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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO DEPARTAMENTO DE LETRAS E CINCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA SOCIAL DA CULTURA REGIONAL MESTRADO EM HISTRIA

REPRESENTAES DO PROGRESSO E A CULTURA POLTICA INSCRITA NOS PERIDICOS PERNAMBUCANOS (1837-1850)

DIEGO HENRIQUE B. NERY

RECIFE, 2010

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO DEPARTAMENTO DE LETRAS E CINCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA SOCIAL DA CULTURA REGIONAL MESTRADO EM HISTRIA

REPRESENTAES DO PROGRESSO E A CULTURA POLTICA INSCRITA NOS PERIDICOS PERNAMBUCANOS (1837-1850)

DIEGO HENRIQUE B. NERY

Trabalho apresentado psgraduao em Histria Social da Cultura Regional da Universidade Federal Rural de Pernambuco como requisito parcial para obteno do grau de mestre. Orientadora: Prof. Dr. Maria das Graas Andrade Atade de Almeida.

RECIFE, 2010

Ficha catalogrfica

N456r

Nery, Diego Henrique Barros Representaes do processo e a cultura poltica inscrita nos peridicos pernambucanos (1837-1850) / Diego Henrique Barros Nery 2010. 1446 f. : il. Orientadora: Maria das Graas Andrade Atade de Almeida Dissertao (Mestrado em Histria Social da Cultura Regional) Universidade Federal Rural de Pernambuco. Departamento de Letras e Cincias Humanas, Recife, 2010. Referncias 1. Representaes 2. Progresso 3. Cultura poltica 4. Peridicos I. Almeida, Maria das Graas Andrade Atade de, orientadora II. Ttulo CDD 320

A ordem e a desordem so como as duas faces de uma mesma moeda: indissociveis.A Desordem: Elogio do Movimento. Georges Balandier.

Dedico este trabalho a Ruth Rego Barros, por colocar mais gua no feijo fazendo durar at o fim da semana, por me corrigir, por me dar banho quando beb, por ser simplesmente a minha me.

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AGRADECIMENTOSComo na vastido de um oceano minha mente se deu ao trabalho de selecionar as pessoas e instituies que me ajudaram, direta e indiretamente, neste trabalho e no decorrer da vida. Porm ao trmino da seleo cheguei concluso que precisaria de umas trinta laudas para agradecer tantas pessoas que de alguma forma fizeram parte de minha caminhada. Por isso caso algum nome no seja mencionado por falta de espao, mas que este espao nunca faltar em meu corao, e guardo todos nele. Primeiramente agradeo ao Programa de Ps-Graduao em Histria Social da Cultura Regional por me proporcionar todo o apoio de que tanto precisei nesta longa jornada e agradecer Universidade Federal Rural de Pernambuco pelo acolhimento deste programa e pela fora que esta instituio sempre agracia as pesquisas, pois sem elas meu trabalho no seria possvel. Sou grato ao programa da CAPES (Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior) pelo apoio concedido em minha pesquisa, suprindo minhas necessidades e auxiliando este empreendimento nascer. Dedico esta dissertao para a pessoa que foi muito importante na consecuo do trabalho, que me deu apoio emocional e material, conselhos, correes e lies que guardo para a vida. minha me em especial por acreditar em tudo o que fao desde que nasci, acreditou que falaria, e falei, acreditou que andaria, e andei, cresci e aqui estou. Ao Prof. Dr. Wellington Barbosa da Silva, meu amigo, agradeo pelas correes e pela orientao desde o incio, que infelizmente teve que ser interrompida na reta final por motivos de sade, passando assim para as cuidadosas mos da Prof. Dr. Maria das Graas A. Atade de Almeida. Por isso agradeo a ela tambm, pelo acolhimento e pelas correes, leituras incansveis e pelos conselhos que tive o prazer de ouvir e vivenciar. Agradecimento especial dispenso s professoras Suzana Cavani e Suely Luna, pelo olhar criterioso e pelas sugestes propostas para a melhoria deste trabalho disponibilizando de seus raros momentos profissionais para se dedicarem na anlise da dissertao. Agradecimento especial, tambm, para a Prof. Dr. Ana Nascimento pela leitura e colaborao na anlise da pesquisa.7

Aos amigos e irmos que ganhei na vida, desde meus estudos na UPE at a UFRPE. Agradeo a Glibson, Bruno, Fernanda, Clcia, Fernando, Esdras, Douglas e a Professora e amiga Gilda; Glibson, Bruno, Fernanda e Clcia pelo companheirismo constante pelas caminhadas juntos e diverses, por uma infinidade de momentos que vivemos e que guardo na memria, a minha amiga e professora Maria Gilda (UPE), por todos os conselhos e apoio que tive o privilgio, desde a graduao de receber e que at hoje conversamos, por telefone ou pessoalmente, estou sempre grato. Aos amigos que constitui no Mestrado que me forneceram palavras de fora e companheirismo. Keila pelas pilantragens que s amigos como ela podem nos proporcionar, pois voc foi minha guia nesta caminhada, meu confessionrio, foi quem me estendeu a mo amiga, para voc um especial obrigado; Mrio que se tornou um amigo especial desde o incio, um exemplo de simpatia e escritor que, me perdoe, causa-me uma grande inveja, eu te admiro pelo amigo que voc se tornou e pelas correes e convivncias maravilhosas. Agradeo a dupla dinmica Paulo Julio e Carlos Andr que juntos me proporcionaram dicas e suporte para muitos momentos no mestrado, desde as aulas at os eventos e, tambm, pelas conversas descontradas que em sua singularidade me proporcionaram momentos de felicidade; por fim, mas no por ltimo, Janana que foi e sempre ser uma grande amiga e que passei momentos de felicidade e muito estudo nas aulas que estivemos sempre juntos. Agradecimentos a professores e amigos de longo e curto perodo que contriburam para o aperfeioamento de minha vida acadmica e pessoal. Ao meu primeiro orientador e amigo Maciel Henrique, que no s foi um orientador foi um parceiro na pesquisa, por momentos de conselhos e acompanhamentos, por ter pacincia de trabalhar com um orientando inexperiente e confiar no trabalho realizado, por corrigir meus textos por at dez vezes, sempre com a mesma pacincia e dedicao. Mesmo com muito trabalho para o Doutorado, me apoiou at a seleo do mestrado, indo l no dia para me dar palavras de apoio, mesmo vivendo um momento difcil, a voc meu amigo que me fez estudar com afinco e dar os primeiros passos, obrigado. Aos professores do Programa de Ps-Graduao que estiveram ao meu lado nas aulas e se esforaram para me aconselhar. Prof. Dr. Giselda Brito pelas aulas e correes, Prof. Dr. Suely Almeida, por ser um exemplo de companheirismo com os alunos e pelo apoio na minha caminhada. Agradeo a todos os meus professores que8

no posso citar, mas que dedicaram seu tempo para transformar minha vida no que ela hoje. De todo meu corao agradeo a minha grande famlia que em especial esteve ao meu lado. Agradeo aos meus irmos Andr e Flvia que agora moram longe, mas que sempre estiveram to perto, nem Roraima, nem Braslia podem nos separar, espero ter sido o casulinha que vocs sempre quiseram. Aos meus amigos e irmos Marcelo Jos, Diego Jos (Diegoto), Evanessa Moura (Eva), Danilo Jos (Dan) e Kssia Rafaelle (Fifa) que de tanta amizade se transformaram em irmos de verdade, em especial a Marcelo que desde a quarta srie at hoje um grande amigo e parceiro, saiba que tenho o prazer de te chamar de irmo. Ao meu av Virglio por ser o grande pai da famlia e que um exemplo de vida, por criar tantos filhos, por me dar essa me preciosa, por me chamar de ngo, ao meu tio Paulo Jorge pelo apoio e lies de vida, a minha tia Irani pelas melhores conversas acadmicas que j tive e pelo prazer de trabalhar com a melhor professora, e a minha querida tia Ester pelo olhar criterioso que transformou este trabalho em um primor. E em especial para as duas mulheres da minha vida, que so parte de mim e faro parte pela eternidade, quero agradecer a Fabiana Maria da Silva (Preta), futura senhora Nery, que passou por toda dificuldade no labutar desta dissertao ao meu lado sempre me apoiando nos momentos mais difceis, e a minha enteada Mariana Laura (Pretinha), pelo amor que recebo e pelos momentos especiais que passo com ela. Estou sempre grato por tudo o que consegui em minha vida, mas sem vocs sei que no chegaria esquina, pois, no s pelo amor, posso contar com todas essas vidas que cruzaram e abrilhantaro a minha vida com a mais forte luz.

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RESUMONeste trabalho propomos tratar das formas como os pernambucanos na primeira metade do Sculo XIX, percebiam e discursavam sobre a concepo de progresso na provncia, suas relaes com as prticas vindas da Europa, modelo de civilidade, representadas em discursos jornalsticos que circulavam na provncia, principalmente a capital. Para tal faremos uso das concepes de Michel De Certeau quanto ao conceito de estratgia para a elaborao dos discursos jornalsticos, a categoria de representao do Roger Chartier para relacionarmos o entendimento de progresso inscrito nos peridicos. O foco destas representaes de civilidade e de progresso foi analisado nos desencontros discursivos, nas brigas e nas anlises feitas pelos prprios provincianos sobre a temtica nos peridicos. Esta anlise foi realizada aos olhos da estrutura organizacional do prprio peridico, e para tal tarefa, utilizamos as concepes de anlise do Mouilland quanto diagramao dos jornais e nos auxiliamos tambm pela anlise de discurso da Eni Orlandi. Percebemos diversas formas de representar o progresso e as formas como seus meandros chegaram a influenciar nas disputas partidrias existentes em Pernambuco demonstrando a cultura poltica. Conjuntamente analisamos as disputas ocorridas nas folhas dos jornais realizadas por conservadores e liberais com o intuito de conseguir espaos no cenrio poltico de Pernambuco fazendo uso de conceitos prprios de progresso e modernidade. Palavras-Chaves: Representaes, Progresso, Cultura Poltica e Peridicos.

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ABSTRACTIn this work we address the ways in Pernambuco in the first half of the nineteenth century, they saw and spoke about the conception of progress in the province, its relations with the practices from Europe, a type of civility, represented in journalistic discourses that circulated in the province, especially the capital. To this end we use the concepts of Michel De Certeau on the concept of strategy for the development of journalistic discourses, the category of representation of Roger Chartier to relate the understand of progress recorded in the journals. The focus of these representations of civility and progress has been analyzed in discursive disagreements, fights and the analysis done by their own parochial on this subject in journals. This analysis was performed in the eyes of the organizational structure of its own journal for this task we use the concepts of analysis Mouilland about the layout of newspapers and will also help the discourse analysis of Eni Orlandi. We see several ways to represent the progress and the ways its midst came to influence the partisan disputes existing in Pernambuco demonstrating the political culture. Together we look at the disputes that occured in the leaves of newspapers held by conservatives and liberals in order to get space on the political scene of Pernambuco making use of their own concepts of progress and modernity. Keys-Word: Representations, Progress, Political culture and Journals.

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SUMRIOAgradecimentos Resumo Abstract Introduo Captulo 01: Panorama Poltico em Pernambuco na Primeira Metade do XIX: Crise, Peridicos e Progresso 1.1. Poltica em Pernambuco 1.2. Crise: falta de empregos para a populaa 1.3. Ordem e progresso no Dirio de Pernambuco 1.4. (Des) Ordem e progresso Captulo 02: Lopes Gama e Antnio Pedro de Figueiredo: A Singularidade na Representao do Progresso 2.1. Macaquear: um novo verbo 2.2. E tome embora a carapua aquele em quem ela assentar de molde 2.3. Progresso por Progresso: Antnio Pedro de Figueiredo Captulo 03: Agresses Mtuas: A Cultura Poltica nos Peridicos 3.1. A guerra poltica nas folhas do Dirio de Pernambuco 3.2. Estratgias difamatrias do Dirio Novo 3.3. O uso das correspondncias pelos peridicos pernambucanos Concluses Referncias 65 76 86 98 100 115 127 134 136 29 34 36 50 58 07 10 11 13 29

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INTRODUOEste trabalho se insere no programa de ps-graduao da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Histria Social da Cultura Regional. E tem como perspectiva a representao e o uso do conceito de progresso nos peridicos pernambucanos no perodo de 1837 a 1850. Pernambuco durante o final da primeira metade do sculo XIX apresentava-se com problemas scio-econmicos que logo atingiram setores polticos, visto que os polticos eram apontados como os responsveis para a soluo destes encalos. Em 1837 o panorama provinciano estava caracterizado com o discurso regressista do conservadorismo e economicamente por uma concentrao financeira nas mos de privilegiados, que constituam a elite da provncia, sendo representantes dos partidos liberais e conservadores. O setor de maior expresso econmica e responsvel pelo maior volume financeiro era o agrrio que estava sob controle dos grandes proprietrios. A oligarquia agrria Rego Barros/ Cavalcanti detinha em seu poder parte significativa da agricultura, principalmente na zona da mata sul da provncia, local que estava a maioria dos engenhos. O comrcio a retalho era visto pelos liberais como o principal problema dos provincianos, porque os estrangeiros detinham o comrcio que a populao poderia trabalhar, estando concentrada nas mos dos europeus residentes no Brasil, em sua maioria portuguesa, conhecida por marinheiros.1 Os partidos polticos propunham modificaes significativas na provncia, dentre elas, os liberais destacavam-se pelo discurso de reformar a provncia na sua estrutura poltica e acabar com a falta de empregos, enquanto os conservadores defendiam um progresso mais submisso ordem evitando assim possveis violncias na provncia. Neste enredo, o Movimento Praieiro se fez presente como a forma encontrada pelos liberais (radicais) de modificar as estruturas polticas da provncia, mas obviamente no havia tanta diferena na forma de governar entre conservadores e liberais,2 visto que Chichorro da Gama (liberal) governou a provncia e manteve o modelo administrativo anterior que pertencia aos conservadores.

Eram denominados assim por pertencerem Europa e representarem a imagem dos invasores navegantes, caixeiros viajantes que impediam o crescimento de Pernambuco. Durante muito tempo foram agredidos e vilipendiados em agresses fsicas, denominadas de mata-marinheiros. 2 CARVALHO, Marcus J. M. de; CMARA, Bruno Dornelas. A Praieira Revisitada: Consideraes sobre o debate. Almanack Braziliense. So Paulo, n 08, 2008, p. 54.

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Os praieiros eram responsveis pelas matrias jornalsticas que, inicialmente, eram mais agressivas que as dos conservadores. No movimento encontramos agresses que propunham apresentar os adversrios como responsveis pelos problemas econmicos e pela fome existente em Pernambuco, pois eram deles, os conservadores, o governo da Provncia e consequentemente seriam tambm eles os responsveis pela situao que os pernambucanos passavam. J para os conservadores, os problemas no poderiam ser resolvidos pelos liberais, porque no seria uma mudana brusca na administrao do governo o necessrio para solucionar a crise pela falta de trabalhos. Durante muito tempo o poder da provncia esteve nas mos dos conservadores, representados por Francisco do Rego Barros que foi responsvel por um processo de modernizao do Recife. Ele, baseado nos ideais de progresso e civilizao, trouxe para Pernambuco engenheiros e arquitetos estrangeiros responsveis pela estruturao da cidade. Acreditava como era comum, que a civilidade estaria nos moldes de vida francesa e por isso defendia a vinda de engenheiros que pudessem relacionar a provncia com a urbe francesa. Para tal intento, constitui a ROP (Repartio de Obras Pblicas) em 1839, no intuito de desenvolver a estrutura arquitetnica do Recife, com a construo de pontes, praas, prdios e outros. Dentre os convocados para estas construes esto os franceses: Louis Lger Vauthier, Boulitreau, Millet, Buessard, Morel e Portier.3 O foco desta mudana era a ordem e a uniformidade. Claro que o entendimento de civilidade se baseava nas organizaes europeias, e assim ele tentou estruturar a cidade nos moldes das cidades do velho continente.4 Seus estilos arquitetnicos buscavam selecionar os gostos que se faziam na Europa e principalmente na Frana e Inglaterra. neste sentido que percebemos a instrumentalidade da Repartio de Obras Pblicas (ROP) pelo Presidente da Provncia Francisco do Rego Barros que pretendia aplicar a modernizao e o progresso em Pernambuco. Ao trmino de seu governo assume um liberal, Chichorro da Gama. Este por sua vez tentou aplicar a forma de governar to esperada pelos partidaristas dos liberais, j que eles tanto contestavam o poder dos conservadores e os modelos de administrao3

SOUZA, Maria ngela de Almeida. Posturas do Recife Imperial. Tese (Doutorado em Histria) Programa de Ps-graduao em Histria, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2002. 4 ARRAIS, Raimundo. O Pntano e o Riacho: A Formao do Espao Pblico no Recife do Sculo XIX. So Paulo: Humanitas/ FFLCH/ USP, 2004.

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utilizados para o desenvolvimento pernambucano. Mas o estilo de governo dos liberais se assemelhava muito ao panorama conservador, continuaram as prticas de mudanas de cargos, como acontecia anteriormente, continuaram os problemas econmicos. Uma de suas diferenas discursivas foi o tratamento ao comrcio a retalho, com os marinheiros. Foi no governo dos Praieiros que os portugueses sofreram as consequncias da reao que os brasileiros tinham pelos estrangeiros lusos, pois constantemente grupos locais saqueavam as lojas dos comerciantes e as destruam. Em diversos casos a agresso, tambm, era fsica. Esta situao se refletia nos jornais praieiros, j que declaravam abertamente serem os portugueses os responsveis pela falta de dinheiro na provncia. Os liberais buscavam responsveis e os imigrantes eram apontados como responsveis pela falta de trabalho da populao mais pobre. Os jornais conservadores, tambm, relatavam estes episdios de violncia no comrcio dos portugueses. Num destes casos, um estudante do Liceu brigou com um comerciante e sobre o pretexto de vingar o estudante, vrios outros populares junto com parte da populao saquearam e destruram comrcios na rua da Praia e do Rangel. Para Bruno Dornelas Cmara5 este foi o episdio do mata-marinheiro mais devastador com violncia acentuada e de repercusso significativa:ocorrido o fato, concorreu a paragem em que ele houvera lugar, no d a mor parte dos alunos do estabelecimento, seno tambm algum povo, que, sob o pretexto de vingar o ofendido, chegou ao excesso de arrombar as portas de vrios dos referidos armazns; matar a dois Portugueses, e ferir a diversos, na mencionada rua. Dahi, ainda furioso, passou-se rua do Rangel, onde arrancou a vida a outros tantos Portugueses, um dos quais deixou cinco filhos.6

Nas folhas liberais do Dirio Novo, o grupo conservador da oligarquia agrria, tambm era discursado de forma agressiva, pois recebiam a culpa de centralizarem a renda dos pernambucanos e eram consecutivamente difamados. Esta colocao foi realizada no ano em que os liberais assumiam o governo provinciano. A ideia era a de denegrir a imagem dos representantes do partido conservador, para assim conseguirem o

CMARA, Bruno Augusto Dornelas. Trabalho Livre no Brasil Imperial: o caso dos caixeiros de comrcio na poca da Insurreio Praieira. Dissertao (Mestrado em Histria) Programa de PsGraduao em Histria, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2005, Cap. 03. 6 Acontecimentos dos dias 26 e 27. Dirio de Pernambuco, Recife. p. 3. 28 de jun. 1848.

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crdito desejado. Como o prprio partido conservador declarava a vontade de ordem, os seus adversrios apresentavam seus comportamentos como de arruaceiros. Estas agresses mtuas vinculadas nas folhas dos peridicos faziam parte da rotina deste perodo e eram uma caracterstica comum na forma de fazer poltica em todo o Brasil, e consequentemente em Pernambuco. Os insultos declarados nos jornais faziam-se visveis para servirem de arma poltica contra seus adversrios.7 Com a perda do poder para os representantes do Dirio de Pernambuco em 1848, aos liberais coube o uso das armas e num movimento organizado debelaram foras contra o governo institudo. Esta insurreio logo foi reprimida pelo governo central e os responsveis foram punidos com prises e degredos. Aps o trmino do Movimento Praieiro o ideal de modernidade continuou e a Provncia foi modernizada, mas os problemas tanto debatidos pelos polticos durante esse perodo no foram solucionados.8 Nosso objetivo com esta pesquisa foi o de perceber e relacionar a representao do progresso com a cultura poltica pernambucana no perodo de 1837 at 1850 atravs da produo dos discursos impressos nos jornais de maior representatividade e significncia na provncia. Refletir sobre as formas como a cultura poltica se apropriava de diversos conceitos de progresso e os inscreviam nos peridicos, visto que os jornais do perodo funcionavam como arma de propaganda poltica para a tentativa de justificar aes ou convencer as pessoas das aes partidrias. Com isso buscamos fazer uma anlise de jornais que tinham maior representatividade no contexto poltico do perodo. O Dirio de Pernambuco, Dirio Novo, O Progresso e O Carapuceiro, constituem nosso corpus documental, sendo os peridicos que nos servem para caracterizar de forma significativa a temtica das relaes entre estes e a cultura poltica. O foco de nossa anlise so as apropriaes de diversos conceitos de progresso para a justificativa de pensamentos e aes polticas, as formas como os discursos

LUSTOSA, Isabel. Insultos Impressos: A Guerra dos Jornalistas na Independncia 1821-1823. So Paulo: Cia das Letras, 2000. 8 EISENBERG, Peter. Modernizao Sem Mudana. Campinas: Paz e Terra, 1977.

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procuravam vilipendiar os adversrios polticos, menosprezando o adversrio com o intuito de ganhar expresso poltica em Pernambuco. Para tais intentos tudo era vlido, e nas folhas dos impressos encontramos discursos de agresses e de acusaes de anti-progresso. Demonstrando assim a forma de compreenso do esteretipo partidrio que existia na Provncia. A representao do progresso expressa em diversas matrias analisadas e no estudo sobre as formas de representao deste nos aproximamos da cultura poltica inscrita nas folhas pernambucanas. Para desenvolvermos nossas relaes de trabalho com o objeto de pesquisa, procuramos selecionar os principais peridicos impressos do perodo. Destacamos para esta seleo, critrios de relaes polticas e singularidades, pois o intuito no era a quantidade, mas a representatividade que estes materiais tinham na regio, seja poltica, econmica, social entre outros. Com um aprofundamento nas leituras realizadas da bibliografia, nosso horizonte se ampliou. Por exemplo, quando nos referimos ao trabalho de pesquisa de Amaro Quintas9 encontramos uma percepo inovadora para o Movimento Praieiro, devido a sua meno ao socialismo utpico no movimento. Esta questo pode ser notada pelos discursos que fazem referncia forma de civilizao dos personagens quando falam da Frana. Para o perodo que o autor escreveu o texto, sua anlise representou uma inovao para a historiografia, e ainda hoje sua pesquisa contribui para o entendimento da Praieira. Ele diz que o movimento ocorreu devido a feudalizao da provncia, a tentativa de nacionalizao do comrcio a retalho e as idias do esprito QuaranteHuitard10, ideias socialistas da Revoluo de 48 na Frana, esprito este que circundava a provncia. Amaro Quintas, no perodo em que escreveu seu trabalho lutava em movimentos sociais, procurou com este livro explicar o surgimento de ideais socialistas.

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QUINTAS, Amaro. O Sentido Social da Revoluo Praieira. 6 Ed. Recife: Massangana, 1982. Este esprito, que Amaro Quintas se refere, o ideal socialista da Revoluo de 48 na Frana, que segundo o autor estavam presentes na Praieira, devido s leituras dos lideres da Revoluo.

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Este esprito, aqui mencionado, era a concepo de progresso atrelada ao modelo de civilidade europeia, e como de costume a Frana era o carro chefe deste modelo. Izabel Andrade Marson11 faz referncia aos problemas sociais e econmicos da regio, porm relaciona o movimento com outras influncias, como o da expanso do capitalismo capitaneada pela Inglaterra que indiretamente colaborou com o ideal de progresso vindo da Europa e a diminuio no trfico de escravos. Uma percepo que contribuiu bastante para nossa perspectiva foi sua explanao com relao aos grupos participantes do movimento que segundo a autora participavam por motivos pessoais. Este entendimento, tambm, notado por Socorro Ferraz12. Nas disputas polticas ela afirma que existiam Liberais e Liberais, Conservadores e Conservadores, debatendo as ideias que muitas pesquisas tinham de generalizar os partidos polticos do perodo. Os motivos partidrios, segundo a autora, no podem ser generalizados porque nem todos os liberais seguiam os ideais de seus lderes, assim como, tambm, os conservadores. Essas caractersticas da poltica eram comuns, pois elas tinham um formato pessoal. Neste perodo, no se separavam por completo a vida poltica da vida privada, caracterizando assim as aes como poltico-pessoais e as formas de governar entre oposio e governo se assemelhavam. Assim tambm entende o historiador Jos Murilo de Carvalho13 que afirma no ser possvel encontrar partidos polticos no Brasil antes de 1837, por serem eles, at essa data, organizaes secretas em sua maioria regidas pela maonaria. E que aps essa data, podia ser referido a existncia dos conservadores e liberais como partidos, mas que no seriam facilmente definidos e delimitados. Marson, assim como os outros dois autores, percebe as disputas partidrias e focaliza o mbito jornalstico e nos apresenta um panorama referente s disputas polticas expressas nos jornais. Atenta para as agresses pessoais e para a tentativa de denegrir a imagem dos adversrios atravs dos discursos jornalsticos. Em seu trabalho, definido os espaos dos governistas e dos que lutavam por este controle poltico, e como de praxe no perodo, da Guarda Nacional. Caracteriza a imprensa polticoMARSON, Isabel A. O Imprio do Progresso: A Revoluo Praieira em Pernambuco (1842-1855). So Paulo: Brasiliense, 1987. 12 FERRAZ, Socorro. Liberais & Liberais: Guerras Civis em Pernambuco no Sculo XIX. Recife: UFPE, 1996. 13 CARVALHO, Jos Murilo de. A Construo da Ordem: A Elite Poltica Imperial./ Teatro de Sombras: A Poltica Imperial. 3 Ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2007. p. 201-204.11

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partidria dos dois grupos e demonstra como as lutas destes estendiam-se aos peridicos. No mesmo vis jornalstico, Isabel Lustosa14 trata a relao de foras partidrias inclusas nos discursos jornalsticos. Analisa as disputas partidrias expressas em folhas no formato de agresses, o como a poltica brasileira representada e discursada em peridicos. Sua Tese intitulada Insultos Impressos j demonstra o sentido destas agresses mtuas percebidas nos discursos polticos inseridos no corpo dos peridicos. Marcus J. M. de Carvalho ressalta em sua obra que o Movimento Praieiro foi uma expanso das lutas existentes no campo. Chamando de A Guerra do Moraes15, devido s lutas que os Moraes faziam na mata sul e seus varejamentos contra outros engenhos, Carvalho percebe que as brigas ocorriam pelo poder dos cargos de chefe de polcia e por espaos polticos na provncia. Esta disputa de poder passou a se expandir por volta de 1844 at atingir o Recife em 1848 deflagrando a Insurreio Praieira. A perspectiva de Carvalho para o Movimento a de que ele tambm foi decorrente das lutas ocorridas no interior de Pernambuco e como estas lutas estavam diretamente ligadas com o centro urbano, nas referncias polticas e sociais, atingiram consequentemente o Recife. No que tange ao projeto de modernizao europeizada pelo qual Recife passava e vivenciava nas prticas sociais e arquitetnicas, nos deparamos com dois trabalhos de grande expresso referentes temtica. Souza16, trabalhando a legislao aplicada no imprio, faz um levantamento da normatizao pelo qual passou o Recife no perodo imperial. Esta normatizao, que passa pela criao da ROP Repartio de Obras Pblicas, transcende o social chegando ao estrutural. O projeto de modernizao do Recife apresentado neste trabalho baseado no modelo europeu, e como uma tecla repetitiva, a Frana se apresentava como o esteretipo, tambm na arquitetura e na legislatura.

LUSTOSA, Isabel. Insultos Impressos: A Guerra dos Jornalistas na Independncia (1821-1823). So Paulo: Cia das Letras, 2000. 15 CARVALHO, M. J. de. A Guerra do Moraes: A Luta dos Senhores de Engenho na Praieira. Dissertao (Mestrado em Histria) Programa de Ps-Graduao em Histria, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1986. 16 SOUZA, 2002.

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Seguindo este pensamento de anlise, mas pela perspectiva espacial e arquitetnica, Raimundo Arrais17apresenta a modernizao da cidade do Recife sob uma descrio que nos salta aos olhos, as formas, os traos, com que o Recife foi se construindo e em que pensamento e critrios os prdios e casas se levantar. No trabalho a anlise, tambm, nos faz perceber o pensamento e modelo de modernizao que se apresenta ao esteretipo de civilizao que a provncia se propunha a vivenciar. Atentamos para a construo de uma cidade que valorizando pensamentos europeus se dispunha a modificar as estruturas sociais e arquitetnicas, a cultura que se inscrevia nas paredes e traos citadinos. Os trabalhos apresentados acima, tiveram diversas formas de compreenso do Movimento Praieiro e do contexto social, poltico e social de Pernambuco e do Brasil na primeira metade do Sculo XIX, e em certos momentos discordaram nas interpretaes dos temas abordados. Desta mesma forma, o progresso foi discursado, debatido e representado neste perodo. No entendimento conservador, ele era notado como algo que estava para chegar e que por isso o povo sofria j que a modernizao deveria vir com uma revoluo nas estruturas administrativas, como entendia os liberais, ou talvez gradualmente, como pensava Pe. Lopez Gama. Como nosso objetivo o de analisar as concepes do progresso, modernidade e civilidade na produo de discursos da imprensa no perodo de 1837-1850, e consecutivamente discutir a cultura poltica inscrita nos mesmos, buscamos um referencial que nos auxiliasse de forma significativa para facilitar a relao teoriaprtica em nossa pesquisa. Por isso em nosso pensamento terico, enxergamos diversas possibilidades, pois o mosaico de consideraes tericas para o historiador pode servir, at, como um empecilho, uma vez que a variedade se apresenta numa vastido que chega a cegar. Historiadores se utilizam de filsofos, socilogos, antroplogos entre outros. Interessante notar que por muito, tambm, estes em sua maioria so franceses. Como diversos pensamentos nos contemplam, aplicamos os conceitos e perspectivas que nos serviram como ferramentas para o trabalho documental e para pensar a nossa problemtica.

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Para nosso referencial terico, alguns autores nos forneceram a base para o entendimento e o debate com as fontes, os textos com cruzamento dos materiais para o surgimento da pesquisa. Diversos conceitos so apresentados, e dentre eles os que mais se relacionaram com a temtica proposta e que nos elucidaram forma a concepo de poder do Michel Foucault18, o entendimento de representao e apropriao do Roger Chartier19, as idias de bricolage, estratgia e ttica do Michel de Certeau20, o conceito de ordem e desordem do Georges Balandier21. importante frisar que existem discordncias entre alguns autores, principalmente quanto s concepes de Foucault e Orlandi, autores que abordaremos mais adiante. Por exemplo, Eni Orlandi compreende o silncio nos discursos como forma de propagar e outorgar o que foi dito, para Foucault o silncio na Histria uma forma de resistncia ao discurso inicial. Outra proposio a crtica que Certeau faz ao trabalho do Foucault, pois entende que ele discute as diversas formas de poder e suas tessituras no mbito espacial. Ele, segundo Certeau, furta-se anlise dos poderes e saberes exercidos pelos grupos que no esto diretamente ligados s instituies, ou como entende Marcus J. M. de Carvalho, a populaa.22 Faz anlise do poder dos mdicos e no dos pacientes, dos presdios e no dos presidirios entre outros. A crtica exercida por Certeau aparece como uma justificativa para a realizao de suas pesquisas relacionadas ao cotidiano. Visto que o conceito de bricolage apresentado pelo autor o poder do consumidor em contraposio ao produtor, porque para ele as pessoas produzem no mesmo instante em que consomem, deixando a idia de consumidor passivo descartada. Caracterizando assim um poder que o povo exerce perante as instituies. Para o prprio, este poder exercido pelas pessoas na reconstruo de produtos, materiais e imateriais, so formas de exercer o poder contra as instituies. Quando algum do povo age, esta ao no premeditada nem calculada para atingir um

FOUCAULT, Michel. Microfsica do Poder. Rio de Janeiro: Edies Graal, 1999. CHARTIER, Roger. A Histria Cultural: Entre Prticas e Representaes. Rio de Janeiro: Editora Difel, 1990. 20 CERTEAU, Michel de. A Inveno do Cotidiano: 1. Artes de Fazer. Trad.: Ephraim Ferreira Alves. Petrpolis: Vozes, 1994. 21 BALANDIER, Georges. A Desordem: Elogio do movimento. Trad.: Suzana Martins. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. 22 CARVALHO, Marcus J. M. de. Os Nomes da Revoluo: lideranas populares na Insurreio Praieira, Recife (1848-1849). Revista Brasileira de Histria. So Paulo, v. 23, n 45, p. 209-238, 2003. p. 223.19

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determinado fim, logo este poder de recriao do consumo realizado como uma brincadeira (bricolage)23, ao qual o autor denomina de ttica. Para nosso entendimento, os peridicos existentes no perodo tratado construram estratgias polticas com o intuito de atingir o poder poltico. De Michel Foucault aplicamos a concepo de poder e em Michel De Certeau o conceito de estratgia que :

O clculo (ou manipulao) das relaes de foras que se torna possvel a partir do momento em que um sujeito de querer e poder (uma empresa, um exrcito, uma cidade, uma instituio cientfica) pode ser isolado. A estratgia postula um lugar suscetvel de ser circunscrito como algo prprio e ser a base onde se podem gerir as relaes com uma exterioridade de alvos ou ameaas (os clientes ou os concorrentes, os inimigos).24

De Certeau discute em seu trabalho as formas como as pessoas se socializam no cotidiano e como elas se apresentam diante dos poderes e saberes, estas relaes para nosso entendimento se apresentam na construo das matrias jornalsticas que tinham, neste contexto, um foco ou meta. A construo de estratgias polticas aparece em nosso trabalho com o intuito de compreendermos a cultura poltica e suas formas de representar. Entendemos que a necessidade de destruir a imagem pblica do partido adversrio era uma estratgia poltica e que corriqueiramente era utilizada pelos peridicos. Como simbolicamente os partidos discutiam as formas de conseguir adentrar no poder da poltica local, percebemos que quando eles se inscreviam em matrias jornalsticas, ao mesmo tempo, representavam suas concepes sobre o progresso, sobre os mata-marinheiros e sobre projetos de civilidade existentes na provncia. Nossa concepo de representao apresentada segundo o estudo de Roger Chartier que entende que, culturalmente, as pessoas se inscrevem e representam em diversas formas os entendimentos de mundo que lhes so demonstrados. Nestas representaes, baseadas em vontades polticas e pessoais, eram realizadas paraEstas aes so exercidas pelos personagens que no esto ligados com as instituies, aparecem sem clculos de aes nem premeditaes. Essas aes so no pensadas e feitas como uma brincadeira que o autor a entende como uma colcha de retalhos e de reinvenes nas construes de produtos j supostamente acabados. Perceba-se, tambm, que as reconstrues no se limitam aos bens materiais, mas a bens imateriais. Reconstroem leituras, imagens entre outros. 24 CERTEAU, 1994, p. 9923

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convencer o povo de seus ideais polticos e demonstravam que percepes os jornais montavam do conceito de progresso, como eles tratavam suas perspectivas de futuro quanto situao calamitosa que Pernambuco passava e como utilizavam os conceitos de progresso como arma poltica e partidria. Para Chartier as representaes culturais so articuladas aos interesses dos grupos sociais, propiciando-nos uma compreenso melhor das formas de significar a sociedade. O autor trata das receptividades destas representaes como apropriao dos discursos. O conceito de apropriao de Chartier semelhante ao conceito de Certeau de ttica, pois as pessoas se apropriam dos discursos e (re)significam os contedos recebidos, visto que o consumo no passivo, como debatido anteriormente. Por mais que a historiografia tenha encontrado uma diversidade de mtodos bastante extensa e suas interpretaes tenham ganhado parmetros diferentes dos tratados por modelos mais antigos que a concepo da nova histria cultural, no se exclui o uso das fontes como recurso bsico dos entendimentos de passado. Para o Jrn Rsen25estas formas de anlise da Histria so anlises nomolgicas que se atm a uma teoria que engloba as diversas formas de entender o passado. Criou-se, possivelmente aps Foucault, a ideia de que a Histria no possui mtodos de pesquisa. A isto atribumos aos diversos mtodos que ela possui, pois a diversidade de formas de anlise ou at narrar a Histria se apresenta como mtodos de entender o passado. Por mais que se discuta sobre a falta de mtodo na histria, percebemos notadamente a imensa necessidade do uso das fontes histricas e das teorias para nos auxiliar na labuta da produo historiogrfica. Por isso em nossa anlise compreendemos a necessidade constante do uso de documentos, pois as teorias no nos suprem por completo, servem como forma de articular o nosso trabalho com as fontes, facilitando o trato com o material e nos ajudando, tambm, com a reflexo sobre as problemticas do perodo. Entendemos ento que as articulaes entre teoria prtica documental e historiografia so a forma de desenvolver um trabalho de pesquisa com qualidade.

RSEN, Jrn. Reconstruo do Passado. Trad.: Asta-Rose Alcaide. Braslia: Editora Universidade de Braslia, 2007.

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A proposta de pensar o progresso e a modernidade, em um conjunto de esteretipos europeus, nos leva a pensar, tambm, o conceito de ordem e desordem. Esta dicotomia aparentemente oposta nos foi fornecida pelo enlace terico do Georges Balandier, pois necessitando de uma abordagem mais crtica com relao ao pensamento conceitual de nossa categoria progresso, entendemos que os conceitos de ordem e desordem so:como as duas faces de uma moeda: indissociveis. So dois aspectos ligados ao real, sendo que um, baseado no senso comum, parece ser o inverso do outro. Em uma sociedade tradicional que se define em termos de equilbrio, de conformidade, de estabilidade relativa, que se v como um mundo civilizado, a desordem se torna uma dinmica negativa que cria um mundo ao contrrio. Do mesmo modo ningum ignora que a inverso da ordem no seu desmantelamento; pode servir para refor-la ou ser um de seus elementos constitutivos sob um novo aspecto. Faz-se ento a ordem com a desordem, o sacrifcio faz a vida com a morte, e a lei com a violncia domesticada pela operao simblica.26

Em nossa abordagem metodolgica fizemos uso do trabalho de organizao de artigos cientficos do professor Srgio Dayrell Porto, que conta com o trabalho de Maurice Mouillaud, professor Frances da Universidade de Lyon 2 e do Institut Franais na Sorbonne e na cole Normale Suprieure. Eles desenvolveram um trabalho voltado para a anlise do jornal27. A anlise do jornal deve seguir na relao do contexto em que ele se insere e sua diagramao, destacando o intuito das matrias, seus posicionamentos polticos e que mensagem querem transmitir, criando assim um sentido para os discursos inscritos nos jornais. Este material muito nos facilitou no trato com a documentao, que so basicamente peridicos. Pensando como ele est constitudo em sua formao espacial, suas relaes de prioridade de matrias, de qual ser a matria principal, o tipo de fonte tratada, qual o fato utilizado, o nome do jornal entre outros pontos que devem ser considerados com a anlise de um jornal. Com relao, por exemplo, ao conceito e trato com o nome do jornal, encontramos uma relao direta com o ttulo do peridico liberal (Praieiro), pois ao propor o nome de Dirio Novo, busca em sua expresso uma inovao em relao ao

BALANDIER, 1997. p. 121. MOUILLAND, Maurice; PORTO, Srgio Dayrell. (org.). O Jornal: da forma ao sentido. Braslia: UNB, 2002.27

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Dirio de Pernambuco, discursado como Dirio Velho pelos liberais. Notamos desde j que o nome do peridico de oposio opera uma afronta direta ao peridico conservador. Esta forma de pensar a concepo de progresso e modernidade nos peridicos neste perodo da histria de Pernambuco pontual e singular, visto que diversos historiadores fizeram usos dos peridicos como uma das principais fontes documentais para suas anlises e que no existe nenhum trabalho exclusivo sobre a relao da representao jornalstica nos entendimentos do recorte temporal proposto, e outras representaes como o progresso e a cultura poltica. Recorremos constantemente aos pensamentos de diversos filsofos, linguistas, socilogos e antroplogos para nos auxiliar nas interpretaes, mas no descartamos o pensamento de Marshall Sahlins28de que existem ilhas de Histria, outras pocas, outros costumes, pois leva em considerao que cada espao e tempo histrico tm suas particularidades e significados que s o olhar cuidadoso pode perceber. Devido a isto, cremos e reforamos o uso constante de documentos como forma de internalizar e interpretar os fenmenos do perodo estudado com o apoio incessante da teoria como agente facilitador do saber. A variedade de material exorbitante. Neste perodo, os peridicos estavam em crescimento quantitativo chegando a atingir nmeros altssimos devido ao Movimento Praieiro, pois eles serviam de arma poltica e com a aproximao da ecloso da Insurreio (1848) a imprensa panfletria se fazia presente nas ruas do Recife e seus arredores com expresso significativa.29 Como nosso intuito est relacionado com a representao do progresso e suas formas de uso como propaganda e arma poltica, selecionamos dentre os diversos jornais como: O Lidador, A Voz do Brasil, O Nazareno, O Tribuno, O Guarda Nacional e outros mais os que tinham maior representatividade, segundo a bibliografia consultada, no perodo. Propomos apenas a anlise significativa de peridicos que representavam a cultura poltica e suas singularidades.

SAHLINS, Marshall David. Ilhas de Histria. Trad.: Brbara Sette. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2003. 29 MARSON, Izabel Andrade. Movimento Praieiro: Imprensa, Ideologia e Poder Poltico. So Paulo: Ed. Moderna, 1980, p. 57.

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Nosso corpus para a anlise se voltou para os jornais: Dirio de Pernambuco, Dirio Novo, O Carapuceiro e O Progresso. A escolha se deu pela representatividade da cultura poltica em Pernambuco. Cada qual com sua prerrogativa poltica, de costumes, cientfica, mas que nos serviram para analisarmos o pretendido. O Dirio de Pernambuco por sua fora e expresso de jornal conservador e de relaes com grupos partidrios da zona da mata sul, era devidamente centralizado pelas foras polticas conhecidas por guabirus. Seus textos jornalsticos apresentam caractersticas de parcimnia quanto aos discursos relacionados aos problemas da provncia, com o intuito de demonstrar a tranquilidade por que Pernambuco passava. Este documento apresenta a singularidade e expressa em suas folhas, desde o formato, a perspectiva de ordem e modernidade tanto desejada no local. Sabemos, tambm, que dentre as batalhas e agresses jornalsticas as propagandas conservadoras se faziam presentes neste peridico. Este impresso era o porta-voz principal dos partidaristas conservadores, desde a direo do jornal at seus editores. Como a propaganda partidria se fazia presente nos peridicos, a arma poltica dos conservadores era, definitivamente, o Dirio de Pernambuco. Em contra partida, uma resposta liberal se fazia presente. O novo, o revolucionrio, que propunha idias progressistas diferenciadas, segundo seus conceitos. O Dirio Novo era a arma poltica principal dos liberais e se apresentava como a inovao pernambucana, a necessidade de modificar as estruturas sociais. Devido a este fator seu prprio nome era novo, representando as modificaes que a provncia tanto precisava, a inovao administrativa. Lopes Gama30 foi um personagem de expresso poltica relevante para a provncia pernambucana e desenvolveu uma anlise comportamental sobre as formas como a sociedade se portava perante os costumes europeus, principalmente os vindos da Frana. Veja-se que o projeto de modernizao passava pelos moldes franceses e que suas relaes de adaptao, segundo sua anlise, eram caricatas, e por isso, motivo de crticas contundentes por sua parte.

GAMA, Miguel do Sacramento Lopes. O Carapuceiro (1832-1842). Recife: Fundao de Cultura Cidade do Recife (Coleo Cidade do Recife, 27), 1983. v. 3.

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J a revista social O Progresso, redigida por Antnio Pedro de Figueiredo e outros associados a ele, desenvolvia o discurso de que era necessrio modernizar a administrao pblica, desenvolver o sistema de pequenas propriedades como nos Estados Unidos e basear-se na cincia para reestruturar a provncia pernambucana. Estes materiais formam o corpus de nossa pesquisa e nos forneceram bases para a anlise da cultura poltica e da representao do progresso nos peridicos, e como estas caractersticas influenciaram no procedimento e formao dos jornais pernambucanos, j que eles eram entendidos como imprensa panfletria. Para o trato com estas fontes, a anlise do discurso exposta em Eni P. Orlandi e Norman Fairclough serviram de mecanismo para a anlise exposta nas prticas dos discursos jornalsticos do perodo exposto. Estas prticas jornalsticas esto presentes em diversos espaos e cruzam com o cotidiano dos citadinos, so discursos que nos interessam para o desenvolvimento desta pesquisa. Estes discursos so entendidos nesta anlise segundo o conceito de Eni Orlandi31

quando remete o discurso a um movimento de sentidos, um caminho, um

percurso, um curso onde a palavra o caminho utilizado pelos personagens com sentidos e representaes definidos. Complementamos a compreenso com Norman Fairclough que explica que o discurso um modo de ao, uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os outros, como tambm um modo de representao.32Assim intercala o discurso com as caractersticas sociais e a representao. Este trabalho se dividiu em trs captulos e uma concluso. No primeiro captulo abordamos a constituio e o panorama dos partidos polticos pernambucanos, assim como tratamos das relaes entre a crise da falta de empregos e suas correlaes com os discursos jornalsticos e o conceito de progresso defendido por cada partido na folha dos jornais que os representava, expondo assim um panorama de fenmenos histricos que tiveram associao direta com a temtica de nosso trabalho.

ORLANDI, Eni P. Anlise do Discurso: Princpios & Procedimentos. Campinas: Editora Pontes, 1998. 32 FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e Mudana Social. Trad. Izabel Magalhes. Brasilia: Editora Universidade de Braslia, 2001. p. 91.

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No segundo captulo, trabalhamos duas percepes singulares do conceito de progresso, fazendo assim uma importante ressalva quanto a uma ideia dicotmica sobre este conceito, no nos prendendo a posicionamentos apenas de conservadores e liberais. Selecionamos dois personagens significativos na poltica, Antnio Pedro de Figueiredo e o Pe. Lopes Gama que apresentavam ideias singulares em relao s concepes de civilidade dos partidos vigentes. Esta percepo variada de conceitos e de modos de representao do progresso nos serviu de corpus para a elaborao do terceiro captulo que constitui uma gama de relaes entre a cultura poltica e as representaes de progresso nos jornais Dirio Novo e Dirio de Pernambuco. Com esta relao entre cultura poltica e representao do progresso analisamos as agresses mtuas entre os partidos expostos nessas folhas. Abordamos consecutivamente a forma como utilizavam o conceito de progresso na constituio de estratgias para seus intentos agressivos, juntamente com o uso das correspondncias de leitores para demonstrar o apoio popular aos seus pleitos. Assim a relao do conceito de progresso, modernidade e civilidade representadas nos peridicos podem ser associadas para caracterizar a cultura poltica do sculo XIX na provncia pernambucana.

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1. PANORAMA POLTICO EM PERNAMBUCO NA PRIMEIRA METADE DO XIX: CRISE, PERIDICOS E PROGRESSOA sociedade brasileira durante o sculo XIX passou por diversas modificaes culturais, polticas e sociais. Uma variedade de movimentos33 tomavam formas na sociedade, modificaes significativas que afetaram o panorama do cotidiano da populao. Neste captulo analisaremos a concepo de progresso presente nos discursos dos peridicos de maior expresso na capital da provncia pernambucana, procurando desvelar a cultura poltica do perodo. Desta forma contextualizaremos o Recife da primeira metade do sculo XIX.

1.1. Poltica em PernambucoA poltica no Brasil imperial foi marcada por inconstncias significativas. Desde o governo do D. Pedro I at o do D. Pedro II diversas modificaes ocorreram, inclusive uma flexibilizao no poder imperial que era centralizador, existindo uma monarquia constitucional. A passagem de poder de um imperador para o outro esteve separada por um governo de regentes que flexibilizou devido s revoltas do perodo regencial e as mudanas dos gabinetes de governo. Diversos grupos polticos se formaram e posicionaram argumentos polticos, que ainda no constituam projetos partidrios. Para Jos Murilo de Carvalho34 s existiam partidos polticos no Brasil a partir de 1837, com as denominaes de liberais e conservadores. Os conjuntos polticos se dividiam a partir de 1840, quando eles tomaram formas mais definidas. Carvalho faz um mapeamento da localizao dos liberais e conservadores no Brasil, explicando onde eles se destacavam e os motivos de se destacarem em determinados locais. Sendo o Rio de Janeiro caracterizado pelo conservadorismo, a Bahia e Pernambuco divididos entre conservadores e liberais, e Minas, So Paulo e Rio Grande do Sul predominantemente liberais. Esta diviso que perdurou por todo o Segundo Imprio, apresenta Pernambuco como uma provncia dividida entre liberais e conservadores. E to logo os partidaristas

Movimentos polticos com trocas de gabinetes, movimentos como a cabanagem, a novembrada entre outros. 34 CARVALHO, Jos Murilo de. A Construo da Ordem: a elite poltica imperial/ Teatro de Sombras: a poltica imperial. 3 Ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2007. p. 217.

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podiam, disputavam espaos para o domnio do poder poltico e de cargos de confiana, como por exemplo, os cargos policiais e da Guarda Nacional.35 Como o perodo da regncia enfraqueceu o governo central, diversas contestaes foram feitas aos regentes e seus modelos de governar. A instabilidade e as revoltas foram constantes no perodo regencial36. Com isso ganhou notria expresso o movimento regressista que lutava basicamente pela devoluo do poder ao governo central, agindo inclusive contra o Ato Adicional de 1834 e o Cdigo de Processo Criminal de 1832.37O Movimento Regressista formulara e outorgara leis que reformularam tanto um quanto o outro. Em 1840 o Ato Adicional foi reinterpretado e, em 1841, o Cdigo Criminal foi reformado. Quanto ao posicionamento dos liberais, Murilo de Carvalho aponta uma contradio, visto que eles eram contrrios s leis ento adotadas, porm no perodo de governo dos liberais esta legislao no foi contestada nem reformulada, pois ela era um agente facilitador do governo:

os liberais revoltaram-se em 1842 contra estas leis. Mas, ao voltarem ao poder em 1844, mantiveram oposio puramente retrica a elas, pois tinham percebido sua utilidade para o exerccio do poder. Em quatro anos de poder em nada alteraram o esquema do regresso.38

Estas contradies foram uma constante na poltica pernambucana tambm, porque os liberais que tanto contestavam os conservadores da provncia, quando assumiam o governo provinciano, no se diferenciavam muito quanto s suas prticas administrativas, sendo at comparados aos seus adversrios polticos.

ALMEIDA, Maria das Graas Andrade Atade de. A Guarda Nacional em Pernambuco: a metamorfose de uma instituio. Dissertao (Mestrado em Histria), Programa de Ps-Graduao em Histria, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1986. 36 Neste perodo regencial diversas revoltas no Brasil, que ameaavam a pretensa unidade nacional, fizeram parte do contexto do pas dentre elas: a Cabanagem, a Farroupilha, o levante Mal, a Sabinada, a Balaiada. 37 O Cdigo de Processo Criminal concedia maiores liberdades para que os juzes de paz punissem os delitos ocorridos em esfera local, e por isso fortalecia o poder das provncias em detrimento do poder centralizador, assim como o ato adicional de 1834 que ampliava o poder local em relao ao central nas provncias, pois as provncias poderiam formar suas prprias Assemblias Legislativas. Por meio de tal instituio, os representantes polticos locais controlariam a arrecadao de impostos e os gastos do poder local. Alm de criarem leis, os membros dessa assemblia tinham autonomia para nomearem os funcionrios do governo. 38 CARVALHO, Jos Murilo de. 2007. p. 255-256.

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Conservadores e liberais39 tiveram suas semelhanas e diferenas. As semelhanas eram maiores no modelo administrativo da provncia e as diferenas eram mais prximas do mbito discursivo, pois os liberais argumentavam a necessidade de nacionalizar o comrcio a retalho, coisa que no pretendiam os conservadores. O perfil dos conservadores se voltava para personagens significativos em Pernambuco. Pretendiam em sua constituio fazer da provncia pernambucana um celeiro do progresso material, econmico, estrutural e poltico. Sua constituio foi estruturada com esse intuito e tambm se desenvolveram relacionados com o comrcio pernambucano:Pedro Francisco (visconde de Camaragibe) e Francisco de Paula (visconde de Suassuna) organizaram o partido conservador, juntamente com outros cidados aparentados da famlia, os Barreto e os Rego Barros. Empenhados na modernizao econmica e poltica da provncia, aproximaram-se de Pedro de Arajo Lima (relacionado ao comrcio), atraindo ao partido principalmente os jovens bacharis de Olinda oriundos das famlias proprietrias de terra ou de comerciantes locais; foi o caso no apenas de Nabuco de Arajo e Figueira de Mello.40

De 1835 at 1837 o governo da provncia esteve nas mos do conservador visconde de Suassuna e, de 1837 at 1844, nas do Baro da Boa Vista, Francisco do Rego Barros, demonstrando assim um consenso partidrio e uma contnua permanncia dos conservadores no governo de Pernambuco. O regresso conservador mantido por longo perodo em Pernambuco e na regncia de Arajo Lima fortaleceu os mesmos e manteve certa estabilidade para eles no governo. Esta estabilidade modifica aps 1844 com a ascenso em Pernambuco do Chichorro da Gama e a mudana de gabinete abrindo o perodo para o quinqunio liberal. A formao do partido liberal (praieiro) foi uma constituio controversa, pois discursavam constantemente sobre a ordem, mas seus representantes divergiam sobre esta perspectiva poltica. Encontramos entre os membros republicanos, agitadores e exconservadores. Dentre eles, Nunes Machado, Urbano Sabino e Peixoto de Brito, formavam a ala dos ex-conservadores que trocaram de posio poltica por discordarem, principalmente, do governo do baro da Boa Vista.

MERCADANTE, Paulo. A Conscincia Conservadora no Brasil. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1972. 40 MARSON, Izabel A. O Imprio do Progresso: a revoluo Praieira em Pernambuco (1842-1855). So Paulo: Editora Brasiliense, 1987. p. 192.

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Para expressarem este descontentamento e lutarem por espao poltico na provncia, lanaram um jornal, o Dirio Novo, com a funo de atacar a reputao e contestar as aes do baro. Este jornal era organizado pelo Luiz Incio Ribeiro Roma, filho do padre Roma, lder de 1817 que foi morto. O peridico era a expresso e o caminho para arregimentar pessoas, de preferncia votantes, para o partido liberal. Chichorro da Gama foi o representante dos liberais no governo pernambucano quando chegado o fim do predomnio do partido conservador. Ele j tinha formado suas alianas com os liberais provincianos desde longa data. A associao entre Chichorro e Manoel de Carvalho, para lutar contra a Cabanada (1832-1835), constuiu a base da aliana para formar um dos futuros lderes da praieira. No governo de Manoel de Carvalho as lideranas da Praia foram se construindo junto a Nunes Machado e Chichorro da Gama. Foi neste governo que Nunes Machado se constituiu chefe de polcia. Em 1834 Chichorro da Gama era governador de Alagoas. Como a Cabanada estourava entre as fronteiras de Pernambuco e Alagoas, Chichorro e Nunes Machado lutaram para reprimir o movimento juntos, sendo ento assim a consolidao da aliana entre o governador de Alagoas e os futuros lderes da praieira, entre eles, Nunes Machado.41 Apesar da diversidade dos integrantes todos tiveram parte em movimentos anteriores ocorridos em Pernambuco e se engajaram na Guarda Nacional. Quando foi preciso coibir os levantes de tropas em Recife, como a Setembrada e a Novembrada, eles foram ativos. Assim tambm o foram, em 1832, na Abrilada. Nessa ao, Nunes Machado iniciou sua vida poltica, ainda quando estudante de Direito, em Olinda, juntamente com seus colegas Nabuco de Arajo e Figueira de Mello.42 Certas diferenas apareceram, quando aps diversas contestaes do governo conservador, os liberais assumem o governo com o Presidente Chichorro da Gama. Nesse perodo, diversos cargos pblicos passam a ser ocupados por representantes do partido liberal e os partidaristas conservadores que ocupavam estes espaos so exonerados.

CARVALHO, Marcus J. M de; Cmara, Bruno Augusto Dornelas. A Insurreio Praieira. Revista Almanack Braziliense. So Paulo, n 08, nov. 2008. 42 NABUCO, Joaquim. Um estadista do Imprio. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936.

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Com o incio do governo liberal em Pernambuco aparecem consecutivamente os varejamentos das fazendas dos conservadores com o pretexto de recolherem armas pertencentes Guarda Nacional. Estas mudanas de cargos, os varejamentos e a perda das eleies de 1848 para os conservadores, fizeram com que os liberais (agora radicais), sob alegao de fraude nas eleies, pegassem em armas na Insurreio Praieira. Para Marcus de Carvalho a raiz da Praieira foi esta disputa pelo poder local, principalmente pelos cargos na polcia civil, e secundariamente na Assemblia provincial, nas cmaras, na justia de paz e guarda nacional.43 A rivalidade entre conservadores e liberais trouxe um saldo negativo para a populao e para muitos integrantes do movimento, que sofreram com mortes e ferimentos. Os enfrentamentos que eram realizados nas folhas dos jornais passaram para confrontos armados e contestaes fortes contra o resultado das eleies. Para a populao, o discurso do comrcio a retalho foi o mote de estmulo para a participao na Insurreio. Para Marson, a Praieira, representa uma luta pelo poder:

trata-se de agresses e defesa mtuas, ou melhor, de uma luta pela posse de poder transformada no discurso dos contendores em guerra civil desde meados de novembro de 1848, com a utilizao de todos os recursos disponveis para vencer o adversrio [...] a praia procurava defender os seus cargos a todo o custo, numa operao aguardada havia tempo. Essa defesa tinha significado premente, pois os invasores do seu territrio no eram apenas adversrios polticos, e sim inimigos pessoais.44

Na mesma linha, para Marcus Carvalho, o movimento a face revoltarebelio da Praieira: um atrito armado resultante da radicalizao de uma disputa intraelite pelo poder poltico local e cargos correspondentes.45 Entendemos que a disputa intra-elite existente em Pernambuco foi o foco principal da Insurreio Praieira e que a participao popular se deveu a motivaes particulares e pela chamada da nacionalizao do comrcio a retalho.

CARVALHO, Marcus J. M. de. Os Nomes da Revoluo: lideranas populares na Insurreio Praieira, Recife, 1848-1849. Revista Brasileira de Histria. So Paulo, v. 23, n 45, 2003. p. 212. 44 MARSON, 1987. p. 47. 45 CARVALHO, Marcus J. M. de. Os Nomes da Revoluo. op. cit. 2003. p. 214.

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Entendemos tambm que as disputas intra-elite se deram antes da luta armada pelaproduo de discursos do Dirio Novo e do Dirio de Pernambuco, representando assim os argumentos polticos de cada partido e as agresses mtuas nos discursos. Nosso interesse no se volta para o movimento praieiro e suas articulaes pela luta do poder, mas para a conceituao e o uso do progresso como estratgia de conflito poltico.

1.2. Crise: falta de empregos para a populaaModernizao, ordem, progresso, civilidade, so palavras que faziam parte do cotidiano de diversas pessoas na provncia pernambucana. Elas pretendiam adentrar nos moldes de civilizao, que de forma rgida ou no, eram baseados nas formas de vida e nos costumes europeus. Em Pernambuco, o sistema poltico-econmico se apresentou com problemas de canalizao do volume econmico, pois a regio estava com as finanas centralizadas, principalmente na agricultura. Ela se apresentava nas mos de senhores de engenho que detinham poder e influncia na poltica e na sociedade, sendo esta a fonte de maior riqueza da provncia. Outro tipo de renda tratada em nosso trabalho o comrcio a retalho, pois ele foi utilizado pelos praieiros como estratgia46discursiva de aproximao do povo, este comrcio que estava nas mos de comerciantes estrangeiros, denominados de marinheiros.47 Estes dois canais econmicos serviam como ferramentas de excluso da populaa,48 pois a agricultura estava predominantemente nas mos de grandes senhores de terra; na mata sul, pessoas ligadas s lideranas do partido conservador e, na mata norte, ao partido liberal.49 No comrcio a retalho encontramos a reteno da economia nas mos de estrangeiros, que em sua maioria eram portugueses. Estes noO conceito de estratgia utilizado no trabalho o de Michel de Certeau, que entende a estratgia como o caminhar das instituies para atingirem suas metas e objetivos calculados. 47 Este conceito aplicado aos comerciantes a retalho, que em sua extensa maioria eram constitudos por portugueses e detinham a fonte de renda que poderia ser dos populares recifenses. Os marinheiros eram denominados assim devido a eles serem caixeiros e associados aos navegadores que colonizaram o Brasil, trazendo o mal para a sociedade. Por muitas vezes foram atacados por reterem em suas mos o comrcio a retalho, uma das fontes de renda que os pernambucanos acreditavam ser a salvao para a falta de empregos e por fim a crise econmica que se instaurava. 48 CARVALHO, 2003. 49 CARVALHO, Marcus J. M. de. A Guerra do Moraes: A Luta dos Senhores de Engenho na Praieira. Dissertao (Mestrado em Histria) Programa de Ps-Graduao, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1986.46

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eram admirados pelos nativos, pois para eles aqueles representavam um bloqueio do acesso ao comrcio, e to logo ao trabalho. A mais nesta situao eles enfrentavam a concorrncia do trabalho escravo que se constitua em mais um obstculo para o acesso ao trabalho. Como nosso objetivo aqui analisar, a categoria progresso nos discursos dos jornais, visto que estes se centralizavam nestas duas vertentes econmicas, politicamente a contestao contra os grandes proprietrios e a contestao do pequeno comrcio, que estava mais prximo da populaa. Desta feita, apresentava-se na provncia pernambucana uma crise econmica que afetava principalmente o cotidiano das pessoas pobres, que sofriam com o desemprego e com a fome. Destarte, os partidos polticos procuravam discursar sobre esta crise de falta de emprego e as formas de solucionar os problemas que acometiam a populao. Esta crise de emprego foi acentuada no governo praieiro. Lembremos que, durante o governo do Baro da Boa Vista (1837-1844) as reformas da cidade do Recife abriram possibilidades de trabalho remunerado para algumas pessoas, mas com o governo praieiro, a partir de 1845, e a paralisao das obras realizadas pelo Baro, o desemprego aumentou e a insatisfao tambm. Quanto a esta situao, Marcus J. M. de Carvalho afirma que:

[] de fato, entre 1837 e 1844 foram abertas novas ruas, construdos prdios pblicos e instalado um novo sistema de abastecimento de gua. Para Borges da Fonseca, o governo do baro, mesmo conservador, havia melhorado o aspecto geral da cidade e dado emprego populao urbana. O cnsul americano no Recife, em 1845, observou que a interrupo das obras pblicas durante o governo praieiro jogou muita gente nas ruas.50

Devido crise de falta de emprego estabelecida em Pernambuco a populao mais carente sofria demasiadamente, sendo este sofrimento um dos argumentos dos liberais para justificar suas aes. Amaro Quintas discorre que:

[] a situao do pernambucano desprovido de riqueza era das mais angustiosas possvel. Impossibilitado de voltar-se para agricultura, porque esta se encontrava na mo dos grandes senhores de terras no gtico castelo Rgo Barros-Cavalcanti encontrava a mesma

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CARVALHO, 2003, p. 216.

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dificuldade, se pretendia dedicar-se ao comrcio, quase todo ele em poder dos estrangeiros, ou para alguma atividade industrial, tambm monopolizada pelo elemento aliengena.51

Esta situao de penria pela qual passavam os populares da provncia, ocorria na regio do Recife, pois no campo, a agricultura segundo Marcus Carvalho, apresenta um relativo desenvolvimento em relao aos anos anteriores, chegando a atingir um Boom econmico no perodo de 1846-1847. Existiu um crescimento agrrio em Pernambuco com as exportaes, sendo na segunda metade da dcada de 40 o ano de avano mais expressivo, pois houve de fato uma expanso na produo aucareira pernambucana na segunda metade da dcada de 1840, sendo o aumento mais significativo nos anos de 1846-1847.52 Neste contexto, notamos que de uma forma geral, a economia centralizada principalmente na agricultura, estava em desenvolvimento, mas este atingia principalmente os agricultores e os comerciantes de grosso trato que entravam neste afloramento econmico, transformando esta crise num problema provinciano. Diante da crise de emprego instaurada na provncia pernambucana e aumentada pelos discursos liberais, estes e os conservadores se posicionavam de forma diferente. Os primeiros aproveitavam este momento de sofrimento do povo para formularem sua estratgia de convencimento, pois alegavam a necessidade de nacionalizao do comrcio a retalho, resolvendo assim o problema, lembrando no ser esta uma crise expressiva, mas amplificada pelo discurso liberal e pelo dio ao portugus. J os conservadores afirmavam que esta falta de emprego era apenas um sintoma do progresso que estava vindo para a provncia. Isto era defendido pelo argumento de que toda melhoria vinha depois de uma tribulao, de um sofrimento, e este penar era a falta de emprego que logo seria compensado com a modernidade e a prosperidade.

1.3. Ordem e progresso no Dirio de PernambucoAproveitando a crise econmica na dcada de 1840 em Pernambuco, analisamos os discursos referentes ao progresso e a prosperidade que apareciam nas pginas dos peridicos recifenses. Um destes jornais, o Dirio de Pernambuco,

51 52

QUINTAS, Amaro. O Sentido Social da Revoluo Praieira. 6 Ed. Recife: Massangana, 1982. p. 29. CARVALHO, 1986. p. 29.

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discursava em suas pginas sobre os problemas e as crises existentes, mas as apresentava como um sinal de progresso. Este jornal buscava elogiar a administrao de Francisco do Rego Barros, exaltando e aplaudindo suas obras, demonstrando assim uma relao entre as aes progressistas dele e as aes do jornal. A existncia da crise empregatcia que a provncia passava no foi negada pelo peridico, mas foi utilizada como ferramenta estratgica para representar o sofrimento como caracterstico do progresso e da civilizao. Mesmo em 1848, quando estoura a Insurreio Praieira, o discurso de prosperidade mantido. Aqui os conservadores incitam a populao a restabelecerem a as foras e se prepararem para um porvir de prosperidade:

sem que nos deixemos dominar pelo pnico que sentem as almas fracas ao reconhecerem a gravidade do perigo que as aguarda, restabeleamos nossas foras, afim que, combinando-as, consigamos preparar um porvir de prosperidade, no s para ns, como para a gerao que nos h de suceder.53

Este pensamento apresentado pelo Dirio de Pernambuco servia para amenizar os problemas existentes e demonstrar que a crise e problemas serviam como tribulaes futuramente recompensadas. O sofrimento no foi negado, mas foi discursado numa estratgia54poltica para afirmar o governo conservador e apresent-lo como uma administrao que levaria a provncia para o progresso. Em meio a um grande e grave problema de desemprego, o pensamento do partido conservador veiculado na provncia atravs das pginas do Dirio de Pernambuco era o de manter a calma e confiar, pois o sofrimento e a crise eram apenas sintomas da vinda do progresso, que este para se instalar deveria causar danos para que a populao amadurecesse e aprendesse a conviver com o progresso to esperado. A crise possua, assim, um carter pedaggico. Os conservadores entendiam que a modernidade e a civilidade deveriam partir de aes de cautela e conscincia. Nunca em uma ao de agressividade e violncia. As

Dirio de Pernambuco, Dirio de Pernambuco, Recife. p. 01, 01 jan. 1848. Estratgia a arte de fazer das instituies para manipular ou convencer. As estratgias so os mtodos que as instituies utilizam para atingir um objetivo, no caso deste trabalho so as formas como os partidos utilizavam os jornais para convencer a opinio pblica. CERTEAU, Michel De. A Inveno do Cotidiano: 1. Artes de Fazer. 12ed. Petrpolis: Vozes, 1994. p. 99.54

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modificaes bruscas eram apresentadas para seus leitores como algo que deveria ser evitado. A modificao social deveria ser gradual. Ao pensar ou discursar sobre o conceito de reforma o Dirio de Pernambuco em 1840 diz:

as idias de abuso nos gastos, e de excesso nos ordenados, trazem consigo naturalmente as de reforma. Porm revela colocar aqui um farol, que alumie esta perigosa rota. Este farol, o principio de segurana, atentando-se contra ele, converte-se o remdio em veneno, e o reformador em algoz. [...] indispensvel uma condio, sem a qual toda reforma maior abuso, do que os que se pretende corrigir: condio igualmente prescrita pela justia, prudncia, e humanidade.55

Na matria citada, percebemos caractersticas discursadas de diversas formas. H um informe jornalstico que apresenta o conceito de reforma para instruir a populao, em especial o pblico leitor, com o intuito de manter o domnio e a liderana do peridico na provncia. Notamos ento uma referncia singela associada s luzes, que a presena do farol. Este que representa o conhecimento e as idias inovadoras da Europa. Com uma simples ligao, podemos constatar a representao das reformas europeias como algo relacionado com a segurana da ordem e que os pernambucanos no deveriam copiar estas aes reformadoras de forma abrupta. As luzes, neste contexto, para os conservadores, eram modificaes necessrias que deveriam vir de forma gradual, acompanhadas de um processo pedaggico de preparao da populao, que no estava pronta para a civilidade, pois caso elas fossem aplicadas rapidamente, converteriam o remdio em veneno, como afirma a prpria matria. Entenda-se que no discurso apresentado, a crise empregatcia de Pernambuco afetava a populao e no foi negada pelo peridico, mas foi utilizada como um dispositivo jornalstico56 para justificar suas aes e pensamentos. Neste sentido o pensamento relacionado s luzes, a reforma e a associao com a Europa constituem um dispositivo de convencimento diferente dos liberais e que nos apresenta uma concepo

Reformas. Dirio de Pernambuco, Recife. p. 01, 08 abr. 1840. Para Mouillaud os dispositivos pertencem a lugares institucionais: um anfiteatro de universidade no apenas uma cena especial, mas um subconjunto da instituio universitria. Os dispositivos e as instituies tm uma relativa autonomia entre si (um lugar institucional pode ser o mesmo com dispositivos diferentes, e um dispositivo pode funcionar em diferentes lugares). Entretanto, o dispositivo e o lugar so indissociveis do sentido no qual s se atualizam um pelo outro. MOUILLAUD, Maurice. Da Forma ao Sentido. In: PORTO, Srgio Dayrell (org.). O Jornal: Da Forma ao Sentido. 2ed. Braslia: UNB, 2002. p. 35.56

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singular de progresso exposta aqui, onde a prudncia em sua aplicao seria a principal caracterstica dos povos civilizados. Palavras contidas nesta temtica inscrita no peridico destacam, tambm, seus conceitos sobre as modificaes nas estruturas da provncia, facilitando a vinda da modernidade, relembrando que o governo provincial neste perodo estava sob o controle dos conservadores, representantes deste jornal. As luzes na matria so vistas como uma modificao necessria, mas que deveria vir com parcimnia, de forma progressiva, sem que se atentasse contra a ordem ou viesse de forma abrupta. Justia, prudncia e humanidade, aparecem como as melhores formas de corrigir os erros polticos existentes. Veja-se que na sntese desta anlise os conservadores justificam as aes polticas de seus partidaristas com o discurso de prudncia relacionada com um povo civilizado, e que no seria uma reforma o caminho de combater o problema, mas a justia, prudncia e a humanidade. A constituio de um peridico de suma importncia para a sua referida anlise, chegando a ser to importante quanto matria inscrita, segundo Mouillaud. Sua forma e aparncia representam boa parte do que ele exprime, tambm, o nome do jornal, sua diagramao, a posio das matrias que para os colunistas merecem maior destaque, entre outros fenmenos. Com relao ao posicionamento das matrias, o Dirio de Pernambuco se enquadrava num esquema de preferncia que, tambm, facilitou nossa visualizao com referncia aos seus conceitos de modernidade e poltica. Como j visto neste trabalho destacamos a Europa como sendo o foco de modernizao e civilizao. Os representantes do partido conservador convocaram franceses como Vauthier para a execuo de obras na ROP. Desta forma podemos notar a concepo do progresso aplicada em Pernambuco e a organizao do jornal conservador. Pela montagem do jornal as matrias de capa eram referentes poltica nacional, internacional e pernambucana. Notcias estrangeiras abarcavam a grande quantidade de matrias no Dirio de Pernambuco sobre fatos da Inglaterra, da Frana, Estados Unidos, Mxico, Argentina entre outros pases, inclusive da frica (colonizada). Com correspondentes em diversos lugares, trazendo informaes constantemente sobre os locais, o peridico se apresentava como srio, competente e que trazia as melhores informaes.39

Depois destas matrias, devido aos interesses e momentos conturbados que a poltica pernambucana passava, estavam as notcias da capital imperial. O Rio de Janeiro tinha um destaque especial nas pginas das folhas deste jornal. Depois era a vez da poltica pernambucana e por fim as expresses das pessoas relatadas nas correspondncias dos leitores publicadas no jornal sobre diversos assuntos. Importante observarmos que dependendo da ocasio esta estrutura sofria alteraes, porm corriqueiramente esta era a estrutura bsica para o perodo estudado, j que se enaltecia nesta ordem de montagem o poder central em detrimento do local. A continuidade de matrias que enaltecia o poder central era uma constante nas informaes relatadas pelo peridico, pois entendiam que a ordem deveria ser mantida. Nos relatos sobre a sade do imperador, por exemplo, o jornal descreve seu estado e demonstra que tudo est tranquilo com o representante mximo do pas:

desde ontem s 9 horas at hoje s 7 horas da tarde S. M. I. tem passado muito bem, e tem adquirido o seu estado normal, no deixando nenhum receio de reincidncia da molstia de que fora acometido. Portanto suspende-se a publicao de boletins.57

A interatividade se inscrevia no peridico com a temtica das correspondncias mandadas por leitores, e claro devidamente selecionadas para serem expostas. Estas correspondncias nos dizem muito sobre a concepo de progresso e modernidade que as pessoas tinham e que o peridico corroborava. Em outubro de 1840, um leitor que se identificava como O Observador expressou assim o seu ponto de vista sobre as mudanas introduzidas pelo governo de Rego Barros e sobre a profisso de engenheiro na reorganizao da cidade do Recife:

resta pois, que aqueles que mais intimamente se interessam pela felicidade deste pas decidam, se quiseram sem exame adotar a negativa, e enriquecer o seu capital e as suas foras em animar e manter uma profisso importantssima, porm recentemente introduzida aqui, cujo aumento tem sido a muito tempo reconhecido como um evidente indicio do progresso da civilizao.58

H de se notar, por exemplo, que o leitor corrobora com a concepo do peridico, e por isso sua correspondncia tomou formas no jornal. Veja-se que ele

57 58

Rio de Janeiro. Dirio de Pernambuco, Recife. p. 04, 14 abr. 1840. Correspondncia. Dirio de Pernambuco, Recife. p. 02, 26 out. 1841.

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elogia o governo conservador e enaltece o progresso da civilidade existente nas aes da profisso, que aqui a de engenheiro devido s aes da ROP e seu representante mor Vauthier. Inscreve-se nas pginas do Dirio de Pernambuco o apoio constante e declarado que os conservadores, assim como os liberais, tinham pela monarquia. Ambos expressavam sua concordncia com regime monrquico. Assim o Dirio de Pernambuco enalteceu ao augusto imperador com uma poesia dedicada ao D. Pedro II:Salve, oh Dia de paz, Dia de Gloria, De Julho Vinte trs, Dia Imortal, De mrmore no mais rico pedestal Mereces ser inscrito para memria. Cessem de Numa, Tito, e Marco Aurlio Os renomes, que enchem todo mundo: Novo Astro aparece, que os ofusca, O Magnnimo Heri Pedro Segundo. Jovem, querendo dar aos brasileiros A maior prova do seu intenso amor, Deu-lhes dos seus tesouros o mais rico, Fez Pedro do Brasil Imperador. Suplante a anarquia, o despotismo, Reine s no Brasil paz, unio; Pedro existe no Trono, e dele s Depende do Brasil a salvao.59

Faz-se presente neste discurso a imagem imperial de salvador que D. Pedro II detinha nas folhas do peridico. Com caractersticas monrquicas e expressas no poema se destaca a face soberana de um heri, a exaltao. Ele comparado com outros personagens do passado que representavam grandes lderes, mas visto como superior, pois seria atravs do imperador que o Brasil encontraria a salvao. Surge assim a imagem do homem providencial, aquele que vai inovar e trazer a salvao. O mito do salvador, como nos explica Girardet em seu livro Mitos e Mitologias Polticas60, seria o personagem cone responsvel pela salvao da nao,

Poezias, dedicadas a S. M. I. o Sr. D. Pedro 2, para serem lidas na noite do dia 23 d Agosto, na occazio de se soltar o fogo artificial, que em applauso ao Mesmo Augusto Senhor, mandou fazer a Camara Municipal desta Cidade. Dirio de Pernambuco, Recife. p. 05, 19 ago. 1840. 60 GIRARDET, Raoul. Mitos e Mitologias Polticas. Trad: Maria Luciana Machado. So Paulo: Cia das Letras, 1986.

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que traria consigo o semblante da mudana, como na poesia acima transcrita, onde o imperador D. Pedro II aparece como este personagem salvador. Assim tambm segundo a perspectiva de Georges Balandier,61 a ordem em sociedades tradicionais e religiosas, ocidentais, se expressa com o mito do salvador. O ser que vir e salvar todos acabando com as dificuldades e solucionando os problemas existentes. Diante do caos, o discurso tange para a preparao e a vinda de um salvador que modificar as estruturas sociais. A cultura poltica se faz presente com a justificativa de que o imperador representa a figura salvacionista. Para notarmos esse fenmeno basta nos remetermos poesia, quando descreve que Pedro existe no trono, e dele s depende do Brasil a salvao. Analisando a figura do salvador que impor a ordem dentre os povos, Girardet defende trs tipos referentes a essa ideia de salvador. Estes que so o modelo legendrio do velho homem de grandes comandos, que se precipita sobre a glria, o legislador e o anunciador dos bons tempos. Podemos notar o foco no discurso da poesia, segundo a concepo do autor. Primeiro o imperador D. Pedro II apresentado como a representao do salvador para o Brasil, a figura que faltava para a poltica brasileira se organizar, ou seja, com ele seria o fim do sofrimento, pois a modernidade e a civilidade estavam chegando, era um porvir de prosperidade no futuro pernambucano. Em carter notrio o peridico contextualizava a presena do Rio de Janeiro como proposta de evoluo da civilidade e, logo, o salvador com a personificao do imperador Pedro II. Esta concluso no se afastou da proposta de modernizao que os liberais em Pernambuco propunham, pois os dois partidos nunca foram ou propuseram o fim dos laos com a Monarquia. Como pensa Almeida:62

a luta pelo domnio do poder no estamento poltico dominante, levava os partidos a fazerem ou apoiarem determinadas revolues. Na realidade, tivessem a cognominao de liberais, progressistas, luzias; ou, conservadores, saquaremas, centralizadores, representantes da

61

BALANDIER, Georges. A Desordem: Elogio do movimento. Trad.: Suzana Martins. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1997. p. 26. 62 GIRARDET, 1986. p. 73-79.

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ordem; nenhuma destas faces tencionava sequer quebrar os alicerces do regime monrquico.63

Vale salientar que este pensamento apresentado por vrios autores,64 e que os partidos polticos no tinham tantas diferenas relacionadas com as formas de governar. O modelo e trato com os trmites da administrao pblica, tanto por conservadores como por liberais, eram semelhantes, to prximos que muitos integrantes da sociedade alegavam a semelhana em discursos jocosos sobre a poltica. Com as lutas partidaristas em Pernambuco, destacamos esta mesma singularidade na forma de governar. Mas como inimigos polticos, estes partidaristas tinham que apresentar pensamentos opostos, pois no teriam argumentos para justificar ataques aos adversrios se no se mostrassem diferentes. O progresso, a modernidade, a civilizao eram objetos de propagandas inscritas nas folhas destes partidos, serviam como arma de propaganda estratgica para a poltica. A concepo e o entendimento de ordem baseada num salvador destacam caractersticas de sociedade conservadora e que depreende a associao entre o poder divino com o poder poltico, o sacro e o temporal. Nas folhas do Dirio de Pernambuco os trmites e negociaes polticas desde muito estavam remetidos pela religio como forma de desenvolver a sociedade civil, ou seja, eles usavam o discurso salvacionista perante o povo. Pensando por um vis social, o jornal destaca como mote principal das formas de pensar as luzes e a viso de que o pas deve se desenvolver como a Europa e demais pases, mas a submisso a Deus a vertente de fora maior. Justifica, tambm, o carter monrquico por esse sentido, visto que Deus constituiu desde o principio uma monarquia como forma ideal de governo; associa o imperador ao salvador (poltico) da sociedade brasileira e destaca que a igualdade tanto almejada pela populao deve ser alcanada pela religio, qui no cu.

ALMEIDA, Maria das Graas Andrade Atade de. A Guarda Nacional em Pernambuco: a metamorfose de uma instituio. Dissertao (Mestrado em Histria) Programa de Ps-Graduao em Histria, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1986, p. 82. 64 SCHWARCZ, Lilia M. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trpicos. So Paulo: Cia das Letras, 1998; CARVALHO, Marcus. Os Nomes da Revoluo: lideranas populares na insurreio Praieira, Recife, 1848-1849. Revista Brasileira de Histria. So Paulo, v. 23, n 45, p. 209-238, 2003; MOREL, Marco. As Transformaes dos Espaos Pblicos: imprensa, atores polticos e sociabilidades na cidade imperial, 1820-1840. So Paulo: Hucitec, 2005. Entre outros.

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Em 1837, incio de nosso recorte temporal, destacou-se no pensamento expresso nas folhas conservadoras, matrias que se propunham a ensinar as pessoas o verdadeiro sentido dos fenmenos, como reforma, poltica, religio, entre outros. Os conceitos eram apresentados em matrias com o intuito de justificar seus pensamentos e de carter pedaggico. Para o conceito de religio, por exemplo, foi dito que:

a religio, esta lei natural, que ligando o homem a Deus, lhe ensina, que sua alma no pode morrer na dissoluo de seu corpo, que muda somente de vida, e que os dias, que passa sob essa terra, no sem o crepsculo de sua imortalidade, uma instituio eminentemente social, e quando no oferece aos homens, outros bens alm de um mais incentivo para a prtica da virtude, seria sobre tudo necessria para a manuteno e conservao da Sociedade Civil. As leis sociais regulam as aes dos cidados, mas no podem regular as dos homens; porque no lhes dado penetrar os esconderijos do corao humano; s a religio tem este poder sobre natural, s ela pode manter a idia de igualdade, que to idolatrada pelos homens, entretanto, que essa igualdade no pode existir nesta vida, e s a Religio nos alenta a esperana de uma vida futura, onde as virtudes iro ter sua infalvel recompensa; pois que Deus justo, e o crime perdendo o manto dos artifcios da fraude sofrer o necessrio castigo.65

Note-se que nas palavras do conceito de religio, tambm, podemos encontrar outros conceitos atrelados, pois a religio chegava aonde as leis sociais no chegavam, ou seja, era mais importante. Lembrando que Pernambuco se envolvia com as ideias das luzes e civilidades europeias, mas a religio era de suma importncia para a sociedade. Os argumentos mais contundentes contra o pensamento de modernidade eram de teor religioso, desferidos, principalmente, pelo Pe. Lopes Gama no prprio Dirio de Pernambuco. Os discursos e representaes do progresso eram mais fortes a cada momento e tinham na religio uma forma de manter o conservadorismo. Destacamos que os peridicos conservadores defendiam a idia processual do desenvolvimento social, pois entendiam que a modernidade existia, mas o povo no detinha os mecanismos para a aplicao deste entendimento tal como era feito pela sociedade europeia. Na matria referente ao conceito de religio defendida pelo jornal, destacamos a ligao com o pensamento da religio baseada numa lei natural, ou seja, os homens no tinham opo contrria a ela, por isso sustentavam seus argumentos nos escudos da

65

A Religio. Dirio de Pernambuco, Recife. p. 02, 19 jan. 1837.

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religiosidade para no sofrer argumentos contrrios. Afirma que esta uma instituio social, que defende e pensa na humanidade, que ensina a virtude e a submisso, to logo, contrria a revolues e reformas. Com relao desemprego para a populao, o argumento de proteo e justificativa era o de que a igualdade tanto almejada no presente seria alcanada apenas nos cus. Partindo do pressuposto de que tudo tinha seu tempo determinado (por Deus), logo o sofrimento e a crise, que todos sentiam, passariam no tempo de Deus e a recompensa seria futura, assim como no paraso, local onde existiria a igualdade. Neste porvir de prosperidade, destacamos um pensamento entre o moderno e o tradicional caminhando lado a lado, pois este era o entendimento dos conservadores inscritos nas folhas do peridico. A ordem est chegando, mas s se instalar em seu tempo prprio, a populao precisa aprender a civilidade para receb-la e o sofrimento era sinal de progresso chegando para a provncia pernambucana. Seguindo a relao de sofrimento para a prosperidade, em 1838, o mesmo dirio destaca a luta pelo desenvolvimento provinciano, quando ressalta que chegada a crise poltica, em 1837, e que ela est sendo superada para bens maiores que esto num porvir:

principiamos o ano de 1838, no hesitemos a expectao pblica sobre o seu horizonte poltico: voltemos o pensamento e reflitamos a vista do quadro do ano que finalizou. As dificuldades em que o Imprio se achou colocado no ltimo trimestre de 1837 apresentam poderosssimas conseqncias para sua conservao primordial. 66

Veja-se que nessa relao entre o sofrer e melhorar, os conservadores se inscrevem nas folhas do jornal descrevendo e explicando o sofrimento j existente. Na matria acima, explicam esta relao, quando afirmam que a crise do ltimo trimestre de 1837 veio como uma poderosssima consequncia para a conservao primordial que a monarquia e a ordem do imprio sendo mantidas aps sofrimentos vivenciados. O discurso constante da ordem defendido com afinco, pois enquanto os liberais desferem palavras de crticas crise que se instaura, os conservadores explicam a crise como um soar da prosperidade e progresso que a provncia se encontra.Dirio de Pernambuco: Consideraes sobre o ano de 1837. Dirio de Pernambuco, Recife. p. 03, 02 jan. 1838.66

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No tendo apenas como justificativa a soberania do imperador e de Deus como arma de explicao, os conservadores associam diversas aes sociais ao mesmo mecanismo de produo de sua propaganda poltica. So na propaganda poltica destes que encontramos argumentos construtivos neste mesmo sentido. A prosperidade deve se submeter vontade de Deus. N