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Diplomacia de Defesa: O Diálogo da Força ou a Força do Diálogo?
Maria do Rosário Valente da Silva Simões dos Penedos
Outubro, 2014
Dissertação de Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais
Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção
do grau de Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais, realizada sob a
orientação científica da Professora Doutora Catarina Mendes Leal.
AGRADECIMENTOS
À Professora Doutora Catarina Mendes Leal por ter sido a mentora deste projeto e
responsável por este mestrado. Não o teria feito sem o seu incentivo e apoio.
Aos meus colegas Tenente-Coronel António Paradelo, Tenente-Coronel João Ribeiro
Fernandes e Tenente-Coronel Paulo Castro Ferreira pela disponibilidade, comentários
e pelas sugestões pertinentes.
Aos colegas, amigos e outras pessoas que conheci durante este processo e que
contribuíram, direta ou indiretamente, para a elaboração desta tese.
Agradeço, reconhecida, as seguintes personalidades que me concederam a
oportunidade de valorizar o meu trabalho com as suas contribuições:
Dr. Luís Filipe Marques Amado
Embaixador Manuel Lobo Antunes
General Luís Evangelista Esteves de Araújo
Almirante Luís Manuel Fourneaux Macieira Fragoso
Embaixador João Mira Gomes
Prof. Doutor Armando Marques Guedes
General Carlos António Corbal Hernandez Jerónimo
Almirante José Carlos Torrado Saldanha Lopes
Coronel António José Nunes de Melo
Tenente-General António Xavier Lobato de Faria Menezes
General Artur Neves Pina Monteiro
Prof. Doutor Adriano José Alves Moreira
General José António de Magalhães Araújo Pinheiro
Embaixador Paulo Vizeu Pinheiro
General António Gonçalves Ribeiro
General José Alberto Loureiro dos Santos
Major-General Vítor Rodrigues Viana
Diplomacia de Defesa:
O Diálogo da Força ou a Força do Diálogo?
Maria do Rosário Valente da Silva Simões dos Penedos
RESUMO
PALAVRAS-CHAVE: Defesa, Segurança Internacional, Cooperação Militar, Diplomacia
Pública, Soft Power, Hard Power
A Diplomacia de Defesa, apesar de existir com outros nomes e formas há já muitas décadas, só há relativamente pouco tempo lhe foi atribuída o espaço e o reconhecimento devido, quer em termos políticos, quer académicos. O presente trabalho pretende reconhecer o contributo da Diplomacia de Defesa para a concretização de importantes objetivos de política externa e apresentar uma definição que reflete não apenas a forma como é exercida mas, também, aquilo que realmente é: o emprego não violento de meios e recursos militares pelo Ministério da Defesa Nacional e pelas Forças Armadas, em atividades de cooperação com países aliados, parceiros e outros estrategicamente relevantes.
O objetivo final da Diplomacia de Defesa não é apenas promover a cooperação bilateral e multilateral no âmbito da Defesa de uma forma altruísta, mas estabelecer parcerias benéficas do interesse dos países envolvidos e, nessa perspetiva, a Diplomacia de Defesa é uma aplicação direta de soft power. E porque o hard power gera soft power, a eficácia do soft power depende, evidentemente, da credibilidade do hard power.
O uso da Diplomacia de Defesa como uma ferramenta da diplomacia já não deve ser, assim, uma escolha, mas uma componente necessária na análise das questões globais devendo ser reconhecida - e não temida - como um multiplicador de força de política externa.
Defence Diplomacy:
The Dialogue of Force or the Force of Dialogue?
Maria do Rosário Valente da Silva Simões dos Penedos
ABSTRACT
KEYWORDS: Defence, International Security, Military Cooperation, Public Diplomacy,
Soft Power, Hard Power
Despite existing with other forms and different names for decades, it has only recently been acknowledged to Defence Diplomacy its political and academic place. This thesis intended to recognize the contribution of Defence Diplomacy in achieving significant foreign policy goals and present a definition that not only encompasses Defence Diplomacy as it is currently practiced but also explains what Defence Diplomacy actually is: the non-violent use of military institutions and capabilities by the Ministry of National Defence and the Armed Forces in cooperation activities with allies, partners and other strategic relevant countries.
The ultimate goal of Defence Diplomacy is not just to foster bilateral and multilateral defence cooperation in an altruistic sense, but to build partnerships that are beneficial to the interests of the countries involved, and in that regard, Defence Diplomacy is a direct application of soft power. As hard power begets soft power, the efficiency of soft power relies definitely on the credibility of hard power.
Hence, the use of Defence Diplomacy as a tool of statecraft should no longer be a choice but a necessary component in the analysis of the world affairs and that is why it should be recognized - not feared – as a foreign policy force multiplier.
ÍNDICE
Introdução ........................................................................................................................... 1
Capítulo I: Globalização, Segurança e Diplomacia ............................................................. 8
I. 1. As Várias Dimensões da Globalização ............................................................... 8
I. 2. Da Segurança à Securitização ............................................................................ 15
I. 3. A Diplomacia num Mundo Global .................................................................... 19
Capítulo II: Diplomacia de Defesa: uma Diplomacia Preventiva? ................................... 26
II. 1. O Papel da Diplomacia de Defesa na Prevenção de Conflitos ....................... 26
II. 2. A Contribuição da Diplomacia de Defesa para a Promoção da
Democracia. ................................................................................................................ 32
II.3. A Diplomacia de Defesa como um instrumento de soft power ........................36
Capítulo III: A Diplomacia de Defesa e a Política Externa dos Estados ........................... 44
III. 1. A Diplomacia de Defesa: Evolução, Desenvolvimento e Implementação
do Conceito ................................................................................................................. 44
III. 2. Alguns Exemplos Práticos de Diplomacia de Defesa ..................................... 53
III. 2.1. O Exemplo do Reino Unido ......................................................................... 53
III. 2.2. O Exemplo da Nova Zelândia ...................................................................... 56
III. 2.3. O Exemplo da República Popular da China ................................................. 64
Capítulo IV: Diplomacia de Defesa: Diferentes Atores, Vários Instrumentos ................ 74
IV. 1. O Papel do Ministério da Defesa Nacional .................................................... 74
IV. 2. Os Diferentes Instrumentos da Diplomacia de Defesa ................................. 78
IV. 3. Os Objetivos da Diplomacia de Defesa em Portugal: Vantagens e
Obstáculos .................................................................................................................. 91
Conclusão .......................................................................................................................... 98
Bibliografia ..................................................................................................................... 106
Lista de Figuras e Tabelas ............................................................................................... 122
Anexo 1 – Questionários: Respostas das Personalidades Inquiridas sobre os
Objetivos da Diplomacia de Defesa .................................................................................... i
LISTA DE ABREVIATURAS
ARF Fórum Regional da Ásia Asia Regional Forum
ASEAN Associação de Nações do Sudeste Asiático Association of Southeast Asian Nations
CEDEAO Comunidade Económica de Estados de África Ocidental
CEDN Conceito Estratégico de Defesa nacional
CPLP Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
CSIS Center for Strategic and International Studies
CTM Cooperação Técnico-Militar
DCAF Geneva Centre for the Democratic Control of the Armed Forces
DSCA Defense Security Cooperation Agency
DGPDN Direção-Geral de Política de Defesa Nacional
DoD Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América Department of Defense
EMGFA Estado-Maior General das Forças Armadas
EPL Exército Popular de Libertação People’s Liberation Army
FALINTIL Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor Leste
FDTL Força de Defesa de Timor Leste
FPDA Arranjos de Defesa das Cinco Potências Five Power Defence Arrangements
IFOR Força de Implementação da Paz na Bósnia-Herzegovina Implementation Force
ISEM Instituto Superior de Ensino Militar
MAP Programa de Assistência Mútua Mutual Assistance Program
MDN Ministério da Defesa Nacional
MFAT Ministério dos Negócios Estrangeiros e Comércio da Nova Zelândia Ministry of Foreign Affairs and Trade
MINURSO Missão das Nações Unidas para a Organização de um Referendo no Sahara Ocidental United Nations Mission for the Referendum in Western Sahara
MoD Ministério da Defesa do Reino Unido Ministry of Defence
MONUA Missão de Observação das Nações Unidas em Angola United Nations Observer Mission in Angola
N.E. Navio-Escola
NZDF Forças de Defesa da Nova Zelândia New Zeland Defence Forces
OAP Operações de Apoio à Paz
ONG Organização Não-Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte
PCSD Política Comum de Segurança e Defesa
PLOP Países de Língua Oficial Portuguesa
RSS Reforma do Sector da Segurança
SDR Revisão Estratégica de Defesa Strategic Defence Review
UE União Europeia
UNAVEM Missão de Verificação das Nações Unidas em Angola United Nations Angola Verification Mission
UNDPKO Departamento de Operações de Paz da Organização das Nações Unidas United Nations Department of Peacekeeping Operations
UNOGIL Grupo de Observadores das Nações Unidas no Líbano United Nations Observer Group in Lebanon
UNOMOZ Operação das Nações Unidas em Moçambique United Nations Operation in Mozambique
UNPREDEP Missão de Posicionamento Preventivo das Nações Unidas na Macedónia United Nations Preventive Deployment Force
UNTAG Grupo de Apoio das Nações Unidas à Transição na Namíbia United Nations Transition Assistance Group
UNTAT Equipa das Nações Unidas para a Assistência à Formação em Manutenção de Paz United Nations Training Assistance Teams
UNTAET Missão de Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste United Nations Transitional Administration in East Timor
WMD Weapons of Mass Destruction Armas de Destruição Maciça
1
Introdução
O ano de 1989 não marcou apenas o fim de uma era. Outras houvera que não
implicaram tantas alterações como esta que, na Europa, testemunhou a queda do
muro de Berlim e a reunificação da Alemanha. De facto, não se tratou somente do fim
de um confronto ideológico e geopolítico, mas igualmente do fim de uma ordem
política e económica bipolar, com contornos e regras previsíveis e expectáveis.
Todo um léxico académico, doutrinas militares e políticas externas foram
repensadas para acompanhar um novo reposicionamento geopolítico caracterizado
por uma postura de segurança e defesa onde - aparentemente - o diálogo e a
cooperação tomaram o lugar da contenção e da dissuasão.
Como todas as guerras, a Guerra Fria (1947-1991) também teve vencedores e
vencidos. Não apenas entre contendores, mas também de valores. A democracia
desafiou o autoritarismo, e a economia de mercado derrotou o comunismo. Se as
estratégias desenvolvidas pelos Estados Unidos e o Ocidente provaram ter sido
vitoriosas ao expor a falência do sistema comunista, como regime político e sistema
económico, a maior derrota foi a própria desintegração da União Soviética, e o fim do
“heartland”1 (para usar a expressão de MacKinder). Quinze novos Estados
independentes - no Báltico (Estónia, Letónia e Lituânia) na Ásia Central (Cazaquistão,
Quirguistão, Tajiquistão, Turquemenistão e Uzbequistão), no Cáucaso (Arménia,
Geórgia e Azerbaijão), e na fronteira europeia (Ucrânia, Bielorrússia e Moldávia) –
tornaram-se membros das Nações Unidas (entre 1991 e 1993), enquanto a Rússia
1 Mackinder interpretou os processos históricos mundiais com base na ideia de que o mundo estava
inerentemente dividido em áreas isoladas, cada uma com uma função especial a desempenhar. Afirmava que a civilização europeia era o produto de pressões externas. A sua interpretação da Europa e da história europeia, que a considerava como o resultado de muitos séculos de luta contra as invasões da Ásia, decorria da mesma ideia. Acreditava que o avanço e a expansão da Europa tinham sido estimulados pela necessidade de responder à pressão vinda do centro da Ásia. Assim, foi o Heart-land (onde as massas continentais da Eurásia estavam concentradas), que serviu como o pivô de todas as transformações geopolíticas de dimensões históricas dentro da Ilha Mundial.
2
“herdava” a posição da União Soviética como membro permanente do Conselho de
Segurança2 das Nações Unidas.
Por outro lado, e pela mesma altura, outra rutura política na Europa
evidenciava que o equilíbrio de poder bipolar que tinha caracterizado todo o período
da Guerra Fria e que se refletia diretamente nas esferas de influência de cada uma das
superpotências, já não seria suficiente para conter nacionalismos reprimidos e
dissimular diferenças étnicas e religiosas profundas. A Jugoslávia, que desde o final da
Primeira Guerra Mundial agrupava diferentes nações e religiões, perdeu a força
aglutinadora que a ditadura lhe havia proporcionado, expondo as vulnerabilidades de
uma convivência forçada que só a repressão silenciava.
A Europa acordaria, uma vez mais, para uma realidade que iria marcar todo o
período que se segue, de 1991 a 2001: conflitos intraestatais motivados por dissensões
étnicas e religiosas, com profundas raízes nacionalistas e que iriam pôr à prova não
somente a coesão europeia mas a própria Aliança Atlântica.
Não seria, de facto, o fim da história como defendido por Francis Fukuyama
(1989, pp.3-18). Seria, muito provavelmente, um confronto de civilizações, como
antecipado por Samuel Huntington (1993, pp.22-39).
Nesta nova ordem política, o próprio conceito de segurança foi igualmente
objeto de novas conceptualizações (Balwin, 1995, 1997; Booth, 2005; Brown, 1997;
Buzan, 1991a, 1991b; Ullmann, 1983; Wæver, 1997) para fazer face a uma pluralidade
de ameaças - novas e tradicionais -, e que passaram a afrontar não só os Estados, mas
as sociedades e os próprios indivíduos. A segurança extrapolou o âmbito do Estado-
Nação e a sua relação com outros Estados para envolver o indivíduo e a sociedade,
dando origem e relevo aos conceitos de segurança societal e segurança humana. As
fronteiras do Estado deixaram de ser o garante da segurança individual a partir do
momento em que também as ameaças se tornaram globais (conflitos étnicos e
religiosos, imigração ilegal, pandemias, riscos e impactos ambientais, terrorismo
2 O Conselho de Segurança das Nações Unidas tem cinco membros permanentes - China, França,
Federação da Rússia, Reino Unido e Estados Unidos da América – e 10 membros não permanentes eleitos pela Assembleia Geral por períodos de dois anos.
3
transnacional, uso de armas químicas, biológicas e tecnológicas, tráficos ilícitos e
criminalidade generalizada, para nomear alguns), obrigando os Estados a adotar uma
nova abordagem securitária.
Os acontecimentos nos EUA a 11 de setembro de 2001, em Madrid a 11 de
março de 2004 e em Londres a 7 de julho de 2005 ilustram, de forma trágica, este
fenómeno da transnacionalização da segurança que impôs níveis excecionais de
colaboração e cooperação internacional entre os Estados, e exigindo a inevitável
perspetiva cooperativa à sua dimensão de segurança. Esta nova abordagem à
segurança dos Estados - quer individual, quer coletiva - foi traduzida e expressa nas
doutrinas militares e nos conceitos estratégicos. A segurança cooperativa - como foi
apelidada - passou a significar o processo através do qual os países com interesses
comuns trabalham em conjunto através de mecanismos previamente acordados para
reduzir tensões e suspeitas, resolver ou mitigar disputas, construir medidas de
confiança, melhorar as perspetivas de desenvolvimento económico, e manter a
estabilidade nas suas regiões (Moodie, 2000, p.5).
A crise económico-financeira de 2008 veio condicionar o enquadramento
securitário internacional e agravar o panorama nacional, provocando alterações
imediatas e transversais a todos os setores da sociedade, bem como consequências,
diretas e indiretas, na Política de Defesa Nacional. Os efeitos diretos refletem-se numa
redução crescente do orçamento de Defesa, quer de funcionamento, quer no
programa de investimentos e de reequipamento; e, os efeitos indiretos
consubstanciam-se na subsequente aprovação, em março de 2013, de um Conceito
Estratégico de Defesa Nacional que inevitavelmente traduz o enquadramento
geopolítico e geoeconómico resultante das medidas de austeridade impostas.
Naquele documento estratégico, publicado em abril de 2013 (p.15), é
reconhecido que Portugal está confrontado com um processo de transição
internacional em múltiplas dimensões e que envolve todas as regiões
estrategicamente relevantes. Para Portugal, a continuidade da Aliança Atlântica e
da UE são indispensáveis para garantir condições mínimas de estabilidade num
cenário de transformação, uma vez que permanecem no ambiente de segurança
internacional fatores de instabilidade e conflitualidade cujas consequências, difíceis
4
de prever, podem desencadear situações de risco, que, direta ou indiretamente,
podem pôr em causa os interesses nacionais.
Face a este contexto político-securitário, interno e externo, o conceito de
Diplomacia de Defesa adquire relevância, devendo assumir-se como um instrumento
indispensável, não só para o estabelecimento de uma ação mais coordenada entre os
vários atores da política de defesa nacional e da política externa do Estado, como
também para a concretização de projetos mais eficientes e a obtenção de resultados
mais eficazes na implementação da Política de Defesa Nacional.
O Conceito Estratégico de Defesa Nacional constitui, assim, a base e o
fundamento da Diplomacia de Defesa entendida como o emprego não violento de
meios e recursos militares, pelo Ministério da Defesa Nacional e pelas Forças
Armadas, em atividades de cooperação com os nossos aliados, parceiros e outros
países estrategicamente relevantes, de forma a promover o cumprimento dos
objetivos da Política de Defesa Nacional, em consonância com a ação externa do
Estado.
Como expresso naquele documento,
(...) O vetor militar é primordial no apoio à política externa. Uma das missões
prioritárias das Forças Armadas é contribuir como instrumento do Estado para a
segurança internacional, designadamente pela sua intervenção em missões
militares internacionais de paz, que asseguram o reconhecimento externo de
Portugal como um Estado coprodutor de segurança internacional (p.35). Refere
ainda que (o)s meios militares são uma componente fundamental da segurança
do Estado e um fator de projeção do prestígio internacional de Portugal (p.9).
A afirmação internacional de Portugal, a sua credibilidade e o reforço da sua
capacidade negocial externa, pressupõe, ainda, a valorização de três elementos
essenciais: a língua e a cultura portuguesas; a diáspora e os imigrantes, e a
definição e a consolidação de políticas - e estratégias - de imagem e de marca
nacionais (CEDN, 2013, p.8).
5
É assim evidente que a Diplomacia de Defesa reflete, não apenas a missão
atribuída e desenvolvida pelo Ministério da Defesa Nacional e, concretamente, pela
Direção-Geral de Política de Defesa Nacional, no quadro da cooperação internacional
de Defesa, mas consubstancia igualmente a missão das Forças Armadas como
instrumentos ímpares que são da Política de Defesa Nacional, e da Política Externa do
Estado.
O presente trabalho de investigação - intitulado “Diplomacia de Defesa: O
Diálogo da Força ou a Força do Diálogo?” - propõe-se analisar a Diplomacia de Defesa
como um instrumento de afirmação autónoma na política externa nacional e,
simultaneamente - tendo presente a necessária adaptação ao novo contexto
económico, político e securitário -, responder à questão de partida -“Poderá ser a
Diplomacia de Defesa bem-sucedida sem umas Forças Armadas credíveis e
dissuasoras?”
Para o presente estudo, optou-se por uma concepção do tipo multicêntrico que
se traduz na análise da relação entre atores soberanos (Estados vestefalianos), da
relação entre atores não soberanos (organizações não-governamentais e corporações
multinacionais) e da relação entre todos estes atores entre si.
A metodologia adoptada assentou primariamente na consulta e na análise
qualitativa de bibliografia conceptual de dois movimentos marcantes no
desenvolvimento do tema em estudo, Desenvolvimento e Segurança. De seguida,
propõe-se uma interpretação do conceito da Diplomacia de Defesa, a análise da
evolução e da sua implementação, e, por fim, termina-se com uma abordagem prática.
Para o efeito, recorreu-se à análise, pesquisa e investigação de obras
relacionadas com o tema em estudo; recolha e posterior tratamento de documentação
sobre a evolução e implementação da Diplomacia de Defesa: relatórios, estudos,
pesquisas na internet, reportagens e artigos publicados por revistas e jornais da
especialidade; e, por fim, a algumas entrevistas.
Termina-se com um exercício prático de natureza prospetiva mediante o qual
se procurará identificar os objetivos que em termos de política externa e de segurança
poderão ser atribuídos à Diplomacia de Defesa em Portugal.
6
Para melhor se compreender a problemática da questão de partida,
Diplomacia de Defesa: o Diálogo da Força ou a Força do Diálogo? a presente tese foi
estruturada em quatro capítulos:
O primeiro capítulo apresenta um breve enquadramento da evolução
conceptual dos conceitos chave para o presente estudo - de globalização, segurança e
diplomacia - e a forma como esta evolução possibilita e favorece o aparecimento, no
presente, da Diplomacia de Defesa, como um dos instrumentos fundamentais da
política externa dos Estados.
Seguidamente procura-se apresentar a Diplomacia de Defesa como um
verdadeiro elemento de soft power, atestando-se o seu contributo no quadro da
diplomacia preventiva e no papel que lhe poderá continuar a estar reservado na
aproximação entre Forças Armadas e entre estas e a sociedade civil, provando - com a
sua dupla vertente coerciva e cooperativa - o seu papel também evidente na
prevenção de conflitos.
No terceiro capítulo, propõe-se abordar e desenvolver o papel da Diplomacia
de Defesa como um dos instrumentos da Política Externa dos Estados, analisando a sua
evolução, o seu desenvolvimento e a sua implementação, recorrendo-se a alguns
exemplos de outros países (Reino Unido, Nova Zelândia e República Popular da China).
Por fim, no último capítulo, é avaliada a contribuição do Ministério da Defesa
Nacional para a Política Externa Portuguesa, identificando os diferentes instrumentos
que constituem a Diplomacia de Defesa. Termina-se com um ensaio prospetivo da
Diplomacia de Defesa em Portugal, resultado de um conjunto de entrevistas -
traduzidas e expressas em questionários -, elaboradas a reconhecidas personalidades
políticas, diplomáticas, académicas e militares, com experiência comprovada no tema
em estudo.
Pretende-se com este exercício identificar os objetivos mais adequados da
Diplomacia de Defesa no quadro da política de Defesa Nacional, identificando as áreas
prioritárias e as atividades de cooperação que deverão ser desenvolvidas, contribuindo
para a realização da estratégia nacional e respeitando os três requisitos identificados
no Conceito Estratégico de Defesa Nacional (p.27):
7
─ Unidade estratégica: indispensável para integrar todas as dimensões da
segurança e defesa, fazendo-as convergir para os objetivos comuns;
─ Coordenação: imprescindível para garantir a cooperação e colaboração entre
todas as entidades e organismos intervenientes, ao nível nacional ou multilateral,
de modo a maximizar o potencial estratégico disponível;
─ Utilização racional e eficiente de recursos: no uso dos diversos instrumentos é
imperativo que tal aconteça, tendo presente o objetivo para que contribuem e a
natureza das ameaças e riscos que pretendem mitigar.
No final do presente estudo pretende-se ter respondido à questão de partida -
poderá ser a Diplomacia de Defesa bem-sucedida sem umas Forças Armadas credíveis
e dissuasoras? -, como ter provado a indispensabilidade da Diplomacia de Defesa para
a prossecução de objetivos específicos de política externa.
8
Capítulo I
Globalização, Segurança e Diplomacia – Evolução conceptual no Pós-Guerra Fria
I. 1. As várias dimensões da Globalização
Um dos fenómenos académicos mais interessantes do período pós-Guerra Fria
tem sido, provavelmente, o debate em torno do conceito de globalização e a forma
como este passou a determinar e a condicionar as próprias dinâmicas do sistema
internacional. A queda do muro de Berlim representa, neste aspeto, a imagem mais
expressiva do que viria a ser o fim da bipolaridade e a emergência de relações
políticas, económicas, sociais e culturais globalizadas, num mundo que Thomas Loren
Friedman descreveu, mais tarde, como plano (2007, pp.5-8). No seu livro “The Lexus
and the Olive Tree” (1999, p.xvii) Friedman definiu globalização como a integração do
capital, da tecnologia e da informação para além das fronteiras nacionais, de uma
forma tal que cria um mercado único e global e, até certo ponto, uma aldeia global.
Países e organizações multinacionais que outrora não tinham capacidade de influência
e intervenção na ordem internacional competem agora, praticamente em igualdade de
circunstâncias, por quotas de mercado e clientes públicos e privados, quer internos,
quer externos. O mundo, de facto, tornou-se plano no sentido em que o Estado-Nação
deixou de ser o único ator e interlocutor com espaços e esferas de influência
delimitadas, para se assistir a uma multiplicidade de formas de colaboração e
integração, independentemente da geografia, da política e do sistema monetário. A
ordem internacional, política e económica, passou a ser dominada por um sistema
comummente aceite de globalização, o que em resumo, Al-Rodhan e Stoudmann
(2006, p.5) definiram como um processo que compreende as causas, o decurso e as
consequências da integração transnacional e transcultural das atividades humanas e
não humanas.
A globalização promove, de igual modo, a difusão de ideias, práticas e
tecnologias. É algo mais do que a internacionalização e universalização. Não é tão só a
9
modernização ou ocidentalização. E, certamente, não é apenas a liberalização dos
mercados. Como descrito por Arjun Appadurai (1996, citado por Al-Rodhan e
Stoudmann, 2006, p.11) “globalização é um ‘mundo de coisas’ que têm ‘diferentes
velocidades, eixos, pontos de origem e término, e relações diferenciadas a estruturas
institucionais em diferentes regiões, nações ou sociedades”.
Para Anthony Giddens, (2013) a globalização é definida como "a intensificação
das relações sociais em todo o mundo que ligam localidades distantes, de tal modo
que os acontecimentos locais são influenciados por eventos que ocorrem a muitas
milhas de distância e vice-versa". Trata-se de uma mudança na maneira como
entendemos a geografia e sentimos a localidade. É a consciência dessa interconexão,
da perceção do mundo como um todo que torna este processo de globalização
diferente de outros que já haviam marcado as relações internacionais, antes do termo
se tornar popular no final do século passado. Segundo Roland Robertson (1992, p.8) é
esta dupla característica, o aumento da interconexão e da sua consciencialização que
distingue este processo de globalização.
A globalização é também um processo multidimensional que afeta e se
manifesta em vários setores da sociedade. Anthony Giddens (2013) considerou quatro
dimensões (ilustradas na Figura 1.1), embora a dinâmica evolutiva do processo de
globalização tenha, desde então, considerado outras áreas (cultura, ambiente e,
sobretudo, a tecnologia). Estas instituições, características da modernidade, são
interdependentes e nenhuma explica, por si só, a globalização.
A primeira, e talvez a mais evidente, foi para Giddens a economia capitalista.
Os principais centros de poder da economia mundial são os países capitalistas, ou seja,
aqueles Estados em que a principal forma de produção se baseia na empresa ou na
sociedade/corporação de capitais privados. As políticas internas e externas destes
Estados contemplam várias formas de regulação da atividade económica mas a sua
organização institucional mantém a economia e a política suficientemente separadas,
o que garante a amplitude necessária para as atividades internacionais das empresas
multinacionais. Muitas hoje gerem orçamentos maiores que alguns países, embora
careçam da territorialidade e da autoridade que só os Estados-nação detêm.
10
Figura 1.1 - As quatro dimensões da globalização segundo Anthony Giddens (Fonte: Renoux, 2004, p.5)
Os Estados-nação são a segunda dimensão da globalização. Para Giddens (2013),
“o sistema do Estado-nação3 desde há muito que determina a característica reflexiva4
da modernidade”. Segundo o sociólogo britânico, “a própria existência da soberania
deve ser entendida como algo que é reflexivamente monitorizado. No início do
desenvolvimento do sistema do Estado-nação, a soberania esteve ligada à substituição
de ‘fronteiras’ por ‘limites’: a autonomia do território reivindicado pelo Estado era
sancionada pelo reconhecimento das suas fronteiras pelos outros Estados.”
No entanto, este reconhecimento não invalidou que o Estado-nação se dotasse
de meios militares suficientes para garantir a sua territorialidade. O sistema
internacional da Guerra Fria produziu, neste quadro, uma corrida exponencial aos
armamentos, e marcou igualmente a bipolaridade, expressa em alianças militares
antagónicas. A ordem militar mundial é, assim, considerada a terceira dimensão, pela
importância que o poder militar - convencional e nuclear - assumiu e pela forma como 3 Em primeiro lugar, e essencialmente, é uma unidade política soberana. Em segundo lugar, é uma
população que ao ser-lhe confiada uma identidade coletiva determinada através de uma imagem comum do passado e do futuro partilha um grau maior ou menor de nacionalismo. E finalmente, é uma população que vive num território definido, reconhecendo um governo comum e vulgarmente – ainda que não sempre – evidenciando padrões culturais e linguísticos comuns. (Stoessinger, J. 1982, citado em Ribeiro, H., 2008).
4 Para Giddens, a reflexividade existe em duas formas: a monitorização reflexiva da ação é característica
de todas as formas de consciência prática; mas, a segunda forma de reflexividade, o emprego constante e regular de conhecimento como condição para a ação (e, portanto, para a continuidade social, duração institucional e para a manutenção dos atores) é apenas característica da modernidade.
Sistema do Estado-nação
Divisão internacional do
trabalho
Ordem militar mundial Economia capitalista mundial
11
determinou o comportamento dos Estados. O desenvolvimento industrial revelou-se
instrumental para este objetivo. E assume-se como a quarta dimensão, constituindo a
expansão da divisão internacional do trabalho um dos seus aspetos mais relevantes. A
capacidade industrial moderna assenta, cada vez mais, nessa divisão, quer ao nível da
especialização geográfica (local ou regional) quer ao nível da especialização da
produção - mão-de-obra, serviços e matérias-primas.
O industrialismo que caracteriza todo o período pós-Segunda Guerra Mundial e
que provocou igualmente a interdependência na divisão do trabalho proporcionou, em
tempo, a difusão global das tecnologias. Uma consequência inevitável do
industrialismo global. E, neste âmbito, aquelas tecnologias que afetarão - sem
precedentes - o processo de globalização atual serão, sem dúvida, as tecnologias da
comunicação. A comunicação entendida como um fluxo biunívoco constante e
interdependente, um diálogo de ideias, de costumes e práticas, e de emoções. Em
linguagem binária ou universal que hoje define o comportamento da humanidade e o
relacionamento societal. Esta característica única do processo de globalização
presente obriga a considerar a dimensão cultural como uma das dimensões
estruturantes e determinantes desta fase do processo de globalização.
As várias dimensões da globalização impelem uma nova abordagem securitária.
A segurança afetou e foi afetada pela globalização. Ao produzir alterações económicas
que se traduzem em mudanças de equilíbrio de poder e ao alterar o ambiente no qual
os Estados-nação se relacionam, a segurança global modificou os padrões de
cooperação e competição entre os Estados. O sucesso económico produz
naturalmente novos poderes, secundarizando os anteriores, e altera a estrutura do
sistema internacional ao criar novas oportunidades e desafios para a segurança global.
Com efeito, e muito embora as consequências deste novo processo de globalização
sejam mais evidentes ao nível político, a natureza das alterações tende a ser
predominantemente económica. O sistema económico tornou-se global, enquanto a
estrutura política do mundo continuou a ser baseada no Estado-nação. Se os Estados
considerarem a economia um fator determinante de poder, e se a globalização for
sobretudo entendida como desenvolvimento económico, os Estados tenderão,
seguramente, a priorizar a competição económica nos seus objetivos de política
12
externa (Gilpin, 2000, p.29). Ao ignorar as fronteiras nacionais, a globalização
económica poderá impulsionar a cooperação internacional em casos em que os ganhos
possam ser mútuos e equitativamente divididos. Ao estarem dependentes dos
mesmos resultados, os atores internacionais envolvem-se em estratégias de
cooperação mais abrangentes. O lucro económico e o benefício financeiro justificam,
assim, novas políticas cooperativas.
Esta interdependência produzida pela globalização é também uma nova
característica das relações internacionais, já não dominadas por um mundo de
competidores ambiciosos, mas por parceiros cooperantes (Keohane, 2002, citado por
Kapitonenko, 2009, p.589). A globalização não é entendida como um processo
colateral que influencia o poder, mas como o desenvolvimento contínuo de uma
interdependência crescente que transforma qualitativamente os princípios da política
mundial. Esta mudança qualitativa é justificada pelo aparecimento de atores não-
estatais, e por uma alteração de prioridades, privilegiando a economia e as
necessidades sociais, em detrimento de opções estratégicas e militares. São estes
fatores que propiciam a abertura de fronteiras, outrora intransponíveis para capital e
trabalho. A competitividade e a eficiência económica são determinantes para o
sucesso internacional, político e económico. A necessidade de progredir nestas duas
áreas estimula o estabelecimento de relações de cooperação estáveis, nalguns casos
institucionalizadas pela criação de estruturas formais de cooperação, como
organizações internacionais ou outras formas de cooperação. Este novo
posicionamento permite aos Estados eliminar níveis de incerteza e graus de
insegurança, garantindo, por outro lado, compromissos de longo-prazo.
As organizações internacionais e outras estruturas cooperativas permitem a
gestão coletiva de diferentes problemas, o que possibilita aos Estados desenvolverem
determinados mecanismos e processos, tanto de decisão partilhada e coordenação,
como de construção de normas, que tenderão a condicionar a eficácia comparativa de
ações unilaterais.
A interdependência e interconexão de todas estas dimensões da globalização
propiciam o estabelecimento de condições de desenvolvimento económico, social e
político, que facilitam a propagação de princípios e valores democráticos, mas que
13
simultaneamente são potenciadoras de fragmentações sociais, criando graves
vulnerabilidades e fomentando resquícios de violência e conflito. A globalização é, por
isso, em determinados círculos considerada profundamente injusta, pelo aumento do
desequilíbrio do sistema internacional provocado pela exploração neocolonial. Para
estes críticos, a globalização assume uma forma de violência estrutural, quer pela
exploração de mão-de-obra de países de mercados emergentes, quer pela indiferença
às condições de trabalho impostas.
A ordem internacional enfrenta, assim, um paradoxo: a sua prosperidade
depende do sucesso da globalização, mas o processo produz uma reação política
muitas vezes contrária às suas aspirações (Kissinger, 2014).
As ameaças tornaram-se globais não apenas no seu âmbito, mas também nos
seus efeitos, fruto dos movimentos globais contemporâneos, facilitados pela liberdade
de circulação de pessoas, pela consequente partilha e difusão do conhecimento e pela
inevitável disseminação de tecnologias avançadas. Também as crises económicas e
financeiras se internacionalizaram extravasando fronteiras e impondo dificuldades e
restrições também globais, com as consequências e implicações securitárias
correspondentes.
A combinação destes diferentes aspetos amplia seriamente os perigos de uma
pluralidade de ameaças transnacionais, desde a proliferação de armas, ataques
cibernéticos, violência étnica, crime global, tráfico de drogas, degradação ambiental, à
propagação de doenças infeciosas. A divulgação global de ideias e tecnologias também
tem facilitado o acesso de alguns Estados e de determinados grupos radicais à
produção e desenvolvimento das armas mais perigosas. A ameaça representada pela
proliferação de tecnologias nucleares aumenta exponencialmente quando se
considera as possíveis consequências de uma arma nuclear nas mãos de adversários
que se comprometeram a uma jihad5 global e violenta contra o Ocidente.
5 O significado essencial da Jihad é o “esforço feito no caminho de Deus”. Jihad é a tradução literal de
"lutando" ou "luta" e é uma abreviatura para Jihad fi Sabeel Allah (luta pela causa de Deus). Em certo sentido, todo o muçulmano é um Mujahid, aquele que pugna a Deus e à justiça. Al-Ghazali, Teólogo muçulmano, jurista, filósofo e místico de ascendência persa, que nasceu e morreu em Tous no Irão (1058-1111) capturou a essência da Jihad, quando disse: "A verdadeira Jihad é a guerra contra (as nossas próprias) paixões. Dr. Ibrahim Abu-Rabi (1956-2011) definiu Jihad como" A execução do esforço contra o mal em si e todas as manifestações do mal na sociedade; "de certa forma, Jihad é o mais puro
14
É incontornável, assim, que a tecnologia e os sistemas de informação são
características centrais da globalização e tornaram-se capitais também para o
funcionamento de infraestruturas críticas - comunicações, energia, transporte,
elétrica, água e bancária. A dependência destas infraestruturas basilares tornou-as
potencialmente vulneráveis a ameaças de ataques cibernéticos e outros.
Outras ameaças globais são também as consequências da degradação do meio
ambiente que ultrapassam muitas vezes as fronteiras, físicas e marítimas, dos Estados.
As alterações climáticas bem como a urgência da sua resolução têm sido amplamente
divulgadas -, embora ainda não globalmente e politicamente enfrentadas -, e têm
produzido alterações nas temperaturas globais provocando desastres naturais mais
frequentes e mais violentos. Outros perigos ambientais incluem a poluição do ar e da
água, a perda de florestas e da biodiversidade, e a potencial introdução de substâncias
tóxicas na cadeia alimentar humana.
Estas ameaças transnacionais podem parecer muitas vezes difusas e incertas (e
para muitos de nós, distantes) mas não impediram os acontecimentos de Nova Iorque,
Londres ou Madrid, provando que estes aspetos da globalização colocam riscos que
não podem ser ignorados (Davis, 2003, p.7).
A guerra contra o terrorismo veio demonstrar que os Estados frágeis e as zonas
de conflito poderão ser uma fonte de terrorismo e, também por essa razão, a
Diplomacia de Defesa irá, certamente, continuar a desempenhar um papel
instrumental na estabilização de Estados frágeis, na promoção da democracia e na
redução da conflitualidade em regiões em tensão.
sacrifício dos muçulmanos: a luta para viver uma vida perfeita e completamente submissa a Deus. Um terceiro nível de Jihad é, popularmente, conhecido como "guerra santa". A passagem clássica é encontrada no Alcorão: “E combatei no caminho de Deus contra aqueles que vos combatem; porém, não provoqueis as hostilidades, porque Deus não ama os agressores" (2:190). É importante notar que o que é tolerado é uma guerra defensiva; O Islão não pode justificar a guerra agressiva. Muhammad e a Tradição também são contra matar não-combatentes, torturar prisioneiros, destruir plantações, animais e casas.
15
I. 2. Da Segurança à Securitização
A emergência de desafios de segurança inteiramente novos, o aparecimento de
diferentes riscos e ameaças contribuíram também para a intensificação do debate
sobre a reclamada redefinição do conceito de segurança na política mundial
contemporânea. Diferentes escolas e estudos, teóricos e empíricos, contribuíram para
este exercício dividindo-se entre os mais tradicionalistas que defendem uma conceção
mais neorrealista da segurança, onde o aspeto militar é central, e os proponentes da
Escola de Copenhaga ou construtivistas que defendem o "aprofundamento" e o
"alargamento" do conceito de segurança, rejeitando a primazia atribuída ao Estado
soberano como o principal objeto referente e agente de segurança.
O conceito de segurança foi, assim, redefinido para fazer face à
internacionalização das ameaças, aceite que foi, entre académicos e teóricos de
Relações Internacionais, a noção de que o sistema internacional passou a ser
caracterizado por complexas interdependências sociais, políticas e económicas. A
segurança nacional deixou de ser a principal preocupação dos Estados e a estabilidade
das fronteiras o primeiro objetivo (Baldwin, 1995, p.131). Também as ameaças
deixaram de ter limites definidos e origens conhecidas, agora já não somente externas
mas também internas, podendo afetar vários Estados ao mesmo tempo, e exigindo
novas formas de cooperação.
A segurança tornou-se cooperativa6, reconhecida a incapacidade de um Estado
de conseguir, por si só, fazer face às múltiplas ameaças que o fim do confronto leste-
-oeste veio realçar. A segurança cooperativa veio substituir o anterior equilíbrio de
poder bipolar, passando a privilegiar a intervenção humanitária e as coligações
multinacionais ao serviço de um interesse, já não somente nacional, mas internacional.
6 Embora muitas vezes aplicadas com o mesmo sentido, a segurança cooperativa é diferente de
segurança coletiva. A segurança cooperativa refere-se aos casos em que os Estados trabalham em conjunto para lidar com as ameaças e os desafios não-estatais A segurança coletiva, por outro lado, refere-se a um sistema de segurança em que os Estados concordam em agir em conjunto contra um dos membros do sistema que intenta ações agressivas contra outro (Mihalka, 2005, pp.113-114).
16
As forças militares redimensionaram-se, reduziram-se e reestruturaram-se para uma
missão em que a ameaça, também ela, era transnacional e não forçosamente estatal.
Promoveram-se medidas de transparência e de confiança entre antigos
adversários estabelecendo-se relações estáveis e regulares entre as respetivas Forças
Armadas. Exercícios conjuntos e combinados7, encontros e reuniões, intercâmbios e
formação constituíram mecanismos de aproximação e de redução de tensões e
desconfiança que garantiram os níveis de estabilidade necessários para a promoção do
desenvolvimento económico e social dessas regiões.
No período pós-Guerra Fria tornou-se claro que, para o mundo em
desenvolvimento, segurança passou a englobar um conjunto inteiramente diferente
de prioridades daquelas que tinham dominado o período do superpoder de
"destruição mútua assegurada" das duas superpotências.
Na sua abordagem mais elementar, segurança é simplesmente a ausência de
dano físico ou da ameaça de dano físico. É mais gradual do que dicotómico: não existe
segurança perfeita da mesma forma que não existe insegurança perfeita; existem,
apenas, diferentes graus de segurança. A segurança implica ou envolve uma ameaça,
que alia a capacidade, mas também a intenção de infligir danos ou praticar atos de
violência (Baldwin, 1997, p.15 e Caldwell e Williams, Jr., 2012, p.9). Na realidade, criar
segurança não é outra coisa senão reduzir ameaças.
Para Barry Buzan (1998, p.21) a segurança é uma questão de sobrevivência; é
quando um problema, apresentado como constituindo uma ameaça existencial a um
determinado objeto referente - o agente alvo da ameaça, justifica o uso de medidas
extraordinárias para lidar com ele. Tradicionalmente, o objeto referente seria o Estado
ou, de uma forma mais subliminar, a nação. Para o Estado tratar-se-ia de garantir a sua
soberania; para a nação, a sua identidade.
O conceito de segurança esteve até ao final da Guerra Fria associado à
segurança nacional, nomeadamente a ameaças militares externas ao Estado-nação.
Mas definir hoje a ameaça apenas em função de forças militares estrangeiras seria
7 Exercício conjunto envolve dois ou mais ramos das forças armadas; exercício combinado envolve dois
ou mais países.
17
desconsiderar um vasto número de ameaças não militares, como o terrorismo, as
organizações criminais transnacionais, as redes de pirataria, cibernética e outras, o
tráfico de droga, a imigração ilegal, entre mais, que desde o fim da Guerra Fria
desafiam os Estados e os atores internacionais.
A ameaça passou a ser entendida de forma mais abrangente e com um âmbito
mais lato sobre quem poderá ser considerado ameaçado. Este requisito do agente
ameaçado deixou de ser relativo apenas ao Estado para envolver agora o indivíduo,
certos grupos, classes ou famílias dentro do Estado podendo, em muitos casos, a
ameaça emanar do próprio Estado.
Duas características distintas passaram a caracterizar as ameaças à segurança:
elas ultrapassam os limites do Estado-nação e estão interligadas através de processos
de globalização. Nenhum Estado pode fazer face à diversidade de ameaças à sua
própria segurança, nem um Estado pode, por si só, lidar com as ameaças à segurança
dos seus vizinhos, quer dentro ou fora da sua região. Num ambiente globalizado, o
desafio de garantir a segurança já não é limitado à política externa e aos instrumentos
militares tradicionais do Estado-nação; a segurança e a insegurança já não estão
dependentes apenas de fatores geopolíticos e da força militar, mas também derivam
de questões económicas, sociais, ambientais, culturais, morais e religiosas.
Como já referido, um dos elementos definidores da ameaça foi
tradicionalmente a coexistência da capacidade e da intenção de infligir danos, ou
praticar atos de violência, concorrendo ambos para a própria definição de ameaça.
Mas novos paradigmas de estudos de segurança têm procurado eliminar este aspeto
da intenção ou ação, e identificaram uma diversidade de ameaças que não apresentam
esta qualificação decisiva. Os proponentes da Escola de Copenhaga, através de um
processo que denominaram de ‘securitização’ (Wæver, 2003, pp.511-533) consideram
a escassez de recursos, as doenças mortais, a pobreza, os desastres naturais e o
declínio ambiental, como ameaças graves à segurança internacional (Kahl 2006;
Mathews 1989; Podesta e Ogden 2007-2008; McInnes e Rushton 2010; Yergin 2006).
Estas vulnerabilidades enquadram-se nos estudos da segurança humana, assim
definida, em 1994, no Relatório de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, e
compreendem sete categorias: a segurança económica, a segurança sanitária, a
18
segurança alimentar, a segurança ambiental, a segurança pessoal, a segurança
comunitária e a segurança política.
Como expresso naquele relatório, “a segurança humana não é uma
preocupação com armas, é uma preocupação com a vida e a dignidade
humana. A segurança humana é uma criança que não morreu, uma doença que
não se propagou, um emprego que não foi cortado, uma tensão étnica que não
eclodiu em violência, um dissidente que não foi silenciado.” (PNUD,1994, p.22)
A dimensão humana atingiu uma importância crescente nas agendas políticas
internacionais, reconhecida a necessidade de garantir a segurança primária e básica
ao indivíduo, independentemente da cor, da raça ou do credo. Só garantindo essa
segurança humana, os Estados ou atores securitários - segundo a Escola de
Copenhaga -, poderiam almejar eliminar algumas das ameaças não tradicionais que
ainda desafiam a humanidade. No período do pós-Guerra Fria, o indivíduo voltou a
adquirir o seu papel intrínseco na comunidade, reclamando uma responsabilidade
política ativa na sociedade civil - ator não-estatal deste novo sistema de relações de
poder - e assumindo a cidadania universal que o processo de globalização agora lhe
proporcionava.
O conceito de segurança vai assim [para] além de considerações militares. Deve
ser interpretado em termos da segurança individual do cidadão, de viver em paz e com
acesso às necessidades básicas da vida, participando plenamente nos assuntos da sua
sociedade, em liberdade e desfrutando de todos os direitos humanos fundamentais
(African Leadership Forum, 1991).
Todavia são estes direitos humanos fundamentais que suscitam e justificam a
intervenção humanitária empreendida por forças militares de peacekeeping sob os
auspícios da Organização das Nações Unidas. As operações de apoio à paz (OAP) são -
como exposto no capítulo II -, uma expressão multilateral da Diplomacia de Defesa,
utilizada hoje por 122 dos 193 membros das Nações Unidas. No presente, mais de
100,000 elementos de peacekeeping repõem as condições de paz e segurança
distribuídos por 16 operações em quatro continentes (UN, 2014b).
19
I. 3. A Diplomacia num Mundo Global
O colapso da União Soviética provocou também o fim da divisão bipolar do
mundo que caracterizou os anos da Guerra Fria. A cortina de ferro (Churchill, 1946)
que dividira a Europa - de Stettin no Báltico a Trieste no Adriático - e o mundo, durante
todo este período, caíra. As agendas internacionais foram substancialmente alteradas,
refletindo a crescente esperança dos benefícios da diplomacia. O fim da Guerra do
Golfo, em 1991, não só ilustrou o sucesso dos mecanismos de cooperação entre as
forças da coligação liderada pelos Estados Unidos, como também simbolizou alguma
esperança de utilizar este modelo no futuro.
No final da Guerra Fria, as agendas internacionais já se tinham alterado
consideravelmente e, do mesmo modo, também o carácter da diplomacia. A
diplomacia tornou-se mais global, complicada e fragmentada (White, 2005, p.393).
A diplomacia que, desde meados do século XV, era reconhecida como um
importante instrumento da política externa tornou-se mais ampla no pós-Guerra Fria.
Um sistema internacional em rápido desenvolvimento abriu as portas a muitos novos
atores, incluindo organizações internacionais, empresas transnacionais e grupos de
interesse importantes. Assim, as mudanças na diplomacia são especialmente visíveis
pelo envolvimento de muitos novos atores na área da cooperação internacional.
As relações entre os Estados passaram a privilegiar o sistema de organizações
internacionais criado no final da Segunda Guerra Mundial, e também a diplomacia se
dotou de outras ferramentas para se adaptar aos novos desafios impostos pela
diversidade de atores não estatais8, determinantes no processo de decisão política de
muitas organizações internacionais. A diplomacia, um dos últimos monopólios do
governo, é agora acessível e desenvolvida por organizações não-governamentais
(ONGs), bem como por indivíduos com uma característica essencial: credibilidade"
(Picco, 2005, p.32). Mas não é verdade que o papel da diplomacia governamental
8 Segundo o ‘National Intelligence Council’ dos Estados Unidos, atores não estatais são ‘entidades não
soberanas que exercem uma influência e poder económico, social e político significativo a nível nacional e internacional’ (National Intelligence Office, 2007). Esta definição abrange um leque de atores tão diferentes que inclui terroristas e redes criminosas, assim como ONGs ou empresas multinacionais.
20
tenha diminuído. "Embora a entrada destes novos atores tenha terminado o
monopólio efetivo que os diplomatas outrora tiveram sobre as relações internacionais,
a diplomacia governamental continua a ter um papel importante" (Riordan, 2003,
p.130). A diplomacia moderna tornou-se um processo transnacional de relações sociais
realizado por uma comunidade diplomática alargada, em que o ator internacional atua
como facilitador da comunicação entre audiências-alvo com o objetivo de defender e
prosseguir interesses nacionais.
Nicholas J. Cull (2009, p.12) definiu diplomacia como o ”emprego de medidas -
não belicistas - por um ator internacional para influenciar o ambiente internacional.
Hoje, esse ator pode ser um Estado, uma empresa multinacional, uma organização
não-governamental, uma organização internacional, terrorista ou paramilitar não
estatal, ou outro ator no cenário mundial”.
A expressão diplomacia pública foi proposta e assim cunhada, em 1965 por
Edmund A. Gullion9, que a resumiu mais tarde - em março de 1966 -, como o emprego
de meios através dos quais os governos, grupos privados e indivíduos influenciam as
atitudes e opiniões dos outros povos e governos, de forma a exercer influência sobre as
suas decisões de política externa.
Dominada por um rápido desenvolvimento da cooperação e coordenação entre
instituições na resolução de diferentes questões globais, a diplomacia privilegiou o
multilateral alargando-se à sociedade civil, a peritos e especialistas, e sem dispensar o
papel fundamental que a comunicação social e as redes sociais exercem hoje para o
sucesso da comunicação dos seus objetivos. Um dos aspetos determinantes na
alteração do carácter da diplomacia é o uso de tecnologias avançadas de informação
na comunicação atual. Nos dias de hoje, a facilidade de circulação da informação e a
sua acessibilidade altera por completo a dinâmica do trabalho diplomático exigindo
reações muito mais rápidas e outros princípios de seleção da informação. Acresce que
a agenda deste século requer especialistas em vários campos: energia, meio ambiente,
finanças, economia, direitos humanos, saúde, tecnologia da informação e
comunicação, crime organizado, e ainda, as questões de segurança e defesa, e do
9 Antigo diplomata norte-americano e Reitor da Fletcher School of Law and Diplomacy, Tufts University.
21
terrorismo. A diplomacia pública favorece, mais do que nunca, a relação interpessoal,
investindo na construção e no estabelecimento de relacionamentos, com o objetivo de
compreender as necessidades de outras culturas, povos e países; comunicar pontos de
vista; corrigir equívocos e mal-entendidos; e procurar áreas onde possam coincidir
opiniões e interesses.
A diplomacia também se tornou integrativa pela necessidade de integrar a
mudança e continuidade, diferentes agendas e arenas, outras estruturas e processos
diplomáticos, e a própria máquina diplomática, mas acima de tudo, a assunção da
compreensão da mudança dos padrões de comunicação diplomática. A diplomacia
integrativa reconhece a importância do crescimento das redes de política internacional
e, consequentemente, a importância de uma diplomacia eficaz de colaboração entre
diplomatas profissionais e os representantes de uma variedade de atores
internacionais. Cabe assim aos Ministérios dos Negócios Estrangeiros desenvolver
estratégias eficazes de diplomacia pública plenamente integradas na estrutura
governativa de decisão política, e assegurar que os outros elementos do sistema
diplomático nacional compreendam a centralidade da diplomacia pública e os
objetivos estratégicos de médio e longo prazo (Hocking et al., 2012, pp.5-6).
O que distingue a diplomacia pública da diplomacia tradicional é que a
diplomacia pública envolve um grupo muito mais alargado de atores, e um conjunto
maior de interesses que vão para além daqueles de determinado programa de
governo. É baseada na premissa de que a imagem e a reputação de um país são bens
públicos que podem criar um ambiente favorável para transações individuais.
Trabalhar determinadas questões poderá causar e produzir impacto na imagem geral
do país e poderá refletir-se em ambas as direções, positivas e negativas.
No entanto, a voz mais forte para um ator internacional não é o que diz, mas o
que faz, e a história está cheia de exemplos de atores internacionais para quem a
melhor diplomacia pública não foi substituto de uma má política (Cull, 2009, p.27).
Nicholas Cull (2009, pp.18-23) considerou seis elementos para o
desenvolvimento da diplomacia pública, sistematizados na Figura 1.2, e que
22
compreendem a guerra psicológica, a diplomacia cultural, a transmissão de notícias, os
intercâmbios e a capacidade de ouvir e de advogar.
Figura 1.2 - Diplomacia pública: seis elementos constitutivos ou abordagens
(Fonte: Adaptado de Cull, 2009, pp.18-23)
Todos estes elementos concorrem em conjunto ou isoladamente para a
prossecução de um determinado objetivo ou para uma política de diplomacia pública
definida pelo ator internacional, em três domínios de intervenção: o político-militar, o
económico e o societal/cultural.
Acresce que muitas das ferramentas promotoras da mudança não são
controladas pelo governo. As dimensões dinâmicas da vida de hoje estão em grande
parte no setor privado, não no setor público. Organizações não-governamentais,
fundações privadas, empresas, universidades e cidadãos promovem, todos os dias,
atividades relevantes e inovadoras que aumentam o poder e atratividade do país. O
envolvimento destes novos atores - no que foi tradicionalmente domínio do governo -
cria uma infinidade de oportunidades de cooperação inovadora, e sem precedentes,
que podem contribuir para a definição de uma verdadeira diplomacia pública.
23
A diplomacia pública atua em complemento e em reforço à diplomacia
tradicional, tentando atingir públicos da esfera governamental e não-governamental,
quer de elite quer de massa. Funciona em estreita coordenação, e em paralelo, com o
esforço diplomático tradicional. Os três domínios em que é desenvolvida terão pesos
diferentes dependendo do momento e do contexto. Na tabela 1.1, Mark Leonard
fornece uma ajuda heurística útil para compreender o alcance da diplomacia pública:
Tabela 1.1
Diplomacia Pública: Uma Conceptualização
Finalidade Reativo Pró-ativo
Construção de
relacionamentos
(horas e dias) (semanas/meses) (anos)
Político/Militar
Económico
Societal/Cultural
Fonte: Leonard, M., Stead, C. e Smewing, C., 2002, p.10
Em cada um destes domínios - político-militar, o económico e o
societal/cultural - são consideradas três dimensões onde se desenvolvem as atividades
de diplomacia pública: comunicações diárias, comunicações estratégicas e relações
duradouras, conforme explicitado na Figura 1.3.
Figura 1.3 - Dimensões da Diplomacia Pública
(Fonte: Adaptado de Leonard, M., Stead, C. e Smewing, C., 2002, pp.10-11)
24
A diplomacia pública10 posta em prática pelos Estados Unidos da América
durante a Guerra Fria e que, segundo alguns autores foi instrumental para a sua
vitória, é hoje, e fundamentalmente após os atentados de 11 de setembro de 2001,
reclamada como indispensável numa estratégia de comunicação e de influência de
qualquer política externa.
Ironicamente foi o fim da Guerra Fria que tornou a diplomacia pública -
conotada por muitos como propaganda – substancial para os objetivos políticos dos
atores internacionais: a disseminação da democracia, a explosão dos media e a
ascensão das ONGs globais e dos grupos de pressão mudaram a natureza do poder, e
colocaram cada vez maiores restrições à liberdade de ação dos governos nacionais.
Por fim, a diplomacia pública não é mais do que uma técnica para alcançar os
objetivos políticos estabelecidos, tal como o soft power; definido por Joseph Nye
(2004, p.x) como a capacidade de conseguir o que se quer pela atração, e não pela
coerção ou pagamento. No entanto, diplomacia pública e soft power não são a mesma
coisa; diplomacia pública pode ser o mecanismo para o emprego de soft power. Um
ator internacional pode ter diplomacia pública e não ter soft power (Coreia do Norte) e
ter soft power e ter uma diplomacia pública mínima (Irlanda) [Cull, 2009, p.15].
Nye distingue soft power como um princípio orientador e diplomacia pública
como uma prática executiva quando contrapõe as três principais categorias que atribui
ao soft power - cultura, valores políticos e política externa (Nye, 2004, p.11), com os
três objetivos principais de Mark Leonard - ou práticas - de diplomacia pública:
comunicações diárias, comunicação estratégica e relações duradouras. Como
constatou Christopher Hill, a lógica do paradigma do soft power é que os alvos da
política externa são agora as pessoas (2003, p.279).
Acresce que a diplomacia, tal como a segurança, não existe num vácuo.
É influenciada por um processo contínuo de mudança. À medida que o mundo se
altera, assim também a diplomacia. Citando Brian Hocking (1998, p.170) " tal como no
10
Intercâmbios culturais, bolsas de estudo, transmissões radiofónicas, como a ‘Voice of America’ e ‘Radio Free Europe’ foram algumas das iniciativas que pretenderam influenciar e alterar a maneira de pensar dos soviéticos e dos europeus de leste. A ideologia e a psicologia adquiriram uma dimensão importante nas ações de política externa.
25
passado, a diplomacia está a responder às mudanças de carácter, tanto do Estado
como da sociedade".
Talvez a maior mudança tenha sido mesmo na Diplomacia de Defesa. O final do
sistema bipolar que caracterizou todo o período da Guerra Fria e que provocou a nova
vaga de globalização produziu também um novo espaço, já não da exclusividade dos
Adidos Militares e de Defesa, mas de todos os agentes civis e militares dos Ministérios
da Defesa e das Forças Armadas. A Diplomacia de Defesa, vetor inequívoco da
Diplomacia Pública tornou-se um fator de aproximação e de consolidação de medidas
de confiança (ou de soft power) que constituem, por excelência, a terceira dimensão
de uma diplomacia pública claramente definida. O estabelecimento de medidas de
confiança e de relações pessoais e institucionais constitui o objetivo primeiro e último
da formação, treino e intercâmbio de delegações que marcam muito do
relacionamento bilateral de Defesa. O capital humano é o nosso melhor recurso e ativo
estratégico, parafraseando o Ministro da Defesa Nacional, José Pedro Aguiar-Branco, e
é nesta área que Portugal poderá fazer a diferença, reconhecido pela excelência quer
da sua capacidade de formar e de instruir, quer pela sua inegável faculdade de se
relacionar e estabelecer parcerias. A formação e o treino deverão, por isso, constituir a
base da nossa Diplomacia de Defesa, assumindo-se como um verdadeiro elemento de
soft power da política externa do Estado.
26
Capítulo II
Diplomacia de Defesa: Uma Diplomacia Preventiva?
II. 1. O papel da Diplomacia de Defesa na Prevenção de Conflitos
Seria expectável que ao abordar o papel e a missão das Forças Armadas no
quadro de uma diplomacia pública, lhes fossem de imediato associados os
instrumentos de hard power que habitualmente caracterizam e definem a sua ação no
âmbito da política externa do Estado.
Como veremos, também ao longo deste capítulo, o papel das Forças Armadas
nas sociedades modernas e na civilização ocidental parece ser tão eficaz através de
instrumentos de soft power do que exclusivamente através de meios de hard power.
Um dos objetivos da civilização é precisamente o de transformar o ‘hard power’
em ‘soft power’: a anarquia em ordem, a força em lei, o poder em autoridade
legítima. São estes os fins pelos quais são estabelecidas as ordens políticas
internas. E são estes também os objetivos da diplomacia (Cooper, 2004, p.180).
De facto, tradicionalmente, o papel das Forças Armadas tem sido definido pelo
imperativo funcional do uso ou a ameaça do uso da força, quer seja para fins de
defesa, dissuasão, compulsão ou intervenção (Cottey e Forster, 2004, p.5).
É a força ou a ameaça do seu uso que distingue a diplomacia preventiva da
diplomacia coerciva. Na diplomacia coerciva, a força ou a ameaça do seu uso pode ser
utilizada para influenciar o comportamento do adversário. O objetivo poderá não ser
necessariamente provocar a guerra, mas tão só a ameaça de guerra para impor e
alcançar determinados interesses de um Estado ou de um sistema de alianças
(Acharya, 1996, p.4). Robert Art acrescenta na sua definição de diplomacia coerciva
(2003, p.6) o uso efectivo de força limitada”11, o que o autor Alexandre L. George
(1991) designou de ‘persuasão musculada’ ”na tentativa de fazer com que um objeto –
11
Itálico da autora.
27
um Estado, um grupo (ou grupos) dentro do Estado, ou um ator não estatal - altere o
seu comportamento reprovável.
O objetivo é induzir o adversário a aceitar as condições - cumprindo as
exigências - ou a negociar o compromisso mais favorável, enquanto se gere
simultaneamente a crise para evitar a escalada militar. A diplomacia coerciva também
se diferencia da dissuasão. A dissuasão recorre a ameaças para – naturalmente -
dissuadir um adversário de iniciar uma ação indesejada, enquanto a diplomacia
coerciva é uma resposta a uma ação que já foi iniciada. Para Alexander George (1991,
p.6) trata-se de uma estratégia defensiva, que é utilizada para contrapor as ações
empreendidas por um adversário para alterar uma situação de status quo em seu
próprio benefício, persuadindo-o a descontinuar a sua ação ou a repor a situação
anterior.
Em contrapartida, o objetivo último da diplomacia preventiva é evitar o uso da
força, privilegiando assim os instrumentos políticos e diplomáticos do diálogo, da
mediação e da negociação; instrumentos que são fundamentalmente não-militares em
natureza.
O uso específico e consistente do termo diplomacia preventiva é atribuída a
Dag Hammarskjöld, diplomata sueco e 2º Secretário-Geral das Nações Unidas (1953-
1961). Foi o percursor da cooperação para o desenvolvimento, bem como o promotor
da política para o estabelecimento de uma força de paz das Nações Unidas, um
modelo que mais tarde se tornaria uma ferramenta essencial do mecanismo de gestão
de crises da Organização. Na gestão de conflitos, defendia o emprego de uma
‘diplomacia silenciosa’ (quiet diplomacy) argumentando que, em certas situações, este
método era preferível ao debate aberto que frequentemente conduzia a conflitos mais
graves. Para Hammarskjöld, o objetivo imediato da diplomacia preventiva consistia em
evitar que conflitos locais se tornassem objeto da rivalidade das duas superpotências.
Embora o final da Guerra Fria tenha eliminado este racional da diplomacia preventiva,
o conceito foi reclamado e redefinido, em 1992, por Boutros Boutros-Ghali na Agenda
para a Paz como a “ação empreendida para evitar o aparecimento de litígios entre
Partes, prevenir a escalada de disputas em conflitos e limitar a sua propagação quando
ocorrem” (1992, p.823).
28
É neste documento e no Suplemento à Agenda para a Paz de 1995, também de
Boutros-Ghali, que estão definidas as várias categorias de missões para o controlo e
solução de conflitos (peacekeeping): a prevenção de conflitos (diplomacia preventiva e
o restabelecimento da paz); a manutenção da paz12; a consolidação da paz, e a
imposição da paz.13
Uma operação de manutenção de paz é, assim, uma forma de resolução de
conflitos, através da procura de uma solução em conjunto com as partes em conflito
(necessariamente uma solução política) e não um modo de impor uma solução. São
conduzidas com o consentimento das partes envolvidas e abrangem operações
militares que excluem as de combate (exceto as ações de legítima defesa).
As atividades das operações de paz são hoje multifuncionais englobando
tarefas tão variadas como: a supervisão de um cessar-fogo; a desmobilização de forças
e de grupos armados, bem como a sua reintegração na vida civil; a destruição de
armamentos; a elaboração e aplicação de programas de remoção de minas; o controlo
de refugiados e deslocados; a prestação de auxílio humanitário; a supervisão de
estruturas administrativas existentes; o estabelecimento de novas Forças Armadas ou
policiais; a verificação do respeito dos direitos humanos; a formulação e supervisão de
reformas constitucionais, jurídicas e eleitorais; a observação, supervisão e organização
de atos eleitorais; e, ainda, a coordenação de apoios tendo em vista a reabilitação e
reconstrução económica.
12
Marrack Goulding (1993, p.455), então Secretário-Geral Adjunto das Nações Unidas, definiu as operações de manutenção de paz como “operações estabelecidas pelas Nações Unidas, com o consentimento das partes interessadas, para ajudar a controlar e resolver conflitos entre elas, sob o comando e controlo da ONU, custeadas coletivamente pelos Estados-membros, e integrando pessoal militar e outro, bem como equipamentos fornecidos voluntariamente por aqueles, atuando imparcialmente para com as partes e utilizando a força na mínima extensão necessária.
13 As operações de imposição da paz têm uma natureza radicalmente diferente, constituindo uma forma
de intervenção militar - ou ameaça de intervenção - em que a força militar é utilizada, de forma coerciva, com o objetivo de fazer cumprir resoluções legitimadas internacionalmente. A diferença de atuação ou modus operandi destas missões tem levado à opção de recorrer a outras organizações regionais ou coligações para a sua operacionalização, numa divisão de trabalho, já prevista na Carta das Nações Unidas, embora sempre legitimadas por uma Resolução do Conselho de Segurança, preservando, deste modo, a credibilidade e a imparcialidade desta Organização.
29
A primeira força - e a única - da Organização das Nações Unidas que foi
empregue com um mandato preventivo foi a UNPREDEP (United Nations Preventive
Deployment Force) na antiga República Jugoslava da Macedónia (Resolução 983/1995).
Num worshop internacional subordinado ao tema, “Uma Agenda para a Diplomacia
Preventiva: Teoria e Prática” que teve lugar em Skopje, na capital da Macedónia, em
outubro de 1996, o Secretário-Geral das Nações Unidas, Boutros Boutros-Ghali
afirmava:
“Diplomacia preventiva requer o envolvimento construtivo da comunidade
internacional. A retórica deve ser acompanhada de ações, a teoria deve estar
intimamente ligada com a prática, e a boa vontade tem de prevalecer sobre o
preconceito. Poucos duvidam que, em termos de recursos humanos e
materiais, a prevenção é menos onerosa do que a cura. O desafio é congregar
a vontade política para agir. A UNPREDEP continua a ser a primeira e única
operação preventiva de manutenção da paz das Nações Unidas. É uma
demonstração do que pode ser feito no âmbito da prevenção de conflitos,
quando bons ofícios e o envio de tropas são aplicados de forma efetiva. A
experiência tem-nos ensinado que o adiamento das medidas para evitar o
conflito é muitas vezes uma receita para o desastre. Se quisermos ter alguma
esperança de acabar com o sofrimento humano e a destruição material, a
diplomacia preventiva deve permanecer um objetivo primordial das Nações
Unidas.”
A UNPREDEP demonstrou que a projeção preventiva é uma forma eficaz de
manutenção da paz e que os resultados podem ser alcançados mesmo com uma
presença pequena, quase simbólica de capacetes azuis das Nações Unidas, se for feito
na hora certa e com um mandato claro. Em novembro de 1995, o Secretário-Geral
informava o Conselho de Segurança que tinha sido alcançado o objetivo fundamental
da operação, e que o conflito na ex-Jugoslávia tinha sido contido e impedido de se
propagar. Observava, porém, que as causas que haviam levado à criação da operação
30
preventiva das Nações Unidas não tinham deixado de existir e que a presença contínua
de UNPREDEP permanecia vital para a manutenção da paz e da estabilidade no país.
A ação preventiva é, desde então, ampla e politicamente reconhecida e o
prestígio associado ao sucesso do diálogo, da mediação e da prevenção de conflitos
tem multiplicado os intervenientes nesta arquitectura de paz. Mas o estabelecimento
de novas infraestruturas para a paz, como são hoje comummente designadas (Ganson
e Wennmann 2012, citado em Zyck e Muggah, 2012, p.70) são oportunidades em que
a Diplomacia de Defesa tem um papel e um espaço próprio de ação preventiva ao
participar e contribuir ativa e diretamente também em programas de reforma do
sector de segurança14 de determinados países - alguns na Europa, mas também, e
sobretudo, em África. Esta área fundamental da reestrutração e da capacitação
institucional é uma ferramenta chave para a prevenção de conflitos sobretudo em
certos países de África Ocidental onde as forças de segurança têm - recorrentemente -
provado constituir um foco de instabilidade política e social. A reforma do sector da
segurança é fundamental, não só para a criação e o desenvolvimento de instituições
capazes de garantir e produzir segurança, mas igualmente para o estabelecimento de
efetivos mecanismos civis de supervisão. No fundo, para a edificação das capacidades
institucionais necessárias para o estabelecimento e a construção de Estados
democráticos.
O sucesso e a eficácia da Diplomacia da Defesa dependerá, no entanto, da
identificação e estabelecimento de interesses comuns que edificarão as bases da relação
entre as partes. Cooperação objetiva e útil, e projetos substantivos podem constituir
uma fundação mais sólida e com maior impacto do que medidas simbólicas. Também os
enquadramentos multilaterais, como organizações regionais e sub-regionais, deverão
ser parte ativa para encorajar e legitimar a Diplomacia de Defesa.
14
A reforma do sector da segurança é a transformação do sistema de segurança, que inclui todos os atores, as suas funções, responsabilidades e ações, de modo a ser administrado e operado de maneira mais consistente com as normas democráticas e princípios sólidos da boa governação, contribuindo assim para o bom funcionamento da estrutura de segurança. Umas forças de segurança responsáveis e responsabilizadas reduzem o risco de conflitos, garantem segurança aos cidadãos e criam o ambiente certo para o desenvolvimento sustentável. O objetivo global da reforma do sector de segurança é contribuir para um ambiente seguro e propício ao desenvolvimento. DFID 2003, p. 30, OECD/DAC 2001, pp. II-119
31
Estes instrumentos constituíram o que na OTAN ficou conhecido por Partnership
for Peace ou PfP (Parceria para a Paz). Este programa estabelecido em janeiro de 1994 -
idealizado por Joseph J. Kruzel, Subsecretário Adjunto da Defesa para a Política Europeia
e da OTAN - é considerado um caso exemplar de Diplomacia de Defesa por ter ajudado a
ultrapassar a divisão na Europa depois da Guerra Fria; por ter aberto o caminho para a
adesão plena de alguns países à OTAN, mantendo a cooperação e o diálogo com outros;
por ter encorajado a cooperação entre Estados do Centro e do Leste da Europa; por ter
apoiado o estabelecimento do controlo democrático e a reforma dos seus aparelhos
militares; por ter facilitado o desenvolvimento da interoperabilidade com a OTAN; e,
também, por ter contribuído para o sucesso das operações de paz da OTAN nos Balcãs.
O exemplo da Parceria para a Paz é sobretudo um sucesso da Europa, mas
existem outros modelos de sucesso de Diplomacia de Defesa. Ao considerar o caso
concreto da Índia, não é difícil reconhecer que a sua política de não-alinhamento marcou
negativamente toda a sua relação com os Estados Unidos da América, a China e o Japão
durante a Guerra Fria, privilegiando, em oposição, as relações com a antiga União
Soviética. A sua relação com a China foi marcada por desacordos e confronto militar,
enquanto o Japão não contemplava uma relação de cooperação de segurança com uma
“Índia nuclear”. Mas a Índia articulou a sua política de Diplomacia de Defesa com alguma
inteligência no final da década de 90. Para além da sua democracia liberal, a aposta no
desenvolvimento tecnológico, aliada ao seu poder militar, bem como a cooperação
desenvolvida no âmbito das Operações de Paz e na luta antiterrorista, tornaram a Índia
um parceiro muito atrativo, talvez, em parte, justificado por receios da crescente
assertividade chinesa, refletida também na sua Diplomacia de Defesa (Kulshrestha,
2012, p.92).
Se é incontestável que o Reino Unido tem utilizado a sua Diplomacia de Defesa
para construir laços estreitos com outras forças militares europeias como forma de
manter a paz no continente, a China, em contrapartida, tem usado métodos similares
para ganhar acesso aos mercados estrangeiros e garantir os direitos de extração de
recursos naturais. Em ambos os casos, as estruturas de defesa de cada país são utilizadas
para atrair as elites governantes de um país estrangeiro, a fim de estabelecer atividades
de cooperação, cuja natureza é intrinsecamente do interesse do seu proponente. Desde
32
a difusão de normas liberais no programa da Parceria para a Paz da OTAN, aos esforços
da União Soviética para disseminar as ideologias marxistas a exércitos estrangeiros
através dos seus programas de treino, a Diplomacia de Defesa tem sido constantemente
utilizada como um instrumento de direto envolvimento com agências governamentais
estrangeiras, a fim de produzir os resultados pretendidos (Winger, 2014, p.7).
Os objetivos da Diplomacia de Defesa serão aqueles que lhe forem atribuídos
no âmbito da política externa do Estado, e no quadro de uma diplomacia pública
integrada. Sendo inegável o seu contributo para a prevenção de conflitos, não deve ser
subestimada a sua importância e utilidade como sistema de alerta precoce, e na
reconstrução pós-conflito. Utilizada para promover a estabilidade e a segurança
através da alteração de atitudes e da percepção das partes num conflito, é o
desarmamento da mente (MoD, 2000, p.4) que distingue a Diplomacia da Defesa.
II. 2. A contribuição da Diplomacia de Defesa para a promoção da democracia
Para todos aqueles que estudam História ou a natureza humana, deve ser
evidente que a democracia, embora não seja uma solução completa, é uma parte
essencial da solução (Russell, 2009, p.646).
A democracia não é um fim em si mesmo. Como forma de governo dependente
do consentimento dos governados, é um meio de realização da vida individual e da
prossecução de fins comuns. Não existe um modelo de democracia melhor que outro.
No entanto, as suas características positivas mais importantes são evidentes: governo
eleito e responsabilizável; coexistência positiva de uma sociedade civil pluralista;
Estado de direito transparente e equitativamente aplicado; meios de comunicação
independentes; proteção dos direitos humanos e liberdade de expressão, de reunião e
de culto; e igual participação de todos na seleção da representação política (Kinsman e
Bassuener, 2013).
William James Perry, ex-Secretário da Defesa norte-americano (1994-1997)
acreditava que “a democracia é um comportamento aprendido”, considerando que os
33
contactos de militares norte-americanos com outras nações se apresentavam como
oportunidades de propagar a democracia. "Muitos países têm hoje democracias que
existem no papel, mas na verdade são extremamente frágeis." E o exemplo do exército
norte-americano é extremamente importante em muitos desses países, porque os
seus aparelhos militares são muitas vezes as instituições mais coesas nesses países.
"Em suma, [essas estruturas militares] podem apoiar a democracia ou subvertê-la"
(Perry, citado por Garamone, 1996).
O apoio ao desenvolvimento democrático deverá ser um dos objetivos principais
das relações militares com países autoritários ou em transição. E há muitas maneiras
através das quais os oficiais militares [e os elementos civis dos Ministérios da Defesa]
podem - nas suas relações com os seus pares de países autoritários - influenciá-los sobre
as vantagens de um sistema democrático. Se lhes for dada essa missão, os oficiais,
extremamente capazes, homens e mulheres das Forças Armadas de regimes
democráticos encontrarão formas, ainda mais eficazes, para divulgar os ideais e práticas
democráticas (Blair, 2013, pp.115-116).
A Diplomacia de Defesa pode incluir o apoio político e material para políticos
reformadores e democratas, pressão para evitar o regresso ao autoritarismo, a partilha
de modelos e exemplos de boas práticas, a assessoria técnica e o apoio material para o
desenvolvimento de normas e instituições democráticas. Segundo Cottey e Forster
(2004, pp.33-34), a Diplomacia de Defesa pode ainda facilitar a promoção da
democratização das relações civil-militar em determinadas áreas como: o controlo
político (civil) das Forças Armadas; o controlo civil e democrático da política de defesa; a
supervisão legislativa/parlamentar; o estado de direito, os direitos humanos e a justiça;
e, o envolvimento da sociedade civil.
Segundo o General alemão Harald Kujat (1998) o controlo democrático deve
ser sempre um processo de duas vias entre as Forças Armadas e a sociedade. Em
democracia, as garantias constitucionais devem proteger o Estado - incluindo as Forças
Armadas - de dois tipos de potenciais perigos: dos políticos, que têm ambições
militares, e dos militares com ambições políticas.
O uso da Diplomacia de Defesa para promover relações civil-militar
democráticas está altamente dependente do contexto. Em regimes autoritários
34
prolongados, a perspetiva da democratização destas relações civil-militar será,
provavelmente, muito limitada. Pelo contrário, em regimes e países a atravessar
processos de transição democrática ou de reforma, a Diplomacia de Defesa poderá
desempenhar um papel importante na promoção de relações civil-militar democráticas
em áreas específicas, como:
─ A subordinação das Forças Armadas ao poder político civil (incluindo medidas
que promovam a despolitização dos militares; a alteração da constituição para
incorporar o princípio do controlo democrático; o estabelecimento de uma cadeia
de comando que reflita inequivocamente este princípio, e a reforma ou o
estabelecimento de instituições de supervisão e controlo (p.ex., como um
Conselho de Segurança Nacional, um ministério da Defesa, ou outros);
─ O controlo político civil sobre a política de defesa (incluindo medidas que
definam os poderes do parlamento em relação às Forças Armadas e à política de
defesa; o estabelecimento de comissões parlamentares de negócios estrangeiros,
defesa e ou segurança; assegurando o papel do parlamento na aprovação de
legislação relevante, nomeações, orçamento de defesa e o envio de forças
militares para o estrangeiro, garantindo o acesso do parlamento e das suas
comissões a informação, inquéritos e audições, e a publicação de relatórios
parlamentares);
─ Estado de direito, direitos humanos e justiça (incluindo medidas que garantam a
submissão das Forças Armadas e do governo ao estado de direito; reformando o
sistema judicial; desenvolvendo uma cultura de respeito pelos direitos humanos
dentro das Forças Armadas; e a questão problemática da justiça em relação a
crimes ou abusos cometidos pelos militares);
─ O envolvimento da sociedade civil (incluindo medidas que promovam a liberdade
de informação e a transparência em relação às Forças Armadas e ao orçamento de
defesa; o desenvolvimento de institutos de investigação independentes, think
tanks e outros grupos da sociedade civil; e uma comunicação social livre e
independente e conhecedora dos assuntos de segurança e defesa).
35
A promoção das relações civil-militar democráticas também não foi imune aos
efeitos da globalização. Registaram-se alterações positivas na propagação da
democracia, e o consequente enfraquecimento do apoio militar a governos
autocráticos. O fluxo mais livre de informação em todo o mundo, os intercâmbios e o
contacto entre os oficiais militares, acrescido dos exemplos regionais e globais,
proporcionaram um ambiente e um entendimento entre grande parte das Forças
Armadas em todo o mundo, com base nos seguintes princípios: (1) o objetivo principal
das forças militares deve ser a defesa contra inimigos externos e o apoio ao
desenvolvimento económico e a segurança interna; (2) as funções de segurança
interna são limitadas, temporárias, e não incluem o uso da força contra manifestações
pacíficas. Até 2012, o número de regimes autoritários com apoio militar reduziu
significativamente15, desde o seu expoente máximo nos inícios dos anos 1970 (Blair,
2013, p. 52).
O desafio para as Forças Armadas (dos regimes democráticos) é duplo; por um
lado, promover e conduzir os restantes regimes repressivos para um processo
democrático e, por outro lado, apoiar e fortalecer o desenvolvimento democrático dos
países em transição. Nas relações militares com os restantes países autoritários, o
objetivo é influenciar as Forças Armadas no sentido de apreenderem que num sistema
democrático tanto os seus países e serviços, assim como o líder militar têm mais
probabilidades de prosperidade e sucesso. O objetivo final é trazê-los para as fileiras
das Forças Armadas que são quem verdadeiramente defende o seu povo, não
apoiando um governo que um dia lhes possa pedir para abrir fogo contra os seus
concidadãos. Se as Forças Armadas não se puderem tornar agentes de mudança, pelo
menos, não devem ser os seus adversários (Blair, 2013,p.53).
15
Uma redução de cerca de 49%, de 92 regimes autoritários em 1973 para 47 em 2012.
36
II. 3. A Diplomacia de Defesa como um elemento de “Soft Power”
É assim evidente que os Estados afectam cada vez mais recursos para atingirem
os seus objetivos na esfera internacional combinando instrumentos, tanto de soft
power, como de hard power, embora nem sempre com os resultados desejados. O
poder é hoje, como sempre, “uma questão de recursos e de contexto” (Hackbarth,
2009), mas no presente é exercido - fundamentalmente - no campo económico e não
no campo de batalha (Heywood, 2011, p.213).
Embora seja objeto de diversas definições e diferentes conceptualizações, o
conceito de poder deve ser compreendido de duas formas; num sentido instrumental
(o que faz?) e num sentido processual (como o faz?) (May, 2008, p.175).
Para o caso de estudo em análise foi considerada uma abordagem de poder
relacional como defendida por Michel Foucault, ou seja, o poder entendido como um
produto de relações entre diferentes atores. Em termos muito simples, resume-se à
capacidade de persuadir os outros a fazer o que queremos; não é o mesmo que força
ou coerção, embora sejam frequentemente confundidos.
Joseph Nye reconhece que "(o) poder é como o clima. Todos falam e dependem
dele, mas poucos o entendem” (2004, p.1). Para o autor existem três formas de se
atingirem os objetivos pretendidos: usando ou ameaçando usar coerção (paus);
induzindo um determinado comportamento por troca de uma recompensa (cenouras);
ou utilizando soft power – atraindo os outros a quererem os mesmos objetivos ou
resultados. Ao nível da política mundial, as nações podem atrair outras através da força
da sua cultura e dos seus valores. Quando um país consegue induzir os outros a segui-lo
através de medidas de soft power, poupa muitos paus e cenouras, ou seja, hard power
(Nye, 2006, p.10). Mas os dois tipos de poder, o hard e o soft power, não se excluem
mutuamente. A diferença mais significativa entre estes dois tipos de poder - retratada
na tabela 2.1 - reside, fundamentalmente, na forma como cada um deles influencia (ou
pretende influenciar) o comportamento de outros. Hard power (ou “command power”)
pretende fazê-lo através da indução ou da coerção (força coerciva), enquanto o soft
power (ou “co-optive power”) utiliza a atração e a persuasão para esse fim (poder de
37
atração) [Nye, 2004, pp.5-11]. Como descrito por Robert Cooper (2004, p.180) soft
power é a luva de veludo, mas por detrás há sempre o punho de ferro.
Tabela 2.1
Hard Power e Soft Power: Quadro Comparativo
Comportamentos Recursos
Hard Power Coerção, Pressão e
Compulsão
Força, Sanções,
Pagamentos e Subornos
Soft Power Atração, Persuasão e
Definição de Agenda
Instituições, Valores,
Cultura e Políticas
(Fonte: Adaptado de Nye, 2004,p.8)
Hard power é poder coercivo empreendido através de ameaças militares e
económicas, estímulos ou compensações financeiras, e baseado em recursos objetivos
e tangíveis, como a capacidade militar ou a supremacia económica. Em contrapartida,
soft power é poder persuasivo decorrente de ações de atração e de sedução, e tem por
base recursos intangíveis, como a cultura, valores ou ideologia. A tangibilidade dos
recursos tem reflexos diretos na obtenção do hard power e do soft power. Os recursos
tangíveis do hard power parecem ser mais rápidos de atingir, enquanto o soft power,
por recorrer a recursos intangíveis, precisa de mais tempo para atingir os resultados
pretendidos. Mas a dimensão temporal do sucesso das estratégias de hard power e
soft power também é diferente. Enquanto a coerção económica ou militar tende a
registar resultados imediatos, mas de efeitos de curta-duração, a atração e a
persuasão têm a vantagem de produzir alterações de longo prazo. Este facto parece
resultar de um aspeto inerente ao próprio conceito: como o hard power coage o
sujeito a adotar uma ação diferente daquela que normalmente caracteriza o seu
comportamento habitual, a sua ação é involuntária, enquanto o soft power, pelo
contrário, altera a atitude do sujeito ao ponto do próprio agir voluntariamente de uma
maneira diferente do que seria o seu comportamento usual (Wagner, 2014).
38
Joseph Nye identifica dois caminhos causais através dos quais o soft power
pode ser utilizado para influenciar a política de um governo. O primeiro método,
conhecido como modelo indireto, depende de um país (proponente) conseguir cultivar
o apoio dentro do público geral do país-alvo para uma posição preferida. Assim que o
público geral do país-alvo é convencido a apoiar a posição preferida do proponente, o
ambiente político do país-alvo será moldado de forma a beneficiar os interesses do
proponente. Isso pode ocorrer quando uma população exerce pressão sobre os seus
representantes governamentais ou através de processos democráticos (caso existam),
formas de participação cívica, como protestos de rua, greves, ou a criação de
condições que limitam as opções políticas disponíveis para os líderes políticos (Nye,
2011, pp.94 -97).
O estudo do modelo indireto de soft power centra-se principalmente no uso da
diplomacia pública, onde os governos utilizam a educação, o desenvolvimento e
programas sociais para comunicar diretamente com as populações estrangeiras, como
um meio de obter o seu apoio. Radio Free Europe e outras atividades da Agência de
Informação dos Estados Unidos enquadram-se nesta categoria, que procura envolver
as populações de outros países e promover uma visão americana do mundo.
O segundo método de aplicação de soft power de Nye é o modelo direto com
um governo a apelar diretamente às elites de outro país, num esforço para obter os
líderes desse país a adotar a posição preferida. As atividades diplomáticas tradicionais,
como visitas de Estado e conferências internacionais enquadram-se nesta categoria de
soft power, constituindo medidas diretas de governo a governo destinadas a produzir o
resultado pretendido. Essa dinâmica assume muitas vezes uma qualidade pessoal, com
a amizade entre os líderes a ser utilizada como um meio de alcançar um determinado
objetivo.
Os instrumentos ou comportamentos geralmente associados ao soft power
também poderão ser utilizados como hard power, embora seja mais comum o
contrário (Keck, 2013). Qualquer tipo de recurso seja a força militar, a riqueza
financeira, os recursos naturais, cultura ou postura moral podem ser utilizados como
hard ou soft power. O uso de sanções internacionais sobre a África do Sul na década de
1980 foi uma utilização clara de recursos financeiros como um instrumento de hard
39
power, empregado para coagir a África do Sul a abolir a política de apartheid. Da mesma
forma, a prosperidade económica da República Federal da Alemanha serviu como uma
tremenda fonte de soft power durante a Guerra Fria, pois através do contraste gritante
com a República Democrática Alemã, evidenciou os limites do sistema comunista
(Winger, 2014, p.6).
No cômputo geral, parece evidente que estratégias de soft power são mais
eficazes no sistema internacional contemporâneo do que estratégias de hard power. O
fracasso do hard power parece ter as suas causas nas alterações da ordem mundial, ao
passo que a força do soft power é baseada na sua resistência e sustentabilidade
(Wagner, 2014). A legitimidade é um aspeto essencial do soft power, e deverá ser um
pré-requisito permanente para a garantia da sua eficácia e da sua credibilidade;
porquanto, se as ações e a postura - interna e externa - de um determinado país forem
consideradas pouco legítimas, é altamente improvável que a sua utilização de soft power
seja eficaz e, consequentemente, credível, na realização dos seus interesses nacionais.
A utilização de meios militares em catástrofes e desastres naturais constitui um
dos melhores e mais eficazes instrumentos de soft power e um exemplo inequívoco de
como o “hard power gera soft power” (Cooper, 2004, p.177). A capacidade de projetar
meios militares e socorrer populações isoladas onde as autoridades locais e outros
Estados não têm capacidade, provoca nessas populações um sentimento de
reconhecimento e simpatia, dificilmente conseguido - com essa amplitude e escala -
por outros meios.
Descobrir como combinar os recursos de ambos os poderes – de soft e de hard
power - em estratégias de smart power – requer, em política externa, o que Joseph
Nye designou de "inteligência contextual", ou seja, a capacidade analítica e intuitiva
que permite aos decisores políticos alinhar táticas com objetivos em diferentes
situações, de maneira a criar estratégias inteligentes (Nye, 2008, p.xiii). “A inteligência
contextual está associada ao know-how prático que raramente é explicitamente
ensinado ou formalmente descrito. É a habilidade mais diretamente associada com
sabedoria e o conhecimento prático, e tem mostrado ser o melhor prenúncio de
sucesso em situações de desempenho da vida real” (Wagner, 2000 e Sternberg, 2000,
citado em Brown, 2002).
40
Foi esta capacidade de aliar instrumentos de soft power com meios de hard
power que Joseph Nye definiu, em 2006, como smart power. Desde então, o termo
tem sido repetidamente reclamado em discursos políticos e chegou mesmo a ser
considerado por uma comissão co-presidida pelo próprio Joseph Nye como a forma de
reverter o “declínio dos Estados Unidos no mundo” (CSIS Commission on Smart Power,
2007).
A eficácia, bem como o sucesso, das duas abordagens depende naturalmente
da capacidade e do acesso aos recursos (Heywood, 2011, pp.214-215). Países como os
Estados Unidos, a Rússia, a China, a Índia ou mesmo o Reino Unido ou a França terão
maior capacidade financeira para manter um número significativo de Forças Armadas,
pressionando economicamente os outros países. Os instrumentos tradicionais de hard
power não são tão acessíveis aos países mais pequenos. No entanto, o acesso a soft
power já não está tão dependente da dimensão política e económica do país. Países
mais pequenos – a Noruega é um manifesto exemplo - têm a capacidade de exercer
soft power (Leonard, 2002, p.53). A capacidade criativa e de inovação tecnológica de
um país podem sobrepor-se à possessão de divisões blindadas ou porta-aviões. Novas
ferramentas de alta tecnologia podem aumentar consideravelmente o alcance da
influência militar e não militar (Wilson, 2008, p.112), provando que hoje o soft power é
um instrumento ao alcance de todos os atores, estatais e não estatais,
independentemente da sua dimensão e capacidade económica, política ou militar.
Mas a utilização combinada destes dois tipos de poder para atingir os objetivos
de uma estratégia também não é uma ideia nova, nem recente. O Senador norte-
americano J. William Fulbright (1905-1995), defensor acérrimo do multilateralismo e da
criação da Organização das Nações Unidas, no seu discurso de apresentação da
legislação que criou o programa que ficaria com o seu nome (1946), afirmou que no
longo curso da história, ter pessoas que compreendem o nosso pensamento constitui
maior segurança do que mais um submarino.
Seis décadas mais tarde, e alguns conflitos travados, Robert Gates, enquanto
Secretário da Defesa norte-americano (2006-2011) reconhecia também que na Guerra
Global contra o Terrorismo e nos conflitos que se seguiriam, o sucesso seria menos
uma questão de impor uma vontade, e mais uma função de moldar comportamentos –
41
de aliados, de adversários, e mais importante, daqueles entre os dois (Gates, 2007,
citado por Winger, 2014, p.1).
A Diplomacia de Defesa combina essa dupla vertente ao aliar o hard e o soft
power, podendo constituir-se, assim, como um verdadeiro instrumento de smart
power ao serviço das políticas externas e de segurança dos Estados. Ao promover o
conhecimento mútuo e ao facilitar a compreensão política, cultural e religiosa, através
do estabelecimento de atividades de cooperação militar desenvolvidas em tempo de
paz, a Diplomacia de Defesa contribui para a construção de relações de confiança e
para o desenvolvimento de níveis de tolerância fundamentais na sociedade moderna.
A franqueza é um conceito invulgar quando se trata de defesa. A arte da
guerra, afinal, envolve sigilo e surpresa, mas a arte da paz envolve exatamente o
oposto - abertura e confiança, e “a confiança é fundamental para uma diplomacia
pública efectiva (...)” [Leonard, 2003, p.54].
Uma das formas mais importantes e eficazes de influenciar militares de outros
países, aliados ou não, de regimes democráticos ou autocráticos, é através de uma
estratégia de influência definida e implementada governamentalmente. Desenvolvida
e concretizada, primeiramente, através de atividades no âmbito da formação e do
treino – a frequência de cursos e a participação em exercícios conjuntos e combinados,
com mais ou menos duração, em instituições de educação militares -, pode ter um
impacto significativo nos estudantes internacionais, quer em termos de curricula, quer
em termos de contactos com outros povos e culturas. Geralmente, são os oficiais
militares mais promissores que acedem a estas oportunidades, constituindo estas
iniciativas académicas uma forma de influenciar os comportamentos e as opiniões dos
futuros generais e das chefias militares desses países (Blair, 2013, pp.63-64). Este
capital de influência, bem como a rede de contactos estabelecida nesta academia,
atribui hoje aos militares um papel fundamental na criação de soft power. Em
determinadas ocasiões, estes contactos proporcionaram canais de influência que não
estavam disponíveis através dos meios diplomáticos tradicionais (Nye, 2004, pp.15-16),
provando que a Diplomacia de Defesa é uma ferramenta privilegiada de comunicação
estratégica e pode ser utilizada como um dos instrumentos de soft power mais
credíveis e regulares ao serviço do poder político.
42
Cada contacto entre militares e altos funcionários de países com democracias
solidamente estabelecidas com um militar, um representante oficial ou homólogo de
um país de um regime autocrático é uma oportunidade para influenciar (Blair,2013,
p.81). Oportunidades que William J. Perry, considerava como uma componente da
“defesa preventiva” pela influência que exercem nos militares estrangeiros, e pela
forma como contribuem para a compreensão do papel e missão do militar numa
sociedade democrática. Segundo o político, a “defesa preventiva cria as condições que
sustentam a paz, tornando a guerra menos provável e desnecessária a dissuasão.” O
novo conceito tinha um duplo alcance; se, por um lado, procurava afastar o
aparecimento de novas ameaças aos interesses vitais norte-americanos (tais como, a
proliferação de armas nucleares, químicas e biológicas), por outro lado, procurava
aproximar instituições militares e de defesa em todo o mundo, para promover a
difusão da democracia e aumentar a confiança e a compreensão entre nações.
Num discurso que proferiu em maio de 1996, na John F. Kennedy School of
Government, em Harvard, Perry propôs esta política de defesa preventiva como a
primeira linha de defesa dos Estados Unidos, colocando a dissuasão em segundo.
O conflito militar seria, assim, a terceira e última linha de defesa.
Na apresentação desta nova estratégia, William Perry argumentou que se para
alguns a guerra é demasiado importante para ser deixada apenas para os generais, na
defesa preventiva, a paz é demasiado importante para ser deixada apenas para os
políticos, provando que a força do diálogo é um atributo inequívoco da Diplomacia de
Defesa.
Resta claro que o papel da Diplomacia de Defesa deverá ser entendido como
parte de uma estratégia mais ampla de prevenção de conflitos entre anteriores ou
potenciais opositores. De facto, é assim que tem sido utilizada quer pelos EUA, quer
pela Europa para melhorar as relações com a Rússia e com a China; a Austrália tem-na
utilizado como um meio de envolver e de se aproximar da Indonésia; na América do
Sul serviu como forma de ultrapassar o conflito histórico entre a Argentina e o Brasil,
enquanto na Europa, os países balcânicos da Bulgária e da Roménia utilizam-na como
parte de uma política de transparência e construção de confiança.
43
Em situações de declarada hostilidade ou conflito, a utilização da Diplomacia de
Defesa será, muito provavelmente, impossível de estabelecer ou ineficaz se aplicada. A
sua utilização como um meio de prevenção de conflitos também será, eventualmente,
desnecessária nas situações em que os Estados mantêm relações estáveis e pacíficas
(embora os Estados possam ter outros objetivos ou razões políticas, como interesses
externos comuns, para desenvolver cooperação de defesa). Muitos relacionamentos
bilaterais e regionais situam-se nestes extremos da animosidade e a amizade. Nestas
circunstâncias, a Diplomacia de Defesa é um instrumento potencialmente útil de
prevenção de conflitos, e deverá ser criativamente prosseguido (Cottey e Forster,
2004, p.28).
44
Capítulo III
A Diplomacia de Defesa e a Política Externa dos Estados
III. 1. Diplomacia de Defesa: evolução, desenvolvimento e implementação do
conceito
A expressão diplomacia militar - e que hoje deu lugar à designação mais
alargada de Diplomacia de Defesa-, esteve sempre, e sobretudo, associada ao papel do
Adido Militar. O Adido Militar é, no quadro de uma Embaixada, um “diplomata em
uniforme” com estatuto e privilégios diplomáticos. A sua missão foi sempre a de
observar e avaliar os desenvolvimentos militares no país estrangeiro, assim como
manter um relacionamento próximo com a elite militar desse país. E esta prática que
se desenvolveu a partir do século XIX como parte da diplomacia europeia, manteve-se
praticamente inalterada até cerca dos anos 90 do século passado. Foi nas últimas duas
décadas que se começou a registar uma tendência crescente, sobretudo entre as
democracias ocidentais, para o uso dos Ministérios da Defesa e das Forças Armadas
como meios de estabelecer e consolidar relações de cooperação com outros Estados, o
que abrangia não apenas anteriores quadros de cooperação entre aliados, mas
também ações de cooperação com novos parceiros e o envolvimento com Estados a
atravessar processos de transição democrática pós-conflito.
Historicamente, a cooperação e a assistência militar foram parte substantiva da
“política de equilíbrio de poderes” dos Estados na prossecução dos seus interesses
nacionais. Os Estados estabeleciam programas de cooperação e garantiam assistência
militar a outros Estados para contrabalançar ou deter adversários, para manter esferas
de influência, apoiar regimes ou promover a venda de armamento e equipamento
militar. A cooperação militar estabelecida entre alguns dos países da Europa e as suas
anteriores colónias - ou províncias ultramarinas - refletia esta lógica, que a Guerra Fria
veio mais tarde reforçar. A prioridade estratégica de contrapor a influência soviética e
o comunismo impulsionou a cooperação militar dos Estados Unidos com muitos
regimes autoritários do mundo (Cottey e Forster, 2004, p.7).
45
O final da Guerra Fria e o fim do espectro do confronto leste-oeste
proporcionou uma nova percepção da segurança e uma abordagem mais holística do
papel das Forças Armadas na política de defesa e na segurança coletiva. Mas se a
missão do Adido Militar se alargou a outros domínios não exclusivamente militares,
também o seu papel na diplomacia militar deixou de ser exclusivo, para passar a incluir
outros atores, militares e civis, não apenas das Forças Armadas, mas de outros órgãos
e serviços dos Ministérios da Defesa. As novas ações de cooperação empreendidas em
tempo de paz passaram a constituir mais uma missão atribuída às Forças Armadas e
um objetivo político dos governos ocidentais. A diplomacia militar passou a ser
substantivamente caracterizada pela cooperação entre países aliados e países
estrangeiros, sobretudo com aqueles a atravessar processos de transição de situações
pós-conflito para sociedades democráticas, nas quais a diplomacia militar se pôde
assumir como um instrumento de uma política externa e de segurança moderna. A
diplomacia militar deixou, assim, de ser exclusivamente militar para abranger outras
dimensões – política, económica e social – dando origem ao conceito de Diplomacia de
Defesa.
Pode fazer-se uma distinção entre a anterior Diplomacia de Defesa ou militar,
baseada na realpolitik de contenção de inimigos, e a nova Diplomacia de Defesa, que
patrocina o envolvimento de potenciais adversários, o apoio da democracia, a boa
governação e os direitos humanos, e que deixa aos Estados a autonomia de lidarem
com os seus problemas de segurança. Este processo é o que Cottey e Forster
denominam de envolvimento estratégico (2004, p.7). Desde a última década do século
passado, o equilíbrio da cooperação militar e das políticas de assistência ocidental tem
vindo a distanciar-se da antiga, para a nova Diplomacia de Defesa. No entanto, ainda
co-existem ambas, e há tensões entre as duas (Cottey e Forster, 2004, p.8).
Acresce que a tentativa continuada de reforçar as capacidades de países aliados
como o Japão e os novos membros da OTAN cria problemas de envolvimento
estratégico com a China e com a Rússia; enquanto, por outro lado, o envolvimento
estratégico com estes dois países poderá potencialmente dificultar a capacidade de
defesa contra estes Estados, se necessário. O equilíbrio entre a cooperação militar com
antigos aliados e o esforço de envolvimento estratégico com potenciais adversários
46
permanece, assim, um dilema para os governos ocidentais. De igual modo, se, por um
lado, os governos ocidentais atribuiram prioridade à promoção da relação
civil/democrática-militar em certas regiões, continuaram, por outro lado, a
desenvolver relações de cooperação com aliados autoritários, como o caso da Arábia
Saudita e alguns Estados do Golfo e de África.
Também como parte do esforço colectivo da guerra contra o terrorismo, alguns
países intensificaram a sua cooperação militar e forneceram assistência militar a um
número significativo de países, sobretudo países da Ásia Central, Indonésia e Filipinas,
apesar dos níveis ainda insatisfatórios em questões de direitos humanos e democracia.
Esta situação cria, no mínimo, uma postura de duplo critério, arriscando pôr em causa
as bases mais amplas da nova Diplomacia de Defesa (Cottey e Forster, 2004, p.8). Para
além disso, e desde os ataques de 11 de setembro de 2001, tem vindo a registar-se um
distanciamento da nova Diplomacia de Defesa para a anterior postura da Diplomacia
de Defesa de realpolitik, agravada substancialmente com os acontecimentos que
desde março deste ano se registaram na Ucrânia - com a anexação da Crimeia pela
Rússia - e que vieram reavivar os receios de uma nova guerra fria.
A expressão Diplomacia de Defesa aparece, pela primeira vez, referenciada na
“Strategic Defence Review” (SDR) do Reino Unido em 1998, e é definida pelo
Ministério da Defesa britânico como “a missão desenvolvida no âmbito das diversas
atividades empreendidas pelo Ministério da Defesa do Reino Unido, com o objetivo de
dissipar hostilidades, construir e manter confiança e apoiar o desenvolvimento de
Forças Armadas democraticamente responsáveis, contribuindo significativamente para
a resolução e prevenção de conflitos” (MoD 2000, p.2).
Lord George Robertson – o arquiteto do conceito britânico de Diplomacia de
Defesa enquanto Secretário de Estado da Defesa do Reino Unido (1997-1999) -
descreveu este processo como o "desarmamento da mente" (Robertson, 1997 citado
por Cottey e Forster, 2004, p.16).
Pela mesma altura, a França desenvolve também as primeiras reflexões sobre o
tema, mas é no Livro Branco de 2008 que a conceito adquire maior visibilidade. Nesse
documento, a Diplomacia de Defesa é entendida como “a participação das Forças
Armadas em ações da diplomacia francesa, visando prevenir todo o risco de crise e
47
contribuir para a realização dos objetivos da França no estrangeiro recorrendo a
diversos instrumentos do domínio diplomático-militar” (diálogo estratégico, apoio da
atividade diplomática nas organizações internacionais, controlo de armamentos e
medidas de confiança associadas, cooperação de defesa, ações civis-militares,
contribuição para a erradicação de grupos armados, reconstrução de forças de
segurança e de defesa).
Tanto para os ingleses como para os franceses o objetivo principal da
Diplomacia de Defesa é a prevenção de crises e a estabilização, pela responsabilização
das Forças Armadas e a sua adequada inserção no tecido socio-económico e estatal
onde se assumem como garantes e promotoras da democracia e do desenvolvimento
(Zipper de Fabiani, 2002, p.619).
O Reino Unido foi, no entanto, mais longe pois não somente atribuiu às suas
Forças Armadas a Diplomacia de Defesa como uma das suas principais missões, como
alargou o campo de intervenção à componente civil do Ministério da Defesa
(Kulshrestha, 2012, p.93).
A Diplomacia de Defesa envolve um leque abrangente de atividades que no
passado recente seriam globalmente consideradas cooperação militar ou assistência
militar. Das atividades listadas na tabela 3.1, poucas são realmente novas. Como já
referido, a acreditação de adidos militares é uma prática que remonta à diplomacia
europeia do século XIX; e a cooperação militar entre os Estados, nomeadamente da
Europa, pode situar-se historicamente antes disso, e tem sido sempre parte do
comportamento intra-alianças do sistema moderno de estados europeus (Cottey e
Forster, 2004, p.6). As potências coloniais europeias desenvolveram relações de
cooperação militar regulares com as suas colónias; o Reino Unido criou o Colégio de
Defesa Imperial em 1922 para formar oficiais militares superiores e desenvolver uma
doutrina comum de defesa do Império Britânico, enquanto a Escola Superior de Guerra
de França serviu um propósito similar.
As atividades militares que enformam a Diplomacia de Defesa são todas
caracterizadas pelo uso das instituições de defesa para cooptar instituições
governamentais estrangeiras. Representantes militares, intercâmbio de oficiais,
programas de formação, exercícios conjuntos e combinados, e visitas de navios não
48
são apenas formas de utilização pacífica de meios militares, mas oportunidades para
se comunicarem diretamente ideias, visões do mundo e preferências políticas de um
país para outro. O objetivo final de tais atividades não é apenas promover a
cooperação como um bem universal, mas estabelecer parcerias benéficas do interesse
dos cooperantes (Winger, 2014, p.7).
Tabela 3.1
Atividades de Diplomacia de Defesa: Alguns Exemplos
Contactos bilaterais e multilaterais entre altos representantes civis e chefias
militares
Nomeação de adidos de defesa em países estrangeiros
Acordos bilaterais de cooperação de defesa
Treino de militares estrangeiros e pessoal civil da defesa
Assessoria técnica militar e aconselhamento nas áreas do controlo
democrático das Forças Armadas e da gestão de defesa
Contactos e intercâmbios entre pessoal militar e unidades, e visitas de navios
Colocação de militares ou pessoal civil nos Ministérios da Defesa ou Forças
Armadas dos países parceiros
Destacamento de equipas de formação e treino
Fornecimento de material militar e outro apoio humanitário
Exercícios militares bilaterais ou multilaterais para efeitos de treino
(Fonte: Cottey e Forster, 2004, p.7)
Muitos países europeus, incluindo Portugal, desenvolveram novas iniciativas de
Diplomacia de Defesa nas últimas duas décadas. Em Portugal, a década de 90 assistiu
ao estabelecimento de relações de cooperação com os países do Centro e do Leste da
Europa (Polónia, Hungria, Roménia, Bulgária, República Checa, Eslováquia, Eslovénia, e
também a Rússia) e do Magrebe (Marrocos, Tunísia e Argélia), através da assinatura de
acordos de cooperação bilateral de defesa que proporcionaram e promoveram
atividades e intercâmbios entre os respetivos Ministérios da Defesa e Forças Armadas.
Também com os países africanos de língua oficial portuguesa foi estabelecida uma
49
cooperação técnico-militar com vista a apoiar a edificação de estruturas civis dos
Ministérios da Defesa e a reforma dos seus aparelhos militares. Com todos estes países
Portugal tem desenvolvido uma cooperação bilateral ao nível dos Órgãos e Serviços do
Ministério da Defesa e, em grande parte, com os Ramos das Forças Armadas,
negociando anualmente nas reuniões de Comissão Mista, previstas nos acordos,
planos de atividades a desenvolver em ambos os países. As atividades desenvolvidas
compreendem visitas institucionais de altos representantes dos respetivos Ministérios
da Defesa e Forças Armadas, educação e formação - através da frequência de cursos,
de curta ou longa duração (p.ex., estado-maior, promoção a oficial superior, operações
especiais, fisiologia de voo, sobrevivência na terra e no ar) -, treino e observação de
exercícios, visita a unidades militares, academias e institutos, intercâmbio e troca de
experiências num grande leque de temas e áreas, que vão da saúde à museologia
militar.
A França que também mantinha relações próximas com as suas anteriores
colónias atribuiu, igualmente, alguma atenção ao Centro e Leste da Europa, e em
África - onde os seus objetivos estiveram sempre muito limitados à promoção dos seus
interesses económicos, sobretudo à venda de armamento - alargou a sua ação,
passando a incluir a promoção de relações democráticas civil-militar e o apoio ao
desenvolvimento regional de capacidades de manutenção de paz (peacekeeping) e à
interoperabilidade das Forças Armadas. A França procura sinergias regionais tanto na
Europa como em África, nomeadamente através da criação de escolas nacionais de
vocação regional (ENVR), que vieram materializar o esforço que Paris atribuiu à sua
Diplomacia de Defesa no continente africano. São hoje 17 escolas em dez países
africanos garantindo formação e treino em diferentes domínios da segurança global.
A Alemanha desenvolveu um conjunto alargado de atividades bilaterais de
cooperação de defesa também com os países do Centro e do Leste da Europa, mas
sobretudo com os seus vizinhos mais próximos, como a Polónia e a República Checa, e
igualmente com a Rússia, para promover reformas e elevar relações historicamente
difíceis com estes Estados.
Outros países da Europa Ocidental desenvolveram programas similares, muitas
vezes baseados em relações privilegiadas com os seus vizinhos de leste. E mesmo estes
50
desenvolveram atividades de cooperação de Diplomacia de Defesa entre si, tendo a
Polónia e a Hungria utilizado ativamente a cooperação militar para melhorar as suas
relações com os seus vizinhos a sul.
Mas se na Europa e no Ocidente foi a promoção das relações democráticas
civil-militar, a reforma das suas estruturas militares e de defesa, e a sua supervisão
política que orientaram as atividades de Diplomacia de Defesa, na Ásia foi a
transparência e a construção de relações de confiança entre os países da região que
nortearam as suas políticas de Diplomacia de Defesa, com vista a eliminar tensões e
pontos de conflitualidade na região. A estabilidade e a coexistência pacífica na região
são, assim, os motores da Diplomacia de Defesa dos países asiáticos, reconhecida a
importância da estabilidade política para o desenvolvimento económico e social.
Segundo Cottey e Forster (2004, pp.15-17), a Diplomacia de Defesa, utilizada
como instrumento para a construção de relações de cooperação e para a prevenção de
conflitos entre antigos ou potenciais adversários, abrange diferentes áreas e
contempla diferentes níveis, e pode ser desenvolvida através de aplicação de medidas
isoladas ou combinadas. Pode, entre outras medidas, constituir:
Um papel essencialmente político, atuando como um símbolo da vontade de
desenvolver uma cooperação mais ampla, confiança mútua e o compromisso de
trabalhar para ultrapassar e mitigar as diferenças;
Um meio de introduzir transparência nas relações de defesa, em particular no que
diz respeito às intenções e capacidades dos Estados. Consultas de alto nível no
âmbito da política de defesa e doutrina militar utilizadas como forma de
demonstrar que um Estado não tem intenções ofensivas e que as suas Forças
Armadas são principalmente de caráter defensivo, transmitindo assim
tranquilidade e confiança ao Estado parceiro;
Um meio de construir ou reforçar perceções de interesses comuns. Os esforços
ocidentais para envolver a Rússia em cooperação efetiva, por exemplo, em
manutenção de paz e contra terrorismo, têm sido não apenas sobre a reforma ou
o reforço das capacidades russas nestas áreas, mas também no reforço da
perceção de que a Rússia e o Ocidente partilham interesses comuns que devem
ser abordados através da parceria internacional;
51
Um meio de atuar sobre as mentalidades de militares dos Estados parceiros.
Grande parte da Diplomacia de Defesa ocidental com a Rússia e com a China visa
implicitamente alterar a perceção de ameaça que - dentro das Forças Armadas
destes países - os EUA e a Europa ainda representam, por exemplo, explicando as
intenções e as capacidades ocidentais, sublinhando interesses comuns e
destacando os desafios comuns que afetam os profissionais militares;
Um meio para promover e apoiar reformas específicas e concretas de defesa no
Estado parceiro;
Um meio de assistência militar e de defesa que pode ser utilizada como um
incentivo para encorajar os Estados parceiros a cooperar noutras áreas. De um
ponto de vista estratégico, a assistência em matéria de defesa pode ser
condicionada ou estar diretamente ligada ao comportamento do Estado parceiro
noutras questões.
No entanto, a eficácia da Diplomacia de Defesa poderá ser limitada naqueles
casos em que as divergências entre os Estados não resultam de questões de
desconfiança mútua sobre as intenções de cada um deles, mas de questões mais
profundas e históricas relacionadas com delimitação de fronteiras ou possessão de
territórios, ou ainda sobre questões políticas substantivas.
As relações do Ocidente com a Rússia e a China refletem esses problemas. Em
ambos os casos, a cooperação militar tem o potencial para gerar estabilidade e
confiança e poderá contribuir para ultrapassar algumas desconfianças históricas, mas
há diferenças políticas, tais como, a adesão da Geórgia e da Ucrânia à OTAN ou a
questão de Taiwan que não poderão ser ultrapassadas com Diplomacia de Defesa. De
igual modo, as tensões entre a Índia e o Paquistão refletem não só a desconfiança
histórica e a ameaça mútua colocada pelas respetivas Forças Armadas, mas também o
estatuto ainda indefinido de Kashmir. Muito embora a cooperação militar possa
conseguir reduzir algumas tensões entre a China e os seus vizinhos do Sudeste Asiático
será, contudo, improvável que consiga dirimir as disputas que os opõem sobre os
arquipélagos das ilhas Spratley e Paracel.
52
Cottey e Forster (2004, pp.18-19) identificam duas questões que merecem
ponderação cuidada na análise da Diplomacia de Defesa: a reciprocidade e a
condicionalidade. No que diz respeito à reciprocidade, os dois autores argumentam
que se o objetivo principal for tão-só o de promover transparência ou desenvolver
relações de confiança com um potencial inimigo, essa política de abertura unilateral
pode contribuir para esse objetivo, independentemente se o outro Estado procede da
mesma forma. Se a Diplomacia de Defesa for encarada como um processo mútuo,
então a reciprocidade é importante. Acresce que internamente as concessões
unilaterais são hoje muito difíceis de sustentar, e poderão ser vulneráveis à opinião
pública, pelo que a Diplomacia de Defesa com potenciais adversários obriga a
encontrar um equilíbrio entre a construção de relações de confiança e transparência,
por um lado, e a construção de um processo recíproco, por outro.
Quanto à condição da observação e respeito dos direitos humanos ou a
existência de processos democráticos para a realização de atividades de Diplomacia de
Defesa, os autores defendem que se o objetivo primeiro da Diplomacia de Defesa for
assumidamente o da prevenção de conflitos, então não deverá estar condicionada à
evolução de processos democráticos ou do respeito dos direitos humanos. A
manutenção da cooperação com Estados autoritários pode, no entanto, conferir-lhes,
ainda que implicitamente, apoio político e militar. Como já referi, a Austrália investiu
significativamente - na última década do século passado - em medidas de Diplomacia
de Defesa como forma de melhorar a sua relação com a Indonésia. No entanto, este
esforço não produziu resultados na melhoria da situação dos direitos humanos
naquele país, nem impediu a campanha de violência extrema com que a Indonésia
lidou com os acontecimentos em Timor Leste em 1999 (Kulshrestha, 2012, pp.96-97),
provando, uma vez mais, que o equilíbrio entre o objetivo estratégico de prevenção de
conflitos e as preocupações com a democracia e os direitos humanos, dependerá do
peso que, em determinada altura, as dimensões da diplomacia pública (político-militar,
económico e cultural/societal) tiverem na política externa do Estado.
53
III. 2. Alguns exemplos práticos de Diplomacia de Defesa
Os estudos de caso escolhidos para o presente trabalho foram naturalmente o
do Reino Unido, por ter sido o primeiro país a apresentar a teorização e uma
implementação do conceito de Diplomacia de Defesa; o da Nova Zelândia por se tratar
de um país pequeno, marítimo, sem disputas territoriais, com uma democracia
parlamentar, e uma organização militar moderna; e o da China por, contrariamente
aos anteriores, ser um país com uma dimensão vastíssima, com um regime político
comunista, e uma organização militar extremamente pesada e politizada, e
obviamente com outras pretensões ecónomicas, políticas e militares. Três casos
diferentes mas em que todos a diplomacia de defesa ou militar (no caso da China) é
utilizada, descomplexadamente, para prosseguir interesses e objetivos de política
externa.
III.2.1. O exemplo do Reino Unido
Durante o processo de Strategic Defence Review (Revisão Estratégica de
Defesa) desenvolvido e publicado pelo Ministério da Defesa do Reino Unido (MoD) em
1998, a prevenção de conflitos e a diplomacia em tempo de paz foram reconhecidas
como atividades nucleares da Defesa. Uma nova missão de Defesa foi concebida e
apelidada de Diplomacia de Defesa para dar maior prioridade, impulso e coerência a
essas atividades, e para garantir o devido alinhamento com os objetivos de política
externa e de segurança do Governo.
A nova missão da Diplomacia de Defesa foi definida: “ para providenciar forças
para cumprir as várias atividades desenvolvidas pelo Ministério da Defesa para dissipar
a hostilidade, construir e manter a confiança e apoiar o desenvolvimento de Forças
Armadas democraticamente responsáveis, fazendo assim uma contribuição
significativa para a prevenção e resolução de conflitos " (MoD, 2000, p.2).
54
As três áreas basilares da missão da Diplomacia de Defesa foram identificadas e
listadas, em 2000, num Policy Paper do Ministério da Defesa britânico e englobam:
Controlo de armamentos, não proliferação e medidas de construção de confiança
e segurança
Esta área é considerada fundamental na promoção da segurança e estabilidade
do Reino Unido que é parte de vários acordos internacionais de controlo de
armamentos. Estes acordos contribuem significativamente para reduzir a tensão
internacional e esta atividade concorre para o aumento da estabilidade e da
segurança, pela redução do potencial de conflito e pela substituição da confrontação
militar pela cooperação. Inclui medidas para eliminar certos tipos de armas e a sua
produção, limitar o número e o posicionamento de armamento, controlar a
proliferação de armas de destruição maciça16 e os seus meios de entrega e, por fim,
contribui para aumentar a transparência e abertura na atividade militar, necessária
para a construção de confiança.
Atividades de outreach destinadas a contribuir para a segurança e estabilidade na
Europa Central e de Leste, particularmente na Rússia, mas também estender os
programas de cooperação e de assistência bilateral à Ásia Central e à
Transcaucásia
16
“Arma capaz de um elevado grau de destruição e/ou de ser utilizada de uma forma indiscriminada causando a morte ou a incapacidade de um grande número de pessoas. É um termo utilizado principalmente no contexto do controlo de armamentos e da lei humanitária internacional e compreende armas nucleares, biológicas e químicas”. In Dicionário de Termos e Citações de Interesse Político e Estratégico (Ribeiro, 2008, p.13). Na literatura militar é mais comum a designação de armas de destruição maciça (por serem consideradas armas absolutas com um efeito total e decisivo, inspirando terror suficiente para dissuadir um potencial agressor de iniciar um conflito) embora seja frequente, nos últimos anos, encontrar-se também a designação de armas de destruição massiva, naquela que é provavelmente a tradução mais literal da expressão em língua inglesa: weapons of mass destruction (WMD).
55
O Ministério da Defesa tem hoje um programa de outreach que foi reconhecido
no Strategic Defence Review como uma tarefa militar. Concebido e lançado para
envolver os países do antigo Pacto de Varsóvia e da ex-Jugoslávia em relações de
cooperação militar, desde o modesto início nos anos 90, é hoje um programa que
envolve cerca de 23 países dessas regiões. Através de programas bilaterais de
cooperação, e em certos casos, multilaterais, o MoD pretende apoiar o
desenvolvimento de Estados soberanos, estáveis e democráticos nos países do Centro
e do Leste da Europa e também na Ásia Central.
Outras atividades de Diplomacia de Defesa, incluindo programas de assistência
militar com forças militares ultramarinas e comunidades de defesa não cobertas
pelo outreach
A Diplomacia de Defesa estende-se para além da Europa, refletindo o
compromisso do Reino Unido no aumento da segurança e da estabilidade
internacional e na prevenção de conflitos em todo o mundo. Paralelamente ao
alargamento do programa de outreach foi igualmente ampliado o seu âmbito,
nomeadamente a regiões do Médio Oriente e de África Subsariana. A participação em
programas de reforma do sector da segurança, para além do estabelecimento de
programas substantivos de reuniões, visitas, exercícios conjuntos e combinados, e
programas de intercâmbio com muitos países contribuíram para a construção e
manutenção de consideráveis níveis de confiança.
A representação diplomática é considerada fundamental para o sucesso de
muitos aspetos da Diplomacia de Defesa, sendo considerada uma função cada vez mais
importante dos Adidos de Defesa. A Strategic Defence Review concluiu que face à
prioridade crescente atribuída à Diplomacia de Defesa, sobretudo no Centro e no Leste
da Europa, mas também na África Subsariana, se tornava necessária uma redefinição
da presença dos Adidos de Defesa. Este novo reposicionamento é também o resultado
do estabelecimento de contactos mais diretos entre o pessoal, civil e militar, do
Ministério da Defesa e os seus homólogos na Europa e nos EUA, que desde o final da
56
Guerra Fria se verificou, tornando prescindível a presença de Adidos de Defesa
nalgumas capitais de países da OTAN e da Europa Ocidental.
A missão da Diplomacia de Defesa envolve um leque alargado de atividades
que incluem:
─ Cursos de formação e programas de educação no âmbito do Ministério da Defesa,
incluindo oportunidades de frequência de cursos em estabelecimentos de ensino
militar para estudantes estrangeiros;
─ Destacamento de pessoal, equipas de formação de curto prazo, e assessores civis
e militares para governos estrangeiros por períodos prolongados;
─ Visitas de navios, aeronaves e outras unidades militares;
─ Visitas oficiais e acolhimentos de Ministros e pessoal militar e civil de todos os
níveis;
─ Reuniões de Estado-Maior, Conferências e Seminários para promover a
compreensão mútua;
─ Intercâmbios de pessoal militar e civil;
─ Exercícios conjuntos e combinados.
Para o Reino Unido, o estabelecimento da Diplomacia de Defesa como uma
missão da Defesa proporcionou maior coerência e conferiu um impulso renovado às
atividades desenvolvidas em tempo de paz e que contribuem para a prevenção de
conflitos, através da construção e manutenção de confiança e pelo apoio ao
desenvolvimento de Forças Armadas democraticamente responsáveis (MoD, 2000,
p.18).
III.2.2. O exemplo da Nova Zelândia
Segundo Stephen Hoadley (2007, p.19) soft power “era o tipo de poder que um
pequeno Estado progressista como a Nova Zelândia podia desenvolver e empregar”.
57
Para uma nação pequena em particular, a utilização das Forças Armadas como
instrumento de Diplomacia de Defesa, em vez de ser uma ferramenta de coerção,
correspondia a uma forma de envolvimento que contribuía para a transparência e o
reforço da confiança. No contexto da Nova Zelândia, a Diplomacia de Defesa traduz-se
num meio para melhorar a segurança regional, envolvendo outros países, reforçando
normas internacionais comuns, e ampliando o alcance e a influência que, de outra
forma, seria limitada para a Nova Zelândia.
O termo Diplomacia de Defesa também é usado na Nova Zelândia, como noutros
países desde a última década de 90, para descrever os aspetos da relação diplomática, e
especificamente atividades de cooperação empreendidas em tempo de paz, pelo
Ministério da Defesa e pelas Forças de Defesa da Nova Zelândia, com Forças Armadas de
outras nações. A Nova Zelândia tem mantido um conjunto desses relacionamentos
tradicionais de defesa com países da Ásia, incluindo Singapura, Malásia, Filipinas e
Tailândia. Na origem dessas relações esteve o apoio à segurança de aliados e foram,
inicialmente, justificadas pela contenção de inimigos comuns. A cooperação e a
assistência foram substituídas pela formação e realização de exercícios conjuntos e
combinados para melhorar a capacidade operacional, para garantir a disponibilidade e a
manutenção dos equipamentos, e para melhorar a capacidade dessas forças para operar
ao lado das forças da Nova Zelândia e dos principais aliados na região em caso de
conflito.
O conceito de Diplomacia de Defesa é definido, pela primeira vez, em 2000,
numa publicação do Ministério da Defesa, intitulada Revisão de Capacidades da Força de
Defesa da Nova Zelândia: Fase Um – Forças Terrestres e Transporte Naval (New Zealand
Defence Force Capability Reviews: Phase One – Land Forces and Sealift), como:
Todas as diversas atividades realizadas pela NZDF (Forças de Defesa da Nova
Zelândia) para promover a paz e a segurança por meio do envolvimento construtivo e de
geração de confiança. O seu objetivo é dissipar a hostilidade, construir e manter a
confiança e ajudar no desenvolvimento das Forças Armadas democraticamente
responsáveis, contribuindo assim de, forma significativa, para a prevenção e resolução
de conflitos.
58
Na Nova Zelândia, à semelhança do Reino Unido, a Diplomacia de Defesa
também é entendida como uma atividade de prevenção de conflitos e foi
contextualizada na sua doutrina como a componente militar do instrumento diplomático
do poder nacional. O emprego do elemento militar em apoio direto dos objetivos civis
foi sublinhado pela afirmação de que a diplomacia é prosseguida pelo pessoal das Forças
de Defesa da Nova Zelândia colocado nas embaixadas, pela prestação de assistência e
assessoria militar operacional, pelo acompanhamento da formação e treino no
estrangeiro e outras atividades de influência.
As atividades (como visitas militares, o intercâmbio de informações militares e a
oferta de formação e treino militar) são destinadas a dissipar a hostilidade, a construir e
manter a confiança e contribuir para o desenvolvimento das forças de defesa
democraticamente responsáveis (NZDDP–D, 2004, 8.15).
De salientar que o Ministério dos Negócios Estrangeiros e Comércio da Nova
Zelândia (MFAT) também reconheceu o papel crescente da Diplomacia de Defesa em
recentes esforços de envolvimento de segurança:
Foram desenvolvidos esforços no sentido de reforçar o envolvimento de
segurança através dos FPDA17 (Arranjos de Defesa das Cinco Potências), do Fórum
Regional da ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático) 18, dos laços militares
bilaterais e da Diplomacia de Defesa. Este esforço progrediu nos últimos anos para novas
relações de defesa. As relações bilaterais policiais com a região são complementados por
contribuições regionais na luta contra o terrorismo (como através de centros
antiterroristas regionais em Jacarta e Kuala Lumpur) e por uma cooperação mais estreita
no combate ao crime transnacional. A Nova Zelândia faz parte integrante dos diálogos
de segurança regional, e tornou-se um patrocinador do diálogo inter-religioso
(MFAT,2007,p.59).
17
Five Power Defence Arrangements - (FPDA) foram estabelecidos em 1971 entre a Austrália, a Malásia, a Nova Zelândia, Singapura e o Reino Unido.
18 ASEAN - Association of Southeast Asian Nations, foi estabelecida em 8 de agosto de 1967, na
Tailândia, através da assinatura da Declaração Asean ou Declaração de Bangkok pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros da Indonésia, das Filipinas, da Malásia, Singapura e da Tailândia. Associaram-se, mais tarde, o Brunei (1984), o Vietname (1995), o Laos (1997), o Mianmar (1997) e o Camboja (1999).
59
A contribuição para a paz e a segurança mundial foi reafirmada no Livro Branco
de Defesa de 2010 (p.40) que considerou o estabelecimento de diversas atividades na
área da defesa que englobavam a nomeação de Adidos de Defesa, a realização de
reuniões formais de Estado-Maior, e a participação em exercícios bilaterais e
multilaterais. Neste documento foram especificamente listadas uma série de atividades
diplomáticas e de defesa que permitiriam à Nova Zelândia manter e contribuir para o
ambiente favorável proporcionado por uma Ásia próspera e estável. As atividades
incluem o desenvolvimento de boas relações bilaterais de defesa com outros Estados,
incentivando-os a cooperar de forma construtiva na região, através da promoção de
exercícios e treino com as Forças Armadas regionais.
A Diplomacia de Defesa neozelandesa engloba uma vasta gama de atividades,
poucas das quais são realmente diferentes. A sua implementação é concretizada através
de vários meios, incluindo a nomeação de Adidos de Defesa, escalas e visitas de navios,
exercícios conjuntos e combinados, intercâmbios educacionais, diálogos de alto nível e a
cooperação multilateral. As atividades identificadas incluem:
─ Encontros de alto nível – Contactos bilaterais e multilaterais entre oficiais
superiores e quadros civis das Forças de Defesa para o estabelecimento de
relações de Defesa mais próximas com a Austrália, o Fórum Regional da ASEAN, a
Reunião de Ministros da Defesa da ASEAN +, os Arranjos de Defesa das Cinco
Potências;
─ Contactos militares – Contactos bilaterais e multilaterais entre oficiais superiores,
reuniões de Estado-Maior; nomeação de Adidos de Defesa; acordos bilaterais de
cooperação de defesa; colocação de pessoal civil ou militar nas estruturas das
Forças Armadas e dos Ministérios da Defesa dos países parceiros;
─ Treino e formação militar - Formação superior de oficiais estrangeiros (Comando
e Estado-Maior); Programa de Assistência Mútua da Nova Zelândia; envio de
equipas de treino; desenvolvimento de capacidades de peacebuilding;
─ Exercícios - exercícios militares bilaterais e multilaterais.
Os intercâmbios de alto nível precederam, de uma maneira geral, a
formalização de relações de defesa e foram sempre uma característica de
60
relacionamentos estáveis. A institucionalização de diálogos estratégicos acontece,
geralmente, numa fase subsequente, mas este era um objetivo chave em termos de
evolução das relações de defesa.
As visitas de navios permanecem a forma mais elementar da atividade da
Diplomacia de Defesa, e muitas vezes são a primeira missão referida quando se aborda
o estabelecimento de contactos de defesa. As escalas têm uma longa tradição -
anterior ao século XX - e constituem parte daquilo que se designa por diplomacia
naval, e que inclui ambas as formas, de cooperação e de coação (Du Plessis, 2008,
p.94). Na sua forma cooperativa, as missões de presença naval (show the flag) têm
constituído uma das atividades da marinha neozelandesa por toda a região da Ásia.
Uma única missão naval na Ásia pode integrar uma série de atividades de Diplomacia
de Defesa, incluindo exercícios conjuntos e combinados com parceiros dos Five Power
Defence Arrangments (FPDA), patrulhamentos e visitas a novos parceiros como a
Indonésia, a China e o Vietname. As visitas de navios continuam, assim, a ser um dos
principais meios através dos quais a Nova Zelândia desenvolve a sua Diplomacia de
Defesa (Fris, 2013, p.38).
A formação e o treino constituem uma outra área significativa da Diplomacia de
Defesa neozelandesa. Um dos principais instrumentos para a concretização deste
objetivo é o Colégio de Comando e Estado-Maior da Força de Defesa neozelandesa
(NZDF Command and Staff College). A disponibilização de vagas para oficiais de outros
países confere alguma capacidade de influenciar o quadro de oficiais dessas Forças
Armadas. Cerca de 30% das vagas são atribuídas a oficiais estrangeiros e segundo um
dos ex-Diretores deste Colégio, Shaun Fogarty (citado por Fris, 2013, p. 38) esta
situação tem tido um impacto tremendo nas relações de defesa com a China, o
Vietname e a Indonésia. Os oficiais da NZDF também frequentam cursos em Colégios
de Defesa no exterior, o que também “contribui para um forte relacionamento entre a
Nova Zelândia e a comunidade internacional, “aumentando a compreensão das Forças
Armadas estrangeiras, a sua cultura, língua e sistemas políticos (Sachar, 2003, p.410).
Para além disso, as visitas de delegações estrangeiras “criam oportunidades de
relacionamento e geram boa vontade entre as nações em causa e a Nova Zelândia”
(Fris, 2013, p. 39).
61
Outro instrumento importante de Diplomacia de Defesa de natureza bilateral
consiste no Programa de Assistência Mútua (Mutual Assistance Program - MAP). O
objetivo deste programa é o de complementar os esforços desenvolvidos no domínio
político, económico e de desenvolvimento para incentivar as relações bilaterais de
amizade e cooperação com os vizinhos mais próximos da Nova Zelândia. A missão
prevista no estatuto do MAP é a de contribuir, em termos práticos, para a realização
da missão da NZDF na promoção de vizinhanças seguras e estáveis, por meio da oferta
de formação, apoio técnico e outro, a forças de segurança e defesa do Sudeste Asiático
e do Pacífico Sul.
A participação em atividades no âmbito deste programa é decidida anualmente
de acordo com um parecer do Departamento de Relações Internacionais de Defesa do
Ministério da Defesa, que seleciona os países qualificados para participar. O MAP
disponibiliza assistência técnica, treino e oportunidades de intercâmbio para as forças
de defesa no Sudeste Asiático e no Pacífico Sul. Teve a sua origem e corresponde ao
padrão da ‘antiga’ Diplomacia de Defesa, de acordo com o envolvimento inicial da
NZDF no Sudeste Asiático e o seu compromisso para o estabelecimento de um
ambiente estável para o desenvolvimento político, social e económico dos seus
parceiros de segurança. A NZDF reconheceu a alteração do caráter do programa para
além do contexto cliente/doador, tendo os países do Sudeste Asiático deixado de
requisitar a formação básica que a NZDF facultava no passado. Em vez disso, o treino
requerido por esses países foi direcionado para áreas onde o profissionalismo da NZDF
era altamente reconhecido. O MAP proporciona formação na Nova Zelândia, mas
também contempla a deslocação de equipas para dar formação em áreas específicas,
como solicitado. Tendo por base o princípio da assistência mútua, o programa é
recíproco e os países parceiros no âmbito do MAP também facultam formação e treino
à Nova Zelândia.
Os exercícios conjuntos e combinados complementam a formação e a educação
militar, proporcionando um meio para o treino de capacidades operacionais em
ambiente controlado e possibilitando o treino coletivo (ao nível da unidade). Este
desenvolve-se com outras unidades, em conjunto com outros Ramos, e combinado
com as Forças Armadas de outros países. Tradicionalmente, os exercícios realizam-se
62
para o aprontamento da força. Por exemplo, os exercícios conjuntos e combinados
conduzidos no quadro dos Arranjos de Defesa das Cinco Potências (FPDA) são
desenvolvidos no âmbito da defesa aérea, guerra antissubmarina e exercícios de
postos de comando. Mais recentemente, e para refletir as preocupações de segurança
emergentes, os novos exercícios conjuntos e combinados também têm privilegiado as
ações de treino e preparação para operações de contra terrorismo e de assistência
humanitária em apoio a desastres.
Os seus parceiros de defesa e segurança mais próximos foram, e continuam a
ser, Singapura e Malásia. Na verdade, tanto a NZDF como o MFAT encaram a relação de
defesa com Singapura como a segunda mais ativa depois da Austrália. A Malásia vem
logo depois. A participação da Nova Zelândia na FPDA também representa uma das
atividades da “antiga” Diplomacia de Defesa na região. Quando foi criada em 1971 - na
sequência da retirada da Grã-Bretanha a Este do Suez (e de grandes bases militares na
Malásia e Singapura) e dos compromissos assumidos no Acordo de Defesa anglo-malaio
de 1957 - a FPDA tinha um âmbito específico de segurança e agiu como uma aliança
militar. A organização reunia três poderes externos (Reino Unido, Austrália e Nova
Zelândia) para garantir a segurança de Singapura e da Malásia, principalmente perante a
agressão comunista que progredia através da Indochina, mas também como resultado
da política de “confrontação” da Indonésia. Nos primeiros dez anos, não se registou
grande atividade institucional, e os exercícios não foram muito frequentes. A invasão
vietnamita do Camboja e a entrada de tropas soviéticas no Afeganistão em 1979 deram
um novo fôlego à organização e no início de 1980 iniciou-se uma série significativa de
exercícios regulares (Rolfe, 1995, citado por Fris, 2013, p. 41). Uma década mais tarde já
se realizavam exercícios conjuntos e combinados nos quais a participação das forças
navais e terrestres assumia um papel mais relevante com as forças aéreas (Thayer, 2011
citado por Fris, 2013, p.41).
A alteração do ambiente estratégico em que a FPDA se encontrou também
explica o aparecimento da "nova" Diplomacia de Defesa, ou seja, o alargamento das
missões próprias da NZDF para além das necessárias para o seu aprontamento e
efetivo uso da força. A partir de 1990, as Forças Armadas da Nova Zelândia começaram
a estabelecer contactos com outros Estados que não os seus parceiros tradicionais na
63
Ásia (como Singapura e Malásia) para chegar a Forças Armadas que normalmente não
se incluiriam na sua esfera tradicional de relacionamentos.
Um dos aspetos interessantes da “nova” Diplomacia de Defesa foi o aumento
da Diplomacia de Defesa multilateral19. Os diversos fora multilaterais regionais
tornaram-se um dos meios mais significativos da Nova Zelândia se envolver com novos
parceiros. A proliferação de diálogos de defesa multilaterais na região, como a Reunião
de Ministros da Defesa da ASEAN mais oito (ADMM +), a Reunião de Altos Funcionários
de Defesa da ASEAN mais oito (ADSOM+), o Diálogo Shangri-La, o Diálogo Internacional
de Defesa de Jakarta e, mais recentemente, o Diálogo de Defesa de Seul, foi atribuída à
necessidade de aliar capacidades coletivas e esforços multinacionais para lidar com a
diversidade e a rápida mudança de ameaças à segurança.
A Diplomacia de Defesa multilateral proporciona uma alternativa aceitável ao
estabelecimento de acordos ou alianças tradicionais, e constituiu uma resposta à
relutância de alguns países asiáticos para o envolvimento em relações formais de
segurança. O Vietname, por exemplo, recusou-se explicitamente a entrar em qualquer
aliança, mas isso não o impediu de desenvolver Diplomacia de Defesa. Da mesma forma,
a Indonésia tem sido tradicionalmente relutante em formalizar acordos de aliança, e
essa situação tem limitado alguns aspetos da relação de defesa da Nova Zelândia com a
Indonésia, como visitas e exercícios. Pelo contrário, a China cuja política externa foi
sempre caracterizada por uma longa política de não-alinhamento não impediu que
tivesse prosseguido ativamente um programa de diplomacia militar desde os anos 1990
(Fris, 2013, p.49).
A questão crucial subjacente à "nova" Diplomacia de Defesa da Nova Zelândia foi
a divergência crescente entre os interesses de segurança e defesa do país, por um lado,
e os seus interesses comerciais e económicos, por outro. À medida que a China e outros
países da Ásia se tornaram parceiros comerciais cada vez mais importantes para a Nova
Zelândia foi, naturalmente, reconhecida a necessidade e a importância de um leque mais
diversificado de relações. As relações de defesa da Nova Zelândia alargaram-se para ter
em conta não só os acordos de segurança tradicionais, mas também os seus interesses
19
Entende-se por Diplomacia de Defesa multilateral as reuniões e diálogos institucionalizados, e a atividade desenvolvida por organizações internacionais e intergovernamentais com o intuito de promover a paz, o diálogo, a transparência e a confiança entre os seus membros.
64
económicos e comerciais. A NZDF também reconheceu que as mudanças na arquitetura
de segurança regional constituíam uma oportunidade para interagir com os países
asiáticos em matéria de segurança e defesa. De facto, é difícil imaginar o florescimento
de relações de defesa, se não fossem outros desenvolvimentos, como o fim da Guerra
Fria, a criação do Fórum Regional da ASEAN, para além de reformas internas, políticas e
sociais nos países do Sudeste Asiático (Fris, 2013, p. 46).
III.2.3. O exemplo da República Popular da China
A Diplomacia de Defesa da República Popular da China é referida nos Livros
Brancos de Defesa como Diplomacia Militar, e aparece mencionada naqueles
documentos sob a epígrafe de "cooperação internacional de segurança." O Livro Branco
de 2000 refere que a diplomacia militar deve servir a diplomacia do Estado e a
modernização da defesa nacional e das Forças Armadas, enquanto o Livro Branco de
2004 revela que (o) Exército Popular de Libertação realiza intercâmbios militares ativos e
cooperação com as Forças Armadas de outros países e criou uma diplomacia militar
abrangente, extensível em várias direções e a diferentes níveis.
Durante o período da Guerra Fria, a Diplomacia de Defesa da China foi norteada
por imperativos ideológicos e geoestratégicos. Grande parte das atividades de
Diplomacia de Defesa desenvolveram-se no Sudeste Asiático, onde assumiu a forma de
assistência militar para atores não estatais comunistas e governos amigáveis com as
mesmas percepções de ameaças. Desde a sua fundação, em 1949, até ao final de 1970 a
República Popular da China (doravante China) forneceu ajuda financeira, treino e
equipamentos para os movimentos comunistas na Indochina, na Birmânia e na Tailândia.
O maior recipiente de ajuda militar chinesa foi a República Democrática do Vietname (ou
Vietname do Norte).
Tal como aconteceu com as outras grandes potências após a Guerra Fria, a
Diplomacia de Defesa da China centrou-se na cooperação bilateral. Na década de 90, a
Diplomacia de Defesa chinesa no Sudeste Asiático continuou, sobretudo, a privilegiar a
assistência militar a governos amigos. Mianmar e Camboja foram os principais
65
destinatários. No entanto, a motivação, agora, era ganhar influência política e
económica nesses países, em vez de combater inimigos comuns.
Não obstante, a Diplomacia de Defesa chinesa também revestiu uma dimensão
multilateral. O desenvolvimento mais significativo neste âmbito foi a participação da
China no Fórum Regional da Ásia (Asia Regional Forum, ARF), um fórum de segurança
multilateral criado em 1994. Inicialmente cética em relação ao ARF, a China foi-se
gradualmente tornando mais confortável com o processo multilateral, especialmente
na segunda metade da década de 90, quando reconheceu que estes fora constituíam
plataformas úteis para promover a política externa e de defesa do país. A participação
da China no ARF tornou-se mais pró-ativa depois de 2000. Nesse ano, acolheu a 4ª
Reunião de Diretores de Colégios de Defesa e também começou a contribuir para a
Annual Security Outlook da organização.
A Diplomacia de Defesa chinesa estendeu-se a todos os 10 membros da
ASEAN20 e, ainda apenas, ao potencial membro, Timor-Leste. Também expandiu o seu
âmbito para além de vendas de armamento/transferências para abranger uma série de
atividades de cooperação, incluindo consultas anuais de defesa, intercâmbios
académicos, exercícios conjuntos e combinados, e discussões sobre a colaboração no
setor industrial de defesa. A edificação desta nova Diplomacia de Defesa foi
estruturada através de uma série de declarações conjuntas assinadas pela China e cada
um dos países da ASEAN entre 1999 e 2000, cujo objetivo foi o de reforçar a
cooperação bilateral num amplo espectro de atividades. A linguagem utilizada e a
gama de atividades propostas diferem, no entanto, para cada membro da ASEAN,
refletindo, em parte, a proximidade das relações. De relevar que nestas declarações
conjuntas foi atribuída maior prioridade ao relacionamento político e económico do
que à cooperação no âmbito da Defesa (Storey, 2012, p.294).
Na década de 2000, a Diplomacia de Defesa chinesa alargou-se para fazer face
aos novos objetivos de política externa e de segurança. No início do século, a China
procurou melhorar a sua imagem e acalmar as ansiedades regionais provocadas pelo
seu crescente poder político, económico e militar. Uma ofensiva diplomática de
charme foi lançada no Sudeste Asiático no início do ano 2000, destinada a transmitir
20
Brunei, Camboja, Filipinas, Indonésia, Laos, Malásia, Mianmar, Singapura, Tailândia e Vietname.
66
duas mensagens: a primeira, de que o crescimento económico da China tinha sido a
maré que levantou todos os barcos e, portanto, tinha contribuído para a paz e a
prosperidade regional; e, segundo, que a China era uma potência benigna, que não
representava uma ameaça estratégica para os seus vizinhos, mesmo quando as suas
capacidades militares cresceram consideravelmente.
Os líderes chineses aprovaram a política de desenvolvimento/ascensão pacífica:
a de que a China iria continuar a contar com as forças da globalização para alcançar os
objetivos de desenvolvimento económico, evitando a expansão territorial ou a
hegemonia (Bijian, 2005, p.24). Mais tarde, a expressão desenvolvimento/ascensão
pacífica foi substituída por "desenvolvimento harmonioso", reconhecida a importância
do multilateralismo para a segurança comum, e do desenvolvimento de uma
cooperação mutuamente benéfica para a prosperidade de todos. Foi, também,
assumido que a China estava disposta a prosseguir um papel mais pró-ativo e assertivo
nos assuntos internacionais (Hu Jintao, 2005 citado por Storey, 2012, p.293).
A Diplomacia de Defesa foi utilizada para promover a política de
"desenvolvimento pacífico/harmonioso" e a ofensiva de charme da China. Foram
iniciados ou intensificados os intercâmbios militares, diálogos de defesa e segurança, e
exercícios conjuntos e combinados com as Forças Armadas de países estrangeiros. O
aumento da interação com as autoridades civis e os militares estrangeiros traduziu-se
em oportunidades regulares para os oficiais chineses transmitirem a política externa e
de defesa do país e atenuar as críticas de falta de transparência no processo de
modernização das Forças Armadas da China. Desde 2003, por exemplo, foram
convidados observadores militares estrangeiros para participar nos exercícios do
Exército Popular de Libertação (EPL). Durante a última década, a China intensificou
consideravelmente a sua Diplomacia de Defesa com os vizinhos asiáticos, em particular
no Sul da Ásia, incluindo o Paquistão, o Bangladesh e o Nepal.
Como expresso no Livro Branco de 2008 (2009, p.49), a China prossegue no
desenvolvimento de relações de amizade, no reforço da confiança política mútua, na
realização de cooperação de defesa e na manutenção da segurança comum com todos
67
os países, com base nos cinco princípios da coexistência pacífica21. Para tal, o Exército
Popular de Libertação desenvolve relações militares de cooperação, mesmo com
países fora da sua esfera de influência tradicional, e numa perspetiva não confrontável
em relação a Estados terceiros, envolvendo-se em várias formas de intercâmbio e de
cooperação militar, num esforço para criar um ambiente de segurança militar de
confiança e benefício mútuos. Na realidade, parece evidente que a Diplomacia de
Defesa da China tem uma dupla finalidade: Pequim faz questão em tranquilizar os
países vizinhos mas, ao mesmo tempo também parece interessada em mostrar as suas
crescentes capacidades militares. Uma capacidade militar forte realça o estatuto de
grande potência da China, e é igualmente um exercício de dissuasão.
À semelhança do que se passou a Ocidente, também a Diplomacia de Defesa
chinesa se alargou para incluir missões não-combatentes, como a manutenção da paz
e a assistência humanitária em apoio a desastres. Estas tornaram-se parte das "novas
missões históricas" do Exército Popular de Libertação em 2004. Todavia, mesmo antes
desta data, a China já se havia tornado um participante ativo nas operações de paz das
Nações Unidas. A contribuição da China para missões de paz tem servido vários
propósitos: demonstra o compromisso da China perante as suas responsabilidades
internacionais como um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU;
ajuda a promover a imagem de uma China pacífica; e contribui para a
profissionalização das suas forças militares e policiais em termos de formação e de
experiência de campanha (ICG, 2009, pp.1-14). Da mesma forma, a participação da
China em operações de assistência humanitária em apoio a desastres reforça a sua
qualificação como potência em ascensão, benigna e responsável, além de proporcionar
às suas forças de segurança uma experiência de campanha valiosa.
Embora a Diplomacia de Defesa da China, tenha evoluído - como a de muitos
países ocidentais -, para assumir novas missões na era pós-Guerra Fria, nem todas as
atividades são consideradas neste âmbito. Enquanto a reforma do sector da segurança
e o desenvolvimento de Forças Armadas democraticamente responsáveis, em
particular, é uma área privilegiada da Diplomacia de Defesa de muitos países
21
Respeito mútuo pela soberania e integridade territorial; não-agressão; não ingerência; igualdade e benefício mútuo; e, coexistência pacífica.
68
ocidentais, assim como a contra proliferação de armas de destruição maciça, na China,
nenhuma dessas áreas merece prioridade. A China, como Estado autoritário que é, e
defensor do princípio da não interferência nos assuntos internos de outros países, não
se considera em posição de aconselhar sobre as relações entre civis e militares num
Estado democrático. Com efeito, a China foi alvo de críticas por prestar assistência
militar a regimes com níveis insatisfatórios em matéria de direitos humanos, como o
Mianmar, o Zimbabué e o Sudão. E, muito embora a China tenha exprimido apoio na
questão da não-proliferação, esta área também não faz parte das suas atividades de
Diplomacia de Defesa devido a preocupações de soberania (Storey, 2012, p.294).
A Diplomacia de Defesa chinesa serve agora uma série de objetivos específicos
de política externa e de defesa. No Sudeste Asiático, estes objetivos incluem: a
expansão da influência chinesa em toda a região, e a contenção da influência de outras
grandes potências, especialmente a dos Estados Unidos; a divulgação da política de
"ascensão pacífica" da China; a construção de confiança e o reforço da cooperação
com as Forças Armadas do Sudeste Asiático; e a utilização das experiências aprendidas
de Forças Armadas regionais para a modernização do Exército Popular de Libertação.
As atividades de Diplomacia de Defesa desenvolvidas pelo Exército Popular de
Libertação não são novas nem muito diferentes daquelas que são normalmente
empreendidas pelas estruturas militares e de defesa dos outros países da região e
compreendem:
Os Adidos de Defesa, Intercâmbios e Diálogos de Segurança anuais
A representação no país é vital para o sucesso da Diplomacia de Defesa, e esse
papel é cumprido pelo gabinete do Adido de Defesa. De acordo com o Departamento
de Defesa dos EUA (DoD), em 2010 a China tinha mais de 300 Adidos de Defesa
destacados no estrangeiro (US DoD, 2011, p. 65). No início dos anos 1990, a China
tinha relações diplomáticas normalizadas ou estabelecidas com os atuais 10 membros
da ASEAN, o que permitiu o estabelecimento de gabinetes de Adidos de Defesa nas
respetivas capitais. China e Timor-Leste trocaram Adidos de Defesa, quando Timor
ganhou a independência formal em 2002.
69
Educação e Formação
O Livro Branco da Defesa de 2008 revela que, entre 2005 e 2007, a China
enviou mais de 900 alunos militares para o estrangeiro, e que 20 instituições de ensino
militar da China estabeleceram programas de intercâmbio com os seus homólogos
estrangeiros. Os cursos de formação e programas de educação para os oficiais
militares estrangeiros são uma componente essencial da Diplomacia de Defesa. Os
cursos disponibilizados abrangem uma vasta gama de assuntos, incluindo o ensino da
língua, treino funcional e técnico e programas académicos em faculdades e
universidades da defesa. A participação militar estrangeira é considerada importante
por duas razões: primeiro, porque permite a partilha de ideias com os oficiais
estrangeiros facilitando, assim, uma troca de pontos de vista sobre questões de
segurança regional e internacional. Esta convivência ajuda a alterar perceções ou, no
mínimo, cria uma melhor apreciação das perspetivas de outros países, aumentando a
compreensão mútua. Em segundo lugar, cria redes formais e informais de profissionais
que podem ser vitais em situações de crise.
Exercícios e treino combinado
A participação chinesa em exercícios e treino combinado é um
desenvolvimento relativamente recente e extremamente significativo da Diplomacia
de Defesa do país. O Exército Popular de Libertação só começou a participar em
exercícios conjuntos e combinados em 2002, considerando que estes exercícios
contribuiriam para a construção de confiança com os Exércitos estrangeiros; que
atenuariam as críticas da falta de transparência no seu programa de modernização; e
por último, ganharia experiência operacional pela observação de táticas, processo de
apoio à decisão e equipamentos usados por Forças Armadas tecnologicamente mais
avançadas. No Livro Branco da Defesa de 2010 são reconhecidos estes três benefícios
pela constatação de que os exercícios conjuntos e combinados são “propícios à
promoção da confiança mútua e da cooperação, da consolidação de experiências e
conhecimentos, acelerando a modernização do Exército Popular de Libertação (Storey,
2012, p. 302). Até 2010, tinham sido conduzidos 44 exercícios conjuntos e combinados
com forças estrangeiras.
70
Operações de paz e de assistência humanitária em apoio a desastres
A manutenção da paz e as operações de assistência humanitária em apoio a
desastres tornaram-se, desde 2004, duas novas missões do Exército Popular de
Libertação (EPL). De um modesto começo em 2003, com uma contribuição de 120
capacetes azuis, o aumento foi exponencial e em 2007 o número atingiu 1,861
homens. Até dezembro de 2010, a contribuição do EPL para as operações de paz das
Nações Unidas tinha atingido um total de 17,390 homens em dezanove operações. Em
dezembro de 2010, o número cifrava-se em 1,955 homens distribuídos por nove
operações de paz, o maior número de um membro permanente do Conselho de
Segurança. A China não tem contribuído com tropas de combate para estas missões
preferindo enviar a polícia civil, observadores militares, e “facilitadores de força”,
como médicos militares e unidades de engenharia (ICG, 2011, p.9). Segundo dados do
Livro Branco de 2010, as tropas de peacekeeping chinesas tinham, até então,
construído e reparado 8,700 km de estradas, 270 pontes, desativado 8,700 minas e
outros engenhos explosivos, transportado mais de 600,000 toneladas de carga por
uma distância total de 9,3 milhões de km, e tratado 79,000 doentes.
Diplomacia naval
As escalas de navios de guerra estrangeiros são, geralmente, uma maneira
eficaz e não invasiva de construir boa vontade e mostrar a capacidade naval de uma
nação. Embora a China e os países do Sudeste Asiático troquem visitas de navios desde
o início de 1990, o número de escalas aumentou em frequência durante a primeira
década deste século. A Marinha chinesa intensificou a frequência de escalas para o
Sudeste Asiático desde o início de 2000, por duas razões principais: em primeiro lugar,
a modernização da Marinha chinesa tem permitido que navios de guerra chineses
operem a maior distância da costa; e segundo, os portos do Sudeste Asiático
proporcionam um ponto de paragem conveniente para as embarcações da Marinha
que regressam de patrulhas de contra pirataria no Golfo de Áden, em que a China
participa desde 2008. Em dois anos, a Marinha chinesa garantiu proteção a 3,139
71
navios ou embarcações, evitou o ataque de piratas a 29 embarcações e recuperou 9
(Livro Branco, 2010).
Pequim também usou a Diplomacia de Defesa para ganhar influência em Timor-
Leste. Desde que o país se separou da Indonésia em 1999 e ganhou a independência
formal em 2002, a China orientou a sua diplomacia para se tornar o parceiro asiático
de longo prazo de Díli, principalmente pelo interesse no acesso aos recursos naturais
do país, concretamente, petróleo e gás natural. A Diplomacia de Defesa tem
desempenhado um papel importante nesta abordagem insinuante da China em
relação a Timor-Leste. Entre 2002 e 2004, Pequim doou cerca de 1 milhão de dólares
em equipamento militar não letal - como tendas, uniformes e veículos de transporte -
para as Falintil-Forças de Defesa de Timor Leste (F-FDTL), então em fase embrionária, e
financiou alojamento para oficiais superiores na ordem dos 6 milhões de dólares. A
capacidade chinesa de apoio para a reconstrução da F-FDTL foi pequena em
comparação com países como a Austrália e Portugal, mas desde 2007, a China tornou-
se um importante parceiro de Timor-Leste no setor de defesa (Storey, 2012, p.298).
A Diplomacia de Defesa chinesa alcançou alguns êxitos no Sudeste Asiático,
mas também tem enfrentado dificuldades. As tensões em curso no Mar do Sul da
China relativas a disputas de atóis e reivindicações de fronteiras marítimas afastam a
possibilidade de relações de defesa estreitas com o Vietname, as Filipinas, a Malásia e
o Brunei. Os diálogos de defesa bilaterais anuais da China com o Vietname e as
Filipinas não conseguiram atenuar as tensões sobre as contestadas ilhas Spratly.
Aqueles países do Sudeste Asiático com fortes laços militares com os Estados Unidos,
como a Singapura e a Tailândia, não arriscam uma relação muito próxima com o
Exército Popular de Libertação, com receio de danificar esses laços. Até que a China
desenvolva uma indústria de armamento de classe mundial, vai enfrentar dificuldades
para fazer sérias incursões no Sudeste Asiático. No entanto, a Diplomacia de Defesa é
um processo de longo prazo, e a China continuará comprometida com essa política,
desde que os seus interesses políticos, económicos e de segurança na região se
continuem a expandir. De uma perspetiva de realpolitik, a Diplomacia de Defesa da
China no Sudeste Asiático só tenderá a crescer em importância durante a próxima
72
década, se, como parece provável, a concorrência sino-americana continuar a
aumentar (Storey, 2012, p.307).
Nos três estudos de caso apresentados, a Diplomacia de Defesa concorre
inequivocamente para os objetivos de política externa de cada um dos países. Os
objetivos e os interesses nacionais de cada Estado são assumidamente diferentes e
essa assunção reflete-se nos meios e na forma como a Diplomacia de Defesa é
utilizada para atingir esses objetivos. Os instrumentos utilizados por cada um dos
países são aqueles que melhor traduzem o nível de envolvimento para os fins traçados.
Se no caso do Reino Unido os objetivos definidos se prendem com a capacitação dos
Estados - nomeadamente aqueles a atravessar processos de transição democrática
(promoção da democracia, direitos humanos, reforma do sector da segurança) -, e com
a paz e a segurança na Europa e no mundo (através de medidas de combate ao
terrorismo e a contra proliferação de armamento), no caso da China esses objetivos
estão relacionados com a sua afirmação e a necessidade de reconhecimento como
potência económica, política e, sobretudo, militar. A necessidade de recursos e de
mercados obriga a China a potenciar todos os seus relacionamentos, mais próximos e
mais distantes, e a utilizar a diplomacia militar para influenciar e impor, quer através
de medidas de soft power quer através de demonstrações de hard power. Enquanto a
estabilidade e a segurança coletiva é, para os britânicos, fundamentalmente justificada
por questões de natureza política, no caso da China, o motor desse objetivo de
estabilidade e prosperidade é sobretudo económico. Em ambos os casos, as estruturas
de defesa de cada país são utilizadas para cooptar as elites governantes de um país
estrangeiro, a fim de promover e potenciar a cooperação bilateral, sendo certo que a
própria natureza dessa cooperação serve intrinsecamente o interesse próprio do
proponente (Winger, 2014, p.7).
O caso da Nova Zelândia é misto, e revela a evolução que se regista em
praticamente todos os países que utilizam a Diplomacia de Defesa como parte de uma
diplomacia pública integrada e para atingir objetivos de política externa. A evolução da
“antiga” Diplomacia de Defesa para a “nova” Diplomacia de Defesa reflete a alteração
dos objetivos que lhe foram atribuídos, e que se traduzem diretamente no tipo de
atividades e nos países com que são desenvolvidas. A Diplomacia de Defesa
73
neozelandesa foi utilizada como forma de prevenção de conflitos e, por essa razão, foi
sempre motivada pela estabilidade regional e a necessidade de construção de
confiança, cultivando e estabelecendo relações de cooperação e transparência com os
vizinhos do Sudeste Asiático e do Pacífico Sul. Os interesses securitários dominaram
sempre a agenda da Diplomacia de Defesa neozelandesa, e se nas duas primeiras
décadas, ela foi marcadamente orientada por princípios políticos de boa vizinhança,
tendo em vista o desenvolvimento político, económico e social dos países que a
rodeiam, hoje os interesses económicos também determinam os objetivos e os
destinatários da Diplomacia de Defesa neozelandesa.
Em Portugal, e de acordo com o expresso no CEDN de 2013 (p.31) poderemos
antecipar que a Diplomacia de Defesa se deverá materializar pelas seguintes linhas de
ação:
─ Participação nas missões militares internacionais de paz, nomeadamente no
quadro das Nações Unidas, da OTAN e da UE;
─ Intensificar o relacionamento com a OTAN, participar no seu processo de
transformação e defender a articulação estratégica entre a OTAN e a UE;
─ Intensificar as relações externas de defesa e cooperação com os EUA;
─ Promover o desenvolvimento da Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD) da
UE;
─ Alargar as relações bilaterais e multilaterais de segurança e defesa com os Estados
membros da CPLP, em particular nos domínios da cooperação técnico-militar e da
reforma do sector de segurança;
─ Contribuir para a estabilidade estratégica no Mediterrâneo e no Magrebe,
participando ativamente na Iniciativa 5+5 Defesa22;
─ E potenciar as oportunidade no domínio da economia de defesa.
22
A Iniciativa 5+5 Defesa envolve os 10 países ribeirinhos do mediterrâneo (Argélia, França, Itália, Líbia, Malta, Mauritânia, Marrocos, Portugal, Espanha e Tunísia). Foi lançada em 2004 com o objetivo de favorecer o conhecimento mútuo entre os países membros, reforçar o entendimento e confiança e desenvolver a cooperação multilateral, a fim de fomentar a Segurança no Mediterrâneo Ocidental. A cooperação promovida neste âmbito privilegia os aspetos mais práticos, nomeadamente, a realização de exercícios, no sentido de desenvolver uma capacidade de atuação conjunta.
74
Capítulo IV
Diplomacia de Defesa: Diferentes Atores, Vários Instrumentos
IV. 1. O Papel do Ministério da Defesa Nacional
A Direção-Geral de Política de Defesa Nacional (DGPDN) está inserida na
estrutura orgânica do Ministério da Defesa Nacional, e a sua atividade encontra-se na
dependência direta do Ministro da Defesa Nacional. As suas atribuições foram
expressas no Decreto Regulamentar nº 4/2012 de 18 de janeiro para: (1) garantir a
assessoria técnica na formulação das grandes linhas de ação da política de defesa, no
planeamento estratégico de defesa e nas relações externas de defesa; (2) a
responsabilidade pelo planeamento, estudo e elaboração de propostas de orientações
de nível político-estratégico, (3) o acompanhamento e ponderação da respetiva
execução, competindo-lhe ainda (4) promover e coordenar a política de cooperação
técnico-militar.
Foi, assim, atribuída à DGPDN a responsabilidade de planear, desenvolver e
coordenar as relações externas de defesa, em articulação com o Ministério dos
Negócios Estrangeiros, utilizando diretamente, através de relacionamento
funcional, os adidos de defesa ao nível político-estratégico, sem prejuízo da
respectiva dependência orgânica; e assegurar, sem prejuízo das competências
próprias do Ministério dos Negócios Estrangeiros, o relacionamento bilateral e
multilateral na área da defesa, nomeadamente no âmbito da cooperação
técnico-militar, preparando e negociando os respectivos programas-quadro e
coordenando e avaliando a sua execução.23
As relações externas de Defesa são, assim, desenvolvidas e coordenadas pela
DGPDN, mas são implementadas e executadas pelos três Ramos e o Estado-Maior
General das Forças Armadas e também por outros Órgãos e Serviços do Ministério da
Defesa Nacional. As atividades que neste âmbito são desenvolvidas são aquelas que
estão associadas à Diplomacia de Defesa: reuniões, visitas de delegações, cooperação
23
Decreto-lei n.º 122/2011, alíneas c) e d), n.º 2, artigo 13.º.
75
técnico-militar, intercâmbios operacionais e educacionais, formação e treino,
exercícios conjuntos e combinados, visitas de navios, entre outros.
A Diplomacia de Defesa portuguesa serviu, desde sempre, para afirmar a
presença de Portugal no Mundo. E esse objetivo começou a delinear-se há cinco
séculos. Com efeito, já no século XV Portugal foi pioneiro na combinação de hard
power e soft power para alcançar os seus objetivos políticos. Os descobrimentos
portugueses marcam - segundo alguns autores -, não só a primeira vaga de
globalização com a abertura de rotas comerciais marítimas e o estabelecimento de
contactos entre povos, culturas, religiões e geografias diferentes, como poderão ser
considerados uma expressão de smart power. Portugal não conquistou apenas,
influenciou também, pela capacidade única de se relacionar e miscigenar com outros
povos e culturas, evangelizando e aculturando outras raças, etnias e tribos.
Em Portugal, o termo Diplomacia de Defesa não é utilizado, nem há registo da
expressão ter sido referenciada em documentos estratégicos políticos e/ou militares.
No entanto, a cooperação militar é anterior à democracia. Os Estados-Maiores
Peninsulares24 remontam a 1954, altura em que os dois países ibéricos dispunham do
mesmo regime político, possibilitando uma aproximação e o estabelecimento de
relações entre as respetivas Forças Armadas. Essa cooperação foi mais tarde prevista e
contemplada no Tratado de Amizade e Cooperação, assinado em 22 de novembro de
1977, e desde então têm-se registado intercâmbios entre as Forças Armadas de
Portugal e Espanha, no âmbito da formação e treino, exercícios conjuntos e
combinados, visitas e reuniões anuais. Para além de Espanha, a cooperação militar
desenvolveu-se igualmente com outros aliados. O relacionamento com o Reino Unido
e os Estados Unidos da América (EUA) tem a sua génese na Segunda Guerra Mundial e
pressupunha a concessão de certas facilidades nas ilhas dos Açores em apoio da luta
24
Apesar de enquadradas pelo Tratado de Amizade e de Não Agressão entre Portugal e Espanha de 17 de Março de 1939, só a partir de 1954 é que se passaram a realizar as Conferências dos Estados-Maiores Peninsulares (reuniões entre as Forças Armadas de Portugal e as Forças Armadas de Espanha). No entanto, estas conferências só começaram a produzir resultados mais visíveis a partir de 1972, com a nomeação de um Presidente e um Secretário com carácter permanente na Comissão, que em cada país era responsável por estes encontros. Em 1974 para aprofundar e dinamizar a cooperação foram criados grupos de trabalho para estudarem de forma conjunta, os temas abordados nas Conferências.
76
antissubmarina, contemplando ainda a utilização de uma pista de aviação numa das
ilhas do arquipélago (DGPDN, 1993, pp.12-13).
O relacionamento bilateral com a Alemanha e a França remonta à década de
60, altura em que também foram assinados acordos a conceder facilidades no
território nacional a estes dois últimos países, em Beja e nos Açores (Santa Maria e
Flores), respetivamente. A cooperação militar foi sendo desenvolvida com a França, o
Reino Unido e os EUA, sobretudo ao nível da formação, dos intercâmbios de
delegações e unidades, mas também ao nível operacional, através de exercícios navais
conjuntos - embora sem carácter regular -, visita de navios e cooperação na área da
logística.
Foi a adesão à Aliança Atlântica em 1949 que possibilitou o desenvolvimento
mais regular e, simultaneamente, o incremento de contactos e de relações bilaterais
entre os Ramos das Forças Armadas de Portugal e de outros países aliados. Exercícios
conjuntos e combinados, formação e treino, e troca de visitas marcaram o
relacionamento bilateral entre as Forças Armadas de Portugal e as suas congéneres
mais próximas, e deram início à cooperação militar bilateral e multilateral.
A edificação do Ministério da Defesa Nacional em 198825 proporciona um
desenvolvimento significativo da cooperação bilateral de defesa quer decorrente de
25 Embora o cargo de Ministro da Defesa Nacional tenha sido criado em 1950, não foi, no entanto, criado um Ministério da Defesa, mantendo-se a existência dos Ministérios do Exército e da Marinha como departamentos separados. O Ministro da Defesa Nacional não tinha assim um ministério próprio, fazendo parte da estrutura da Presidência do Conselho de Ministros, tutelando diretamente o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, o Secretariado-Geral da Defesa Nacional e o Subsecretariado de Estado da Aeronáutica, e exercendo uma ação de coordenação em relação aos Ministros do Exército e da Marinha. O conjunto dos organismos sob tutela direta do Ministro da Defesa Nacional constituía o Departamento da Defesa Nacional.
Após a revolução de 1974 foi estabelecido o Conselho da Revolução presidido pelo Presidente da República e composto apenas por militares, que assumiu a responsabilidade sobre todos os assuntos das Forças Armadas. Nesta organização, o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas tinha um estatuto equivalente ao do Primeiro-Ministro e os Chefes dos Estados-Maiores dos Ramos, assumiram a função dos anteriores ministros militares. Foi então criado o Ministério da Defesa Nacional, chefiado pelo Ministro da Defesa Nacional. O Ministro da Defesa deixou de ter qualquer tutela sobre as Forças Armadas, servindo apenas como elemento de ligação entre o Governo (poder civil) e aquelas, sobretudo no que dizia respeito à política de defesa e aos assuntos orçamentais.
Findo o período de transição democrática, deixou de fazer sentido a tutela das Forças Armadas sobre o regime, bem como a sua separação do poder civil. Nesse sentido foi realizada a Revisão Constitucional de 1982 que extinguiu o Conselho da Revolução e voltou a subordinar as Forças Armadas à administração direta do Estado. Na sequência da revisão constitucional foi também aprovada a Lei de
77
contactos bilaterais e de interesses nacionais identificados como, por exemplo, no
Magrebe com Marrocos, Tunísia e mais tarde a Argélia, ou como resultado de políticas
e programas multilaterais, como a Parceria para a Paz, e direcionado para o Centro e o
Leste da Europa. A responsabilidade da negociação, bem como a gestão e
implementação dos acordos foi atribuída à DGPDN que conduz as comissões mistas
previstas nesses acordos e negoceia os planos de atividades anuais ou bienais a
desenvolver com as estruturas de Defesa e Militares desses países. Na década de 90
foram assinados cerca de 40 acordos, memorandos e/ou protocolos e outros acordos
técnicos com os países do Norte de África e da Europa Central e de Leste, mas também
com os países nossos aliados como Espanha, França, Grécia, Alemanha, Reino Unido,
EUA, Canadá e Brasil.
O programa da Parceria para a Paz26 justificou a cooperação que se estabeleceu
a leste da Europa e desenvolveram-se atividades de Diplomacia de Defesa com todas
essas novas democracias do extinto Pacto de Varsóvia (Polónia, Hungria, Roménia,
Bulgária, República Checa, Eslováquia e Eslovénia). A possibilidade de adesão desses
países à OTAN constituiu um incentivo para a reforma dos seus sistemas políticos e
estruturas militares e as atividades desenvolvidas refletiram essa necessidade
centrando-se em áreas como o enquadramento constitucional para o controlo
democrático dos militares, a organização e civilianização dos ministérios da defesa, o
planeamento e orçamento de defesa, o estado de direito e a supervisão parlamentar.
As atividades empreendidas com estes países - quer as relacionadas com a nova
Diplomacia de Defesa quer aquelas associadas à antiga Diplomacia de Defesa -, até à
adesão às organizações internacionais, como a OTAN e a UE, permitiu a consolidação
dos seus programas de reformas institucionais constituindo um exemplo inequívoco da
contribuição da Diplomacia de Defesa não apenas para a prevenção de conflitos mas
Defesa Nacional e das Forças Armadas (Lei nº 29/82, de 11 de dezembro). Esta lei estabeleceu a organização das Forças Armadas e a existência do Ministério da Defesa Nacional, em cuja estrutura as mesmas passaram a estar integradas. 26
A Parceria para a Paz (PFP) é um programa de cooperação bilateral entre os países parceiros euro-atlânticos e a OTAN e que permite a esses países o estabelecimento de uma relação individual com aquela organização, na qual definem e as suas prioridades e selecionam as atividades de cooperação a desenvolver.
78
também, e sobretudo, para a promoção e consolidação da democracia. O caso da
Europa Central e Oriental é, assim, paradigmático.
A década de 90 marca também o ponto de viragem na Diplomacia de Defesa
portuguesa colocando Portugal ao nível dos seus pares europeus, com a extinção dos
Acordos com a Alemanha (1993) e a França (1997) e a consequente retirada de Beja e
dos Açores. Foi também este o espírito que presidiu à renegociação do Acordo de
Cooperação e Defesa com os Estados Unidos da América e que se baseou em dois
princípios fundamentais e que passariam a nortear a política externa portuguesa: o da
reciprocidade e o respeito pela soberania dos Estados, deixando para trás as
contrapartidas financeiras que marcaram acordos e relações anteriores.
Porque ”o reforço da segurança e da defesa nacional assenta na
consolidação das relações externas de defesa, nomeadamente com a OTAN e a
UE, bem como pelo aprofundamento das dimensões de segurança das políticas
de cooperação na comunidade lusófona, o emprego de recursos militares [no
quadro da Diplomacia de Defesa] deverá obedecer a uma escala geopolítica de
prioridades. Em primeiro lugar, na defesa cooperativa da paz e da segurança
nas regiões europeia e euro-atlântica (...); em segundo lugar, nas áreas vitais
para o combate ao terrorismo internacional e outras ameaças diretas à região
euro-atlântica; em terceiro lugar, na cooperação no domínio da segurança e
defesa com os países da CPLP; e finalmente, participar [sic] em missões de
ajuda de emergência das Nações Unidas”(CEDN, 2013, p.35).
IV. 2. Os diferentes instrumentos da Diplomacia de Defesa
Os diferentes instrumentos que no âmbito da Diplomacia de Defesa portuguesa
são utilizados e privilegiados no estabelecimento de relações de cooperação com os
nossos parceiros são aqueles que também são utilizados, com mais ou menos
especificidade, por todos os países: educação e formação; adidos de defesa; exercícios
conjuntos e combinados; reuniões, encontros e visitas; visitas de navios e embarques
de cadetes; missões de paz, e a cooperação técnico-militar portuguesa.
79
O mais expressivo, é sem dúvida, aquele que no âmbito do Ministério da Defesa
Nacional e no quadro da Política de Cooperação Portuguesa se refere à Cooperação
Técnico-Militar com os Países de Língua Oficial Portugesa por ser o único que congrega
todos os instrumentos e todos os intervenientes. Um projeto que une políticos e
militares, a língua e a história, e o objetivo partilhado de um futuro próspero e estável.
São estas as bases da Cooperação Técnico-Militar Portuguesa.
Cooperação Técnico-Militar
O ponto de partida da Cooperação Técnico-Militar (CTM) portuguesa pode
situar-se em 1978, ano em que surgem os primeiros pedidos de cooperação na área
militar por parte dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), tornando-
se mais regulares a partir de 1985. Os primeiros acordos bilaterais no domínio técnico-
militar são assinados em 1988, com Cabo Verde em junho, e com S.Tomé e Príncipe e
Moçambique, em dezembro. Em janeiro de 1989 foi assinado o Acordo de cooperação
no domínio técnico-militar com a Guiné-Bissau, enquanto com Angola a cooperação
técnico-militar foi sendo desenvolvida ao abrigo do Acordo Geral de Cooperação de
1978, só tendo sido assinado um acordo neste domínio específico em 1996. A
cooperação que foi sendo desenvolvida traduziu-se em ações avulsas e não
sistematizadas, até à entrada em vigor do Decreto Regulamentar 32/89 de 27 de
outubro, que cria a Direção-Geral de Política de Defesa Nacional e contempla um
departamento específico para o “estudo e análise, planeamento, acompanhamento e
avaliação da política de Cooperação Militar com os PALOP”. Em 1990 são aprovados os
primeiros Programas-Quadro de Cooperação com a Guiné Bissau, Cabo Verde e
Moçambique. É definida e aprovada uma metodologia de execução técnica da política
de CTM em 1991, ano que marca o lançamento da execução da política de CTM com os
PALOP, inserida na política nacional de cooperação coordenada pelo Ministério dos
Negócios Estrangeiros e na qualidade de instrumento setorial dessa política, de acordo
com o modelo descentralizado da cooperação portuguesa que imputa total autonomia
técnica aos sectores da cooperação, ao nível institucional (DGPDN, 1998, p.12).
80
Os objetivos permanentes da CTM foram definidos (DGPDN, 1999, p.140) para:
─ Afirmar a presença de Portugal no mundo, pela participação ativa das Forças
Armadas Portuguesas na sustentação da política externa do Estado;
─ Contribuir para o estreitamento da cooperação no mundo lusófono reforçando
os laços culturais, históricos e económicos com os países africanos de língua
oficial portuguesa, vulgarizando o uso da língua portuguesa e projetando a
visão humanista da lusofonia;
─ E contribuir para a segurança e estabilidade interna dos PALOP através da
formação de Forças Armadas apartidárias, subordinadas ao poder político e
totalmente inseridas no quadro próprio de regimes democráticos.
Nesse sentido, a CTM portuguesa iniciou a sua ação em projetos de organização
e formação. No âmbito da organização através do apoio na reformulação dos diplomas
fundamentais e estruturantes da Defesa e das Forças Armadas até à definição de
relações entre o poder político e as Forças Armadas em regimes democráticos,
passando por assessorias aos Ministérios da Defesa e aos órgãos superiores das Forças
Armadas, apoios à gestão de pessoal e dos sistemas logísticos, normalização de
procedimentos, entre outros. Através deste processo organizativo, a CTM contribuiu
para o processo de transição dos regimes de partido único para regimes democráticos,
fazendo prevalecer o conceito de Forças Armadas apartidárias, subordinadas ao poder
político democraticamente exercido. Na área da formação, a sua intervenção
manifestou-se através do apoio à organização de centros e estabelecimentos de
formação no território dos PALOP, mas sobretudo através da formação de quadros e
especialistas em Portugal. De 1990 a 2013 o número de formandos27 atingiu os 6.092
militares (oficiais, sargentos e cadetes) em diferentes ações de formação, desde cursos
de promoção e de estado-maior até cadetes na Escola Naval, Academia Militar e
Academia da Força Aérea. Complementarmente a esta formação de natureza militar,
refira-se ainda os jovens formados nos Institutos Militares de Ensino – Colégio Militar,
27
Informação recolhida junto dos serviços da direção de serviços de cooperação técnico-militar da Direção-Geral de Política de Defesa Nacional a 5 de setembro 2014.
81
Instituto dos Pupilos do Exército e Instituto de Odivelas - na sua maioria filhos de altos
dirigentes políticos e militares dos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial
Portuguesa). Mais expressivo é o número de militares formados nos Centros de
Instrução e Unidades dos PALOP (e no Instituto Superior de Ensino Militar de Angola,
ISEM) que atingiu – entre 2005 e 2012 - os 38.207 formandos, distribuídos por diversos
projetos inscritos em programas-quadro com todos os PLOP (DGPDN, 2013).
Estas são as áreas cujos resultados por mais difícil quantificação foram
designados de ‘invisíveis’ por contrapartida às realizações visíveis, onde estão incluídas
as recuperações de aquartelamentos, implantação de centros de instrução (fuzileiros
navais, “comandos”, serviço de material, engenharia de construções, logística,
transmissões), sistemas de comunicações, sistema de ajudas visuais à navegação,
bandas de música, entre outros (DGPDN, 1998, pp.22-23).
O principal objetivo de Portugal tem sido, neste enquadramento, o de
contribuir para que as Forças Armadas destes países sejam vistas, de forma
sustentada, como um mecanismo de salvaguarda da soberania e de estabilidade
nacional (Bernardino, 2010, p.4). Este tem sido o maior desafio porque os resultados
dos esforços de cooperação desenvolvidos só começaram a produzir efeitos
sustentados passados cerca de duas décadas. A estabilização e a pacificação de alguns
dos países lusófonos que atravessaram períodos de confrontos internos requereu
tempo e a maturidade identitária necessária para a estabilidade democrática,
económica e social.
Também em África a antiga Diplomacia de Defesa passou a conviver com as
novas atividades de Diplomacia de Defesa, não tendo sido possível em alguns dos
países de língua oficial portuguesa - até hoje – prescindir das atividades da Diplomacia
de Defesa tradicional de assistência.
Missões de Paz
Para além dos esforços desenvolvidos no âmbito da segurança regional – em
África -, Portugal também tem sido solidário para a segurança coletiva, contribuindo
82
para a pacificação da Europa e do Mundo, através da sua participação e contribuição
em operações de apoio à paz (OAP), que no âmbito da Diplomacia de Defesa e para
este ensaio, prefiro classificar genericamente por missões de paz.
Uma das missões prioritárias das Forças Armadas é contribuir como
instrumento do Estado para a segurança internacional, designadamente pela sua
intervenção em missões militares internacionais de paz, que asseguram o
reconhecimento externo de Portugal como um Estado coprodutor de segurança
internacional (CEDN, 2013, p.35).
A primeira presença portuguesa em missões de paz, após a instauração do
regime democrático em Portugal, foi em 1989 na UNTAG (United Nations Transition
Assistance Group), para a observação do processo eleitoral na Namíbia, com uma
participação de 25 observadores, civis e militares (três oficiais do Exército português),
uma experiência repetida 30 anos depois da primeira participação portuguesa em
missões de paz das Nações Unidas (com seis militares), na missão de observadores
UNOGIL (United Nations Observer Group in Lebanon) em 1958, no Líbano.
Mas é na década de 90 que se dá o grande incremento na participação das
Forças Armadas Portuguesas em operações humanitárias e de manutenção de paz,
com a projeção de unidades constituídas até escalão de batalhão, que alcançaram em
alguns teatros de operações um efetivo superior a 1000 militares (Figueiredo, 2011,
p.4).
A participação portuguesa iria repetir-se em Angola, na UNAVEM II (1991-92),
UNAVEM III (1995-97) [United Nations Angola Verification Mission] e em Moçambique,
na UNOMUZ em 1993-94 (United Nations Operation in Mozambique). A experiência
portuguesa na verificação de processos eleitorais, no quadro das Nações Unidas e da
União Europeia, iria continuar a registar-se em África com presenças nos processos
eleitorais na Guiné Bissau, S.Tomé e Príncipe, República de África do Sul e
Moçambique. Portugal marcou ainda presença durante sete anos na MINURSO (United
Nations Mission for the Referendum in Western Sahara) tendo tido o comando da
operação de abril de 1996 a junho de 1997 e participou, igualmente, na MONUA
(United Nations Observer Mission in Angola) com um contingente de 211 militares.
83
O apoio na formação e treino de tropas para operações de paz tem assumido
uma mais-valia reconhecida das Forças Armadas Portuguesas em África, tendo
Portugal integrado diversas equipas, denominadas “United Nations Training Assistance
Teams” (UNTAT), com o intuito de ministrar instrução específica da missão aos
quadros dos contingentes com destino a operações de paz. O conceito é o de “train-
the-trainers”, de maneira a habilitar oficiais na condução do treino futuro dos
respetivos contingentes.
Este empenhamento nacional decorreu necessariamente de um movimento
que se iniciou na década de 90 e que conduziu a um empenhamento crescente da
Organização das Nações Unidas na resolução de conflitos regionais, fruto de uma
maior convergência dos membros permanentes do Conselho de Segurança daquela
Organização. A contribuição portuguesa para as operações de apoio à paz tem sido
relevante em áreas e domínios tão diversos como o comando e controlo,
telecomunicações, logística, apoio médico-sanitário e monitorização. Essa ação
empreendida pelas Forças Armadas Portuguesas nos mais variados teatros de
operações, da Europa à Ásia e em África tem contribuído para a projeção, visibilidade e
prestígio nacional no mundo, refletindo os valores universalistas e humanistas, que são
característica da Nação Portuguesa.
Portugal tem assumido os compromissos internacionais que decorrem do nosso
sistema de alianças, a par das exigências de um novo sistema coletivo de segurança em
constante mutação. Este compromisso traduz o esforço que desde 1992 Portugal tem
assumido em defesa da paz e da segurança internacionais, tendo sido por diversas
vezes e até 2003, o primeiro contribuinte europeu para as missões de paz da ONU e
posicionando-se nos 15 primeiros países contribuintes no quadro das Nações Unidas. A
participação portuguesa atingiu o seu maior envolvimento em 1996, quando Portugal
integrou a “Implementation Force” (IFOR), na Bósnia-Herzegovina, e cinco anos mais
em tarde, em 2001, quando integrou a Missão de Transição das Nações Unidas em
Timor-Leste (UNTAET).
Ao longo das duas últimas décadas, cerca de 37 mil militares das Forças
Armadas Portuguesas participaram, isoladamente ou em unidades constituídas, em
mais de meia centena de missões no exterior do território nacional, distribuídas por 18
84
teatros de operações, em África, na Ásia, na Europa, no Pacífico e no Médio Oriente
(Figueiredo, 2011, p.5). As Forças Armadas portuguesas contam hoje com uma
prestigiosa experiência internacional e deram já um importante contributo para a
segurança internacional. Acresce que a participação nacional em operações de paz tem
concorrido não apenas para a contínua relevância das Forças Armadas, mas
igualmente para a credibilidade internacional do país, o que António Vitorino designou
de “efeito multiplicador quanto à posição de Portugal no mundo” (Vitorino, 1998, p.
165).
Visitas de Navios e outras Iniciativas de Visibilidade
No âmbito da diplomacia naval, os navios da Marinha de Guerra Portuguesa
desenvolvem uma atividade extremamente intensa, visitando portos de países amigos
e mostrando a bandeira nacional nos quatro cantos do Mundo. Segundo o Vice-
almirante Victor Lopo Cajarabille (2011, p.425) o mar é utilizado pelos Estados para
influenciar outros sem intenção ou previsão de agressão [...] torna(ndo)-se assim um
veículo de transmissão de sinais, desde a simples presença às demonstrações de força.
A participação em crises, as ações humanitárias, as visitas de amizade e muitos outros
tipos de cooperação naval, são ações próprias da diplomacia naval. Podem-se incluir
certas particularidades com alto valor simbólico, como seja o acompanhamento de
visitas de Estado ou a disponibilização de navios como plataformas para negociações
como foi o caso, p.ex., do processo de mediação da paz após o conflito na Guiné-
Bissau, em 1998, em que as conversações entre as partes se realizaram a bordo do
NRP Corte Real. Em sintonia com as prioridades do Estado português são privilegiadas
as visitas aos países onde existem fortes diásporas portuguesas e aos países da
Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Os embarques de cadetes estrangeiros constituem ainda, neste âmbito,
oportunidades singulares para complementar e consolidar as aprendizagens
lecionadas nas diferentes Escolas Navais potenciando sinergias e a partilha de
conhecimentos e de outras práticas. A convivência e as cumplicidades proporcionadas
85
durante o período de embarque constituem uma oportunidade suprema para
influenciar, mentes e comportamentos.
Desde meados do século XIX que a Marinha Portuguesa complementa as
componentes técnica e académicas ministradas na Escola Naval com viagens de
instrução, assegurando a formação marinheira dos seus futuros oficiais. O primeiro
navio-escola (N.E.) Sagres foi uma corveta mista com casco em madeira, construída em
Inglaterra (...) em 1858. Armava em galera e, fundeada no rio Douro, serviu como
navio-escola, entre 1884 e 1898 (Marinha, 2011). É possível que o embarque de
cadetes estrangeiros só tenha começado no novo navio-escola Sagres a partir de 1962,
quando este navio, adquirido ao Brasil, foi aumentado ao efetivo dos navios da
Marinha Portuguesa (passando o anterior a designar-se Santo André). Hoje os
embarques de cadetes estrangeiros são frequentes nas viagens de instrução anuais, e
na edição deste ano, a 61ª., onze cadetes de diferentes nacionalidades integraram a
guarnição do N.E. Sagres.
Outro aspeto importante da diplomacia naval é também o que o Vice-almirante
Victor Lopo Cajarabille (2012, p.5) designou por diplomacia naval económica e
diplomacia naval científica. A primeira está diretamente relacionada com a utilização
de meios navais para divulgar as próprias construções em estaleiros nacionais, bem
como equipamentos da indústria de defesa. Fazer demonstrações in loco do meio
naval em países potenciais compradores com explicações detalhadas sobre a operação
e o funcionamento de sistemas constitui a melhor forma de promoção da indústria
naval nacional. Para além de que os navios podem promover e divulgar outros
produtos nacionais; os vinhos e conservas já fazem parte da habitual, mas o N.E.
(Navio Escola) “Sagres” [...] [na última] viagem à volta do mundo [em 2010] levou uma
pequena exposição de mobiliário português.
A diplomacia naval científica está relacionada com as capacidades ligadas à
ciência do mar, nomeadamente a hidrografia e a oceanografia, e nesta área a Armada
Portuguesa distingue-se pela qualidade do trabalho científico, e igualmente pela
formação, única em Portugal, reconhecida e acreditada pela Organização Hidrográfica
Internacional, pela Federação Internacional de Geómetras e pela Associação
Cartográfica Internacional (International Cartographic Association). Uma área de
86
reconhecido mérito e excelência que poderá constituir uma mais-valia em Diplomacia
de Defesa, sobretudo com países, que tal como Portugal, têm vocação marítima.
Outros intercâmbios e iniciativas não deverão ser subestimados nem
descurados na prossecução deste objetivo, e as Forças Armadas têm vários exemplos
de unidades e serviços de projeção de visibilidade como são a “ A Reprise da Escola de
Mafra28”, a “Orquestra Ligeira do Exército” ou a “Banda de Música da Força Aérea
Portuguesa”. Muitos ainda se recordarão dos “Asas de Portugal” e dos “Rotores de
Portugal” [estes últimos com os seus três helicópteros Alouette III (AL-III), foram uma
das únicas cinco patrulhas a operar no mundo], que promoveram a Força Aérea
Portuguesa e Portugal junto do público nacional e internacional, tendo estas duas
patrulhas acrobáticas contribuído para um melhor reconhecimento e apreciação
pública das Forças Armadas e, em especial, da Força Aérea Portuguesa. Todas estas
unidades e serviços de grande visibilidade e de projeção da imagem de Portugal
poderiam utilizadas combinadamente ou em complemento de outras iniciativas
políticas e militares.
Reuniões, encontros e visitas
As reuniões de Estado-Maior, as Consultas Político-Militares e os Diálogos
Estratégicos são, por excelência, a forma mais elementar e mais antiga de conduzir e
estabelecer relações externas de defesa, bilateral ou multilateralmente. A frequência e
a regularidade das reuniões e dos encontros permitem estabelecer relações pessoais
que poderão ser instrumentais para gerar consensos, reunir votos ou concertar
posições, e ainda granjear apoios para empresas nacionais e candidaturas a cargos
internacionais.
28
A “Reprise da Escola de Mafra” é a mais antiga “escola equestre” em Portugal. Atualmente com 65 anos de existência tem efetuado inúmeras apresentações em Portugal e no estrangeiro. Os instrutores militares (com os seus uniformes de gala e montando, desde sempre, cavalos portugueses) executam uma série de figuras de ensino, [representando o melhor que se faz em equitação militar numa] das mais belas tradições da Cavalaria e da Doutrina Equestre Portuguesa (Miranda, J.P., 2011).
87
Um exemplo reconhecido foi o relacionamento pessoal que se estabeleceu
entre o então Ministro da Defesa Nacional, António Vitorino e o Secretário da Defesa
dos EUA, William S. Cohen que viabilizou a transferência, em novembro de 1998, de
uma esquadra de F-16 (25 F-16A/B Block 15 Falcons) ao abrigo de uma Lista de
Material Excedentário (artigos de defesa norte-americanos em excesso), o que não
teria sido possível sem a intervenção política e pessoal ao mais alto nível do
Pentágono. Um caso evidente de como a diplomacia pública - e neste caso específico
no domínio de intervenção político-militar - assenta no relacionamento pessoal dos
seus intervenientes, e por essa razão, os resultados alcançados, mesmo que
determinados pela subjetividade inerente às qualidades pessoais dos próprios,
refletem também a importância que a comunicação estratégica deverá assumir, cada
vez mais, na condução de relações externas de defesa.
Adidos de Defesa
O Adido de Defesa é, por definição, um membro das Forças Armadas que serve
numa Embaixada como representante do Ministério da Defesa do seu país no exterior,
gozando de imunidade e de estatuto diplomático. A designação de Adido de Defesa
reflete um termo genérico que abrange todo o pessoal de todos os Ramos das Forças
Armadas, embora alguns países possam nomear um Adido para representar cada
Ramo das Forças Armadas. Portugal teve acreditado nos Estados Unidos da América
até 2004 quatro Adidos - Naval, Aeronáutico, Militar e um Adido de Defesa
(geralmente o mais antigo dos três). Em Paris manteve o mesmo número até 1994 e
em Londres manteve três Adidos até 1997. Hoje, Portugal apenas mantém acreditados
na Europa Adidos Residentes no eixo Madrid – Paris – Berlim. Os EUA estão limitados a
um Adido de Defesa, situação que se repete em todos os países da lusofonia, em Rabat
e Argel. As consequências da globalização, mas igualmente da severa disciplina
orçamental, também se fizeram refletir no dispositivo e na grelha de Adidos,
dispensando a sua presença permanente nalgumas capitais, da nova mas também da
velha Europa.
88
Os membros das Forças Armadas também podem servir numa missão militar
junto de organizações regionais como a OTAN, a UE, a CEDEAO ou a ONU. Nesses casos
são geralmente designados de conselheiros militares ou chefes de missão (DCAF,
2007,p.1). Nestas situações, as atribuições são fundamentalmente de natureza
multilateral, enquanto as responsabilidades dos Adidos de Defesa são sobretudo de
âmbito bilateral. Os Adidos de Defesa são agentes privilegiados da Diplomacia de
Defesa. São eles a face visível e o cartão-de-visita do país, do Ministério da Defesa e
das suas Forças Armadas. A eles compete genericamente (EMGFA, 2013):
─ Apoiar o chefe da representação diplomática nos assuntos militares e da defesa
nacional. Exercer funções de representação das Forças Armadas, mantendo para o
efeito estreitas relações com as forças armadas dos países acreditadores.
─ Estudar acompanhar os assuntos de natureza militar e as questões relativas à
defesa do país acreditador de acordo com as ordens e instruções superiormente
emanadas tendo em conta as normas vigentes nesse país.
─ Avaliar as possibilidades do relacionamento bilateral na área da defesa, e informar
superiormente acerca das ações que possam contribuir para sustentar, defender e
afirmar a posição internacional de Portugal no âmbito da defesa nacional.
─ Desenvolver, em coordenação com o Ministério da Defesa Nacional, as ações no
âmbito das relações bilaterais necessárias à prossecução do interesse da defesa
nacional.
─ Satisfazer as solicitações que lhe forem endereçadas pelo Ministro da Defesa
Nacional, pelo Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas e pelos Chefes
do Estado-Maior dos Ramos, no âmbito das respetivas atribuições e competências.
─ Acompanhar o funcionamento das instituições internacionais, públicas ou
privadas, que desenvolvam atividades no país acreditador e prossigam objetivos
relacionados com a defesa ou segurança coletiva.
89
Exercícios conjuntos e combinados
A formação dos militares exige uma componente de ordem prática muito
desenvolvida que se materializa em exercícios, treino operacional e outras atividades
oficinais. A participação em exercícios multinacionais é fundamental para desenvolver
a cooperação e aumentar o nível de confiança e interoperabilidade entre as forças
aliadas. Foi sobretudo com a adesão de Portugal à OTAN que se iniciaram estes treinos
combinados, procurando melhorar o treino dos militares e testar as capacidades dos
meios.
Os Exercícios militares podem ser de três tipos: um Live Exercise (LIVEX), um
exercício de postos de comando (CPX) e um Exercise Study. Um exercício tipo LIVEX
envolve o empenhamento de forças militares implantadas no terreno, enquanto um
CPX é um exercício onde estas forças são simuladas. Neste tipo de exercício o objetivo
principal é exercitar os processos de decisão ao nível dos quartéis-generais, bem como
exercitar os respetivos estados-maiores e sistemas de comunicação e informação. O
Exercício SEABORDER que é desenvolvido no âmbito da Iniciativa 5+5 Defesa de que
Portugal faz parte - e cuja Presidência assumiu em 2013 - combina estas duas
vertentes, a LIVEX e o CPX. Na fase LIVEX do exercício os Ministros da Defesa são
convidados a estar presentes revestindo-se de mais uma oportunidade para o
estreitamento de relações pessoais, para além do objetivo claro de treinar
procedimentos e promover a interoperabilidade das forças dos países envolvidos. Os
Exercise Study já são uma atividade que pode revestir diversas formas, entre as quais
um exercício apoiado em cartas topográficas (MAPEX), jogos de guerra, palestras,
grupos de estudo ou a análise de uma campanha operacional.
O racional que está por detrás da execução de exercícios militares é o de
preparar os Comandos e as Forças para o planeamento e condução de operações em
situações de paz, crise e conflito. Assim, quer os objetivos como a finalidade dos
exercícios militares devem espelhar os atuais requisitos operacionais bem como as
suas prioridades. São levados a cabo para praticar e avaliar o treino coletivo quer dos
seus comandos, unidades e forças, de forma a permitir que operem juntos eficaz e
90
eficientemente, de forma a demonstrarem Capacidade Militar ou mesmo induzir
melhorias em termos de capacidades.
Educação e Formação
Uma das inegáveis mais-valias da educação e do intercâmbio de alunos/cadetes
é o estabelecimento de relações pessoais e de redes de conhecimentos que se podem
revelar providenciais em situações criticas. As Forças Armadas Portuguesas, através
das suas Escolas, Academias e Institutos garantem formação a militares nacionais e
estrangeiros de reconhecida qualidade e excelência. O capital humano é o nosso
melhor recurso e ativo estratégico, repetindo as palavras do Ministro da Defesa
Nacional, José Pedro Aguiar-Branco. Este é talvez o elemento de soft power de maior
relevo ao dispor da Diplomacia de Defesa e, como tal, não devia ser descurado numa
abordagem mais integrativa de política externa. Penso tratar-se da área em que o
Ministério da Defesa Nacional devia constituir um nicho de excelência pela qualidade
internacionalmente reconhecida dos seus recursos humanos e da formação
disponibilizada, ao que acresce a oportunidade proporcionada pelo word-of-mouth29
de todos aqueles que nos visitam.
No reconhecido Curso de Defesa Nacional do Instituto da Defesa Nacional –
iniciado em 1971-1972 -, os alunos internacionais são fundamentalmente da CPLP e,
desde 1996 até ao presente ano, já frequentaram o curso 59 auditores da CPLP, dos
quais 48 militares e 11 civis (Mesquita, 2014). Geralmente são aqueles oficiais cujas
carreiras são mais promissoras que acedem a esta formação de elevada qualidade,
constituindo este fórum mais uma oportunidade de se estabelecerem redes
privilegiadas de contactos ao nível superior da hierarquia militar e civil dos Ministérios
da Defesa.
29
Transmissão oral (e hoje também escrita) de opiniões formuladas por experiências vividas.
91
IV. 3. Os objetivos da Diplomacia de Defesa em Portugal: Vantagens e Obstáculos
A política de defesa nacional deve ser interpretada como o resultado do
emprego de dois tipos de poder, o hard power e o soft power. A eficácia de um
depende da credibilidade do outro, num equilíbrio que é ditado pelas circunstâncias
político-diplomáticas e pela arte da política ou statecraft. Cabe ao Estado através das
suas Forças Armadas garantir a soberania, a independência nacional e a integridade
territorial, pelo que deverá ser assegurada a capacidade para cumprir as missões
militares necessárias para garantir esse objetivo permanente, bem como “consolidar
uma estrutura militar como meio essencial de demonstração da capacidade de defesa
do Estado e da determinação colectiva no exercício da soberania nacional,
assegurando uma capacidade dissuassora, reforçada pelo quadro de alianças,
suficiente para desencorajar as agressões ou para restabelecer a paz, em condições
adequadas para o interesse nacional (...)” [CEDN, 2013, p.32]. Acresce que “o
potencial estratégico nacional será sempre função dos recursos que a Nação pode
disponibilizar. Porém, o seu valor real resulta, sobretudo, da forma racional e
inteligente como esses recursos forem utilizados na edificação de uma capacidade
nacional de atuação efetiva (...)”.
A figura 4-1 ilustra uma forma como as duas componentes - hard power e soft
power - se podem desdobrar e complementar, na condução de uma política de Defesa
Nacional que se pretende integrativa e cuja estratégia, de acordo com o estabelecido
no Conceito Estratégico de Defesa Nacional de 2013 (p.30), se deverá desenvolver em
três vectores de ação:
1. exercer a soberania nacional, neutralizar ameaças e riscos à segurança nacional;
2. ultrapassar os principais constrangimentos e vulnerabilidades nacionais;
3. potenciar os recursos nacionais e explorar as oportunidades existentes.
Estes vetores de ação estratégica agregam diversas linhas de ação, cuja
implementação de forma articulada ou independente pelos vários atores, concorre
direta ou indiretamente para a consecução de objetivos nacionais permanentes e
conjunturais do Estado. Torna-se imperativa a a aplicação de uma estratégia nacional
92
do Estado que agregue todas as ações e todos os elementos, numa verdadeira
abordagem transversal e interministerial onde fossem definidos e priorizados os
objetivos de todos os departamentos e agências governamentais com
responsabilidades internacionais.
Figura 4.1 - Política de Defesa Nacional: Uma Interpretação
(Fonte: Adaptado de Winter, 2014, p.7.)
Os objetivos da Diplomacia de Defesa em Portugal deverão, assim, ser aqueles
que em termos de política de defesa nacional possam concorrer para alcançar
objetivos mais amplos de política externa. “As capacidades nacionais serão tanto
maiores quanto melhor for a articulação entre os instrumentos estratégicos ao dispor
do Estado e a forma como são utilizados os recursos disponíveis para realizar ações
que permitam alcançar os objetivos definidos” (CEDN, 2013, p.26).
93
Para avaliar os objetivos que melhor se adequam no quadro da nossa política
externa e tendo presente os meios e as capacidades do Ministério da Defesa Nacional,
foi questionado um painel de personalidades que estiveram ou estão ainda ligadas às
duas áreas centrais do estudo: Diplomacia e Defesa. Os especialistas que participaram
no questionário relativo aos objetivos da Diplomacia de Defesa - as suas vantagens e
obstáculos -, foram:
Dr. Luis Filipe Amado
Economista, foi Ministro da Defesa Nacional do XVII Governo Constitucional (2005 e 2006) e Ministro dos Negócios Estrangeiros e Ministro de Estado no mesmo Governo (2006 a 2009), cargo para o qual foi renomeado em 2009 no XVIII Governo Constitucional
Embaixador Manuel Lobo Antunes
Embaixador de Portugal em Roma foi Secretário de Estado da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar no XVII Governo Constitucional (2005 e 2006), e Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, de 2006 até 2008
General Luís Evangelista Esteves de Araújo
General Piloto Aviador foi Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (2011-2014), Chefe do Estado-Maior da Força Aérea (2006 a 2011) e Diretor-Geral de Política de Defesa Nacional (2005 a 2006)
Almirante Luís Fourneaux Macieira Fragoso Chefe do Estado-Maior da Armada e Autoridade Marítima Nacional desde dezembro 2013
Embaixador João Mira Gomes
Representante Permanente de Portugal junto da OTAN, desde 2010, tendo sido Secretário de Estado da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar no XVII e XVIII Governos Constitucionais (2006-2010)
Prof. Doutor Armando Marques Guedes
Professor com Agregação e Conferencista convidado do Instituto da Defesa Nacional e do Instituto de Estudos Superiores Militares, entre outros. Foi Diretor do Instituto Diplomático e é um especialista reconhecido em assuntos de segurança e defesa, e de política internacional
General Carlos Corbal Hernandez Jerónimo
Chefe do Estado-Maior do Exército, desde fevereiro de 2014
Almirante José Saldanha Lopes Foi Chefe do Estado-Maior da Armada, entre 2010 e 2014
Coronel António José Nunes de Melo
Foi Adido Militar em Washington D.C. e em Ottawa (não residente) e Conselheiro para os Assuntos de Defesa e Operações de Paz, na Missão Permanente junto das Nações Unidas em Nova Iorque. Foi Diretor do Departamento de Relações Bilaterais da Direção-Geral de Política de Defesa Nacional (1999-2002)
94
Tenente-General António Xavier Menezes Comandante Operacional das Forças Terrestres. Foi comandante do Agrupamento ECHO/SFOR na Bósnia-Herzegovina, em 2001
General Artur Neves Pina Monteiro Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas desde fevereiro de 2014 tendo sido Chefe do Estado-Maior do Exército, de dezembro 2011 até fevereiro de 2014
Prof. Doutor Adriano José Moreira
Professor Emérito da Universidade Técnica de Lisboa. Doutor pelo ISCSP e Doutor em Direito pela Universidade Complutense. Antigo Delegado à ONU (1957-1959). Ministro do Ultramar (1961-1963). Deputado e Vice-Presidente da Assembleia da República (1979-1995). Professor do Instituto Superior Naval de Guerra (até à sua extinção). Professor da Universidade Católica Portuguesa, antigo Professor da Universidade Católica do Rio de Janeiro. Presidente Honorário da Sociedade de Geografia de Lisboa e da Academia Internacional da Cultura Portuguesa. Presidente da Academia das Ciências de Lisboa (2008-2010-2012). Antigo Presidente do Conselho Geral da Universidade Técnica de Lisboa, e Professor do Instituto de Estudos Superiores Militares. É Doutor H. C. por várias universidades nacionais e estrangeiras, com vasta bibliografia nas áreas das relações internacionais, ciência política, e estratégia.
General José Araújo Pinheiro Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, desde fevereiro de 2011
Embaixador Paulo Vizeu Pinheiro
Representante Permanente de Portugal junto da OCDE foi Assessor Diplomático do Primeiro-Ministro no presente Governo e foi Diretor-Geral de Política de Defesa Nacional entre 2006 e 2010
General António Gonçalves Ribeiro
Foi Alto-comissário para os Desalojados de 1976 a 1978, Representante Militar Nacional no SHAPE/NATO, de 1985 a 1988 e foi o Diretor-Geral de Política de Defesa Nacional desde a sua formação, em julho 1989, até dezembro 2000
General José Alberto Loureiro dos Santos
Foi Ministro da Defesa Nacional de Novembro de 1978 a Janeiro de 1980. Foi Vice-Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, e Chefe de Estado-Maior do Exército. É Conferencista e Autor de obras e de artigos na imprensa especializada sobre estratégia, segurança, defesa e relações internacionais
Major-General Vítor Rodrigues Viana
Diretor do Instituto da Defesa Nacional desde março de 2010. Exerceu funções de Assessor Militar na Casa Militar do Presidente da República, de 1996 a 2000, e de Chefe do Gabinete do Ministro da Defesa Nacional, de 2005 a 2010
95
Foram apresentadas quatro questões consideradas fundamentais para a
justificação e a implementação da Diplomacia de Defesa em Portugal. Para cada
questão concorrem várias medidas ou atividades que poderão ser desenvolvidas
ou implementadas, e para as quais se questiona o inquirido sobre a sua viabilidade
e importância, identificando graus de importância quer para as vantagens quer
para os obstáculos. Os resultados recolhidos foram traduzidos e expressos na
tabela 4.1. que engloba as quatro questões e ainda um quadro resumo dos
resultados globais.
Tabela 4.1.
Questionário: Apuramento da Opinião das Personalidades Inquiridas Sobre os Objetivos da
Diplomacia de Defesa
98
Conclusão
Desde o final da Guerra Fria, tanto o conceito como a prática da Diplomacia de
Defesa evoluíram para dar resposta à alteração das prioridades nacionais e aos
desafios colocados por um ambiente de segurança mais incerto, interdependente e
complexo. Durante esse período de rivalidade bipolar, a Diplomacia de Defesa - então
mais comummente referida como assistência militar ou cooperação de defesa - foi
usada por vários países na prossecução dos seus objetivos geoestratégicos, incluindo o
reforço das capacidades militares de países amigos e aliados contra inimigos comuns -
tanto internos como externos - e para sustentar esferas de influência (Cottey e Forster,
pp.7-15). No fundo, durante a Guerra Fria, o objetivo central da Diplomacia de Defesa
foi também o de estabelecer ou expandir a influência a países estrangeiros e controlar
a influência dos adversários.
As considerações de realpolitik continuam hoje, obviamente, a determinar as
atividades da Diplomacia de Defesa dos países em todo o mundo. A influência política,
económica e militar continua a ser um objetivo chave da Diplomacia de Defesa e, ainda
hoje, continuam a ser desenvolvidas muitas das atividades empreendidas durante o
período da Guerra Fria. Enquadram-se aqui a acreditação de Adidos de Defesa no
estrangeiro, a troca regular de delegações militares e civis, as visitas de navios e de
aeronaves militares, os exercícios e o treino combinado, programas educacionais para
os oficiais militares estrangeiros, o apoio na construção de capacidades e venda de
armamento, e tratados e acordos de cooperação bilateral ou multilateral de defesa
(Storey, 2012, p.288).
Para os Estados Unidos da América (EUA) a Diplomacia de Defesa - que
denominam de cooperação de segurança-, teve sempre na sua génese os interesses
nacionais e as prioridades estratégicas norte-americanas. De acordo com o
Vice-almirante William E. Landay III, ex-diretor (2010-2013) da Agência de Cooperação
de Segurança de Defesa (DSCA) norte-americana, o objetivo é fortalecer a influência
dos Estados Unidos em todas as regiões o mundo, implementar a estratégia de
segurança nacional norte-americana e promover a interoperabilidade militar com os
parceiros estrangeiros.
99
As atividades militares que enformam a Diplomacia de Defesa são todas
caracterizadas pelo uso das instituições de defesa para cooptar instituições
governamentais estrangeiras. Representantes militares, intercâmbio de oficiais,
programas de formação, exercícios conjuntos e combinados, e visitas de navios não
são apenas formas de utilização pacífica de meios militares, mas oportunidades para
se comunicarem diretamente ideias, visões do mundo e preferências políticas de um
país para outro. O objetivo final de tais atividades não é apenas promover a
cooperação de uma forma altruísta, mas estabelecer parcerias benéficas do interesse
dos países envolvidos e, nessa perspetiva, a Diplomacia de Defesa é uma aplicação
direta de soft power (Winger, 2014, p.7). E se o soft power é a “luva de veludo”, para
utilizar a expressão de Robert Cooper, por detrás há sempre o “punho de ferro” (2004,
p.180). E este “punho de ferro”, ou hard power é essencial para a legitimidade do
Estado (Weber, 1919) e, consequentemente, para a credibilidade das Forças Armadas.
Porque não há soft power sem hard power, nem hard power sem soft power. São duas
faces de uma só moeda, e o seu valor resulta do equilíbrio entre as duas, ou seja, o que
Joseph Nye designou por smart power. A Diplomacia de Defesa pode combinar essa
dupla capacidade aliando o hard e o soft power, e pode assim assumir-se como um
verdadeiro instrumento de smart power ao serviço da política externa e de segurança
do Estado.
A eficácia da implementação e o sucesso da Diplomacia de Defesa está
diretamente dependente da capacidade dos meios e dos recursos militares, ou seja, de
umas Forças Armadas cabalmente credíveis. O exemplos dos três estudos de caso
(Reino Unido, Nova Zelândia e República Popular da China) são evidentes por si
mesmos, refletindo a capacidade de smart power que cada um dos três Estados gere
pela aplicação combinada de elementos de soft power e meios de hard power.
Porque a relação militar-a-militar é caracterizada por um conjunto de valores e
códigos próprios partilhados pelos militares para além das suas fronteiras, tem a
particularidade de estar, de algum modo, afastada dos aspetos mais transitórios da
política e da diplomacia. Os militares falam uma linguagem profissional comum que
pretende ser apolítica. De uma maneira geral, a Diplomacia de Defesa assenta na
credibilidade e nas redes informais dos quadros de oficiais superiores militares. E essa
100
situação pode valer mais do que acordos formais e diálogos, especialmente em
situações de crise (Floyd, 2010, p.3). É esta característica que distingue a Diplomacia
de Defesa: assenta na construção de relacionamentos pessoais que não são
permeáveis ao tempo das legislaturas e que resultam de cumplicidades e da partilha
de experiências comuns. Uma dimensão fundamental da diplomacia pública que devia
ser capitalizada no quadro de uma política externa nacional integrada e abrangente,
englobando os esforços e as particularidades próprias dos diferentes departamentos
governamentais com responsabilidades internacionais.
De uma maneira geral, quase todos os países do mundo têm vindo a alargar o
âmbito da Diplomacia de Defesa para incluir objetivos mais amplos de política externa
e de segurança, como a garantia de paz e estabilidade, a promoção da segurança
comum, e o combate às ameaças transnacionais. As novas atividades da Diplomacia de
Defesa passaram a refletir esse alargamento e a incluir questões que no âmbito da
segurança e defesa continuam a marcar as agendas políticas internas e internacionais:
─ O reforço da cooperação com antigos opositores e o envolvimento com potenciais
adversários para dissipar a desconfiança, melhorar a comunicação e promover a
compreensão mútua;
─ O desenvolvimento da reforma do sector da segurança nas Forças Armadas
estrangeiras, especialmente o desenvolvimento de Forças Armadas
democraticamente responsáveis e o respeito pelos direitos humanos, servindo o
objetivo mais amplo da promoção da democracia e da boa governação;
─ O combate à proliferação de armas de destruição maciça, especialmente depois do
11 de setembro de 2001 (o Ministério da Defesa britânico, p.ex., inclui também
como parte de sua Diplomacia de Defesa medidas de controlo de armamento, para
além da não-proliferação);
─ As operações de assistência humanitária e apoio a desastres, especialmente
importante na região da Ásia-Pacífico, propensa a desastres naturais, como
terramotos, erupções vulcânicas, tsunamis e inundações;
─ A manutenção da paz e o desenvolvimento dessas capacidades nas Forças Armadas
estrangeiras, para que possam contribuir para Operações de Manutenção da Paz da
ONU.
101
Muthanna (2011, p.3) resumiu e sistematizou as novas áreas de Diplomacia de
Defesa como a criação de relações de cooperação sustentáveis, construindo desse
modo confiança e facilitando a prevenção de conflitos; introduzindo transparência nas
relações de defesa; construindo e reforçando a perceção de interesses comuns;
alterando a mentalidade dos parceiros; e introduzindo cooperação noutras áreas.
Cottey e Forster (2004, p.6) definiram-na como “a utilização cooperativa das
Forças Armadas e respetivas infraestruturas (principalmente os ministérios da defesa)
em tempo de paz como um instrumento de política externa e de segurança”, enquanto
Edmonds e Mills (1998, citado por Du Plessis, 2008, p. 92) consideram a Diplomacia de
Defesa moderna como “o uso das Forças Armadas em operações que não de guerra,
capitalizando na sua experiência e disciplina para alcançar objetivos nacionais e
internacionais no exterior”. Já Nicholas Floyd (2010, p.1) classifica a Diplomacia de
Defesa - simplesmente - como um “multiplicador de força de política externa”.
A Diplomacia de Defesa em Portugal, quer tenha evoluído para desenvolver
novas áreas de cooperação, quer mantenha as suas áreas tradicionais de intervenção,
deverá ser definida não apenas pela forma como é exercida, mas também, por aquilo
que realmente é, ou seja, o emprego não violento de meios e recursos militares pelo
Ministério da Defesa Nacional e pelas Forças Armadas, em atividades de cooperação
com países aliados, parceiros e outros estrategicamente relevantes, de forma a
promover o cumprimento dos objetivos da Política de Defesa Nacional, em
consonância com a ação externa do Estado.
Independentemente da definição e da designação atribuída, a Diplomacia de
Defesa em Portugal tem um espaço próprio e autónomo no quadro da política externa
e de defesa. Foi esse também o sentido das respostas do painel de inquiridos sobre os
objetivos que poderiam ser assumidos pela Diplomacia de Defesa em Portugal. A
intenção de dirigir um questionário a altos dirigentes políticos e militares, diplomatas e
académicos, apostando numa amostragem mais pequena, mas significativamente mais
informada, foi a de produzir uma expressão real do que poderá vir a ser o futuro da
Diplomacia de Defesa em Portugal. Os objetivos selecionados constituem
genericamente novas áreas da Diplomacia de Defesa, e prendem-se com a prevenção
de conflitos, com a promoção da democracia e com o apoio à reforma do sector da
102
segurança. Uma última questão, central para este estudo, foi a do contributo da
Diplomacia de Defesa para a política externa do Estado. E nesta questão parece não
ter existido qualquer dúvida: 88,2% dos entrevistados consideraram fortemente
vantajoso esse contributo reiterado também pela expressão substantiva que, quer a
participação em missões de paz, quer a participação em operações militares
internacionais atingiu - 88,2% e 82,4% respetivamente. Nesta área de intervenção não
é obviamente indiferente o efeito que terá na consolidação da imagem e da marca
Portugal, que apresenta um resultado de 70,6% de vantagens fortes. O
estabelecimento de canais de comunicação (networking) privilegiados e a influência
sobre o quadro de oficiais superiores estrangeiros parecem ser fatores relevantes
pelos valores atingidos (58,8% e 17,6% respetivamente). Mas a utilização da
Diplomacia de Defesa como instrumento da Economia de Defesa (58,8%) e o papel do
Adido de Defesa na implementação das atividades de Diplomacia de Defesa (64,7%),
indiciam um espaço e uma esfera própria de atuação que não deverá ser descurada no
quadro de uma política externa vincadamente marcada por uma diplomacia
económica.
A prevenção de conflitos é no âmbito da Diplomacia de Defesa um objetivo
manifestamente aquiescido tendo registado um amplo consenso entre todos os
inquiridos (63%). Todas as medidas que concorrem para este objetivo foram
claramente reconhecidas como fortemente vantajosas para a sua prossecução. A
construção de confiança mútua e o dissipar de tensões foi a medida mais relevada com
70,6% de votos em vantagens fortes, mas outras medidas, como a utilização de meios
militares como meio de diplomacia pública, a transparência nas relações de defesa, a
construção ou reforço de perceções de interesses comuns, a atuação sobre as
mentalidades de militares dos estados parceiros, e a promoção e apoio a reformas
específicas e concretas de defesa constituiram vantagens fortes para 64,7% dos
entrevistados. Um apoio inequívoco e consensual entre todos os inquiridos que parece
traduzir uma área de intervenção em que a Diplomacia de Defesa tem, de facto, uma
vantagem comparativa em termos de política externa. Igualmente expressivo entre
todas as personalidades auscultadas foi o resultado quanto à questão colocada sobre a
Diplomacia de Defesa em apoio à reforma do sector da segurança. Embora neste
103
objetivo os obstáculos tenham sido considerados mais significativos, pela dificuldade
de implementação das medidas ou mesmo pelo tempo que as mesmas levam a
produzir os seus resultados (41,2%) as vantagens são amplamente superiores (58,8%)
produzindo um resultado global de 50,0%. Não tão incisiva foi a opinião dos inquiridos
relativamente à Diplomacia de Defesa como meio de promoção da democracia; ainda
assim não pode deixar de ser destacado o valor extraordinário que a medida relativa à
promoção e apoio de reformas específicas e concretas de defesa atinge entre todos os
entrevistados (70,6%), atestando também a importância do papel da Diplomacia de
Defesa nesta área basilar das sociedades modernas, sublinhada pelo valor categórico
de 58,8% que a partilha de modelos e exemplos de boas práticas alcançou entre todos
os consultados. Parece, assim, haver algum papel reservado à Diplomacia de Defesa
através da implementação de atividades que promovam a assessoria técnica e o apoio
ao desenvolvimento de instituições democráticas e que favoreçam o apoio político e
material para aqueles políticos reformadores e democratas, atuando sobre as
mentalidades de militares dos estados parceiros e como meio de pressão para evitar o
regresso ao autoritarismo. Medidas que mereceram um apoio substantivo de todos os
inquiridos com resultados sobretudo ao nível das vantagens médias entre os 40% e os
50%.
Os objetivos de política externa passíveis de serem assumidos e reclamados
também pela Diplomacia de Defesa em Portugal e apresentados ao painel de
entrevistados - constituído por um grupo assaz influente de personalidades militares,
políticas, diplomatas e académicas – foram cabalmente sancionados tendo o total das
vantagens fortes atingido os 59%, em relação ao total de obstáculos que se cifraram
nos 26,4%. A Diplomacia de Defesa e a política externa do Estado registou o maior
valor percentual (66,7%) de vantagens fortes, logo seguido do objetivo da Diplomacia
de Defesa como instrumento de prevenção de conflitos (63%) e do apoio à reforma do
sector da segurança (58,8%). Não tão expressiva foi a opinião dos inquiridos
relativamente à Diplomacia de Defesa como meio de promoção da democracia; ainda
assim as vantagens fortes cifraram-se acima dos 43%. Os obstáculos fortes ou
dificuldades colocadas à implementação dos quatro objetivos apresentados
mereceram mais representação nos objetivos relativos ao apoio à Reforma do Sector
104
da Segurança (41,2%) e como meio de promoção da democracia (31,4%). A Diplomacia
de Defesa como instrumento de prevenção de conflitos registou um grau de
dificuldade média de execução/implementação de 23,5%, enquanto a Diplomacia de
Defesa como contributo da política externa do Estado atingiu a maior percentagem
nos obstáculos de intensidade média - 24,8% . De salientar, no entanto, o elevado grau
de abstenção nos obstáculos, podendo este facto indiciar quer a não identificação de
inconvenientes às medidas elencadas como também a existência de dificuldades
exógenas na implementação desses objetivos.
O presente ensaio permite inferir que a Diplomacia de Defesa, tal como
empreendida pelo Ministério da Defesa Nacional e pelas Forças Armadas, beneficiaria
de um enquadramento político-diplomático mais abrangente, podendo ser potenciada
e, simultaneamente, potenciadora de objetivos específicos de política externa. Afigura-
se evidente que o trabalho que neste âmbito é desenvolvido, não é devidamente
capitalizado, quer em termos de política de defesa, quer em termos de política
externa. De facto, parece ainda não ter sido alcançada a unidade estratégica
indispensável para integrar todas as atividades e objetivos internacionais que em
vários âmbitos e níveis são desenvolvidos pelos Órgãos e Serviços do Ministério da
Defesa Nacional e pelas Forças Armadas. Mesmo a coordenação imprescindível para
garantir a colaboração e a articulação entre todas as entidades e organismos
intervenientes quer ao nível nacional, quer ao nível multilateral, está longe de ser
alcançada.
As prioridades, os objetivos, os riscos e as ameaças estão todos identificados no
Conceito Estratégico de Defesa Nacional, de 2013. Permanece, no entanto - e como
antecipado naquele documento -, por definir e aprovar as metodologias que
assegurem a integração, a partilha de informação e a responsabilização das entidades
que têm a seu cargo a implementação das diferentes linhas de ação através de
estratégias sectoriais específicas (CEDN, 2013, p.46).
Torna-se, assim, imperativa a aplicação de uma estratégia nacional do Estado
que agregue todas as ações empreendidas e todos os elementos envolvidos, numa
verdadeira abordagem holística e governamental que definisse e priorizasse os
objetivos globais do governo e determinasse os seus objetivos derivados a atribuir aos
105
vários departamentos e agências governamentais com responsabilidades
internacionais.
A harmonização dos objetivos e das relações externas desenvolvidas, quer no
âmbito da Diplomacia de Defesa, quer no âmbito de outros departamentos
governamentais e agências sectoriais poderia, consequentemente, ser objeto de uma
regulamentação expressa e aprovada num plano estratégico nacional ou num “Livro
Branco de Política Externa”, de forma a concentrar e a unir os esforços e os recursos
do Estado para os objetivos superiormente traçados. As estratégias sectoriais ou
derivadas deveriam decorrer e concorrer para esse Plano, que afinal é o de todos:
afirmar a presença de Portugal no Mundo.
A coordenação interministerial que se regista ao nível do Ministério dos
Negócios Estrangeiros tem tentado colmatar a ‘autonomização’ das relações externas
dos outros ministérios e organismos públicos, mas ainda e tão-só numa abordagem
bottom-up. Portugal precisa de uma estratégia top-down nas relações externas.
Este tema da Diplomacia de Defesa tem, de facto, tanto de interessante quanto
de polémico e terão ficado naturalmente por abordar e desenvolver alguns aspetos
relacionados com os assuntos investigados. Contudo, terão sido lançadas as bases para
a desejável discussão/debate desta matéria, quer no meio académico, quer no meio
político e militar.
Parece, no entanto, lícito concluir que o uso da Diplomacia de Defesa como
uma ferramenta da diplomacia já não é uma escolha, mas uma componente necessária
na análise das questões mundiais (Gates, 2007, citado por Winger, 2014).
Termino com as palavras de Stephen Hoadley (2007, p.19) para reconhecer que
soft power também “era o tipo de poder que um pequeno Estado progressista como
(...) [o nosso] podia desenvolver e empregar”.
A Diplomacia de Defesa também pode ser esse poder.
106
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122
LISTA DE FIGURAS E TABELAS
FIGURAS
Pág.
1.1 As Quatro Dimensões da Globalização 10
1.2 Diplomacia Pública: Seis Elementos Constitutivos ou Abordagens 22
1.3 Dimensões da Diplomacia Pública 23
4.1 Política de Defesa Nacional: Uma Interpretação 92
TABELAS
Pág.
1.1 As Três Dimensões da Diplomacia Pública 23
2.1 Hard Power e Soft Power: Quadro Comparativo 37
3.1 Atividades de Diplomacia de Defesa: Alguns Exemplos 48
4.1 Questionário: Apuramento da Opinião das Personalidades Inquiridas Sobre os Objetivos da Diplomacia de Defesa
95
i
ANEXO 1
- Questionários -
Respostas das Personalidadas Inquiridas sobre os Objetivos da Diplomacia de Defesa
TABELA 1 – A Diplomacia de Defesa como instrumento de prevenção de conflitos
9 5
4
Fraco Médio Forte Abst. % % % %
M C M C M C M C FRACO MÉDIO FORTE ABST
1 Utilização de meios militares como
meio de diplomacia pública
1 0 2 2 8 3 0 1 5,9% 23,5% 64,7% 5,9%
3 0 4 4 2 1 2 1 17,6% 47,1% 17,6% 17,6%
2 Construção de confiança mútua e
dissipar tensões
0 0 3 2 8 4 0 0 0,0% 29,4% 70,6% 0,0%
2 1 3 0 1 3 5 2 17,6% 17,6% 23,5% 41,2%
3 Transparência nas relações de
defesa
1 0 4 1 6 5 0 0 5,9% 29,4% 64,7% 0,0%
4 2 0 1 2 2 5 1 35,3% 5,9% 23,5% 35,3%
4 Construção ou reforço de perceções
de interesses comuns
1 0 4 1 6 5 0 0 5,9% 29,4% 64,7% 0,0%
3 1 3 1 0 2 5 2 23,5% 23,5% 11,8% 41,2%
5 Atuação sobre as mentalidades de
militares dos estados parceiros
1 0 2 2 8 3 0 1 5,9% 23,5% 64,7% 5,9%
1 0 4 0 1 4 5 2 5,9% 23,5% 29,4% 41,2%
6 Promoção e apoio a reformas
específicas e concretas de defesa
2 0 3 1 6 5 0 0 11,8% 23,5% 64,7% 0,0%
3 0 2 1 1 4 5 1 17,6% 17,6% 29,4% 35,3%
7 Assistência militar como incentivo
para cooperação noutras áreas
1 1 4 2 6 2 0 1 11,8% 35,3% 47,1% 5,9%
2 0 2 3 2 2 5 1 11,8% 29,4% 23,5% 35,3%
TOTAL VANTAGENS 7 1 22 11 48 27 0 3 6,7% 27,7% 63,0% 2,5%
TOTAL OBSTÁCULOS 18 4 18 10 9 18 32 10 18,5% 23,5% 22,7% 35,3%
GLOBAL
25 5 40 21 57 45 32 13 12,6% 25,6% 42,9% 18,9%
ii
TABELA 2 – A Diplomacia de Defesa como meio de promoção da democracia
9 5
4
Fraco Médio Forte Abst % % % %
M C M C M C M C FRACO MÉDIO FORTE ABST
1 Apoio político e material para
políticos reformadores e democratas
2 2 6 1 3 2 0 1 23,5% 41,2% 29,4% 5,9%
3 0 2 2 3 3 3 1 17,6% 23,5% 35,3% 23,5%
2 Meio de pressão para evitar o
regresso ao autoritarismo
3 2 6 1 2 2 0 1 29,4% 41,2% 23,5% 5,9%
2 1 0 1 5 3 4 1 17,6% 5,9% 47,1% 29,4%
3 Partilha de modelos e exemplos de
boas práticas
0 0 5 1 6 4 0 1 0,0% 35,3% 58,8% 5,9%
4 1 3 1 0 2 4 2 29,4% 23,5% 11,8% 35,3%
4 Assessoria técnica e apoio ao
desenvolvimento de instituições
democráticas
1 0 6 2 4 2 0 2 5,9% 47,1% 35,3% 11,8%
4 2 3 0 1 3 3 1 35,3% 17,6% 23,5% 23,5%
5 Promoção e apoio de reformas
específicas e concretas de defesa
2 0 1 0 8 4 0 2 11,8% 5,9% 70,6% 11,8%
3 2 2 0 3 3 3 1 29,4% 11,8% 35,3% 23,5%
6 Atuação sobre as mentalidades de
militares dos estados parceiros
1 0 3 4 6 1 1 1 5,9% 41,2% 41,2% 11,8%
3 0 1 0 2 4 5 2 17,6% 5,9% 35,3% 41,2%
TOTAL VANTAGENS 9 4 27 9 29 15 1 8 12,7% 35,3% 43,1% 8,8%
TOTAL OBSTÁCULOS 19 6 11 4 14 18 22 8 24,5% 14,7% 31,4% 29,4%
GLOBAL
28 10 38 13 43 33 23 16 18,6% 25,0% 37,3% 19,1%
iii
TABELA 3 – A Diplomacia de Defesa em apoio à Reforma do Sector da Segurança (SSR)
9 5
4
Fraco Médio Forte Abst. % % % %
M C M C M C M C FRACO MÉDIO FORTE ABST
1 Controlo político (civil) das
Forças Armadas
0 0 5 0 5 5 1 1 0,0% 29,4% 58,8% 11,8%
0 0 2 1 5 4 4 1 0,0% 17,6% 52,9% 29,4%
2 Controlo civil e democrático da
política de defesa
0 0 7 1 4 5 0 0 0,0% 47,1% 52,9% 0,0%
1 0 0 2 6 3 4 1 5,9% 11,8% 52,9% 29,4%
3 Supervisão
legislativa/parlamentar do
aparelho militar
2 0 4 3 4 3 1 0 11,8% 41,2% 41,2% 5,9%
0 1 3 1 3 3 5 1 5,9% 23,5% 35,3% 35,3%
4 Despolitização dos militares
5 1 1 1 4 4 1 0 35,3% 11,8% 47,1% 5,9%
0 1 0 0 6 4 5 1 5,9% 0,0% 58,8% 35,3%
5 Atuação sobre as
mentalidades de militares dos
estados parceiros
3 1 1 1 7 3 0 1 23,5% 11,8% 58,8% 5,9%
0 0 2 1 5 3 4 2 0,0% 17,6% 47,1% 35,3%
6 Contributo da cooperação
técnico-militar no processo de
SSR
1 0 2 0 8 5 0 1 5,9% 11,8% 76,5% 5,9%
4 1 2 1 1 2 4 2 29,4% 17,6% 17,6% 35,3%
7 Promoção e apoio de reformas
específicas e concretas de
defesa
0 0 4 0 7 6 0 0 0,0% 23,5% 76,5% 0,0%
3 2 3 0 1 3 4 1 29,4% 17,6% 23,5% 29,4%
TOTAL VANTAGENS 11 2 24 6 39 31 3 3 10,9% 25,2% 58,8% 5,0%
TOTAL OBSTÁCULOS 8 5 12 6 27 22 30 9 10,9% 15,1% 41,2% 32,8%
GLOBAL
19 7 36 12 66 53 33 12 10,9% 20,2% 50,0% 18,9%
iv
TABELA 4 – A Diplomacia de Defesa e a Política Externa do Estado
9 5
4
Fraco Médio Forte Abst % % % %
M C M C M C M C FRACO MÉDIO FORTE ABST
1 Contributo para a prossecução da
política externa do Estado
0 0 2 0 9 6 0 0 0,0% 11,8% 88,2% 0,0%
3 1 3 1 1 1 4 3 23,5% 23,5% 11,8% 41,2%
2 Participação em missões de paz
0 0 1 1 10 5 0 0 0,0% 11,8% 88,2% 0,0%
3 1 3 2 1 0 4 3 23,5% 29,4% 5,9% 41,2%
3 Participação em operações militares
internacionais
1 0 1 1 9 5 0 0 5,9% 11,8% 82,4% 0,0%
3 1 2 2 2 0 4 3 23,5% 23,5% 11,8% 41,2%
4 Estabelecimento de canais de
comunicação
privilegiados/networking
0 0 5 2 6 4 0 0 0,0% 41,2% 58,8% 0,0%
4 2 3 1 1 0 3 3 35,3% 23,5% 5,9% 35,3%
5 Influência sobre o quadro de oficiais
superiores estrangeiros
3 1 4 2 4 3 0 0 23,5% 35,3% 41,2% 0,0%
2 0 3 3 2 1 4 2 11,8% 35,3% 17,6% 35,3%
6 Papel acrescido do Adido Defesa na
implementação das atividades de DD
0 1 3 1 8 3 0 1 5,9% 23,5% 64,7% 5,9%
2 1 3 1 2 2 4 2 17,6% 23,5% 23,5% 35,3%
7 Instrumento da Economia de Defesa
1 0 4 1 6 4 0 1 5,9% 29,4% 58,8% 5,9%
2 0 3 2 3 1 3 3 11,8% 29,4% 23,5% 35,3%
8 Contributo para a divulgação da
língua e cultura portuguesa
0 1 2 3 8 0 1 2 5,9% 29,4% 47,1% 17,6%
4 1 2 1 1 2 4 2 29,4% 17,6% 17,6% 35,3%
9 Consolidação da imagem e da marca
Portugal
0 0 2 0 8 4 1 2 0,0% 11,8% 70,6% 17,6%
4 3 2 1 1 1 4 1 41,2% 17,6% 11,8% 29,4%
TOTAL VANTAGENS 5 3 24 11 68 34 2 6 5,2% 22,9% 66,7% 5,2%
TOTAL OBSTÁCULOS 27 10 24 14 14 8 34 22 24,2% 24,8% 14,4% 36,6%
GLOBAL
32 13 48 25 82 42 36 28 14,7% 23,9% 40,5% 20,9%
v
QUADRO RESUMO
A Diplomacia da Defesa …
9 5
4
Fraco Médio Forte Abst % % % %
M C M C M C M C FRACO MÉDIO FORTE ABST
1 … como instrumento de
prevenção de conflitos
7 1 22 11 48 27 0 3 6,7% 27,7% 63,0% 2,5%
18 4 18 10 9 18 32 10 18,5% 23,5% 22,7% 35,3%
2 … como meio de
promoção da democracia
9 4 27 9 29 15 1 8 12,7% 35,3% 43,1% 8,8%
19 6 11 4 14 18 22 8 24,5% 14,7% 31,4% 29,4%
3 … em apoio à Reforma do
Sector da Segurança (SSR)
11 2 24 6 39 31 3 3 10,9% 25,2% 58,8% 5,0%
8 5 12 6 27 22 30 9 10,9% 15,1% 41,2% 32,8%
4 … e a Política Externa do
Estado
5 3 24 11 68 34 2 6 5,2% 22,9% 66,7% 5,2%
27 10 24 14 14 8 34 22 24,2% 24,8% 14,4% 36,6%
TOTAL VANTAGENS 32 10 97 37 184 107 6 20 8,5% 27,2% 59,0% 5,3%
TOTAL OBSTÁCULOS 72 25 65 34 64 66 118 49 19,7% 20,1% 26,4% 33,9%
GLOBAL
104 35 162 71 248 173 124 69 14,1% 23,6% 42,7% 19,6%
Legenda:
vantagens
obstáculos