Digesto Econômico nº 444

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Julho e Agosto de 2007

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FICO No decorrer desta

edição da DigestoEconômico, oleitor poderáapreciar imagenscapturadas pelofotógrafo MasaoGoto Filhoem um ensaiofotográficorealizado nasruas de São Paulo.Cada clic registrasentimentos diversosde trabalhadores embusca de empregoe o vai-e-vem depessoas na cidadeque nunca pára.

3JULHO/AGOSTO 2007 DIGESTO ECONÔMICO

O GRANDE DESAFIO DO EMPREGO

A questão do emprego se constitui em um dos grandes desafios da economia brasileira, pois,apesar da melhora observada nos últimos dois anos é ainda muito grande o contingente da populaçãoque não encontra lugar no mercado de trabalho, ou, mesmo, algum tipo de ocupação que lhe permitaobter uma renda mínima capaz de assegurar o sustento de sua família.

Ao abordar este tema em toda sua amplitude, contando com a colaboração de especialistas domais alto gabarito, a revista Digesto Econômico oferece importante contribuição ao debate dessaimportante questão, cumprindo o objetivo para o qual foi criada pela Associação Comercial deSão Paulo em 1945, de representar um canal de comunicação da entidade com a classe empresarial,o mundo acadêmico, a classe política e todos aqueles que se dedicam aos estudos dos problemasb r a s i l e i ro s .

A entrevista exclusiva de Guilherme Afif Domingos, Secretário do Emprego e Relações doTrabalho e ex-presidente da ACSP, mostra as ações que vêm sendo desenvolvidas por suaSecretaria, com o enfoque especial na estratégia de procurar formar mão-de-obra de acordo com anecessidade do mercado em cada região, a partir de estudos e pesquisas que levam em conta asobservações de cada comunidade.

José Pastore coloca claramente a questão da inadequação da CLT para as atuais necessidades domercado de trabalho, deixando sem qualquer proteção a maior parcela dos trab a l h a d o re sbrasileiros, que sobrevive na informalidade; enquanto Almir Pazzianotto discute a Liberdade deAssociação Sindical, a partir da Convenção nº 87 da OIT sobre liberdade sindical, à qual, após 58anos de vigência, o Brasil ainda não aderiu.

O professor Hélio Zylberstajn propõe a simplificação das relações trabalhistas, apresentandopropostas viáveis para isso. A posição da mulher no mercado de trabalho é apresentada em estudoda OIT e do Dieese, mostrando que, apesar dos avanços, elas ainda continuam ganhando menos eocupando posições menos qualificadas no mercado. Marcio Pochmann, novo presidente do Ipea,é o entrevistado em duas matérias, uma sobre a questão do futuro do trabalho, e outra a dasindicalização.

Rogério Amato, Secretário Estadual da Assistência e Desenvolvimento Social, e vice presidenteda ACSP, apresenta o Movimento Degrau, iniciativa da entidade para promover a integração dojovem nas empresas, mostrando o quanto avançamos, e o muito que falta fazer para oferecer àjuventude oportunidades e esperanças. A História do Trabalho completa este número da revistaDigesto, que deverá se tornar fonte de consulta e referência sobre o trabalho e o emprego, temas aosquais a Associação Comercial de São Paulo vem se dedicando ao longo de sua história.

Alencar BurtiPresidente da Associação Comercial de São Paulo e da

Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo

CARTA AO LEITOR

4 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2007

IMPORTÂNCIAHISTÓRICA DA CLT

Nos tempos do velho Instituto de Direito Social – como o mestresupremo Cesarino Júnior preferia chamar o Direito do Trabalho –, foi

adotado pelo governo ou a ele submetido pelo douto professor estudos eteses sobre o Trabalho e o Emprego na legislação social brasileira. Interessou-se o governo de Getúlio Vargas em propulsionar a legislação social brasileirado trabalho como forma digna de estar num emprego que satisfaça asexigências psicológicas do cidadão.

Com efeito, na Consolidação das Leis do Trabalho - (CLT) foramintroduzidos todos os ensinamentos do que na época se considerava afórmula moral e técnica do trabalhismo, a Rerum Novarum, que abarcou,também, o emprego como forma de dignidade das relações patronais eempregatícias, na edificação de um desenvolvimento tecnicamente forte.

Foram esses ensinamentos que edificaram o desenvolvimentohumanístico capaz de impor o surto econômico das atividades fabris ecomerciais da economia brasileira, promovendo uma mentalidade favorávelao sindicalismo pleno, que englobasse o trabalho e o emprego como dadosfundamentais da política social nacional.

Podemos dizer que entre a Lei Eloi Chaves, de 1924, até a CLT, de 1º demaio de 1942, o Brasil deu um arranco. Nem mesmo as velhas nações daEuropa e da América do Norte tinham leis como as nossas, que eramglosadas pelos institutos mais ativos dos países limítrofes e outros com osquais mantínhamos relações. A CLT teve na sua formulação e direçãoGetúlio Vargas, presidente da República, Alexandre Marcondes Filho,ministro do Trabalho, Lindolfo Collor, iniciador da legislação social, SegadasViana e outros. Todos colaboraram na criação da CLT, abarcando tudo quefoi possível da legislação social do Trabalho aplicada aos trabalhadores e àsgrandes levas de população em migração.

Em suma, temos uma legislação social adiantadíssima, sujeita a reformase a atualizações que, certamente, serão postas em prática.

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Pre s i d e nteAlencar Burti

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João de Scantimburgoé membro da Academia Brasileira de Letras

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5JULHO/AGOSTO 2007 DIGESTO ECONÔMICO

6Contra o apagãoprofissionalEntrevista

18Consolidação das Leisdo Trabalho ou doEmprego?José Pastore

22Tendências globais deemprego para mulheresTradução: Rodrigo Garcia

37A via-crúcis do empregoPatrícia Büll

40Apocalipse trabalhistaFernando Porto

6

ÍNDICE

Agliberto Lima/DC

22

Masao Goto Filho/e-SIM

40

Paulo Liebert/AE

50Liberdade de associaçãosindicalAlmir Pazzianotto Pinto

52Metamorfose dosindicalismo nacionalFernando Porto

52

Masao Goto Filho/e-SIM

60Simplificando asrelações trabalhistasHélio Zylberstajn

72Movimento Degrau:a importânciado trabalho em redeRogério Amato

72

74História do trabalhoRenato Pompeu

78Um clássico de filosofiaeconômica brasileirasobre o trabalhoDomingos Zamagna 74

Reprodução

Marcos Fernandes/LUZ

6 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2007

Contra o apagão profissionalE N T R E V I S TA

Guilherme Afif Domingos, ex-presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e daFederação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp), atualmente está nocomando da Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho (Sert). Em entrevista exclusiva para arevista Digesto Econômico, o secretário revela como vem conduzindo um importante projeto, queé o de criar uma rede inteligente de empregos, com sistemas cruzando dados entre candidatos comseus currículos e ofertas de empregos. A primeira fase deste projeto está em andamento e vem sendorealizado um amplo diagnóstico. O próprio secretário colocou o pé na estrada com a sua "Caravanado Trabalho", que estará cobrindo 645 municípios. O objetivo é entrar em contato direto com osprefeitos em 21 regiões para saber sobre as necessidades locais de emprego. Enquanto este projetovem sendo lapidado, a Sert já vem conquistando bons resultados: de abril a junho os Postos deAtendimento ao Trabalhador (PAT) intermediaram 35 mil empregos, 12 mil somente em junho.

Digesto Econômico - Como o senhor analisa o atual cenáriob ra s i l e i ro ?

Guilherme Afif - O Brasil passa hoje por um grande apagão,esta que é a verdade.

DE - Qual tipo de apagão? Apagão aéreo... apagão de energia, dei n f ra - e s t ru t u ra . . .

GA - Recentemente, o presidente da GM, RayYoung, em uma palestra na Associação Comer-cial de São Paulo, fez um alerta: o mercado bra-sileiro tem uma capacidade de reação bem mais rá-pida do que o governo, que tentou se adaptar eacompanhar o ritmo. O crescimento do Brasil é in-compatível, absolutamente incompatível, com ademanda do mercado. Não tem estrada de ferro,não tem rodovia, não tem aeroporto, é tudo precá-rio, o País está no limite. Daí você vai olhando osoutros setores... não tem mão-de-obra.

DE - Falta emprego ou mão-de-obra especializada?GA - O que temos observado nos nossos postos

de atendimento é que emprego tem, só que exigequalificação; desemprego tem, mas desqualifica-do. E o investimento em qualificação? Só aconte-ceu como gasto social e não como investimento so-cial. Gasto social seria: vou gastar tanto em quali-ficação. Aí aparece um monte de gente fazendoqualificação, mas só que é qualificação desqualifi-cada, ela não está conectada com a real necessidadedo mercado. O investimento correu solto, co-mo está correndo solto a maioria dos gas-tos públicos no Brasil voltados para aárea social. Isto gera um problema sé-

rio: a falta de investimento em infra-estrutura há muitos anosprovocou, por exemplo, uma fuga de profissionais na área de en-genharia. Hoje, os nossos melhores engenheiros estão fora doPaís, porque não tinham oportunidade aqui. Quando eu faloque existe um apagão profissional, acompanhando um apagãode infra-estrutura, é verdade, é completamente verdade!

DE - O presidente Lula vai ficar com estigma de"apagador", porque está tudo acontecendo no

governo dele...GA - Éumaseqüênciadeprocessos,quelevaram

o Brasil, a estar muito atrasado no seu governo, paraacompanhar o ciclo que a própria sociedade está se-guindo. Você pega o setor de agricultura: tem pro-dução, mas não tem estrada.

À esq., relógio de pontoantigo, uma raridade que

faz parte do acervo daSecretaria do Emprego e

Relações do Trabalho.À dir., o secretário

Guilherme Afif Domingos,que até outubro estará

percorrendo 645municípios do Estado, deforma a fazer um amplo

diagnóstico sobre ademanda de emprego.

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DE - E quando tem estrada, não tem porto.GA – O processo não foi conectado e hoje a própria agricul-

tura brasileira tem dificuldade e não consegue competir. Na fa-zenda é a maior produtividade do mundo, até a porta. A partirde lá já começa a perder a competitividade, as perdas começamno transporte rodoviário até chegar no porto. A agriculturaprecisa enfrentar todos os gargalos ou todos os nós que pren-dem o sistema. E assim mesmo ela concorre, apesar de ter depagar mais e mais impostos.

DE – A falta de investimento em infra-estrutura é um fato que vemde muito tempo, o senhor concorda?

GA – Sim, não estou falando que é deste governo, eu estoudizendo que é dos últimos governos. Até porque, antes vocêtinha um processo inflacionário corrosivo. Veja você, a priori-dade de um deles era a de combater a inflação, para ter a ver-dade na mão. A verdade na mão apareceu, ela estava escon-dida com a inflação, ela apareceu primeiro nas empresas. Asempresas tinham uma fórmula infalível para formar preços,que era "preço = custo + lucro". Apura o custo, põe-se a mar-gem de lucro, faz-se o preço, põe no mercado. Inflação 50% aomês, ninguém tem memória de preço, então compre agora se-não você perde no futuro. Neste cenário você vive escondendoa falta de produtividade da empresa. E no governo é a mesmacoisa. No governo, a inflação escondia, camuflava a ineficiên-cia, porque com uma inflação de 50% ao mês, você fazia umorçamento de mentira, programava um gasto de mão-de-obraque era corroído e você ajustava menos e no fim, ainda sobra-va, então você ia jogando a sujeira para debaixo do tapete.

DE - Com a inflação controlada, o que passou a valer foi aeficiência.

GA - Com o processo inflacionário caindo drasticamente,criou-se a memória de preços; o consumidor sabia que custavaisso, ele vai pesquisar no outro e depois no outro. Aquela fór-mula mudou. Agora é: "lucro = preço de mercado – custo". Asempresas foram buscando eficiência para poder concorrer. E osetor público deveria também fazer a mesma coisa, agora queapareceu a verdade. A atitude deveria ser "vamos cortar os gas-tos para poder controlar a carga tributária, que saltou de 23% pa-ra 40% de hoje". Como o setor privado e os cidadãos resolveramo problema da ineficiência? Cortando despesas. Como é que ogoverno fez para resolver o problema da sua ineficiência? Au-mentando a carga tributária, que é o retrato que está ai hoje.

DE - Marcio Pochmann, pesquisador da Unicamp e presidente doIpea, diz que o baixo crescimento está por trás também dadificuldade de os jovens encontrarem espaço no mercado detrabalho. Essa opinião também coincide com os dados daOrganização Mundial do Trabalho – o desemprego entre os jovenstem crescido. Isso tudo está ligado à desqualificação?

GA – São três pontos convergentes: primeiro, a questão dojovem no mercado de trabalho. Para poder absorver o volumede jovens e adolescentes que chegam ao mercado de trabalho,nós tínhamos que estar crescendo no mínimo 5% ao ano. O bai-

xo crescimento da economia fez com que você tenha um cres-cimento da procura de emprego maior do que a capacidade deoferta. Soma-se a isso as políticas de combate ao trabalho in-fantil, mas que na verdade esticava essa idade até os 18 anos –diz-se que o lugar do jovem é na escola e não no trabalho. Numpaís desenvolvido, perfeitamente, mas num país como o nos-so, que a partir dos 14 nos ele tem que ajudar na renda familiar,este combate e a proibição da idade mínima do trabalho para16 anos foi fatal para isso; porque como num mercado de tra-balho sem oferta de emprego, entre contratar um jovem des-preparado, sem nenhuma experiência – e os sindicatos forçan-do que o salário piso tinha de ser igual para todo mundo, o em-pregador tinha de pagar todos os encargos salariais e todos oscustos para contratar um jovem sem experiência – ou contrataralguém com mais experiência, advinhe quem tem mais chan-ces de ser contratado?

Daí jogou-se esses jovens na marginalidade. Então, você temo fator da estagnação do desemprego, o fator da discriminaçãodo jovem no mercado de trabalho, e você tem o problema do nãoinvestimento em qualificação. Estes três fatores se cruzaram.Agora, o principal fator é, sem dúvida, a oferta de oportunida-des. Tem mais pessoas procurando emprego do que oferta deemprego e hoje com o crescimento, a oferta de emprego é qua-lificada e quem não está qualificado não tem oportunidade.

DE - O crescimento social não vem acompanhando o crescimentoda economia?

GA - O nosso modelo de desenvolvimento está trazendo ho-je uma balança comercial extremamente favorável. Apesar deo real estar supervalorizado perante o dólar, a nossa balançacomercial está positiva. O Brasil é um exportador de commo-dities e se transformou em um importador de manufaturas. Éisso que está consumindo as oportunidades de emprego, es-pecialmente no setor industrial. Você pode ver que o cresci-mento industrial não acompanha o próprio crescimento, os in-dicadores ai estão, e isso significa que a balança econômica po-sitiva gera uma balança social negativa e isso são fatores queagravam o processo.

DE - Há opiniões de que o Brasil deveria escolher alguns setorespara direcionar investimentos e qualificar mão-de-obra. Ser bomem alguns setores. Qual a sua opinião?

E N T R E V I S TA

Para absorvero volume de jovense adolescentesque chegam aomercado detrabalho, nóstínhamos que estarcrescendo nomínimo 5% ao ano.

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a idéia de quantidade, para eu poder dosar o curso, para eu for-mar até um pouco a menos da própria demanda, exatamentepara valorizar quem está sendo formado.

DE - Explique melhor como esse processo vem ocorrendo.GA - Para poder fazer esse diagnóstico, o primeiro passo nos-

so foi convocar a Fundação Seade. Ela tem a habilidade de trans-formar dados em informações. Em uma analogia, ela toca compartitura, não de ouvido. Eu não estou atrás de dados, eu estouatrás de informações que os dados possam me trazer, para medar a conclusão. Agora, não é suficiente, por isso que nós estamosfazendo a Caravana do Trabalho, um questionário para ouvirquem toca de ouvido. A Fundação Seade toca com partitura, oprefeito toca de ouvido. Esse caso do amansador de cavalos, aSeade nunca iria descobrir, mas o prefeito sabe, então eu estoujuntando os dois lados, eu tenho condição de ter bem próximoum diagnóstico da realidade para organizar os planos. Além dis-so, nós vamos trabalhar em cima de tendências, o diagnóstico vaidar tendências também. Hoje, você tem fatos no interior que es-tão sendo frontalmente agredidos pela revolução do biocombus-tível. O Brasil está no centro do mundo nesta questão e São Pauloestá no centro do Brasil. Só que essa pressão da produção do bio-combustível é gerada em função do meio ambiente, por causa doaquecimento global, a necessidade de fontes alternativas. Essaquestão do meio ambiente também vai forçar uma mudança noprocesso de produção tradicional, que é o problema da queimada cana, que embora o governo do Estado tenha protocolos fir-mados com os usineiros, isso vai ser atropelado, porque há exi-gências externas. Quando alguém de fora for comprar o nossoetanol, ele quer selo de produção não poluente, selo de não ex-ploração de mão-de-obra infantil. Se você não tiver esse selo, nãovende o produto. Então haverá um processo abrupto de meca-

GA – Não concordo! Você tem que qualificar tudo, isso éaquela idéia do planejamento central. Você tem que qualificar oque tiver demandando no mercado. Eu estou fazendo, frente àSecretaria do Emprego e Relações do Trabalho, um megadiag-nóstico da necessidade de qualificação no Estado de São Paulo.Estou no meio da Caravana do Trabalho, que está cobrindo 645municípios. Eu estou em contato direto com os prefeitos em 21regiões. Faço a aplicação do diagnóstico junto com a FundaçãoSeade para nós identificarmos nos municípios o que está acon-tecendo de demanda. Estamos juntando os dados empíricos daFundação Seade, mais os dados objetivos das prefeituras.

DE – Que histórias o senhor conta das suas 'andanças' pelo interiordo Estado?

GA – Eu cheguei numa cidade lá nas barrancas do Rio Gran-de, perto de Votuporanga, e o prefeito me falou, que a neces-sidade dele era curso de amansador de cavalos. Eu pergunteiquantos, e ele me disse uns 30; o mercado demanda 30. Umamansador de cavalos é um cara que vai viver daquela profis-são. O que eu quero dizer é que você tem de ouvir, sentir o queestá acontecendo em cada município, de acordo com a reali-dade. Isso nunca foi feito, nem em São Paulo, nem no Brasil.Não existe esse diagnóstico. O plano de qualificação era feitopelo interesse do aplicador, não do interessado. Existem váriasentidades, ONGs; dinheiro para qualificar tem. Mas nunca al-guém mediu a eficiência daquele plano.

DE - Se o senhor ficasse trancado em seu gabinete, não teriaessa visão.

GA - Por isso que eu te falo: se você fizer esse trabalho nogabinete, irá comer pela mão de setores organizados. Daí o usi-neiro vai vir aqui falar que precisa de tal coisa, o empresário vaireclamar por recursos. E o resto?

A Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho se sustentahoje em um tripé – qualificação, que eu chamo de educaçãovoltada ao trabalho, empreendedorismo e desburocratização.Empreendedorismo porque a grande maioria da populaçãohoje está na informalidade e dentro da informalidade está oauto-emprego. Não é um empreendedorismo de vocação, éum empreendedorismo de necessidade. Tem muita vocaçãoque pode ser aproveitada, que brota daí, então este é o manan-cial fundamental para esta carência do emprego formal, ou doemprego em carteira tradicional, você ter ocupações e per-mitir a liberdade do indivíduo de ir buscando cami-nhos naquilo que você não está enxergando. De-pois a desburocratização, que tem tudo a ver como empreendedorismo. Então, na seqüência: oprimeiro passo é a qualificação do trabalhador,que é um fator-chave. O mercado de trabalhoprecisa do diagnóstico, que é o que estamos fa-zendo. Para fazer esse diagnóstico, eu tenhoque perguntar quais as ocupações, em quequantidade e onde. Por que saber a quan-tidade? Para não formar mais profissionaisdo que o mercado precisa. Eu tenho que ter

Eu não estou atrásde dados, eu estouatrás de informaçõesque os dados possamme trazer, para me dara conclusão.

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nização. Só para ter uma idéia, uma colheitadeira libera 80 pes-soas. Se você não se preocupar agora em preparar e requalificaressa gente, elas vão engrossar o cordão de sem-terras e de sem-tetos no cinturão e na periferia das cidades do interior.

DE - Por outro lado, o aproveitamento do bagaço da cana geraoutros empregos.

GA - Toda esta produção será absolutamente incorporadacom tecnologia, ela será economizadora com mais mão-de-obra, ela vai ter escala de produção, esse é o processo. Entãofica aqui o alerta, você tem que fazer isso antes, porque osatuais planos de qualificação, sem dúvida, vão ter muito di-nheiro para poder treinar o operador da colheitadeira, mastreinar o cara que está sendo marginalizado, aí ninguém sepreocupou e essa é a nossa preocupação. Nós estamos fazendoesse trabalho já incorporando as possibilidades de mudança etrazendo os prefeitos para essa preocupação, para que a gentepossa, juntos, encontrar soluções.

DE - Esta é uma visão inteiramente nova de abordar a questão dodesemprego, não é mesmo?

GA - Estamos elaborando o diagnóstico da situação atuale o diagnóstico com as perspectivas de mudanças, e isto vaiencerrar o plano plurianual de qualificação. Esse plano seráuma somatória de recursos do FAT, do orçamento do Estadoe de outros recursos. É dinheiro público, então nós temosque começar a atirar na mesma direção, trabalhar em con-junto, não que eu vá perder a autonomia do que eu esteja fa-zendo, mas não fazer a mesma coisa do que já se está fazendono mesmo município é um desperdício. Temos que procurarocupar os espaços, só que com a missão de reduzir custos,porque a qualificação tem que ser gratuita, pois ela é umaextensão da escola.

DE - Havia a preocupação de aplicar os recursos do FAT neste tipode demanda?

G A - O que eu estou vendo é que o dinheiro do FAT sepreocupava com gastos e depois anotar: gastamos tantoem qualificação.

DE - Não tinha comprovação?GA – Não! E nos planos setoriais tinha, por

exemplo, a Petrobras. Agora eu pergunto: a Pe-trobras, com lucro de R$ 14 bilhões, precisavarecorrer a recursos básicos para fazer treina-mento na sua mão-de-obra? Ou esse treina-mento de mão-de-obra é para aqueles quehoje não têm condições, não têm acesso a ne-nhum plano de qualificação efetivo?

DE - Além da Fundação Seade, quem maisparticipa desse projeto?

GA - Um outro grande aliado é o Centro Paula Souza, quetem 134 escolas e 30 Fatecs, é uma rede espalhada pelo Estado,e ela vai ter a missão de aplicar cursos de qualificação básica; é

diferente do que ela faz hoje, com ensino técnico, que é o se-gundo grau profissionalizante. Aqui é qualificação básica,curso rápido pois o desempregado não tem tempo para fazercurso. Serão cursos de carga horária de 100 a 200 horas. UmMobral profissional mesmo! São cursos rápidos, porque quemestá desempregado tem pressa de qualificação. Ela poderátambém credenciar outras entidades para trabalhar dentro domesmo padrão.

Então, o Centro Paula Souza terá essa função estratégica, éuma instituição do Estado. A terceira instituição do Estado quenós estamos convocando é a Fundação Padre Anchieta, que vaicriar a metodologia, que junto com a Paula Souza vai desen-volver a visualização, a didática. Nós detectamos que a carên-cia do ensino básico faz com que as pessoas, hoje, tenham di-ficuldades em entender o que lêem, elas podem até ler, mas têmdificuldade de entender o que estão lendo. Então, você precisausar um recurso para que ela possa entender melhor o que estásendo transmitido por escrito. A visualização e a simplificaçãosão importantes e a Fundação Padre Anchieta tem know-how,porque "papagaio come o milho e o periquito leva a fama". AGlobo e a Fundação Roberto Marinho levaram a fama do Te-lecurso, mas quem sempre fez o Telecurso foi a Fundação Pa-dre Anchieta, aqui em São Paulo.

Então, é feito o diagnóstico, você aplica, usa as metodolo-gias mais modernas, mas falta a ultima parte, que é a mais im-portante, que é a avaliação. Neste ponto entra a Fundap ava-liando aquilo que foi feito nos cursos, o que aconteceu, se foibem ministrado, se a pessoa conseguiu um emprego, se con-seguiu uma colocação, se tem algo errado, ou foi a escolha docurso que não foi boa, ou foi a forma do curso. É preciso medirpara saber o que aconteceu, para saber se teve eficácia.

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sempregados no Brasil. O sistema tem que ser alimentado, ouniversitário que está saindo da escola e está procurando em-prego, ele já viria automaticamente para o sistema. E a escolainformaria as suas notas, os cursos, o curriculum etc. Dessa for-ma eu estou passando a informação para o mercado.

Com este sistema eu não vou usar somente o computador, euvou usar inteligência. Qualquer computador em rede poderáentrar no sistema, basta ter a senha. Se hoje eu tenho 204 PATs, euposso ter 645 no sistema. E ai eu já "viajei na maionese" e já ape-lidei isso de "Google do Emprego", um sistema de busca do em-prego. Aqui você tem um termômetro imediato, porque atravésdo sistema, na mesma hora em que você tem oferta de emprego,está tendo procura. Se inicialmente fiz um diagnóstico, agora euposso aferir esse diagnóstico todo dia e regular oferta e procuraimediatamente e detectar a procura de um tipo de vaga que eunão estou conseguindo suprir, que está faltando qualificação. Is-so passa a ser um termômetro ao vivo do dia-a-dia.

DE - Em relação aos jovens, principalmente os mais carentes, comoo senhor vê esta situação?

GA -Nunca em nossa história tivemos um contingente tão sig-nificativo, tanto potencial, quanto desses jovens; só que eles estãochegando no mercado de trabalho quando este está encolhendo.Além disso, pela comunicação de massa, esse contingente estásendo bombardeado por uma sociedade de consumo, que o con-vida a possuir os bens e serviços, mas sem lhe dar perspectivas decomo ganhá-los. Os jovens, de todos os níveis sociais, sabem tudosobre consumir e quase nada de como ganhar, pois não têm pers-pectivas; cria-se a frustração. A frustração é matéria-prima para aviolência. Como a expectativa de emprego nos setores organiza-dos é nula, há um desemprego de 50% nesse segmento.

DE - Até quando o senhor estará na estrada com a Caravana?GA – Eu encerro o giro em setembro, em outubro já devo ter

os primeiros dados do diagnóstico, para que eu já possa inserirno orçamento do ano que vem a aplicação desse projeto. Lo-gicamente, vamos iniciar em velocidade reduzida, porque euchamo isso de primeira, segunda, terceira e quarta marchas. Aprimeira é reduzida, é o arranque, depois a gente vai resolven-do os problemas, mudando as marchas e a velocidade. Agoraeu estou arrancando, mas a formatação do processo segue ri-gorosamente essa linha.

DE - Mesmo sem esse plano estar ainda em operação, a Sert obtevebons resultados este ano. De abril a junho, vocês intermediaram 35mil empregos, dos quais 12 mil somente em junho. Estes sãonúmeros respeitáveis.

GA - Nós temos 204 Postos de Atendimento ao Trabalhador(PAT). Esses postos têm um convênio com o Sistema Nacionalde Emprego, do Ministério do Trabalho. Assim, temos um ca-dastro de quem está procurando emprego e de quem está ofe-recendo vaga. Daí eu bato tambor, solto fumaça, aviso as partesinteressadas e faço a intermediação, comunicando a área de es-tatística. É ainda um sistema primário, quando, na verdade, euentendo que um sistema desses tem que aproveitar melhor osrecursos do mundo digital e da internet, tem que botar a bocano mundo para dizer que tem um cara aqui procurando em-prego. Na outra ponta estarão as empresas entrando no siste-ma e oferecendo vagas; faremos então um cruzamento. Issoainda não tem! Com a fortuna que tem o FAT, não temos umsistema assim. Eu quero ver se até o final do ano eu vou ter issoaqui. Juntos, empresas, universidades, PATs e outras fontes. Auniversidade, por exemplo, está formando os mais novos de-

Caravana doTrabalho: prefeitosde 645 municípiospreenchem umformulário, ondeexplicam as suasnecessidades locaisde mão-de-obra equalificação. Essesdados serãocruzados com os daFundação Sead.

Divulgação

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Quem está ensinando o adolescente a abrir o seu caminho?O quarto setor, o crime organizado. Esse fato é ainda mais agra-vado por equívocos do setor público, que gera muita confusãoe dúvidas, não só para as entidades assistenciais, como tam-bém para os empreendedores e empregadores. Uma emendaconstitucional elevou a idade mínima para 16 anos, permitiutambém o aprendizado para 14 anos.

DE - O que o governo do Estado vem fazendo em favor daj u ve nt u d e ?

GA - Esse processo do adolescente está merecendo, da nos-sa parte, uma atenção especial. Quando falo nossa parte é a Se-cretaria do Emprego e Relações do Trabalho e a Secretaria doDesenvolvimento Social. Estamos nos preparando para inves-tir pesado em um programa. Eu vou fazer o que chamam depré-qualificação desse jovem. Pré-qualificação é para o jovemde 14 anos, que está numa entidade assistencial. Ele tem quesofrer um processo de pré-qualificação de cinco a seis mesespara receber uma preparação, por exemplo, noção de compu-tação e outras coisas. Ele é preparado para ser colocado nomercado de trabalho. Nós temos que cooperar com essas en-tidades para fazer a pré-qualificação.

Hoje, várias já fazem isso, mas elas acabam colocando o cus-to da qualificação no preço da contratação do serviço com as

empresas, que acabam pagando esse custo. Isso não é um in-centivo para contratação. Acho que o nosso papel é ajudar napré-qualificação. Na hora em que o jovem é colocado numaempresa, a entidade tem que assisti-lo, porque a lei é assim, aentidade tem que assisti-lo pelo menos por dois anos. Quandoele for trabalhar, quatro dias por semana ele tem aulas práticase um dia terá aulas teóricas na entidade.

Nós vamos sustentar essas entidades para fazer isso: aí entrao link do programa com a Secretaria do Desenvolvimento So-cial. Todo jovem da escola pública da rede estadual recebe 60reais por mês, para ele não sair da escola. Se ele tiver freqüênciade 100%, pode chegar até 80 reais por mês. O que nós vamosfazer se ele entrar no programa e for contratado? Ele já vai re-ceber 325 ou 330 reais, que é o salário; então aqueles 60 reaispagos para ele passarão automaticamente para a entidade, pa-ra separar do custo de contratação desse jovem. Para a empresafazer o aprendizado a gente acelerou muito o programa aquino Estado. É o Movimento Degrau (veja na pág. 72), subindomais um degrau.

DE - Qual a sua opinião sobre a atual CLT? É uma lei que precisa serre fo rm u l a d a ?

GA - É uma lei fascista, feita pelo social nacionalismo deHitler e Mussolini, de quem Getúlio e Perón eram discípu-

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los. O social nacionalismo foi a matriz de geração da nossalegislação trabalhista. Ela já serviu e era importante parasua época, mas hoje ela é totalmente ultrapassada, total-mente inadequada para a nova geração de emprego e de tra-balho. Por exemplo: lá no Japão tem estabilidade no empre-go, mas em contrapartida, o salário flutua de acordo com amaré, ou seja, eu tenho um salário-base, o mínimo, e o restovem em forma de produtividade. Se a empresa teve um en-colhimento no mercado, o rendimento do empregado enco-lhe, mas ele não vai para a rua. Esta é uma das formas quealguns países que estão crescendo encontraram para en-frentar as oscilações violentas do mercado. Nós temos quebuscar as formas mais flexíveis para podermos enfrentar anossa realidade. Os países que têm terremotos constroemalicerces de borracha , pois sabem que não adianta endure-cer, você têm que se adaptar, ser flexível.

A Constituinte de 1988 foi feita um ano antes da queda domuro de Berlim, ela consagrou uma visão ultrapassada, e opior, colocou-se na letra constitucional o "dissídio coletivo",o que seria um "acordo coletivo", por exemplo, entre Petro-bras e seus funcionários e outras grandes multinacionais. Oque servia para esse pessoal foi colocado na letra constitu-cional como um princípio básico, só que isso não se adapta àrealidade, ao restante dos trabalhadores. Aliás, com muitoorgulho (pode até destacar isso) eu fui deputado constituin-te nota zero, nota dada pelo DIAP; com orgulho, porque eume insurgi contra a pressão. E o DIAP fazia esta pressão. Di-zia-se que quem não votasse pelo direito do trabalhador iriacontra o direito da maioria, mas a maioria ficou sem direitonenhum, isto daqui é para uma minoria e o resultado está aí.Hoje, quando reúno aqui na Secretaria centrais sindicais, eufalo "bem-vindos os líderes da minoria", pois a maioria estásem o controle de vocês e a nossa missão é alcançar essamaioria. Mas como alcançar?

Eu, como deputado constituinte, fui o autor do artigo 179da Constituição, que manda dar um tratamento diferencia-do à micro e pequena empresa nos campos tributários, e lá eucoloquei tratamento diferenciado nos campos tributários,previdenciário, creditício, administrativo e, no meu projetooriginal, coloquei também o trabalhista. Você tem a lei e osdireitos, só que no campo trabalhista, é preciso tratar os de-siguais, desigualmente, de acordo com as suas desigualda-des. Fui massacrado! Mas deixa passar uns anos para ver oque vai acontecer...

DE - Como seria essa reforma trabalhista?GA – Hoje, mais do que nunca, nós temos que reproduzir a

palavra trabalhista que está no artigo 179, que é o co-mando constitucional, e aí fazer o Simples Tra-balhista, que é para poder formalizar. Porquehoje quem está gerando emprego é a mi-croempresa, só que está gerando empregona informalidade. Como é que ela vai se-guir as regras e os direitos "imexíveis" doprocesso trabalhista? Eu acho que é aí

que começa a grande reforma trabalhista no Brasil. Não queromexer com os direitos trabalhistas já acertados das elites, masquero incorporar direitos às massas, que estão sempre na mes-ma. Eu acho que é aí que começa a grande reforma. Uma pala-vrinha introduzida na Constituição nos dá condição de começara mexer e não acredito que hoje tenha uma oposição tão cerrada,porque eu não estou querendo tirar o direito de ninguém, eu es-tou querendo dar. Quero simplificar o contrato trabalhista.

Na minha campanha presidencial, eu tentei explicar dida-ticamente como se faz a lei no Brasil. Gravei um programa naporta da Volkswagem, num dia frio, e eu vestindo uma malhadizia: vocês estão me vendo aqui com uma malha, estou na por-ta de uma grande empresa multinacional e toda legislação quese faz é em função dessa grande empresa, e querem que o Brasilinteiro se equipare a ela. Vocês estão me vendo aqui de malha,está frio aqui. Então, vamos fazer uma lei que todo mundo vaiusar malha no Brasil inteiro, porque eu estou passando frioaqui. Outro dia, eu encontrei um italiano consertando uma ro-miseta. Eu disse: escuta seu fulano, como é a sua vida? Ele res-pondeu: é difícil parar em emprego, é muita burocracia, a le-gislação não dá e a minha oficina é pequena, consertando ro-misetas." Eu disse: aqui no Brasil é assim, você faz lei para ja-manta e quer que a romiseta siga. Na minha campanha fuijogando este tipo de informação e hoje essa realidade está ai.

DE - E qual a sua opinião sobre estabilidade no funcionalismopúblico? O senhor é contra ou a favor?

GA -As funções do Estado têm que ter estabilidade, têm queter segurança. Até na educação, ela tem que ter uma carreiracom estabilidade; a mesma coisa na saúde e em outros setores.Em compensação, funções de Estado não podem ter greve, vo-cê não pode usar a população como refém do seu interesse pes-soal. Vamos definir a função de Estado, dar estabilidade. Masgreve não, você não pode parar, pois atenta contra o direito docidadão. Não se pode ficar sem polícia, a população não podeficar sem segurança.

Com muito orgulhoeu fui deputadoconstituinte nota zero,nota dada pelo Diap;com muito orgulhoporque eu me insurgicontra a pressão.

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Consolidação das Leis doCorbis

Consolidação das Leis do

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Trabalho ou do Emprego?Trabalho ou do Emprego?

20 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2007

José Pastoreé professor da Faculdadede Economia eAdministração da USP.www.josepastore.com.br

Com o avanço das tecnologias ecom a globalização dos negócios edo próprio mercado de trabalho,tornou-se mais fácil fazer crescer o

PIB do que expandir o emprego.Muitos falam na agonia do emprego.

Outros antecipam a sua morte. Sãoexpressões fortes, que provocam umaprofunda angústia. No entanto, sãopropaladas com uma inusitada frieza.

É verdade que os tempos mudaram. Há 50anos, predominavam empresas gigantescas,verticalizadas e que abrigavam dezenas demilhares de empregados.

Hoje, as novas tecnologias permitem àsunidades menores produzirem com eficiência ede forma descentralizada. Em torno dasempresas, circulam como satélites outrasempresas e profissionais de todos os tipos.

Muitas das atuais formas de trabalhareram inexistentes há 50 anos – os autônomos,os prestadores de serviços na condição depessoa jurídica (PJs), os associados de umacooperativa de trabalho, os que executamprojetos, os que trabalham a distância (tele-trabalhadores) e tantas outras.

A produção de hoje é realizada por umaconstelação de empresas e profissionaismuito bem articulados entre si e que formamredes de colaboradores. São as redes – e nãoas empresas – que competem no mercado.Vence a melhor rede.

Nessa nova divisão do trabalho, não sepode querer enquadrar todos ostrabalhadores como empregados. Já foi otempo em que o mundo do trabalho sedividia entre empregados e empregadores.Hoje, as novas modalidades de trabalhocrescem numa velocidade meteórica.Infelizmente, para tais modalidades não háproteções, porque a nossa CLT protegeapenas os empregados.

A Constituição Federal, no seu artigo 7º,pretende proteger a todos ao dizer: "Sãodireitos dos trabalhadores urbanos e rurais..." –ao que segue uma lista de 34 incisos (direitos).A CLT, com seus 922 artigos, é mais realista epromete proteção apenas aos empregados.

No frigir dos ovos, a Constituição e a CLTacabam protegendo uma minoria (35milhões de empregados) e desprotegendo a

maioria (46,5 milhões de trabalhadores) queestão no mercado informal. A informalidadetornou-se sistêmica.

Embora a Constituição Federal se refira atrabalhadores (como gênero), como aplicaros direitos trabalhistas aos trabalhadores quenão têm vínculo empregatício? Comogarantir o FGTS para quem trabalha porconta própria e não tem empregador? Comocumprir a jornada de 44 horas por semanapor quem não tem patrão?

A velha CLT, que foi feita para proteger osempregados, deveria se chamarConsolidação das Leis do Emprego - CLE.É por isso que se vê essa confusão em tornodos PJs, da Emenda 3, das cooperativas detrabalho, dos que trabalham para váriaspessoas – todos sem vínculo empregatício.

Sobre a questão da Emenda 3, vale umadigressão. Na discussão do veto dopresidente Lula à Emenda 3 da Lei da SuperReceita, abordou-se pouco a razão do grandeaumento dos profissionais especializados,que trabalham como pessoa jurídica.

No mundo inteiro, as empresas que maiscrescem são as que não têm empregados. NosEstados Unidos, por exemplo, entre 2003 e2004, houve um aumento de quase ummilhão de empresas desse tipo. Das 27milhões de empresas existentes, 19,5 milhões(72%) são sem empregados.

No Brasil, segundo os dados do CadastroCentral de Empresas (IBGE, 2003), das4,9 milhões de empresas existentes,3,4 milhões (69%) estão nessa categoria(em 1997 era 65%). Cerca de 17% do pessoalocupado do Brasil trabalham em empresassem empregados.

As áreas de atuação são as mais variadas,desde a lanchonete até o consultor. Segundoos dados da Pesquisa Anual de Serviços(IBGE, 2002), cerca de 22% dessas empresasdedicam-se à prestação de serviços a outrasempresas. Tais empresas respondem por 34%dos postos de trabalho do setor. Dentre elas,as que prestam serviços técnico-profissionaisrespondem por 50% dos estabelecimentos e52% da receita líquida (Pesquisa Anual deServiços, IBGE, 2002). Uma parcela crescenteestão nas atividades técnico-profissionais.Todas elas contribuem de forma expressiva

Renata Jubran/AE

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para o trabalho e para a receita de impostos econtribuições sociais.

Os serviços que mais se expandem pormeio de pessoas jurídicas – no mundointeiro – são os que se relacionam com achamada economia intangível e quedependem muito mais do talento intelectualdo que da força física. Nos Estados Unidos,das 19,5 milhões de empresas semempregados, 14% são de profissões liberais,técnicos e cientistas; 8,2% de serviços desaúde; 7% de apoio administrativo;4,8% do campo das artes, entretenimentoe recreação; 3,6% dos seguros e finanças;2,1% dos serviços educacionais; 1,4% dosserviços de informação e comunicação.Ou seja, 41% caem na área dos intangíveis.

No Brasil dá-se o mesmo em termos dedistribuição: quase a metade é constituída deempresas cujos profissionais desempenhamatividades especializadas como pessoasjurídicas da economia intangível.

A tendência de crescimento desse tipo deatividade é mundial e reflete uma novadivisão do trabalho. Nos dias atuais, sãomuitas as formas de trabalhar: tempo parcial;por projeto (que tem começo, meio e fim);trabalho a distância; trabalho casual,intermitente, cooperado, compartilhado etc.

No passado, era tecnologicamenteavançada apenas a grande empresa. Hoje,um pequeno escritório de contabilidade émoderníssimo por estar ligado a todas asinformações do mundo por meio da internete por processar as contas com base emsoftwares pré-montados.

Há 50 anos, as empresas eram eficientesquando faziam tudo. Hoje são eficientes asque fazem o que sabem e compram o que éfeito com mais eficiência e no tempo certo poroutra pessoa ou empresa, otimizando osrecursos humanos dentro das mencionadasredes de produção, onde cada um entra comsua especialidade, no tempo certo e pelopreço adequado.

Já foi o tempo em que as empresascontratavam pelo menor preço. Hoje, elasbuscam o melhor preço, onde a qualidade dosserviços contratados é absolutamente crucial.

Juntamente com esse aumento deprofissionais que trabalham como pessoa

jurídica, nota-se um incremento do trabalhoem horários variados, combinando-se,muitas vezes, a tarefa realizada na empresacom o trabalho feito em casa, no transporte,no hotel e outros locais.

Tais mudanças vêm ocorrendo de formaacelerada e até mesmo nos países de maiorrigidez trabalhista, como é o caso dos Estadosmembros da União Européia. Não adiantagritar "parem o mundo porque eu querodescer". Essa tendência é irreversível. Omundo do trabalho é outro. Há muitasformas de trabalhar além da exercida pelosempregados e empregadores.

A sociedade moderna precisa aperfeiçoarsuas leis e instituições para proteger os quetrabalham e não apenas os empregados eparar de perseguir os que contribuemlegalmente como pessoas jurídicas. Pior parao Brasil é a brutal informalidade que atingequase 60% dos que trabalham.

Em suma, precisamos de uma verdadeiraConsolidação das Leis do Trabalho. Longede mim advogar a elaboração de um cipoaltão complexo quanto a CLT atual para otrabalho sem vínculo empregatício. Mas,parece urgente estabelecer-se de modoclaro que esses dois mundos – o doemprego e o do trabalho – precisam serprotegidos por leis diferentes.

O que não pode continuar é a tentativainfrutífera de muitas autoridades que tentamenquadrar todas as modalidades de trabalhona situação de emprego. Isso é irreal.

Fiscalizar é necessário. Punir os queburlam a lei é essencial. Mas não se podepunir um profissional que trabalha por contaprópria só porque não é empregado. E nemse pode admitir que esse profissionaltrabalhe sem proteções.

Em muitos casos, esse profissional foiempregado até ontem. Se ele for penalizadopor não ser empregado ou se a empresa forpunida pelo fiscal por utilizá-lo comoprestador de serviços na forma de PJ, esseprofissional será forçado a entrar no pior dosmundos. Não podendo ser empregado e nãosendo aceito como PJ, ele vai trabalhar nainformalidade, sem nenhuma proteção e comgrandes prejuízos às finanças públicas, emespecial, à Previdência Social.

Há 50 anos, asempresas eram eficientesquando faziam tudo.Hoje, são eficientes asque fazem o que sabeme compram o que é feitocom mais eficiência e notempo certo por outrapessoa ou empresa,otimizando os recursoshumanos dentro dasmencionadas redes deprodução.

Fiscalizar énecessário. Punir osque burlam a lei éessencial. Mas nãose pode punir umprofissional quetrabalha por contaprópria só porquenão é empregado. Enem se pode admitirque esseprofissionaltrabalhe semproteção.

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emprego para mulheres

24 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2007

Tradução: Rodrigo Garcia

1. Visão geral

Durante os anos 80 e 90, a participaçãodas mulheres no mercado de traba-lho cresceu substancialmente nomundo todo. Isso cria expectativas

que mais oportunidades de trabalho e autono-mia econômica para as mulheres pudessem le-var a uma maior igualdade entre os gêneros.Para ajudar a determinar o quanto essas espe-ranças estão sendo realizadas, é necessário ana-lisar a força das tendências do mercado de tra-balho para mulheres com mais detalhe. Comesse objetivo, o estudo "Tendências Globais deEmprego para Mulheres", da OIT, questiona sea tendência de uma participação maior das mu-lheres no mercado de trabalho permanece e seelas encontraram bons e produtivos empregos,capazes de capacitá-las de fato a usar seu poten-cial e conquistar a independência econômica.

A abordagem é baseada em atualizações eanálises de números dos principais indicado-res dos mercados de trabalho. Eles incluem:participação na força de trabalho, desempre-go, setor e status do emprego, salário/venci-mentos e nível de educação e habilidades.Considerados juntos, eles mostram se quemquer trabalhar o faz de fato, se para uma mu-lher encontrar um emprego é mais difícil doque para um homem, as diferenças do tipo detrabalho feito por mulheres e por homens e aigualdade de tratamento em setores que vãode salários a educação e treinamento.

As principais conclusões são:

- Em números absolutos, mais mulheres doque nunca estão participando do mercado detrabalho no mundo todo. Elas estão tanto em-pregadas quanto ativamente procurando porum emprego.

- Esse retrato geral, porém, conta apenasparte da história. Nos últimos dez anos, a taxade participação na força de trabalho (a propor-ção de mulheres em idade de trabalhar quetêm emprego ou estão procurando) parou decrescer, com muitas regiões registrando que-das. A inversão é marcante, mesmo que ela re-flita, em parte, a maior participação das mu-lheres jovens na educação.

- Mais mulheres do que nunca estão de fatotrabalhando. A proporção feminina do totalde empregos permaneceu praticamente inal-

Masao Goto Filho/e-SIM

terada em 40% no ano passado (de 39,7% hádez anos). A expressão “trabalhando” resumetodas as pessoas empregadas, de acordo com adefinição da OIT, que inclui autônomos, em-pregado, empregadores, bem como membrosda família que não são pagos.

- Ao mesmo tempo, mais mulheres do quenunca estão desempregadas, com o índice dedesemprego das mulheres (6,6%) maior doque o dos homens (6,1%).

- As mulheres têm mais probabilidade detrabalhar em empregos com pouca produtivi-dade na agricultura e nos serviços. A partici-pação das mulheres nos empregos industriaisé muito menor do que a dos homens e dimi-nuiu nos últimos dez anos.

- Quanto mais pobre a região, maior a pro-babilidade de que as mulheres trabalhem co-mo membro colaborador da família sem paga-mento ou autônomas com baixa renda. As mu-lheres que trabalham ajudando a família, emparticular, provavelmente não serão indepen-dentes economicamente.

A passagem de membro colaborador da fa-mília sem pagamento ou de autônoma de baixarenda para um emprego com salário é um gran-de passo rumo à liberdade e a autodetermina-ção para muitas mulheres. A participação demulheres com trabalho assalariado cresceu nosúltimos dez anos de 42,9% em 1996 para 47,9%em 2006. Porém, especialmente nas regiões maispobres do mundo, essa participação ainda é me-nor para as mulheres do que para os homens.

- Há evidências de que as diferenças sala-riais persistem. Na grande maioria das regiõese em muitos empregos, as mulheres ganhammenos pelo mesmo trabalho. Mas também háalgumas evidências de que a globalização po-de ajudar a diminuir as diferenças salariais emdiversas profissões.

- As mulheres jovens têm mais probabilida-de de aprender a ler e escrever do que há dezanos. Mas ainda há uma diferença entre os ní-veis de educação das mulheres e dos homens.E há uma grande incerteza se as mulheres têma mesma chance dos homens em desenvolversuas habilidades durante a vida profissional.

Essas tendências mostram que, apesar de al-gum progresso, não há motivos para tranqüili-dade. Políticas para aumentar as chances deuma participação igualitária nos mercados detrabalho estão começando a dar resultados, maso ritmo no qual as diferenças estão sendo dimi-nuídas é muito lenta. Como resultado, as mu-lheres têm mais probabilidade do que os ho-mens em ficarem desencorajadas e desistiremde serem economicamente ativas. E para as mu-

As diferençassalariaispersistem. Nagrande maioriadas regiõese em muitosempregos, asmulheresganham menospelo mesmotrabalho.

25JULHO/AGOSTO 2007 DIGESTO ECONÔMICO

lheres que trabalham há uma grande possibili-dade de estarem entre os trabalhadores pobres –elas trabalham, mas não ganham o suficientepara tirá-las, e suas famílias, da pobreza. Con-siderando por fim a persistente falta de uma res-ponsabilidade sócio-econômica para as mulhe-res e uma distribuição desigual das responsabi-lidades do lar, ainda há algumas formas para seobter a igualdade entre homens e mulheres.

No momento em que o mundo cada vez maispercebe que um trabalho bom e produtivo é aúnica forma sustentável de sair da pobreza,analisar o papel da mulher no mundo do traba-lho é particularmente importante. Progressocompleto, emprego decente e produtivo, umnovo alvo dentre os dos Objetivos de Desenvol-vimento do Milênio, só serão possíveis se as ne-cessidades específicas das mulheres no merca-do de trabalho sejam discutidas.

Participação feminina nos mercadosde trabalho

A crescente proporção de mulheres na forçade trabalho e a diminuição cada vez mais intensadas diferenças entre os índices de participaçãodos homens e mulheres têm sido uma das ten-dências do mercado de trabalho mais destaca-das nos tempos recentes. Nos últimos dez anos,porém, surgiu um retrato mais detalhado em re-lação à participação feminina, com considerá-veis diferenças entre as faixas etárias e regiões.

No geral, nunca houve tantas mulheres eco-nomicamente ativas. O total da força de traba-lho feminina, formada tanto por mulheres em-

pregadas quanto desempregadas, era de 1,2bilhão em 2006, acima de 1,1 bilhão em 1996. Adiferença entre os índices de participação naforça de trabalho de homens e mulheres (forçade trabalho como parte da população com ida-de de trabalhar) diminuiu um pouco durante operíodo de dez anos. Já que nesta época havia66 mulheres na ativa para cada 100 homens naativa. Em 2006, esse número estava quase nomesmo nível, com 67 mulheres para cada 100homens.

No mesmo período, o índice de participaçãona força de trabalho feminina caiu ligeiramentepara 52,4%, frente a 53% em 1996. Porém, maisdo que ser um sinal de estagnação, é o resultadode duas tendências positivas que se neutrali-zam. À medida que a educação entre as mulhe-res jovens se espalha mais rapidamente, a par-ticipação das mulheres jovens na força de traba-lho diminui. Ao mesmo tempo, o índice de par-ticipação das mulheres adultas era um poucomaior em 2006 do que há dez anos.

Enquanto isso, as tendências em níveis regio-nais variam muito. Aumentos nas atividadeseconômicas das mulheres foram particularmen-te altos na América Latina, Oriente Médio e Nor-te da África, e nas economias desenvolvidas e naUnião Européia (UE). Nos três casos, isso levou auma diferença um pouco menor entre os índicesde participação feminina e masculina na força detrabalho. Por outro lado, também há regiões on-de a diferença aumentou. Na África Subsaarianaera 0,3 ponto percentual maior em 2006 do quedez anos antes, e no Leste da Ásia, ela aumentouquase um ponto percentual (veja gráfico 1).

26 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2007

Porém, apesar dessas variações regionais,as diferenças entre atividades econômicas doshomens e mulheres continuam visíveis em to-do o mundo. Nas economias desenvolvidas ena UE, na Europa Central, na do Leste (que nãofazem parte da UE) e na Comunidade de Es-tados Independentes (CEI) e no Leste da Ásia,cerca de 80 mulheres para 100 homens estãoeconomicamente ativas. Na África Subsaaria-na, a proporção é 75 mulheres para 100 ho-mens; no Sudeste Asiático e Pacífico é de 73 pa-ra 100; e na América Latina e Caribe, 69 para100. As maiores diferenças são encontradas noSul da Ásia, com 42 para 100, e no Oriente Mé-dio e Norte da África, com 37 para 100.

Por si só, os índices, altos ou crescentes, departicipação na força de trabalho não signifi-cam necessariamente que os mercados de tra-balho estão se desenvolvendo de forma posi-tiva para as mulheres. O índice de participaçãona força de trabalho não fornece informaçõessobre a probabilidade de ser empregado nemindica a qualidade dos empregos. Ele tambémnão mostra quantas pessoas estão indo à esco-la, o que é uma boa razão para ficar fora domercado de trabalho.

3. Desemprego entre as mulheres

Em 2006, globalmente, as mulheres ainda ti-nham uma probabilidade maior de estaremdesempregadas em comparação aos homens.A taxa de desemprego feminino ficou em 6,6%e a dos homens, 6,1% (veja gráfico 2a). Alémdisso, a taxa de desemprego das mulherescresceu no período de dez anos, era 6,3% em1996. No total, 81,8 milhões de mulheres quedesejavam trabalhar e procuravam ativamen-

te um emprego estavam sem trabalho. Esse nú-mero era 22,7% maior do que há dez anos.

A dificuldade em encontrar emprego é ain-da mais pronunciada para as mulheres jovens(de 15 a 24 anos), como 35,6 milhões de mulhe-res jovens procurando uma oportunidade detrabalho em 2006. As taxas de desemprego en-tre os jovens, tanto homens quanto mulheres,são mais altas do que as taxas de desempregoentre adultos em todas as regiões. Em cinco, otaxa de desemprego das mulheres jovens ul-trapassa a dos homens. Não é o caso no Lesteda Ásia, economias desenvolvidas e UE e Áfri-ca Subsaariana (veja gráfico 2b).

Os indicadores de desemprego fornecemum retrato limitado das condições dos merca-dos de trabalho. Para uma imagem mais níti-da, eles devem ser vistos com índices de em-prego da população, dados sobre empregoscom status e setor, bem como indicadores desalários e vencimentos. No ideal, eles tambémdeveriam ser interpretados juntos com os nú-meros dos trabalhadores pobres, já que issodaria uma boa indicação se esses empregoscriados são bons o suficiente para dar às mu-lheres uma possibilidade tirarem elas mesmase suas famílias da pobreza.

Porém, como é discutido no box 1, aindanão é possível calcular a pobreza das mulherestrabalhadoras em nível regional. Por fim, aspesquisas de desemprego excluem as pessoasque desejam trabalhar, mas talvez não estejam“procurando” emprego ativamente, porquesentem que não há nenhum disponível, têmmobilidade de trabalho restrita ou enfrentamdiscriminação ou barreiras culturais, sociaisou estruturais. Elas são conhecidas como tra-balhadores desencorajados.

27JULHO/AGOSTO 2007 DIGESTO ECONÔMICO

As mulheres e a pobreza

A pobreza é um fenômeno multidimensional. Os pobrespodem sofrer com privação material, falta de dinheiro,

dependência de benefícios, exclusão social oudesigualdade. Apesar desses muitos aspectos, a maioria doscálculos comuns de pobreza se foca na renda monetária.Geralmente a pobreza é medida como a proporção depessoas num país vivendo com menos de US$ 1 ou US$ 2por dia. As principais fontes para as estatísticas de pobrezasão informações sobre renda e gastos coletados empesquisas feitas em residências por todo o país.Infelizmente, esses dados são inadequados para medir asdiferenças entre os gêneros, porque consideram asresidências como um todo mais do que os indivíduos.Além disso, o resultado dá uma fotografia da pobreza dacasa em um determinado momento e não captura asmudanças com o tempo. Como resultado, os dados sobre apobreza não são separados por sexo, tornando impossívelcalcular a pobreza entre as mulheres que trabalham. Porém,evidências por meio de estatísticas e de análises de casoslevam a uma percepção crescente que a pobreza está setornando feminina, com as mulheres tendo uma presençacada vez maior entre os pobres e os trabalhadores pobresno mundo. As conclusões deste estudo embasam essa idéia.Enquanto houver desigualdades nos mercados de trabalho,será mais difícil para as mulheres do que para os homensescapar da pobreza.

Fo nte : Spicker, Paul, “The idea of poverty (A idéia da pobreza), Bristol,2007; UNIFEM, “Reporter on Progress of the Word's Women, 2005” (Relatóriosobre o Avanço das Mulheres no Mundo, 2005), Nova York, 2005,http://www.un-ngls.org/women-2005.pdf; UNIFEM, “The Word's Women2005: Progress in Statistics” (As Mulheres no Mundo em 2005: Avanços nasEstatísticas), Nova York, 2005, http://unstats. un.org/unsd/demographic/products/indwm/ wwpub.htm

BOX 1

Leonardo Rodrigues/Digna Imagem

28 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2007

Apesar de haver uma falta de informaçõessobre trabalhadores desencorajados, umaanálise dos dados disponíveis sobre as econo-mias industrializadas revelou que as mulhe-res representam aproximadamente dois terçosdos trabalhadores desencorajados na Austrá-lia, Áustria, Bélgica, Alemanha, Grécia, Ho-landa, Noruega e Portugal, com a participaçãofeminina no total dos trabalhadores desenco-rajados perto dos 90% na Suíça.

Como as mulheres enfrentam taxas de de-semprego maiores, possuem bem menosoportunidades no mercado de trabalho do queos homens e freqüentemente enfrentarem bar-reiras sociais para entrar no mercado de traba-lho. É bastante provável que o desencoraja-mento entre as mulheres seja maior do que en-tre os homens na maioria dos países do mundoem desenvolvimento.

Uma observação mais atenta da situaçãodo emprego para as mulheres também não éanimadora. As relações emprego-popula-ção – que indicam o quanto de eficiência comque as economias estão usando o potencialprodutivo da população em idade de traba-lhar – são em todas as regiões do mundo me-nores para as mulheres do que para os ho-mens. Só metade das mulheres com idadede trabalhar (mais de 15 anos) de fato traba-lham. Para os homens, a proporção é maisdo que 7 em 10. A situação é apenas ligeira-mente melhor na Sul da Ásia. A diferença en-tre as taxas de população-emprego de ho-mens e as de mulheres caiu no mundo comoum todo na última década, Porém, no Lesteda Ásia ela aumentou e na África Subsaaria-na não se modificou.

Enquanto nem todas as mulheres em idadede trabalhar talvez desejem trabalhar, a exis-tência de um desemprego significativo indicaque há muitas mulheres que querem um em-prego, mas são incapazes de encontrar um.Parte das diferenças no emprego continuamnas economias industrializadas podem seratribuídas ao fato que algumas mulheres es-colhem ficar em casa, porque têm condiçõespara não entrar no mercado de trabalho. Masem outras regiões do mundo, é mais provávelque as mulheres prefiram trabalhar se tive-rem essa oportunidade. Atrair mais mulherespara a força de trabalho também exige comoprimeiro passo acesso à educação e oportuni-dades iguais para obter a capacitação neces-sária para competir no mercado de trabalho.Como é discutido no box 2, essa igualdadena educação ainda está bem longe do alcancena maioria das regiões.

BOX 2As mulherese a educação

A educação é um direito básico. Ela é essencialpara o desenvolvimento, já que a educação

pode ajudar as pessoas a encontrarem soluçõespara seus problemas e fornecer novasoportunidades. Ela amplia a chance de participardos mercados de trabalho ou de procurar melhorespossibilidades de emprego. Porém quase 800milhões de adultos não tiveram a oportunidade deaprender a ler e escrever, dos quais cerca de doisterços são mulheres. Além disso, 60% da evasãoescolar é de garotas, pois muitas vezes têm de deixara escola ainda bem jovens para ajudar no serviço decasa ou trabalhar. E também há freqüentesrestrições culturais que evitam que as garotasconcluam até a educação básica, limitando bastantesuas possibilidades de determinar o próprio futuro.

Os índices mais baixos de alfabetismo podemser encontrados no Sul e no Oeste da Ásia, naÁfrica Subsaariana e nos países árabes. Aindaque eles tenham aumentando nos últimostempos, os níveis comparativamente baixosrefletem as dificuldades enfrentadas pelasmulheres nessas regiões.

Infelizmente, a educação básica nem sempre setraduz em melhores oportunidades de emprego.Essa é a razão pela qual é importante que asmulheres continuem a obter conhecimento ehabilidades além das que são adquiridas najuventude. Um causa fundamental para adiscrepância entre homens e mulheres em relaçãoa boas oportunidades de trabalho pode bem ser afalta de oportunidades de aprendizadocontinuado para muitas mulheres.

Como asmulheresenfrentam taxasde desempregomaiores, têmbem menosoportunidadesno mercado detrabalho do queos homens (...)

Agência Brasil

29JULHO/AGOSTO 2007 DIGESTO ECONÔMICO

BOX 3Mulheres naagricultura

As trabalhadoras do setor agrícola são responsáveis por metadeda produção mundial de alimentos. Elas são as principais

produtoras das safras de gênero de primeira necessidade, como arroz,milho e trigo, que representam de 60% a 80% do alimento consumidona maioria dos países em desenvolvimento. É quase sempre asmulheres que são as responsáveis por garantir que as criançastenham comida suficiente. Elas são primordiais nas tarefas agrícolasdiárias, as incentivadoras de atividades que geram renda agrícola enão-agrícola e as guardiãs das fontes produtivas e naturais.

Apesar de sua importância, as trabalhadoras agrícolas continuama ser um grupo marginalizado. Quais os problemas específicos queelas têm de enfrentar?

- As agricultoras geralmente não têm instrução, poder de decisãonem direitos trabalhistas.

- As mulheres freqüentemente têm mais dificuldades do que oshomens em conseguir boas terras, crédito, treinamento e acesso aosmerc ados.

- Elas enfrentam mais dificuldades em conseguir osequipamentos para a produção de alimentos em larga escala.

- As agricultoras nos países em desenvolvimento tambémenfrentam grandes desafios com o avanço da Aids. Cerca de 95%das pessoas com HIV estão nos países em desenvolvimento. Amaioria é de pobres nas zonas rurais, com as mulheresultrapassando os homens.

- Guerras, êxodo de homens para empregos com salário maiorese uma crescente taxa de mortalidade por causa do Aids têm levadoa um aumento das mulheres como chefes de casa, especialmentenas zonas rurais do mundo em desenvolvimento. Isso deixas asmulheres ainda com mais obrigações.

- Um número crescente de mulheres trabalha informalmente nosetor agrícola, em grande parte como vendedoras de ruas emmercados de comida locais.

- Muitas mulheres possuem um segundo emprego parasobreviver. São geralmente empregos em indústrias fora do campo,incluindo serviços que podem ser feitos em casa, mas ganham porpeça produzida, que geram um ganho adicional muito pequeno.

4. Condições de trabalho das mulheres

Não há um único indicador definido paraavaliar as condições de um trabalho bom e pro-dutivo. Porém algumas conclusões podem serobtidas ao se analisar três indicadores: empre-gos por setor, status do emprego (ver box 3) esalários/vencimentos.

4.1 Setores do emprego

Pela primeira vez, em 2005, a agriculturanão foi mais o principal setor de emprego paramulheres. E essa tendência continuou em2006. O setor de serviços agora fornece o maio-ria dos empregos femininos. Do total de mu-lheres empregadas em 2006, 40,4% trabalha-vam na agricultura e 42,4% nos serviços. En-quanto isso, 17,2% das mulheres trabalhandoestavam na indústria. (Os mesmos índices pa-ra os homens eram 37,5% na agricultura, 38,4%nos serviços e 24% na indústria).

As mulheres têm uma participação maiornos empregos agrícolas do que os homens noLeste da Ásia, no Sul da Ásia, na África Subsaa-riana e no Oriente Médio e no Norte da África.Nas outras regiões, são geralmente os paísesmais pobres que mostram uma fatia maior dosempregos femininos na agricultura.

Em todas as regiões, a participação das mu-lheres nos empregos nas indústrias é menor doque a dos homens. A diferença é particular-mente notada nas economias desenvolvidas ena UE, onde apenas 12,4% das trabalhadorasestão nesse setor, comparadas com 33,6% doshomens empregados. Dentro das regiões emdesenvolvimento, as diferenças são conside-ráveis na Europa Central e na do Leste (quenão fazem parte da UE) e a CEI, bem como noOriente Médio e Norte da África e, numa ex-tensão menor, na América Latina e África Sub-saariana. Nas regiões asiáticas, as divisões sãomais equilibradas entre homens e mulheres.

O setor de serviços ultrapassou a agricultu-ra no trabalho para mulheres em quatro das oi-to regiões: economias desenvolvidas e UE, Eu-ropa Central e a do Leste (que não fazem parteda UE) e a CEI, América Latina e Caribe eOriente Médio e Norte da África. Por outro la-do, no Leste e no Sul da Ásia e na África Sub-saariana, a agricultura é de longe o setor maisimportante para o trabalho das mulheres.Dentro dos serviços, as mulheres ainda estãoconcentradas nas áreas tradicionalmente asso-ciadas ao papéis relacionados ao gênero, emparticular nos serviços públicos, sociais e pes-soais. Os homens predominam nos empregosJosé Maria Tomazela/AE

30 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2007

mais bem pagos dos serviços financeiros, em-presariais e imobiliários.

A segregação por sexo nas ocupações estámudando, mas o avanço é lento. Os estereóti-pos de empregos femininos, como babás/en-fermeiras e empregadas domésticas, ainda sãoreforçados. Eles podem ser perpetuados paraa próxima geração se as oportunidades de tra-balho feminino, que são restritas e inferiores,continuarem a levar poucos investimentos naeducação, capacitação e experiências das mu-lheres. É notável que essas tendências perma-neçam mesmo quando as mulheres migram.No país anfitrião, elas ocupam os mesmos ti-pos de emprego que tinham em sua terra natale freqüentemente enfrentam os mesmos mo-delos de discriminação.

4.2 Status da atividade econômicadas mulheres

Apesar de ter havido um avanço rumo à di-visão das responsabilidades familiares em al-guns países economicamente desenvolvidos,elas ainda são muito atribuídas às mulheres.Quando as mulheres trabalham, é comum queencontrem soluções para equilibrar a educaçãodos filhos com o emprego. Provavelmente issoé um desafio maior para mulheres assalariadasmais do que para as autônomas e menos aindapara as que trabalham ajudando a família e quenão recebem (mas ainda são consideradas comemprego, de acordo com a definição padrão deemprego). Ao mesmo tempo, a independênciaeconômica, ou pelo menos a co-participação nadistribuição de renda dentro da família, é maiorentre as mulheres que recebem salários, menorquando são autônomas e menor ainda quandotrabalham para a família.

A mudança de ser uma trabalhadora fami-liar sem pagamento ou de ser uma autônomacom baixa renda para um emprego com salá-rios é um grande passo rumo à liberdade e au-todeterminação para muitas mulheres, mes-mo que nem sempre isso acarrete conseguirum bom emprego imediatamente. A impor-tância desse passo para se conseguir a igualda-de entre os sexos é reconhecida pelos Objetivo3 da ONU para o Desenvolvimento do Milê-nio, “Promover a igualdade entre os sexos efortalecer as mulheres”. Um dos indicadorespara medir o progresso é a participação dasmulheres em empregos assalariados em seto-res não-agrícolas. Esse indicador foi desenvol-vido pela OIT e mostra claramente que quantomais os países ou regiões forem pobres, menoré a participação.

Quando se avalia os avanços das mulheresno mundo do trabalho, as tendências sobre ostatus do emprego ajudam a fornecer mais in-formações detalhadas. Pela primeira vez, aOIT divulgou análises a nível regional sobre ostatus dos empregos de homens e mulheres,registrando mudanças no decorrer dos anos.

Elas mostram que a proporção de mulheresassalariadas aumentou nos últimos dez anos.Em 2006, 47,9% das mulheres que trabalha-vam estavam em empregos com salário, fren-te os 42,9% de dez anos antes. A proporção deautônomas cresceu de 22,4% em 1996 para25,7% em 2006, e a de mulheres que trabalhampara a família sem receber caiu de 33,2% para25,1% no mesmo período. Porém, nas regiõesmais pobres do mundo, a proporção de mu-lheres que trabalham para a família sem rece-ber no total de empregadas ainda é muitomaior do que a dos homens, com elas tendomenos probabilidades de serem assalariadas.Na África Subsaariana, bem como no SudesteAsiático, quatro entre dez trabalhadoras sãoclassificadas como colaboradoras da família,enquanto que entre os homens a relação é dedois para dez. No Sul da Ásia, seis em dez tra-balhadoras são consideradas colaboradoras,mas entre os homens só dois entre dez têm es-se status. No Oriente Médio e no Norte daÁfrica, a proporção é três em dez mulheres eum entre dez homens.

A segregação porsexo nas ocupações estámudando, mas o avançoé lento. Os estereótiposde empregos femininos,comobabás/enfermeiras eempregadas domésticasainda são reforçados.

Quando asmulheres

trabalham, écomum queencontrem

soluções paraequilibrar a

educação dosfilhos com o

emprego.Reprodução

31JULHO/AGOSTO 2007 DIGESTO ECONÔMICO

Ainda que a flexibilidade que têm quandosão autônomas permita às mulheres combina-rem o trabalho e as obrigações familiares, aproporção delas no total dos empregos femi-ninos é menor do que a proporção dos homensem todas as regiões. Mas em duas das áreasmais pobres do mundo, mais mulheres traba-lham como autônomas do que como assalaria-das. Na África Subsaariana, em dez trabalha-doras quatro são autônomas e apenas duas sãoassalariadas. No Sul da Ásia, duas em dez sãoautônomas em 1,5 em dez pertence ao grupode assalariadas. Em todas as outras regiões,mais mulheres trabalham como assalariadasdo que como autônomas.

Um resultado esperado do desenvolvi-mento econômico para as pessoas poderiaser elas passaram de trabalhadores que aju-dam a família sem receber e de autônomospara empregados assalariados. Teoricamen-te, as mulheres deveriam aproveitar essatendência tanto quanto os homens. Umaolhada em uma das regiões que se desenvol-vem mais rapidamente – o Leste da Ásia,mostra que as mulheres estão aproveitando,com a proporção de mulheres trabalhandocomo colaboradoras de família caindo 18pontos percentuais, de 38,8% em 1996 a20,9% em 2006. Aos mesmo tempo, a partici-pação no emprego assalariado cresceu 9,5pontos percentuais e a fatia das autônomasaumentou 8,7 pontos percentuais. Em para-lelo, houve uma queda substancial na pro-porção de mulheres empregadas na agricul-tura e um aumento no percentual nos empre-gos industriais e de serviços. Os homens se-guiram o mesmo modelo, mas o aumentodos empregos assalariados foi menor, comotambém foi o de autônomos.

Enquanto o status por si só não necessaria-mente lança luz sobre a qualidade dos empre-gos, colaboradores familiares e autônomostêm menos probabilidades de trabalhar emboas condições. Pesquisas comparando dadossobre os trabalhadores pobres e o status dosempregos mostraram uma correlação muitoforte entre o número total de pessoas conside-rada como colaboradores familiares e autôno-mos e o número de trabalhadores pobres commenos de US$ 2 por dia. Quanto mais pobreera a região, mais era essa correlação. Isso res-salta as condições de trabalho inadequadasdesses grupos de status nos países pobres.

Em resumo, o status das mulheres no mun-do do trabalho melhorou, mas os ganhos temsido poucos. Enquanto elas diminuíram umpouco as diferenças de status com os homens,

o ritmo lento das mudanças significa que asdisparidades continuam significantes.

4.3 A contínua diferença salarial

No último Tendências Globais de Empre-gos para Mulheres, em 2004, argumentou-seque os dados inadequados sobre os saláriosde homens e mulheres dificultava chegar-se aconclusões sobre desigualdades. Não era fá-cil fazer comparações entre países e regiões,porque os indicadores de salários tendiam aser baseados em critérios específicos do paísque nem sempre eram comparáveis. Porexemplo, havia diferenças referentes sobre adefinição de taxa salarial, métodos de paga-

O status dasmulheres no

mundo dotrabalho

melhorou, masos ganhos têm

sido poucos.

Masao Goto Filho/e-SIM

32 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2007

mento, unidades de tempo (por hora, por se-mana), fontes de dados e métodos de coleta.Infelizmente, essa situação não mudou. Ape-sar de tudo, as poucas evidências que existemmostram que as diferenças salarias persis-tem. Uma análise dos dados disponíveis paraseis grupos de profissões revela que na maio-ria das economias as mulheres ainda ganham90% ou menos do que seus colegas recebem.Até em profissões “tipicamente femininas”,como enfermagem e magistério, não há igual-dade salarial entre os sexos.

Historicamente, havia uma isonomia sala-rial maior nas economias planejadas da Euro-pa Central e do Leste e da CEI do que nas eco-nomias industrializadas ou em desenvolvi-mento. Isso permaneceu nos último anos. Porexemplo, os salários das contadoras, progra-madoras de computadores, professoras e en-fermeiras nas economias em transição eramaté maiores do que os dos homens nessas pro-fissões nos últimos anos com dados disponí-veis. Será interessante ver se essa tendênciacontinua ou se reflete o fato de que umas pou-cas mulheres conseguiram administrar comêxito o processo de transição, mas após a apo-sentadoria delas, a diferença salarial reflete astendências das economias industrializadas.

A Comissão Européia recentemente publi-cou conclusões mostrando que a diferença sa-larial entre homens e mulheres permaneceupraticamente sem mudanças em 15% em todosos setores nos últimos anos. O fraco desempe-nho dos salários femininos tem sido atribuídoao lento crescimento econômico na UE e, emparticular, à deterioração das condições de tra-balho do mercado de trabalho nos novos paí-ses membros. Além disso, até em muitos paí-ses europeus, as mulheres ainda são despro-porcionalmente empregadas em setores nosquais os salários são mais baixos e têm caído.Por exemplo, no Reino Unido, 60% das traba-lhadoras estão em dez profissões, com a maio-ria concentrada em enfermagem, comércio,alimentação, faxina e serviço de escritório.Muitos desses empregos estão em pequenasempresas não formalizadas, onde as mulherestêm menos poder de negociação e menos pos-sibilidades de melhorar sua situação econômi-ca em comparação a seus colegas.

Corley (2005, op. cit.) descobriu que a desi-gualdade salarial é encontrada até em profis-sões de grandes habilidades, mesmo que oscandidatos em áreas como programação decomputadores e contabilidade tenham forma-ção e capacitação supostamente iguais. Até nes-sas profissões, a média do salário feminino ain-

da é apenas 88% do masculino. Foi demonstra-do que os países com uma diferença de salárioentre os sexos relativamente maior em profis-sões que exigem pouca habilidade também ti-nham uma alta diferença nas profissões commuito habilidade. Não obstante, na maioria dospaíses a diferença salarial era maior nos profis-sões de pouca competência do que nas de gran-des habilidades. Além disso, em um número depaíses a diferenças revelou-se estar aumentan-do. Essa pesquisa foi baseada principalmenteem dados dos países industrializados.

Um estudo de Oostendorp focaliza o impac-to da globalização nos salários sob uma pers-pectiva dos sexos. Usando o banco de dados deoutubro da OIT, ele descobriu que as profis-sões com pouca habilidade, nas quais as mu-lheres estão geralmente mais presentes, a glo-balização ajudou a melhorar os salários emcomparação aos de seus colegas. Ao mesmotempo, como há diferenças de sexo significati-vas no capital humanos nas profissões mais es-pecializadas nos países em desenvolvimento,a crescente demanda por tais habilidades porcausa da globalização favorece desproporcio-nalmente os trabalhadores homens, levando aum aumento das diferenças salariais nessa ca-tegoria de trabalhadores.

Em resumo, as diferenças salariais entre ossexos ainda existem em todas as profissões enão há uma tendência clara de que elas estejamdiminuindo.

5. Conclusões

As descobertas do Tendências Globais deEmpregos para Mulheres deste ano são apenasparcialmente animadoras. A hipótese de que,durante o processo de desenvolvimento eco-nômico, as mulheres encontram cada vez maisempregos modernos, assalariados e de perío-do integral não se sustenta, pelo menos não emtodas as regiões. O aumento da participação naforça de trabalho até agora não tem sido acom-panhado por melhorias na qualidade do em-prego e as condições de trabalho das mulheresnão estão levaram a verdadeiros fortalecimen-tos econômicos e sociais, especialmente nas re-giões mais pobres do mundo.

As mulheres têm mais dificuldades não ape-nas em participar nos mercados de trabalho,mas também em encontrar empregos bons eprodutivos. Elas ainda têm menos probabili-dade de ser assalariadas. Além disso, a parti-cipação de mulheres que trabalham como co-laboradoras de famílias ultrapassa a dos ho-mens em todas as regiões do mundo. Em eco-

As mulheres têmmais dificuldadesnão apenasem participar nosmercados detrabalho, mastambém emencontrar empregosbons e produtivos.Elas ainda têmmenosprobabilidadede ser assalariadas.

33JULHO/AGOSTO 2007 DIGESTO ECONÔMICO

nomias com grande setor agrícola, as mulherestrabalham com mais freqüência nesse setor doque os homens. A porção feminina nos empre-gos no setor de serviços também é maior doque a masculina. Adicionalmente, elas têmmais chances de ganhar menos do que os ho-mens pelo mesmo trabalho, mesmo em profis-sões tradicionalmente femininas.

Todas essas conclusões apontam para umavulnerabilidade maior das mulheres no mun-do do trabalho. Portanto é muito provável queas mulheres sejam afetadas desproporcional-mente pela pobreza no trabalho – trabalham,mas não ganham o suficiente para sair e tirarsuas famílias da linha de pobreza de menos deUS$ 1 por dia. Os resultados são consistentescom as avaliações feitas pelo último Tendên-cias Globais de Empregos para Mulheres(2004) de que as mulheres representam pelomenos 60% dos trabalhadores pobres do mun-

do. Não há nenhuma razão para acreditar queessa situação mudou consideravelmente.

Criar empregos produtivos, bons e adequa-dos para as mulheres é possível, como foi de-monstrado por alguns dos avanços já detalha-dos. Mas os governantes não apenas precisampôr o emprego no centro das políticas econô-micas e sociais, mas também têm de reconhe-cer que os desafios enfrentados pelas mulhe-res no mundo do trabalho exigem interven-ções projetadas para necessidades específicas.Devem ser dadas às mulheres a possibilidadede trabalharem para tirar da pobreza elas mes-mas e suas famílias com a criação de oportuni-dades de bons empregos que as ajudem a con-seguir trabalho renumerado e produtivo emcondições de liberdade, segurança e dignida-de humana. Caso contrário, o processo de fe-minização da pobreza vai continuar e serátransferido à próxima geração.

34 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2007

Oportunidadesainda sãomenores

Paulo Pampolin/Digna Imagem 17/05/05

No Brasil, um estudo recente divulgado pelo Dieese (DepartamentoIntersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), entitulado"As Mulheres e o Salário Mínimo nos Mercados de Trabalho Me-

tropolitanos", revela um quadro muito parecido com o estudo realizado pelaOrganização Mundial do Trabalho. O Dieese afirma que a situação das tra-balhadoras brasileiras apresentou um pequeno avanço, mas elas continuamrecebendo salários menores do que os homens e enfrentam uma nítida de-sigualdade de oportunidades ocupacionais. O estudo se baseou nos dadosda Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) divulgado mensalmente pelaentidade e abrangeu o Distrito Federal e mais cinco regiões metropolitanas(São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador).

Entre 1999 e 2006, as mulheres das regiões pesquisadas pelo sis-tema PED continuaram a se destacar pela intensa entrada no mer-cado de trabalho, chegando a representar quase a metade da PEA(População Economicamente Ativa) metropolitana (46,7%). No to-tal, a força de trabalho feminina contabilizou, no último ano, 8,878milhões de mulheres. Embora tenham presença cada vez mais ex-pressiva no mundo produtivo e venham se deparando com umaconjuntura mais favorável à geração de empregos, as trabalhado-ras ainda enfrentam uma nítida desigualdade de oportunidadesocupacionais em relação aos homens: o desemprego continuasendo maior para o segmento feminino e seus rendimentos nãosuperam o patamar de 81,8% dos ganhos masculinos.

Neste estudo, viu-se que as mulheres concentram-se em ocupa-ções fundamentais para a organização social que, no entanto, sãopouco valorizadas e têm seu padrão de remuneração regulado pelopoder estatal. Tal situação fez com que as mulheres fossem relativa-mente mais beneficiadas com a política de valorização do salário mí-nimo, o que, por sua vez, explica a melhor sustentação das remune-rações femininas diante do ajuste de renda empreendido no âmbitodo mercado de trabalho nos últimos anos.

Entre as mulheres que recebem as menores remunerações, des-taca-se a escassez de alternativas, denunciadas pelo perfil etáriomais elevado, pelas grandes responsabilidades familiares enfren-tadas pelas chefes e cônjuges que contribuem com o orçamentodoméstico e pelo estigma da baixa escolarização.

Nos primeiros anos desta década, acompanhando a queda dastaxas de desemprego, os rendimentos recebidos pela populaçãometropolitana ocupada tiveram trajetória declinante, independen-temente do sexo. Este movimento, no entanto, diferente do ocorridoem relação ao desemprego, foi mais ameno para as mulheres.

Essa situação fez com que a histórica diferença nas remuneraçõesdo trabalho de homens e mulheres fosse diminuída. Assim, a propor-ção dos rendimentos reais auferidos por hora pelas mulheres alcan-çou, em 2006, o melhor desempenho em Porto Alegre (81,7%) e emRecife (81,8%). No Distrito Federal, onde foram registrados os mais ele-vados patamares das remunerações do trabalho entre as áreas pes-quisadas, este percentual ficou limitado a apenas 75,4% (Tabela 1).

De modo geral, sabe-se que a simultaneidade entre a melhora dascondições de emprego e queda nos rendimentos dos trabalhadoresem curso no mercado de trabalho metropolitano nacional está rela-cionada, de algum modo, ao uso de estratégias empresariais que as-sociam queda dos custos laborais à rotatividade da força de trabalho.

A melhor sustentação dos rendimentos femininos neste cená-rio, entretanto, necessita de outras hipóteses explicativas. Entre es-tas, por sua vez, ganha cada vez mais espaço a análise da política devalorização do salário mínimo nacional, remuneração visivelmentemais freqüente entre as mulheres.

Salário mínimo

Em 2006, o número de trabalhadoras que receberam remu-nerações equivalentes até um salário mínimo somava 2,208 mi-lhões de mulheres, correspondendo a 31,0% das ocupadas no

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mercado de trabalho metropolitano.Este percentual, contudo, deve ser interpretado com cautela, pois enco-

bre a disparidade no padrão distributivo dos rendimentos do trabalho entreas regiões estudadas. Enquanto que, em Porto Alegre, 20,9% das ocupadasalcançavam ganhos que se limitavam ao salário mínimo, na região metro-politana de Recife, esta era a situação de mais da metade das mulheres(53,9%). Proporção igualmente elevada foi identificada em Salvador, 49,2%.

São também acentuadamente distintas as proporções de homense mulheres que vivem do salário mínimo. Ainda que, também paraeles, haja grande diferenciação regional, a proporção de homens re-munerados em níveis mínimos se limitava a 34,9% em Recife e 9,2%em Porto Alegre (Gráfico 1).

É comum afirmar-se que as trabalhadoras recebem menos do que os ho-

mens porque se inserem profissionalmente em ocupações de menor qua-lificação, produtividade e prestígio social. Estas reflexões são verdadeiras, po-rém permanecerão incompletas se a elas não se agregar a evidência de que oschamados guetos ocupacionais femininos resultam de uma construção cul-tural, que designa o lugar das mulheres no mundo produtivo.

A inserção setorial das mulheres remete à dinâmica ocupacional dosegmento dos serviços, no qual se encontram os subsetores de saúde eeducação, além dos serviços pessoais, e, principalmente, do emprego do-méstico. Embora fundamentais para a organização social e, portanto, ga-rantidores dos processos de transformação produtiva e de circulação dariqueza, os segmentos que mais absorvem força de trabalho feminina sãoos mais desvalorizados no mercado de trabalho e os que tendem a pro-piciar remunerações mínimas reguladas pelo poder estatal.

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Âng elaOliveira de Jesus�31 anos�Casada�2 filhos�Ensino médiocompleto�Desempregada háquatro meses�Cargo que procura:auxiliar de produção

Mas

ao G

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o/e-

SIM

38 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2007

A via-crúcis do

Fotos: Masao Goto Filho/e-SIM

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Ângela Oliveira de Jesus, 31 anos, casa-da, dois filhos, faz parte do contingentede mulheres que nos últimos anos in-

gressou no mercado de trabalho. Desempre-gada há quatro meses, atualmente ela repete amesma rotina: acorda cedo e elege uma regiãoda cidade para entregar currículos. Desconfia-da da eficácia das agências de emprego, prefe-re ir pessoalmente até as firmas onde gostariade trabalhar. Com ensino médio completo, aúnica experiência que ela tem é como vende-dora, profissão que quer deixar de lado "portrabalhar muito, especialmente no final de se-mana, e depender de comissões".

São 6h30 de uma quarta-feira de agosto. Ân-gela se prepara para sair. Toma banho e coloca aroupa, separada na noite anterior. Depois depassar um creme de pentear, ela prende os ca-belos crespos em um rabo de cavalo, toma seucafé da manhã, que se resume a um copo de leitecom chocolate, despede-se de Douglas, o caçulade dez anos, e sai em direção ao ponto de ônibuscom a pasta, onde leva sua esperança em forma-to de folhas A4 com seu perfil profissional, pelasquais pagou 2 reais a digitação na papelaria emais 20 centavos por cópia. Do bairro Nakamu-ra, no Jardim que leva seu nome, toma um ôni-bus em direção ao Largo do Socorro. Cerca de 45minutos depois, faz uma baldeação para a Ave-nida Robert Kennedy, destino da primeira ten-tativa de emprego do dia: uma fábrica de cintosde segurança. Pelo interfone é orientada a colo-

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Ângela se preparapara sair de casaem busca deemprego. Despede-se do filho Douglas,caminha até o pontode ônibus. São duasconduções até aprimeira tentativado dia: uma fábricade cintos desegurança. É precisopegar mais doisônibus para chegara Santo Amaro paraum nova tentativa...

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... Ângela caminhasem rumo na regiãodo bairro doSocorro, queconcentra muitasfábricas. Diversasmetalúrgicasalinham-se umaapós a outra. Eladeixa seu currículoem algumas delas.Após quatro horasandando, eladecide voltar paracasa, o que demoramais uma hora.Senta-se no sofá aolado do filho,descansa um poucoe dirige-se para ofogão paraesquentar arefeição, quedeixou pronta nanoite anterior.

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car uma das dez folhas que leva na pasta verdeatravés da abertura do vidro com insulfilme,que, de tão escuro, a impede de ver se do outrolado há um homem ou uma mulher.

Mais dois ônibus e chega em Santo Amaropara uma nova tentativa. A caixinha de correioda fábrica de embalagens de metal recebe maisum de seus currículos. Dali, Ângela resolve an-dar um pouco em busca de outras empresas.Encontra uma, de alimentos, e deixa seu perfilnas mãos do segurança. Nova caminhada, maisum ônibus e volta para o bairro do Socorro, on-de o marido, cobrador de ônibus, disse havermuitas firmas. Lá, nas proximidades do Shop-ping Fiesta, decide caminhar sem rumo, na ten-tativa de encontrar o lugar onde finalmente serácontratada. Acredita que a sorte está a seu lado:diversas metalúrgicas alinham-se uma após a

outra. Mas em três delas, sequer consegue seratendida. A resposta: "não estamos ajustando".Ela agradece com um sorriso tímido. Em outras,tem um pouco mais de sorte e consegue entre-gar a folha impressa com o resumo de sua ex-periência profissional: três lojas onde foi regis-trada, um curso inacabado de informática e suaambição atual: trabalhar na produção.

Após quatro horas andando e com três cur-rículos que sobraram, a mãe de Cristian e Dou-glas decide que já é hora de voltar para casa.São cinqüenta minutos no ônibus e outros dezde caminhada para chegar à sua inacabadaconstrução no Nakamura e sentar por algunssegundos em frente à TV, ao lado do caçula,que faltou à aula porque se machucou nasobras da casa.

Tira o casaco de lã, lava as mãos e se dirige aofogão para aquecer a refeição que deixou pron-ta no dia anterior. Depois, vai cuidar da peque-na casa, que um dia terá as divisórias de doisquartos, sala e cozinha. Vai lavar e passar asroupas. Amanhã será outro dia e, quem sabe,com Ângela finalmente empregada.

EMPREGOPor Patrícia Büll

40 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2007

APOCALIPSETRABALHISTA

Por Fernando Porto

Aposentados trabalhando quandodeveriam estar usufruindo de seumerecido descanso. Crianças eadolescentes no mercado de traba-

lho ilegalmente e sem tempo ou oportunida-de para o estudo. Trabalhadores adultos comjornadas acima de 44 horas semanais. Esse é oBrasil do século 21, marcado pelo desempre-go em massa, mesmo com uma economia es-tável e sem grandes sustos de instabilidade.Um país que necessita urgentemente de re-formas econômica e política caso não queiraagravar seu quadro social nos próximos anos.A análise e a previsão é de um dos nomes maisrespeitados da atualidade no estudo do tra-balho: o economista Marcio Pochmann, queassumiu a presidência do Instituto de Pesqui-sa Econômica Aplicada (Ipea).

Seu histórico ligado ao governo petista –foi secretário de Desenvolvimento da prefei-

Paulo Liebert/AE

Profissionais jáaposentados

disputam empregocom aqueles que jáestão no mercado.

41JULHO/AGOSTO 2007 DIGESTO ECONÔMICO

tura paulistana na gestão de Marta Suplicy –não impede que suas teses sejam respeitadaspor outros partidos políticos e que tambémseja assediado por empresários e economis-tas para palestras sobre o futuro do trabalhono País. E qual seria esse futuro, na ótica dePochmann? No mínimo sombrio, incerto. Nasua ótica, se não houver uma reforma tribu-tária e outra política consistentes, o País con-tinuará com índices de crescimento econômi-cos pífios. Consequentemente, emprego decarteira assinada e estudo serão privilégiosde menos brasileiros ainda.

Como um profeta do apocalipse trabalhis-ta, o economista prega a urgência de investi-mentos em áreas de infra-estrutura, como aconstrução civil – que pode gerar milhares denovos empregos. Ele também lamenta o gran-de contingente de doutores que se formam acada ano e que estão fadados ao ensino pelo

resto da vida, diante da falta de investimentosem pesquisa tecnológica, ou migrando paraoutros países. "Nove em cada dez doutores –dos 10 mil que formamos anualmente – estãoensinando e não atuando. Hoje, exporta-semão-de-obra qualificada, com 2,5 milhões fo-ra do País. É um paradoxo", explica o econo-mista, antes de setenciar: "Estamos cons-truindo um país pior que o de hoje."

Cultura das horas extras

Fazendo um comparativo histórico de 100anos de trabalho no País, Pochmann observaque, diante dos avanços tecnológicos, mu-dou-se o conceito de produtividade. "Os ga-nhos não são mais físicos, mas sim financei-ros. Portanto, não há razão para se trabalharhoje mais que quatro horas diárias." Ele en-fatiza também que, assim como a expectati-

Futuro incerto:crianças e

adolescentestrabalham ao

invés de estudar.

Celso Junior/AE

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va de vida no século 21 é de 70 anos – enquan-to em 1907 o homem vivia em média 34 anos– não há justificativa para se entrar no mer-cado de trabalho antes dos 25 anos. Para ele,é inconcebível que se trabalhe muito maishoje no Brasil do que no início do século 20."O trabalho hoje é insustentável em termosde natureza humana – 16 a 17 horas por dia.O homem do século 19 tinha, pelo menos,o controle sobre o trabalho, porque sua pro-dução agrícola era para garantir apenas suas o b re v i v ê n c i a . "

A preocupação de Pochmann é tambémcom os menores de idade, que são obrigadosa largar os estudos para trabalhar e ajudar afamília a obter mais renda. "Temos 4,5 mi-lhões de jovens com menos de 16 anos de ida-de trabalhando, mesmo sendo algo ilegal."Segundo o economista, esse problema tam-bém contribui para que se ocupe postos detrabalho de adultos.

"Temos hoje muitas pessoas que deveriamestar no mercado de trabalho e outras que nãodeveriam estar. Um terço dos aposentados epensionistas, por exemplo, estão nesse merca-do de trabalho. Ora, aposentadoria e pensão éuma conquista para justamente tirar essas pes-soas do mercado de trabalho! Se eles se apo-sentam e precisam continuar trabalhando éporque alguma coisa está errada", enfatiza.

Outro fator que contribui para comprome-ter ainda mais a escassa oferta de trabalho é achamada "cultura de horas extras" do traba-lhador brasileiro. "Temos 32 milhões de pes-soas com jornada de trabalho acima de44 horas semanais. Pelos meus cálculos, essasjornadas extras equivalem a 4,5 milhões deempregos que não são gerados", explica. Opresidente do Ipea conclui que há uma má di-visão do tempo de trabalho. "Tem alguns quetrabalham muito, jornadas em torno de 70 a80 horas por semana. E outros com jornadazero, desempregados. É preciso uma regula-ção pública que dê um controle adequado pa-ra essa discrepância", salienta o economista.

Desemprego vs Crescimento

Pochmann acha que houve avanços sociaisa partir da Constituição de 1988, mas adverteque o País está atualmente longe do modeloidealizado, principalmente por causa dos bai-xos índices de crescimento econômico, que ge-ram desemprego em massa. "O País está hojecom quase 19 milhões de desempregados –que representam cerca de 20% da PopulaçãoEconomicamente Ativa (PEA)." Para ele, a

questão se torna mais ampla ao se constatarque os ocupados brasileiros representam emtorno de 3,5% da PEA mundial. "Logo, repre-sentamos quase 6% do desemprego do mun-do", calcula o presidente do Ipea.

Para o economista, algumas questões pre-cisam ser consideradas para se entender oatual período recessivo. Em primeiro lugar,o País não registra crescimento econômicosignificativo há mais de um quarto de sécu-lo. "Até 1980, havia um crescimento de 6% a7% por ano. Nos últimos seis anos, passamosa conviver com um crescimento anual me-díocre, abaixo de 3%. E, sem esse crescimen-to, não tem milagre, porque ainda somos umpaís em construção", lamenta o economista."São apagões simultâneos, tudo é resultadoda ausência de investimentos."

Sem educação, sem trabalho

Prosseguindo com seu raciocínio sobre es-cassez de empregos, Pochmann toca fundona ferida mais profunda do País: a precarie-dade da educação. Para poucas vagas demercado, estão sendo formados profissio-nais mal preparados ou até mesmo sem estu-dos. Em relação à falta de escolas para a po-pulação jovem, o economista cita o exemplodo Chile, onde 85% de seus adolescentes de15 a 17 anos estudam no ensino médio, en-quanto o Brasil apenas um terço dessa faixaetária está em salas de aula. "E sem escolas,não há retorno futuro. Para seguirmos oexemplo chileno, precisaríamos incorporar5 milhões de jovens – que representam 50 milsalas de aula e 500 mil professores a mais.Não existe orçamento para isso e, portanto,não haverá essa inclusão no mercado", pon-dera o presidente do Ipea.

Para o jovem indeciso sobre seu estudo parauma carreira, Pochmann aconselha, em pri-meiro lugar, que ele lute por uma educação pa-ra a vida, utilitarista, e não pensar necessaria-mente no mercado de trabalho atual, em pro-cesso de mutação. "Não adianta se prepararpara uma situação que hoje está relativamentefavorável e amanhã muda de sentido. É funda-mental que o jovem considere a educação co-mo um elemento-chave de sua cidadania, umaopção de vida", filosofa o economista.

"Em segundo lugar, o jovem deve compre-ender que os problemas que estamos viven-do hoje, no caso do desemprego ou da faltade oportunidades, não são de ordem indivi-dual. Temos de olhar nossos problemas pre-sentes como uma decorrência de decisões to-

43JULHO/AGOSTO 2007 DIGESTO ECONÔMICO

madas no passado que, de certa maneira,não são de responsabilidade do próprio de-sempregado", acrescenta.

Para ter uma idéia da dimensão do proble-ma da preparação desses jovens candidatosao mercado de trabalho, ele lembra que setrata da quinta maior juventude do mundo,com 35 milhões de brasileiros na faixa etáriade 15 a 24 anos de idade. "Somente a metadedesses jovens, 17,5 milhões, estudam. E des-tes, quase dois terços estão atrasados no en-sino. E toda vez que a gente perde alguém naescola é muito mais difícil de recuperar",afirma o economista, ao lembrar tambémque 6 milhões de jovens brasileiros não estu-dam e nem trabalham.

"Quem estiver concluindo o ensino médio,ingressando na universidade, deve reconhe-cer isso como um privilégio." Na questão deestágio dos que estudam, ele cita também a au-sência de condições adequadas para se podertrabalhar e estudar. "Falar de estágio é algo a seconsiderar nesse País. Basta constatar que umjovem que trabalha oito horas por dia, devecumprir mais quatro horas de freqüência esco-lar, além de duas a três horas de deslocamentodiário. Estamos falando de um jovem subme-tido a 16 horas de atividade por dia, o que é

muito difícil de se obter um bom resultadonessas condições", lamenta.

Sem crescimento econômico

Pochmann disse que um passo fundamen-tal foi a reforma social, a partir da Constituiçãode 88, que propôs uma série de avanços. "Se oBrasil tivesse crescido uma média de 5 a 6%dos anos 80 aos dias de hoje, poderíamos ter amesma carga tributária dos anos 80, de 22% doPIB, e não 35%, 36% atuais. E o recurso mani-pulado pelo governo seria três vezes maior doque é hoje. Evidentemente daria para susten-tar a Previdência e um plano social muito maisavantajado do que temos hoje", diz. Seguindoesse raciocínio, o economista conclui que tal si-tuação sonhada manteria pensões justas aosaposentados e, consequentemente, um merca-do de trabalho com mais empregos, além dejornadas menores e mais justas para quemrealmente necessitasse trabalhar.

Reestatização?

Apesar de sua análise global, apartidária,Pochmann deixa escapar alguns vestígiosideológicos, ao atacar as políticas "neo-libe-

O País está hoje comquase 19 milhões dedesempregados – quejuntos representam cercade 20% da PopulaçãoEconomicamente Ativa(PEA). A questão se tornamais ampla se colocadano âmbito internacional:representamos quase6% do desempregono mundo.

Paulo Pampolin/Digna Imagem

44 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2007

Em uma entrevista exclusiva para a revis-ta Digesto Econômico, o economistaMarcio Pochmann fala sobre como o

Brasil deve enfrentar o desemprego, o futurodo trabalho, investimento em qualificação eflexibilização do trabalho. Acompanhe.

Digesto Econômico - Como o senhor vê o futurodo mercado de trabalho no Brasil nos próximosanos?

Marcio Pochmann: O mercado de trabalhoé algo determinado pela forma como o Brasilse coloca na divisão internacional de trabalho.Somos um país em construção, falta muitacoisa aqui. Temos, do ponto de vista técnico,melhores condições de enfrentar as mazelasdo desemprego do que os países desenvolvi-dos – porque são países que já têm tudo pra-ticamente. Imagine um plano habitacional degrandes proporções. Segundo os especialis-tas, temos um déficit de sete milhões de mo-radias. Logo, um programa habitacional abri-ria muitos empregos, principalmente parapessoas de baixa escolaridade.

DE - Então há esperança de um futuro melhor?MP - Por ser um país em construção, o Brasil

tem melhores condições de enfrentar o proble-ma do desemprego. Agora, isso é uma possi-bilidade técnica, não necessariamente política.Essa possibilidade política precisa ser cons-truída em nome de uma convergência diferen-te da que temos hoje.

DE - O senhor mostra uma visão semelhante a doativista norte-americano Jeremy Rifkin, quealertou, em sua obra O Fim dos Empregos, paraum caminho inverso ao que o mundo tecnológicoproporcionaria ao trabalhador moderno. Ao invésda lógica de redução de jornadas de trabalho emais tempo de lazer para as pessoas, osempregos de fábrica estão acabando sem uma

Desafiosa seremenfrentados

rais" dos governos passados que, segundo ele,ajudaram a enfraquecer a força de trabalho noPaís, principalmente a partir do processo deprivatização, que ocasionou "a perda de 500mil empregos nas estatais". Para o professor daUnicamp, há hoje um déficit de mão-de-obrano setor público, que necessita ser reposto,mesmo após a constatação de inoperância ouincompetência de alguns gestores, como no re-cente caso da Anac (Agência Nacional deAviação Civil).

Sobre esse caso específico, das trapalhadasdo setor aéreo, ele diz ser "fundamental tergente com capacidade técnica, se queremos fa-zer uma sociedade com um mínimo de plane-jamento." E acrescenta: "Precisamos realmen-te ter uma valorização do ponto de vista do se-tor público. Não tenho dúvida que é necessá-rio recuperar a capacidade de intervenção doEstado. E isso passa necessariamente por pes-soas que tenham condições, com preparaçãopara o setor público."

O economista nega que defenda uma rees-tatização pura e simples, como pregam algu-mas teses mais retrógradas de socialismo . E re-chaça o execrável "cabidão" de empregos."Quando ocorrem esses problemas (Anac), fi-ca a visão de que o governo está inchado, commuitos funcionários públicos – o que não éverdade. Em 1980, o Brasil tinha 12% do totalde ocupados como funcionários públicos. Em2005, eles representam menos de 8% da popu-lação ocupada. O País perdeu 2,5 milhões defuncionários públicos nos últimos 25 anos",defende Pochmann.

O presidente do Ipea acrescenta que, nos Es-tados Unidos, quase 18% dos empregos são dosetor público, e que esse número chega a 25%nos países europeus. "Até nos países escandi-navos, exemplos de democracia social e com-petição econômica, 40% dos ocupados sãofuncionários públicos", completa.

Pochmann acredita que o problema do fun-cionalismo público não é o perigo do inchaçoda máquina estatal, mas sim a falta de gente ca-pacitada para fazer o processo de licitação. "OPAC (Programa de Aceleração do Crescimen-to), que é importantíssimo para organizar aconvergência de investimentos, tem grandedificuldade de comprometer o recurso porcausa do processo licitatório. Essa é uma rea-lidade que está plugada à baixa capacitação e àreduzida quantidade de funcionários paraoperar. É nosso desafio atual pois nunca, comohoje, a capacidade de planejamento foi tãofundamental em respeito à reorganização doPaís", analisa.

O Brasiltem melhorescondições deenfrentar odesemprego

Exporta-semão-de-obraqualificada, com2,5 milhões forado País. (...)Estamos constru-indo um país piorque o de hoje.

45JULHO/AGOSTO 2007 DIGESTO ECONÔMICO

contrapartida benéfica, como a ocupação noterceiro setor. Trabalhadores do mundo inteironão conseguem controlar seu tempo e trabalhambem mais. Afinal o que deu errado na lógicatecnológica de um futuro melhor para todos?

MP - Não acredito que estejamos condena-dos ao determinismo tecnológico. Inclusivenos países desenvolvidos, o desemprego é im-portante, mas não vem crescendo como o pró-prio Rifkin vem chamando atenção, sobre umdesemprego estrutural, com mais pessoas de-sempregadas. Percebe-se hoje que o desem-prego é um fenômeno dos países pobres. OBrasil tem mais desempregados que os Esta-dos Unidos – um país mais populoso do que onosso. Eu pergunto: onde está hoje o desem-prego no mundo? Nos países pobres, AméricaLatina, África e parte da Ásia. A Europa temdesemprego, mas a taxa atual não é maior doque foi nos anos 80, nos anos 90.

DE - O senhor cita que temos um grande númerode doutores no País, mas a maior parte está emsalas de aula e não em projetos dedesenvolvimento. Essa é uma das áreassubestimadas? A tecnologia ajudou odesenvolvimento da Índia, da China...

MP - Sim, e também da Coréia, da Irlanda...A tecnologia dá uma oportunidade de se darum salto de qualidade. Acho que esse é o cami-nho para o Brasil. Ou seja, o Brasil tem escolhas,como outros países. Tem oportunidades.

DE - Qual o grau de importância da corrupçãonesses desvios de focos e de escolhas certas?

MP - A corrupção é questão de ordem estru-tural. Ela se tornou mais visível justamente pelatransparência que a democracia opera. Em umgoverno autoritário, a corrupção existe, mas nãoa conhecemos do ponto de vista público. Não meparece ser esse o elemento que constrange as me-lhores opções que poderiam ser feitas.

DE - Está faltando então foco de investimento nosetor produtivo, na qualificação, nos segmentosque deveriam ser incentivados? No própriogoverno, o senhor diz que falta investimento paracriar oportunidades à mão-de-obra qualificada.

MP - Certamente. Uma parte importante doorçamento é executado hoje por Estados e mu-nicípios. Com a Constituição de 88, tentamosuma descentralização do gasto com saúde eassistência social. Começamos a olhar os mu-nicípios brasileiros e ver quais têm capacidadede gestão. Precisamos realmente ter uma valo-

rização do ponto de vista do setor público.

DE - O trabalhador assalariado, de carteiraassinada, está fadado a deixar de existir?

MP - O PJ (trabalhador como pessoa jurídi-ca) representa ainda muito pouco para o índicetotal de ocupação. Pode ser um sentido de on-de vão evoluir as relações de trabalho. Por essarazão, particularmente defendo uma reformatrabalhista inclusiva, que vislumbre todas asformas de ocupação que temos hoje. Não é jus-tificativa que somente os assalariados tenhama CLT, como proteção que garanta férias, 13ºsalário. Por que os 37% dos ocupados hoje, quenão são assalariados, não têm praticamentenada? Deve haver um ponto de vista mais am-plo, uma vez que para as empresas é funda-mental que haja uma regulação pública.

DE - Por que?MP - Quandonãotemosisso,porexemplona

questão do álcool, há condições isonômicas nãocompetitivas. Uma empresa que contrata al-guém com trabalho assalariado, está submetidaa um determinado custo, que uma outra empre-sa que venha a funcionar porventura só com es-tagiários não têm. Então isso gera uma compe-tição desigual, a regulação pública é necessáriapara isso. Assim, a competição será em funçãoda inovação, da reorganização do trabalho, comrelação aos fornecedores.

Paulo Pampolin/Digna Imagem

MarcioPochmanné professor do

Instituto deEconomia (IE) epesquisador do

Centro de EstudosSindicais e deEconomia do

Trabalho (CESIT)da Universidade

Estadual deCampinas

(UNICAMP).Foi eleito

recentementepresidente do

Ipea - Instituto dePesquisa

EconômicaAplicada.

50 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2007

Liberdadedeassociaçãosindical

Logo após o encerramento da SegundaGuerra Mundial, em 1945, além de me-didas destinadas à recuperação de re-giões devastadas pelo conflito, como a

criação do Banco Internacional de Reconstru-ção e Desenvolvimento – BIRD e do FundoMonetário Internacional – FMI, cuidaram ospaíses aliados de eliminar o que restara dadoutrina nazi-fascista.

As assembléias anuais da OIT, tradicional-mente convocadas para se reunirem em Gene-bra, haviam sido temporariamente transferi-das para os Estados Unidos da América. Emjunho de 1948, no decorrer da 30ª reunião rea-lizada em São Francisco, atendendo à solicita-ção formulada pela Organização das NaçõesUnidas – ONU, a OIT aprovou a Convenção nº87 sobre a liberdade sindical e proteção do di-reito de sindicalização, destinada a impedir odomínio exclusivo de associações sindicais detrabalhadores e empregadores por regimes di-tatoriais, pelo crime organizado, pela corrup-ção e partidos políticos.

O núcleo da Convenção nº 87 localiza-se nosartigos 2 e 3, os quais determinam, respectiva-

J. Freitas/Agência Senado

51JULHO/AGOSTO 2007 DIGESTO ECONÔMICO

mente, que "Os trabalhadores e os empregado-res, sem distinção e sem autorização prévia, têmo direito de constituir as organizações que jul-guem convenientes, assim como o de se filiarema essas organizações, sob a única condição derespeitarem os respectivos estatutos", e que "Asorganizações de trabalhadores e de empregado-res têm o direito de redigir seus estatutos e regu-lamentos administrativos, o de eleger livremen-te os representantes, o de organizar sua adminis-tração e suas atividades, e de formular seu pro-grama de ação. As autoridades públicas deverãoabster-se de toda intervenção que procure limi-tar este direito ou impedir seus exercício legal".

O primeiro país a ratificar a Convenção foi oReino Unido, em junho de 1949. Seguiram-seNoruega e Suécia, no mesmo ano; Finlândia,Holanda, México, Islândia, Áustria, em 1950;Paquistão, Dinamarca, França, Bélgica, Gua-temala e Cuba, em 1951. A Itália em 1958. Por-tugal e Espanha, depois de redemocratizados,em 1977. Atualmente, 147 dos 180 países filia-dos à Organização aderiram à Convenção 87.Os últimos a adotarem essa salutar providên-cia foram Armênia, em 2 de janeiro de 2006, ElSalvador, em 6 de setembro, e Vanuatu, ilha de12.189 km², com 186 mil habitantes, localizadana Polinésia, em 28 de agosto do mesmo ano.

Entre os poucos países que não a adotam,quatro têm destaque mundial: Estados Unidosda América, China, Índia e Brasil. O caso norte-americano explica-se pelo fato de a União nãointerferir na prerrogativa assegurada aos Esta-dos, pela Constituição de 1787, de aprovaremlegislações próprias. A liberdade sindical é,contudo, preservada, e as relações individuaisde trabalho são disciplinadas em contratos co-letivos periodicamente renovados. As situa-ções chinesa e indiana são atípicas, pois perma-neceram séculos à margem do desenvolvimen-to, presos ao passado e vítimas de regimes to-talitários e somente há pouco descobriram arota do crescimento econômico. Participandoda minoria, lembro, além dos quatro menciona-dos, Guiné-Bissau, Quênia, Afeganistão, Qatar,República Islâmica do Irã e Venezuela.

A posição do Brasil na OIT é injustificável evexatória. Passaram-se 58 anos desde a remes-sa, pelo presidente Gaspar Dutra, da Mensa-gem 256, de 1949, em que solicitava ao Con-gresso Nacional a autorização para ratificar aConvenção nº 87, e até agora o Poder Legisla-tivo não se decidiu. Como disse o senadorEduardo Dutra, no parecer que ofereceu à Co-missão de Constituição, Justiça e Cidadania,na sessão do dia 11 de dezembro de 2002, oCongresso permanece "dividido entre o cons-

trangimento de rejeitá-la por inconstituciona-lidade, cedendo a pressões de entidades cons-tituídas sob a égide do modelo corporativista,e as cobranças internas e externas pela adoçãode uma das diretrizes fundamentais da Orga-nização Internacional do Trabalho".

Não há como desconhecer que a estruturasindical conserva traços característicos e in-confundíveis do corporativismo-fascista, queos redatores da Carta Constitucional de 1937 eos autores da Consolidação das Leis do Traba-lho foram buscar na desaparecida Carta delLavoro da Itália de Mussolini. Representaçãoexclusiva de categoria profissional ou econô-mica e pagamentos obrigatórios de associadose não associados, são privilégios incompatí-veis com o Estado democrático de direito, quetem, como pressupostos essenciais, a autono-mia de organização e liberdade de associaçãocivil, sindical, partidária e religiosa.

Os adversários da Convenção nº 87 acusam-na de estimular a pluralidade sindical. Não éverdade. Pluralidade ou pulverização é o quehoje temos, conforme demonstram dados doMinistério do Trabalho e Emprego. A Conven-ção assegura autonomia de organização aostrabalhadores e empregadores perante o Esta-do. A eles caberá decidir se possuirão entidadesdiversas, à semelhança das centrais sindicais,ou se optarão por número mínimo de sindica-tos legítimos e representativos, como acontece,por exemplo, na Alemanha, onde são ao todoonze. A Convenção garante, também, que nãoserão impostas contribuições compulsórias. Asentidades passarão a depender de pagamentosvoluntários, e representarão os associados, como desaparecimento da artificial divisão em ca-tegorias profissionais e econômicas pré-estabe-lecidas, compartimentadas e estanques.

Exceção feita ao PT, que criou a CUT comobraço sindical, os partidos políticos não se ocu-pam, salvo esporádica e superficialmente, dosproblemas atinentes às relações de trabalho.Após conquistar o poder, o PT esqueceu-se doscompromissos de campanha, abandonou apromessa da criação de 10 milhões de empre-gos e partiu para medidas assistencialistas,que tentam esconder a miséria.

Em meio a partidos à procura de programasde ação e de perfil doutrinário, aquele que sou-ber apresentar, com objetividade e clareza,proposta de reforma sindical, fundada na ra-tificação da Convenção 87, e de modernizaçãodas leis trabalhistas baseada no respeito aoscontratos individuais e coletivos, certamenteterá chance de angariar o apoio da população eser bem-sucedido nas eleições de 2010.

AlmirPazzianottoPintoé advogado, foiMinistro do Trabalhoe presidente doTribunal Superiordo Trabalho.

Ichiro Guerra/Folha Imagem

Exceção feita ao PT,que criou a CUTcomo braçosindical, ospartidos políticosnão se ocupam,salvo esporádicae superficialmente,dos problemasatinentesàs relações detrabalho.

52 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2007

MetamorfosePor Fernando Porto

Masao Goto Filho/e-SIM

O chamado Novo Sindicalismo no Brasil está comseus dias contados? À primeira vista, uma aná-lise do atual cenário mundial comprova quesim. Pelo menos em seu formato tradicional, da

massa assalariada em grandes corporações, liderada por sin-dicatos influentes e de grande adesão.

Essa fase sindicalista, que teve seu auge nas décadas de 70 e80, está em queda vertiginosa desde o final do século 20 até iní-cio deste século, como aponta o estudo mais recente do econo-mista e professor da Unicamp e do Instituto de Economia (IE),Marcio Pochmann. A pesquisa foi encomendada pelo Sinde-epres (Sindicato dos Empregados em Empresas de Prestaçãode Serviços a Terceiros) e baseada a partir do cruzamento dedados da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Poch-mann avaliou a trajetória de longo prazo da sindicalização noBrasil, durante os 100 anos da institucionalização das relaçõestrabalhistas (da década de 1900 a 2000).

A pesquisa não mostra apenas a retração da taxa de sindi-calização brasileira de 17,8% entre 1992 e 2002 – a maior entre12 países analisados –, mas revela também a emergente trans-mutação do perfil sindicalista para um novo modelo híbrido,no qual impera o associativismo do inevitável trabalho ter-ceirizado, assim como outras formas de contratação – coope-rativas e autônomos etc. Em uma visão mais sintetizada, oemprego terceirizado tende a ganhar maior espaço no totalde empregos formais.

No outro extremo, os sindicatos de empregados de carteiraassinada se esvaziaram de filiações diante da queda no nível dasocupações e remunerações. "Nesse contexto desfavorável àatuação sindical, percebe-se que a recuperação da sindicaliza-ção, a partir de 1999, já não mais parece ocorrer na base tradicio-nal do novo sindicalismo", analisa Pochmann. Ele lembra que onovo sindicalismo se iniciou no Brasil na década de 50, mas teveseu auge entre os anos 70 e 80, em pleno regime militar. "Até ofinal dos anos 80, somente três países tiveram efervescência sin-dical, porque foi um movimento tardio: a África do Sul com Nel-son Mandela, o Brasil, com Lula, e a Polônia, com Lech Walesa.No final dos anos 80, houve um esgotamento do processo porcausa da privatização, com o comprometimento de 500 mil em-pregos, além de fortes políticas anti-sindicais", avalia.

Outra constatação importante é que um declínio maior dosindicalismo brasileiro do século 21 foi evitado por havermaior filiação de mulheres e de trabalhadores ocupados ematividades rurais. "No caso das mulheres, a sindicalização po-de estar associada ao maior crescimento do emprego femini-no, especialmente nas atividades terciárias. Em relação aocampo, talvez tenha importância redobrada a política de apoioà agricultura familiar", acredita o economista.

Se em âmbito nacional não há expansão do sindicalismo, oregionalismo é ainda dominado pelo Estado de São Pauloque, entre 1993 e 2006, teve a quantidade de trabalhadoressindicalizados multiplicada por 9,6 vezes. Ressalva-se que abaixa histórica na taxa de sindicalização do emprego formalnão significou inexistência de recuperação na última década.Entre 1999 e 2005, constatou-se uma elevação de 14% no nú-mero de brasileiros empregados sindicalizados – 4,2 milhõesa mais de filiados para um contingente de 13,7 milhões depessoas ocupadas.

É um alento, mas longe do ideal, já que os 17,8% na taxa, en-tre 1992 e 2002, colocaram o País em último lugar entre os 12países pesquisados, abaixo de Japão (-14,6%) e Coréia do Sul (-9,6%). No sentido inverso, Cingapura foi o país que registrou amaior elevação na taxa de sindicalização (77%), seguida deChina (29,8%) e Turquia (20,8%) e Noruega (13,8%).

53JULHO/AGOSTO 2007 DIGESTO ECONÔMICO

Perfil em transformação

O economista lembra que a taxa atual de sindicalização(18,4%) não chega a dois terços do final da década de 80, períodode prosperidade econômica. Entre as oscilações, o sindicalismovai mudando seu perfil a cada ano. Pochmann acredita que nãoforam apenas as mudanças na economia mundial que impac-taram no movimento, mas também as políticas recessivas dosúltimos governos. "Ademais desses eventos desfavoráveis àação sindical, transcorreu também a implementação de políti-cas governamentais anti-labor sobre o novo sindicalismo."

Mais especificamente no cenário nacional, o economista atri-bui essa mudança ao avanço da privatização do setor produtivoestatal e da terceirização no interior do setor público, principal-mente no período de 1992 e 2002 – fatores que, segundo ele, ter-minaram por abalar uma das bases da sindicalização dos ocu-

pados no País". Já no setor privado, exemplifica, a estabilidadeno emprego dos envolvidos em ações sindicais passou a serameaçada diante do enxugamento da grande empresa e da ex-pansão dos micro e pequenos negócios. Aliado a esses fatores,cresceu o movimento de internacionalização de parcela signi-ficativa das atividades produtivas – estatais e privadas.

Serviços em evolução

Enquanto a sindicalização do trabalho na indústria entrouem declínio (11,6% de decréscimo entre 1999 e 2004), o setor ter-ciário apresentou um salto significativo, principalmente no se-tor de comércio e reparação (69,8%), na administração pública(1,6%), entre outros. "Apesar da boa participação do setor deserviços sindicalizado, com quase 70% dos postos de trabalho,está ainda aquém de outros países, como os Estados Unidos,

Estudo mostra que,mesmo com arecuperação dasindicalização nosúltimos anos, o setorno Brasil está bemabaixo do auge donovo sindicalismo dadécada de 70.

do sindicalismo nacional

Enquanto asindicalização dotrabalho na indústriacaiu 11,6% de 1999 a2004, o setor terciárioapresentou um salto,principalmente nosetor de comércio ereparação (69,8%).

54 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2007

onde o terciário chega a 85% dos sindicalizados", ressalva.Para Pochmann, vários fatores contribuíram para o quadro

de declínio da sindicalização nas grandes metrópoles: o fortecrescimento do desemprego, as novas formas de gestão damão-de-obra pelas empresas, o deslocamento geográfico deempresas, a perda de importância relativa no emprego da in-dústria e o avanço da terceirização.

Apesar disso, as entidades sindicais voltaram a recuperar par-cialmente a taxa de sindicalização a partir do começo da década de

2000. Entre 1999 e 2005, por exemplo, a taxa geral no Brasil cresceu14,3%. "Isso permite considerar, entre outros aspectos já mencio-nados, que a força dos associados não mais se sustenta no que ou-trora se fundamentou como sendo novo sindicalismo", observa.

Força no campo

Enquanto a sindicalização dos trabalhadores urbanos se re-cuperou timidamente em 2005 (3,1% maior que em 1999), o sin-

55JULHO/AGOSTO 2007 DIGESTO ECONÔMICO

dicalismo rural ganhou espaço – especificamente no segmentoagrícola – com a proporção de um sindicalizado para cada qua-tro postos ocupados. A taxa de sincalização no campo saltoude 13,9% em 1995 para 24,7% em 2005.

Terceirizados e sindicalizados

O estudo focou também a relação dos trabalhadores tercei-rizados de São Paulo com os sindicatos. No período entre 1993e 2006, houve redução no número de empregados terceiriza-dos – de 155 mil para 148,5 mil. Entretanto, Pochmann observa

que, nos últimos três anos, cerca de 27 mil trabalhadores se sin-dicalizam anualmente no Sindeepres e, no ano passado, a en-tidade constatou que um em cada três trabalhadores terceiri-zados era sindicalizado.

No País, os terceirizados sindicalizados representam 19% dototal, enquanto o Estado de São Paulo é responsável por quase32% desse segmento. "O terceirizado tem permitido constituiras bases de uma nova fase de atuação no sindicalismo brasilei-ro", explica Pochmann. "Mas falta estabilidade nesse setor, por-que a taxa de rotatividade fica acima de 80%. De cada dez tra-balhadores, oito mudam de emprego", conclui.

HélioZylberstajnEconomista eprofessor daFaculdade deEconomia eAdministraçãoda USP

Este artigo faz parte do estudo "Simplificando o Brasil: Propostas de Reforma na RelaçãoEconômica do Governo com o Setor Privado" patrocinado pela Fecomércio

1. AS IMPERFEIÇÕES DO MERCADO DETRABALHO

Há basicamente duas visões opos-tas sobre o mercado de trabalho.Uma delas, defendida por mui-tos empresários, argumenta que

o mercado deveria ser "livre" e desregulado.Para seus defensores mais extremados, nãodeveria haver legislação trabalhista nem sin-dicatos. Os salários deveriam ser determina-dos diretamente pelo jogo da oferta e da de-manda de trabalho. Decorre desta visão aidéia da "flexibilização" das regras trabalhis-

tas e, mais recentemente, a proposta da pre-valência do negociado sobre o legislado. De-corre também desta visão a idéia de que ex-cessos de regulamentação no mercado de tra-balho inibem a criação de empregos.

A outra visão defende uma posição exata-mente oposta: deve sim haver muita proteçãoao trabalhador na forma de direitos garanti-dos em lei e também na forma de fortaleci-mento dos sindicatos. Para seus defensores,sem intervenção, o mercado de trabalho é fa-vorável à demanda (ou seja, às empresas). Otrabalhador precisa ser protegido da explora-ção inerente ao jogo do mercado. Nesta visão,o emprego depende muito mais do nível de

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atividade econômica do que do custo do tra-balho. Sendo assim, a regulação do mercadode trabalho não tem maiores implicações so-bre o nível de emprego.

Talvez seja uma forma simplista de colocaro debate, mas, em linhas gerais, estes são osdois argumentos extremos. E é dentro destedebate que se insere a discussão da ReformaTrabalhista no Brasil.

Neste trabalho é defendida uma idéia eqüi-distante das duas posições extremas. O argu-mento é simples: o mercado de trabalho pre-cisa de regulação, porque não é perfeito. Mas,a regulação deve ser inteligente e criativa, pa-ra que o mercado possa funcionar e sinalizarcorretamente para os agentes econômicos.

Quando se diz que o mercado de trabalhonão é perfeito, remete-se à existência de pelomenos quatro imperfeições em qualquer

mercado de trabalho, que são: (a) assime-trias de informação; (b) tendência à compe-tição predatória da mão-de-obra; (c) insufi-ciência de representação coletiva dos inte-resses dos trabalhadores; e (d) tributação. Astrês primeiras surgem do próprio funciona-mento do mercado, enquanto a quarta, a tri-butação, decorre da intervenção governa-mental ao tributar o trabalho.

Nos itens seguintes mostra-se a manifesta-ção concreta dessas imperfeições e indica-secomo o Brasil tem tentado corrigi-las.

1.1 ASSIMETRIAS INFORMACIONAIS

Um dos pressupostos para o funciona-mento de qualquer mercado é a "livre infor-mação", ou seja, os agentes que participamdo mercado precisam ter acesso completo à

O mercado detrabalho precisa

de regulação,porque não é

perfeito. Mas, aregulação deveser inteligente e

criativa.

lações trabalhistas

62 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2007

informação sobre os preços e as condiçõesdas trocas, a custo zero. Este pressuposto énecessário para garantir que as decisões dosagentes econômicos sejam tomadas com co-nhecimento completo das condições do mer-cado e conduzam cada agente a maximizarseus benefícios. Trata-se de um pressupostomuito forte, que evidentemente não ocorreem nenhum mercado. O fato de o pressupos-to da informação completa não se verificarimplica que os mercados operam aquém doseu ponto ótimo. No caso do mercado de tra-balho, nem os trabalhadores conhecem todasas ofertas de vagas, nem as empresas conhe-cem todos os candidatos a emprego. Para re-duzir essa deficiência, os governos criam ser-viços de emprego, que têm a finalidade de fa-cilitar os processos de busca de emprego e deprocura de candidatos.

Mas a assimetria informacional não se limi-ta à fase anterior à contratação. Pelo contrário,continua mesmo depois que a empresa já con-tratou o novo empregado. Quando o empre-gado começa a trabalhar na empresa, esta ain-da desconhece seu verdadeiro potencial, oupara ficar na linguagem econômica, a empresanão conhece a verdadeira produtividade dotrabalhador. E este vai resistir e dificultar que aempresa conheça sua verdadeira produtivi-dade, para não ser exigido no seu limite de es-forço. A empresa precisa de algum tempo paraconhecer seu novo colaborador. Por sua vez, onovo empregado não conhece a empresa ondeestá começando a trabalhar e também precisade algum tempo para saber se vai se adaptar aonovo ambiente. Para mitigar essa deficiênciainformacional, os sistemas de regulação pre-vêem o assim chamado período de experiên-cia, durante o qual algumas normas e exigên-cias são relaxadas. Por exemplo, tanto a em-presa quanto o trabalhador podem desfazer ovínculo sem incorrer em custos de rescisão: noBrasil, o contrato de experiência pode se esten-der por até 90 dias.

A assimetria informacional prossegue mes-mo depois do período de experiência. Quandoo vínculo de emprego se torna permanente,persiste uma incerteza: o trabalhador nuncasabe se ou quando vai ser demitido. A empresatambém não sabe se o trabalhador vai deixar oemprego e trocar de empregador. Evidente-mente, em geral essa nova assimetria é muitomais ameaçadora para o trabalhador do quepara a empresa. Por essa razão, os sistemas deregulação tendem a restringir o poder da em-presa na demissão, ou então tendem a imporcustos para a demissão. A regulação da demis-

são é talvez a questão mais delicada da regu-lação do mercado de trabalho. Se as restriçõesforem muito severas, podem afetar até a deci-são de investir. Se não houver nenhuma restri-ção à demissão, o mercado de trabalho pode setornar muito conflituoso. Nos dois casos, o ní-vel de atividade e a produtividade são negati-vamente afetados.

Em muitos países, as empresas não po-dem demitir, a não ser que justifiquem a de-missão. Curiosamente, o Brasil é um país ex-tremamente liberal na regulação da demis-são. As empresas brasileiras são livres parademitir, mesmo sem uma justa causa. A de-missão sem justa causa implica, porém, emdois tipos de indenização: (a) o aviso préviode 30 dias, e (b) a multa do FGTS. O aviso pré-vio pode ser cumprido, mas as empresas bra-sileiras preferem indenizar o funcionário, ouseja, preferem pagar um salário e antecipar ademissão em um mês. A multa do FGTS cor-responde a 50% do valor acumulado dos de-pósitos feitos na conta do empregado duran-te a existência do respectivo vínculo de em-prego. A cada mês, a empresa deposita oequivalente a 8,5% do salário na conta vincu-lada do empregado no FGTS. Ao demiti-lo,vai pagar uma multa equivalente 4,25% decada salário pago ao mesmo empregado. Es-sa multa é, portanto, proporcional ao valordo salário e à duração do vínculo. Quantomaior o salário e quanto mais antigo o víncu-lo, tanto maior o valor da multa. Cada ano devínculo implica em uma multa de 51% do sa-lário na demissão (desconsiderando os de-pósitos referentes ao décimo terceiro salá-rio). Se a iniciativa da demissão for do em-pregado, não há multa para a empresa. Se ademissão ocorrer durante o período de expe-riência, a empresa não precisa dar o avisoprévio nem pagar a multa do FGTS.

Muitos empresários se queixam do custo dademissão no Brasil. Eles gostariam de conti-nuar a ter a liberdade de demitir e de não terque pagar as duas indenizações. Afinal, a de-missão é cara ou é barata no Brasil? Como esteaspecto é polêmico, vale a pena analisá-lo commais detalhe.

Para examinar a questão, imagine-se umaempresa que contrata um empregado porum salário igual a 100 e o demite depois decinco anos. A indenização total será a somade um salário de aviso prévio e 2,55 saláriosreferentes à multa do FGTS. No total, a em-presa terá que desembolsar 3,55 salários pa-ra demitir. Se esta empresa tivesse contrata-do cinco empregados sucessivamente e cada

Em muitos países, asempresas não podemdemitir, a não ser quejustifiquem a demissão.Curiosamente, o Brasil éum país extremamenteliberal na regulação dademissão. As empresasbrasileiras são livrespara demitir, mesmo semjusta causa.

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um deles tivesse permanecido no empregodurante um ano, ela teria que desembolsar1,51 salários em cada demissão, totalizando7,55 salários. Se contratasse sucessivamente10 empregados e cada um permanecesse seismeses no emprego, teria que fazer dez de-missões ao custo de 1,255 salários cada vez,totalizando 12,55 salários.

O exemplo hipotético mostra que a legisla-ção brasileira penaliza as empresas que demi-tem com freqüência. Curiosamente, se fossepossível para a empresa reter seus emprega-dos apenas durante 90 dias, as 20 sucessivasdemissões não custariam nada, pois estariamocorrendo ao final dos respectivos períodos deexperiência. Este exemplo hipotético está re-presentado na tabela 1.

Diversas são as mensagens desse exemplohipotético. Primeiro, a legislação brasileiraproduz incentivos na direção desejada, poisaumenta o custo da demissão para empresasque demitem com freqüência. Admitindo-seque as grandes empresas retêm seus emprega-dos por mais tempo e as menores por menostempo, a conclusão é que o custo das demis-sões é maior nas pequenas empresas. Prova-velmente os empresários que mais se queixamdo custo da demissão são os pequenos. É issomesmo que o mercado de trabalho precisa?

Há algumas empresas que precisam queseus empregados fiquem muito tempo, por-que o aprendizado das funções assim exige.Para estas empresas, a legislação produz umincentivo, pois quanto mais tempo o empre-gado ficar, menor o custo relativo do avisoprévio. Em outras empresas, o aprendizado érápido, e nestes casos, a permanência da mão-de-obra não é uma necessidade importante.Elas podem reter a mão-de-obra e podem nãoreter, sem que isso signifique alguma vanta-gem ou desvantagem no seu mercado. Paraestas empresas, a legislação também está pro-duzindo incentivos na direção correta, poisas incentiva a reter para reduzir os custos das

demissões. Mas existem alguns casos em quea duração do vínculo é curta e isso independeda vontade das empresas, pois é uma carac-terística da própria atividade. Exemplos típi-cos são: agricultura e construção civil. A legis-lação brasileira não leva em conta as diferen-ças entre atividades e impõe a mesma regrapara todas as empresas. Esse defeito precisa-ria ser corrigido.

Quando um trabalhador é demitido, podeficar desempregado. O desemprego afeta nãoapenas o indivíduo privadamente, mas tam-bém é um custo social. Desempregados nãoproduzem e deixam de contribuir para a socie-dade. Por essa razão são impostos custos e res-trições para empresas que demitem. Além dis-so, o Estado procura proteger o desemprega-do, amenizando os efeitos do desemprego. Is-so é feito por meio de apoio à procura de novoemprego, de programas de reciclagem e trei-namento profissional e principalmente pormeio de programas de manutenção da renda, ochamado Seguro-Desemprego.

Na ótica do Seguro-Desemprego, o eventodesemprego é um risco e precisa ser "segura-do". Uma vez desempregado, o trabalhadorrecebe uma renda durante certo número demeses. A renda assegurada guarda algumaproporção com o salário do trabalhadorquando estava empregado. O custo do "si-nistro" depende de duas coisas: do salário dotrabalhador e da probabilidade de ficar de-sempregado. O "prêmio de seguro" é umaproporção da folha de pagamento da empre-sa. Empresas com taxas pequenas de rotati-vidade pagam "prêmios" menores; empre-sas com taxas grandes pagam "prêmios"maiores. Esta é a lógica do Seguro-Desem-prego em todo o mundo. No Brasil, porém, alógica não é seguida: o Seguro-Desempregono Brasil é financiado por um imposto, o PIS-PASEP, que até recentemente incidia sobre ofaturamento. Hoje incide sobre o valor adi-cionado nas empresas industriais, mas con-

O desempregoafeta não apenaso indivíduoprivadamente,mas também é umcusto social.Desempregados nãoproduzem e deixamde contribuir paraa sociedade.

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tinua incidindo sobre o faturamento nas em-presas prestadoras de serviços. Portanto, oBrasil é um caso raro em que o Seguro-De-semprego é financiado por um tributo quenão tem nada a ver com o risco que o segurocobre. Empresas que demitem com freqüên-cia pagam a mesma taxa de empresas que ra-ramente demitem.

Enfim, a questão da demissão é delicada esua regulação deve ser feita com muito cui-dado. Haveria muito a aperfeiçoar nestaárea no Brasil.

1.2 TENDÊNCIA À COMPETIÇÃOPREDATÓRIA

Para reduzir custos, as empresas tendem adepreciar os preços dos insumos e dos fatoresde produção, quando os respectivos mercadospermitem. Quando a empresa tem mais podereconômico do que seu fornecedor de insumosou de fatores, tentará impor preços e condi-ções vantajosos para ela, em detrimento dosinteresses do seu fornecedor.

Isso é particularmente verdadeiro para ofator trabalho. O trabalhador individual temmenos poder que a empresa e é por essa razãoque algumas normas regulando as condiçõesde trabalho são necessárias. Exemplos dasnormas mais comuns são: legislação sobre asegurança e a saúde nos locais de trabalho; li-mitações para a jornada de trabalho e impo-sição de adicionais para horas extraordiná-rias e para regimes de trabalho contínuo e/ounoturno; limitações e/ou proibição de traba-lho infantil e juvenil; proteção especial ao tra-balho da mulher etc. Na ausência dessa legis-lação, a competição criaria condições de tra-balho degradantes. O mercado criaria o queos economistas chamam de "externalidadesnegativas". As empresas operariam com cus-tos reduzidos, transferindo para a sociedadeos custos criados com a exploração excessivada força de trabalho. Um fenômeno seme-lhante ocorre com as questões ambientais: senão houver regulação, as empresas destrui-riam e/ou poluiriam o meio ambiente. A re-gulação ambiental, assim como a regulaçãotrabalhista, tenta privatizar os custos da ati-vidade econômica.

Assim como a regulação é necessária e so-cialmente desejável para evitar a tendência àcompetição predatória, é também inegávelque é muito difícil calibrar com exatidão atéonde deve ir uma regulação. O exemplo maisclaro para este ponto é o do Salário Mínimo.Quando fixado em níveis abaixo do ponto de

equilíbrio do mercado, torna-se inócuo, pois asempresas já pagam mais. Quando fixado emníveis acima do ponto de equilíbrio, produzdesemprego. No Brasil estamos numa situa-ção muito curiosa. De um lado, a legislação tra-balhista é extensa, detalhada e generosa. Deoutro lado, o Salário Mínimo é muito pequeno.Para completar, o alcance da regulação do mer-cado de trabalho é muito pequeno, pois nadamenos que 60% dos trabalhadores estão nochamado mercado informal. Há muito a aper-feiçoar nesta área da regulação.

1.3 INSUFICIÊNCIA DAREPRESENTAÇÃO COLETIVA DOSTRABALHADORES

Além de direitos individuais básicos, a le-gislação costuma oferecer outro recurso para aproteção dos trabalhadores: a representaçãocoletiva expressa no direito de organizar sin-dicatos e de negociar coletivamente com asempresas. Nos países onde é reconhecida eprotegida, a representação coletiva de interes-ses produz dois tipos de resultados. Um deles éa regulação por meio da negociação coletiva.Este resultado é muito interessante, pois tendea produzir regras mais flexíveis que a legisla-ção. Ninguém melhor que trabalhadores e em-presas para construir soluções para seus pró-prios problemas. Uma lei nunca pode desceraos detalhes da realidade de cada local de tra-balho e de cada tipo de situação.

O outro resultado interessante é que a re-presentação coletiva, quando reconhecida nopróprio local de trabalho, produz mecanis-mos autônomos e negociados de administra-ção de conflitos e solução de impasses. O for-mato desses mecanismos varia de país parapaís e varia até mesmo segundo o tipo de ati-vidade. O importante é que a representaçãocoletiva coloca a empresa e os seus trabalha-dores em contacto permanente, e essa relaçãocontínua acaba produzindo uma ética na ati-tude recíproca. Os problemas são encaradoscom responsabilidade e reconhecimento departe a parte e a qualidade da relação de tra-balho se aprimora.

No Brasil, infelizmente, ainda não se atin-giu este estágio. A legislação sindical brasilei-ra, extremamente atrasada, cristalizou inte-resses das burocracias sem representativida-de, extremamente dependentes da continui-dade do atual modelo. Os sindicatos sãoúnicos nas suas respectivas bases territoriais.Recebem receitas compulsoriamente recolhi-das do conjunto de trabalhadores, cujos inte-

65JULHO/AGOSTO 2007 DIGESTO ECONÔMICO

resses supostamente deveriam representar.O resultado é um incentivo à criação de sin-dicatos, mas não à representação coletiva dosinteresses. A atual tentativa do governo deproduzir uma proposta de reforma sindicalmostra como será difícil desalojar os interes-ses das burocracias sindicais e substituí-laspor organizações mais legítimas. Mas é pre-ciso avançar nesta área, porque a negociaçãocoletiva pode ser uma fonte muito interessan-te de regulação do mercado de trabalho. Paraisso, porém, é preciso que os interesses sejamrepresentados legitimamente e os sindicatosatuais são incapazes dessa tarefa.

A legítima representação coletiva dos in-teresses dos trabalhadores e dos emprega-dores é desejável e necessária. Pode contri-buir para aprimorar as instituições do mer-cado de trabalho, desde que os sindicatos se-jam realmente representativos. Para tanto, épreciso que seja apoiada pela regulamenta-ção. A representação coletiva é uma espéciede bem público. Quando uma empresa ne-gocia um aumento salarial com um sindica-to, não pode aplicar o aumento apenas para

os empregados que são filiados ao sindicato.Para manter a coesão interna, o aumento ob-tido pelo sindicato precisa ser estendido a to-dos os empregados, mesmo para os que nãosão filiados. Se os que não são filiados conse-guissem o benefício da representação coleti-va sem ter que pagar por isso, haveria um in-centivo ao "caronismo". É uma situação mui-to parecida com os bens públicos produzi-dos pelo Estado, como a segurança pública ea justiça. Se os cidadãos não forem compeli-dos a pagar os impostos, tentarão pegar "ca-rona" e se beneficiar sem pagar. Por essa ra-zão, a idéia de compelir os trabalhadores acontribuírem para os sindicatos é defensá-vel, desde que a maioria dos trabalhadoresqueira ser representada por sindicatos. Essamanifestação de vontade coletiva deveriaser garantida e até incentivada pela regula-ção. A obrigatoriedade de pagar pelos servi-ços prestados pelos sindicatos seria conse-qüência dessa manifestação.

A representação coletiva dos interesses dostrabalhadores deveria ter os seguintes elemen-tos: (a) liberdade de manifestação da vontade

A legítimarepresentação

coletiva dosinteresses dos

trabalhadores edos empregadores

é desejável enecessária.

66 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2007

para os trabalhadores poderem se manifestarse desejam ou não ter um sindicato; (b) garan-tia do direito de ser representado e de negociarcoletivamente; (c) garantia do direito de al-gum tipo de representação no local de traba-lho. Estes três pontos parecem simples e até ba-nais, mas para transformá-los em lei, o Brasilprecisaria alterar sua Constituição e revogarmuitos dispositivos legais. O processo políticonecessário para promover estas mudançasnão é uma manobra trivial. Feitas as mudançasaqui sugeridas, o país poderia finalmente ra-tificar a Convenção 87 da OIT. O Brasil é umdos poucos países do mundo que não ratificouesta que é considerada por muitos como a maisimportante das Convenções da OIT.

Um subproduto dessa mudança seria aemergência de sistemas de solução de confli-tos dentro das empresas e/ou de conjuntos deempresas, que tornariam a Justiça do Trabalhosimplesmente desnecessária. A corte traba-lhista poderia ser incorporada à Justiça Co-mum, aumentando a capacidade da sociedadede solucionar seus conflitos. Os conflitos tra-balhistas teriam mecanismos próprios e avan-çados para serem tratados e a Justiça Comumpoderia aumentar sua capacidade pratica-mente sem custo adicional.

1.4 TRIBUTAÇÃO

O Brasil tributa excessivamente o trabalho.De cada R$ 100 de custo do trabalho para a em-presa, o trabalhador leva para casa apenas R$65,30. O resto vai para o governo, na forma dediversos impostos e principalmente de contri-buições. A tributação sobre a folha de saláriosrepresenta um adicional no custo do trabalho

de 53%. Nestes cálculos não está incluído o Im-posto sobre a Renda, que incide a partir de R$1.058. Também não estão incluídos outros en-cargos compulsórios, como Vale Transporte, ebenefícios não compulsórios, como cesta bási-ca e seguro saúde.

Se é verdade que os salários no Brasil sãobaixos, não é menos verdade que a existênciade tantos encargos sobre a folha comprime pa-ra baixo os salários nominais.

Segundo, é preciso reconhecer que não éapenas a tributação que causa a informalida-de. Entre 1992 e 2003, a carga tributária noBrasil aumentou de 23% para 36% do PIB. Se ainformalidade no mercado de trabalho fossecausada exclusivamente pela tributação, de-veria ter havido um aumento apreciável naproporção de empregos informais. No entan-to, neste período, a estrutura do emprego –vista segundo a posição na ocupação – per-maneceu praticamente a mesma. Conside-rando-se como empregos formais apenas osque são ocupados por assalariados com car-teira assinada e por funcionários públicos,conclui-se que o número de trabalhadores in-formais aumentou em termos absolutos, maso tamanho do setor informal como proporçãodo mercado total de trabalho permaneceu omesmo. Isso significa que a tributação não ésuficiente para explicar a informalidade. De-ve haver outras causas associadas a este fenô-meno perverso e estas causas também preci-sam ser atacadas. Acesso à tecnologia, tama-nho da operação, e principalmente dificulda-des institucionais e burocráticas devem teruma relação muito direta e importante com ainformalidade. Provavelmente não bastasimplificar a regulação e reduzir impostos so-

O Brasil tributaexcessivamente otrabalho. De cadaR$ 100 de custo dotrabalho para aempresa, o trabalhadorleva para casa apenasR$ 65,30. O resto vaipara o governo, naforma de diversosimpostos eprincipalmente decontribuições.

67JULHO/AGOSTO 2007 DIGESTO ECONÔMICO

bre o trabalho e o capital: é preciso simplificaras exigências legais sobre as empresas parareduzir a informalidade do trabalho.

2. PROPOSTAS PARA A REFORMATRABALHISTA

Do que foi exposto, talvez o mais importan-te seja a idéia de que desregular completamen-te o mercado de trabalho seria um engano.Não há nenhum país ocidental onde o merca-do de trabalho seja desregulado, simplesmen-te porque ele é imperfeito e precisa de algumaintervenção para ser corrigido.

Há três fontes de regulação: a lei, a negocia-ção e a auto-regulação (quando a própria em-presa estabelece algumas regras). No Brasil, aregulação pela lei é exagerada e a negociaçãocoletiva é pouco explorada. A direção da refor-ma trabalhista deve ser, portanto, a de reduzira legislação e aumentar o espaço da negocia-ção. A legislação teria que ser não apenas re-duzida, mas precisaria ter como objetivo criaros incentivos nas direções mais desejáveis. Aseguir está apresentada a lista de sugestões pa-ra compor uma reforma trabalhista:

(a) Eliminar todos os impostos e contribui-ções sobre a folha de salário, deixando apenaso Imposto sobre a Renda com uma única alí-quota sobre todos os rendimentos.

(b) Manter o FGTS transformando-o em Se-guro-Desemprego e Fundo de Aposentadoriacapitalizado. O FGTS seria estendido para osfuncionários públicos e constituiria uma pou-

pança individual de cada trabalhador. Have-ria apenas duas situações em que o trabalha-dor poderia sacar: desemprego e aposentado-ria. No desemprego, o trabalhador poderia sa-car até seis parcelas mensais, cada umalimitada a 5/6 da RPC (renda per capita). Naaposentadoria, o montante acumulado setransformaria em um pecúlio, cujo valor men-sal seria determinado em função da expectati-va de vida do depositante e do cônjuge.

(c) Garantir a representação coletiva de in-teresses dos trabalhadores. Para tanto, serianecessário garantir a manifestação da vontadede ser representado por um sindicato. Em cadaempresa poderia haver uma espécie de plebis-cito periódico para aferir a vontade dos traba-lhadores. Os sindicatos teriam direito de fazersuas campanhas em todas as empresas. Se amaioria dos trabalhadores quisesse ser repre-sentada por sindicatos, a empresa não poderiaimpedir e teria que negociar com tantos sindi-catos quantos os trabalhadores desejassem. Ossindicatos escolhidos poderiam cobrar taxasde todos os trabalhadores cobertos pelas nego-ciações das quais participassem. Os sindicatosatuais perderiam a exclusividade e teriam quecompetir pela preferência dos trabalhadores.

(d) Substituir a extensa legislação de direi-tos individuais por uma lista enxuta de direi-tos básicos. Estes direitos básicos teriam comoobjetivo evitar a imperfeição que aqui se deno-minou de "tendência à competição predatóriano mercado de trabalho". Incluiriam limites àextensão da jornada, segurança e saúde no lo-cal de trabalho, proteção à mulher e ao menor,

68 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2007

proibição de discriminação e de trabalho in-fantil, e salário mínimo.

(e) Regras para a demissão. Além dos direi-tos básicos, haveria regras para regular a ques-tão da demissão. Estas regras procurariam re-duzir as imperfeições causadas pelo que aquise denominou "assimetria informacional". Asempresas poderiam optar pelo conjunto de re-gras mais conveniente para o seu negócio.

2.1 OFERECER OPÇÕES PARA DEMITIR

Um estratégia criativa e democrática para areforma trabalhista seria a de oferecer às em-presas opções – regulamentadas - para a de-missão de funcionários.

O mercado de trabalho está longe de serum espaço homogêneo. Quer do ponto devista da demanda (as empresas), quer doponto de vista da oferta (os trabalhadores),há uma variedade muito grande de situa-ções. Há microempresas, há empresas pe-quenas, médias e grandes. Há empresas queusam tecnologias intensivas em capital e de-mandam trabalhadores muito qualificados.Há empresas que usam ainda basicamentetrabalho de pouca qualificação. Há empresaspré-fordistas, empresas fordistas, empresas"lean production", e empresas virtuais. Há aagricultura, a construção civil, a indústria, ocomércio e os serviços. Há trabalhadores detodos os tipos: jovens, maduros e idosos, ho-mens e mulheres, analfabetos e pós-gradua-dos. Apesar de tanta heterogeneidade, a le-gislação trabalhista brasileira é uma só. Amaioria dos dispositivos da CLT e das de-mais leis trabalhistas se aplica indistinta-mente a todas as situações. As situações con-cretas são muito heterogêneas, mas as regrassão sempre as mesmas. Isso cria dificuldadese ineficiências, pois não há flexibilidade naaplicação das regras.

Para reformar a legislação trabalhista, é pre-ciso levar em conta essa questão. Não é o casode simplificar toda a legislação. Mas tambémnão é o caso de deixá-la como está, exagerada-mente detalhista e impossível de ser cumpridaem muitas situações. Por essas razões, propõe-se a seguinte estratégia para reformar a legis-lação trabalhista:

- Direitos básicos: em qualquer situação, osdireitos básicos dos trabalhadores estariamassegurados (jornada, salário mínimo, saúde esegurança no ambiente de trabalho, proibiçãode discriminação, proteção à mulher e à crian-ça, salário mínimo).

- Representação coletiva de interesses: em

todas as relações de emprego, os trabalhado-res teriam assegurados o direito à representa-ção dos seus interesses coletivos, a partir dopróprio local de trabalho.

- Trabalhadores auto-suficientes: Há traba-lhadores que, em função de sua situação nomercado, prescindem da proteção da lei e tam-bém prescindem da defesa coletiva de seus in-teresses. Fazem parte deste grupo, entre ou-tros, os executivos e gerentes de alto nível, osartistas e esportistas mais famosos, assim co-mo os trabalhadores altamente qualificadosem geral. Estes trabalhadores ocupam umaposição privilegiada no mercado de trabalho epodem abrir mão da proteção excessiva daCLT. Eles talvez prefiram negociar as condi-ções de trabalho diretamente com a empresa.As empresas poderiam escolher essa possibi-lidade mas, neste caso, teriam que escolhertambém uma das outras regras de demissãopara os demais trabalhadores. Nas empresasque assim escolhessem, a relação com um tra-balhador auto-suficiente seria considerada co-mo um contrato comercial, não sendo regula-do pela legislação trabalhista.

- Regras de demissão. Para os trabalhado-res que não podem ser considerados comoauto-suficientes, a empresa teria que esco-lher a regra que regularia a demissão. Essa es-tratégia (criar opções regulamentadas para ademissão) teria muitas vantagens. Primeirocriaria uma correspondência entre a regula-mentação e a situação concreta do mercadode trabalho, pois reconheceria a heterogenei-dade das situações e abriria espaços paraabrigar todas elas. Segundo, não abandona-ria os trabalhadores menos capazes de defen-der seus interesses e de sobreviver com dig-nidade. Para estes, garantiria os direitos bá-sicos trabalhistas, fazendo-os equivaler a di-reitos humanos. Claro que essa lista dedireitos básicos não pode conter muitos itens,mas apenas os realmente essenciais. Terceiro,a estratégia reconhece que para alguns traba-lhadores a proteção legal não é necessária.Para outros, o direito coletivo é suficiente. Pa-ra muitos, o direito individual previsto em leié indispensável. Todas essas situações seriamcontempladas e legalizadas.

A estratégia mudaria o enfoque da atual le-gislação. Ao invés de obrigar todos a cumpriruma única legislação, ela criaria opções, incen-tivos e espaços para escolhas individuais e co-letivas. A atual CLT poderia até permanecercomo uma espécie de default. A empresa quenão fizesse nenhuma opção de regra de demis-são continuaria sendo regulada pela CLT. As

As situaçõesconcretas são muitoheterogêneas, masas regras sãosempre as mesmas.Isso cria dificuldadese ineficiência, poisnão há flexibilidadena aplicação dasregras.

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que não estão satisfeitas com o velho código dotrabalho poderiam optar por sair da CLT, ca-minhando de uma regulação que enfatiza osdireitos individuais para uma outra, que enfa-tiza o interesse coletivo e a eficiência.

Sugestões para algumas regras de demis-são - A reforma trabalhista poderia criar incen-tivos para a negociação entre trabalhadores eempresas. Essa escolha se justifica pelo fato deque ninguém melhor do que as próprias partessabe o que é melhor para elas. Mas não é sim-ples estabelecer uma relação de negociação e,conseqüentemente, é muito difícil que o livrejogo das forças de mercado produza os resul-tados mais eficientes no mercado de trabalho.A reforma trabalhista optaria então por um ca-minho que reduzisse o custo da negociação. Is-so significa de um lado, reduzir o custo da or-ganização dos trabalhadores e da representa-ção de seus interesses. De outro, significa abrirpara a empresa a possibilidade de chegar a umconjunto de regras diferentes do status quo, que

é o conjunto CLT-Justiça do Trabalho.A reforma trabalhista criaria então algu-

mas regras de demissão e as empresas pode-riam escolher aquela de sua preferência. Aoabandonar o status quo da CLT-Justiça do Tra-balho, a empresa pode ganhar flexibilidadedos direitos trabalhistas mas, ao mesmo tem-po, precisa aceitar a representação coletivados trabalhadores.

Nenhuma empresa seria obrigada a aban-donar o status quo. Mas ao escolher abandoná-lo, a empresa voluntariamente se comprome-teria a reconhecer a coletividade dos seus em-pregados e a legitimidade da representaçãocoletiva de seus interesses. Esse lado da refor-ma trabalhista reduziria em muito o custo daorganização coletiva dos interesses dos traba-lhadores e, dessa forma, aumentaria a "quan-tidade" desse bem público. Devida e legitima-mente representados, os trabalhadores pode-riam então negociar com a empresa, e a nego-ciação produziria resultados mais eficientes e

A reformatrabalhista

poderia criarincentivos

para anegociação

entretrabalhadores

e empresas.

Paulo Pampolin/Digna Imagem

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justos do que os produzidos no sistema atual.Essa estratégia tem uma outra qualidade

muito interessante e desejável. Como o statusquo é preservado e somente pode ser abando-nado voluntariamente, a reforma trabalhistareduziria as incertezas jurídicas, pois nin-guém seria forçado a renunciar aos atuais di-reitos. Para todas as regras de demissão va-leria um conjunto de direitos básicos, que de-finiriam limites para a extensão da jornadade trabalho, as normas de saúde e segurança,a proibição de discriminação, a proibição oulimitação ao trabalho de menores de idade,entre outros.

A seguir, uma sugestão preliminar de re-gras de demissão:

Opção 1: O status quo (CLT, Justiçado Trabalho)

Para a empresa que escolher esta regra, na-da muda. Valem todos os direitos e todas asobrigações estabelecidos na velha legisla-ção. Em particular, continuam a ser resolvi-dos apenas na Justiça do Trabalho os confli-tos e as reclamações. A demissão por justacausa continuaria válida e sujeita aos paga-mentos indenizatórios atuais. No que dizrespeito à representação dos interesses dostrabalhadores, continuaria a existir apenas osindicato da categoria, sem autorização paraatividades permanentes e presença concretano local de trabalho.

Opção 2: Empregados auto-suficientes

Algumas empresas gostariam que o contra-to de trabalho de seus gerentes, seus diretorese seus empregados de alta qualificação nãofosse regido pela CLT. Do ponto de vista so-cial, é realmente discutível se este grupo detrabalhadores precisa efetivamente da prote-ção tão detalhada e tão abrangente da CLT. Éaté discutível se a relação de trabalho destesprofissionais é semelhante à relação de traba-lho dos demais trabalhadores, que a CLT sepropõe proteger. Em suma, não haveria incon-veniente para a sociedade se este grupo de em-pregados tivesse regras e contratos próprios,sem regulação de espécie alguma, a não ser asujeição aos princípios básicos já menciona-dos. Eventuais conflitos resultantes dessescontratos poderiam ser resolvidos por media-ção, por arbitragem ou então por recurso à Jus-tiça Comum, já que tais contratos se asseme-lham a contratos comerciais.

Para escolher esta opção, haveria apenas

uma restrição: a empresa não poderia escolherpara os demais empregados a Opção 1, a dostatus quo. Teria que abandonar a situação atuale escolher mais uma opção, que se aplicaria aosdemais empregados.

Opção 3: Empregos de curta duração

Muitas empresas, devido a especificidadesda operação de seus mercados, contratam em-pregados para períodos curtos. Exemplos des-se tipo de empresas são as que operam nas ati-vidades da construção civil ou da agricultura.Na construção civil, os empregados são con-tratados para uma determinada fase da obraou então para uma determinada tarefa. Naagricultura, as atividades têm um acentuadocaráter sazonal. Em conseqüência, os empre-gos são caracteristicamente de curta duração.Nestas condições, não faz muito sentido enca-recer ou dificultar os desligamentos, pois asdemissões são inevitáveis, de qualquer manei-ra. Por outro lado, os trabalhadores precisamde alguma segurança. Os interesses das em-presas e dos trabalhadores podem ser contem-plados e conciliados por meio de um tipo devínculo entre os empregados e um coletivo deempresas. Um embrião desse arranjo já é pra-ticado no Brasil sob a denominação de consór-cio de empregadores.

As empresas que escolherem esta opção nãosão obrigadas a negociar garantias de empre-go, mas precisam reconhecer a representaçãocoletiva dos empregados e, além disso, devemnegociar com o sindicato dos empregados ummecanismo de recrutamento, treinamento ecredenciamento de mãode-obra. Dessa forma,a insegurança no emprego em uma empresaindividual se transforma em maior segurançade emprego na atividade como um todo. Ovínculo deixa de ser entre o empregado e a em-presa e se transforma em vínculo entre o em-pregado e o coletivo de empresas. O coletivode empresas é solidariamente responsável pe-lo "pool" de empregados. Ao terminar a tarefaem uma empresa, o empregado passa para ou-tra e assim sucessivamente.

Esta regra poderia ser aplicada numa outrasituação, particularmente importante: o em-prego de jovens. Seria um instrumento capazde facilitar a inserção de jovens no mercado detrabalho. Uma das causas do elevado desem-prego neste grupo de trabalhadores é a ten-dência à rotatividade nas primeiras experiên-cias profissionais. O jovem não se conhece enão conhece o mercado. O processo de apren-dizado somente pode ocorrer se o jovem "ex-

Algumas empresasgostariam que o contratode trabalho de seusgerentes, seus diretores eseus empregados de altaqualificação não fossemregido pela CLT. Doponto de vista social, érealmente discutível seeste grupo detrabalhadores precisaefetivamente daproteção tão detalhadae abrangente da CLT.

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perimentar" diferentes situações e diferentesempresas. Mas como a cada troca de empregoa CLT se aplica integralmente, as empresas sãodesestimuladas a empregá-lo. Empresas po-deriam formar consórcios especificamentevoltados para a contratação de jovens. Não in-correriam em custos de rescisão ao desligá-los,pois os jovens se encaminhariam para outraempresa do consórcio, e assim por diante, atése fixarem em um posto de trabalho.

Opção 4: Empregos contínuos

Empresas onde os vínculos de trabalho sãomais duradouros e de longo prazo podem es-colher essa opção, na qual a negociação de ga-rantias de emprego é obrigatória; para este ti-po de vínculo deixa de existir a demissão semjusta causa. As empresas que optarem por estearranjo têm a vantagem de poder abandonar aCLT e a Justiça do Trabalho; poderão negociarregras diferentes para suas relações trabalhis-tas e poderão resolver os conflitos de forma de-finitiva, sem o recurso à Justiça do Trabalho.Nesta opção, os trabalhadores trocariam aproteção de seus direitos individuais garanti-da pela CLT, pela proteção oferecida pela re-presentação coletiva do sindicato. A este fica-ria assegurada a presença no local de trabalho.Esta opção levaria à montagem de mecanis-mos próprios para solucionar conflitos. En-fim, nesta opção (assim como nas demais), háganhos para os dois lados e estes ganhos po-dem se constituir em incentivos para que a em-presa faça esta opção.

Opção 5: Pequenas e microempresas

O emprego nas micro e pequenas empresastambém é de longa duração. Mas estas empre-sas não dispõem de recursos técnicos para con-duzir a negociação com os sindicatos de traba-lhadores. Estes, por seu lado, não dispõem derecursos materiais suficientes para atender ostrabalhadores que representam e que traba-lham nestes estabelecimentos. São muitos esta-belecimentos e em cada um há poucos trabalha-dores. As micro e pequenas empresas podemescolher serem representadas pelo sindicatopatronal, que negociará regras diferentes dasprevistas na CLT, mas são obrigadas a negociara garantia de emprego, sendo reconhecida a de-missão sem justa acusa. Para esta opção, seriatambém obrigatório negociar a jornada de tra-balho, especialmente para as empresas comer-ciais, que precisam operar à noite e nos fins desemana. A obrigatoriedade da negociação da

jornada pode resultar em arranjos capazes deconciliar o interesse das empresas e dos traba-lhadores nesta questão.

Outras opções

Além destas cinco, poderiam ser criadas ou-tras opções de regras de demissão capazes deatender a situações específicas que ocorramcom alguma freqüência no mercado de traba-lho. O importante é que em cada opção secriem incentivos suficientes para que as partesfiquem melhor do que ficariam se permane-cessem no status quo. Exemplos de outras op-ções poderiam ser: regras específicas para em-presas estatais, regras para a administraçãopública, regras para atividades essenciais, eassim por diante.

2.2 RESULTADOS ESPERADOS

Ao oferecer às empresas opções de regras dedemissão, o governo transformaria a regula-mentação do mercado de trabalho que preva-leceu no Brasil até hoje. Ao invés de privilegiaros direitos individuais e relegar a representa-ção coletiva a segundo plano, a criação das op-ções inverteria essa ênfase, dando mais aten-ção à representação coletiva dos interesses dost r a b a l h a d o re s .

Outra alteração importante introduzidapor essa estratégia seria a de privilegiar a ne-gociação e não mais a legislação. A vantagemdessa mudança seria a de atender as especifi-cidades de situações concretas, ao invés deobrigar empresas e trabalhadores a obedecer auma legislação uniforme como a CLT, que de-ve se aplicar independentemente das situa-ções concretas do mercado.

Finalmente, a nova estratégia oferece a pos-sibilidade de solucionar os conflitos trabalhis-tas sem a intervenção da Justiça do Trabalho,tornando as relações de trabalho mais autôno-mas. A maior autonomia forçará as partes a as-sumirem atitudes mais responsáveis e conse-qüentes, desestimulando o oportunismo nasdisputas trabalhistas. Com essas qualidadespotenciais, a estratégia das opções poderia re-solver o dilema da escolha entre legislar e ne-gociar; adicionalmente, proporcionaria aostrabalhadores e às empresas regras mais efi-cientes e democráticas para governar suas re-lações. Naturalmente, tudo isso precisaria seracompanhado de uma reformulação da legis-lação sindical, que permita a liberdade de or-ganização, conforme preconizado na Conven-ção 87 da OIT.

A maiorautonomia forçaráas partes aassumirem atitudesmais responsáveis econseqüentes,desestimulando ooportunismo nasdisputastrabalhistas.

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Mov

imen

toA importância dotrabalho em rede

Milton Mansilha/LUZ

DEGRAU

Rogério AmatoSecretário Estadualda Assistência eDesenvolvimentoSocial - São Paulo

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Z

O Movimento Degrau - Desen-volvimento e Geração de Redesjá completou cinco anos de im-plantação na cidade e no Estado

de São Paulo. Com grande satisfação, pode-mos afirmar que ele tem sido um sucesso.

Constituído formalmente em 1º de dezembrode 2001 na capital paulista, o Degrau foi lançadono dia 21 de março de 2002. Muitos dos que pre-senciaram aquele acontecimento estão conven-cidos que naquela tarde deu-se um fato novo nanossa sociedade. Começou um trabalho de qua-lidade promissora, envolvendo os empreende-dores econômicos e os empreendedores sociais,ou seja: as empresas, que obviamente precisamdo lucro para prosseguir e prosperar, e as enti-dades assistenciais ou filantrópicas, que não têmfins lucrativos. Cada qual com a sua modalidadeespecífica de procedimento pode completar ecompletar-se com a visão e atuação do outro.

Não existe pai ou mãe de família, não existeempresário, não existe autoridade pública quenão se impressione com a penúria de perspecti-vas em que vive a nossa juventude. Quando um

adulto, um profissional perde um emprego, éclaro que ele passa por muitos problemas, masele ao menos tem uma identidade, condições decompetir por uma nova colocação, reconstituirsua vida. O adolescente e o jovem, ao contrário,têm contra si a inexperiência. E por isso, quasesempre, as portas lhes são fechadas. Eles procu-ram, mas dificilmente têm sua primeira chance.

Os empreendedores econômicos estão cadavez mais cônscios de que devem ser agentespositivos na busca de solução para o problemado desemprego e da qualificação profissionaldos jovens. Não podemos deixar tudo nasmãos do poder público.

Devemos ser exigentes com o poder públi-co, ele precisa ser fiscalizado. Ele subtrai vul-tosos recursos em forma de impostos exata-mente para promover o bem-estar da popula-ção e criar oportunidades. Ele é quem mais temos meios de formular uma política de forma-ção e emprego para a juventude. Mas sejamosrealistas, não estamos no primeiro mundo!

Os jovens são inexperientes, sem uma pro-fissão definida, muitos oriundos de famílias

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desestruturadas, daí precisarem de atenção especial. Essa éuma tarefa de todos, de toda a sociedade. Mas os empreende-dores econômicos têm uma responsabilidade especial na bus-ca de solução para esse problema.

Basta que nos recordemos de nossa própria história. Quan-tos de nós, que hoje somos empreendedores bem-sucedidos,não começamos a vida profissional através de uma oportuni-dade que nos foi dada por um parente, um conhecido ou amigoda família? Quando essa oportunidade é negada, os caminhossão imprevisíveis. Sem querer dramatizar demais, podem res-valar até para a criminalidade.

Não queremos mais ver nossa juventude ser cooptada pelofantasma do quarto setor, que é o do crime organizado. Fantas-ma? Nem tanto assim: hoje ele tem nomes, sobrenomes, e se en-castelou solidamente em todos os âmbitos da vida nacional: noLegislativo, no Judiciário, no Executivo, no sistema produtivo eaté em ONGs e entidades filantrópicas.

O Movimento Degrau desde a sua criação desejou colaborarpara estancar essa sangria social.

Sabemos que o lugar das crianças é na família e na escola.Trabalho infantil é crime e deve ser combatido severamente.Mas os jovens, a partir de 14 anos, além do convívio familiar eda escola formal, já podem se in-serir no mundo dos valores do tra-balho. Trabalho adequado, com-patível com sua condição. Traba-lho consentido pela legislação.Trabalho que os faça amadurecerfísica e moralmente.

O Movimento Degrau consis-tiu, portanto, na união de três en-tidades (ACSP - Associação Co-mercial de São Paulo, FACESP -Federação das Associações Co-merciais do Estado de São Paulo eREBRAF - Rede Brasileira de En-tidades Assistenciais Filantrópicas), direcionando suas siner-gias para compartilhar conhecimentos e recursos em vista dainclusão social de adolescentes e jovens sobretudo em situaçãode risco pessoal ou social. A meta assumida por estas entida-des foi atrair 100.000 adolescentes e jovens para o mundo dosvalores do trabalho. Em três anos essa meta foi atingida

Mas, quem são esses aprendizes?

A Lei dos Aprendizes

Desde dezembro de 2000 existe a Lei Federal nº 10.097 co-nhecida como "Lei dos Aprendizes", que obriga a contrataçãode aprendizes pelas grandes empresas. Compete ao Ministé-rio do Trabalho fiscalizar o cumprimento da lei.

O Movimento Degrau, entretanto, estende a sua iniciativafazendo um convite às micro e pequenas empresas, que não es-tão obrigadas por lei, mas que têm deveres de cidadania, a con-tratar aprendizes e lhes dar a oportunidade que precisam para,se não se efetivarem na própria empresa, ao menos poder com-petir no mercado de trabalho em igualdade de condições.

Só a ACSP acolheu mais de cem aprendizes. Eles têm dado

uma resposta satisfatória à oportunidade que lhes oferecemos.Começaram a trabalhar, rapazes e moças, no dia 19 de março de2003, na sede e nas distritais. Não tivemos nenhum fato nega-tivo. Pelo contrário, depois destes anos de aprendizado, temoscerteza que estamos no caminho certo.

A legislação permite que as micro e pequenas empresas con-tratem um aprendiz. Imaginemos o benefício que pode advir àjuventude brasileira se cada micro e pequena empresa se dispusera contratar um jovem, com o compromisso de transmitir-lhe osvalores do trabalho! Para alguns, isso pode parecer muito sim-ples, até muito pequeno em face dos imensos problemas nacio-nais. De minha parte, estou cada vez mais convencido que as ver-dadeiras transformações se fazem sem estardalhaço. Elas depen-dem menos de figuras extraordinárias, e mais, muito mais, dascombinações de pessoas e grupos que trabalham juntas, que sai-bam trabalhar em rede, para além da competição, fazendo da co-operação a coluna central da cidade e do país de nossos sonhos.

Aprendemos uma lição com muita clareza: quando a socie-dade se organiza e o poder público não oferece barreiras in-transponíveis, os resultados são os melhores possíveis. No ca-so que apresentamos, o que vimos foram os empreendedoreseconômicos, ao lado dos empreendedores sociais, tornarem-se

não somente empregadores, tor-naram-se também educadores,transferindo para os mais jovensconhecimentos que aprenderamno mundo do trabalho, de umaexperiência advinda a partir dasprimeiras oportunidades quelhes foram oferecidas.

A Rede Social São Paulo

O Movimento Degrau tornou-se conhecido e despertou a atençãodos responsáveis pelas políticas

sociais do governo paulista. O poder público desejou tornar-separceiro dos empreendedores econômicos e sociais nessa lutapela inclusão. Através da SEADS - Secretaria Estadual da Assis-tência e Desenvolvimento Social, ampliou-se a rede de entidadesparticipantes (atualmente mais de 100). Para tanto, as 40 maioresFundações do Estado de São Paulo aderiram ao trabalho em redee ainda o ampliaram, sem ônus para o poder público, lançando-se com sua competência no diagnóstico dos principais proble-mas que afetam o mundo da infância e da juventude nos muni-cípios mais carentes do estado. Decidiu-se assim pela criação deum sistema de aprimoramento para a garantia dos direitos denossas crianças e jovens, já então com apoio das principais forçasvivas dos municípios. Esse é o desafio que estamos enfrentando,com todos os recursos disponíveis de cada entidade, procurandodar uma resposta realista e eficiente para provocar um salto qua-litativo na inclusão social. Podemos afirmar que a Rede SocialSão Paulo é excelente oportunidade para, com projetos criativose recursos bem aplicados, superar o improviso, o individualismoe o desperdício que caracterizam muitas sociedades subdesen-volvidas. Articulando governo, entidades sociais e iniciativa pri-vada, todos estão convocados para a ampliação dessa rede.

Aprendizes do Degrau, no quinto aniversário, comAlencar Burti, presidente da ACSP e Facesp.

Divulgação

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História do trabalho

Reprodução

A história mundial do trabalho só começa com o sur-gimento do trabalho livre, remunerado, na EuropaOcidental, na passagem da Alta para a Baixa IdadeMédia, diz o juiz Gerson Lacerda Pistori, juiz titular

do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, com sede emCampinas e que abrange todo o Estado de São Paulo, com ex-ceção da capital e da Baixada Santista. Pistori é autor do livroHistória do direito do trabalho – um breve olhar sobre a IdadeMédia, recém-lançado pela LTr.

Podemos presumir que antes, com a escravidão e a servi-dão, o que havia era a pré-história do trabalho. Antes aindadisso, nas primeiras comunidades humanas, havia o trabalhode caça e coleta, e depois as primeiras aldeias agrícolas, em queo trabalho e os produtos do trabalho eram compartilhados en-

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tre todos os habitantes. Esse trabalho era livre, mas não remu-nerado. Na medida em que se foram organizando federaçõesde aldeias, para fins de evitar conflitos referentes à irrigação e aataques de aldeias vizinhas, foi surgindo o Estado, na forma dereinos ou impérios, arrecadando impostos para em troca ad-ministrar e proteger os habitantes.

Na maior parte do mundo, o Estado, na figura do rei ou doimperador, era o proprietário de tudo, outorgando a posse deterras e de empresas nas cidades a verdadeiros funcionários pú-blicos, que tinham de produzir segundo cotas estabelecidas pe-las autoridades, as quais arrecadavam parte da produção. Só ha-via escravos domésticos, no Exército e na construção civil, masos pequenos produtores agrícolas e grandes comerciantes nãoeram livres, pois tinham de cumprir as cotas, em particular ascotas destinadas aos tributos ao Estado, e só um pequeno exce-dente circulava pelo mercado.

No Ocidente, no entanto, em Grécia e Roma, surgiram aspropriedades privadas baseadas na escravidão agrícola, cujaprodução era na sua maior parte destinada à subsistência e aoluxo dos senhores e suas famílias e agregados, com apenas umpequeno excedente destinado ao limitado mercado de então.Em todo o mundo, o trabalho praticamente não tinha história,pois o desenvolvimento tecnológico era lento e as formas decontrapartida, a garantia da posse na maior parte do mundo, ea garantia de abrigo, roupas e alimentação para os escravos, naGrécia e Roma, não mudavam. Na maior parte do mundo,ocorriam periodicamente revoltas dos pequenos produtoresquando os impostos aumentavam muito, e a revolta continua-

Newton Santos/Hype

Renato PompeuÉ jornalista e escritor,autor do romance-ensaio 'O mundocomo obra de artecriada pelo Brasil',Editora Casa Amarela.

A escravidão e a servidão podem serconsideradas a pré-história do trabalho.Em 1844, na Inglaterra, surgiram asprimeiras cooperativas de trabalhadoresno ramo de tecelagem. No início do séc. 20ocorrem as primeiras greves em massa.

Fotos: Reprodução

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va até que, com ou sem mudança dos governantes, os impostosbaixavam. No Ocidente greco-romano, houve revoltas de es-cravos, mas na melhor das hipóteses os escravos revoltosos vi-toriosos só conseguiam se tornar eles próprios senhores de es-cravos, mas a história do trabalho não mudava.

Com a dissolução do Império Romano Ocidental, a partir doséculo 5º, cidadãos romanos fugiram das cidades devastadaspara se estabelecerem como agricultores nos confins da Euro-pa Ocidental. Não podiam ser escravos, porque eram cida-dãos. Foi surgindo o feudalismo. Diz o juiz Pistori: "O homemnão é livre, mas não pertence a um senhor e sim à terra; devevassalagem ao senhor da terra, em troca de proteção militar. Aparentela do servo tem título de posse sobre a casa e uma por-ção de terra; trabalha durante a semana três dias para o senhor,três dias para si, e folga no domingo, além de nos feriados, demodo que não trabalha durante 150 dias ao ano"

Quanto às cidades na Europa Ocidental, foram esvaziadas,do século 5º ao 9º; seus poucos habitantes, os vilões, viviam aodeus-dará; trabalhavam como lavradores "soltos", ou como ar-tesãos, mas não recebiam pagamento em dinheiro e sim víverese outros bens. Só havia trabalho mais organizado nos mosteirose em seus arredores; a partir do século 9º os mosteiros lançamnovidades como o aperfeiçoamentodos vinhos e das castas de uva e osmoinhos que produziam cerveja emgrande quantidade.

Também desde o século 9º ocor-rem melhoras por causa das mu-danças do clima, contato com outrascivilizações, como a muçulmana –de onde chegam a ervilha, a lentilha,a cevada e outros cultivos; se inten-sificam a circulação de moeda e aconcentração de riquezas entre oscomerciantes das cidades.

Com dinheiro na mão, os merca-dores e a Igreja passam a construirprédios maiores, como igrejas (pas-sa-se da pequena igreja românicapara a grande igreja gótica), e surgenas cidades o trabalho livre, remu-nerado, para essa construção, e vãose desenvolvendo outras especiali-zações. Surgem as corporações decada ofício, em que o mestre, deten-tor dos conhecimentos artesanais,compra as matérias-primas, as en-trega para o trabalho dos oficiais, oucompanheiros, ou jornaleiros (querecebem por dia de trabalho), vendeas peças e paga os oficiais; havia ain-da os aprendizes, não remunerados,mas sustentados pelo mestre. Umoficial, que provasse num exame tera habilidade de mestre, podia serpromovido a mestre e iniciar o seupróprio negócio.

A partir do século 13, no entanto, os mestres passam a blo-quear a ascensão de oficiais que não fossem seus filhos ou pa-rentes, enquanto proíbem os oficiais de continuar na mesmacorporação por mais de dez anos. Por outro lado, os comer-ciantes são autônomos, mas tanto mestres como comerciantesenriquecem muito e se tornam verdadeiros burgueses, che-gando a arrendar extensas terras dos senhores feudais, man-tendo porém no campo as relações de servidão, que resistirãoaté os séculos 17 e 18.

Burguesia em ascensão

Nas cidades, porém, há mudanças. A partir do século 15, opredomínio dos burgueses, ou empresários, e as tentativas daIgreja de impor seu poder temporal, levam à retomada do Di-reito Romano, com sua contratualidade e leis por escrito. Sur-gem contratos entre as cidades e as corporações de ofício, comnormas sobre a qualidade e os preços dos produtos e termos deadesão dos membros. A burguesia se alia aos reis, os quais lan-çam éditos sobre a remuneração máxima dos oficiais.

Surgem em volta das cidades e das corporações de ofício bol-sões de mão-de-obra remunerada abaixo dos padrões das cor-

porações. Nesses bolsões prevalecemcondições semelhantes às atuais peri-ferias das grandes cidades, ou aosatuais "bóias frias". Esse "esquemacorporativo com periferia" se man-tém nas cidades até fins do século 17,na Inglaterra, e até a Revolução de1789, na França, quando então sãoproibidas as corporações e o associa-tivismo entre os trabalhadores, paraflexibilizar a contratação de mão-de-obra em massa necessária para a Re-volução Industrial. Ao mesmo tem-po, é abolida a servidão no campo,com a introdução das pequenas pro-priedades autônomas, com a maiorparte da produção para subsistência,e das propriedades empresariais comassalariados agrícolas, com a produ-ção destinada ao mercado. Nas colô-nias americanas, se estabelece a escra-vidão, mas, ao contrário da escravi-dão antiga, a quase totalidade da pro-dução visa o mercado e o lucro.

É que nesse período os empresá-rios das cidades foram obtendomais ganhos, inclusive dos lucroscoloniais, e tendo mais condiçõesde investir na utilização do traba-lho manual e na alteração das tec-nologias. O desenvolvimento datecnologia agrícola nas proprieda-des arrendadas pelos burgueses le-va ao êxodo rural, tornando dispo-nível mão-de-obra em massa para

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os empreendimentos nas cidades que já são industriais ecom máquinas, surgindo, pela primeira vez na história, odesemprego em massa.

Em 1780, na Inglaterra, um cidadão chamado Ludd, deses-perado com as condições de trabalho, que chegam à jornada de20 horas por dia, se põe a martelar as máquinas. Noinício do século 19, surgem "luddistas" em gran-de número, que destroem as máquinas a seualcance, com o fim de reduzir o desempre-go, pois sem máquinas haveria necessida-de de mais mão-de-obra. Uma lei ingle-sa de 1810 impõe a pena de morte nãosó para o luddismo, como também pa-ra o associativismo entre os trabalha-dores; na Inglaterra o associativismosó foi liberado e regulamentado em1868; na França, em 1884.

Para esse reconhecimento dos di-reitos dos trabalhadores contribuí-ram duas situações: de um lado, apreocupação dos próprios empresá-rios com a situação de seus emprega-dos, de outro lado a crescente mobiliza-ção dos operários, com greves de massa econflitos sangrentos, que culminou com afundação em 1864 da Associação Internacio-nal dos Trabalhadores, em que teve papel rele-vante o teórico comunista Karl Marx. Desde 1844,na Inglaterra, na localidade de Roch-dale, surgiram as primeiras cooperati-vas de trabalhadores, no ramo de tece-lagem. Em 1886, em Chicago, nos Es-tados Unidos, a partir de 1º de maio,houve manifestações para reduzir ajornada de trabalho de treze para oitohoras, e houve confrontos entre mani-festantes e policiais, com mortes emambos os lados. Alguns manifestantesforam julgados responsáveis pelosdistúrbios e condenados ao enforca-mento. Em 1889, a Associação Interna-cional dos Trabalhadores estabeleceuo 1° de maio como Dia Mundial dosTrabalhadores, e a data só não é reco-nhecida nos próprios Estados Unidos,onde só tem sido comemorada porimigrantes.

Diante do descontentamento dostrabalhadores, em 1890, na Alema-nha, surge a primeira conferência in-ternacional sobre Direito do Traba-lho; no ano seguinte, o papa Leão 13lança a encíclica Rerum Novarum,importante marco na instituição dasleis trabalhistas. Em 1890, tambémhavia surgido em Berna, na Suíça, aAssociação de Defesa do Trabalho,

origem remota da Organização Internacional do Trabalho,prevista no artigo 13 do Tratado de Versalhes em 1919, resul-tado da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Russa.

Nessa época, nos inícios do século 20, após greves de massa,muitas vezes com violência (a situação no comércio foi sempre

mais amena do que na indústria), surgem os moder-nos direitos trabalhistas em geral, como férias re-

muneradas, aposentadoria, assistência médi-ca, normalmente regulamentadas pelo Es-

tado, e a limitação das horas de trabalhoem particular – o juiz Pistori nota que já

em 1600, em Portugal e no Brasil, as Or-denações Filipinas limitavam a oitohoras as jornadas diárias nas fortale-zas e nas casas de pólvora; enquantonas Missões jesuíticas do Sul do Bra-sil o trabalho dos índios guaranis eralimitado a seis horas por dia.

Nos fins do século 20 surgem ten-dências para a flexibilização e a desre-gulamentação pelo Estado das condi-

ções de trabalho e para a sua regulaçãopelo mercado, por meio de contratos en-

tre as partes e de esquemas privados deprevidência, aposentadoria e assistência

médica. O emprego assalariado por tempoindeterminado é em grande parte substituído

por contratos de trabalho específicos, por tempodeterminado.

Também, na visão do juiz Pistori,ressurgem condições semelhantesao regime corporativo medieval,através do controle do trabalho nãomais só por relações hierárquicas en-tre empresários, gerentes e trabalha-dores, mas por equipes de trabalha-dores, regime introduzido pela em-presa japonesa Toyota. São os pró-prios trabalhadores que recebem emconjunto uma tarefa e decidem livre-mente como cumpri-la, responden-do cada um deles perante o seu pró-prio coletivo.

Ao mesmo tempo, surgem formasde trabalho domiciliar (com o com-putador) e em tempo parcial, exata-mente como as mulheres trabalha-vam na Idade Média, por não pode-rem ser integrantes das corporações.Do mesmo modo, finaliza o juiz Pis-tori, surge agora em volta dos aglo-merados urbanos de empregados re-gulares uma periferia de gente comcondições mais irregulares de empre-gabilidade, tal como acontecia na Ida-de Média, repetindo-se o "esquemacorporativo com periferia".

Fundada em 1864 a Associação Internacionaldos Trabalhadores, cuja principal figura eraKarl Marx. Em 1889 foi estabelecido o 1º demaio como Dia Mundial dos Trabalhadores.

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Um clássicode filosofiaeconômicabrasileirasobre otrabalho

Um clássicode filosofiaeconômicabrasileirasobre otrabalhoDomingos ZamagnaJornalista e professor de Filosofia

Arte sobre foto de Masao Goto Filho/e-SIM

Um clássicode filosofiaeconômicabrasileirasobre otrabalho

Neste ano comemoramos o 60ºaniversário do lançamento deum livro do ensaísta AlceuAmoroso Lima (Tristão de

Athayde), membro da Academia Brasileirade Letras desde 1935: A questão dot ra b a l h o . Rio de Janeiro: Agir, 1947. p. 287.

Tempo de transformações

Em 23 de dezembro de 1930, liderados porArmando de Sales Oliveira, um grupo depioneiros paulistas, na linha de seusantepassados bandeirantes, naturalmente deoutro estilo, lançou em São Paulo as bases doIdort - Instituto de Organização Racional doTrabalho. O instituto foi oficializado no anoseguinte e pode ser considerado um dosfrutos do choque social e psicológicorepresentado pela Revolução de 30. Essarevolução lançou o Brasil em cheio nosgrandes problemas universais do século 20.

Tratados de economia política dizem quea Convenção de Taubaté em 1906 foi oprimeiro fenômeno de dirigismo econômicodo século 20. Se a indústria cafeeiraconseguira superar a crise de transição dotrabalho escravo para o trabalho livre, agorapedia a proteção do Estado, mediante amanutenção dos preços altos. E o cafésustentava mais da metade da economianacional, garantidor da estabilidadematerial coletiva. Brasil próspero era opreço alto do café; o café de preço alto davaproteção a fazendeiros e industriais.

Além de ressudar as conseqüências docraque da Bolsa de Valores de Nova York(1929), a década de 30 começou com a

Foto reproduzidada capa do livro

"Um Itinerário noSéculo - Mudança,

disciplina e açãoem Alceu AmorosoLima", de Marcelo

Timótheo da Costa,editado pela

Edições Loyola.

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inesperada vitória das forças revolucionáriasdo Rio Grande do Sul, do Norte e de MinasGerais sobre São Paulo. Serviu, contudo, paradespertar o gigante paulista de suaspreocupações quase exclusivamentecafeeiras. Se houvesse questões sociais, ehavia, eram questão de polícia. São Paulosaiu da revolução marginalizado eultrapassado pelos acontecimentos. Aeconomia sobrepujou a política doliberalismo agrícola e dos bacharéis.

É verdade que a capital paulista foraagitada pela Semana de Arte Moderna de1922. Mas, apesar dos textos antiburguesesda "Paulicéia Desvairada" de Mário deAndrade, a revolução estética não surtiraainda efeitos sociais.

Foi exatamente em 1931 que AlceuAmoroso Lima esteve na capital paulista afim de pronunciar uma série de conferênciasno Teatro Municipal, depois reunidas novolume "O problema da burguesia" (1932).Encontrou a cidade mergulhada numaatmosfera sombria, angustiante e expectante,mas ao mesmo tempo convencida quechegara o time for change, para fazer umacomparação com os republicanos norte-americanos. E, de fato, Armando Salesentendeu que o Estado não podia ficar mais àmargem dos acontecimentos, razão pela qualfoi um dos articuladores da Frente ÚnicaPaulista que deflagrou a Revolução de 32.

A fundação do Idort trazia para o Brasilum movimento já em curso na Europa e nosEstados Unidos e consagrado, depois daguerra de 14, pelo setor social da Liga dasNações. Pena que tanto as massas quanto aselites sociais brasileiras deram poucaimportância à iniciativa, preferindo dedicaro melhor de suas atenções aos movimentosextremistas da Europa, o comunismo de1917 e o fascismo de 1921. De fato, foi entre1922 e 1932 que se fundaram no Brasil oPartido Comunista e a Ação Integralista,reflexos tropicais do espírito revolucionáriodo século 20.

Alceu Amoroso Lima apoioudecididamente o Idort convencido, aexemplo de Péguy, da inanidade dasrevoluções e dos golpes de violência.Questão de princípio: a absoluta necessidadede introduzir na relatividade cega dosacontecimentos históricos uma ordenaçãoracional à luz dos princípios da lei natural e,acima de tudo, da justiça e solidariedadecomo base do bem comum. O Idort foi, na suavisão, um movimento de racionalização do

trabalho, uma ponta de lança orientada nomelhor dos rumos. Desejava refugar tanto ademagogia improvisada como a rotinaconservadora; quis enveredar por umcaminho alternativo, sem o fulgor dasgrandes avenidas, que são sempre as darevolução ou da reação, mas que pudesse sera percuciente renovação de um status quo,sem se perder no vazio e nem afogar-se nosangue: o discreto revigoramento das raízes,o único que redunda em benefícios reais,profundos, orgânicos e não apenassuperficiais.

É sabido que Dr. Alceu, quando jovem,apreciava o integralismo e chegou a pensarem suicídio durante uma visita a Veneza.Mas, a partir de 1928, aos 35 anos de idade,converteu-se ao catolicismo e adotou umacorrente de pensamento progressista, fieldiscípulo de pensadores como Chesterton,Sertillanges, Jacques Maritain, LeonelFranca, Sebastien Tauzin. Foram estes que olevaram a conhecer profundamente opensamento de Tomás de Aquino e adoutrina social cristã, expressa pelo papaLeão XIII na encíclica Rerum Novarum, de1891, sobre a condição dos operários. Tornou-se, daí em diante, ardente defensor dasliberdades e do solidarismo, embora cioso desua condição laica, sem subserviência a quemquer que seja.

O problema do trabalho

Para o resto da vida, por mais de meioséculo, Alceu Amoroso Lima foi um paladinoda defesa dos valores do trabalho e dostrabalhadores. Estudou longamente aeconomia e a política, como se pode ver emsua obra "Introdução à economia moderna"(1930). Refletiu profundamente sobre osignificado de duas conflagrações mundiais eseu séqüito de calamitosas conseqüências.Quando, em 1947, publica o seu livro "Aquestão do trabalho", é um homem maduro,inclusive com 30 anos de contato estreito comoperários, por causa dos estudos naUniversidade do Brasil e no Centro DomVital, no Rio de Janeiro, e através doempreendedorismo da Ação Católica, dedimensões nacionais.

O momento era propício para que elepudesse começar a elaborar uma síntese. Asmortes violentas de Hitler e de Mussoliniapressaram o desmoronamento dos doisregimes típicos de extremismo de direita naAlemanha e na Itália. Getúlio Vargas já tinha

Para o resto davida, por mais de meioséculo, Alceu AmorosoLima foi um paladino dadefesa dos valores dotrabalho e dostrabalhadores (...)Quando, em 1947,publica o seu livro"A questão do trabalho",é um homem maduro,inclusive com 30 anos decontato estreito comoperários (...).

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Semana de ArteModerna de 1922:

a revolução estéticanão surtira ainda

efeitos sociais.Na foto,

"Operários", deTarsila do Amaral.

sido deposto. Havia, porém, uma ingenteobra a realizar, como dizia Joseph de Maistre(apesar de seu ultramontanismo: o maisdifícil não é matar os monstros, é remover osseus cadáveres. Restava ainda um outromonstro a ser removido, pois a UniãoSoviética vivia em plena era de stalinismo. Jácomeçava a dar mostras de decomposição,mas o processo demorou ainda quase meioséculo. Pairava sobre todos os pensadores ostemores e as incertezas acerca dos anosvindouros. Era preciso combinar realismocom ousadia. Ele o faz abordando o tema emtrês partes principais.

A primeira parte do livro analisa otrabalho como problema, aliás, o maiorproblema de nosso tempo; é umacontrovérsia entre dados esparsos e soluçõesdivergentes. Em torno da sua solução giramos destinos da nova fase da civilização que seabriu para a humanidade após as duasgrandes guerras. O resultado mais apreciáveldessa controvérsia foi o aparecimento deuma nova classe social, o proletariado, e umanova concepção geral da vida, o socialismo.Dr. Alceu não fez um julgamento de valor, fezuma apreciação de fato. O grande dadoconcreto do após-guerra foi a vitória doproletariado e do socialismo, comosucessores da burguesia e do liberalismo.Tudo passou a ser problemático, isto é,sujeito a revisão: discutível, instável,hipotético, confuso.

A pergunta passa a ser – e é do que trata asegunda parte do livro – como resolveradequadamente tal problema? Ora, não hásolução integralmente satisfatória para osproblemas, como os sociais, em que entracomo elemento essencial a liberdadehumana. A solução da questão do trabalhovai depender da solução do próprioproblema geral da vida e da colocação do serhumano no conjunto das forças existenciais.

A terceira parte do livro propõe umafilosofia-axiologia do trabalho,considerando-o como valor em si, suadignidade como realidade e não como mito,as contradições do trabalho como a servidãoe a escravidão, os princípios para a realizaçãodo trabalho livre e em comunidade, ideaiscaracterísticos, se bem que não exclusivos, dadoutrina social oriunda da Rerum Novarum:o sentido geral do trabalho, seu fim último,nos dá o segredo de uma civilização. Dr.Alceu não viu a realização desse ideal nacivilização primitiva (que deixava o trabalhopara os mais fracos e as mulheres). Nem na

civilização estética (como a grega ou militar,com a hipertrofia do trabalho intelectual e asubestimação do trabalho manual). Nem nacivilização capitalista (subordinando otrabalho ao êxito, destinado aos párias, dosquais as classes superiores se aproximam porfavor ou piedade). Nem na civilizaçãosocialista (o trabalho como um fim em simesmo, em que o ser humano passa a não terrealidade fora da comunidade).

Se levarmos em conta o clima de avanço deideologias materialistas e totalitárias e osinícios da guerra fria, é compreensível que Dr.Alceu proponha, finalmente, a civilizaçãobaseada no humanismo judeu-cristão, poiseste não se limita a qualquer dos ideaiselencados. E cita S. Tomás de Aquino, jásuperando a ética aristotélica: quem nãotrabalha não tem senão a vida "potencial" dohomem adormecido. O trabalhador é, demodo particular, a imagem do Deus-criador.Entre todos os modos pelos quais a criaturahumana procura se assemelhar a Deus, o maisalto é trabalhar, isto é, ser no mundo causa denovos efeitos. "Quod omnium divinius est Deicooperatorem fieri?" (Que há de mais divinona terra que ser operário com Deus?). Mas a

conclusão da obra não é confessional. Oque significa afirmar que Deus é a medida dotrabalho humano? Não é preciso ter aconsciência disso para o realizar. Basta que setrabalhe com amor e alegria. Trabalhar não éuma penalidade, é uma expressão de vida. Enão pode haver atividade mais nobre do quepropiciar aos seres humanos que permeiem asua vida com um trabalho feliz.

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