necessárias para se estabelecer um processo de ensino-aprendizagem completo, torna-se fundamental a construção de ações que promovam o acesso levando em consideração as diferentes formas de percepção, sejam elas físicas, sensoriais ou intelectuais, na qual a vivência e a cultura visual do indivíduo é prioridade.

Para Michael Parsons, professor de Arte/Educação da Universidade de Ohio – EUA, a cultura visual contemporânea tem sofrido mudanças significativas, a ponto

81MEDIAÇÃO CULTUR AL PROMOVE QUE TIPO DE ACESSIBILIDADE ?

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82 de tornar-se difícil a distinção entre aspectos da cultura visual, tais como a arte institucional, a arte popular e elementos midiáticos. O que se percebe é que, apesar de historicamente o ensino de arte ter baseado-se nos valores da elite cultural, a discussão das representações na arte/educação contemporânea tem se destacado na busca do desenvolvimento de práticas pedagógicas que promovam a pluralidade através da cultura visual.

Essa característica tem sido promovida pela diversidade de suportes utilizados pelos artistas, como o corpo e as mídias digitais, além dos diferentes discursos que a arte assume, especialmente os sociopolíticos. Assim, a questão incorpora certo tom de reconstrução social, permitindo ao público desenvolver uma reflexão crítica em relação aos sistemas sociais e políticos representados esteticamente na contemporaneidade.

Esse tipo de experiência de conexão, a fim de estimular a leitura artística reflexiva, foi experienciada na primeira exposição do projeto Política da Arte, sob curadoria de Moacir dos Anjos, na Fundaj. Esteve em exposição o coletivo dinamarquês SUPERFLEX1, com a exibição dos vídeos: Burning Car2 (Carro em Chamas3, de 2008), com 11 minutos de duração e Flooded McDonald’s4 (McDonald’s inundada3, de 2009), com 20 minutos.

O projeto, que se fundamenta na capacidade que a arte tem de gerar reflexão e potencializar a criticidade, criou para essa exposição um espaço onde o espectador teve acesso a materiais como livros, catálogos de arte e a um grande mural com fotos do processo de produção da obra, reportagens e informações referentes ao tema. Ao longo da exposição, nesse mesmo espaço, aconteceram mesas-redondas entre profissionais de diversas áreas, visando fomentar a discussão sobre Arte e Política.

Durante as exibições do vídeo Burning Car (2008), foi comum o tema ser tachado por alguns visitantes como banal. Contudo, ter ao alcance informações sobre protestos e outras situações envolvendo o símbolo do carro queimado, dava às pessoas a possibilidade de enxergar uma realidade mais próxima e assumir uma posição crítica em relação à obra. A partir da junção entre a arte institucionalizada, elementos midiáticos e o repertório visual individual, foi possível ampliar os elementos reflexivos, superando as colocações que refletiam apenas um juízo de gosto.

No Flooded McDonald’s (2009) a abordagem se deu da mesma maneira, ficando uma maior expectativa de nossa parte pelo fato de a globalização ser um tema explorado diariamente na mídia e, além disso, a McDonald’s, temática dessa vez do coletivo, ter sido reproduzida em tamanho real para ser inundada.

Nesse sentido, a mediação educativa também pôde acontecer de forma mais consistente, pois tais elementos serviram como subsídios para o diálogo com os estudantes que recebemos durante o período de exposição dos dois vídeos. Através de reportagens e outras informações presentes no mural, a discussão que os artistas apresentavam na obra e as realidades cotidianas dos alunos foram aproximadas, partindo da cultura visual para desenvolver a mediação.

Assim, em 18 de dezembro de 2009, recebemos para mediação uma turma do Ensino Médio, na faixa etária dos 16 anos, da Escola Estadual Aníbal Cardoso, situada no município de Ipojuca-PE. A mediação aconteceu no período de exibição do vídeo Flooded McDonald’s (2009) e um fator inesperado foi fundamental para corroborar a necessidade de aproximação entre a arte institucionalizada e elementos cotidianos: dos dez alunos presentes, apenas um havia frequentado a lanchonete. Desse modo, precisávamos

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83levantar questionamentos que não se fundamentassem nas referências de ter estado naquele lugar, mas em outras reflexões que poderiam ser suscitadas a partir do tema.

Com isso, levantamos temáticas como o lixo, a globalização e o espaço da mídia na construção do gosto do indivíduo e, nesse contexto, a presença do mural foi muito importante, pois as conexões estabelecidas puderam ser sedimentadas, favorecendo a reflexão crítica. Nesse sentido, pudemos desenvolver uma mediação mais consistente, buscando nas referências dos alunos, a relação a ser estabelecida com a obra. Conseguimos, assim, perceber o quanto isso é essencial para se construir uma mediação que de fato estabeleça um diálogo, devendo a equipe estar atenta para as diversas possibilidades e realidades que cercam a nós e aos nossos possíveis públicos.

A experiência de mediação no projeto Política da Arte, assim como outras experiências educativas, tem colocado em pauta a importância do repertório imagético para construção das diferentes possibilidades de leitura de uma obra de Arte. Essa relação está presente nos elementos midiáticos, na estética artística consagrada, no repertório visual individual e, sobretudo, na imaginação.

Pensar uma relação entre público e obra onde os múltiplos aspectos da cultura visual estejam presentes é uma tarefa difícil. Diante do repertório amplo de elementos visuais que cada indivíduo possui, torna-se quase impossível pensar estratégias educativas que consigam abranger os aspectos pertencentes à bagagem visual de todos os sujeitos.

Na mediação da exposição do grupo dinamarquês SUPERFLEX, a equipe educativa procurou estabelecer uma relação entre os elementos imagéticos disponíveis e a herança visual de cada um, que, associados à maneira como a curadoria organizou o espaço, potencializou a discussão. Com isso, percebemos a importância de promover a acessibilidade à Arte de maneira híbrida e inclusiva diante de aspectos físicos, sensoriais ou intelectuais, possibilitando uma aproximação e fruição estética que está intimamente ligada à cultura visual.

Tivemos como prova dessa aproximação, um e-mail que a professora Sandra Buarque da Escola Aníbal Cardoso nos enviou, contando como a experiência de mediação vivenciada na exposição havia sido significativa. A professora lembrou que durante o trajeto da escola para a Fundaj, no dia da mediação, os alunos haviam passado pelo lixão do município de Ipojuca – PE, colocando esse fato como um aliado importante para a leitura que o grupo fez do vídeo. Ressaltando inclusive que “A correlação entre a imagem do lixão e o vídeo (...), será alvo de estudo neste próximo ano”.

Nessa perspectiva, ficou evidente que se as estratégias de mediação educativa não levarem em consideração as interfaces da cultura visual, de maneira a adequar-se aos diferentes tipos de público, podem enfatizar indivíduos que reflitam a cultura ocidental dominante diante do seu repertório. Dessa forma, estereótipos advindos de formações culturais diferentes, inclusive não ocidentais, estariam à margem das possíveis conexões entre arte e público.

Podemos afirmar que as conexões que os estudantes estabeleceram entre Arte e cotidiano, na mediação da exposição do grupo SUPERFLEX ultrapassaram os limites da galeria e nos fizeram acreditar que as reflexões iniciadas dentro de espaços expositivos podem e devem ser infinitas e dialógicas. Finalizamos com a sensação de que essa experiência não se encerra, assim como seus desdobramentos que dialogam com o cotidiano, a cultura, a Arte e, sobretudo com a vida.v

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NOTAS E REFERÊNCIAS1. Grupo dinamarquês surgido em 1993, o Coletivo Super f lex apresenta obras que questionam e alf inetam a realidade econômica e polít ica mundialmente. É composto pelos ar tistas Bjornstjerne Reuter Chr ist iansen (1969), Jakob Fenger (1968) e Rasmus Nielsen (1969). Entre as obras do coletivo, destaca-se o Guaraná Power, trabalho que causou polêmica no c ircuito ar tíst ico ao ser impedido de par tic ipar da 27º Bienal de São Paulo. Mais informações sobre o grupo podem ser encontradas no site: http://www.super f lex.dk/, em inglês.2. Burning Car / Carro em Chamas (2008, 11min) ex ibe um carro que é incendiando até que sobre apenas ferros retorc idos e c inzas.3. Tradução utilizada na exposição da Fundaj.4. Flooded McDonald’s / McDonald’s Inundada (2009, 20min) ex ibe uma réplica da lanchonete McDonald’s sendo progressivamente alagada pela água que a invade não se sabe de onde, a ponto de ficar totalmente submersa. A imagem inic ial é de um lugar que foi abandonado às pressas, repleto de vestíg ios de lixo e comida.

#BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino de Arte. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005. p. 134. Coleção Estudos._ _ _ _ _ _. Dilemas da Ar te/Educação como mediação cultural em namoro com as tecnologias contemporâneas. In: BARBOSA, Ana Mae (Org.). Arte/Educação contemporânea: consonâncias Internacionais. 2. ed. São Paulo: Cor tez, 2008. p. 98-112.#DIAS, Belidson. Entre Ar te/Educação multicultural, cultura v isual e teor ia queer. In: BARBOSA, Ana Mae (Org.). Arte/Educação contemporânea: consonâncias Internacionais. 2. ed. São Paulo: Cor tez, 2008. p. 277-291.#FAIRCHILD, Marguer ite; SEVIGNY, Maur ice J. Aprendizado v isual: uma análise sócio-lingüística sobre a cr ít ica de ar te no ensino de ar tistas. In: BARBOSA, Ana Mae (Org.). Arte/Educação contemporânea: consonâncias Internacionais. 2. ed. São Paulo: Cor tez, 2008. p. 388-403.#HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura v isual, mudança educativa e projeto de trabalho. Por to Alegre: Ar tes Médicas Sul, 2000.#MORRIS, Ballengee. Questões de diversidade na Educação e Cultura Visual: comunidade, justiça social e pós-colonialismo. In: BARBOSA, Ana Mae (Org.). Arte/Educação contemporânea: consonâncias Internacionais. 2. ed. São Paulo: Cor tez, 2008. p. 264-276.#THISTLEWOOD, Dav id. Arte contemporânea na educação: construção, desconstrução, re-construção, reações dos estudantes brasileiros e br itânicos ao contemporâneo. In: BARBOSA, Ana Mae (Org.). Ar te/Educação contemporânea: consonâncias Internacionais. 2. ed. São Paulo: Cor tez, 2008. p. 113-125.

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MECANISMOS DE MEDIAÇÃO DA OBRA DE ARTE: POSSIBILITANDO

EXPERIÊNCIA OU AMPLIANDO O ACESSO À

INFORMAÇÃO?

17siMone Ferreira luizines

os últimos anos, temos vivenciado um aumento da participação da educação no campo da cultura. Ao mesmo tempo, no circuito contemporâneo de arte o que se vê é que, cada dia mais, o público busca, desesperadamente, acumular informações – livros, catálogos folders, etc. – na esperança de captar alguma coisa de uma arte que é cada vez mais numerosa e disponível, mas que, ao mesmo tempo, nunca esteve tão afastada de seus leitores.

Diante disso, museus e instituições expositivas, públicas ou privadas, preocupam-se com que tipo de ação educacional tem-se desenvolvido nesses espaços, e alguns, voltado a questionar a presença dos educadores – mediador do contato entre o produto artístico e seu consumidor, o público1 – dentro de seus espaços expositivos, visto que esses espaços estão, cada vez mais, carregados de outros tipos de mecanismos de mediação, como o texto crítico, a cenografia, o vídeo, os folders, os catálogos e até os livros.

Mas será que essas informações, trazidas pelos livros especializados, catálogos, folders, textos curatoriais e até percursos cenográficos, podem sinalizar ao público o início do caminho em direção à fruição na leitura da obra de arte? Será que, de fato, diante de todas essas possibilidades de mediação que a contemporaneidade nos oferece, o educador passa a ser dispensável? Ou será que esses mecanismos apenas nos permitem acessar as informações antes desconhecidas? E se a presença do educador ainda é importante, por que é? Para avaliar a acessibilidade proporcionada por esses mecanismos é preciso refletir um pouco sobre o papel da obra de arte e analisar a intenção desses elementos que medeiam a relação entre obra e público.

Segundo Larrosa, o papel da obra de arte – mais precisamente de sua leitura – não é apenas nos trazer novos conhecimentos, mas proporcionar uma relação mais estreita entre esses conhecimentos e o que somos. Segundo ele,

Consumimos livros e obras de arte, mas sempre como espectadores ou tratando de conseguir uma satisfação intranscendente e instantânea. (...) Essa seria uma relação com o conhecimento que não é experiência, posto que não se resolve na formação ou na trans-formação daquilo que somos. (...) Pensar a leitura como formação supõe cancelar essa fronteira entre o que sabemos e o que somos. (2007:132-133)

Mas, o que é experiência? Para o próprio Larrosa (2004:152) “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece ou o que nos toca. Não o que passa ou o que acontece ou o que toca, mas o que nos passa, o que nos acontece, ou o que nos toca” e, segundo Dewey (1974:89), “seu fim é uma consumação e não uma cessação”. Fazer uma

85MEDIAÇÃO CULTUR AL PROMOVE QUE TIPO DE ACESSIBILIDADE?

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86 experiência é, portanto, permitir uma aproximação daquilo que nos interpela e para isso é necessário pôr-nos a escuta. É necessário nos dispor a ouvir e a nos expor àquilo que passa. O sujeito que não se expõe, que não é capaz de se pôr a escuta, cancela qualquer possibilidade de viver uma experiência, de ser tocado por algo e de ser trans-formado.

Pensando assim, após ler um livro, um catálogo, um folder ou texto de parede – todos, na maioria das vezes, com papel legitimador e aspecto reprodutor das ideias curatoriais –, podemos dizer que conhecemos coisas que antes não conhecíamos, ou até que esses mecanismos nos deram acesso a informações sobre o artista e sobre sua produção que antes não possuíamos. Mas, o que fazemos com essas informações a partir de agora?

Para Dewey (1974:102), nossa relação com a obra de arte não pode ser passiva. Ao acessarmos esses mecanismos mediadores e recebermos as informações oferecidas por eles, precisamos conseguir desdobrá-las em reflexões e respostas que nos ajudem a construir um conhecimento e não apenas a acumular informações. Segundo ele, “receptividade não é passividade. É também um processo que consiste numa série de atos de respostas que se acumulam, direcionados para a culminância objetiva.”

É o excesso de informação que acumulamos – com o objetivo de formar uma opinião no menor espaço de tempo possível – que cancela qualquer possibilidade de silêncio e memória, indispensáveis para que o sujeito se exponha e se possibilite ser atravessado por algo que se apodere dele, que o transforme e o torne passional.

Assim, nesse espaço possibilitador de experiências que a obra de arte nos oferece, o educador pode ser o agente que cria situações, que ordena conceitos, que propõe gestos de interrupção, nesse tempo que nos ocorre, que desestabiliza e convence o público, acumulador de informações e cheio de opiniões, a se expor para assim ouvir as interpelações da obra, permitindo-a cumprir seu papel formador e trans-formador. A partir de então, o acesso às informações sobre a arte, proporcionados pelos textos, livros e catálogos poderão transformar-se em mecanismos que abrem janelas e que disparam dispositivos de reflexão, discussão e questionamentos.

Como bem nos conta Dewey,

Todos sabem que ver através de um microscópio ou telescópio requer aprendizado, assim como ver uma paisagem tal qual um geólogo vê. A idéia de que a percepção estética é questão de momentos singulares é uma das razões para o atraso das artes entre nós. (1974:103)

Assim como em qualquer área de conhecimento, a leitura de um objeto dentro do campo da arte também requer aprendizado prévio.v

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NOTAS E REFERÊNCIAS1. CAUQUELIN, 2005. p. 50.

#CAUQUELIN, Anne. Arte Contemporânea: uma introdução. São Paulo: Mar tins, 2005. p. 165.#DEWEY, John. A ar te como exper iência. In: JAMES, William; DEWEY, John; VEBLEN, Thorstein. James, Dewey e Veblen: pragmatismo, exper iência e natureza, a Alemanha Imper ial e a Revolução Industr ial. São Paulo: Abr il, 1974. p. 458. Coleção Os pensadores.#LARROSA, Jorge. Exper iência e Paixão. In: _ _ _ _ _ _. Linguagem e Educação depois de Babel. Belo Hor izonte: Autêntica, 2004.#VEIGA-NETO, Alfredo (entrev. e trad.). Literatura, exper iência e formação: Uma entrev ista com Jorge Larrosa. In: COSTA, Mar isa Vorraberg (Org.). Caminhos investigativos I: novos olhares na pesquisa em educação. 3. ed. Rio de Janeiro: Lampar ina, 2007.

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CRIANÇA PEQUENA E

MUSEU: UMA RELAÇÃO

POSSÍVEL (E DESEJADA)1

18Maria isaBel leite

ste artigo vem alimentar o debate que está posto acerca da presença (ou a falta dela) de crianças pequenas nos espaços culturais, em particular, nos museus. Partindo de uma concepção de cultura como os modos de ser, agir e pensar de um povo, cujo acesso irrestrito é direito de todos; uma concepção de museu como lócus de preservação e divulgação de bens culturais e naturais, e ainda espaço dinâmico de imaginação, prazer, produção de sentidos e de conhecimentos; e uma concepção de criança como cidadã de direitos capaz de fazer associações e dar significação àquilo que ouve, vê, sente e experimenta e, portanto, entendida como produtora e consumidora crítica de cultura, o artigo traz à tona algumas experiências londrinas e brasileiras e as problematiza. Para tal, estrutura categorias de análise de acessibilidade que passam, prioritariamente, pelos modos de exponibilidade e, mais, pelos processos mediáticos.

Não se pode negar que ainda persiste, para muitas pessoas, um imaginário museal carregado de conceitos e preconceitos obscuros e tortuosos, como aqueles que remetem museus à imagem de espaço silencioso, bolorento e destinado a poucos. Mas verdade é que essa ideia vem sendo paulatinamente substituída pela concepção de museu como instituição viva, acolhedora e aberta aos diferentes públicos. É justamente por essa pluralidade de sentimentos e experiências vivenciados na relação do público com os museus que estes estão, dia a dia, sendo mais procurados. Já não é mais justo afirmarmos genericamente que as pessoas não vão aos museus. Certamente ainda não vão tanto quanto gostaríamos, mas as políticas culturais, em particular, as museais, mudaram muito no cenário brasileiro dos anos recentes. Hoje o papel educativo dos museus volta a ganhar força, mas já com outros contornos e preocupações – entre elas, a questão da acessibilidade.

acessiBiLidade nos Processos mediÁticos: acoLhendo os Pequeninos

Assim como na educação formal – escolas e universidades –, também nos espaços não formais de educação, a questão da inclusão e do respeito à diversidade, se não assumiram centralidade, estão, ao menos, na pauta das discussões. Se de um lado as instituições de educação formal se respaldam em leis que asseguram que todos os cidadãos têm direito a pleno acesso à educação, de outro lado, as instâncias não formais de educação buscam repensar sua relação com o público mais plural, procurando estratégias e metodologias próprias que, esquivas às avaliações e nivelações, acabam propiciando formas outras de produção de conhecimento. Ilustrando o caso do Museu do Brinquedo – metamuseu do Museu Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Piacentini e Fantin ressaltam que, “[s]endo um espaço não formal de ensino, o brincar-aprender em museu oferece uma possibilidade educativa potencial, nutrindo a curiosidade, estimulando motivações e atitudes, convidando à participação e

MEDIAÇÃO CULTUR AL PROMOVE QUE TIPO DE ACESSIBILIDADE?

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89à socialização de uma infância que teima em permanecer” (2005:67, grifo meu). Assim como esse, outros tantos museus, brasileiros e estrangeiros, vêm buscando redefinir seu papel educativo, criando uma pedagogia museal – o que nos interessa neste artigo são as estratégias voltadas, particularmente, aos pequeninos.

Embora reconhecendo todas as diferenças históricas, culturais, econômicas e sociais que nos separam da Inglaterra, trago para essa partilha a vivência educativa de alguns museus londrinos, de forma a provocar a criação de uma tessitura crítica em torno do tema. Na Tate Britain, preocupados em conquistar um público cativo e com uma questão específica ligada às minorias, o diálogo entre as diferentes culturas e a vontade de expandir fronteiras estão presentes em várias ações desse Museu. Há um esforço em dar visibilidade ao outro de forma a ressaltar sua importância. Nesse sentido, abrigam exposições que provocam reflexões acerca da relação entre sociedades muitas vezes consideradas distintas e distantes, bem como recebem grupos regularmente, tanto de jovens, quanto de crianças, sempre na busca de ações que favoreçam a todas as pessoas a entenderem os museus como espaços públicos: lugares de encontro, de fazer coisas diferentes, de divertimento. Assim, tanto em frente da obra, quanto ao ar livre no museu, o importante é que todos ali possam sentir-se acolhidos, criando um sentido de pertencimento: “o museu é nosso!”

Embora recebam todos os públicos, a ênfase nas crianças pequenas é clara. Acreditam que as crianças, como têm uma ótima memória dessas experiências, tornar-se-ão adultos que mais facilmente circularão por esses espaços de forma livre e confiante. Também a importância dada à criatividade nos projetos é muito evidenciada: criam atividades para famílias, através de jogos interativos; de uma espécie de carrinho com materiais variados disponíveis para que todos possam passar um tempo nas salas e expressar plasticamente a experiência da visitação; e ainda outros eventos especiais. Em todas as propostas, a palavra-chave é a experiência. Nessa direção, merece destaque a sua política de inclusão, que não se separa da ideia de público cativo, como mostra um de seus projetos, Grandes e Pequenos, no qual as crianças de três a cinco anos e suas famílias frequentam semanalmente o Museu e dele se apropriam como seu. Vão para as galerias, brincam, cantam, dançam, observam, conversam, expressam-se plasticamente. O Museu cria uma ambientação cênica envolvente a cada dia, de forma que as crianças “entrem” no contexto das obras. Barco inflável, capas de chuva, rede de pesca e vários tipos de peixes e crustáceos de plástico serviram de mote para a experiência teatral das crianças pequenas diante de uma obra que retratava pescadores em seu bote, puxando uma rede no mar. As vivências (corporal, musical, plástica e narrativa) que acompanharam as percepções (visual e auditiva) provocadas pelo quadro e pela fala do mediador formaram uma experiência estética memorável.

Portanto, embora tenha um acervo que abriga obras antigas caracterizadas por sua não interatividade, a Tate Britain procura reforçar, através de seus processos mediáticos, a perspectiva de acessibilidade; de museu como espaço de congregação e produção de sentidos; espaço de criação. Winstanley (2007) chama esse papel híbrido dos museus de edutenimento (edutainment = education + entertainment). Essa mesma perspectiva é encontrada na Tate Modern – outro museu londrino que trago para nosso diálogo.

Nesse espaço museal a proposta educativa varia com cada mediador, mas genericamente entendem que as crianças são mais sensíveis e, portanto, mais abertas aos estímulos sensoriais. Por isso, em muitas de suas propostas para elas, partem do corpo; vão para a experiência vivida; e, por fim, o ambiente. Diferentemente da Tate Britain, que atua o tempo todo na galeria, na Tate Modern fazem esse preâmbulo inicial

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90 em salas especialmente destinadas ao público infantil e só depois as levam para as galerias. Brincar de perceber os “círculos” e também as “bolas” (esferas) que temos no corpo; em seguida nos objetos que estão dentro de um “saco surpresa”, podendo brincar então com diversas esferas e círculos de diferentes tamanhos, cores e texturas; depois, seguir pelo Museu procurando círculos nas obras de arte expostas, comentando-os, discutindo semelhanças e diferenças; e, ao final, ainda fazer uma atividade plástica coletiva envolvendo esse mote – é um tipo de proposta oferecida nesse Museu londrino para os pequeninos.

O Museu tem uma série de programas para famílias e comunidades, com o objetivo maior de encorajar o aprendizado ativo e construir uma relação de segurança com a arte contemporânea, procurando explorar seus temas e ideias através da ludicidade. Um quiosque disponibiliza uma espécie de cardápio com os jogos a serem escolhidos. Os profissionais que ali trabalham devem explicar cada um e avaliar, pela idade e número de pessoas do grupo familiar, qual é a melhor sugestão: existem “detetives de arte” e “inspetores de arte”, que são mais investigativos; quebra-cabeças e dominós, que são bem requisitados; ou jogos para famílias mais numerosas – propostas que privilegiam o desenvolvimento da observação e do olhar de forma lúdica e criativa, nas quais o papel da imaginação é destacado como sendo de máxima importância na constituição de sentidos e que, na maioria das vezes, acolhem diferentes respostas. Há ainda sofás e mesas com livros, ou com dispositivos eletrônicos e interativos; bem como diferentes materiais para as pessoas registrarem suas experiências no Museu; além da distribuição permanente de propostas de atividades voltadas às obras da coleção que podem ser feitas na galeria, ou em casa.

Vários museus brasileiros têm estruturado seus setores educativos de forma a acolher o público infantil, embora não sejam todos os que recebam crianças pequenas. Parece que isso se dá porque, no que concerne ao atendimento aos grupos escolares, nos museus em geral, podemos encontrar basicamente duas posturas que refletem a relação deste com a criança: aquela na qual parecem solicitar mais a participação das crianças em sua dimensão imaginativa, dando-as oportunidade de experimentar, testar hipóteses, falar, perguntar, ao mesmo tempo em que são desafiadas a problematizarem suas descobertas, recebendo informações que desestabilizam as aparentes certezas – como os exemplos supracitados; e uma segunda, que privilegia um conhecimento exterior à criança e que se concentra em transmitir informações, alicerçadas em conhecimentos de História ou, em muitos casos, buscando uma fala ligada aos conteúdos programáticos. Certamente essa segunda opção dificulta o acesso dos pequeninos.

Mas o que dizem as próprias crianças sobre isso? Flores (2007) reuniu grupos de escolares de 9, 10 anos, de um colégio particular no Rio de Janeiro, com experiência prévia em visitação de museus, e investigou o que eles achavam sobre as mediações que tinham experienciado nos diferentes espaços museias. Só para destacar alguns comentários:

João Vitor (4ª série) – Quando o guia fala é chatão. Ele fala um tempão e depois a gente tem que gravar tudo! Ele fala, a gente fica umas três horas no museu! Ele fica falando umas três horas no museu. Não deixa a gente ver! Quando a gente vê, “Isso daqui é tarará, tarará e tarará.”. Não dá nem espaço pra gente ver. Já sai falando tudo e não dá pra gravar nada!

Beatriz Melo (3ª série) – Uma coisa que eu não gosto e que a maioria das pessoas falou é que tem que ficar escutando o guia e também não pode tocar nas coisas (...).

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91Aymara (3ª série) – Eu acho legal que a gente aprende várias coisas e eu acho chato três coisas: ouvir o guia, não poder ficar tocando nas coisas, nem passar das linhas marcadas.

Clara (3ª série) – Eu adoro quando pode mexer, fazer coisas no museu e não gosto que na maioria das vezes não pode tocar, e você chega perto finge que vai tocar aí já falam “Não pode tocar!” (Fazendo uma cara feia.)

A informação exterior que parece ignorar a opinião daquele que contempla causa incômodo. Também as crianças mostram que seus cinco sentidos estão aguçados na visitação – e não apenas os olhos que veem os objetos, ou os ouvidos que escutam o mediador. Se considerarmos crianças menores isso fica ainda mais evidenciado.

Young (2007) destaca que o mais importante, nos processos de fruição, é que todas as crianças, de qualquer nível de habilidade, devem sentir-se convidadas a participar. Para isso, costuma dizer aos grupos que cada um deve envolver-se com a exposição “do nosso jeito pessoal/particular uma vez que todos vamos olhá-la através de nossos próprios olhos; mas se partilharmos nossas percepções individuais, então esta imagem vai ter um sentido mais acurado para nós na medida em que aprendemos com as observações dos outros” (p. 2) – e assim ampliam-se as possibilidades de cada um “expressar suas próprias ideias, valores e sentimentos” (idem).

A questão que se coloca para ela é como levar o diálogo adiante; o desafio maior é saber perguntar e ouvir. Sublinha que crianças fazem perguntas inesperadas e, se não satisfeitas com as respostas, insistem na questão. Por isso defende que seja tão importante que, de um lado, saibamos ao máximo sobre aquilo que iremos explorar com elas; de outro, possamos favorecer seu processo imaginativo, respeitando seu tempo e sua fala.

Para Hosak (2007), o objetivo do mediador é abrir perguntas que ajudem a explorar os objetos de forma a despertar o olhar do contemplador; fazer da visita um momento prazeroso que suscite o desejo de o espectador voltar ao museu. Nos museus de arte, por exemplo, não se trata de dar aulas sobre o pintor, sobre a pintura, ou mesmo de História da Arte. “O desafio é fazer a criança penetrar na pintura, e imaginação é a palavra-chave para isso”, diz ela.

Na mesma linha que Flores (op. cit.), Ganzer (2007) também investigou a opinião de crianças, mas as de sete a dez anos, da rede pública do Rio Grande do Sul, majoritariamente sem experiências museias anteriores. Indagando se a menina Luiza, que acabara de visitar um museu de arte pela primeira vez, achava que deveria mudar alguma coisa na mediação feita, ela prontamente respondeu:

Luisa – Ser mais apreciado. Ter mais tempo para olhar.

Adriana – Mais tempo para olhar?

Luisa – É, é que eu começava a olhar uma coisa que me interessava e já tinha que olhar outra, fica difícil.

A fruição e criação de cada sujeito necessita de um tempo próprio, singular. E mais uma vez, em se tratando de crianças pequenas, isso fica mais evidenciado. Tomando por esse prisma, podemos colocar em cheque a perspectiva da pressa, tão frequente nos grupos escolares. Fisher (2007) critica o caráter eminentemente “consumista”

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92 dessas visitas, argumentando que, assim, os grupos não veem o museu, mas aquilo que está exposto; de forma isolada, descontextualizada. E enfrenta a questão, perguntando: devemos fazer tudo “consumível”, assumindo que esse é o novo modelo da sociedade? Para ela, deve-se atentar para a qualidade: de observação; de escuta; de questionamento; de possibilidade de aprofundamento... Entretanto, a autora defende que não se trata de elitizar as aproximações com os objetos museais, querendo trazer ao público comum as discussões dos especialistas, mas de enfrentar a necessidade de se criar novos métodos de aproximação: conseguir criar questões mais pertinentes; usar a nova tecnologia de forma criativa; e envolver o contemplador de forma que a experiência seja marcante, fique retida...

Nesse sentido, segundo Pye (2007), estruturam-se as propostas da Tate Britain: querem quebrar com a ideia vigente na maioria das propostas museais voltadas às crianças, que seguem o caminho de: todos sentados; olham para a imagem; e aí começam as perguntas do adulto: o que você vê? Quantos? De que cor? E as crianças com folhas de atividades para ver/responder, sempre atrás de uma única resposta certa. Defende que se pense numa narrativa na qual todas as crianças sejam estimuladas, sintam-se autorizadas a estar ocupadas e interessadas; que tenham sublinhado o que estão fazendo e não aquilo que não conseguem fazer – estratégias não só baseadas na linguagem oral, mas também nos cinco sentidos.

Pensando nessa linha e considerando os museus como espaços de produção de sentidos, podemos entendê-los também como espaços de produção/criação infantil. A Tate Modern favorece as produções infantis na medida em que disponibiliza uma série de materiais para a criança anotar, comentar, desenhar, e ainda jogos interativos que solicitam sua autoria e autonomia de pensamento. Mas é na Tate Britain que se desenvolve o processo de criação em frente às obras, como parte intrínseca da experiência estética; como um processo que não é o mesmo da apropriação, mas que é intimamente ligado a este. Enfrentar a tarefa de propor uma prática artística num espaço museal sem cair em modelos escolares, ou copistas é bastante desafiador.

Tomando como ponto de partida de suas investigações a relação entre crianças e obras de arte, Watts (2007) nos ajuda a pensar a potencialidade dos pequeninos e afirma que “mesmo crianças pequenas são capazes de refletir sobre os motivos que os artistas podem ter tido para criar seus trabalhos” (p. 255). Assumindo que crianças de pouca idade enfrentam permanentemente o desafio de fazerem-se entender pelo uso da linguagem oral, “através do encontro com o trabalho do artista, elas podem realizar que há outras formas comunicacionais abertas a elas, formas que se colocam como menos exigentes no que diz respeito à aquisição da linguagem” (idem) – o que pode ser libertador para elas! (p. 257). O autor defende que em contato com obras de artistas, artesãos e designers, crianças poderão aproximar-se e respeitar diferentes tradições culturais; bem como estabelecer relações entre suas próprias produções e as observadas; e ainda desenvolver o senso crítico diante das obras.

O autor sinaliza, também, para outra importante questão, tão presente nas diversas práticas educativas: as obras podem ser inspiradoras, mas não devemos estimular as crianças a copiá-las – ao contrário, devem ser entusiasmadas a criar suas próprias respostas e expressões a partir do visto. A relevância dada à autoria está presente não apenas na perspectiva da produção, mas também da apropriação. Sugere que as crianças devem aprender a interrogar o estranho, enfrentando e adentrando seus mistérios: “uma imagem ou objeto tem o potencial de nos estimular, nos desafiar e enriquecer nossas vidas” (p. 261). Encorajar a multiplicidade de visões e autorias está na base

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93da pergunta feita às crianças: “Estamos todos vendo o mesmo quadro?” – a partir da troca de opiniões e olhares, as crianças ficarão “surpresas em descobrir como pessoas podem perceber o trabalho artístico de diferentes formas” (p. 265). Vale ressaltar que podemos extrapolar as observações de Watts para qualquer objeto, não aprisionando-as apenas às obras de arte. E para que as crianças possam relacionar-se autonomamente com os diferentes artefatos museais, faz-se importante uma reflexão sobre as formas de exponibilidade dos mesmos.

acessiBiLidade nos modos de eXPoniBiLidade: ainda acoLhendo os Pequeninos

Alguns museus brasileiros, assim como a londrina Tate Modern anteriormente citada, criam salas especialmente destinadas às atividades com turmas escolares. Embora possam favorecer o desenvolvimento de atividades bastante interessantes, o cuidado que se deve ter diz respeito à diluição de fronteiras entre o museu e as instituições de ensino formal, como a escola, podendo gerar a tão indesejada escolarização dos museus (Leite, 2005). Santos (1997) aponta para o risco desse tipo de associação, uma vez que “a ‘escolarização’ do museu seria um equívoco, visto que este deveria procurar promover atividades baseadas em metodologias próprias – um ‘fazer educativo-museológico’ – que também poderia chamar-se de ‘museologia criativa’ (p. 28)” (apud Leite, 2005: 37). No museu pode-se melhor desenvolver a aprendizagem sensorial, espacial, estética e tantas outras específicas que diferem das escolares; e ainda sem a pressão da avaliação, do tempo espremido, das exigências curriculares. Isso diz ainda do fortalecimento da parceria museu-escola – como outras relações sociais, essa também não se constitui sem conflitos; talvez a ambos falte o exercício de alteridade; de perceber que o papel educativo dos museus não é o mesmo da escola; bem como o papel do educador de museu tampouco é o do professor; assim como as atividades propostas em cada uma das instituições guarda especificidades; e, ainda, que o próprio espaço do museu é diferente do escolar.

Outro aspecto importante para repensar formas de favorecer a apropriação do público infantil diz da própria musealização dos objetos. Sem dúvida um espaço amplo, com pé direito alto, favorece os sonhos e devaneios; mas a altura em que são expostos os objetos, para fruição dos pequeninos, tem de ser revista. O Museum of Childhood, também londrino, cria vitrines-cenários desde rente ao chão, com uma altura máxima que não ultrapasse a visibilidade infantil. O Museu da Infância brasileiro, ligado à Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), criou vitrines de madeira coloridas, de diferentes tamanhos, que remetem aos blocos de construção infantis, que ficam dispostas de tal forma que permitem o acesso visual até mesmo de bebês engatinhando.

Além da altura dos objetos, a quantidade e qualidade das informações disponíveis também pode ser pensada para incluir as crianças pequenas. Voltando ao Museum of Childhood londrino, ele traz, nas paredes, textos voltados aos adultos, em particular, aos leigos. Em seu site, dispõe de informações mais detalhadas destinadas aos professores; mas em suas vitrines, a fim de acolher também ao público não leitor, usa de poucas palavras e as entremeia com imagens, às vezes desenhadas por crianças – tudo para favorecer a recepção dos meninos e meninas que por ali circulam.

Cabe ressaltar que quando penso as diversas formas de exponibilidade, não defendo que crianças pequenas devam participar exclusivamente de exposições interativas. Os exemplos dados anteriormente acerca das experiências na Tate Britain e Modern mostram que é totalmente possível pensar em formas de fruição sensoriais que não

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94 incluam tocar os objetos quando esses não podem ser manipulados. Entretanto, isso não exclui que pensemos em outras possibilidades para o toque, como o uso de réplicas, oferecidas na galeria tátil do Museu do Louvre, em Paris, só para citar um exemplo. Mesmo não sendo condição, é inegável que poder tocar ou viver experiências diretas com os objetos favorece a apropriação dos pequeninos, facilitando sua experiência estética singular – o desafio é criar formas diferentes para isso. Phillips (2007) destaca que um dos maiores desafios para a educação em museus hoje, diante de tantas possibilidades que se configuram, é oferecer ao visitante propostas também criativas; uma surpresa, uma nova possibilidade de aproximação dos objetos museais – afinal, para o autor, as experiências museais devem ser a base de um pensamento reflexivo mais autônomo e autoral.

Por fim, cabe lembrar que crianças pequenas não vão sozinhas aos museus e esse talvez seja o primeiro e maior obstáculo a ser enfrentado – aquele que diz respeito ao adulto que a leva:

(...) não é difícil perceber e reconhecer o papel que o adulto assume como mediador da criança frente aos equipamentos culturais disponíveis em seu entorno. Desta forma, enquanto adultos considerarem museu espaço de coisa morta, mais remota será a possibilidade de a criança ressiginificar esta visão e poder, então, experimentar a relação com o museu como espaço de troca, descoberta, produção de sentido, criação, espaços de memória, de história, de vida. (LEITE, 2006:81)

Este artigo não se pretende conclusivo, mas mais um convite a novas questões. Suas reflexões, embora sempre provisórias, possibilitam a percepção dos diferentes modos de entender o papel social do museu (que variou desde espaço sagrado e silencioso, a espaço de troca e de produção de conhecimento); bem como defender a importância e urgência de se solidificar políticas de inclusão nas diferentes instituições de cultura, entendendo que o acesso à mesma é direito inalienável de todos – incluindo nesse todos, as crianças pequenas. Nesse sentido, indica que a fruição e a criação das crianças necessitam da consolidação do museu como espaço encantamento e o afloramento da emoção... Bases essenciais dos processos de fruição e criação infantis.v

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NOTAS E REFERÊNCIAS 1. Este texto incorpora par tes do ar tigo “O museu como espaço de apropr iação e produção ar tíst ico-cultural infantil”, apresentado no Minho/Por tugal, em 2008. A s ref lexões nele presentes estão presentes em minha pesquisa de pós-doutorado intitulada “Museum’s and galleries’ education in London – an outsider v iew”, desenvolv ida de janeiro a junho de 2007, na Roehampton University, Londres-Inglaterra. Seu objetivo foi perceber de que forma sete dos museus br itânicos (Museum of Childhood; Pollock’s Toy Museum; Foundling Museum; Science Museum; Tate Britain; Tate Modern e The Natioonal Gallery) favoreciam, ou não, os processos de apropr iação e produção de conhecimentos por par te de professores e alunos.

#FISHER, Susie. Meet the new boss… same as the old boss. Palestra profer ida no Annual Group Meeting (AGM) do Vis itor Study Group (VSG), na Br it ish Librar y, 13 fev. 2007 [mimeo].#FLORES, Celia L. B. O que as crianças falam sobre museus? D isser tação de Mestrado. F lor ianópolis: UFSC/CED, 2007. #GANZER, Adr iana A. “Ser mais apreciado, ter mais tempo pra olhar. É que eu começava a olhar uma coisa que me interessava e já tinha que olhar outra”: ref letindo sobre a relação dialógica entre o museu de ar te e a escola. Disser tação de Mestrado. Cr ic iúma: UNESC/PPGE, 2007. #HOSAK, Karen. Take one P icture. Palestra profer ida durante um CDP-Training Day, na National Galler y, 16 fev. 2007. Anotações pessoais.#LEITE, Mar ia Isabel. Museus de ar te: espaços de educação e cultura. In _ _ _ _ _ _. & OSTETTO, L. E. (Orgs.). Museu, Educação e Cultura: encontros de cr ianças e professores com a ar te. Campinas: Papirus, 2005. p. 19-55._ _ _ _ _ _. Cr ianças, velhos e museus: memór ia e descober ta. In: PARK, M. B. & SIEIRO, R. (Orgs.). Filigranas da memór ia: intercâmbios de gerações. Cadernos CEDES, São Paulo: Cor tez; Campinas: CEDES, v. 26, n. 68, p. 74-85, jan./abr. 2006.#PHILLIPS, Annabelle. Qualitative Research: a different perspective. Palestra profer ida no Annual Group Meeting (AGM) do Vis itor Study Group (VSG), na Br it ish Librar y, 13 fev. 2007 [mimeo].#PIACENTINI, Telma A. & FANTIN, Monica. Museu do Br inquedo como centro cultural infantil. In: LEITE. M. I. & OSTETTO, L. E. (Orgs.). Museu, Educação e Cultura: encontros de cr ianças e professores com a ar te. Campinas: Papirus, 2005. p. 55-71.#PYE, Matilda. Learning in the Museum. D isc iplina oferecida para alunos de Mestrado da Roehampton University. Londres: Roehampton, 2007 – anotações pessoais.#SANTOS, Magaly de O. C. Lições das coisas (ou Canteiro de Obras): através de uma metodologia baseada na educação patr imonial. D isser tação de Mestrado. Rio de Janeiro: PUC-Rio/Depar tamento de Educação, 1997.#WATTS, Rober t. Using Ar tist’s Work. In: _ _ _ _ _ _. & COX, S. (Orgs.). Teaching Art and Design 3-11. Austrália: Continuum International, 2007.#WINSTANLEY, Carr ie. New ways of Learning: Learning Through Leisure. D isc iplina oferecida aos alunos de graduação da Roehampton University. Londres: Roehampton, 2007. Anotações pessoais.#YOUNG, Jane. Autumn Landscape with a View of Het Steen in the Early Morning. Palestra profer ida durante um CDP-Training Day, na National Galler y, 16 fev. 2007 [mimeo].

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OBSERVAR E COMPREENDER:

A MEDIAÇÃO CULTURAL ENQUANTO REGISTRO

DE UMA PRESENÇA VITALÍCIA NO MUNDO

19anderson Pinheiro santos

az pouco tempo que resolvemos – uma específica equipe pedagógica de uma escola recifense – levar um grupo de alunos da educação fundamental I à uma exposição sobre o Modernismo Brasileiro. A exposição era de reproduções, mas no fundo isso não afetava tanto a nossa ida, já que parecia uma extensão da sala de aula – na qual normalmente já trabalhamos com reproduções – e a simples ideia de estudar fora da escola sempre é comemorada por qualquer corpo discente. Mas, para que isso acontecesse foi feito um projeto voltado para a tão discutida parceria escola-museu, incluindo as etapas do antes-durante-depois, que levava-nos (ANTES) a estudar o conteúdo da exposição, em parceria com os conteúdos já planejados no ensino de Artes Visuais, a conhecermos a exposição e a dialogar com os educadores do lugar.

No “grande dia”, ou os três grandes dias já que foram muitas turmas, cada aluno tinha uma felicidade tão grande no olhar, no gesto, na fala, que lembrei logo de minhas saídas da escola para essas atividades extracurriculares e o quanto eu gostava delas. O quanto as mesmas tocaram-me de uma maneira que até hoje se torna um marco em minha vida. Voltemos aos alunos. Lá, todos os procedimentos adotados (DURANTE) nos museus e instituições culturais foram praticados: uma conversa anterior como um processo de sondagem do conhecimento do grupo e encaminhamentos de processos de visualização do acervo. E foi exatamente nesse momento que tivemos um problema onde era para haver uma possibilidade de concretizar uma experiência única. A comunicação entre educador e público aconteceu, segundo alguns estudantes, com ruídos de compreensão.

Mediar alguém em um museu (ou afins) é reconhecido, dependendo do interlocutor e de sua experiência, como um ato por vezes egoísta, por vezes divertido, por vezes indiferente. A diferença será percebida no momento em que o profissional que medeia “interage” com o outro. Porém, o fato de perceber pessoas indo a exposições e tendo experiências negativas (ou má interações) com uma visita costuma incomodar a alguns educadores que buscam uma melhor aproximação entre as partes, museu-público. É fato, que alguns visitantes se questionam porque deveriam ser eles mesmos, locais de despejo informacional durante a mediação.

No meio circundante, a mediação em si é percebida o tempo todo nos elementos existentes e que tentam nos passar algum tipo de informação. Encontramos, na mídia impressa, radiofônica e/ou televisionada; nas conversas aleatórias; na percepção dos elementos participantes do cotidiano; nas aulas, palestras, discursos, etc.; até na aproximação ou no estranhamento do que se absorve do entorno, modos de estar entre o sujeito e o objeto. O diferencial entre eles será a atitude em que esse elemento procurará se apresentar ao sujeito; preferencialmente de maneira que desperte sua

MEDIAÇÃO CULTUR AL PROMOVE QUE TIPO DE ACESSIBILIDADE?

96

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97atenção. A isso se dá o nome de dispositivo, que no caso da mediação cultural pode ser percebida pelo uso da cor, da textura, de palavras-chave, etc.

Para qualquer um dos exemplos acima citados o espectador sai do rumo de sua trajetória já programada, portanto automática, de recepção dos elementos do mundo e passa a analisar criticamente (e ativamente) o que acontece no seu entorno até se sentir seguro para prosseguir. Sai do automatismo racional. Fazendo-se assim, nesse processo de sedução, que seja executada uma corporificação do conhecimento (Duarte, 2008:36). Segundo Duarte, a corporificação acontece quando temos conhecimento de fato do que estamos observando; é como se sentíssemos o estopim, o eureka, de uma situação, ou como o mesmo explana:

É a experiência estética! É um estágio de vertigem que pode amorosamente conduzir uma pessoa a relativizar o ponto de vista do qual ela vê o mundo. Se você consegue ajudar alguém a relativizar o ponto de vista do qual ela vê o mundo, ela cria enormes possibilidades de se afetar por circunstâncias do mundo que nunca lhe foram apresentadas. (2008:37-381)

Nessa corporificação, a grande clareza das coisas se dá quando percebemos o que acontece, principalmente quando algo nos acontece. Sentimos, com essa percepção, vontade de passos cada vez mais largos e voltas cada vez mais longas. Mas, não sabemos exatamente como é possível seguir adiante se não nos acontece nada que nos faça perceber que existem mais elementos entre as coisas do mundo do que queriam nos mostrar os nossos olhos.

A cada imagem assimilada, incluindo aqui cada som, cheiro ou gosto, novas informações poderão ser acrescentadas e novas memórias poderão ser escritas. Mas, não é suficiente. Nosso estar no mundo parece depender da busca cada vez mais centrada em ações que nos deem um novo sentido para o que nós já conhecemos, e isso não é apenas uma busca pela inferência2 dos fatos do mundo. É a pura concretização de uma experiência, a partir da assimilação dos fatos que nos acontecem, que nos modificam.

Buscar nos meios que nos circunda a resposta para as situações em que nos encontramos parece ter sido sempre um desdobramento da própria vivência humana. Constatamos que a ação constante que fazemos ao selecionarmos imagens comuns a nossa percepção diária, presentes nos nossos cotidianos (principalmente quando apresentadas num novo contexto) e transformá-las numa nova imagem-informação, faz-nos espectador-participador mais ativo nas reflexões que nos são direcionadas (algumas vezes, condicionadas) a partir do uso do espaço-tempo.

Percebemos assim que podemos

(...) admitir, portanto, que a experiência é, de fato, formada. Atos e eventos, palavras e imagens, impressões, alegrias e dores, até mesmo confusões, só se tornam significativas na medida em que podem se interrelacionar dentro de alguma estrutura, tanto individual como social: uma estrutura que, embora tautologicamente, lhes confere significado. A experiência é uma questão tanto de identidade como de diferença. É tão única quanto compartilhável. (SILVERSTONE, 2005:27)

Isso porque o tempo todo nós absorvemos informações que nos conectam através dos sentidos a nossa presença no mundo, passando a ser um desafio compreender os mecanismos que as transformam num elemento diferencial que termina por nos

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98 modificar. Poderíamos citar como exemplo desse encontro, o som do mundo. Som esse que se transforma em sensações, que gera imagens, que cria conceitos, que nomeia as coisas, que elabora status, que gera barreiras (ou aproximações), que acomete o juízo, que se desdobra num gesto, que... que..., ou seja, que está em constante transformação em nossos registros de inferências.

Sendo assim, percebemos que numa mediação

O importante é menos receber uma grande quantidade de público e disso se vangloriar do que constatar se o visitante tirou proveito de sua visita, verificou, enriqueceu seus conhecimentos e fez algum intercâmbio, aguçou sua curiosidade e seu espírito crítico, cultivou sua sensibilidade, sentiu prazer, estimulou sua criatividade, melhorou seu modo de vida, privada e pública. (Giraudy e Bouilhet, 1990:92)

Essa relação é percebida na (sempre) crescente vivência conurbarda3 desses espectadores (com o mundo, com o outro) que se põem a reflexão de sua atuação/apreensão num tempo em que o que se presencia é algo que não se encontra mais naquele espaço. A cada instante. O tempo todo. Passa a ser uma nova informação da mesma coisa a que estava (ilusoriamente) habituado. Via, mas não enxergava.

Para que percebêssemos essa nova informação, segundo Larrosa (2004:152), seria preciso que acontecesse “um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos atuais” que fosse o produto da experiência vivenciada. Pois, “a experiência é um encontro”. Isso porque a mesma não é a simples conclusão de uma ação, e sim “o que nos passa, ou o que nos acontece, ou o que nos toca” (grifo nosso).

Sendo assim, podemos considerar que ela tem sua existência comprovada, geralmente, quando observarmos algo, a partir de estímulos ocasionados pelo uso de recursos diversos (o “gesto de interrupção”) e somos levados a transitar em espaços que são compreendidos como alicerces de memórias (individuais e coletivas) que se retêm na malha nostálgica4 enquanto registro de uma presença vitalícia no mundo.

O mediador cultural deveria por em prática discursos que se entrelacem com o tempo/espaço/conceito da produção imagética com o do observador, possibilitando assim reconfigurá-los numa nova dimensão de conhecimento. Para que esse processo aconteça é preciso que sejam realizadas diversas estratégias de mediação que visem despertar no outro a percepção, através da descoberta e compreensão de um saber.

Essa percepção aliada ao processo de ver e decodificar; de produzir outros significados; ressignificar; gerar inferência nos elementos que ainda não conhecemos; está além do simples rotular. Perceber, portanto, estar além de inferir significados, pois, essa ação tende a causar uma desestabilização do ser que pensa estar num lugar-comum da imagem-situação vivenciada.

Aparentemente tudo se resume aos modos de percepção. Mas para que isso aconteça é preciso empenho.5 Podemos compreender a percepção se levarmos em conta o processo pela qual a mesma acontece. Segundo Ching (2007:4), quando recepcionamos uma informação imagética são os olhos que captam através de “impulsos energéticos em forma de luz” o que de mais simples podemos captar diante do todo da forma observada, e é dessa observação que são extraídas “as características visuais básicas” que nos ajudarão a efetuar a interpretação mental, “a inferência sobre o mundo”. Mas, para que esse processo fixe-se em nossa mente é preciso que utilizemos essas características que

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99foram assimiladas de modo a melhor compreendermos o que observamos criando um único significado que possa facilitar o registro mental, ocasionando assim a inferência.

Sendo assim, acrescentamos informação ao que percebemos a cada vez que não sentimo-nos satisfeito com a quantidade de dados que foram levantados, ou que foram possíveis de serem organizados acerca do elemento visualizado. Quando sentimo-nos satisfeitos, armazenamos e partimos para o próximo item a ser conhecido-memorizado-armazenado, ad continuum.

Até porque,

A percepção não pode ser entendida como a imposição de determinados significados a determinados signos sensíveis, pois esses signos são indescritíveis, em sua mais imediata textura sensível, sem a referência ao objeto que significam. (PONTY, 1969:21)

Que malha invisível, portanto, existe entre o público e a obra, que parece ser repleta de recordações, reconhecimentos de si, percepção do meio em que está inserido, entre tantos outros fatores, e que cria formas de memórias individuais e coletivas que se emergem a partir do contato desse público com os elementos imagéticos constantemente, embora nem sempre visualmente, reconfigurados?

E é nesse momento, da realização do encontro, onde se conectam o espaço e o tempo entre o sujeito e o objeto, e onde estão implícitas informações que aparentemente ainda não se formaram em nós, que percebemos o quanto de experiências de nossos antepassados vão se configurando até os dias atuais. E nessa mesclagem de tempos e espaços vamos delimitando, num ato contínuo, o processo de construção e reconstrução das itinerâncias6 do ser perante o que é percebido e o que é assimilado.

Sendo assim, a relação de ser aquele que produz ou absorve (o que é uma constante) sempre é intercambiada por aquele que escolhe. Pois, o que acontece é uma troca (logo, um diálogo) constante entre as partes, mesmo que seja no mesmo ser, que seleciona as imagens e informações do mundo e compõe suas próprias inferências e as transmitem através de opiniões, gestos ou produções. Podemos, inclusive, chamar esse ato de intercambiar de interação, já que a mesma permite uma troca constante de informações que são transformadas, retransformadas e facilitando inclusive uma nova abordagem

Atitude essa que, muitas vezes, leva-nos a identificarmo-nos com as referências e elementos visualizados por adequarmos a nossa visão para algo específico na tentativa de decodificar determinada informação. São aquelas pequenas ocorrências que passam a nos importar porque agora observamos e compreendemos. Com esse fato, segundo García (2006), “o espaço se amplia através das significações que ocorrem nos meios para desencadear uma reflexão no fora, no lugar de fuga do dispositivo através do trajeto e da percepção da obra.”

Relacionar essa percepção, ou melhor, essa recepção do mundo com as conexões criadas a todo instante é perceber o quanto estamos sendo influenciados pelo que nos induz a desejar, a pensar, a comprar, a sonhar e até a sentir. Segundo Gitlin,

Crescer nessa cultura é crescer na expectativa de que imagens e sons estarão à nossa disposição e que as histórias que compõe serão sucedidas por mais histórias, todas pedindo nossa atenção, todas se esforçando para fazer sentido, todas, em certo sentido, nossas. (GITLIN, 2003:25-6)

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Mas, não se trata só de indução e manipulação. Afinal, é superficial acreditar que o uso de recursos, os dispositivos, induza o espectador na construção de seu raciocínio. Trata-se, a priori, de percepção. De utilizar esses recursos para permitir que o outro “veja o mar7”. Conduzi-lo na construção dessas experiências está relacionado ao modo como o outro avança nos estágios8 da percepção visual.

Corporificar o conhecimento ou ter a experiência é materializar uma ideia ou conceito de modo a gerar mudanças de comportamento – nem sempre significativo – que por si só propulsa o ser na busca de outras visualidades. Pois, para sair do lugar-comum é preciso perceber o quanto, na verdade, nos permitimos termos experiências com as coisas.

Bom, é por isso que foi dito que “a comunicação (...) aconteceu (...) com ruídos de compreensão”. Alguns alunos receberam tantas informações, algumas das quais eles não compreenderam do que se tratava, que terminaram com uma ideia equivocada da mediação. É verdade que amaram ver fora da sala de aula as imagens que havíamos trabalhado na disciplina e gostaram do lugar em que foram expostas. Mas, acharam que “visitar o museu era chato demais. Falam muito e não entende nada”. Que pena! Vai ser preciso uma nova chance para conquistar esse público de modo que disseminem o que de bom há numa visita a um espaço cultural e percebam nos objetos e ideias expostas meios de se perceber no mundo.v

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NOTAS E REFERÊNCIAS1. Entrev ista publicada no Caderno de textos Diálogos entre Arte e Público: dos diálogos que temos aos diálogos que queremos, v. 1 (Prefeitura do Recife, 2008).2. Teor ia desenvolv ida por Chr is Argyr is, em 1990, conhecida como “Escada da Inferência” (Ladder of Inference), que sugere que adotamos conceitos baseados em conclusões efetuadas diante do que obser vamos (mesmo sem terem sido comprovados), acrescidos por exper iências passadas. Após ver ou ouv ir alguém falar ou agir, as pessoas absor vem e somam as novas obser vações/informações com seu conjunto de suposições já ex istente, algumas vezes inc itando ações que têm apenas uma relação distante em relação ao que foi or ig inalmente obser vado ou ouv ido. (Degraus da escada da inferência: Minhas crenças influenciam os dados que seleciono = Coleto todas as informações do mundo como os dados e as experiências observáveis » Eu seleciono dados a partir do que observo » Eu absorvo significados (culturais e pessoais) » Eu faço suposições baseadas nos significados que absorv i » Eu tiro conclusões » Eu adoto crenças sobre o mundo » Eu ajo de acordo com minhas crenças.)3. Aqui a palavra conurbarda é usada enquanto var iação da palavra conurbação, que é essa unificação da malha urbana. Sendo encontro no qual não se percebe, a não ser graficamente, o seu iníc io nem fim gerando assim numa unidade. Conurbarda, por tanto, é a denominação usada para demonstrar, hipoteticamente, a distância entre localidades que, na verdade, ex iste como continuidade.4. A malha nostálg ica, que é um elemento onde ocorre os encontros, é incorpórea e consiste dos elementos incorporais como o lugar, o tempo, o vaz io e o expr imível. Anne Cauquelin (Freqüentar os incorporais: contr ibuição a uma teor ia da ar te contemporânea. São Paulo: Mar tins Fontes, 2008.) nos faz ref letir sobre esse espaço incorporal onde isso ocorre, pois, “na recordação de um encontro, dá-se o mesmo: formas – um rosto, um gesto, uma conversa, o pedaço do jardim onde o encontro teve lugar – destacando-se como figuras contra um fundo.”5. “Atenção: a percepção requer empenho” é frase chave de todas as obras do ar tista catalão Antoni Muntadas desde a década de 90, que encontra nos produtos das mídias um modo de causar uma reconfiguração das ações humanas, divulgada pela mídia, pr inc ipalmente no campo polít ico. Permitindo assim uma ref lexão constante diante da percepção dos modos que a informação é midiatizada e manipulada, levando o espectador à percepção de si. A imagem e a informação manipuladas nos causam também ref lexões sobre a temporalidade dos discursos, gerando novas interpretações a cada nova conexão que é efetuada no ato de obser var, e não apenas de ver.6. A it inerância é um conceito utilizado nos meios de comunicações e está relac ionado com a capacidade de um disposit ivo de mover-se de um espaço para outro. O verbete também é encontrado como termo itinerante nas áreas das c iências sociais, polít icas e da histór ia e relaciona-se a percepção de um comportamento do leitor (cuja ação de ler é geralmente considerado um ato de absorção passiva), demonstrado pelo estudioso Roger Char tier (que c ita Michel de Cer teau), como o ato de caráter dinâmico na leitura que permite uma constante interativ idade entre as par tes (leitor e leitura).7. “A função da ar te/1” é um pequeno texto de Eduardo Galeano (O livro dos abraços, 1991) que fala da relação de um menino com o mar. Como não o conhecia, pede ao pai essa v isualidade. Ver o mar de per to lhe tira a fala e gera num pedido: “– Me ajuda a olhar”.8. Na leitura de imagens há alguns pesquisadores que chamam o processo de amadurecimento dos modos de perceber/ler uma imagem de estágios. Como exemplo, podemos c itar Abigail Housen (1983) e Michael Parsons (1987), dentre outros, que falam de cada etapa do processo (que podem durar tempos de diferentes medidas).

#GARCÍA, Néstor Canclini. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4. ed. São Paulo: Edusp, 2006.#CHING, Francis D. K.; JUROSZEK, Steven P. Representação gráfica para desenho e projeto. Barcelona: Editor ial GG, 2007.#GIR AUDY, Daniele; BOUILHET, Henr i. O museu e a v ida. Tradução de France Filiatre F. da Silva. Belo Hor izonte: Ed. UFMG, 1990.#GITLIN, Todd. Mídias sem limite. Rio de Janeiro: Civ ilização Brasileira, 2003.#HALBWACHS, Maur ice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2004.#LARROSA, Jorge. Exper iência e paixão. In: Linguagem e educação depois de Babel. Belo Hor izonte: Ed. Autêntica, 2004. p. 151-165.#SILVERSTONE, Roger. Porque estudar a mídia? São Paulo: Ed. Loyola, 2005.

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PROJETO “MÚSICA NA ESCOLA”:

ACESSO À EDUCAÇÃO E À

CULTURA MUSICAL

20álvaro henrique Borges

o ProJeto “mÚsica na escoLa” do estado de minas Gerais

O projeto de integração escolas e conservatórios nasceu para suprir a demanda do ensino de Arte e da difusão da produção artística no Estado de Minas Gerais. Além de despertar precocemente o interesse musical das crianças desde o ensino básico, o trabalho desenvolvido pelos educadores do Projeto pretende fomentar o desenvolvimento artístico, orientar a apreciação crítica e estética da música e incentivar a criação e a interpretação nas suas diversas manifestações. Um aspecto importante deste trabalho é a sua proposta de contribuir para a boa conduta da formação humana, buscando a melhoria da qualidade de vida e o despertar da cidadania.

Onde ocorre?

A seguir exporemos uma amostra do Projeto sediada no Sul de Minas, cuja organização básica do Projeto se dá da seguinte forma: administrado pelo Conservatório Estadual de Música “Juscelino Kubitscheck de Oliveira” (na cidade de Pouso Alegre), que, por sua vez, é mantido pelo Estado de Minas Gerais.

O organograma seguinte esboça a dinâmica de funcionamento e a colocação do Projeto “Música na Escola” dentro do Conservatório Estadual “Juscelino Kubitscheck de Oliveira”:

90DISSEMINANDO CULTUR A

Figura 4. Organograma da situação do Projeto “Música na Escola” dentro do Conservatório “JKO”. Fonte - CEMJKO 2007

Direção

Coordenação Administrativa

Departamento de Música

Projeto “Música na Escola”

Coordenação Pedagógica

Professores

Escolas da Rede Regular de Ensino

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estrutura didÁtico-PedaGóGica do ProJeto

O Projeto prevê, nas ações dos professores, um embasamento nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (1998) e os objetivos pedagógicos gerais propostos são enunciados a seguir:

• Desenvolver os aspectos: físico, intelectual, emocional, psicomotor e perceptivo dos alunos das escolas regulares atendidos pelo Projeto;

• Desenvolver neles a apreciação (gosto) pela música;

• Partilhar conhecimentos para que o aluno demonstre prazer em compreender a música como disciplina e forma de expressão;

• Conhecer e valorizar a cultura brasileira continuando a transmissão de seus valores;

• Proporcionar a formação de cidadão sensíveis, reflexivos e criativos;

• Trabalhar o indivíduo e seu meio, considerando-o um elo com sua própria comunidade e com a natureza.1

O Quadro 1, a seguir, demonstra os níveis de atuação e expectativas de abrangência demonstradas pelos objetivos pedagógicos gerais do Projeto “Música na Escola”:

Desenvolvimento Pessoal Físico-intelectual

Psico-emocional e motor

Autoconhecimento e autoestima

Desenvolvimento Musical Escuta ativa e crítica

Conhecimento artístico das linguagens musicais

Domínio técnico do instrumento ou canto

Desenvolvimento Social Valorização do patrimônio cultural

Integração social

Formação cidadã reflexiva

Agentes de transformação social pela Arte

Quadro 1. Abrangência e expectativas dos objetivos pedagógicos gerais do Projeto “Música na Escola”

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O Conteúdo Programático adotado apresenta, de início, algumas questões conceituais, relativas à teoria, à prática, ou à Literatura. São elas:

• que é som?

• que são parâmetros do som?

• que é escuta?

• que é música?

No que se refere aos procedimentos metodológicos, o Projeto privilegia três aspectos:

• Desenvolvimento da percepção auditiva e da reprodução sonora (escuta e consciência sonora), principalmente pela prática do canto coral;

• Desenvolvimento da capacidade de reconhecimento e interpretação dos elementos específicos da linguagem musical (estilo, gênero e época);

• Consciência e domínio motor para manuseio dos instrumentos musicais e da voz, tanto para a fala, quanto para o canto (interpretação e execução musicais), principalmente na busca de procedimentos lúdicos e forma interativas entre os grupos de instrumentos e o canto coral.

No Quadro 2, a seguir, foram classificadas as frentes de atuação do Projeto demonstrando-se a concentração dos conteúdos por disciplina; observe-se, porém, que esses conteúdos interagem dinamicamente uns com os outros e podem ocorrer em mais de uma das classes:

Frentes de atuação do Projeto “Música na Escola”

Canto coral Musicalização Práticas instrumentais

Apreciação musical

Escuta, consciência sonora

e interpretação musical

Conhecimento teórico-prático da linguagem musical

Domínio técnico e interpretação

musical

Estilo, gênero e época

Quadro 2. Classificação das frentes de atuação do Projeto “Música na Escola” e seus conteúdos

Como reflexo do trabalho musical nas escolas, espera-se que os alunos desenvolvam a concentração, a escuta reflexiva e crítica, a criatividade, a integração, a sociabilidade e o senso de coletividade. Esse processo permite a fixação do conteúdo desenvolvido em sala de aula, bem como as possíveis adaptações, por vezes, necessárias pelas peculiaridades de cada escola: estrutura física, número de alunos, faixa etária, interesses, habilidades e outros.

Formas de construÇão do conhecimento

Comenta-se, a seguir, o Plano Metodológico e as Estratégias de Ensino adotados nesse processo. Para isso, parte-se das orientações oriundas dos PCNs, as quais preconizam:

Para que a música possa ser fundamental na formação de cidadãos é necessário que todos tenham a oportunidade de participar ativamente como ouvintes,

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intérpretes, compositores e improvisadores, dentro e fora da sala de aula. (...) a escola pode contribuir para que os alunos se tornem ouvintes sensíveis, amadores talentosos ou músicos profissionais. (pcns, 1998:77)

De forma cronológica, o Plano de Ensino prevê duas etapas com a duração de dois anos letivos cada. Esta procura adequar as estratégias de ensino à grade curricular dos quatro anos, correspondentes ao período da 1a à 4a séries (Ciclos I e II) e ao período da 5a à 9a séries (Ciclos III e IV).2 No entanto, observe-se que, na maior parte das escolas, o Projeto atende ao período da primeira fase: 1a à 4a séries escolares.

Na primeira fase, o planejamento se centra proeminentemente na apreciação musical, na sensibilização e na interação coletiva dos atuantes. Apoia-se, portanto, em ações práticas e vivência da literatura musical. Programam-se, para o desenvolvimento em classe, os seguintes itens:

• Jogos musicais e brincadeira de contato, cantigas de roda e cirandas, exploração de temática regional;

• Percepção sonora: observação e análise do som ambiente, internos e externos, e reprodução dos mesmos (onomatopeias);

• Explicação teórica da procedência e propagação sonora com exemplos práticos;

• Vivência de escuta sobre as qualidades do som (altura, duração e intensidade e timbre);

• Conhecimento do cancioneiro brasileiro regional: interação com a literatura, a partir da qual se desenvolvem propostas de leitura, poesia, canto e danças;

• Apreciação musical: escolhem-se compositores e trabalha-se na contextualização e interpretação da literatura musical (nesse caso contextualizam-se gênero, estilo e época);

• Prática musical: diversas formações instrumentais em classe, em que os alunos desenvolvem, criam e interpretam melodias simples, cantadas ou faladas. O foco é colocado na socialização, concentração e no desenvolvimento psicomotor.

Parte-se, então, após dois anos, à segunda etapa, na qual o conteúdo trabalhado é mais denso e específico do que o desenvolvido na etapa anterior. Os objetivos se voltam para a técnica e conhecimento aprofundado da linguagem musical, apoiando-se nas ações procedimentais do desenvolvimento musical. Essas ações englobam:

• Intensificação da primeira etapa de forma menos lúdica e mais específica: as brincadeiras e jogos tornam-se atividades de caráter menos recreativo e passam a ser mais conscientes e criativos;

• Jogos cantados que reforcem o desenvolvimento estrutural de elementos como ritmo, afinação, concentração e criação musical em conjunto;

• Experiência e exploração da notação musical: noções criativas de escrita e leitura musical;

• Conhecimento dos instrumentos musicais: organologia, reconhecimento auditivo de timbres, reconhecimento por meio da escuta e apresentação de fotos e gravuras dos instrumentos, oficinas de construção instrumental, excursões para audição e concertos, dente outros;

• Apreciação musical: estudo específico de diversos gêneros, estilos e épocas da História da Música Ocidental;

• Exercícios vocais e aplicação nas aulas de Canto Coral: prática de exercícios de relaxamento,

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respiração, vocalizes, canto de melodias simples em uníssono ou em várias vozes e improvisação;

• Prática instrumental: aprendizado e domínio técnico de um instrumento (flauta doce, violão, teclado) visando o desenvolvimento psicomotor, a concentração e a socialização coletiva do aluno;

• Conhecimento e prática de repertório: análise e execução do repertório específico das práticas instrumentais e vocais, que se concentra nas obras tonais ou pré-tonais e, principalmente, em canções populares e regionais).

As etapas do Plano de Ensino descritas acima estão resumidas no Quadro 3, a seguir:

ETAPAS DO PLANO DE ENSINO

1a ETAPA (duração 2 anos letivos) 2a ETAPA (duração 2 anos letivos)

Vivência musical

Experimentação sonora

Sensibilização dos elementos estruturais: ritmo, altura, duração, timbre

Apreciação do repertório

Alusão histórica e contextualização

Observação das manifestações musicais em diferentes sociedades

Socialização, concentração e desenvolvimento psicomotor

Ações procedimentais

Percepção auditiva

Conhecimento de repertório

Consciência e domínio psicomotor musical

Desenvolvimento da concentração

Escuta ativa crítica

Formação cidadã reflexiva

Sociabilidade e agentes de transformação

Quadro 3. Etapas do Plano de Ensino e conteúdos do Plano de Ação

avaLiaÇão metodoLóGica e conteÚdo

As avaliações cotidianas baseiam-se na troca de conhecimento durante o processo, observando-se:

• o fluxo de criatividade dos alunos: interpretação, imaginação, desinibição, clareza na exposição de ideias musicais e acuidade na percepção;

• o comportamento dos alunos diante das eventuais frustrações sofridas por eles, em relação ao próprio desempenho técnico ou dos conteúdos trabalhados e ajuda a encontrar formas de superação de dificuldades.

• as questões relativas ao discernimento e valorização do gosto nas músicas trabalhadas em classe. A principal observação refere-se ao relacionamento dos elementos musicais e suas características expressivas, como linguagem.

• a capacidade de conhecimento dos alunos, no que se refere aos aspectos de gênero, estilo e época, dentro do repertório estudado ou interpretado.

• o manuseio consciente dos materiais musicais, tais como: partituras, cifras e registros

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fonográficos, com respeito, e a sua valorização pela conscientização de sua importância histórico-cultural.

Essa observação permite a discussão, por meio de avaliação conjunta, dos progressos observados nos alunos avaliados, priorizando-se, na valoração do observado, as conquistas por eles realizadas; analisam-se, também, as possíveis frustrações dos alunos, de forma consciente, sensível e crítica. Além disso, discute-se o alcance social das aulas de música nas escolas e seu reflexo na comunidade local.

consideraÇÕes

Demonstramos neste texto, de que modo o Projeto “Música na Escola” se organiza e se coloca nas escolas da rede regular de ensino sob a ótica da atuação do educador. Observou-se que eles possuem vivência e formação bastante heterogênea no que se refere à área musical, mas estão capacitados a exercer sua função, pelas suas próprias experiências e formação. Foi constatado que, no exemplo tomado, no Projeto do Conservatório Juscelino Kubitscheck, as atividades que se desenrolam nas próprias escolas regulares, a partir de materiais criados pelos professores e pela Coordenação Pedagógica, têm fundamento metodológico e respaldam-se nos PCNs. Observou-se também que a atuação desses educadores visa à formação pessoal, musical e social do aluno que, por sua vez, interage com sua comunidade pela vivência da cidadania ofertando acesso ao conhecimento e cultura musical desde o ambiente escolar.v

NOTAS E REFERÊNCIAS1. Fonte: projeto “música na escola” (2006/2007)2.Obser va-se que desde 2007 o curso fundamental aumentou para nove anos de duração, absor vendo, no novo 1º ano, cr ianças de 6 anos de idade, que, antes, cursavam o pré-escolar.

#BR ASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ar tes, 1998. #CONSERVATÓRIO ESTADUAL DE MÚSICA “JKO”. Planos de Curso do Projeto “Música na Escola”. Gestão 2005-2007, [s.n].

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DIGITALIZACIÓN DE DANZAS FOLKLÓRICAS PERUANAS EN BUENOS AIRES: LOS MIGRANTES

COMO “ARCHIVEROS” DEL ARTE

21Mag. silvia Benza

n este artículo se muestra de qué forma los gestores de los grupos de danzas folklóricas peruanas en Buenos Aires son también gestores o “archiveros” de contenidos audiovisuales, actividad que implica una transposición mediática y la creación de Patrimonio Digital Intangible. En estos procesos, los gestores resguardan las memorias de la producción audiovisual de los grupos de baile, así como realizan cierta catalogación y clasificación de las imágenes. Al mismo tiempo, posibilitan el acceso a obras que se presentan en diversos lenguajes. Este acceso irrestricto posibilita a su vez que los acervos sean reutilizados como insumo para diversos fines: artísticos, científicos, periodísticos, etc. Así, las páginas web de los grupos de baile constituyen archivos, que se expresan a través de documentos por los que se pone en circulación determinados contenidos. Para Ray Edmonson y miembros de la AVAPIN (1998)1, un archivero es “…una persona que ejerce en un archivo audiovisual, una actividad profesional consistente en la creación, el perfeccionamiento, el control, la gestión o la conservación de su colección; o bien en facilitar el acceso a ésta, o en atender a su clientela…”.

En tanto “archiveros”, encontramos que en algunos casos es la misma persona la que produce la filmación de la danza que aquella que se ocupa de su visualización para su consulta a través de las páginas web. En otras ocasiones, son personas cercanas a los grupos de baile los que realizan las filmaciones. Estos gestores de archivos de imágenes son mayormente autodidactas y entusiastas, y perciben e interpretan su trabajo desde el punto de vista del entorno de los grupos de baile y del contexto de la migración.

De este modo, además de la mera actividad de “guarda” de imágenes, desde las páginas web de los grupos de baile se encaran tareas comunicacionales y de gestión cultural: tal es el caso de la realización de videoregistros de eventos en los que participan los grupos de baile, con el objetivo de “subirlos” a youtube, así como la realización de entrevistas a artistas a través del programa de radio, al que se puede acceder a través de la página web de uno de los grupos. Al respecto, cabe destacar que los videos de shows dancísticos a los que se puede acceder a través de las páginas web de los grupos remiten a presentaciones propias, todas en Argentina. Las referencias a Perú entonces estarían dadas por las fotos de danzas y por el contenido de los textos, que expresan discursos identitarios. Por lo contrario, los videos únicamente remiten a Argentina, a presentaciones que fueron organizadas por los grupos o bien en las que fueron invitados.

La diGitaLiZación de danZas: un caso de transPosición mediÁtica

Vivimos en una cultura de transposiciones. Tal como ha sido señalado por Steimberg (2005), el estudio de estos fenómenos informa no solamente acerca de la vida de los

96DISSEMINANDO CULTUR A108

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géneros en el seno de la vida social, sino también de un fenómeno general de nuestra cultura. Consideramos que digitalizar danzas –patrimonio intangible-, o bien la labor de los grupos de danzas, no es equivalente a la digitalización de fuentes escritas o fotografías. Afirmamos junto a Rojas Sola (2006) que el patrimonio digitalizado no sólo es la transformación de objetos en formatos digitales utilizando escáneres, cámaras fotográficas digitales, infografías o técnicas de reproducción 3D, sino lo que es más importante, el asociar a esos formatos digitales la información del objeto original y servicios añadidos.

En el caso de las danzas y/o de los grupos de danza de migrantes, entendemos que en la digitalización, que implica considerar al ítem digital como poseedor de las mismas características que el objeto analógico, no puede plantearse la existencia de una relación lineal entre un original y una copia. En todo caso, lo que existe es una selección de imágenes de movimientos corporales, coreografías, vestuarios e iconografías que hacen los bailarines y/o los directores de los grupos –en el caso de las danzas, de los contextos en los que las performances tienen lugar-, que serán distintos de la experimentación que tiene de la performance el intérprete o el público. En la “copia” está implícita la representación que se hacen los migrantes de esos “originales” y de sus reproducciones.

Diversos autores sostienen que el proceso de digitalización de bienes patrimoniales es una forma de socializar la riqueza cultural, además de implicar la producción de otro valor intangible, pues posibilita conocer de manera más profunda las colecciones y mejorar las herramientas para su control y consulta. Para el caso que nos ocupa, vemos que el cambio de soporte, de algún modo reproduce la función de conservación del patrimonio que cumplen los grupos de danza, pero también ampliando su difusión. No obstante, no necesariamente se mejoran las herramientas para el “control” y “consulta” de las danzas. Esto dependerá de qué sea lo que el investigador, artista o coleccionista busque.

En las fuentes escritas o fotografías, la importancia de trasladar ítems analógicos a digitales guarda relación con el alivio de la tensión de la consulta de los originales. La digitalización de las danzas y de la labor de los grupos de danzas de algún modo amplía la labor de difusión a un público no migrante, pero constituye a la vez un paso indirecto para que este público se acerque a los contextos performativos de las danzas –ensayos, clases y presentaciones-, al mismo tiempo que permite la simple observación de las pantallas y la no participación en estos contextos.

Lo anterior nos permite pensar que las páginas web de los grupos de baile constituyen “Museos Virtuales”2, acercándose a aquellos “Museos como folletos electrónicos”, que suelen ser puramente informativos, y donde sólo se presentan informaciones acerca del horario de la visita, el precio, y una descripción general de los contenidos o hasta venta de productos. En efecto, las páginas web muestran información sobre el lugar y horario de los ensayos de los grupos, así como descripciones del significado e historia de las danzas. Asimismo, estos sitios se asemejan a los “Museos interactivos”3, donde el usuario accede a la información que no se encuentra en el museo con una visita presencial y, por tanto, complementa dicha visita. Una de las implicancias que tiene la digitalización de danzas en la recepción de las mismas es que justamente, la mera asistencia a los ensayos de los grupos (entendida como “visita”), no implica obtener la información descriptiva de las danzas que se presenta en las páginas, ni permite acceder a la “historia del conjunto”. Son distintas las experiencias y los conocimientos que circulan en los dos ámbitos.

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¿Cómo son presentadas las danzas en estos “Museos Virtuales”?. Creemos que esta problemática puede ser abordada desde los conceptos de “género” y de “transposición” desarrollados por Steimberg. Para este autor, un “género” constituye un horizonte de expectativas en el intercambio discursivo, que puede dar cuenta de una demanda de saber pero también de la búsqueda de repetición y de olvido propia de cada imaginario social (Steimberg, 2005:136). Tomando en cuenta que tanto la danza como la música reflejan y constituyen identidades sociales, nos parece pertinente abordar la transposición mediática de los géneros dancísticos que son interpretados por los migrantes peruanos en Buenos Aires en el contexto de los grupos de baile folklóricos. Siguiendo a Steimberg, entendemos que “…hay transposición cuando un género o un producto textual particular cambia de soporte o de lenguaje; cuando una novela o tipo de novelas pasa al cine, o la adivinanza oral a la televisión, o un cuento o tipo de cuentos a la radio…”. En este caso, nos referimos a la transposición que tiene lugar cuando los migrantes muestran en las páginas web de los grupos de baile las danzas que ellos interpretan.

Consideramos que un primer abordaje consiste en describir aquellos elementos que componen una escena virtual. Así, en las páginas web de los grupos de danzas folklóricas peruanas en Buenos Aires se combinan fotografías, discursos y enlaces que hacen a la “puesta en pantalla” (Grillo, 2003:12), que se retroalimenta continuamente con la “puesta en escena”. Por “puesta en escena” entendemos aquellas situaciones de enunciación de “tipos sociales” que constituyen personajes imaginarios, ausentes o situados en “otros escenarios”, por medio de la puesta en práctica de técnicas corporales, en las que un coreógrafo indica cuáles serán los indicios necesarios para una mejor recepción por parte del espectador. Esta recepción variará según la retroalimentación entre espacios de representación (espacios concretos) y espacios representados (espacios imaginados) y entre tiempo de la representación (o tiempo escénico) y tiempo representado (o tiempo dramático).

La definición de Patrimonio Intangible elaborada por la UNESCO en el año 2003, que enfatiza el vínculo estrecho entre las manifestaciones inmateriales y el valor atribuido a la diversidad cultural (Lacarrieu, 2006), se refiere a éste como “Los usos, representaciones, expresiones, conocimientos y técnicas –junto con los instrumentos, objetos, artefactos y espacios culturales que les son inherentes- que las comunidades, los grupos y en algunos casos los individuos reconozcan como parte integrante de su patrimonio cultural. Este patrimonio cultural, que se transmite de generación en generación, es recreado constantemente por las comunidades y grupos en función de su entorno, su interacción con la naturaleza y su historia, infundiéndoles un sentimiento de identidad y continuidad y contribuyendo así a promover el respeto de la diversidad cultural y la creatividad humana”.

Considerando lo anterior, podemos concluir que en la transposición mediática de los géneros dancísticos –patrimonio intangible-, se genera otro valor intangible. Es decir, el patrimonio dancístico intangible, se convierte en un patrimonio digital intangible. Y este pasaje se produce en un contexto de creciente generalización del patrimonio como bien para el consumo visual (Arantes, 2002: 88), en la que la visualidad constituye uno de los valores primordiales de la cultura contemporánea.v

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NOTAS E REFERÊNCIAS1. En Gagliardi, Jorge y Car los Gindzberg: Anális is conceptual y clasif icación de la información audiov isual. Ficha de cátedra. Núcleo Audiov isual Buenos Aires. Centro Cultural San Martín. Minister io de Cultura. Gobierno de la Ciudad de Buenos Aires. 2007. 2. Según Mc Kenz ie (1997) “…Un museo v ir tual es una colección organizada de ar tefactos electrónicos y recursos de información, v ir tualmente algo que puede dig italizarse. La colección puede incluir pinturas, dibujos, fotografías, diagramas, gráficos, grabaciones, segmentos de v ideos, ar tículos de per iódicos, transcr ipciones de entrev istas, bancos de datos numér icos…” 3. Seguimos aquí la clasif icación dada por Rojas Sola (2006) en “Patr imonio cultural y tecnologías de la información: propuestas de mejora para los museos de c iencia y tecnología y centros interactivos de Venezuela”. Interc iencia. Caracas, Venezuela.

#AR ANTES, Antonio. 2002. Cultura, c iudadanía y patr imonio en Amér ica Latina. En: La (indi) gestión cultural. Una car tografía de los procesos culturales contemporáneos. CICCUS. La Crujía. Buenos Aires.#GAGLIARDI, Jorge y Car los Gindzberg: Anális is conceptual y clasif icación de la información audiov isual. Ficha de cátedra. Núcleo Audiov isual Buenos Aires. Centro Cultural San Martín. Minister io de Cultura. Gobierno de la Ciudad de Buenos Aires. 2007#GRILLO, Oscar. 2003. Construyendo aceptación de la diversidad: Mapuches en la Web. Ponencia presentada en la Conferencia sobre Democracia, Gobernanza y Bienestar en las Sociedades Globales. Instituto Internacional de Gobernabilidad. Barcelona.#LACARRIEU, Mónica. 2006. Atlas de fiestas, celebraciones, conmemoraciones y r ituales de la Ciudad de Buenos Aires. Una inic iativa pública del ámbito local. (Capítulo: Patr imonio y Diversidad). En: Moneta, Car los (comp.) El jardín de los senderos que se encuentran: polít icas públicas y diversidad cultural en el MERCOSUR. UNESCO. Montev ideo.#MCKENZIE, J. (1997). Building a Vir tual Museum Community. Museums & The Web Conference. Los Angeles, California. <http://www.fno.org/museum/museweb.html>#PAVIS, Patr ice. 2000. El análisis de los espectáculos. Paidós. Barcelona-Buenos Aires. #ROJAS SOLA, José Ignacio. 2006. Patrimonio cultural y tecnologías de la información: propuestas de mejora para los museos de ciencia y tecnología y centros interactivos de Venezuela. Interciencia. Año/Vol 31, número 009. Caracas. #STEIMBERG, Oscar. 2005. Semiótica de los medios masivos. El pasaje a los medios de los géneros populares. Atuel. Buenos Aires.

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SOBRE O LABORATÓRIO METODOLÓGICO ARTE

PÚBLICO – RECIFE 2009

22reJane galvão coutinho

convite para participar da terceira edição do 4º Encontro Diálogos entre Arte e Público (Recife, 2009), com a temática “Educadores entre museus e salas de aula: que diálogos são esses?” foi recebido como um desafio para partilhar reflexões sobre as pesquisas que tem como foco a formação de educadores como mediadores culturais e sociais.

Minha atuação, desde 2001, junto à equipe independente do Arteducação Produções, no desenvolvimento de ações educativas, na formação de educadores mediadores, na coordenação de cursos de formação e atualização de professores, no desenvolvimento de materiais educativos, assim como, minha atuação no meio acadêmico, na formação inicial de arte/educadores, na orientação de pesquisas de mestrado e na organização de seminários, situam-me numa posição relativamente cômoda para enfrentar o desafio. Essa comodidade relativa me permite ter liberdade para refletir criticamente sobre as propostas e questões inerentes ao campo da mediação cultural e social, visto que não faço parte de uma instituição cultural específica, mas de uma equipe independente e de uma instituição educacional pública. Em contrapartida, essa comodidade agrega as minhas reflexões à responsabilidade de um posicionamento crítico e construtivo.

A questão central em torno da qual construí o texto para minha intervenção nos Diálogos (uma palestra e a condução de um laboratório metodológico) foi a da “democratização do acesso aos bens patrimoniais e culturais”. Essa bandeira tem sido ultimamente usada no Brasil de forma explícita ou implícita como slogan para os investimentos em ações educativas tanto pelas instituições que gerenciam e colocam em circulação os bens patrimoniais, quanto por aqueles que efetivamente põem em prática tais ações. Venho buscando compreender o contexto onde se inscreve essa declaração que vem se naturalizando no campo e se apresenta como um princípio afirmativo que justifica toda uma gama de investimentos em prol da formação de um público fruidor. Tenho buscado problematizar o campo onde essa declaração surge e onde se situa, pois percebo que, apesar de carregar o epíteto da democracia, contraditoriamente foi forjada para reforçar os mecanismos de distinção. A democratização, nesse caso, implica aceitação inquestionável dos valores pertinentes a um campo que se autoproclama exclusivo e hierarquicamente superior. Uma democratização de mão única, que parte do princípio de que os valores referentes aos bens patrimoniais e às obras de arte devem interessar a todos e contribuir para a formação de todos, sem distinção de sexo, idade, etnia, classe social, etc. Valores estes que se fundam em pretensos critérios universais, oriundos de processos hegemônicos eurocêntricos.

Do ponto de vista educacional, lidar com essa contradição é extremamente frustrante. Como empreender uma ação educativa verdadeiramente democrática

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se as instituições permanecem encasteladas, se os bens culturais permanecem distantes, expostos em vitrines e pedestais em cenários luxuosos? Como pretender a democratização do acesso se as estratégias e discursos usados para esse dito acesso fazem uso de signos e de sistemas interpretativos exclusivos distintos daqueles usados pelos sujeitos que buscam esse acesso?

Penso que uma saída para o impasse em que se encontram as ações educativas é tentar reverter a lógica desse sistema excludente. Ao invés de mediações diretivas e unidirecionais, proponho mediações dialógicas e multidirecionadas. Não um falando por todos e para todos, mas a instauração de diálogos, a circulação da palavra, em processos de interpretações que levam em conta os diferentes lugares de fala dos indivíduos, as diferentes comunidades interpretativas. Uma prática aberta a múltiplas narrativas.

Ao invés de confirmações e afirmações sobre um campo e seus valores, a instauração de dúvidas, a prática do descentramento de pontos de vista.

Ao invés de assumir um conceito de cultura como elemento aglutinador de identidades, pensar a cultura como redes de significados, como comunidades de sentidos, de pertinência e de pertencimento, que revela heterogeneidade e contradições. Uma ideia mais dinâmica de cultura que comporta transfusões e mestiçagens de produtos materiais e crenças (Aguirre, 2009).

Ao invés de se submeter e sucumbir às políticas culturais institucionais, desvelar as entranhas que constituem o campo patrimonial e o campo da arte, deixando emergir os conflitos, enfrentando as contradições inerentes à própria situação das ações educativas frente às instituições que a mantém.

Partindo dessas premissas que orientam minhas pesquisas no campo da mediação cultural, pensei em um laboratório metodológico para exercitar essas polaridades. A ideia foi apresentada para o grupo como uma conversa informal sobre mediação, ou seja, não pretendíamos exercer exatamente uma mediação, mas, procurar estabelecer uma conversa entre educadores sobre as potencialidades e limitações daquele espaço museográfico: o Museu do Homem do Nordeste. Tínhamos, portanto, um espaço instituído de grande relevância para o contexto cultural local e nacional como cenário e foco de nossas reflexões.

Elaborei seis questões/instruções em pares: duas sobre aquele museu, duas sobre o homem no contexto daquele Museu e duas sobre a ideia de Nordeste, pensando também naquele contexto. As questões/instruções em pares foram elaboradas sob distintas perspectivas ideológicas: uma tendo como princípio o peso da tradição e a outra tendo como norte uma perspectiva de transformação social. O grupo foi dividido em seis pequenos grupos e as instruções foram distribuídas sem inicialmente os participantes terem conhecimento sobre as distinções entre as questões – eles sabiam apenas que cada grupo teria uma tarefa diferenciada a exercitar.

Questões/instruções sobre museu:

• 1 - Observe o espaço museográfico procurando perceber como está organizado: observe o modo como as obras estão expostas, a iluminação, enfim, tudo que puder perceber sobre sua organização. Destaque na museografia os recursos e estratégias de mediação que facilitam a sua visita.

• 2 – Dê uma volta pelo espaço museográfico observando se há recursos de

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114 mediação disponíveis. Se houver, observe-os e selecione um deles. Analise sua função, seu potencial e o discurso que esse dispositivo engendra nas obras e nos visitantes.

Questões/instruções sobre homem:

• 1 - Quais objetos/obras revelam com maior precisão o sentido de homem do Nordeste presente em você? Justifique suas escolhas.

• 2 – Dê um passeio pelo espaço do museu e observe os objetos e obras expostos. Escolha um objeto ou conjunto de objetos que te atrai, seja de forma positiva ou negativa. Invente uma história sobre esses objetos para contar ao grupo.

Questões/instruções sobre Nordeste:

• 1 – Se você fosse convidado a criar um guia turístico sobre a cultura do Nordeste, quais obras/objetos/conhecimentos desse museu você destacaria neste guia? Justifique suas escolhas.

• 2 – Qual a finalidade de ter em Recife um museu dedicado ao homem do Nordeste? Será que o homem do Nordeste é diferente do homem do Sul, do Sudeste e do Norte? O que pode qualificar o homem do Nordeste?

Os grupos se dispersaram e eu procurei acompanhar alguns percursos. Depois de uma hora voltamos a nos encontrar e cada grupo apresentou a sua instrução e começamos um debate. Vale salientar que o grupo era composto de educadores com diferentes experiências: educadores de museus, alguns do próprio Museu do Homem do Nordeste; educadores da educação formal, de diferentes níveis e estudantes de cursos de artes e afins. A heterogeneidade de pontos de vista é sempre salutar em encontros como esses.

Em linhas gerais, a discussão girou em torno de alguns conceitos de museu que permeiam o campo cultural hegemônico, como a ideia de preservação, de memória e de conservação que buscamos desconstruir a partir de indagações sobre quem determina o que deve ser conservado e quais os critérios para a difusão desse patrimônio. Acredito que tenha ficado claro para os educadores ali presentes que o discurso engendrado pelo museu foi construído por uma específica classe social que busca legitimar o seu ponto de vista da história social e cultural da região Nordeste. A seleção dos objetos e os dispositivos expográficos falam por si só.

Como educadores, levantamos algumas possibilidades de mediação para o contexto e ousamos pensar em concepções mais sistêmicas de curadoria e expografia para falar de um homem e de uma mulher dessa região, levando em conta as experiências de vida daqueles indivíduos ali presentes.

Sei que o confronto de ideias gerado nesse desafio provocou desconforto em alguns educadores e alimentou outros, como a mim mesma, com possibilidades de ações educativas mais consistentes e coerentes com desejos de transformação.v

REFERÊNCIAS #Aguirre, Imanol. El acceso al patrimonio cultural: retos y debates. Pamplona: UPNA – Cuadernos de la Cátedra Jorge Oteiza, 2008.#BARBOSA, Ana Mae; COUTINHO, Rejane Galvão (Org.). Arte/educação como mediação cultural e social. São Paulo: Editora UNESP, 2009.

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APRENDIZES DA ARTE, MEDIADORES E

PROFESSORES: OLHARES

COMPARTILHADOS?

23Mirian celeste Martins

O seu olhar melhora o meu! Arnaldo Antunes1

magine-se neste jogo: frente a uma exposição (lembre-se de uma) o que você como professor gostaria de trabalhar? E se você fosse o mediador da instituição cultural? Haveria diferença entre o foco da visita para o professor e o mediador? E se você fosse um aluno das séries iniciais ou do Ensino Médio, o que gostaria de ver?

Essas questões alimentaram a proposição que fiz para o Laboratório Metodológico2 no 4º Encontro Diálogos entre Arte e Público, que tinha como tema: Formação de educadores: entre museus e sala de aula. No convite, uma tentativa de compreender quais os melhores meios de encontrar conexões de atividades/ações desses educadores em sala de aula e em museus e suas formações.

Foi corajoso colocar o foco no conflito entre mediadores/professores atuando na escola e mediadores/educadores em instituições culturais. Uma questão pouco debatida. Na minha experiência de coordenar ações educativas em diversas exposições, percebi queixas dos dois lados.

O mediador da instituição cultural reclama do professor que abandona seus alunos, do professor que a tudo responde não deixando espaços para seus alunos, do professor que vem com uma proposta fechada, esperando apenas que o discurso do mediador confirme aspectos que ele já trabalhou em sala de aula.

O mediador/professor da escola se queixa do mediador que fala demais, que não para de falar demonstrando a sua sapiência e ignorando as expectativas do grupo, que autoritariamente dirige a visita, que desconhece o professor que pode ter preparado uma visita específica, que segue o roteiro do curador, que tem a fala “pronta”.

Qual o espaço da troca entre eles? Antes? Durante? Depois? O que é esperado por um e por outro? Há informações anteriores trocadas entre escola e instituição cultural para tentar garantir um acesso mais aberto às expectativas do grupo visitante? O que acontece no acolhimento, no início da visita? Uma avaliação por escrito do professor pode gerar a formação contínua de mediadores e a busca de alternativas adequadas?

Essas e outras tantas problematizações se ofereceram como mote para criar uma proposição no Laboratório Metodológico, utilizando o espaço do Museu do Homem do Nordeste disponibilizado para essa ação. Para prepará-la, uma troca intensa de e-mails com Anderson Pinheiro, um dos coordenadores3 do encontro.

ACESSANDO AS MEMÓRIAS DO DIÁLOGO ANTERIOR (2009)

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116 Na quente manhã da bela Recife, no acolhedor museu nos reunimos. Depois de uma rápida apresentação dos participantes, dividimos o grupo de participantes em três, colocando-os em papéis diferenciados. Assim, os estudantes universitários4 se transformaram em mediadores do museu; os professores se transformaram em alunos escolhendo a própria faixa etária e os mediadores tornaram-se professores.

Cada grupo experimentando outra função deveria ver a exposição buscando objetos/obras e ou conceitos que gostaria de aprofundar. Desse modo, os grupo de mediadores (formado pelos estudantes universitários), de alunos (formado pelos professores) e de professores (formado pelos mediadores) deveriam fazer suas escolhas, justificá-las, pensar conexões que poderiam ser feitas para além da exposição e quais os recursos poderiam ser utilizados sem qualquer limite financeiro.

Animados, os integrantes de cada grupo, se espalharam pelo espaço expositivo levantando muitas ideias em harmonioso trabalho, negociando posições e interesses e chegando a um consenso pensando que iriam apresentá-lo ao grande grupo. Mas, em vez de apresentarem suas escolhas e estratagemas como previam, foi proposta uma nova divisão: novos grupos foram compostos por um mediador, um professor e um ou dois alunos de faixas etárias próximas.

Em cada grupo, o professor, o mediador e os alunos deveriam contar os projetos e interesses e inventar um processo de mediação cultural. O conflito aí se estabeleceu de certo modo. Os professores (que eram mediadores do museu), os mediadores (que eram os estudantes universitários) e os aprendizes de arte (que eram os professores) lutavam para que suas propostas fossem aceitas em cada grupo. Diálogos “quentes” animaram os diversos grupos tentando chegar a uma proposta de mediação.

Fechando o Laboratório Metodológico, nos reunimos para uma conversa que focalizou a proposta final apenas como resultado de pressões, resistências e acordos entre os vários integrantes do grupo que viviam por sua vez papéis também diferentes e que haviam proposto antes um determinado modo de abordar o rico acervo.

“Quatro visões diferentes e o desejo de conciliar”5 ou “se ver como um outro” ou ainda a professora que se viu “como público”, são falas que desvelam a experiência que tocou cada participante. Provocou deslocamentos: “me colocou no olhar de primeira vez. Deslocou-me de um lugar fixo para um outro”.

De certo modo já esperava que essa troca de papéis iria gerar confrontos de ideias e traria do acervo exposto no Museu do Homem do Nordeste vários aspectos que poderiam ser abordados, possibilitando o acesso pela aproximação mais significativa com o que ali estava exposto. O que foi mais surpreendente para mim foram as ações pensadas por aqueles que se colocaram no lugar de estudantes. Ao contrário dos mediadores ou professores que ficaram mais presos ao discurso do próprio museu, o olhar da criança ou dos adolescentes trouxe um frescor frente ao acervo. Foi, ao pensar como aprendiz da arte, que descobertas, inquietações, sensações foram desveladas.

“Tornar vivo o conteúdo”, disse uma participante. Fala-síntese de muitas vozes que permitiram que o olhar de aprendiz invadisse seus próprios modos de ver. O acervo parece que congela dentro do museu aspectos que estão do outro lado de sua porta e conectá-lo com eles foi o pedido. Partir de um trabalho sensorial, propor a experiência de provar um “rolete de cana”, provocar o olfato, a audição, o tato, foram algumas das situações propostas. Foram os participantes vivendo o papel de alunos que propuseram

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o computador dentro do museu, a possibilidade de usar o celular para tirar fotos, para enviá-las por bluetooth, o encontro com os grupos e a culinária nordestina, com oficinas, propor intervenções na rua, registro da oralidade, vestir roupas típicas em oficina de dança.

Também tiveram voz os “alunos” frustrados porque não foram ouvidos, o aluno da 8ª série “metido à besta”, a “estudante” da zona rural, os que estavam lá obrigados ou que queriam muito saber sobre as filmadoras porque adoram cinema, mas o foco da visita era o bumba meu boi.

Vimos muitas vezes a “professora” autoritária querendo que sua ideia prevalecesse justificada pelos conteúdos da escola, talvez. Ou a “mediadora” frustrada porque pensara uma determinada ênfase em sua visita, mas o “professor” ou os “alunos” queriam tantas outras...

“Tem de haver diálogo, senão não se vai a legar nenhum”. “Fortificar a ideia de mediação compartilhada com o professor e o aluno, a importância da parceria”. “Não ser o sujeito que explica”. Essas são algumas das falas que perceberam no jogo proposto a importância de cada papel, mas que revelaram também como no discurso de professores e mediadores prevalece muitas vezes o discurso formalizado, congelado, restringindo o conteúdo ao invés de ampliá-lo e torná-lo mais vivo, mais experienciado, mais significativo.

Nem sempre o olhar do visitante é levado em conta em nossas propostas de mediação. O foco pode estar no próprio artista, no movimento, em obras específicas. Sim, certamente dialogamos com eles, prospectamos seus gostos, estranhamentos e conceitos em relação ao artista, ao movimento, às obras específicas, mas nem sempre é possível vê-los como viu Alécio de Andrade. Impacto!

Conheci as fotografias de Alécio de Andrade na exposição O Louvre e seus visitantes no Instituto Moreira Sales em São Paulo6. De 1964 até sua morte, em 2003, ele fotografou os visitantes no Louvre, com mais de doze mil imagens produzidas. Diz Edgar Morin, o famoso antropólogo, sociólogo, filósofo e pensador da educação, no catálogo da exposição:

O que me encanta nas fotos de Alécio de Andrade é que elas me permitem adquirir uma visão de espelho. O “belo” se cria entre diversos interlocutores em momentos diferentes: beleza da tela, maravilhosas atitudes corporais do visitante que evidenciam sua emoções, maravilhoso instinto de Alécio de ter disparado a foto naquele momento exato. E finalmente nós. Um contempla o outro, mas é ainda Alécio que fixa o todo; e depois, plena alegria, nós que temos ainda a possibilidade de interpretar o visível. (2009:14)

Como Morin, percebo a complexidade de relações presentes entre visitantes e obras, entre visitantes e espaços expositivos, entre as fotos de Alécio e nós, entre nossos alunos visitantes e nossas possibilidades de mediação.

Em meus estudos e pesquisas pessoais e nos grupos de pesquisa sobre Mediação Cultural no Instituto de Artes/Unesp (2003-2007) e na Universidade Presbiteriana Mackenzie (2009 até o presente), cada vez mais penso a mediação como um “estar entre muitos”, superando a situação dual da mediação compreendida como ponte. “Estar entre muitos”7 implica perceber cada um que trazemos ao museu, seja nossos alunos, amigos ou familiares. Ouvir os desejos por melhor apreciar determinados objetos, obras

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118 ou conceitos, abrir um espaço de silêncio para que as sensações pessoais possam ser percebidas, provocar a rica troca entre os olhares e saberes de cada um, pode ampliar o contato com a arte.

Vimos na proposição vivida e aqui relatada que o olhar do estudante, mesmo que trazido pelos professores vestidos nesse papel, trouxe um novo frescor ao modo de abordar o acervo. Obrigou a saída de um discurso da curadoria ou do conteúdo escolar para fortalecer a conversação, o diálogo, o olhar sobre o que não havia sido visto, para perceber faltas que não haviam sido percebidas. “Estar entre muitos” nos coloca na posição de quem também há de viver uma experiência, potencializando-a aos outros, pois a vivemos com intensidade. Atentos às falas, aos silêncios, às trocas de olhares, ao que é desvelado e velado, aos conceitos e repertórios que ditam os gostos, os modos de pensar, perceber e deixar-se ou não envolver pelo [con]tato, com a experiência de conviver com a arte. Mas um cuidado é fundamental: não apenas como conduzimos a conversa, mas especialmente como e com que cuidado ampliamos as conexões potenciais.

Jorge Larrosa (2004:84) nos convida a pensar uma comunidade realmente plural, uma comunidade babélica: “qualquer comunicação é babélica porque, no ato mesmo de comunicar-se, qualquer sentido se multiplica e nos multiplica, confunde-se e nos confunde”. Habitar babelicamente nossa condição babélica é “habitar uma língua múltipla”, valorizando e não escamoteando as diferenças, os ruídos, a estranheza. A mediação é perigosa quando, ao contrário, se toma o mediador como o “sujeito da compreensão”, como um “tradutor etnocêntrico e o leitor etnocêntrico: não o que nega a diferença, mas o que se apropria da diferença, traduzindo-a a sua própria linguagem” (LARROSA, 2004:74). Assim, Larrosa nos aponta o perigo da trabalhosa e desesperada mediação como ponte com uma única direção de um “sujeito de compreensão” que quer compreender tudo a partir de sua cultura, sua sensibilidade, de sua riqueza para tornar compreensível ao outro, tapando as diferenças. Habitar babelicamente nossa condição babélica expõe e provoca a singularidade da experiência, ramificando-a qual rizoma em múltiplas significações que presentificam diferenças.

“Estar entre muitos” é gerar conversas que ampliem as significações, os pontos de vista que provocam diferenças, seja do mediador, do professor e do público, como também do curador, do desenho museográfico, dos textos nas paredes, da recepção silenciosa dos que estão “guardando” a instituição cultural. “Estar entre muitos” é rechear a conversa também com os pontos de vista dos teóricos que escreveram sobre o que ali vemos ou pensamos sobre arte e que nos alimentaram e fundamentaram nossos próprios saberes, com os textos escritos na mídia sobre a exposição, cientes da condição babélica, da impossibilidade de traduzir, do cuidado para não achatar diferenças, para não abolir as distâncias de tempo e espaço.

O convívio em uma experiência mediadora que se sabe babélica nos exige sensibilidade inteligente e inventiva para pinçar conceitos, puxar fios e conexões, provocar questões, impulsionar para sair das próprias amarras de interpretações reducionistas, lançar desafios, encorajar o levantamento de hipóteses, socializar pontos de vistas diversos, valorizar as diferenças, problematizando também para nós o convívio com a arte. Muito mais do que ampliar repertórios com interpretações de outros teóricos, a mediação cultural como a compreendemos quer gerar experiências que afetem cada um que a partilha, começando por nós mesmos. Obriga-nos, assim, a sair do papel de quem sabe para viver a experiência de quem convive com a arte. Para isso, precisamos de intercessores, no sentido dado ao termo por Deleuze8.

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O essencial são os intercessores. A criação são os intercessores. Sem eles não há obra. Podem ser pessoas – para um filósofo, artistas ou cientistas; para um cientista, filósofos ou artistas – mas também coisas, plantas, até animais, como em Castañeda. Fictícios ou reais, animados ou inanimados, é preciso fabricar seus próprios intercessores. É uma série. Se não formamos uma série, mesmo que completamente imaginária, estamos perdidos. Eu preciso de intercessores para me exprimir, e eles jamais se exprimiriam sem mim: sempre se trabalha em vários, mesmo quando isso não se vê. E mais ainda quando é visível: Félix Guattari e eu somos intercessores um do outro. (1992:156)

São os intercessores – sejam eles a arte, as obras, o pensamento dos artistas, a vida do lado de fora e do lado de dentro das escolas e dos museus, sejam os estudos de tantos outros e dos nossos próprios, ou Gisa Picosque para mim – que nos fazem perceber diferentes focos no território de mediação cultural, entre outros territórios que poderiam ser percorridos no ensino de arte.

Nossos intercessores neste Laboratório Metodológico foram a diversidade de um grupo que trouxe em si o olhar de tantos outros a nos mover para uma experiência mediadora. Uma experiência que acredita que a obra também se faz pela criação do observador, que a informação e o conhecimento se fazem pelo acesso oferecido para encontros com outros intercessores a nos deslocar do que já sabemos, a desaprender o que arraigadamente teimamos em continuar repetindo, a perceber pontos de vista singulares mesmo que pareçam incômodos e estranhos, a interagir e compartilhar com parceiros como neste 4º encontro aos quais muito agradeço e, enfim, a ampliar intercessores que instiguem o diálogo entre a arte e todos nós.v

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NOTAS E REFERÊNCIAS1. Fragmento da letra de O seu olhar de Arnaldo Antunes e Paulo Tatit no CD Ninguém (1995). Letras disponível em: <http://www.arnaldoantunes.com.br/sec_discografia_obra.php? id=26>. Acesso em 15 mai 2010.2. (Nota do editor) Laboratório Metodológico é uma ofic ina ref lex iva que funcionou num turno de horár io que antecedeu a palestra e ser v iu como meio de exper imentação na prática das ideias traz idas pelos palestrantes do Encontro Diálogos entre Ar te e Público.3. (Nota do Editor) O Encontro sempre foi organizado pr inc ipalmente por André Aquino. O 4º e 5º estão sendo organizados também por Regina Buccini.4. (Nota do Editor) Neste 4º encontro o público par tic ipante dos Laboratór ios foram, pr inc ipalmente, estudantes universitár ios.5. A s minhas anotações ao final do encontro não me permitiram identif icar todas as falas. Para não incorrer em erros, optei por não nomear, mas agradeço a cada par tic ipante pela sua par tic ipação e pelo br ilho de suas ref lexões f inais.6. Veja algumas imagens de Alécio de Andrade. Disponível em: <http://www.aleciodeandrade.com/photographies-le-louvre-et-ses-v is iteurs.html>. Acesso em 15 mai 2010.7.O conceito da mediação como um “estar entre muitos” tem sido colocado por mim para superar a ideia de ponte.8. DELEUZE, Gilles. A transformação do padeiro. In: Conversações, 1972-1990. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992, p. 156. Esse texto me foi env iado por minha maior intercessora – Gisa P icosque.

#ANDR ADE, Alécio. O Louvre e seus v isitantes. Rio de Janeiro: Instituto Moreira Salles, Le Passage Par is-New York, 2009.#DELEUZE, Gilles. Conversações: 1972-1990. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.#GRUPO DE PESQUISA Mediação: ar te/cultura/público (coord. M ARTINS, Mir ian Celeste). Mediação: provocações estéticas. São Paulo. Revista Mediação, v. 1, n. 1, out. 2005. Instituto de Ar tes, UNESP, São Paulo, SP.#M ARTINS, Mir ian Celeste. Mediação: tecendo encontros sensíveis com a ar te. In: ARTEunesp. N. 13, p. 221-234. São Paulo: 1997._ _ _ _ _ _. O sensível olhar-pensante: premissas para a construção de uma pedagogia do olhar. In: ARTEunesp. n. 9, p. 199-217. São Paulo: 1993._ _ _ _ _ _. Expedições instigantes. In: SÃO PAULO, Secretar ia de Educação. Expedições culturais: Guia Educativo de Museus do Estado de São Paulo. São Paulo: FDE/SSE/SP, 2003._ _ _ _ _ _. Achadouros: encontros com a v ida. In: SÃO Paulo (Estado) Secretar ia da Educação, Fundação para o Desenvolv imento da Educação. Horizontes culturais: lugares de aprender. São Paulo: FDE, 2008._ _ _ _ _ _; SCHULTZE, Ana Mar ia e EGAS, Olga. Revista Mediando [con]tatos com arte e cultura. v. 1, n. 1, nov. 2007. Instituto de Ar tes, UNESP, São Paulo, SP.

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· A acessibilidade de alguns espaços expositivos de Porto Alegre: ações e conquistas [Gabriela bon]

O presente relato visa resumir minha experiência com a questão da acessibilidade no Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, bem como sua tentativa de adaptação desse mesmo espaço durante a 6ª e 7ª Bienais de Artes Visuais do Mercosul.

> Palavras-chave: Acessibilidade. Museu de Arte do Rio Grande do Sul. Bienal de Artes Visuais do Mercosul.

· Democratização do acesso aos museus: apontamentos sobre ações e políticas públicas para acessibilidade cultural [Flávia Paloma Cabral borba]

A configuração atual do perfil das instituições museológicas contempla em seu plano de atuação ações que garantam a acessibilidade, fazendo cumprir parâmetros, hoje tido como básicos, para a efetivação do museu como uma instituição dotada de função social e a serviço da comunidade e seu desenvolvimento. Porém, uma longa caminhada está sendo desempenhada para vencer os desafios, arquitetônicos ou sociais, que se interpõe ao fiel cumprimento das ações e políticas públicas, que nascem e se consolidam através da apropriação da sociedade, para a erradicação de supostos abismos que ainda é identificado no setor museológico, quando se trata de acessibilidade.

> Palavras-chave: Políticas públicas. Ações para a acessibilidade cultural. Museu.

· Repensando a acessibilidade em museus: a experiência do núcleo de ação educativa da pinacoteca do estado de são paulo [milene Chiovatto; Gabriela aidar; luis roberto soares; danielle amaro]

A partir da proposta de uma compreensão expandida acerca do termo acessibilidade, o presente texto discute sua aplicação no Núcleo de Ação Educativa da Pinacoteca do Estado de São Paulo, especialmente por parte do Programa de Inclusão Sociocultural, o qual volta-se particularmente ao atendimento de públicos em situação de vulnerabilidade social.

> Palavras-chave: Acessibilidade. Inclusão sociocultural. Educação em museus.

· O galo inacessivel: da arte e do dever de agradar[sonia marques]

Partindo da polêmica causada pela nova escultura do Galo da Madrugada, no carnaval de 2010, este artigo indaga se a acessibilidade cultural implicaria no dever que teria o artista de agradar ao público, conforme sugere artigo da imprensa local que recomenda cuidado nas encomendas a artistas, arquitetos e ambientadores, os quais teriam a “missão de amarrar o burro onde o dono sonha”. Recusando a tirania do populismo, replico apoiando-me parcialmente em Bourdieu e Arthur Danto, que questionam

RESUMOS

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a possibilidade de todo tipo de arte ser accessível a todo tipo de público. Concluo propondo a tolerância pluralista e aceitação das divergências.

> Palavras-chave: Acessibilidade. Educação artística. Gosto.

· Acessibilidade e comunicação sensorial nos museus e espaços culturais: novos desafios para a mediação cultural [viviane Panelli sarraF]

O texto apresenta a questão da acessibilidade em espaços públicos, segundo a legislação brasileira, mostrando as diferenças entre as convenções para uma edificação e um museu ou espaço cultural tornarem-se acessíveis, o que implica diferentes níveis de alterações. Em seguida, é aberta uma reflexão sobre a mudança de linguagem dos museus e espaços culturais em busca de formas de mediação e comunicação acessíveis a todos os públicos. Nessa parte, é apresentado o questionamento sobre a presença da comunicação dos cinco sentidos nos espaços culturais institucionais e nas manifestações artísticas e culturais que neles são preservadas.

> Palavras-chave: Cinco sentidos. Espaços culturais. Acessibilidade. Inclusão social e cultural.

· Audiodescrição: um novo recurso de mediação e acessibilidade cultural [alexsandra leite]

O presente artigo versa sobre a audiodescrição, conceitos e aplicabilidades, formação dos profissionais e suas habilidades para a realização de ações desenvolvidas com esse recurso. Apresenta ainda duas experiências na área cultural.

> Palavras-chave: Audiodescrição. Acessibilidade. Cultura.

· Uma imagem em mil palavras: audiodescrição de obras de arte a deficientes visuais à luz da gramática do design visual [marisa Ferreira aderaldo]

A Lei 11904, de 14.01.2009, que regulamenta a atuação dos museus, estabelece em seu artigo 29 que “os museus deverão promover ações educativas, fundamentadas no respeito à diversidade cultural e na participação comunitária, contribuindo para ampliar o acesso da sociedade às manifestações culturais e ao patrimônio material e imaterial da Nação”. Diante desse cenário, considera-se importante propor um modelo narrativo de pinturas a deficientes visuais, chamado Audiodescrição, o qual se ampara na Gramática do desenho visual e nas teorias de Multimodalidade.

> Palavras-chave: Audiodescrição. Acessibilidade. Teoria da multimodalidade.

· Arte, educação e inclusão: orientações para audiodescrição em museus [FranCisCo José de lima; Paulo andré de melo vieira; ediles revorêdo rodriGues; simone são marCos Passos]

Este artigo ressalta a importância do emprego da audiodescrição das imagens nos ambientes de aprendizagem e lazer para pessoas com deficiência visual, fazendo a assertiva de que a audiodescrição, tecnicamente produzida (inclusive despida de barreiras atitudinais) e adequadamente oferecida leva a inclusão cultural à pessoa com deficiência visual, pelo acesso aos conteúdos ofertados nos museus, mostra de artes e outros. Oferece orientações de como se proceder ao fazer audiodescrição, de como se portar perante o público com deficiência e em que bases o audiodescritor deve estear-se para produzir descrições de imagens estáticas como as pinturas encontradas nos museus. Conclui que terá sido feita uma obra-prima quando a sociedade pintar um mundo em que todos sejam respeitados e que ninguém dele seja deixado de fora ou dele excluído.

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> Palavras-chave: Audiodescrição. Pessoas com deficiência visual. Educação.

· Como vemos a cegueira? Algumas respostas: umas boas, outras não [João viCente Ganzarolli de oliveira]

Concentrando-se nalguns filmes e em certa iniciativa de um museu brasileiro, o artigo Como vemos a cegueira? traz comentários acerca do modo como a imagem do cego vem sendo assimilada no mundo da arte, bem como na sociedade em geral. Seu objetivo é contribuir para o esclarecimento de certos fatos, dentre eles este: a acessibilidade é assunto necessário e que diz respeito a todos.

> Palavras-chave: Cegueira. Sociedade. Arte.

· A arte e o perceber: a experiência do ateliê de artes para pessoas com deficiência visual [ana Carmen FranCo noGueira]

Este artigo é uma reflexão sobre a arte e o perceber no ateliê de artes para pessoas com deficiência visual.

> Palavras-chave: Acessibilidade. Perceber. Deficiência visual.

· Aprender para ensinar: a mediação em museus por meio da língua brasileira de sinais (Libras) [Cibele luCena; Joana zatz mussi; daina leyton]

Uma reflexão sobre a mediação em museus a partir das experiências realizadas no projeto “Aprender para Ensinar”. Nesse caso, a mediação adquire características específicas, por se tratar de jovens surdos aprendendo sobre arte para ensinarem a outros surdos em sua língua primeira. O aspecto mais interessante desse encontro entre museu e cultura surda é uma influência mútua, imediata e visível: enquanto os frequentadores do museu entendem que a LIBRAS é a língua oficial de toda uma comunidade, novos sinais são criados pelos alunos, a partir dos conteúdos trabalhados e descobertos no museu, enriquecendo a própria língua e circulando na comunidade.

> Palavras-chave: Surdos. Arte Contemporânea. Mediação.

· A inclusão de públicos especiais em museus: o programa educativo para públicos especiais da Pinacoteca do Estado de São Paulo [amanda FonseCa toJal; marGarete de oliveira; maria Christina da silva Costa; sabrina denise ribeiro]

Este trabalho tem por objetivo discorrer sobre a importância do papel social dos museus e das ações educativas dirigidas aos públicos específicos ressaltando, neste caso, as ações educativas dirigidas ao público especial, composto por pessoas com deficiências sensoriais, físicas e intelectuais como também ao público inclusivo, composto por pessoas com e sem essas deficiências, tendo como referência o Programa Educativo para Públicos Especiais do Núcleo de Ação Educativa da Pinacoteca do Estado de São Paulo, implantado e desenvolvido nessa instituição desde o ano de 2003.

> Palavras-chave: Museu. Ação educativa. Públicos com necessidades especiais.

· Educação profissional de síndrome de down no instituto inhotim: fundamentos para mediação inclusiva em arte contemporânea [lara Ceres de Carvalho loPes]

Estes escritos relatam e fundamentam a mediação inclusiva adotada em uma das ações desenvolvidas na Arte e Educação do Instituto Inhotim. Trata-se

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da profissionalização, educação para o trabalho ainda em curso, da funcionária Rosemary, Síndrome de Down, por meio da mediação em arte. Essa ação pretende confirmar a hipótese de que é possível promover a inclusão social em museus de arte, profissionalizando o funcionário deficiente mental dentro da própria instituição.

> Palavras-chave: Mediação. Inclusão. Profissionalização.

· Arte-educação e as rosas: dialogando com as práticas pedagógicas e a formação dos professores [amélia GarCia]

Este artigo pretende dialogar com a atual prática pedagógica dos arte-educadores num contexto de informações provisórias. O grande questionamento é como o professor pode transformar essas informações para gerar conhecimentos e experiências, a fim de tornar acessível ao aluno o seu universo cultural.

> Palavras-chave: experiências estéticas; formação de professores; acessibilidade à cultura.

· Arte, cotidiano e cultura visual: perspectivas de uma arte/educação dialógica [Fernanda mélo; maria Juliana sá]

Este ensaio foi elaborado a partir da experiência de mediação educativa na exposição do Projeto Política da Arte da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), durante o segundo semestre de 2009. Apresentamos o estudo do repertório imagético para construção das diferentes possibilidades de leitura de uma obra de Arte, a partir da integração entre elementos midiáticos, o repertório visual do indivíduo e a estética artística institucionalizada, compreendendo os vários aspectos da cultura visual, suscitados e vivenciados em nossa mediação.

> Palavras-chave: Ensino de Arte. Mediação Educativa. Cultura Visual.

· Mecanismos de mediação da obra de arte: possibilitando experiência ou ampliando o acesso à informação?[simone Ferreira luizines]

Na contemporaneidade o público busca, cada vez mais, acumular informações acerca da obra de arte e de seus produtores. Ao mesmo tempo, museus e instituições culturais, cada dia mais, inclui dentro de seus espaços expositivos mecanismos de mediação, como textos curatoriais, vídeos, folders e cenografia, na tentativa de possibilitar ao público um acesso mais rápido à obra. Mas será que esses mecanismos têm contribuído para a criação de situações de construção de conhecimentos e fruição estética? Ou simplesmente possibilitado o acesso à informações antes desconhecidas? São as situações criadas a partir do encontro do público com esses mecanismos mediadores e seus desdobramentos que este artigo busca discutir.

> Palavras-chave: Mediação. Mecanismos de mediação. Experiência.

· Criança pequena e museu: uma relação possível (e desejada) [maria isabel leite]

O artigo parte de uma concepção de museu como instituição viva, acolhedora e aberta aos diferentes públicos e, assim, constrói argumentos que defendem a presença de crianças de pouca idade no interior dos museus, por entendê-las como capazes de fazer associações e dar significações ao visto, ouvido, sentido e experienciado. A partir de algumas experiências museais londrinas e brasileiras, busca redefinir o papel educativo dos museus, aponta para uma pedagogia museal voltada, particularmente, aos pequeninos, na qual discute formas de acessibilidade que passam, prioritariamente, pelos modos de exponibilidade e, mais ainda, pelos processos mediáticos.

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> Palavras-chave: Museu. Criança pequena. Acessibilidade.

· Observar e compreender: a mediação cultural enquanto registro de uma presença vitalícia no mundo [anderson Pinheiro santos]

O presente artigo analisa os discursos e materiais de mediação que se propõe a corporificar o conhecimento almejando tornar o acesso cultural o mais democrático possível. Para isso são postos em reflexão os processos de mediação cultural, os exercícios de estímulos à percepção e os modos de proposição de reflexão do mundo a partir da experiência do espectador no contato com determinada exposição.

> Palavras-chave: Mediação Cultural. Percepção. Experiência.

· Projeto “música na escola”: acesso à educação e à cultura musical [álvaro henrique borGes]

Neste texto pretende-se expor um modelo de atuação educacional para o acesso à cultura musical no ambiente escolar. Neste, os educadores partem da reflexão a respeito do papel do professor na sociedade avaliando as condições do ensino atual, visto que, teoricamente, o exercício do educador musical está calcado na sua formação específica e na sua atuação em sala de aula, o que exige conhecimentos pedagógicos. Sabe-se que há uma gama de problemas, mas o que se ressalta é a força coletiva em compartilhar e dar acesso social às diversas frentes no ensino musical, contribuindo assim, para a formação de cidadãos conscientes e autônomos.

> Palavras-chave: Ensino. Música. Escola.

· Digitalización de danzas folklóricas peruanas en Buenos Aires: los migrantes como “archiveros” del arte [maG. silvia benza]

Los gestores de los grupos de danzas folklóricas peruanas en Buenos Aires son también “archiveros” de contenidos audiovisuales ya que hacen circular por la web fotografías, textos y videos de shows. De esta forma, las páginas web de los grupos se transforman en “Museos Virtuales” pues muestran información sobre el lugar y horario de los ensayos de los grupos, así como descripciones del significado e historia de las danzas, mediando en el acceso del público. La digitalización de las danzas se hace posible gracias a la “transposición” de los géneros dancísticos, creándose el Patrimonio Digital Intangible.

> Palabras Clave: Danzas; Transposición ; Archiveros.

· Sobre o Laboratório Metodológico Arte Público – Recife 2009 [reJane Galvão Coutinho]

O presente texto trata da intervenção no 4° Encontro Diálogos entre Arte e Público em 2009, a qual foi construída em torno da questão da “democratização do acesso aos bens patrimoniais e culturais”. Buscar compreender o contexto onde se inscreve essa declaração, problematizar o campo onde ela surge e observar seus aspectos contraditórios somam alguns dos objetivos da referida intervenção. Nesse desafio, avalia que o confronto de idéias pode também alimentar os educadores com possibilidades de ações educativas mais consistentes e coerentes com desejos de transformação.

> Palavras-chave: Mediação cultural. Ações educativas. Mediações dialógicas.

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· Aprendizes da arte, mediadores e professores: olhares compartilhados? [mirian Celeste martins]

O Laboratório Metodológico coordenado por mim no 4º Encontro Diálogos entre Arte e Público com o tema: Formação de educadores: entre museus e sala de aula, é aqui relatado. A sua análise permite refletir sobre a mediação cultural e a real acessibilidade à arte no jogo que se estabelece entre educadores/professores de sala de aula, educadores/mediadores das instituições culturais e aprendizes da arte.

> Palavras-chave: Mediação cultural. Aprendizes de arte. “Estar entre muitos”.

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PERFIL DOSCOLABORADORES

amélia natalina Constante GarCia é graduada em Educação Artística, com habilitação em Desenho, pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Jales – FAFICLE. Pedagogia Plena, na Faculdade de Educação Antonio Augusto Reis Neves de Barretos, FEAARN. Pós Graduações: em Didática Construtivista, Faculdade Dom Bosco de Monte Aprazível – FECA e em Ensino à Distância – Educação de Jovens e Adultos - EJA, Universidade de Brasília- UnB. Mestre em Artes Visuais, UNESP-SP. Aluna Especial do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicação e Artes- ECA- da Universidade de São Paulo-USP. Participa do Grupo de Pesquisa sobre o Ensino da Arte e Formação de Professores em parceria USP/Fundação Bienal de São Paulo. Ocupa o cargo de Analista Técnico Educacional na Rede Escolar SESI-SP, como Formador de Professores. [email protected].

ana Carmen FranCo noGueira é Mestranda em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Licenciatura em Artes Plásticas (FAAP), Especialização em Educação Especial (UNICID), Especialização em Arteterapia (UNIFIEO), Prêmio Rumos Educação, Cultura e Arte do Cultural Itaú, edição 2008-2010, com o trabalho “Lygia Clark e o Concretismo para Deficientes Visuais”, Prêmio de Apoio a Projetos de Publicação de Livros no Estado de São Paulo, com livros para criança com deficiência visual, “Coleção traça traço” 2008. [email protected]

alexsandra leite é licenciada em Educação Artística com habilitação em Artes Plásticas pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente

compõe a equipe de arte/educadores do Programa de Aperfeiçoamento em Gestão Pública de Cultura da FUNDARPE. É audiodescritora com atuação no grupo de pesquisas em audiodescrição Imagens que Falam – CEI/UFPE e realiza pesquisa sobre arte/educação e acessibilidade. Rua São Luiz, 290, Pina, Recife-PE - CEP 51011-270. [email protected]

álvaro henrique borGes é doutorando em Música pelo Programa de Pós-Graduação do Instituto de Artes da Unesp: Educação Musical. [email protected]

amanda FonseCa toJal - Museóloga e Educadora de Museus. Mestre em Artes e Doutora em Ciências da Informação pela Escola de Comunicação e Artes da USP. Coordenadora do Programa Museu e Público Especial no MAC-USP de 1991 a 2003. [email protected] [email protected]

anderson Pinheiro santos é Arte/educador licenciado em Educação Artística/Artes Plásticas pela UFPE e especialista em Arte/Educação pela UNICAP. Foi professor substituto do departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística do Centro de Artes e Comunicação (CAC) da UFPE (2008-09) e professor de educação museal no Museu do Homem do Nordeste (Fundaj). Atualmente, é professor de Artes Visuais no Ensino Médio do Colégio Equipe e da Educação Infantil e Fundamental I do Colégio Conviver. É editor do Caderno de Textos Diálogos entre Arte e Público e Articulador da Rede de Educadores em Museus e Instituições Culturais de Pernambuco (REMic-PE). [email protected]

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Cibele luCena é formada em Geografia pela Universidade de São Paulo e desde 1998 trabalha como artista e educadora. É integrante dos coletivos de arte Contrafilé, Frente 3 de Fevereiro e Política do Impossível. Como educadora desenvolveu projetos em parceria com diferentes instituições e ministrou cursos de arte e formação de professores no Museu de Arte Moderna de São Paulo, onde desde 2002 desenvolve o projeto Aprender para Ensinar - curso de formação em arte contemporânea para jovens educadores surdos. [email protected].

daina leyton é psicóloga formada pela Puc-SP atua desde 2000 na coordenação e gestão de projetos sociais. É coordenadora do Programa Igual Diferente do MAM-SP. Com seu amplo trabalho em constituição de redes e conexões de diferentes linguagens, foi coordenadora do “Projeto Irradiando”, “Projeto Divercidade” diretora e é sócia-fundadora da ONG “Vida em Ação” e co-idealizadora e realizadora dos eventos “I Encontro Regional de Acessibilidade em Museus” da “Copa da Inclusão” e do “Movimento Luzcidade”. [email protected]

danielle amaro é mestranda em Artes pela Unicamp e graduada em História da Arte pela UERJ. Tem atuado em ações educativas de instituições do Rio de Janeiro e de São Paulo, destacando-se o Museu de Arte Contemporânea de Niterói (2004-2007) e a Pinacoteca do Estado de São Paulo, onde é hoje educadora do PISC-NAE. [email protected]

ediles revorêdo rodriGues possui Licenciatura pela Universidade Federal de Pernambuco e Curso de Pós-Graduação Latu Sensu em Psicopedagogia Escolar. [email protected]

Fernanda mélo é graduanda do curso de Licenciatura em Educação Artística com habilitação em Artes Cênicas na Universidade Federal de Pernambuco e membro temporário da Equipe de Ações Educativas da Fundação Joaquim Nabuco. [email protected]

Flávia Paloma Cabral borba é graduada em Licenciatura Plena em História pela Fundação de Ensino Superior de Olinda, desde agosto de 2009. Integrou a equipe de mediadores do Educativo do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, enquanto estagiária, pelo período de 16 meses. Integrou a equipe de mediadores do Educativo do Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, enquanto profissional, em sua 47ª edição. Realiza pesquisas nas áreas de Patrimônio Cultural Brasileiro e áreas afins, Arte/educação e Políticas Públicas de Cultura. [email protected]

FranCisCo José de lima é professor Adjunto da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Coordenador do Centro de Estudos Inclusivos (CEI/UFPE); Idealizador e Formador do Curso de Tradução Visual com ênfase em Áudio-descrição “Imagens que Falam” (CEI/UFPE); editor da Revista Brasileira de Tradução Visual http://www.rbtv.associadosdainclusao.com.br [email protected]

Gabriela aidar é graduada em História pela USP, Especialista em Estudos de Museus de Arte pelo MAC/USP e em Museologia pelo MAE/USP. Obteve o título de Master of Arts in Museum Studies pela Universidade de Leicester, na Inglaterra, com revalidação pelo Programa de Mestrado em Museologia da UNIRIO. É coordenadora do Programa de Inclusão Sociocultural do Núcleo de Ação Educativa da Pinacoteca (PISC-NAE). [email protected]

Gabriela bon possui graduação em Artes Plásticas com habilitação em História, Teoria e Crítica de Arte pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialização em Museolgia e Patrimônio Cultural pela mesma universidade. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS, sob a orientação da Profa. Dra. Analice Dutra Pillar. Bolsista CAPES. Vice-Coordenadora de Educação a Distância do Curso de Formação de Mediadores e Professores-Mediadores para 7ª Bienal de Artes Visuais do Mercosul e assistente do Projeto Pedagógico da mesma

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mostra, supervisora da 6ª Bienal do Mercosul e assistente de supervisão da 5ª Bienal do Mercosul. [email protected]

Joana zatz é formada em Ciências Sociais e Jornalismo, há dez anos trabalha investigando, a relação entre arte e espaço público. Participa dos coletivos de arte Contrafilé e Política do Impossível. Em 2009 iniciou o seu mestrado na FAU-USP em torno deste tema. Desde 2002 é professora-artista no MAM SP do projeto “Aprender para Ensinar”, que originou em 2008 o grupo “Corposinalizante” – ambos são grupos de estudos e produção de arte contemporânea para jovens educadores surdos – do qual é uma das idealizadoras.

João viCente Ganzarolli de oliveira é professor da Escola de Belas-Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Participou de diversos congressos no Brasil e no estrangeiro, na qualidade de palestrante. É autor de diversos artigos e de seis livros, cinco dentre os quais voltados direcionados para a área acadêmica, notadamente Do essencial invisível. Arte e beleza entre os cegos (Rio de Janeiro, Revan, 2002); Arte e beleza em Gerd Bornheim (Rio de Janeiro, EdUERJ, 2003); A humanização da arte: temas e controvérsias na filosofia (Rio de Janeiro, Pinakotheke, 2006); Por que não eles? arte entre os deficientes (São Paulo, Cidade Nova, 2007); Estética, vivência humana, (Rio de Janeiro, Letra Capital, 2008). [email protected]

lara Ceres de Carvalho loPes é mineira, graduada em História – licenciatura e bacharelado – pela PUC-MG, especialista em História da Cultura e da Arte pela UFMG e cursa a especialização em Arte Contemporânea: reflexão e crítica também na PUC-MG/Inhotim. Há três anos trabalha no Instituto Inhotim e atua como arte educadora. Sua pesquisa é referente à educação, arte contemporânea, museus, cultura e inclusão. [email protected]

luis roberto soares é formado pela Escola de Arte Dramática da ECA/USP e graduando em História pela USP. Foi

bolsista de Iniciação Científica no MAC/USP. Trabalhou em mostras como “Picasso na Oca”. Atuou com a capacitação de educadores na Associação Arte Despertar. Desde 2005 é educador do PISC-NAE. [email protected]

maG. silvia benza é licenciada en Ciencias Antropológicas (UBA). Magíster en Administración Cultural (UBA). Becaria doctoral ANPCyT. Docente UBA. Integrante del equipo www.antropologiadelcuerpo.com [email protected].

marGarete de oliveira é assistente de coordenação, docente e educadora do Programa Educativo para Públicos Especiais (PEPE) do Núcleo de Ação Educativa da Pinacoteca do Estado de São Paulo desde 2003. Graduada e licenciada em Letras pela USP e Pós-graduada em “Praxis Artísticas e Terapêuticas: Interface da Arte e da Saúde” pela Faculdade de Terapia Ocupacional da FMUSP. Uma das ganhadoras do Prêmio Rumos Itaú Cultural, Educação Cultura e Arte 2008/2010 – na área de atuação em Educação Não-formal. Atuou no Projeto “Museu e Público Especial” no MAC-USP (1992 a 2002). [email protected]

maria Christina da silva Costa é Educadora do Programa Educativo para Públicos Especiais (PEPE) do Núcleo de Ação Educativa da Pinacoteca do Estado de São Paulo desde 2007. Graduada e licenciada em Artes Visuais pelo Centro Universitário Belas Artes da São Paulo em 2007. Especialização em Deficiência Intelectual e Educação Inclusiva pela APAE/SP em 2008 e aluna especial do Curso de Práticas Educativas da ECA-USP em 2009. É atualmente pós-graduanda do curso de Educação da Pessoa com Deficiência Auditiva (FMU). [email protected]

maria isabel leite é arte-educadora; Pedagoga; Doutora em Educação com Pós-Doutorado em Arte-Educação, na área de educação museal. Trabalhou com educação infantil e séries iniciais por quinze anos;

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depois deu aulas em universidades por mais quinze. É uma das coordenadoras do Museu da Infância (UNESC) desde 2005. Publicou uma série de livros, capítulos e artigos na área de educação infantil, infância, educação, arte e museus. [email protected]

maria Juliana sá é graduanda do curso de Licenciatura em Educação Artística com habilitação em Artes Plásticas na Universidade Federal de Pernambuco e membro temporário da Equipe de Ações Educativas da Fundação Joaquim Nabuco. [email protected]

marisa Ferreira aderaldo é Professora de Literatura hispanoamericana (UECE) e doutoranda em Estudos de Tradução – acessibilidade e tradução – (UFMG). [email protected]

milene Chiovatto é graduada em Artes Plásticas pela Universidade Mackenzie, Mestre em Ciências da Comunicação-Sociologia da Arte pela ECA/USP. Coordenou o atendimento educativo na XXIV Bienal de São Paulo. É professora na FAAP, conselheira do Instituto Arte na Escola e coordenadora do Núcleo de Ação Educativa da Pinacoteca. Endereço postal: Núcleo de Ação Educativa da Pinacoteca do Estado de São Paulo. [email protected]

mirian Celeste martins é paulistana. Docente do Curso de Pós-graduação em Educação, Arte e História da Cultura na Universidade Mackenzie onde coordena o Grupo de Pesquisa em Mediação cultural: contaminações e provocações estéticas. Foi professora do Instituto de Artes/Unesp, onde coordenou o Grupo de Pesquisa: Mediação arte/cultura/público. Sócia-diretora do Rizoma Cultural com Gisa Picosque, presta assessoria a instituições educacionais e culturais, entre elas a Proposta Curricular de Arte para a Secretaria de Estado de Educação/SP, ações educativas em importantes exposições e a concepção e coordenação da DVDteca do Instituto Arte na escola. Autora de artigos e livros. Tem formação em Artes

Plásticas com doutorado pela Faculdade de Educação/USP (1999) e mestrado pela Escola de Comunicações e Artes – ECA/USP (1992)[email protected]

Paulo andré de melo vieira é mestrando em Educação da Universidade Federal de Pernambuco; Áudio-descritor. [email protected]

reJane Galvão Coutinho é doutora em Artes pela ECA/USP, professora do Instituto de Artes da UNESP onde atua na graduação e atualmente coordena a Pós-Graduação em Artes. Desenvolve pesquisas sobre história do ensino da arte e mediação cultural. [email protected]

sabrina denise ribeiro é educadora de Surdos do Programa Educativo para Públicos Especiais (PEPE) da Pinacoteca do Estado de São Paulo desde 2008 e Museu Afro Brasil, de São Paulo, desde 2009. Graduada e Licenciada em Artes Plásticas pela Faculdade Paulista de Artes em 2004. Educadora Aprendiz do curso “Aprender para Ensinar” do Programa Igual Diferente no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM).

simone luizines é Arte/educadora, especialista em Arte/educação pela UNICAP/PE e Bacharel em Turismo pela UNICAP/PE. Foi Mediadora Cultural em diversos museus e instituições culturais de Recife, Assistente de Galerista e responsável pelos projetos de educação desenvolvidos na Amparo 60 Galeria de Arte e atualmente é Coordenadora do Núcleo de Formação de Público e Projetos da Ação educativa e Cultural do Instituto Ricardo Brennand. Possui como ênfase de pesquisa a História da mediação cultural no Brasil, estudos e teorias sobre leitura e leitores de imagem e metodologias de leitura de imagem na arte/educação contemporânea. [email protected]

simone são marCos Passos possui Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade Federal de Pernambuco. [email protected]

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sonia marques é arquiteta e urbanista (Recife,1973), mestra (PIMES/UFPE, 1983) e doutora (EHESS, Paris, 1996) em sociologia, foi professora de Historia e Teoria da Arquitetura (UFPE, 1975-1997; UFRN, 1998-2009), professora visitante (UFBA, 1987; Universidades de Montreal, 2005 e François Rabelais, 2008), é atualmente professora de Artes do Departamento de Artes Visuais da UFPB. [email protected]

viviane Panelli sarraF possui graduação em Licenciatura em Educação Artística pela Fundação Armando Álvares Penteado (2001), Especialização em Museologia pelo Curso de Especialização em Museologia do MAE-USP (2004), mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade de São Paulo (2008) e está cursando doutorado no Programa de Comunicação e Semiótica da PUC-SP. No ano de 2008 recebeu o título de Empreendedora Artemisia pelo trabalho de sua empresa social Museus Acessíveis. Ainda em 2008 recebeu o Prêmio Darcy Ribeiro como responsável pelo Programa de Formação Continuada de Acessibilidade em Museus do Centro de Memória Dorina Nowill e o Prêmio Cultura e Saúde do Ministério da Cultura pelo Projeto do Centro de Memória Dorina Nowill. Organizou em novembro de 2008 o Encontro Regional de Acessibilidade em Museus em parceria com a Fundação Dorina Nowill para Cegos e com o Museu de Arte Moderna de São Paulo, projeto pioneiro no Brasil. Tem experiência na área de Museologia e Cultura, com ênfase em acessibilidade para pessoas com deficiência e mobilidade reduzida. [email protected]

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PREFEITURA DO RECIFE

Prefeito João da costa

Vice-Prefeito Milton coelho

SECRETARIA DE CULTURA

Secretário renato l

FUNDAÇÃO DE CULTURA CIDADE DO RECIFE

Presidente luciana Félix

Diretor de Gestão de Equipamentos Culturais FáBio cavalcante

Diretor de Desenvolvimento e Descentralização Cultural luciana veras

Gerente Operacional de Artes Visuais e Design Márcio alMeida

Gerente de Serviços de Formação em Artes Visuais regina Buccini

Diálogos entre Arte e Público

Coordenação regina Buccini e andré aquino

Edição de textos e Conteúdos anderson Pinheiro

Projeto Gráfico daniela Brilhante Assistência diagramação aaron Bailey athias

Revisão de textos Karolina Ferreira

Caderno de Textos Acessível

Consultoria em acessibilidade Francisco liMa

Autoração acessível Bruno hiPólito

Locução Paulo vieira

Áudio-descrição Paulo vieira

Tradução em libras Juliana Maria de Melo e Mireli Maria da silva

Gravação e edição de áudio geraldo de Fraga

Filmagem e edição de vídeo cdMix áudio e MultiMídia

Realização

PREFEITURA DO RECIFE | Fundação de cultura cidade do reciFe gerência oPeracional de artes visuais e design

Funarte - Fundação nacional de artes

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Apoio centro de estudos inclusivos - uFPecePe - coMPanhia de editoração de PernaMBuco

Fundação JoaquiM naBuco | Museu do hoMeM do nordeste

instituto ricardo Brennand

MaMaM - Museu de arte Moderna aluísio Magalhães

reMic - rede de educadores de Museus e instituições culturais

Colaboradores

a M é l i a nata l i n a co n s ta n t e ga rc i a (sP)an a ca r M e n Fr a n co no gu e i r a (sP)al e x s a n d r a le i t e (Pe)álva ro he n r i q u e Bo rg e s (Mg)a M a n da Fo n s ec a to Ja l (sP)an d er s o n P i n h e i ro sa n t o s (Pe)ci B e l e lu c e n a (sP)da i n a le y t o n (sP)da n i e l l e a M a ro (sP)ed i l e s r e vo r ê d o ro d r i gu e s (Pe)Fer n a n da M é l o (Pe)Fl áv i a Pa l o M a ca B r a l Bo r B a (Pe)Fr a n c i s co Jo s é d e l i M a (Pe)ga B r i e l a a i da r (sP)ga B r i e l a Bo n (rs)Joa n a zat z (sP)João vi c e n t e ga nz a ro l l i d e ol i v e i r a (rJ)l a r a cer e s d e ca rva l h o (Mg)lu i s ro B er t o soa r e s (sP)M ag. s i lv i a Be nz a (arg e n t i n a)M a rg a r e t e d e ol i v e i r a (sP)M a r i a ch r i s t i n a da s i lva co s ta (sP)M a r i a i s a B e l l e i t e (sc)M a r i a Ju l i a n a sá (sP)M a r i s a Fer r e i r a ad er a l d o (ce)M i l e n e ch i ovat t o (sP)M i r i a n ce l e s t e M a r t i n s (sP)Pau l o an d r é d e M e l o (Pe)re Ja n e ga lvão co u t i n h o (sP)sa B r i n a de n i s e r i B e i ro (sP)s i M o n e lu iz i n e s (Pe)s i M o n e são M a rco s Pa s s o s (Pe)so n i a M a rq u e s (PB)vi v i a n e Pa n e l l i sa r r a F (sP)

Agradecimentoseva duarte, Beto rezende, geraldo de Fraga, diretoria de rádio e coMunicação PoPular, lia Menezes, heloísa arcoverde, luiz arrais, ricardo Melo, ana Maria Pereira, danuza Montenegro, serginho cruz, ediMilson silva, andré aquino, Francisco liMa, Paulo vieira, ernani riBeiro, anderson tavares, coMitê intergestor de Políticas PúBlicas Para Pessoa coM deFiciência e a todos os funcionários da Fundação de Cultura que contribuíram para realização deste projeto.

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Esta obra foi composta em trebuchet ms e impressa em ofsete pela Gráfica CEPE sobre papel reciclato 90g/m2 para miolo e triplex 350g/m2 para capa, em outubro de 2010.

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