Diogo de Figueiredo Moreira Neto - Reforma Da Ordem Econômica e Financeira

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7/23/2019 Diogo de Figueiredo Moreira Neto - Reforma Da Ordem Econômica e Financeira http://slidepdf.com/reader/full/diogo-de-figueiredo-moreira-neto-reforma-da-ordem-economica-e-financeira 1/4 REFORMA DA ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 9/1994 | p. 22 - 25 | Out - Dez / 1994 DTR\1994\410 Diogo de Figueiredo Moreira Neto Área do Direito:  Constitucional Sumário: 1.Introdução: Conceito de país competitivo - 2.Os temas do fórum e a escassez de capitais públicos para manter o velho modelo de desenvolvimento centrado no Estado - 3.Privatizar: uma necessidade para publicizar o Estado - 4.Monopólios; O melhor ainda é mau - 5.Concessões e suas múltiplas possibilidades - 6.Investimento estrangeiro de risco, sem risco para o País - 7.Conclusões 1. Introdução: Conceito de país competitivo O Brasil se atrasou. Principalmente em modernizar suas instituições para se tornar competitivo numa economia que se globaliza. A falta de atenção a essa necessidade chegou a tal ponto que às vésperas da queda do Muro de Berlim ainda estávamos preocupados em imitar o antiquado modelo de Constituição dirigente socialista português, o mesmo que os próprios portugueses repudiariam para entrar na Comunidade Européia. Cada vez mais dilarga-se o consenso sobre a necessidade de reformar a Constituição de 1988, até mesmo nos setores mais conservadores que, hoje, como se sabe, são constituídos pelos chamados partidos de esquerda. Na verdade, houve uma mudança de posição: da esquerda, para trás... Dois são os temas de reforma: o da ordem econômica e o da ordem financeira. Com relação à necessidade de rever-se o capítulo da ordem econômica basta lembrar que a Constituição de 1967-1969, dita estatizante e autocrática era menos regulatória da economia e menos monopolista que a Constituição de 1988. Passamos de sete para mais de vinte modalidades de intervenção regulatória e de uma para seis previsões de intervenções monopolistas. Houve, portanto, um retrocesso. Por outro lado, com relação ao sistema financeiro-tributário, é difícil sustentar-se a necessidade e, ainda menos, a razoabilidade da meia centena de impostos e contribuições hoje existentes, atravancando a vida econômica do País e, reconhecidamente, muito mal cobrados, o que "pune", em última análise, o bom contribuinte. E tudo isso continua a ocorrer a disputa por capitais e conhecimentos. Na linha do que os nobelistas da economia Coase e North, de 1992 e 1993, puseram em evidência, os Estados são convocados a reduzir os custos das transações econômicas para que se tornem atrativos. O próprio sistema tributário passa a ter, além das funções tradicionais, de gerar recursos para o Estado e de direcionar, positiva ou negativamente, as atividades privadas, a de criar melhores condições competitivas para atrair capitais e cérebros. Por isso, qualquer esforço da sociedade organizada, notadamente o que conta com pensadores de reconhecidos méritos, condutores de opinião culta, é valiosíssimo e importantíssimo para a que se espera ser a grande investida de modernização que galvanizará este País nos primeiros meses do próximo Governo. Mas passemos, ainda que sinteticamente, aos temas propostos para este Painel. 2. Os temas do fórum e a escassez de capitais públicos para manter o velho modelo de desenvolvimento centrado no Estado A sociedade mudou: de sociedade de classes tornou-se sociedade pluriclasse. O Estado mudou: de Estado monoclasse tornou-se Estado pluriclasse. O Poder mudou: de extremamente monocrático centrado no Estado, tornou-se policrático, distribuído entre o Estado e uma constelação de centros REFORMA DA ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA Página 1

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REFORMA DA ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA

Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 9/1994 | p. 22 - 25 | Out - Dez / 1994DTR\1994\410

Diogo de Figueiredo Moreira NetoÁrea do Direito: ConstitucionalSumário:

1.Introdução: Conceito de país competitivo - 2.Os temas do fórum e a escassez de capitais públicospara manter o velho modelo de desenvolvimento centrado no Estado - 3.Privatizar: uma necessidadepara publicizar o Estado - 4.Monopólios; O melhor ainda é mau - 5.Concessões e suas múltiplaspossibilidades - 6.Investimento estrangeiro de risco, sem risco para o País - 7.Conclusões

1. Introdução: Conceito de país competitivo

O Brasil se atrasou. Principalmente em modernizar suas instituições para se tornar competitivo numa

economia que se globaliza.A falta de atenção a essa necessidade chegou a tal ponto que às vésperas da queda do Muro deBerlim ainda estávamos preocupados em imitar o antiquado modelo de Constituição dirigentesocialista português, o mesmo que os próprios portugueses repudiariam para entrar na ComunidadeEuropéia.

Cada vez mais dilarga-se o consenso sobre a necessidade de reformar a Constituição de 1988, atémesmo nos setores mais conservadores que, hoje, como se sabe, são constituídos pelos chamadospartidos de esquerda. Na verdade, houve uma mudança de posição: da esquerda, para trás...

Dois são os temas de reforma: o da ordem econômica e o da ordem financeira.

Com relação à necessidade de rever-se o capítulo da ordem econômica basta lembrar que a

Constituição de 1967-1969, dita estatizante e autocrática era menos regulatória da economia emenos monopolista que a Constituição de 1988. Passamos de sete para mais de vinte modalidadesde intervenção regulatória e de uma para seis previsões de intervenções monopolistas. Houve,portanto, um retrocesso.

Por outro lado, com relação ao sistema financeiro-tributário, é difícil sustentar-se a necessidade e,ainda menos, a razoabilidade da meia centena de impostos e contribuições hoje existentes,atravancando a vida econômica do País e, reconhecidamente, muito mal cobrados, o que "pune", emúltima análise, o bom contribuinte.

E tudo isso continua a ocorrer a disputa por capitais e conhecimentos. Na linha do que os nobelistasda economia Coase e North, de 1992 e 1993, puseram em evidência, os Estados são convocados areduzir os custos das transações econômicas para que se tornem atrativos. O próprio sistematributário passa a ter, além das funções tradicionais, de gerar recursos para o Estado e de direcionar,

positiva ou negativamente, as atividades privadas, a de criar melhores condições competitivas paraatrair capitais e cérebros.

Por isso, qualquer esforço da sociedade organizada, notadamente o que conta com pensadores dereconhecidos méritos, condutores de opinião culta, é valiosíssimo e importantíssimo para a que seespera ser a grande investida de modernização que galvanizará este País nos primeiros meses dopróximo Governo.

Mas passemos, ainda que sinteticamente, aos temas propostos para este Painel.2. Os temas do fórum e a escassez de capitais públicos para manter o velho modelo dedesenvolvimento centrado no Estado

A sociedade mudou: de sociedade de classes tornou-se sociedade pluriclasse. O Estado mudou: de

Estado monoclasse tornou-se Estado pluriclasse. O Poder mudou: de extremamente monocráticocentrado no Estado, tornou-se policrático, distribuído entre o Estado e uma constelação de centros

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de poder, dentro e fora do Estado.

Nessa nova conjuntura o Estado perdeu muito de sua antiga capacidade de conduzir isoladamente oprocesso de desenvolvimento, ainda porque sua possibilidade de concentrar recursos da sociedadese vem reduzindo depois das Guerras Mundiais, quando apresentou seu fastígio para alimentar os

confrontos bélicos.A escassez de capitais públicos está no âmago da perda de importância do papel do Estado comoagente econômico, o que é uma resposta para a estagnação do Brasil, como de tantos países, pormais de duas décadas: não soubemos ou não quisemos mudar um modelo exaurido.

Esta escassez tem várias causas, além do esgotamento das vias tributárias, como o paulatinoanquilosamento da máquina burocrática, o corporativismo (que galgou o nível constitucional) e acorrupção (que galgou todos os níveis que podia).

Novas soluções deverão vir fundadas nos princípios da subsidiariedade, da competitividade e dasolidariedade. Subsidiariedade, para redistribuir os papéis da sociedade e do Estado e dentro deste,de cada nível federativo; competitividade, para que o Estado em vez de ser um estorvo ou meroespectador, seja um parceiro a mais do esforço da sociedade, estimulando-a e facilitando sua ação

construtiva por todos os modos; e solidariedade, para estabelecer parcerias produtivas, no interesseda sociedade.3. Privatizar: uma necessidade para publicizar o Estado

O Estado, ao imiscuir-se na ordem econômica para competir com a sociedade ou para se substituir aela com exclusividade, ou seja, nas modalidades de intervenção concorrencial e monopolista, seafasta do exercício regular de seu poder coercitivo, do qual detém o monopólio, para ser maisapenas uma empresa ou mais um concorrente. Com isso, ele perde suas características públicas. OEstado se privatiza, perdendo de vista os interesses gerais, que lhes são próprios, para terinteresses privados.

Além de não existirem mais recursos para recapitalizar as empresas do Estado, escasseiam tambémrecursos para o desempenho de suas atividades públicas: o Estado privatizado acaba se

despublicizando.Assim, privatizar, torna-se necessário para republicizar o Estado: fazê-lo retornar às prestações quesó ele pode fazer numa sociedade: dar-lhe segurança jurídica, segurança física, segurança social,nos campos da saúde e da educação, e, tão negligenciado, dar-lhe segurança monetária, umamoeda estável, inconspurcada pelas emissões inflacionárias, essa modalidade imoral de obterrecursos sem tributo, ou o que é pior, sem o respeito às reservas e condicionantes tributários.

Privatizar passa a ser também essencial para que as empresas estatais sobrevivam à míngua decapitais públicos; só através da privatização elas poderão obter recursos na sociedade paramanterem a competitividade e, assim, sobreviverem.

Mas há duas grandes soluções para privatizar: na primeira, devolver-se o patrimônio estatal criado àcusta da sociedade, ao segmento da sociedade que mais contribuiu com recursos próprios para que

ele existisse: leiloa-se o patrimônio a quem mais pagar. Na segunda alternativa, devolve-se opatrimônio estatal criado à custa da sociedade, precisamente ao segmento que mais sofreu e passoudificuldades para que ele se amealhasse: as classes mais pobres, nelas incluídas os trabalhadoresde baixa renda. Seria, portanto, o caso, de pensar-se em iniciar-se a prática de um sadiosociocapitalismo, devolvendo, senão todo, uma parte substancial desse patrimônio para resgatar odébito social astronômico do Estado brasileiro.4. Monopólios; O melhor ainda é mau

Justifique-se, desde logo, este subtítulo: o monopólio é sempre uma concentração absoluta de podereconômico. Isso é mau porque deforma o mercado. De longa data se sabe disso.

Ora, durante a era das guerras mundiais passou-se a considerar muito patriótico que, como exceção,o Estado pudesse ser titular de monopólios. Talvez isso tivesse produzido algum resultado sazonal.Mas a médio prazo, os inevitáveis defeitos do monopólio apareceram: as empresas monopolistas

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estatais passaram a ser mais fortes que o próprio Estado ou seja, além de concentrar podereconômico, passaram a concentrar, intolerável e indevido, poder político. Além disso,demonstraram-se pouco eficientes, pois não tinham concorrentes e criaram poderosas corporações einteresses acima do próprio interesse público.

Como se vê, todo monopólio é mau, mas o monopólio estatal é ainda pior, pois ignora a sociedade eo Estado e só se move por interesses corporativos, somando, a níveis insuportáveis, podereconômico e poder político indisputados.

Deforma, portanto, os mercados... e os próprios Estados!

Quem ainda pensa que estatais monopolistas possam ser movidas por solidariedade social, é bomque procure conhecer suas folhas de pagamentos milionárias, seus sistemas de aposentadoriaprivilegiados e suas não menos astronômicas verbas de "propaganda institucional", regularmentedispendidas para anestesiar a opinião pública.

Mas, as estatais monopolistas, como, de resto, todas as estatais, ainda padecem do mal daineficiência: crônico e generalizado, com raríssimas exceções, que só confirmam a regra e, emabsoluto, justificam a manutenção dessas velharias, em franco desaparecimento do mapa civilizado.

5. Concessões e suas múltiplas possibilidades

Os investimentos públicos, em declínio, justificam a ascensão e a disseminação das concessões.

Retira-se do Estado o ônus de financiar e de gerir empresas - atividades que não pode e não saberealizar a contento, pois lhe falta o sentido de competitividade - para apenas fiscalizá-las e fazê-lascumprir suas regras.

Passe-se o ônus a quem se profissionalizou no ramo, ou seja, um concessionário, que produzirámelhor e mais barato para vantagem geral.

O Estado só fica com o que deve ficar: com a disciplina jurídico-administrativa da delegaçãoconcessional. Antes, só era bem conhecida e praticada a concessão de serviços públicos e a

concessão do uso de bens públicos. Hoje, as combinações são caleidoscópicas, envolvendo trêsatividades: o uso de bens públicos, a prestação de serviços públicos e a realização de obras.

Quanto mais imaginativas, mais moderna. Pode-se, com efeito, pensar em conceder quase toda equalquer atividade do Estado, com exceção daquelas de natureza jurídica, que dependem doexercício direto do poder estatal, como são, por exemplo, o poder de polícia e a intervençãosancionatória na ordem econômica.

Cumpre ao Estado facilitar as concessões, pois assim fazendo, se reforçará, reforçando a sociedade,e reforçando a economia. Para fazê-lo, deve manejar o prazo, tornando-o compatível com a tarefa douso do bem ou do serviço concedido, o lucro, tornando atrativo para o investimento, e aspossibilidades de exploração secundária de derivações econômicas das concessões outorgadas.

A Constituição foi tímida a este respeito. Deve ser mais moderna e flexível e, sobretudo,

principiológica. Deixe-se à lei estabelecer o restante.6. Investimento estrangeiro de risco, sem risco para o País

É um erro fatal fechar um País ao investimento estrangeiro. Progresso se fez investindo-se ematividades produtivas. Há, também, erro em desigualá-lo do investimento nacional. Capital, tantocomo tecnologia, ciência, arte e até cultura, não têm fronteiras. Vão, onde são bem acolhidos.

O capital estrangeiro, tanto quanto o conhecimento que nos vem de fora, são essenciais ao País edevem ser recebidos sem discriminação. Só assim se constrói um sadio capitalismo em nosso País.

Grande número de investimento provêem de entidades típicas do sociocapitalismo - os fundos depensão. Vivemos a chamada terceira fase do capitalismo, vencendo o capitalismo industrialmanchesteriano e o capitalismo bancário. O capitalismo de Estado não foi mais que uma deformação

de curta vida. Hoje, o capitalismo social vem se caracterizando pela aliança do capital entreentidades poupadoras pertencentes a diversos segmentos profissionais da sociedade.

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Atrair capitais e, por certo, tecnologia, é uma tarefa que se deve cometer ao Estado contemporâneo.Atividade nobilíssima, pois dela depende o progresso. Para isso, suas instituições têm que seadaptar para a competição, garantindo, sobretudo, a segurança dos investimentos.

Este capital, investido em atividades produtivas no País, é o capital desejado; que entra sem risco de

endividamento e sem perigo de inflacionar: é o capital que gera empregos, retém tecnologia e semultiplica, beneficamente sobre a sociedade que o acolhe.7. Conclusões

São breves.

Os temas tratados, como quaisquer outros que poderiam ser debatidos no quadro do DireitoEconômico, são cruciais para que o País possa ombrear-se com as nações de vanguarda.

Perdeu-se muito tempo (e muitos países perderam-no) por causa do tabu e do preconceito, mais quepela ignorância.

É preciso discutir amplamente esses temas e outros, de vanguarda, como o fazemos neste fórum.Isso ajudará a equacionar corretamente a reforma constitucional, de modo a que ela possa refletir,da melhor forma possível, as melhores doutrinas econômicas, jurídicas e políticas.

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