Direção de Veículo Automotor sob Iinfluência de Álcool Crime ou Infração Administrativa

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CEZAR ALEXANDRE PICCOLI DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SOB INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL: CRIME OU INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA? FACULDADE ESTÁCIO DE SÁ CURSO DE DIREITO CAMPO GRANDE 2009

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CEZAR ALEXANDRE PICCOLI

DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SOB INFLUÊNCIA

DE ÁLCOOL: CRIME OU INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA?

FACULDADE ESTÁCIO DE SÁ

CURSO DE DIREITO

CAMPO GRANDE

2009

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CEZAR ALEXANDRE PICCOLI

DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SOB INFLUÊNCIA

DE ÁLCOOL: CRIME OU INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA?

Monografia apresentada com exigência parcial para obtenção do título de bacharelado em Direito à banca examinadora da Faculdade Estácio de Sá de Campo Grande, sob a orientação do Prof. Msc Vicente Sarubbi.

FACULDADE ESTÁCIO DE SÁ

CURSO DE DIREITO

CAMPO GRANDE

2009

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FOLHA DE APROVAÇÃO

Bacharel

CEZAR ALEXANDRE PICCOLI

Monografia intitulada “DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SOB INFLUÊNCIA DE

ÁLCOOL: CRIME OU INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA?”

Apresentada com exigência parcial para obtenção do título de bacharelado em Direito à banca

examinadora da Faculdade Estácio de Sá de Campo Grande-MS

Monografia defendida e aprovada em: 27 de junho de 2009 pela:

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________

Orientador: Prof. Msc. Vicente Sarubbi Faculdade Estácio de Sá de Campo Grande - MS

___________________________________________________________________

Membro: Profª. Gislaine Esther Lubas Moreira Moura Faculdade Estácio de Sá de Campo Grande - MS

___________________________________________________________________

Membro: Prof. Esp. Massilon de Oliveira e Silva Neto Faculdade Estácio de Sá de Campo Grande - MS

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DEDICATÓRIA

Dedico a presente

monografia aos meus filhos,

Tallita, Daniela, Flávio e

Nátaly, pelo apoio e

incentivo sempre presentes

em minha vida

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AGRADECIMENTOS

Inicialmente, sempre a Deus, por este momento único em minha vida,

oportunidade impar na realização de um sonho.

Em nome do Msc. Prof. Vicente Sarubbi, Coordenador do Curso de Direito,

agradeço sinceramente ao corpo docente desta instituição de ensino superior, por toda a gama

de conhecimento repassada, e que muito contribuíram para o meu crescimento, não só no

circulo acadêmico, mais como ser humano.

Aos mestres Geraldo de Faria Lemos Pinheiro (in memoriam) e Dorival Ribeiro

(in memoriam), o meu muito obrigado pelos ensinamentos recebidos, que foram de grande

valia para a elaboração deste trabalho.

Aos meus amigos, fiéis de todas as horas, Aires César, Ramon Sobral, Ligia

Parisi, Ademar Chagas, Laudo Pereira, Anderson, André e todos aqueles que direta ou

indiretamente, contribuíram para este momento especial.

Principalmente à minha família, pela presença nos momentos mais nebulosos e

pela confiança e motivação depositados ao longo dos cinco anos letivos, a quem dividi o

tempo entre os estudos, o que seremos recompensados com o saber.

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EPÍGRAFE

“É inteiramente ilusório supor que se pode resolver o problema dos acidentes de trânsito

através da intimação penal. A repressão através da pena criminal é apenas um dos

elementos de controle, e seguramente não é o mais importante. O policiamento ostensivo impede mais acidentes que qualquer norma

penal” (Dorival Ribeiro)

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RESUMO

Com o advento da mais recente formulação do Código de Trânsito Brasileiro,

alguns questionamentos mostraram-se à vista dos estudiosos e aplicadores da

norma. Muitas incertezas brotaram do seio dessas incertezas, tais como, o conflito

entre o princípio do nemo tenetur se detegere e a imposição legal da utilização de

testes de alcoolemia; a necessidade ou não da comprobação da direção anormal na

caracterização dos tipos penal e extrapenal, a imprescindibilidade ou não da

demonstração da dosagem alcoólica no organismo do condutor, os meios de prova

admitidos em direito na caracterização do ilícito e outros. Pretende-se, por meio

deste estudo monográfico analisar as inovações legislativas e esclarecer quais são

as condicionantes necessárias para distinguir quando que a conduta de direção de

veículo automotor sob efeito de bebida alcoólica viola uma norma administrativa

ou penal. A presente pesquisa busca fundamentar-se nos proeminentes

ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais na busca dessas respostas, visando

contribuir com os operadores do direito e profissionais da área de trânsito. É de

significativa relevância que os responsáveis pela segurança viária, possam sob a

égide da legalidade, autuar os ilícitos de embriaguez ao volante, mitigando os

vícios procedimentais que ensejam na ilegalidade do ato e engendram a

impunidade dos infratores.

Palavras-chave: trânsito. embriaguez. infração. crime.

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RESUMEN

Con el advenimiento del formularization más reciente del código del tránsito brasileño,

algunos questionings tenían delante de estudioso revelada y de los aplicadores de la norma.

Muchas incertidumbres habían brotado del seio de estas incertidumbres, por ejemplo, el

conflicto incorporan el principio de tenetur del nemo si detegere e que la imposición legal del

uso del alcoolemia prueba; la necesidad o no de la evidencia de la dirección anormal en la

caracterización de los tipos criminal y extracriminal, el imprescindibilidade o no de la

demostración de la dosificación alcohólica en el organismo del conductor, de las evidencias

admitidas en la derecha en la caracterización ilícita él y de otras. Uno se prepone, por medio

de este estudio monográfico analizar las innovaciones legislativas y clarificarlas que son los

condicionantes necesarios para distinguir cuando ésa el comportamiento de la dirección del

vehículo del automachine bajo efecto de la bebida alcohólica viola a administrativo o a

criminal una norma. Los actuales searchs a la base sí mismo de la investigación en las

enseñanzas doctrinales prominentes jurisprudenciais de e en la búsqueda de estas respuestas,

teniendo como objetivo para contribuir con los operadores de la derecha y los profesionales

del área del tránsito. Es de la importancia significativa que las responsables para la seguridad

del camino, poder debajo del égide de la legalidad, litigar ilícito del drunkeness a la

proyección, siendo atenuado los vicios procesales que intentan en la ilegalidad de la

impunidad del acto y del producto de los infractors.

Palabra-llave: tránsito. drunkeness. infracción. crimen.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09

1. A EFETIVA INFLUÊNCIA DO CONSUMO DE ÁLCOOL NOS AC IDENTES

DE TRÂNSITO

12

2. DO HISTÓRICO LEGISLATIVO 16

2.1 Da Redação Original da Lei nº. 9.503/1997 – CTB 17

2.2 Da Alteração Promovida pela Lei nº. 11.275/2006 20

2.3 Da Alteração Promovida pela Lei nº. 11.705/200 24

3. A EMBRIAGUEZ AO VOLANTE E SEUS ASPECTOS ADMINIST RATIVOS 34

4. A EMBRIAGUEZ AO VOLANTE E SEUS ASPECTOS PENAIS 44

5. DOS MEIOS DE PROVA ADMISSÍVEIS PARA A COMPROVAÇÃ O DA

EMBRIAGUEZ AO VOLANTE

54

5.1 No Âmbito Administrativo 55

5.2 No Âmbito Penal 61

5.2.1 Da Retroatividade Benéfica 66

6. DA DISTINÇÃO ENTRE INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA E O C RIME DE

TRÂNSITO

71

6.1 Quanto a Efetiva Demonstração de Lesão ao Bem Jurídico Tutelado 72

6.2 Quanto as Provas Admissíveis para a Comprobação do Ilícito 75

6.3 Quanto as Efeitos da Recusa aos Testes de Aferição 77

6.4 Quanto as Sanções Previstas no Preceito Secundário 80

6.5 Quanto a Competência para a Autuação 81

CONCLUSÃO 83

REFERÊNCIAS 86

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INTRODUÇÃO

O Código de Trânsito Brasileiro - CTB (Lei nº. 9.503, de 23 de setembro de

1997), traz em seu bojo diversas normas gerais de conduta e circulação, que, quando

infringidas, podem caracterizar-se em infrações e/ou em crimes de trânsito, remetendo-se

respectivamente às medidas administrativa e/ou penais previstas na legislação.

Das normas de conduta no trânsito, destaca-se a direção de veículo automotor por

condutor alcoolizado, por ser um tema atual, dinâmico, e alvo de preocupação do poder

público, bem como de toda sociedade organizada. Em meio a todos os problemas relacionados

à violência no trânsito, o álcool continua como o mais perigoso, sendo hodiernamente

considerado o maior problema do trânsito brasileiro e mundial.

Da exegese dos dispositivos legais que tratam deste tema na lei em epigrafe,

extrai-se que a condução de veículo automotor em via pública sob a influência de álcool, pode

em tese: não caracterizar ilícito algum, transgredir de forma autônoma em infração de trânsito

capitulada no art. 165, ou ainda, infringir cumulativamente em crime de trânsito tipificado no

art. 306, ambos do CTB.

Sopesando as três hipóteses jurídicas e a complexidade da subsunção do fato

cometido ao modelo em abstrato previsto nas normas: quando o ato de dirigir veículo

automotor sob a influência de bebida alcoólica estaria infringindo o tipo extrapenal e/ou o tipo

penal?

Este estudo possui o objetivo geral de alcançar um nível satisfatório de

entendimento das hipóteses de incidência deste ilícito, seja de forma autônoma ou cumulativa,

administrativa ou penal, bem como seus efeitos jurídicos. Visa ainda, dirimir eventuais

dúvidas e servir de fonte norteadora para futuras consultas e auxílio aos profissionais e

estudiosos do trânsito, ensejando ao leitor uma visão da atual formatação jurídica acerca da

questão da embriaguez ao volante. Inclusive no campo probatório, com os divergentes

posicionamentos doutrinários quanto aos meios de provas admitidas para a comprovação da

embriaguez ao volante e o conflito entre a obrigatoriedade ou não de se submeter-se aos testes

e exames de comprovação.

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Na necessidade de estabelecer parâmetros delineados pela legalidade nas atuações

dos operadores do direito, o presente trabalho tem por finalidade especifica servir de suporte

para que o leitor possa saber identificar a diferença entre a infração e o delito de embriaguez

ao volante e seus diferentes efeitos jurídicos.

O estudo a ser apresentado justifica-se na flagrância divergência doutrinária sobre

as condicionantes da conduta de embriaguez ao volante e suas conseqüências jurídicas.

Observa-se contumazmente, uma carência de conhecimento e informações no próprio meio

profissional dos operadores na área de trânsito, causando conseqüentemente, a existência de

inúmeras dúvidas quanto ao exato momento e a forma da caracterização do cometimento

desse ilícito, seus efeitos e conseqüências, bem como das diferenças entre as esferas

administrativa e penal, e ainda dos meios de prova admissíveis probatórios em cada esfera.

Trata-se de uma necessidade acadêmica de proporcionar ao profissional de

trânsito uma informação capaz de possibilitá-lo ao exercício adequado e satisfatório de suas

atribuições e missões legalmente estabelecidas. É de significativa relevância que os

responsáveis pela segurança viária, possam de forma acertada, autuar os ilícitos de

embriaguez ao volante, mitigando os vícios procedimentais que ensejam na ilegalidade do ato,

e que engendram a impunidade dos infratores.

Faz-se necessário desvendar e estimular um universo de discussões nesta matéria,

tornando-se de inquestionável importância para que os ilícitos de embriaguez ao volante

possam ser de forma correta, combatidos, julgados e penalizados, em outras palavras, um

autuar que esteja em acordo com o manto jurídico vigente, tornando-se factível a

materialização do Estado de Direito Brasileiro.

Importa destacar, que essa pesquisa fundamenta-se na pesquisa bibliográfica,

buscando a resolução de um problema (hipótese) por meio de referenciais teóricos publicados,

analisando e discutindo as várias contribuições doutrinárias. Há de se lembrar ainda das lições

de Lakatos, "a pesquisa bibliográfica não é mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre o

assunto, mas propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a

conclusões inovadoras." (LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade.

Fundamentos de Metodologia Científica. 3. ed. Revista e Ampliada. São Paulo: Atlas, 1991,

p. 183).

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Adota-se, também, como delineamento de pesquisa, o meio técnico de

investigação da pesquisa bibliográfica, em que se "[...] tem como finalidade fundamental

conduzir o leitor a determinado assunto e proporcionar a produção, coleção, armazenamento,

reprodução, utilização e comunicação das informações coletadas.” (FACHIN, Odília.

Fundamentos de Metodologia. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 125).

Para um melhor entendimento do leitor, a temática do trabalho consubstancializa-

se em seis capítulos. Sendo que o primeiro deles mostrará a efetiva influência do consumo de

bebida alcoólica nos acidentes de trânsito no Brasil.

O segundo capítulo é dedicado ao histórico legislativo das tipificações de

embriaguez ao volante, com suas recentes modificações até a atual redação vigente no Código

de Trânsito Brasileiro.

O terceiro capítulo destina-se à embriaguez ao volante em seus aspectos

administrativos, infração de trânsito, condicionantes, medidas administrativas e outras

conseqüências.

O quarto capítulo por sua vez, delimita-se à análise dos aspectos jurídicos à

embriaguez ao volante em âmbito penal, crime de trânsito, condicionantes, penalidades e

outras conseqüências.

O quinto capítulo será reservado para discorrer sobre os meios de prova

admissíveis em direito para comprovação da embriaguez, a eficácia ou não da prova

testemunhal, aplicabilidade e constitucionalidade do exame de alcoolemia e do teste

bafométrico, devido a grande importância que o assunto vem ganhando no meio doutrinário.

Por término, o sexto capítulo consagra a diferença entre as duas vertentes da

embriaguez ao volante, isto é, esclarece justamente a diferença da subsunção entre a infração

administrativa e a penal.

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1. A EFETIVA INFLUÊNCIA DO CONSUMO DE ÁLCOOL NOS ACIDE NTES

DE TRÂNSITO

O problema do trânsito no Brasil constitui-se em um verdadeiro mosaico para a

formação do qual concorrem diversos setores ou áreas, governamentais ou não, como

segurança viária, engenharia de tráfego, engenharia automobilística, educação no trânsito,

legislação pátria e comparada, medicina curativa e preventiva, entre outros.

A sociedade brasileira, temerosamente, testemunha a cada término de ano, a triste

realidade do acréscimo nos números estatísticos responsáveis em projetar os índices de

acidentes de trânsito com vítimas no país. Um percentual significativo dessas vítimas quando

não fatais, apresentam lesões irreversíveis, milhões de pessoas, a cada ano, permanecem por

longos períodos em leitos hospitalares após sofrerem graves lesões em acidentes de trânsito,

das quais, muitas delas, jamais serão capazes de retornarem às suas condições físicas e/ou

psíquicas anteriores.

Com relação aos acidentes, sua complexidade reside no fato deles serem causados

por um conjunto de circunstâncias e fatores ambientais ligados ao usuário, ao veículo e à via

pública. Não obstante, em uma parcela proeminente desses acidentes, é diagnosticado o

consumo de álcool, ou seja, a prática da direção de veículo automotor por condutores sob a

influência de bebidas alcoólicas.

Conforme informações apresentadas pelo Dr. Flávio Adura, Presidente da

ABRAMET – Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, em comentário a Lei nº.

11.705/08 1, cerca de 36.000 (trinta e seis mil) pessoas são mortas a cada ano (19,4 a cada 100

mil habitantes), e 120.000 (cento e vinte mil) são internadas anualmente na rede do SUS –

Sistema Único de Saúde por acidentes de trânsito, sendo a associação álcool e direção

responsável em média, por 40% (quarenta por cento) destas fatalidades. 2

1 Que proibiu a venda de bebidas alcoólicas na faixa de domínio das rodovias federais e alterou dispositivos da Lei 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro, no que diz respeito à embriaguez ao volante. 2 Revista ABRAMET, volume 26, nº1, 2008. Pronunciamento da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego sobre a Lei nº 11.705/08, p. 03.

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Neste aspecto, é sobre o setor de saúde que vai recair o maior ônus de todas as

suas conseqüências. É o setor saúde que vai cuidar dos feridos, contabilizar as mortes e arcar

com os importantes aspectos ligados às seqüelas, não poucas vezes irreversíveis.

O Presidente da ABRAMET cita ainda, que mais de 30 (trinta) bilhões de reais a

cada ano (IPEA)3, deixam de ser utilizados em áreas carentes, como a saúde e educação, para

custearem danos caudados por acidentes de trânsito, onerando toda uma sociedade. Custos

que incluem desde a retirada das vítimas da via e conseqüente remoção às unidades

hospitalares, como seus tratamentos (leito hospitalar e uso de medicamento) e pagamento de

salários (auxílio-doença previdenciário, de caráter temporário, auxílio-acidente, invalidez

parcial e permanente, aposentadoria por invalidez, incapacidade total e definitiva e pensão por

morte, óbito do acidentado).

De acordo com os dados da Diretriz Médica sobre Alcoolemia e Direção Veicular,

produzida pela ABRAMET e aprovada pela Associação Médica Brasileira e pelo Conselho

Federal de Medicina “o 2º levantamento domiciliar sobre o consumo de drogas psicotrópicas

do CEBRID indica que 74,6% da população brasileira consumiram álcool durante sua vida,

12,3% são dependentes e 7,3% se envolveram em situações de risco físico”. 4

A Diretriz Médica sobre Alcoolemia e Direção Veicular ainda traz dados

alarmantes sobre os acidentes de trânsito no mundo, informa que os acidentes de trânsito são a

décima causa de todas as mortes e a nona causa de morbidade em todo o mundo, vitimando

fatalmente 1,2 milhões de pessoas todo ano, e ferindo de 20 a 50 milhões. Conforme a

Diretriz, a América Latina apresenta um panorama ainda mais preocupante, por ter as maiores

taxas de fatalidades no trânsito de todas as regiões do mundo, 26,1 mortes para cada 100 mil

habitantes, o dobro da média mundial. 5

No Brasil a diretriz cita uma taxa de 6,3 acidentes para cada 10 mil veículos

registrados, e que em estudos sobre a associação de álcool e acidentes de trânsito em sala de

emergência de São Paulo mostrou que 28,9% das vítimas de trauma atendidas apresentam

3 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada 4 Revista ABRAMET, volume 26, nº1, 2008, p.33. 5 Idem

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alcoolemia positiva “valores variam de 19,8%, para condutores numa amostra geral que

conduzem acima do limite legal, a 47%, em vítimas fatais de acidentes de trânsito”.

Do mesmo modo, dados estatísticos alarmantes foram divulgados pela revista

Veja, em reportagem O perigo são os beberrões, matéria publicada a respeito dos acidentes

de trânsito provocados por condutores embriagados.

82% dos motoristas brasileiros admitem já ter dirigido depois ingerir três doses, ou mais, de bebida alcoólica, segundo pesquisa da Secretaria Nacional Antidrogas; 88% dos mortos em acidentes de transito no Rio de Janeiro apresentam álcool no sangue, mostra estudo da UFRJ; 196 pessoas morrem nas rodovias federais no feriado de Natal de 2007, o maior número dos últimos vinte anos; A pesquisa do IPEA mostra que o país perde, a cada ano, 22 bilhões de reais com acidentes nas rodovias. 6

Como é sabido, a ingestão de bebia alcoólica reduz sensivelmente a capacidade de

desempenhar funções cruciais para a condução de veículos, prejudicando a habilidade de

concentração e atenção dos condutores, engendrando entre outros sintomas, visão dupla,

retardamento da coordenação motora, perda dos reflexos e sonolência, efeitos que

comprometem expressivamente o nível de segurança veicular e estão estreitamente

relacionados às condutas ilícitas perpetradas pelos condutores, causa determinante dos

acidentes automobilísticos, e, por conseguinte, do ceifamento de milhares de vidas humanas.

A nefasta combinação “álcool” e “volante” é assunto incorporado não só no

cotidiano da sociedade brasileira, mas mundial, tornou-se tema demasiadamente explorado

entre a sociedade, ocupando generosos espaços dos veículos de comunicação, forçando

especialistas da área de segurança pública, médicos, juristas, magistrados e políticos a

discutem estratégias possíveis de aplicação para a diminuição das taxas de óbito por acidentes

de trânsito.

Neste contexto, são várias as ações desencadeadas pelo poder público na tentativa

de asseverar a obediência às normas gerais disciplinadas pelo Código de Trânsito Brasileiro, 6 ORSOLINI, Marcio. O perigo são os beberrões. Revista Veja, São Paulo: Editora Abril, edição 2045, de 30 de janeiro de 2008, p.79.

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visando principalmente, mitigar os acidentes automobilísticos. Entre elas, podem-se citar as

campanhas educativas, as ações coercitivas de fiscalização “blitz”, a diminuição dos limites

máximos permitidos, a instalação de radares ao longo da malha viária urbana e rural, a

proibição do comércio de bebidas alcoólicas nos estabelecimentos lindeiros às rodovias e

principalmente as inovações trazidas pelo atual Código de Trânsito Brasileiro, que

recentemente completou uma década de vigência7, sobretudo com a inclusão do capítulo dos

crimes de trânsito, não previstos na legislação anterior.

O segundo capítulo descreve o histórico legislativo das tipificações de embriaguez

ao volante, com suas recentes modificações até a atual redação vigente no Código de Trânsito

Brasileiro.

7 O Código de transito Brasileiro foi publicado em 24.09.97, com vigência em 22.01.098, após vocatio legis de cento e vinte dias.

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2. DO HISTÓRICO LEGISLATIVO

A legislação referente ao trânsito no Brasil inicia-se esparsamente a partir de

1910, com a edição do Decreto nº. 8.324, de 27 de outubro, que aprovou o Regulamento para

o serviço subvencionado de transporte por automóveis, curiosamente, o decreto referia-se aos

condutores de veículos como motorneiros, regrando que os mantivessem constantemente

senhores da velocidade do veículo, devendo diminuir a marcha ou mesmo parar o movimento

todas as vezes que o automóvel pudesse ser causa de acidente.

Segundo o Prof. Geraldo de Faria Lemos Pinheiro, em sua obra "Código de

Trânsito Brasileiro Interpretado", O primeiro Código Nacional de Trânsito surgiu em 28 de

janeiro de 1941, com a vigência do Decreto-Lei nº. 2.994, já prevendo em seu art. 118, n. 55,

a infração de dirigir em estado de embriaguez. 8

Em 25 de setembro do mesmo ano, foi substituído pelo Decreto-Lei nº. 3.651, que

determinava a apreensão do documento de habilitação pelo prazo de 12 meses, nas hipóteses

de direção em estado de embriaguez devidamente comprovado (art. 129, II, e), vigendo até 21

de setembro de 1966, data da edição da Lei nº. 5.108 que deu vida ao segundo Código

Nacional de Trânsito, regulamentado só em 16 de janeiro de 1968, pelo Decreto nº. 62.127

(Regulamento do Código Nacional de Trânsito – RCNT). 9

O Código de 1966 e o seu Regulamento, também abordaram a questão da

embriaguez ao volante, nos termos dos arts. 89, inc. III e 181, inc. III respectivamente,

regulando a circulação viária no Brasil por trinta e um anos, até a edição da Lei 9.503, de 23

de setembro de 1997, que deu vida ao vigente e moderno Código de Trânsito Brasileiro.

Contudo, mesmo com os Códigos de trânsito anteriores ao ano 1997 já rezarem

quanto à questão do consumo de álcool e a direção de veículo automotor, tal assunto só

mereceu atenção especial do legislador, apenas nos últimos anos. A ação de conduzir veículo

automotor em via pública sob o efeito de bebida alcoólica, como medida incriminadora penal,

8 PINHEIRO, Geraldo de Farias Lemos e outros. Código de Trânsito Brasileiro Interpretado, 2. ed., São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 1. 9 idem

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antes da edição do vigente CTB, era inicialmente combatida pela LCP (Lei das Contravenções

Penais, Decreto-Lei nº. 3.688, de 03 de outubro de 1941), por meio de seu art. 34, in verbis:

Art. 34. Dirigir veículos na via pública, ou embarcações em águas públicas, pondo em perigo a segurança alheia: Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de trezentos mil réis a dois contos de réis.

Com a crescente seqüência dos acidentes automobilísticos no país e, em resposta à

sociedade brasileira, se fez necessário uma nova roupagem legislativa sobre o assunto, à

problemática da violência no trânsito mereceu singular importância com o advento da Lei nº.

9.503/07 em 23 de setembro de 1997, que como supra mencionado, instituiu o Código de

Trânsito Brasileiro, inovando principalmente, ao trazer um capítulo específico dispondo sobre

crimes de trânsito. A partir deste marco, as ações de condução anormal de veículo automotor

que antes eram tratados como contravenção penal, foram elevadas ao status de crime de

trânsito.

Dessa forma, a embriaguez ao volante em âmbito penal deixou de ser vista pela

ótica da LCP e começou a ser tratada pelo Código de Trânsito Brasileiro, que conforme as

circunstâncias do ato fático, tipifica a conduta de direção sob efeito etílico, como sendo

infração administrativa, tipificada em seu art. 165, ou como delito penal, conforme disposto

em seu art. 306.

Serão a seguir demonstrados os dispositivos legais do Código de Transito

Brasileiro que discorrem sobre o tema em tela, divididos em três faces, iniciando coma a

redação original da lei e as duas alterações realizadas no ano de 2006 e a última em 2008.

2.1 DA REDAÇÃO ORIGINAL DA LEI Nº. 9.503/1997 - CTB

No âmbito administrativo, a embriaguez ao volante passou a ser considerada

espécie de infração de trânsito, nos seguintes termos, in verbis:

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Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool, em nível superior a seis decigramas por litro de sangue, ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica. Infração - gravíssima; Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir; Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277.

Prontamente, nota-se que para a configuração da infração administrativa, o

legislador exigiu um limite mínimo para a taxa de alcoolemia, não exigindo a necessidade da

demonstração de perigo concreto para a sua configuração, o que “a contrário sensu”, deixava

de configurar a infração nos casos em que a dosagem alcoólica fosse inferior ou igual ao nível

descrito no tipo, configurando a infração somente quando presente o elemento constitutivo do

tipo, ou seja, que o condutor dirigisse com nível superior a seis decigramas por litro de

sangue.

As formas de comprovação da infração administrativa seguiam os teores dos

artigos 269, 276 e 277, todos do mesmo Codex, verbis:

Art. 269. A autoridade de trânsito ou seus agentes, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá adotar as seguintes medidas administrativas: [...] IX – realização de teste de dosagem de alcoolemia ou perícia de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica. Art. 276. A concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue comprova que o condutor se acha impedido de dirigir veículo automotor. Parágrafo único. O CONTRAN estipulará os índices equivalentes para os demais testes de alcoolemia. Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de haver excedido os limites previstos no artigo anterior, será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia, ou outro exame que por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.

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Parágrafo único. Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos. (grifo nosso)

Quanto à previsão legal supra mencionada, era pacifico o entendimento de que

ninguém seria obrigado a submeter-se aos referidos testes, em razão ao princípio da proibição

da produção de provas contra si mesmo, motivando dessa forma, à recusa contumaz dos

condutores a realização dos testes, e, por conseguinte, o arquivamento de muitos autos de

infração em razão da flagrante inconsistência do ato administrativo, por padeceram da

constatação técnica do índice de alcoolemia exigido, criando dessa forma, uma impunidade

aos beberrões de plantão.

Nesse ponto vale lembrar as lições de Delton Croce Júnior ao comentar o exame

de embriaguez em face da original redação do art. 277 do CTB:

A recusa do individuo em submeter-se ao exame clínico pericial a que não está obrigado e para cuja feitura não permite sequer a lei condução coercitiva, sendo, nessa hipótese, inaplicável o art. 201 do Código de Processo Penal, será a negativa consignada em documento próprio e o exame clínico somatopsíquico ou o laboratorial suprido, consoante o art. 167 do mesmo Código, por prova testemunhal coerente, idônea, à qual a jurisprudência tem reconhecido validade para comprovar, ante a publicidade escandalosa da contravenção, o estado de embriaguez do agente. 10

No campo criminal, a questão passou a ser tratada especificamente pelo art. 306,

CTB, verbis:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem: Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Percebe-se que o tipo penal em referencia, ao disciplinar o crime de embriaguez

ao volante, não trazia como elemento normativo do tipo o nível de tolerância na ingestão de

substância alcoólica ou de efeito análogo, contudo exigia que o agente conduzisse o veículo

automotor de forma anormal.

10 JÚNIOR, Delton Croce e Delton Croce. Manual de Medicina Legal. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 369.

Page 21: Direção de Veículo Automotor sob Iinfluência de Álcool Crime ou Infração Administrativa

20

A prova da ebriedade seguia os procedimentos determinados no Título VII do

Código de Processo Penal, notadamente em seu Capítulo II, que versa sobre o exame de corpo

de delito e as perícias em geral, incluindo a prova testemunhal. Conforme redação inicial do

art. 291 do CTB, verbis:

Art. 291. Aos crimes cometidos na direção de veículos automotores, previstos neste Código, aplicam-se as normas gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, se este Capítulo não dispuser de modo diverso, bem como a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que couber. Parágrafo único. Aplicam-se aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa, de embriaguez ao volante, e de participação em competição não autorizada o disposto nos arts. 74, 76 e 88 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Verifica-se ainda, que muito embora tal delito não se enquadrasse no conceito de

infração de menor potencial ofensivo, assegurava ao seu autor a possibilidade de transação

penal, fundamentado nos dizeres do parágrafo único do artigo em comento. Assim, embora o

agente não se beneficiasse do procedimento sumaríssimo, tinha direito, em tese, pela

aplicação da pena restritiva de direitos, em conseqüência da transação penal.

2.2 DA ALTERAÇÃO PROMOVIDA PELA LEI Nº. 11.275/2006

Diante deste cenário, o legislador pátrio, com o escopo de recrudescer o

tratamento empregado àquele que é surpreendido na direção de veículo automotor após a

ingestão de bebida alcoólica ou de efeitos análogos, editou a Lei nº. 11.275, de 07 de fevereiro

de 2006, que alterou a redação da infração administrativa do art. 165, caput, bem como a do

art. 277 do CTB, conforme segue:

Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica. [omissis] Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. (Redação dada pela Lei nº. 11.275, de 2006 em negrito)

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21

§ 1º Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos. (renumeado do parágrafo único pela Lei nº. 11.275, de 2006 em negrito) § 2o No caso de recusa do condutor à realização dos testes, exames e da perícia previstos no caput deste artigo, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas pelo agente de trânsito acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, resultantes do consumo de álcool ou entorpecentes, apresentados pelo condutor. (Redação dada pela Lei nº. 11.275, de 2006 em negrito)

Com a inovação legislativa, houve na época, a supressão do nível da dosagem

alcoólica do art. 165, constata-se que ao definir a infração administrativa, omitiu o legislador,

o elemento normativo extrapenal referente ao limite da taxa de alcoolemia, não constando

mais a exigência de mais de 6 decigramas de substância etílica por litro de sangue.

Dá nova leitura do artigo 165, percebe-se que existiu a intenção do legislador de

não mais exigir a taxa mínima de alcoolemia para a configuração de infração de embriaguez,

contudo, a breve leitura, menos atenta e mais apressada da nova redação, conduziram a alguns

estudiosos da matéria, a sugerirem que qualquer que fosse o índice de alcoolemia flagrado em

teste bafométrico, seria suficiente para gerar a infração de trânsito.

DAMÁSIO DE JESUS, em um artigo publicado em junho de 2006, sustentou que

com a retirada do elemento normativo referente ao limite da taxa de alcoolemia, a infração de

trânsito poderia ser caracterizada independente do índice aferido pelo teste bafométrico, veja-

se:

Dessa maneira, de acordo com a nova lei, para a existência da infração meramente administrativa não é mais necessário que o motorista apresente mais de 6 decigramas de substância etílica ou de efeito semelhante por litro de sangue, bastando que dirija veículo automotor ”sob a influência de álcool ou de qualquer substancia entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica”. Hoje, para que o condutor responda pela infração administrativa, é suficiente que dirija sob a influência de substância alcoólica ou de entorpecente, ainda que não supere o extinto limite legal de alcoolemia. 11

11 JESUS, Damásio Evangelista de. Crime de embriaguez ao volante: a alteração do art. 165 do Código de Trânsito Brasileiro e o nível de tolerância na ingestão de substância alcoólica ou de efeito análogo. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1066, 02 jun 2006. Disponível na internet em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8461. Acessado em 18.12.08.

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22

Tais ponderações traçada pelo ilustre jurista não revelaram o melhor

entendimento, haja vista, não ter a Lei nº. 11.275 de 2006, que alterou o dispositivo do art.

165, revogado o art. 276 do mesmo diploma, que conforme visto, trazia o nível máximo

permitido para definir a condição proibitiva, que era de seis decigramas de álcool por litro de

sangue.

Em síntese, a alteração legal do art. 165 não foi capaz de revogar o dispositivo do

art. 276 do CTB, muito embora pareça ter sido a intenção do legislador.

Ademais, em outubro de 2006, o CONTRAN editou a Resolução n° 206,

revogando a Resolução n° 81/98, que, até então, disciplinava a matéria. A nova Resolução

regulamentou o art. 276 do CTB, trazendo em seu art. 1° os procedimentos para a validação

do auto de infração nos casos de embriaguez no volante.

Art. 1° A confirmação de que o condutor se encontra dirigindo sob a influência de álcool ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, se dará por, pelo menos, um dos seguintes procedimentos: I – teste de alcoolemia com a concentração de álcool igual ou superior a seis decigramos de álcool por litro de sangue; II – teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro) que resulte na concentração de álcool igual ou superior a 0,3 mg por litro de ar expelido dos pulmões; III – exame clínico com laudo conclusivo e firmado pelo médico examinador da Polícia Judiciária; IV – exames realizados por laboratórios especializados, indicados pelo órgão ou entidade de trânsito competente ou pela Polícia Judiciária, em caso de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos. (grifo nosso)

Acertada foi a conclusão que o nível mínimo de alcoolemia continua vigendo para

as infrações constatadas por meio de medidor de alcoolemia, entendimento este, corroborado

pelo próprio texto da Resolução n° 206/2006, ultra citada.

Quanto à dificuldade de comprovação da direção sob influencia de álcool, a

referida, por meio da nova redação ao art. 277, do CTB, ampliou as possibilidades de

comprovação da infração administrativa. Haja vista, conforme tranqüila jurisprudência, da

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não obrigatoriedade da submissão aos testes comprobatórios de embriaguez, a nova redação

possibilitou à autoridade a demonstração do fato por meio de outros instrumentos permitidos

em lei, autorizando o próprio agente de trânsito a caracterizar os sinais de embriaguez,

equiparando a constatação pelo agente de trânsito o mesmo efeito de um exame clínico, não

obstante, as existentes divergências doutrinariam.

Severas críticas foram formuladas em desfavor do § 2º do art. 277, do CTB,

anunciando-o de inconstitucionalidade por violação ao princípio da ampla defesa e

classificando-o de instrumento de obtenção de prova ilícita, o que não prosperou entre o

pensamento majoritário jurídico.

Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça manifestou-se sobre a regularidade da

previsão legal, pois o auto de constatação de embriaguez seria, na verdade, uma mera forma

de legitimar a ação dos policiais, in verbis:

[...] Caso o condutor do veículo supostamente embriagado se recuse a se submetido ao teste de alcoolemia, os agentes de trânsito poderão obter outros tipos de provas em direitos admitidas, tais como a documentação dos seus sinais de embriaguez, excitação e torpor resultantes do consumo de álcool. Descabido o argumento de inconstitucionalidade do § 2º do art. 277 do Código de Trânsito Brasileiro, pois a lavratura do Auto de Constatação de Embriaguez não configura apuração de infração penal, servindo, na verdade, como prova a legitimar a ação dos policiais [...] 12

Além das inovações expostas, a referida lei incluiu uma nova causa de aumento de

pena para a prática do homicídio culposo na direção de veículo automotor, aumentando a pena

de um terço à metade, quando o agente “[...] estiver sob a influência de álcool ou substância

tóxica ou entorpecente de efeitos análogos”. Em menção a inclusão da causa de aumento de

pena, assim se manifestou o Mestre LEONARDO L. DE FIGUEREDO COSTA:

Atualmente a influência do efeito do álcool passa a constituir causa de aumento de pena da lesão corporal culposa, restando, pois, o delito de perigo (art. 306, do CTB) subsidiário ao delito de dano, do qual passa a ser elemento componente de forma aumentada (art. 303, parágrafo único, do CTB). Pouco importa que a pena em tese do crime do art. 303, parágrafo único, do CTB (6 meses a 2 anos, aumentada de 1/3 à metade) possa ser em alguns casos inferior ao do crime do art. 306, do CTB (6 meses a 3 anos),

12 RHC 20.190/MS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5 ª T., J. 24.04.2007, DJ 04.06.2007, p. 377.

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pois há previsão legal específica do aumento de pena por esta circunstancia na lesão culposa e não pode haver bis in idem quanto ao mesmo fato. 13

Há ainda, de ficar consignado que a modificação da redação dos artigos 165 e 277

do CTB, não alteraram os conceitos típicos do crime de embriaguez ao volante, que

continuava a exigir a influência da substância inebriante na condução do veículo,

independente da taxa de alcoolemia, manifestada em manobras que reduzem o nível de

segurança no trânsito.

Em resumo, com a Lei nº. 11.275/2006, a diferença entre a infração administrativa

e o crime de embriaguez ao volante, nos dizeres de HUMBERTO FERNANDES DE

MOURA, consistia no fato de:

1. Para o crime, muito embora não fosse exigido o percentual mínimo de álcool por litro de sangue, era exigido que o agente com sua conduta viesse a expor à dano potencial a incolumidade de outrem. 2. Já para a infração administrativa, era desnecessária a demonstração do perigo concreto, pois estas somente podem ser impostas àqueles que se encontram acima do percentual de álcool por litro de sangue estabelecido na lei. 3. De toda forma, ambas punições tinham em comum as formas de comprovação, muito embora fosse impossível aos médicos ou agentes de trânsito estabelecerem com precisão qual seria o percentual de álcool por litro de sangue a fim de se justificar a infração administrativa, caso o agente se recusasse a se utilizar do “bafômetro”. 14

2.3 DA ALTERAÇÃO PROMOVIDA PELA LEI Nº. 11.705/2008

Na linha do recrudescimento administrativo e penal quanto à ação de conduzir

veículo automotor em via pública após o consumo de bebida alcoólica, foi editada a Medida

Provisória nº. 415/2008, de 21 de janeiro, inicialmente contendo restrições à venda de bebidas

13 COSTA, Leonardo Luiz de Figueiredo. A alteração da embriaguez ao volante e o crime de lesões corporais na direção de veículo automotor: reflexos da lei n. 11.275/06. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v. 14, n. 164, p. 19, jul. 2006. 14 MOURA, Humberto Fernandes. Alguns aspectos sobre a lei seca. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre, ano IX, n. 52, out./nov. 2008, p. 24-25.

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25

alcoólicas em estabelecimentos lindeiros às faixas de domínio das rodovias 15, que

posteriormente foi convertida na Lei nº. 11.705, de 19 de junho de 2008 16, que revogou a Lei

nº. 11.275/06 e alterou novamente os artigos do Código de Trânsito Brasileiro que

disciplinam a questão da embriaguez ao volante.

Ante o seu conteúdo intolerante com a ingestão de álcool e a grande exposição

nos meios de comunicação, a Lei nº. 11.705/2008, ficou logo conhecida como a “Lei Seca”.

No que tange a infração administrativa, houve nova mudança da redação do art.

165, CTB, in verbis:

Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº. 11.705, de 2008 em negrito) Infração - gravíssima; Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; (Redação dada pela Lei nº. 11.705, de 2008 em negrito) Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277.

Nota-se no caput do artigo, que a alteração legal buscou englobar o termo

“psicoativa” o que a redação anterior denominava “qualquer substância entorpecente ou que

determine dependência física ou psíquica”, estando o novel redigido em consonância com a

nova Lei de Drogas (Lei nº. 11.343/06), que atualmente evita o emprego da palavra

“entorpecente”, um tanto quanto restrita, para utilizar o termo mais amplo “drogas”.

Além disso, inovou, substancialmente, ao prever o prazo da suspensão do direito

de dirigir, ao fixá-lo em 12 meses. A redação anterior, como já exposto, era omissa, o que

tornava aplicável o disposto no art. 261, CTB, que estabelecia:

15 Art. 1º. São vedados, na faixa de domínio de rodovia federal ou em local contíguo à faixa de domínio com acesso direto a rodovia, a venda varejista e o oferecimento para consumo de bebida alcoólica. 16 Art. 1º. Esta Lei altera dispositivos da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, com a finalidade de estabelecer alcoolemia 0 (zero) e de impor penalidades mais severas para o condutor que dirigir sob a influencia do álcool [...]

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Art. 261. A penalidade de suspensão do direito de dirigir será aplicada, nos casos previstos neste Código, pelo prazo mínimo de um mês até o máximo de um ano e, no caso de reincidência no período de doze meses, pelo prazo mínimo de seis meses até o máximo de dois anos, segundo critérios estabelecidos pelo CONTRAN. (grifo nosso)

Ou seja, a nova lei (especificamente para esta infração), acabou com a

discricionariedade anteriormente conferida à autoridade de trânsito na aplicação da referida

penalidade, inclusive em prejuízo da Resolução nº. 182/2005 do CONTRAN, que

regulamentou a norma geral prevista no artigo supracitado:

Art. 16. Na aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir a autoridade levará em conta a gravidade da infração, as circunstâncias em que foi cometida e os antecedentes do infrator para estabelecer o período da suspensão, na forma do art. 261 do CTB, [...] 17

A natureza da infração administrativa não sofreu alteração, permanecendo

classificada como falta “gravíssima” (art. 258, CTB), equivalente a somatória de 7 (sete)

pontos no prontuário do condutor (art. 259, CTB), agravada ainda pelo fator multiplicador de

“cinco vezes” (Resolução nº. 136/2002 do CONTRAN, dispõe sobre os valores das multas de

infração de trânsito).

Finalmente, não se alterou a medida administrativa prevista, qual seja, “retenção

do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de

habilitação”, nesse sentido, manifesta-se o Mestre EDUARDO CABETTE:

A retenção do veículo é medida salutar e de bom senso, pois seria mesmo surreal imaginar a atuação do condutor e sua posterior liberação, dirigindo o veículo e colocando a segurança do tráfego viário, e com ela a vida, a integridade física e o patrimônio próprios e alheios em perigo. 18

Colocando fim à celeuma da necessidade ou não da taxa mínima da dosagem de

alcoolemia para a configuração da infração sob o prisma administrativo, outras modificações

relevantes operaram-se nos artigos 276 e 277 do CTB, que versam sobre o nível de

concentração de álcool no sangue e a comprovação da embriaguez ao volante, in verbis:

17 CONTRAN, Resolução nº. 182, 09 de setembro de 2005. Dispõe sobre uniformização do procedimento administrativo para imposição das penalidades de suspensão do direito de dirigir e de cassação da Carteira Nacional de Habilitação. 18 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Comentários à Lei 11.705/08: alterações do Código de Trânsito Brasileiro. Porto Alegre: Núria Fabris, 2009, p. 11.

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Art. 276. Qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165 deste Código. (Redação dada pela Lei nº. 11.705, de 2008 em negrito) Parágrafo único. Órgão do Poder Executivo federal disciplinará as margens de tolerância para casos específicos. (Redação dada pela Lei nº. 11.705, de 2008 em negrito) Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. (Redação dada pela Lei nº. 11.275, de 2006) § 1o Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº. 11.275, de 2006) § 2o A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor. (Redação dada pela Lei nº. 11.705, de 2008 em negrito) § 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº. 11.705, de 2008 em negrito)

Verifica-se com a leitura do novo art. 276, a supressão do índice mínimo de

alcoolemia, a exemplo da alteração sofrida pelo art. 165 em 2006, estabelecendo assim, total

intolerância ao álcool, desde já, “qualquer concentração” de álcool por litro de sangue impede

o condutor de dirigir e o submete às sanções da infração administrativa.

Assim sendo, ao analisar a infração administrativa, uma das significativas

novidades apresentadas pelo legislador, teria sido facilitar a prova da embriaguez, haja vista,

não estar mais a infração administrativa atrelada a qualquer índice de alcoolemia.

Contudo, o novo Parágrafo único incluído no art. 276, prevê a possibilidade de

normatização de “margens de tolerância” de concentração de álcool no sangue “para casos

específicos”, o que tratou o Decreto nº. 6.488, de 19 de junho de 2008, estabelecendo que:

Art. 1º Qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades administrativas do art. 165 da Lei nº 9.503, de 23 de

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setembro de 1997. Código de Trânsito Brasileiro, por dirigir sob a influência de álcool. § 1º As margens de tolerância de álcool no sangue para casos específicos serão definidas em resolução do Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, nos termos de proposta formulada pelo Ministro de Estado da Saúde. § 2º Enquanto não editado o ato de que trata o § 1o, a margem de tolerância será de duas decigramas por litro de sangue para todos os casos. § 3º Na hipótese do § 2º, caso a aferição da quantidade de álcool no sangue seja feito por meio de teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro), a margem de tolerância será de um décimo de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões. (grifo nosso)

Do Decreto sob comento, o Governo estabeleceu provisoriamente até a definição

em resolução do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, uma pequena margem de

tolerância para a apuração da infração administrativa, persistindo a priori, a dificuldade

probatória do ilícito, caso o condutor não venha a colaborar para a realização dos exames

exigidos para estabelecer com precisão o percentual etílico.

Apesar disso, entende-se que tal recusa poderá ser legalmente sanada com a

confecção do (Termo de Constatação de Embriaguez), descrevendo as informações quanto à

aparência (olhos vermelhos, desordem nas vestes, odor de álcool, sonolência, etc.), à atitude

(agressividade, exaltação, dispersão, arrogância, etc.), à orientação, à memória e à capacidade

motora e verbal do condutor, tendo para efeito da confecção do auto de infração, a mesma

validade do teste bafométrico, como já se manifestou o STJ (RHC 20.190/MS, Rel. Min.

Gilson Dipp, 5 ª T., J. 24.04.2007, DJ 04.06.2007, p. 377), ultra descrito.

Nesta última hipótese, por normatização dada pela Resolução nº 206/2006 do

CONTRAN, a infração de trânsito será caracterizada mediante a confecção de um termo

específico (Termo de Constatação de Embriaguez), que além da qualificação do condutor

entre outros dados, informará obrigatoriamente todos os sinais notórios que denunciam o

estado ébrio do motorista (sinais de embriaguez, excitação ou torpor), que quando possível,

será ratificado por duas testemunhas.

A nova lei também modificou (outra vez) o art. 277 do CTB, o legislador optou

por não alterar o caput nem o seu § 1º, porém o remoto § 2º foi cindido em dois novéis

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parágrafos. O vigente § 2º reiterou, com uso de uma melhor técnica de redação, o texto

anterior, admitindo a comprovação da infração administrativa por todos os meios legais de

provas admitidas em direito.

Por seu turno o novo § 3º acrescentado ao dispositivo em comento, e em

preterição ao direito à não produção de prova contra si mesmo, prevê que o condutor ao se

negar à realização dos testes e exames de alcoolemia descritos no caput do artigo, seja

penalizado com a lavratura do auto de infração e a aplicação das medidas administrativas

capituladas no art. 165, CTB. Em outros dizeres, a recusa torna-se por si só, motivo para que

o condutor seja notificado, e conseqüentemente passível das penalidades de multa e da

suspensão de dirigir por período de 12 (doze) meses.

A inovação jurídica contida no § 3º do art. 277 do CTB, cria uma espécie de

infração administrativa por equiparação, ou seja, equiparando a negativa de submissão aos

testes e exames à infração efetiva ao artigo 165 do CTB, admitindo com isso, que a simples

recusa torne-se por si só, motivo para a aplicação das sanções administrativas, igualando as

conseqüências previstas para quem é flagrado ao dirigir sob influência de bebida alcoólica

àquele que se recusa a se submeter aos testes de comprovação alcoólica, o que vem sendo

arduamente rechaçado pela doutrina por afrontar claramente princípios constitucionais.

Na prática, é como se a lei diante da negativa do motorista em submeter-se aos

exames, presumisse seu estado de embriaguez, promovendo nítida coerção inconstitucional à

produção de prova contra si mesmo (princípio da não auto–incriminação), e flagrante violação

ao “princípio da presunção de inocência, estado de inocência ou não culpabilidade”, em

detrimento as garantias individuais protegidas pela Constituição Federal e pelos tratados

internacionais que versam sobre Direitos Humanos de que o Brasil é signatário.

Em alusão aos dispositivos descritos nos §§ 2º e 3º do art. 277 do CTB,

manifestou-se VLAMIR MAGALHÃES:

Em suma, defendemos: (1) a plena legitimidade de recusa do condutor de veículo automotor em submeter-se a quaisquer teste de alcoolemia, seja por via de “bafômetro”, seja por exame de sangue, sem que, por isso, possam ser aplicadas sanções administrativas, penais ou de cunho processual (ex. presunções acusatórias), sob pena, inclusive, de pronto enquadramento penal do agente público responsável; e (2) a necessidade de urgente propositura

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de ação direta de inconstitucionalidade, a fim de que, em sede liminar, nos termos do art. 102, I, “a” e “p” CR/88 c/c art. 10 e segs. Da Lei 9.868/99, venha o Supremo Tribunal Federal a suspender a eficácia dos parágrafos 2º e 3º do art. 277 da Lei 9.503/97, com redação da pela Lei 11.705/08. 19 (grifo nosso)

Já na feição criminal, a Lei nº. 11.705/2008 igualmente apresentou modificações

expressivas, inicialmente, o art. 291, § 1º do CTB, vedou expressamente a possibilidade de

transação penal àquele que comete o delito de embriaguez ao volante, bem como aos que

praticar o crime de lesão corporal culposa (art. 303, CTB), caso esteja “[...] sob a influência

de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência [...]”.

Também revogou a causa de aumento de pena prevista no art. 302, inc. V do CTB,

em relação aos crimes de homicídio culposo e lesão corporal culposa nas hipóteses do

condutor de veículo automotor ser flagrado sob o efeito de álcool ou de substância tóxica ou

entorpecente de efeitos análogos, anteriormente incluída pela Lei nº. 11.275/2006.

A reforma legislativa também alcançou o dispositivo descrito no art. 296 do CTB,

que estabelecia uma faculdade do Juiz de impor, além das demais sanções penais cabíveis, a

penalidade acessória de “suspensão da permissão ou habilitação para dirigir veiculo

automotor”, como pode-se observar na leitura do referido artigo em sua formatação original:

Art. 296. Se o réu for reincidente na prática de crime previsto neste Código, o juiz poderá aplicar a penalidade de suspensão da permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor, sem prejuízo das demais sanções penais cabíveis.

Após nova redação imposta pelo legislador, a norma em epígrafe, não mais

estabelece uma faculdade do julgador, mas sim determina imperativamente que o Juiz aplique

a sanção de suspensão, sempre que o réu for reincidente no cometimento de crime de trânsito,

como verifica-se a seguir:

Art. 296. Se o réu for reincidente na prática de crime previsto neste Código, o juiz aplicará a penalidade de suspensão da permissão ou habilitação para

19 MAGALHÃES, Vlamir Costa. A produção obrigatória de prova acusatória pelo réu: uma aberração aplaudida e legislada. Comentários à Lei nº. 11.705/2008, que alterou a redação do Código de Trânsito (Lei nº. 9.503/97). Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1871, 15.08.08. Disponível na internet http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11605>. Acessado em 14 jan. 2009.

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31

dirigir veículo automotor, sem prejuízo das demais sanções penais cabíveis. (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008 em negrito)

Com efeito, registra-se o comentário do Mestre EDUARDO CABETTE citando

ARNALDO RIZZARDO:

Anota-se que a reincidência que enseja a pena acessória sob comento é a especifica em crimes de trânsito (artigos 302 a 312, CTB). Eventual reincidência em outros tipos penais não propiciará a aplicação dessa sanção. Não obstante, é desnecessário que o agente tenha sido condenado exatamente no mesmo crime de trânsito anterior. [...] Isso porque a lei utiliza a expressão “reincidente na prática de crime previsto neste Código”, claramente abrangendo todos os crimes de trânsito indistintamente. 20

Contudo, o delito de embriaguez tipificado no art. 306 do CTB, não está passivo

de incidência pelo art. 296, conforme preleção de EDUARDO CABETTE citando

FERNANDO CAPEZ:

Outro aspecto relevante quanto ao presente tema é que a sanção de suspensão sobredita não poderá ser aplicada em casos de condenações por crimes de trânsito que já a prevêem como pena principal no preceito secundário dos tipos penais. Nesses casos, de que são exemplos os artigos 302, 303, 306, 307 e 308, CTB, a reincidência atuará como “circunstancia agravante preponderante”, nos termos do artigo 61, I, CP. Nos demais casos, em que os crimes de trânsito não prevêem a penalidade em destaque de forma principal (artigos 304, 305, 309, 310, 311 e 312, CTB), o Juiz deverá aplicar a suspensão a suspensão, sendo que nessas circunstâncias a reincidência não poderá ser utilizada como agravante genérica de acordo com o artigo 61, I, CP, para evitar “bis is idem”.21 (grifo do autor)

O próprio crime previsto no art. 306 do CTB, foi objeto de proeminente alteração

pela Lei nº. 11.705/2008, veja-se:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008 em negrito) Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

20 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Ob. cit., p. 27. 21 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Ob. cit., p. 28.

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32

Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008)

Como se vê, muito embora com a nova redação tenha deixado de exigir que a

condução seja “sob a influência de álcool” e que o condutor exponha “a dano potencial a

incolumidade de outrem”, a lei agora, exige a concentração mínima de álcool por litro de

sangue, para sua configuração, ressuscitando assim, toda a celeuma antes existente, para a

comprovação da infração administrativa.

Embora o legislador não tenha alterado a pena prevista para o crime em destaque,

percebe-se que foram levadas a efeito modificações profundas que até mesmo mudam a

natureza do tipo penal.

Do exposto, todo o entendimento doutrinário antes aludido à infração

administrativa, transporta-se agora para o delito em questão, em total consonância com a

corrente majoritária a respeito do assunto, veja-se o comentário de HUMBERTO DE

MOURA:

Assim, a punição pelo delito previsto no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro dependeria da colaboração do agente, pois não há exame clínico ou mesmo constatação por parte dos agentes de trânsito que possa definir, com a precisão exigida pela Lei, que o agente se encontra com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas. Ou seja, a nova lei dificultou a prova de crime de embriaguez ao volante, já que anteriormente bastava a direção sob influência de álcool, desde que geradora de perigo concreto. Agora, exige-se concentração, no mínimo, de 6 decigramas de álcool por litro de sangue. Assim, nesse ponto, e a depender do caso concreto, a nova lei pode ser melhor para o réu do que a anterior, pois basta que, ao tempo do fato, o agente não tenha se submetido ao exame de sangue ou do bafômetro. 22 (grifo nosso)

Este entendimento seguido pela doutrina prevalecente começa a ser corroborada

pela jurisprudência, assim observa-se:

Processo penal. Embriaguez ao volante. Atipicidade. “A Lei 11.705/08, além de descriminalizar a conduta de dirigir veículo automotor com concentração inferior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue, passou a exigir a

22 MOURA, Humberto Fernandes. Ob. cit., p. 29.

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comprovação material da concentração de álcool por litro de sangue do motorista. Não existindo provas acerca da quantidade de álcool por litro de sangue, ainda que o exame clínico aponte a embriaguez do acusado, inviável a condenação do motorista pela prática do delito do art. 306 da Lei 9.503/97. Negaram provimento. 23

Explanada as inovações legislativas no transcorrer dos últimos anos, traz o

próximo capítulo uma análise da conduta de embriaguez ao volante e suas conseqüências

jurídicas, em estudo delineado sob a ótica administrativa.

23 TJRS – 3ª C. – AP 70028177814 – rel. Elba Aparecida Nicolli Bastos – j. 02.04.2009 – DOE 14.04.2009.

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34

3. A EMBRIAGUEZ AO VOLANTE E SEUS ASPECTOS ADMINISTRAT IVOS

Preliminarmente, faz-se necessário compreender o conceito de infração, ação de

infringir, o termo advém do latim, infractione, segundo AURÉLIO24, é o ato ou efeito de

infringir, violação de uma lei, ordem, tratado, ou norma em geral.

Anotam-se as lições de JOSÉ CRETELLA JUNIOR:

A figura do ilícito, em si, não é peculiar a nenhum dos ramos da ciência jurídica, nem no âmbito do direito público, nem no âmbito do direito privado, pertencendo seu conceito genérico à teoria geral do direito, que, abstraindo as notas tipificadoras do instituto, aqui e ali, chega ao conceito categorial puro, in genere, que abrange todos e cada um dos matizes assumidos pela infração na esfera penal, administrativa, civil, tributária, financeira, trabalhista. 25 (grifo do autor)

Retomando os ensinamentos de CRETELLA JÚNIOR, registra-se também:

No campo do direito, o ilícito alça-se à altura de categoria jurídica e, como entidade categorial, é revestida de unidade ôntica, diversificada em penal, civil, administrativa, apenas para efeitos de integração, neste ou naquele ramo, evidenciado-se a diferença quantitativa ou de grau, não a diferença qualitativa ou de substância. Desse modo, o ilícito administrativo caminha em plano menos elevado do que o ilícito penal, é um minas em relação a este, separando-os o matiz de oportunidade e de conveniência, avaliado pelo critério axiológico, possível na esfera discricionária do administrador e do magistrado, contingente ao tempo e às áreas geográficas. 26

Prosseguindo a análise do tema em questão, ao aprofundar-se na esfera

administrativa, é oportuno frisar o entendimento de EDMIR NETTO DE ARAÚJO “a

infração administrativa, ou ilícito administrativo, refere-se ao ato ou omissão humanos que

causam desequilíbrio na ordem natural-legal da sociedade e que, pelo restabelecimento,

devem responder os agentes”. 27

24 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da Língua Portuguesa. 7. ed., Positivo, 2009. 25 CRETELLA JÚNIOR, José. Dicionário de Direito Administrativo. 5. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 245. 26 CRETELLA JÚNIOR, José. Prática de Processo Administrativo. 6. ed., Revista dos Tribunais, 2008, p. 129. 27 ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 852.

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35

Conforme o autor, no âmbito administrativo o "[...] grau de perturbação da ordem

jurídica não é tão grave a ponto de a lei erigi-lo em infração penal tipificada, protegendo-se

apenas o bem jurídico correspondente ao bom funcionamento da Administração." 28

Feitas essas observações acerca do ilícito administrativo, em desfecho, ainda

destaca o autor:

A infração administrativa corresponde a uma ofensa a um bem jurídico relevante do Estado, que é o funcionamento normal, regular e ininterrupto da máquina administrativa e, por conseqüência, da própria atividade de governar. 29 (grifo do autor)

No que tange a definição de infração de trânsito, esta está descrita no art. 161,

caput do Código de Trânsito Brasileiro - CTB, in verbis:

Art. 161. Constitui infração de trânsito a inobservância de qualquer preceito deste Código, da legislação complementar ou das resoluções do CONTRAN, sendo o infrator sujeito às penalidades e medidas administrativas indicadas em cada artigo, além das punições previstas no Capítulo XIX.

Tal definição é corroborada pelo Anexo I do referenciado Código, que define

infração como sendo a “inobservância a qualquer preceito da legislação de trânsito, às

normas emanadas do Código de Trânsito, do Conselho Nacional de Trânsito e a

regulamentação estabelecida pelo órgão ou entidade executiva do trânsito”.

Colha-se, sobre o assunto, a lição de ARNALDO RIZZARDO:

Em primeiro lugar, o termo infração corresponde a todo desrespeito ou vulneração de leis, sendo ampla a abrangência, pois atinge qualquer dispositivo da ordem jurídica vigente de um país. Compreende as leis constitucionais, as leis penais, as civis e as administrativas. Não se trata, aqui, de crime ou delitos, estes podendo ser considerados também do gênero infração, mas de maior gravidade e repercussão social. Com efeito, o crime envolve ingredientes constitutivos mais graves quanto à injuridicidade, ao elemento subjetivo (dolo ou culpa), ao resultado e à periculosidade. (grifo do autor) De acordo com as lições tradicionais, há no crime o fato típico (a ação ou o ato comissivo e omissivo), a injuridicidade (ato contrário ao direito), a

28 ARAÚJO, Edmir Netto de. Ob. cit., p. 853. 29 ARAÚJO, Edmir Netto de. Ob. cit., p. 898.

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culpabilidade (elemento subjetivo, isto é, dolo ou culpa) e a punibilidade (a previsão de uma pena). Já na infração, considerada em termos simples como um crime atenuado, aqueles elementos também constam presentes, sem que a previsão da punibilidade envolva penas restritivas de liberdade, sendo ademais, irrelevante a perquirição do elemento subjetivo. 30

Compreendido o conceito de infração administrativa, retoma-se ao tema principal

em comento, isto é, a embriaguez ao volante na ótica administrativa. O Código de Trânsito

Brasileiro, no seu Capítulo XV, Das Infrações, art. 165, tipifica como infração de trânsito a

prática de conduzir veículo sob a influência de bebida alcoólica, in verbis:

Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº. 11.705, de 2008) Infração - gravíssima; Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; (Redação dada pela Lei nº. 11.705, de 2008) Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277.

Observa-se que a conduta típica extraída deste tipo, consiste em “dirigir sob a

influência de álcool”. Tendo como núcleo da conduta, a terminologia “dirigir ”, que significa

conduzir, operar o mecanismo de veículo, manobrá-lo. Nesse sentido: TACrimSP, ACrim

637.447, RT, 671:348-9.

Ao contrário do tipo penal, que expressamente menciona “conduzir veículo

automotor”, verifica-se no texto do art. 165, a omissão do legislador quanto à tração, espécie

ou tipo do veículo dirigido, deixando margem a interpretações extensivas, como àquelas que

admitem não só os condutores de veículos automotores (automóvel, motocicleta, etc.), mas

também, os condutores de veículos de tração animal e os de propulsão humana (carroça,

bicicleta, etc.).

30 RIZZARDO, Arnaldo. Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 475 e 476.

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Além disso, verifica-se, a priori, que o tipo extrapenal exige para sua consumação

a satisfação da condição “sine qua non” em demonstrar a condução anormal do condutor, ou

seja, a necessidade que o condutor dirija de forma anormal, comprometendo o nível de

segurança do trafego viário. Este tema, por ser ainda recente no ordenamento jurídico

brasileiro, não é pacífico entre os operadores do direito.

Faz-se mister recorrer-se aos ensinamentos do jurisconsulto DAMÁSIO DE

JESUS:

A figura não se perfaz com a simples direção de veículo após o condutor ingerir álcool ou substância similar. É necessário que o faça “sob a influência” dessas substâncias. Assim, não basta que ocorra, ao contrário do que determina o art. 276 do CTB, “qualquer concentração de álcool por litro de sangue” para sujeitar “o condutor às penalidades previstas no art. 165”, de onde se originou incorretamente a expressão “tolerância zero”, de maneira que não há infração administrativa quando o motorista realiza o tipo sem esse elemento subjetivo. 31 (grifo nosso)

Deste modo, refere-se o autor tratar-se de elemento da figura infracional

administrativa, que conforme visto, sem a sua ocorrência, não se aplica o art. 165 do CTB. O

jurisconsulto, ainda faz referencia ao art. 276 do CTB (qualquer concentração de álcool por

litro de sangue sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165 deste Código), e

completa as condições necessárias para a configuração do art. 165, veja-se:

O dispositivo leva ao falso entendimento de que, encontrado o motorista dirigindo veículo na via pública, com “qualquer concentração de álcool por litro de sangue”, fica sujeito “às penalidades previstas no art. 165 do CTB”. Quer dizer, bebeu e dirigiu: cometeu a infração administrativa. Conclusão errada, pois são exigidas três condições: 1.ª) que o condutor tenha bebido; 2.ª) que esteja sob a “influência” da bebida; 3.ª) que, por causa do efeito da ingestão de álcool ou substância análoga, dirija o veículo de “forma anormal” (“direção anormal”).

31 JESUS, Damásio Evangelista de. Embriaguez ao volante: notas à Lei nº. 11.705/2008. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1846, 21.06.08. Disponível na internet http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11510>. Acessado em 15 nov. 2008.

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Extrai-se do texto, que o tipo extrapenal não satisfaz-se apenas com a ingestão de

bebida alcoólica ou outra substância psicoativa pelo motorista, é preciso que este dirija

veículo sob a influência dessas substâncias.

Ainda de acordo com o magistério de DAMÁSIO, leia-se:

Dirigir veículo automotor, em via pública, “sob influência” de álcool ou substância similar significa, sofrendo seus efeitos, conduzi-lo de forma anormal, fazendo ziguezagues, “costurando” o trânsito, realizando ultrapassagem proibida, “colado” ao veículo da frente, passando com o sinal vermelho, na contramão, com excesso de velocidade etc. De modo que, surpreendido o motorista dirigindo veículo, após ingerir bebida alcoólica, de forma normal, “independente do teor inebriante”, não há infração administrativa, não se podendo falar em multa, apreensão do veículo e suspensão do direito de dirigir. Exige-se nexo de causalidade entre a condução anormal e a ingestão de álcool.

Sob este viés, é imperativa a demonstração da influência etílica na condução, isto

é, que o álcool ingerido tenha efetivamente manifestado-se por meio de alteração da

capacidade do condutor de dirigir veículo automotor, mitigando ou alterando sua capacidade

sensorial, de autocontrole, de atenção, de reação a uma situação de perigo, de julgar, etc., que

assim sendo, configure em uma condução imprudente, descuidada, temerária ou perigosa, que

venha de encontro com as regras de circulação viária. “A barbeiragem, ainda que leve, é

elementar do tipo, pois a conduta consiste em dirigir sob a influência de [...]” 32, não sendo

necessário que o condutor encontre-se totalmente incapacitado para dirigir, bastando apenas à

minoração dessa capacidade.

Do exposto pelo autor, entende-se que a conduta de dirigir o veículo “sob

influência de álcool” e o dirigir “após ingerir bebida alcoólica” são claramente distintas. Em

consenso com a tese apresentada por DAMÁSIO DE JESUS, sendo, a letra da lei, cristalina

ao dispor que a infração apenas se configura se o indivíduo conduzir o veículo sob a

influência do álcool, admite-se a hipótese que mesmo após ingerir bebida alcoólica, o

condutor não necessariamente esteja sob a influência do álcool, podendo em tese, conduzir

seu veículo normalmente, sem configurar a infração disposta no aludido art. 165, até porque, a

influência etílica, é um tema extremamente subjetivo, haja vista, poder um indivíduo

32 JESUS, Damásio Evangelista de. Embriaguez ao volante: notas à Lei nº. 11.705/2008. Ob. cit.

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consumir um copo de cerveja ou qualquer outra bebida e ficar visivelmente alterado, como

pode ingerir várias garrafas e não restar abalado pelo álcool.

Em outra vertente, faz-se necessário o registro do Parecer dirigido à Exma. Juíza

de Direito da 3ª. Vara Criminal da Comarca de Mossoró – RN, pelo Promotor de Justiça

daquela comarca, ANTÔNIO CLÁUDIO LINHARES ARAÚJO, em 04.03.2009, quando na

oportunidade requereu o arquivamento de inquérito policial em razão da atipicidade do fato

apurado naqueles autos:

[...] a descrição típica da infração administrativa em comento contém, tanto antes como após a Lei Seca, o elemento normativo "dirigir sob a influência". Esta circunstância da conduta significa dizer que, inicialmente, exige a lei a necessidade de verificar se o estado etílico do condutor estava de fato interferindo na sua capacidade de direção; ou seja, a caracterização da infração exige não só o consumo de álcool pelo motorista, mas também que este estivesse se comportando de maneira inadequada ao pilotar, o que se manifesta na infringência das normas de tráfego (alta velocidade, contramão, avanço de semáforo, etc.). Ocorre, entretanto, que a regra do artigo 276 estabelece uma espécie de responsabilização (administrativa) de natureza objetiva do condutor, pois presume a incapacidade de condução a partir de determinada concentração de álcool no sangue. O nível de alcoolemia [...], após a Lei Seca, passou a ser de qualquer concentração de álcool do organismo do condutor. [...] Muito embora o tipo infracional ainda preveja a necessidade da influência do álcool na direção, a regra do artigo 276 do CTB findou por fazer uma ampliação do alcance do tipo que em termos práticos eliminou a direção anormal como elemento do tipo. Isto porque estabeleceu-se a responsabilização objetiva daquele que tenha presença de álcool no sangue, que passa a responder pela infração tão somente pela alcoolemia em si, que é considerada pela lei como indicativo de presunção absoluta de perigo ao tráfego. 33 (grifo nosso)

Nesse mesmo diapasão, anota-se a interpretação esposada pelo Doutor e Mestre

LUIZ FLÁVIO GOMES, segundo a qual para que haja a configuração da infração

administrativa, não faz-se necessário a demonstração da condução anormal, veja-se:

E se o sujeito dirigia com menos de seis decigramas de álcool por litro de sangue, porém, normalmente (corretamente)? – essa, aliás, é uma situação

33 ARAÚJO, Antônio Cláudio Linhares. Promotor pede arquivamento de inquérito por considerar Lei Seca inconstitucional . Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2088, mar. 2009. Disponível em: . Acesso em: 20 mar. 2009.

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absolutamente corriqueira, trata-se da infração administrativa do art. 165, visto que ela exige (só) "estar sob a influência de álcool" (ou seja: uma condição pessoal alterada). Não se trata de infração penal porque a concentração era menos de seis decigramas. [...] E se o sujeito tinha concentração de álcool igual ou superior a seis decigramas, mas dirigia seu veículo normalmente (corretamente, sem nenhum deslize viário)? Não se trata de infração penal (art. 306). Cuida-se, sim, de infração administrativa (art. 165). O crime exige embriaguez + direção anormal (risco concreto para a segurança viária). Risco concreto (direção em zig-zag, v.g.). Em síntese: condutor anormal + condução anormal. Não se admite presunção contra o réu (se estava bêbado, automaticamente cometeu infração penal). Direção normal, ainda que com seis decigramas ou mais de álcool, não é infração penal. É administrativa. A infração administrativa não exige direção anormal. Só o "estar sob a influência". Isso é perigo abstrato. Que se admite para a infração administrativa, não para a penal. 34 (grifo nosso)

Percebe-se, após atenta leitura, que o notório autor segue uma tese divergente à

apresentada por DAMÁSIO DE JESUS, ou seja, coaduna com o entendimento de ANTÔNIO

ARAÚJO, pelo qual, não é necessária a comprovação efetiva de que houve direção anormal

para a configuração do art. 165 do CTB.

A desarmonia jurídica ainda está longe de ser pacificada, sendo necessário mais

tempo para que a doutrina e, principalmente a jurisprudência possa firmar-se com mais

convicção sobre o tema.

Quanto à tolerância de álcool no sangue para efeito da caracterização ou não da

infração administrativa de embriaguez, como já anteriormente exposto, encontra-se

normatizado pelo Decreto nº. 6.488 de 19 de junho de 2008, conforme tipificado em seu

art.1º, § 2º “Enquanto não editado o ato de que trata o § 1o, a margem de tolerância será de

duas decigramas por litro de sangue para todos os casos”, ou 0,3 mg de álcool por litro de ar

expelido dos pulmões.

34 GOMES, Luiz Flávio. Embriaguez ao volante (Lei nº. 11.705/2008). Diferença entre a infração administrativa e a penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1840, 15.07.08. Disponível na internet http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11945>. Acessado em 05 set. 2008.

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Nesta hipótese, encontrando-se o condutor dentro da margem de tolerância, não

comete a infração administrativa nem tão pouca a penal, como corrobora LUIZ FLÁVIO

GOMES “embriaguez por álcool: com quantidade absolutamente insignificante (até 0,2

decigramas): conduta atípica (não é infração penal nem administrativa; nisso reside a margem

de tolerância);”. 35

Na mesma senda jurídica dispõe DAMÁSIO EVANGELISTA DE JESUS

“A lei nova prevê limite de dois decigramas de álcool por litro de sangue (ou 0,3 mg de álcool

por litro por ar expelido no bafômetro). Somente a partir desse limite é que se pode começar a

verificar a existência de infração administrativa.”. 36

As bebidas alcoólicas capazes de exercer influência e comprometer a capacidade

normal de conduzir veículo em via pública, são taxativamente definidas pela própria Lei

11.705/2008, em seu art. 6º, como sendo "as bebidas potáveis que contenham álcool em sua

composição, com grau de concentração igual ou superior a meio grau Gay-Lussac".

Indispensável faz-se observar, que para a configuração das infrações de trânsito

capituladas no CTB, a condução proibitiva (que infrinja as regras de conduta e circulação

estabelecidas pelo Código), deve-se operar em via pública, conforme estabelecido pelo

Código, logo em seus primeiros artigos, bem com em seu Anexo I:

Art. 1º O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código. [...] Art. 2º São vias terrestres urbanas e rurais as ruas, as avenidas, os logradouros, os caminhos, as passagens, as estradas e as rodovias, que terão seu uso regulamentado pelo órgão ou entidade com circunscrição sobre elas, de acordo com as peculiaridades locais e as circunstâncias especiais. Parágrafo único. Para os efeitos deste Código, são consideradas vias terrestres as praias abertas à circulação pública e as vias internas pertencentes aos condomínios constituídos por unidades autônomas. [...]

35 GOMES, Luiz Flávio. Embriaguez ao volante (Lei nº. 11.705/2008). Diferença entre a infração administrativa e a penal. Ob. cit. 36 JESUS, Damásio Evangelista de. Embriaguez ao volante: notas à Lei nº. 11.705/2008. Ob. cit.

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VIA - superfície por onde transitam veículos, pessoas e animais, compreendendo a pista, a calçada, o acostamento, ilha e canteiro central (Anexo I - Dos Conceitos e Definições)

Percebe-se que a infração administrativa não se aplica a todas as vias terrestres,

mas somente àquelas abertas à circulação, isto é, o Código se aplica às vias terrestres onde a

ingerência do particular está sempre em nível inferior ao do Estado, pelos princípios da

supremacia do interesse público sobre o particular e da sua indisponibilidade. Nesse sentido,

DAMÁSIO DE JESUS “[...] é a via por onde transitam os membros da coletividade:

autopistas, rodovias, ruas, avenidas, alamedas, travessas, desvios, becos etc. Não se trata de

via “pública” no sentido de que pertence ao Poder Público.” 37

Por derradeiro, quando na flagrância da condução de veículo automotor nos

termos do art. 165 do CTB, somente o agente de trânsito devidamente competente poderá

lavrar o auto de infração e aplicar as respectivas medidas administrativas, portanto, só é

competência aquele que possui capacidade e legitimidade para agir, em outros termos, o poder

só poderá ser exercido por um agente a quem a lei tenha atribuído a capacidade e

legitimidade, nesse pensar, importa destacar a contribuição de HELY LOPES MEIRELLES,

leia-se:

Para a prática do ato administrativo a competência é a condição primeira de sua validade. Nenhum ato – discricionário ou vinculado – pode ser realizado validamente sem que o agente disponha de poder legal para praticá-lo. Entende-se por competência administrativa o poder atribuído ao agente da Administração para o desempenho específico de suas funções. A competência resulta da lei e por ela é delimitada. Todo ato emanado de agente incompetente, ou realizado além do limite de que dispõe a autoridade incumbida de sua prática, é inválido, por lhe faltar um elemento básico de sua perfeição, qual seja, o poder jurídico para manifestar a vontade da Administração. Daí a oportuna advertência de Caio Tácito de que ‘não é competente quem quer, mas quem pode, segundo a norma de Direito’. 38

Ademias, o auto de infração é o ato jurídico praticado pela Administração Pública,

por meio da autoridade de trânsito ou pelos agentes da autoridade de trânsito, por ela

designados, nos termos do art. 280, § 4º, do CTB:

37 JESUS, Damásio Evangelista de. Crimes de Trânsito: anotações à parte criminal do Código de Trânsito (Lei n. 9503, de 23 de setembro de 1997) – 4ª ed. - São Paulo: Saraiva, 2002, p. 157. 38 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 151.

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O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência.

Cumulativamente, o agente da autoridade de trânsito, devidamente nomeado,

também está incumbido de executar as medidas administrativas por força do Art. 269 do

CTB, quais sejam:

Art. 269. A autoridade de trânsito ou seus agentes, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá adotar as seguintes medidas administrativas: I - retenção do veículo; II - remoção do veículo; III - recolhimento da Carteira Nacional de Habilitação; IV - recolhimento da Permissão para Dirigir; V - recolhimento do Certificado de Registro; VI - recolhimento do Certificado de Licenciamento Anual; VII - (VETADO); VIII - transbordo do excesso de carga; IX - realização de teste de dosagem de alcoolemia ou perícia de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica; X - recolhimento de animais que se encontrem soltos nas vias e na faixa de domínio das vias de circulação, restituindo-os aos seus proprietários, após o pagamento de multas e encargos devidos; XI - realização de exames de aptidão física, mental, de legislação, de prática de primeiros socorros e de direção veicular.

Assim, nesse viés, o Estado, dentro de sua organização, age por meio de seus

agentes, que manifestam, nessa condição, não suas vontades, mas a vontade do próprio

Estado.

Com efeito, após estudo à infração administrativa disposta no art. 165 do CTB,

passa-se ao próximo capítulo visando investigar perfunctoriamente a conduta de embriaguez

ao volante no âmbito do direito penal, com supedâneo no art. 306 do mesmo Codex.

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4. A EMBRIAGUEZ AO VOLANTE E SEUS ASPECTOS PENAIS

Inicialmente, imprescindível se faz conceituar o termo crime no ordenamento

jurídico pátrio. O art. 1° da Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-Lei n° 3.914 de 9 de

dezembro de 1941), dispõe que:

Art. 1° Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa;

Para SÉRGIO SÉRVULO DA CUNHA, conceitua-se crime como sendo:

1. Ato ofensivo a outrem cuja prática, dado custo social, deve ser reprimida mediante a cominação e imposição de sanção criminal. 2. Violação grave de um bem jurídico protegido penalmente. 3. Ato típico, contrário ao direito, imputável a título de dolo ou culpa, ao qual a lei contrapõe a pena como sanção especifica [...] 39

Nos ensinamentos de JULIO FABBRINI MIRABETE, trata-se do

“comportamento humano (positivo ou negativo) que provoca, em regra, um resultado, e é

previsto como infração penal”. 40

Portanto, para a existência do crime, é necessária uma conduta humana positiva

(comissiva) ou negativa (omissiva), e que essa conduta seja típica (que esteja descrita na lei

como infração penal) e antijurídica (contrário ao direito, por não estar protegido por umas das

excludentes de ilicitude). Essas condutas são descritas nos denominados tipos penais,

conforme nos ensina ROGÉRIO GREGO:

Por imposição do nullum crimen sine lege, o legislador, quando quer impor ou proibir condutas sob a ameaça de sanção, deve, obrigatoriamente, valer-se de uma lei. Quando a lei em sentido estrito descreve a conduta (comissiva ou omissiva) com o fim de proteger determinados bens, cuja tutela mostrou-se insuficiente pelos demais ramos do direito, surge o chamado tipo penal. Tipo, como a própria denominação nos está a induzir, é o modelo, o padrão de conduta que o Estado, por meio de seu único instrumento, a lei, visa impedir que seja praticada, ou determina que seja levada a efeito. 41

39 CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Dicionário compacto do direito. 3ª ed., 2003. 40 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2004. v.1. p. 98. 41 GRECO, Rogério. Direito Penal, parte especial. Rio de Janeiro: Impetus, 2005, p. 47.

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No âmbito do trânsito viário, JOSÉ FREDERICO MARQUES, em sua obra

Tratado do Direito Penal, conceitua que crime automobilístico “É toda infração penal oriunda

de veículo motorizado, na sua função comum de meio de locomoção e transporte, quer de

carga como de pessoas.” 42

Nestes termos, o legislador erigiu à categoria de crime, que no regime anterior,

considerava-se como simples contravenção penal, a direção de veículo automotor,

encontrando-se o condutor embriagado ou alcoolizado, sendo assim, tipificado como conduta

criminosa, disposto no Código de Trânsito Brasileiro, em seu Capítulo XIX, Dos Crimes de

Trânsito, art. 306, veja-se:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.

Doutrinariamente, o primeiro ponto a ser examinado, é que o tipo penal do art.

306, limitou a deflagração do crime somente à condução de veículos automotores, sendo

atípico a condução de outras espécies de veículos sob efeito etílico, assim, os veículos de

propulsão humana e os de tração animal não se amoldam ao conceito. Do exposto, encontra-

se no Anexo I do CTB, o conceito legal de veículo automotor, como se segue:

VEÍCULO AUTOMOTOR - todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico).

Outro requisito exigido, é que a condução do veículo automotor seja praticada em

via pública, a exemplo da infração administrativa, isso porque, o Código regula somente o

trânsito nas vias terrestres abertas à circulação, não alcançando os veículos que nelas não

trafeguem, em outros dizeres, para a incidência do tipo incriminador, a via deve

42 MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal; parte especial, São Paulo: Saraiva. 1961, p. 250.

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obrigatoriamente, servir de passagem para o tráfego de veículos e trânsito de pedestres, nesse

sentido, DAMÁSIO:

É necessário que, habitualmente, pela via transitem veículos e pessoas. Uma rodovia abandonada e deserta, no interior da Amazônia, por onde não transitam veículos nem pessoas, não constitui “via pública” para efeito da incidência da norma incriminadora. 43

Quanto aos temas acima abordados, o tipo penal não traz nenhuma divergência na

esfera doutrinaria ou jurisprudencial, a celeuma jurídica inicia-se a começar pelo estudo da

natureza jurídica do crime.

Em sua redação original o crime do artigo 306, foi considerado,

predominantemente, como um delito de perigo concreto, afiliavam-se à tese do perigo

concreto Luiz Flávio Gomes, Ariosvaldo de Campos Pires, Sheila Jorge Selim de Sales, Cezar

Roberto Bitencourt e Vicente Cernicchiaro. Não obstante, a matéria não era isenta de

controvérsias, por outra esteira, defendiam a tese de perigo abstrato, Luiz Otávio de Oliveira

Rocha e Arnaldo Rizzardo. Havia inclusive quem defendesse a hipótese de crime de lesão ou

de dano, conforme escólio de Fernando Capez, Victor Eduardo Rios Gonçalves e Damásio

Evangelista de Jesus. 44

A controvérsia fundamentava-se em torno da frase que encerrava a descrição

típica “expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”, havendo três posições

doutrinárias a seguir. 45

A primeira corrente era seguida por aqueles que defendiam a tese do perigo

concreto, o simples fato de o sujeito dirigir veículo em via pública em estado de embriaguez,

ainda que de maneira anormal, não configurava o crime, era necessário a demonstração de

que o motorista, com o seu comportamento, colocasse realmente a segurança de alguém a

sério e efetivo perigo de dano, demonstrado caso a caso.

43 JESUS, Damásio Evangelista de. Crimes de trânsito: anotações à parte criminal do código de trânsito. Ob. Cit., p. 153. 44 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Ob. cit., p. 45. 45 JESUS, Damásio Evangelista de. Crimes de trânsito: anotações à parte criminal do código de trânsito. Ob. cit., p. 165.

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Para a segunda corrente, defensores da tese do perigo abstrato, o simples fato de o

agente dirigir veículo sob a influência de álcool tipificava o fato, não sendo necessária a

averiguação da ocorrência de perigo concreto, nesse caso, o perigo abstrato é presumido pelo

legislador, não permitindo prova contrária.

E para a terceira e última corrente, tratava-se de crime de lesão ou de dano,

entendiam que dirigir embriagado, de maneira anormal, por si só, perfaz conduta perigosa,

bastando, pois, a probabilidade de dano, ou seja, a possibilidade de risco à coletividade.

Da divergência criada, o posicionamento pelo perigo concreto ainda era

prevalecente, a expressão “expondo a dano potencial a incolumidade de outrem” exigia

literalmente a comprovação casuística de perigo, característicos destes delitos.

Quanto à tese de perigo abstrato, na época era de difícil sustentação, já que nesses

crimes não há menção “de perigo no tipo”, conforme as lições de RENATO DE MELLO

JORGE SILVEIRA, não “se menciona o perigo entre seus elementos, mas se limita a definir

uma ação perigosa, pois entende que o surgimento do perigo deduz-se da realização de uma

ação com certas características”. 46

Para a alegação de crime de dano, o bem jurídico tutelado seria a “segurança

viária”, não se tratando de infração penal contra a pessoa, nessa linha, também seria

necessário demonstrar in concreto a lesão à “segurança viária”. Valendo-se ainda dos

ensinamentos do Pós-Doutor RENATO SILVEIRA:

O forjar de um bem jurídico coletivo como a ‘segurança viária’ surge como um elemento artificial e ‘ad hoc’ para legitimar a chamada ‘tutela penal antecipada’, típica do ‘Direito Penal de Risco’, a que a doutrina alemã denominou de ‘criminalização em âmbito prévio’. 47 (grifo do autor)

Com efeito, após a alteração promovida pelo legislador, a redação do tipo penal

recebeu nova roupagem, e a discussão jurídica ganhou novo impulso, haja vista a supressão

da supracitada expressão “expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”. Resta-se

saber se basta a constatação da concentração de álcool no sangue acima do nível exigido pelo

46 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito penal supra – individual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 97. 47 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Ob. cit., p. 121-122.

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tipo legal, ou se necessário que a ingestão alcoólica influencie a forma de condução do

veículo?

No pensar de LUÍS GRECO em crítica à tese de crime de dano, “no caso dos

crimes de perigo abstrato, antecipa-se a proibição; no bem jurídico coletivo, antecipa-se a

própria lesão” afirmando ainda “os crimes de perigo abstrato têm a virtude da transparência,

não ocultando a efetiva antecipação do Direto Penal”. 48

Destacam-se os comentários de EDUARDO CABETTE:

Aboliu-se a literatura da exigência de perigo concreto, de modo que a mera condução de veículo automotor nas condições descritas no tipo penal é suficiente para sua configuração. O perigo agora se deduz da concentração de álcool no sangue ou da influência de outra substância psicoativa. Diante desse novo quadro legislativo, impõem-se reconhecimento de que o artigo 306, CTB, descreve crime de perigo abstrato. Mesmo que uma pessoa seja surpreendida dirigindo normalmente, mas sob efeito de álcool, por exemplo, em taxa superior à tolerada para fins penais, ela incidirá na prática criminosa. A infração se perfaz somente pela condução nas condições descritas no tipo penal. 49

Na mesma linha à tese do perigo abstrato, salienta-se interpretação esposada por

RENATO MARCÃO:

A Lei n. 11.705, de 19 de junho de 2008, deu nova redação ao caput do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro e deixou de exigir a ocorrência de perigo concreto. O legislador passou a entender que conduzir veículo na via pública nas condições do art. 306, caput, do Código de Trânsito Brasileiro, é conduta que, por si, independentemente de qualquer outro acontecimento, gera perigo suficiente ao bem jurídico tutelado, de molde a justificar a imposição de pena criminal. Não se exige mais um conduzir anormal, manobras perigosas que exponham a dano efetivo a incolumidade de outrem. O crime, agora, é de perigo abstrato, presumido. 50

48 GRECO, Luís, Princípio da ofensividade e crimes de perigo abstrato – uma introdução ao debate sobre o bem jurídico e as estruturas do delito. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: n.49, jul./ago., 2004, p. 112-113. 49 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Ob. cit., p. 78. 50 MARCÃO, Renato. Embriaguez ao volante: exames de alcoolemia e teste do bafômetro – uma análise do novo art. 306, caput, da lei n. 9.503, de 23.9.1997 (Código de Trânsito Brasileiro). Revista Bonijuris, Curitiba: ano XX – nº 538 – setembro/2008, p. 11.

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Pelas mesmas razões, é o entendimento de FERNANDO BARBAGALO:

Parece claro, concorda-se ou não, que o legislador pretendeu estabelecer que a simples conduta de dirigir embriagado (na dosagem definida na lei) é crime, independentemente de qualquer situação fática a indicar que alguém sofreu ou poderia sofrer algum risco em decorrência da conduta, ou seja, um crime de perigo abstrato em que a ofensa é presumida pela lei. 51

Não obstante ao entendimento do perigo abstrato, em sentido oposto, temos a

posição de LUIZ FLÁVIO GOMES:

Um grave equívoco que deve ser evitado consiste em prender em flagrante o sujeito todas as vezes que esteja dirigindo com seis decigramas ou mais de álcool por litro de sangue (0,3 no bafômetro – que equivale a dois copos de cerveja). A existência do crime do art. 306 pressupõe não só o estar bêbado (sob a influência do álcool ou outra substância psicoativa), senão também o dirigir anormalmente (em zig-zag, v.g.). Ou seja: condutor anormal (bêbado) + condução anormal (que coloca em risco concreto a segurança viária). Não se pode nunca confundir a infração administrativa com a penal. Aquela pode ter por fundamento o perigo abstrato. Esta jamais. O Direito penal atual, fundado em bases constitucionais, é dotado de uma série de garantias. Dentre elas está a da ofensividade, que consiste em exigir, em todo crime, uma ofensa (concreta) ao bem jurídico protegido. Constitui grave equívoco interpretar a lei seca "secamente". Não há crime sem condução anormal. A prisão em flagrante de quem dirige normalmente é um abuso patente, que deve ser corrigido prontamente pelos juízes. 52 (grifo nosso)

Continua, nesse mesmo vértice, explanar o conceituado jurista:

O estar "sob influência" exige a exteriorização de um fato (de um plus) que vai além da embriaguez, mas derivado dela (nexo de causalidade). Ou seja: não basta a embriaguez (o estar alcoolizado), impõe-se a comprovação de que o agente estava sob "sua influência", que se manifesta numa direção anormal (que coloca em risco concreto a segurança viária). Note-se, não se exige a prova de risco concreto para uma pessoa determinada. Não é isso. Basta que a direção tenha sido anormal (em zig-zag, v.g.): isso já é suficiente para se colocar em risco a segurança viária. Em outras palavras: não se trata de um perigo concreto determinado (contra pessoa certa), sim, de um perigo concreto indeterminado (risco efetivo para o bem jurídico coletivo segurança viária, mesmo que nenhuma pessoa concreta tenha sofrido perigo).

51 BARBAGALO, Fernando Brandini. Lei nº. 11.705/08: alcance das alterações no Código de Trânsito Brasileiro, Disponível na internet www.expressodanoticia.com.br. 26.09.08. Acessado em: 12 fev. 2009. 52 GOMES, Luiz Flávio. Lei seca (Lei nº 11.705/2008). Exageros, equívocos e abusos das operações policiais. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1842, 17 jul. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11496>. Acesso em: 05 set. 2008.

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Justifica-se o tratamento lingüístico (literal) distinto dado ao álcool (o tipo legal não exigiu, nesse caso, o "estar sob a influência")? A resposta só pode ser negativa. O estar "sob a influência" de substância psicoativa exigida na parte final do dispositivo (art. 306) tem que valer também para a primeira parte do tipo legal (ou seja: para a embriaguez decorrente de álcool). Por quê? Porque do contrário estaríamos admitindo o perigo abstrato no Direito penal, o que (hoje) é uma heresia sem tamanho, quando se estuda o princípio (constitucional implícito) da ofensividade, que não permite nenhum delito de perigo abstrato (cf. GOMES, L.F. e GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Direito penal-PG, v. 1, São Paulo: RT, 2007, p. 464 e ss.). Todo tipo legal que descreve um perigo abstrato deve ser interpretado na forma de perigo concreto (ainda que indeterminado, que é o limite mínimo para se admitir um delito, ou seja, a intervenção do Direito penal). Há muitos outros argumentos para se concluir que a direção sob álcool (no art. 306) tem que revelar o estar sob sua "influência" (ou seja: uma direção anormal). Dentre eles destaca-se o seguinte: até mesmo a infração administrativa correspondente (novo art. 165 do CTB), agora, depois da Lei 11.705/2008, a ela faz referência. Diz o novo art. 165: "Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência". Se a infração administrativa, que é o menos, exige o "estar sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância", com muito mais razão essa premissa (essa elementar típica) tem que ser admitida para a infração penal (que é o mais). (grifo nosso)

Ainda, a propósito deste tema, o Doutor ANDRÉ CALLEGARI, enfatizando o

pensamento de Bustos Ramírez: “[...] no fundo, mediante o recurso ao delito de perigo

abstrato pode-se estar castigando criminalmente em razão a uma determinada visão moral,

política e/ou social, ou bem, uma mera infração administrativa”. 53

Assim sendo, para essa corrente, para que se tenha autorizada a persecução

criminal será imprescindível além da comprovação técnica de concentração de álcool por litro

de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, que o condutor esteja “sob a influência de

álcool”, praticando direção anormal. É o que igualmente defende DAMÁSIO DE JESUS, ao

discorrer sobre os elementos do tipo no crime de embriaguez ao volante, extrai-se do texto:

1. Elemento objetivo do tipo Encontrar-se o condutor do veículo com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas. Achando-se o motorista com concentração de álcool inferior ao previsto na lei: não há crime. O teor de

53 CALLEGARI, André Luís. Delitos de perigo abstrato – Retrocesso no código de transito brasileiro. Boletim do IBCCRIM, n. 189, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 15.

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álcool (ou de ar) constitui elemento objetivo da figura típica. Como veremos, não é elementar única, exigindo o tipo um elemento subjetivo. 2. Elemento subjetivo do tipo: dirigir "sob a influência" Não é suficiente que o motorista tenha ingerido bebida alcoólica ou outra substância de efeitos análogos para que ocorra o crime. É preciso que dirija o veículo "sob influência" dessas substâncias (elemento subjetivo do tipo; Ganzenmüller, Escudero e Frigola). O fato típico não se perfaz somente com a direção do motorista embriagado. É imprescindível que o faça "sob a influência" de álcool etc. Não há, assim, crime quando o motorista, embora provada a presença de mais de seis decigramas de álcool por litro de sangue, dirige normalmente o veículo. 3. Efeito da ingestão de álcool na condução de veículo motorizado Não é suficiente prova de que o sujeito, embriagado, dirigiu veículo com determinada taxa de álcool no sangue ou que bebeu antes de dirigir. É imprescindível a demonstração da influência etílica na condução [...] 54 (grifo do autor)

E sedimentando essa linha de pensar, continua a lecionar DAMÁSIO DE JESUS:

Seria impróprio que o legislador, no tocante a álcool, considerasse a existência de crime de embriaguez ao volante só pela presença de determinada quantidade no sangue e, no caso de outra substância, exigisse a influência. Como esta possui o conceito de condução anormal, seria estranha a sua exigência na redação da infração administrativa e sua dispensa na definição do crime. Estamos, pois, seguramente convencidos de que, nas duas hipóteses – de infração administrativa (art. 165 do CTB) e de crime de embriaguez ao volante (art. 306) – há uma semelhança [...] os dois tipos requerem que o agente esteja dirigindo veículo automotor sob a influência de álcool ou similar ; 55 (grifo nosso)

Neste vértice, proeminente ainda salientar as palavras do Mestre JOSÉ ARTHUR

DI SPIRITO KALIL:

[...] o princípio da ofensividade não pode ser esquecido. Tal princípio, que limita o poder punitivo estatal, é deduzido em nível infraconstitucional dos arts. 13 e 17 do CP. O primeiro dispositivo assegura que a existência do crime depende de um resultado, identificado como a lesão ou perigo ao bem juridicamente tutelado. Já o dispositivo legal que define o crime impossível (art. 17, CP) condiciona a punibilidade da tentativa à idoneidade dos meios utilizados pelo agente e à existência do objeto material com as características

54 JESUS, Damásio Evangelista de. Embriaguez ao volante: notas à Lei nº. 11.705/2008. Ob. cit., p. 4. 55 JESUS, Damásio Evangelista de. Embriaguez ao volante: notas à Lei nº. 11.705/2008. Ob. cit., p. 6.

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exigidas pelo tipo. Vale dizer, a tentativa, para ser punível e dar ensejo a um delito possível, deve apresentar potencialidade lesiva ao bem jurídico. [...] Não havendo a potencialidade lesiva que se quer evitar aos bens de terceiros, não haverá tipicidade (princípio da ofensividade). A conseqüência prática de tal afirmação é de suma importância, por que um fato pode coincidir com o modelo atual do CTB (tipicidade formal), sem que se complete o juízo de tipicidade. Para a ocorrência desta, será necessário algo mais: a verificação in concreto da potencialidade lesiva da conduta praticada (tipicidade material). [...] Em conclusão, conquanto o tipo penal do art. 306 do CTB não exija a constatação de perigo concreto, o fato é que o interprete e o seu aplicador não estão dispensados de fazê-lo, em conformidade com o princípio da ofensividade. 56

Constata-se à primeira vista que o crime em apreço deixaria de ser classificado

como de perigo concreto, para incluir-se no rol dos crimes de perigo abstrato, assim, a priori,

se comprovado o grau de embriaguez indicado no tipo, estaria configurado o crime. Todavia,

assim entendido, geraria uma enorme limitação ao direito de defesa, confrontando-se

seriamente com os princípios da não-culpabilidade e da legalidade, assim, porque não dizer,

aos princípios da intervenção mínima do estado e da proporcionalidade.

Nesse viés, entende-se que a incriminação da embriaguez ao volante como perigo

concreto reveste-se de maior taxatividade, merecendo que o intérprete exija a constatação do

perigo concreto, cobrando, nesses casos, a prova de que a direção empreendida colocava

efetivamente em risco a segurança do tráfego viário.

Sopesando o recente período de vigência das modificações inseridas no Código de

Trânsito Brasileiro pela Lei nº. 11.705/08, a orientação jurisprudencial já começa a seguir este

mesmo entendimento, como extrai-se do seguinte julgado:

EMENTA: CRIMES DE TRÂNSITO - EMBRIAGUEZ AO VOLANTE E DIREÇÃO DE VEÍCULO SEM HABILITAÇÃO - AUSÊNCIA DE EXAME DE COMPROVAÇÃO DO NÍVEL DE ÁLCOOL NO SANGUE E DE DANO POTENCIAL À INCOLUMIDADE DE OUTREM - ABSOLVIÇÃO - RECURSO EXCLUSIVO DO MINISTÉRIO PÚBLICO -

56 KALIL, José Arthur di Spirito. “Anotações Teóricas ao crime de embriaguez ao volante disciplinado pela lei 11.705/08”. Boletim do Instituto de Ciências Penais. Belo Horizonte: novembro de 2008, p. 2.

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REFORMATIO IN MELLIUS - POSSIBILIDADE. 1. Com o advento da Lei 11.705/2008, alterando a redação do art. 306 do CTB, o crime de embriaguez ao volante somente se caracteriza quando restar comprovado através do teste de alcoolemia que o condutor do veículo estava com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 06 (seis) decigramas. Sem prova nesse sentido, não há como incriminá-lo por embriaguez ao volante, constituindo-se a conduta, a teor do art. 165 do CTB, em infração administrativa. 2. O Código de Trânsito Brasileiro colocou o crime de dirigir sem a devida habilitação (art. 309 do CTB), assim como o delito de conduzir veículo sob a influência de álcool (art. 306 do CTB), entre os crimes de perigo concreto indeterminado, exigindo não apenas a comprovação de que o motorista dirigia sem habilitação ou sob o efeito de álcool, mas que, concretamente, essas condutas se revelem perigosas à incolumidade de outrem, gerando um efetivo perigo de dano. 3. A interposição de recurso de apelação pelo Ministério Público tem como uma de suas características a ampla devolutividade da matéria discutida no juízo a quo, não se vislumbrando, portanto, qualquer violação ao princípio do tantum devolutum quantum appellatum a análise de matérias não alegadas no recurso ministerial, desde que não se aplique a reformatio in pejus, expressamente vedada pelo art. 617 do CPP, sendo, contudo, admitida a reforma do julgado para melhorar a situação do réu, como forma de corrigir eventuais ilegalidades ou injustiças da condenação. 4. Negar provimento ao recurso ministerial e, em reformatio in mellius, absolver o apelado. (Apelação criminal n° 1.0095.07.000827-1/001 - Comarca de Cabo Verde - apelante(s): Ministério Público Estado Minas Gerais - apelado(a)(s): Paulo Sérgio Rodrigues - relator: exmo. Sr. Des. Antônio Armando dos Anjos)

Constata-se do exposto, que a prova nesses casos, além daquela referente ao

índice de alcoolemia, estaria materializada com o cometimento de outra infração de trânsito

na direção do veículo automotor (infração dinâmica), como passar o sinal vermelho, dirigir

zigue-zagueando, dirigir com velocidade excessiva, realizar manobra de ultrapassagem em

locais proibidos pela sinalização, etc., comprovando assim, a existência concreta de uma

conduta potencialmente lesiva, comprometendo o nível mínimo de segurança no trânsito

exigido pelo poder estatal.

Há ainda de se consignar que o crime de embriaguez ao volante é de ação penal

incondicionada, considerado o caráter coletivo do bem jurídico tutelado (incolumidade

pública), bem como a inexistência de vítima determinada.

Passa-se ao próximo capítulo, à análise das provas admitidas em direito para a

devida comprovação deste ilícito, seja na esfera penal ou administrativo.

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5. DOS MEIOS DE PROVA ADMISSÍVEIS PARA A COMPROVAÇÃO D A

EMBRIAGUEZ AO VOLANTE

Às autoridades policiais e administrativas não é nada fácil o dever de produzir as

provas quanto a influência do álcool no organismo do condutor, ocasionada pela não-

colaboração dos motoristas submetidos à fiscalização em submeter-se aos testes de aferição.

O Direito Constitucional consagra o princípio nemo tenetur se detegere, o preceito significa

que em nosso Direito, que não se pode compelir o indivíduo a produzir prova contra si

mesmo.

Não há que se negar que o Estado, principalmente no atual nível da evolução do

homem e suas sociedades, tenha o dever de intervir em práticas do cotidiano moderno da

coletividade que proporcionem riscos com a finalidade de promover a segurança à vida, o que

é imperativo da perseguição ao bem comum. Contudo, deve fazê-lo respeitando o modelo

jurídico recepcionado pela Constituição Federal, sob pena de ter sua ação repugnada pela

ordem legal vigente.

Essa limitação é imposta pela necessidade de tutela a direitos fundamentais, como

extrai-se dos ensinamentos do Doutor ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO:

No Brasil, o direito ao silêncio do acusado, que já era mencionado pelo art. 186 do Código de Processo Penal, embora com a sugestiva admoestação de que poderia ser interpretado em prejuízo da própria defesa, foi elevado à condição de garantia constitucional pelo art. 5.º, LXIII, da Carta de 1988, que determina: ‘o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado (...)’; e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos também assegura ‘a toda pessoa acusada de delito (...) o direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada (...)’ (art. 8.º, g). (...) De qualquer modo – e isso é o que interessa ao presente estudo – o direito à não auto-incriminação constitui uma barreira intransponível ao direito à prova de acusação; sua denegação, sob qualquer disfarce, representará um indesejável retorno às formas mais abomináveis da repressão, comprometendo o caráter ético-político do processo e a própria correção no exercício da função jurisdicional. 57 (grifo do autor)

57 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. O direito à prova no Processo Penal. Tese (Livre-docência) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995. p. 113-115.

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55

Este capítulo irá estudar distintamente nas esferas administrativa e penal, quais as

provas admitidas em direito para a comprovação do ilícito de direção veicular sob efeito

etílico, proporcionando ao leitor melhor compreensão do tema.

5.1 NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO

O poder público, no seu dever de coibir a embriaguez ao volante, vem enfrentado

vários conflitos, um deles foi o questionamento da obrigatoriedade ou não do condutor de

veículo em submeter-se ao teste bafométrico ou sanguíneo. Na esfera administrativa, por

exemplo, por um lado vê-se a obrigatoriedade do inciso IX do art. 269 do CTB, dirigida à

autoridade de trânsito ou a seus agentes para a realização do teste de dosagem alcoólica,

sempre que constatado indícios de alcoolemia no condutor do veículo, sendo obrigação do

poder público assegurar o direito à segurança viária à vida e à integridade física de todos os

usuários da via, leia-se:

Art. 269. A autoridade de trânsito ou seus agentes, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá adotar as seguintes medidas administrativas: [omissis] IX - realização de teste de dosagem de alcoolemia ou perícia de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica;

Do outro lado, de forma irrefutável, tem-se o ordenamento jurídico pátrio, que

consagra o princípio segundo o qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo58.

Porém, em nome deste direito constitucional, muitos foram os autos de infração arquivados

por inconsistência, prejudicados pela ausência do teste de dosagem alcoólica, promovendo

uma sensação de impunidade no seio da sociedade.

Assim sendo, visando mitigar a impunidade, o poder público inovou mais uma

vez, estabelecendo nos termos redigidos no art. 277, caput, do Código de trânsito Brasileiro,

58 Art. 5.º, II, da Constituição Federal. Essa regra também decorre implicitamente dos princípios da presunção de inocência, segundo os quais ninguém pode ser considerado culpado antes de a sentença condenatória penal transitar em julgado (art. 5.º, LVII, da CF), e do direito do réu ao silêncio (art. 5.º, LXIII, da CF).

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56

que todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de

fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influencia de álcool será submetido a

testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou

científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.

Para a caracterização da infração administrativa tipificada no art. 165 do CTB,

basta, entretanto, a obtenção de qualquer provas em direito admitidas, acerca dos notórios

sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor, segundo aponta o § 2º

do art. 277 da Lei em comento, que conclui, em seu § 3º, que as penalidades e medidas

administrativas estabelecidas no art. 165 serão aplicadas ao condutor que se recusar a se

submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo. E é este último

parágrafo principalmente que vem sendo repudiado exaustivamente pela doutrina

prevalecente, como demonstrar-se-á no decorrer deste capítulo.

Destarte, é relevante mencionar a obra de EDUARDO LUIZ SANTOS

CABETTE, ao comentar o novo § 3º acrescentado ao art. 277 do CTB:

O que o legislador fez foi criar uma espécie de infração administrativa por equiparação. Ele equiparou a negativa de submissão aos testes e exames à infração efetiva ao artigo 165, CTB. É incrível que o legislador ainda insista nessa espécie de coação inconstitucional à produção de prova contra si mesmo (Princípio da não auto – incriminação), acrescentando a isso agora também uma flagrante violação ao “Princípio da Presunção de Inocência, Estado de Inocência ou não culpabilidade”. O dispositivo sob comento certamente sofrerá as críticas da doutrina em seu confronto com os Princípios Constitucionais sobreditos, aplicáveis ao caso mediante analogia a disposições constitucionais (art. 5º, LVII e LXII, CF) e diplomas internacionais que versam sobre Direitos Humanos e garantias individuais de que o Brasil é signatário. 59

Nesse sentido avança o autor em defesa de seu raciocínio:

Ademais, como aventado anteriormente, o legislador acrescenta ao seu rol de afrontas à Lei Maior uma violação à “Presunção de Não – Culpabilidade” (art. 5º, LVII, CF). Isso porque ao equiparar a negativa aos testes e exames à infração de embriaguez ao volante (art. 165 c/c 277, § 3º, CTB), está presumindo que o condutor estava sob efeito de álcool ou de substância psicoativa. Há neste momento uma verdadeira inversão de valores, com a

59 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Comentários à Lei 11.705/08: alterações do Código de Trânsito Brasileiro. Porto Alegre: Núria Fabris, 2009, p. 31.

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criação de uma espúria “Presunção de Culpabilidade” em franca oposição ao comando constitucional que estabelece uma “Presunção de Não – Culpabilidade”.

Percebe-se que este juízo vem formando consonância entre o círculo jurídico

pátrio, tal entendimento vem sendo segmentado no sentido de que o condutor não está

obrigado a submeter-se a nenhum teste ou exame probatório de alcoolemia, não havendo nada

que a autoridade possa fazer para forçosamente incliná-lo aos referidos exames.

Como bem demonstrada na lavra de RENATO MARCÃO:

[...] o agente surpreendido na via pública, sobre o qual recaia suspeita de encontrar-se a conduzir veículo automotor sob influência de álcool [...], não poderá ser submetido, contra sua vontade, sem sua explícita autorização, a qualquer procedimento que implique intervenção corporal, da mesma maneira que não está obrigado a se pronunciar a respeito dos fatos contra si imputados (art. 5º, LXIII, CF), sem que de tal “silêncio constitucional” se possa extrair qualquer conclusão em seu desfavor [...]. 60

Nessa linha de argumentação, assim preleciona ANTONIO SCARANCE

FERNANDES:

Já era sensível a evolução da doutrina brasileira no sentido de extrair da cláusula da ampla defesa e de outros preceitos constitucionais, como o da presunção de inocência, o princípio de que ninguém é obrigado a se auto-incriminar, não podendo o suspeito ou o acusado ser forçado a produzir prova contra si mesmo. Com a convenção de Costa Rica, ratificada pelo Brasil e incorporada ao Direito brasileiro (Decreto nº 678, de 06.11.1992), o princípio foi inserido no ordenamento jurídico nacional, ao se consagrar, no art. 8º, n. 2, g, da referida Convenção que ‘toda pessoa tem direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada’. Significou a afirmação de que a pessoa não está obrigada a produzir prova contra si mesma. Pode, por exemplo, invocar-se esse princípio em face do Código de Trânsito (Lei nº 9.503, de 23.09.1997) para não se submeter ao teste por ‘bafômetro’” 61

Em avanço a senda interpretativa, segue a doutrina de MAURÍCIO ANTONIO

RIBEIRO LOPES, sintetizada nos seguintes termos:

60 MARCÃO, Renato. Embriaguez ao volante, exames de alcoolemia e testes do bafômetro. Uma análise do novo artigo 306, caput, da Lei nº 9.503, de 23.09.1997 (Código de Trânsito Brasileiro). Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre, ano IX, n. 51, p. 205, ago./set. 2008 61 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 303-304.

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58

Questão de relevo também prende-se à prova da embriaguez e as garantias de reserva da intimidade e da vida privada. Isso porque o art. 277 do Código de Trânsito prevê a obrigação de o condutor do veículo se submeter a testes de alcoolemia ou a exames clínicos ou de instrumentos como o bafômetro para fins de verificação de eventual embriaguez com efeitos administrativos. Como já vimos em comentários ao artigo anterior, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em seu art. 8º, garante o direito a não auto-incriminação. Desse mesmo, pode haver recusa pelo condutor de se submeter a esses exames sem que tal fato venha a caracterizar automaticamente crime, tampouco presumir seu estado de embriaguez. 62

No seio dessa perspectiva, a partir da Constituição de 1988, importantes tratados

internacionais de direitos humanos foram ratificados pelo Brasil, merecendo destaque a

Convenção Americana de Direitos Humanos, que traz em seu art. 8º, inc. II, alínea “g”, que

“toda pessoa acusada de um delito tem o direito de não ser obrigada a depor contra si mesma,

nem a confessar-se culpada”, consagrando assim o princípio segundo o qual ninguém está

obrigado a produzir provas contra si mesmo.

Prosseguindo a análise do dispositivo, SYLVIA HELENA DE FIGUEIREDO

STEINER assevera que:

[...] o direito ao silêncio diz mais do que o direito de ficar calado. Os preceitos garantistas constitucional e convencional conduzem à certeza de que o acusado não pode ser, de qualquer forma, compelido a declarar contra si mesmo, ou a colaborar para a colheita de provas que possam incriminá-lo. [...] Não se concebe um sistema de garantias no qual o exercício de um direito constitucionalmente assegurado pode gerar sanção ou dano. 63

Sobre o tema em apreciação, ainda é oportuno salientar as lições de FÁBIO

KONDER COMPARADO:

Sem entrar na tradicional querela doutrinária entre monistas e dualistas, a esse respeito, convém deixar aqui assentado que a tendência predominante, hoje, é no sentido de se considerar que as normas internacionais de direitos humanos, pelo fato de exprimirem de certa forma a consciência ética universal, estão acima do ordenamento jurídico de cada Estado. Em várias Constituições posteriores à 2ª Guerra Mundial, aliás, já se inseriram normas

62 LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Crimes de trânsito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 223-224. 63 STEINER, Sylvia Helena de Figueiredo. A convenção americana sobre direitos humanos e sua integração ao processo penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 125.

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que declaram de nível constitucional os direitos humanos reconhecidos na esfera internacional. Seja como for, vai-se firmando hoje na doutrina a tese de que, na hipótese de conflito entre regras internacionais e internas, em matéria de direitos humanos, há de se prevalecer sempre a regra mais favorável ao sujeito de direito, pois a proteção da dignidade da pessoa humana é a finalidade última e a razão de ser de todo sistema jurídico. 64

Não há outra conclusão plausível se não a de retomarmos as lições de EDUARDO

CABETTE, que assim conclui:

A única maneira de interpretar o disposto no artigo 277, § 3º, CTB, evitando um colisão frontal com a Constituição é considerar que quando da negativa do condutor aos testes e exames, a expressão “serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no artigo 165 de Código”, significa que o agente de trânsito diligenciará para comprovar a infração por todos os meios lícitos de prova, nos estritos termos do § 2º, do mesmo artigo, sob o crivo do devido processo legal e seus corolários da ampla defesa, do contraditório e da Presunção de Inocência. E mais, inclusive do Princípio da não auto – incriminação, pois que a previsão da recusa do condutor no § 3º sob discussão dá mostras de que ele pode realmente operar-se, inclusive não caracterizando o crime de desobediência (art. 330, CP), mas tão somente sujeitando o infrator ao devido processo administrativo para apuração de possível falta. 65 (grifo nosso)

Das considerações ultra ilustradas, coaduna-se o entendimento de que nenhum

condutor pode ser submetido ao teste do bafômetro ou a outro teste qualquer contra sua

vontade, entretanto, excepcionalmente para a constatação da infração administrativa, acata-se

como medida razoável, nas hipóteses de recusa do motorista na realização dos testes ou

exames elencados no caput do art. 277 do CTB, a comprovação da condução de veículo

automotor sob influência de álcool por meio de exame clínico realizado pelo médico legista

ou por prova testemunhal.

A admissibilidade da prova oral na constatação do ilícito administrativo é

motivada em razão de ter sido excluído do corpo do art. 165 do CTB, o limite mínimo da taxa

de alcoolemia existente na redação anterior, ademais, para a caracterização desta infração, não

precisa o condutor atingir o estado de embriaguez, mas simplesmente, estar sob influência de

álcool, o que facilmente pode ser constatado pelos sinais característicos do consumo de

64 COMPARADO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 48-49. 65 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Ob. cit., p. 17.

Page 61: Direção de Veículo Automotor sob Iinfluência de Álcool Crime ou Infração Administrativa

60

bebida alcoólica, como odor de álcool no hálito, olhos vermelhos, exaltação e outros sinais,

além de que, os atos do agente público gozam da presunção de veracidade e legitimidade.

Não obstante ao exposto, o CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito),

coordenador do Sistema Nacional de Trânsito e órgão máximo normativo e consultivo, dispôs

por meio da Resolução nº. 206, de 20 de outubro de 2006, acerca dos requisitos necessários

para se constatar o consumo de álcool, substância entorpecente, tóxica ou de efeito análogo no

organismo humano, estabelecendo os procedimentos a serem adotados pelas autoridades de

trânsito e seus agentes. Em alusão ao objeto em análise, extrai-se:

Art. 2º. No caso de recusa do condutor à realização dos testes, dos exames e da perícia, previstos no artigo 1º, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção, pelo agente da autoridade de trânsito, de outras provas em direito admitidas acerca dos notórios sinais resultantes do consumo de álcool ou de qualquer substância entorpecente apresentados pelo condutor, conforme Anexo desta Resolução. § 1º. Os sinais de que trata o caput deste artigo, que levaram o agente da Autoridade de Trânsito à constatação do estado do condutor e à caracterização da infração prevista no artigo 165 da Lei nº 9.503/97, deverão ser por ele descritos na ocorrência ou em termo específico que contenham as informações mínimas indicadas no Anexo desta Resolução. § 2º. O documento citado no parágrafo 1º deste artigo deverá ser preenchido e firmado pelo agente da Autoridade de Trânsito, que confirmará a recusa do condutor em se submeter aos exames previstos pelo artigo 277 da Lei nº 9.503/97. (grifo nosso)

Nas hipóteses de recusa do condutor em realizar os testes e exames periciais,

sendo este, suspeito de direção veicular sob influência de álcool, poderá a infração tipificada

no art. 165 do CTB, ser caracterizada, nos termos da lei, mediante a confecção, pelo agente de

trânsito, de um termo específico (Termo de Constatação de Embriaguez), que além da

qualificação do condutor entre outros dados, informará obrigatoriamente todos os sinais

notórios que denunciam o estado ébrio do agente, ratificado quando possível, por duas

testemunhas idôneas.

Page 62: Direção de Veículo Automotor sob Iinfluência de Álcool Crime ou Infração Administrativa

61

5.2 NO ÂMBITO PENAL

Com o advento da última reforma legislativa do Código de Trânsito Brasileiro, o

ilícito penal de embriaguez ao volante, que na redação anterior era possivelmente corroborado

por meios de provas testemunhais, hodiernamente, com a nova escrita e a inclusão da

condição sine qua non de “concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6

(seis) decigramas”, para a jurisprudência, amplamente prevalente, torna-se inviável o uso da

prova testemunhal como mecanismo aceitável para a configuração do delito em comento.

Assevera o Mestre EDUARDO CABETTE em sua obra Comentários à Lei

11.705/08, que “Hoje não resta dúvida de que somente a comprovação da referida

concentração por meio de exames periciais e testes legalmente previstos ensejará a

responsabilização criminal.” 66. Reafirmando ainda:

No presente a lei exige apenas a direção de automotor com certa taxa de alcoolemia no sangue (0,6 g/l), de modo que não é imprescindível constatar a efetiva embriaguez ou estado perigoso, o qual é presumido nessas condições. Portanto, um simples teste capaz de aferir com segurança científica a taxa de alcoolemia, doravante será suficiente para a prova da materialidade. 67

Vale registrar os comentários de VINICIUS DE TOLEDO PIZA PELUSO, em

artigo publicado pelo IBCCRIM:

Inegável que em relação à nova redação dada ao crime de embriaguez ao volante, tipificado pelo art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, o legislador brasileiro obedeceu ao mandato constitucional da lex certe, descrevendo com clareza e rigor o pressuposto da incriminação penal, apresentando com segurança seus elementos constitutivos, inclusive fazendo constar explicitamente do caput do artigo o elemento descritivo “estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas”. [...] Ora, o art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro é claro e explícito ao determinar a concentração superior de 06 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue, e, assim, o crime só se configurará com a comprovação de

66 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Comentários à Lei 11.705/08: alterações do Código de Trânsito Brasileiro. Porto Alegre: Núria Fabris, 2009, p. 31. 67 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Ob. cit., p. 41.

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62

tal quantidade de álcool no sangue do condutor do veículo, o que, por sua vez, somente poderá ser averiguado – o que me parece bastante óbvio – através do competente exame de sangue, [...]. 68 (grifo do autor)

Tal entendimento doutrinário segue o mesmo raciocínio no entendimento de

LUCIANO MANENTE:

É sabido que a melhor prova do estado de embriaguez (ou toxicológico) é a testemunhal, já que se retrata não só as condições físicas do condutor, mas também a sua conduta e as condições do local em que se encontrava, daí porque já se pronunciou a jurisprudência que entre a prova pericial, concluindo pela embriaguez e a testemunhal a contradizendo, prevalece esta última sobre àquela. Ressalto, entretanto que na fase policial e consequentemente na penal, tal prova testemunhal, leia-se \“constatação\” é eivada de vício e logo se torna anulável, diante da hipótese do agente de trânsito (condutor da ocorrência) lavrar a multa administrativa e concomitantemente atuar de maneira implícita e parcial como um perito fictício e leigo na constatação da embriaguez. Compreendemos que somente o exame de constatação de dosagem alcoólica/entorpecente e o exame clínico elaborados por peritos capacitados possuem valor probatório no campo da persecução penal. 69

Seguindo a tendência doutrinária quanto à inadmissibilidade da prova testemunhal

no delito de embriaguez ao volante, manifesta-se FERNANDO BRANDINI BARBAGALO:

Em matéria criminal, importante não esquecer, o princípio da legalidade se sobressai, logo o fato considerado criminoso (fato material) deve ter perfeito ajustamento à conduta descritiva na lei, o chamado enquadramento típico (ou juízo de tipicidade). Partindo desta premissa, parece que o legislador dificultou sobremaneira esse enquadramento típico ao vincular a embriaguez criminosa e um determinado nível de concentração alcoólica no sangue. Em suma, ao se exigir para caracterização do crime a condução do veículo com concentração “igual ou superior a 6 (seis) decigramas” de álcool por litro de sangue, apenas os testes e exames periciais (etilômetro ou exame de sangue) passam a servir como prova, na medida em que são os únicos meios de determinar de maneira específica a graduação alcoólica no sangue do motorista. 70 (grifo nosso)

68 PELUSO, Vinicius de Toledo Piza. O crime de embriaguez ao volante e o “bafômetro”: algumas observações. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 189, p. 16, ago. 2008. 69 MANENTE, Luciano. Breves considerações sobre as mudanças na infração de embriaguez ao volante, Disponível na internet www.ibccrim.org.br. 10.07.2006. Acessado em: 05 set. 2008. 70 BARBAGALO, Fernando Brandini. Lei nº. 11.705/08: alcance das alterações no Código de Trânsito Brasileiro, Disponível na internet www.expressodanoticia.com.br. 26.09.08. Acessado em: 12 fev. 2009.

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63

O jurisconsulto DAMÁSIO EVANGELISTA DE JESUS, em artigo publicado no

Jus Navigandi, ratifica a corrente majoritária, quando da oportunidade, descreve o elemento

objetivo do tipo penal tipificado no art. 306 do CTB:

Encontrar-se o condutor do veículo com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas. Achando-se o motorista com concentração de álcool inferior ao previsto na lei: não há crime. O teor de álcool (ou de ar) constitui elemento objetivo da figura típica. 71 (grifo nosso)

Percebe-se entre as manifestações expostas, a crescente corrente no sentido da não

receptividade da admissibilidade de se desprezar a constatação da dosagem do nível alcoólico

do motorista para a configuração do delito penal tipificado no art. 306 do CTB, substituindo-

se pela prova oral, VLAMIR COSTA MAGALHÃES, menciona:

[...] relembre-se que, em caso de recusa do condutor em submeter-se ao teste de alcoolemia, simplesmente inexistirá prova real da embriaguez senão a apreciação subjetiva de agentes policias, que, portanto, estarão – estes sim – sujeitos a receberem voz de prisão em flagrante, eis que estarão, em tese, incorrendo em delitos diversos, tais como calúnia, difamação e injúria (arts. 138 a 140 do CP, respectivamente), além de incorrerem também no crime de abuso de autoridade (art. 3º, ‘a’, e art. 4º, ‘a’, ambos da Lei 4.898/65), caso se decida por conduzir forçadamente o individuo para a sede policial, sem comprovação segura e concreta da ocorrência de flagrante delito, o que afronta ao disposto no art. 5º, LXI CR/88. 72

Da mesma opinião comunga o Mestre RENATO MARCÃO:

[...], para que se tenha por autorizada a persecução criminal será imprescindível produzir prova técnica indicando que o agente, na ocasião, colocou-se a conduzir veículo na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas. O dispositivo penal aqui é taxativo no que tange à quantificação de álcool por litro de sangue para que se tenha por configurada a infração penal, e tal apuração só poderá ser feita tecnicamente, de maneira que a prova respectiva

71 JESUS, Damásio Evangelista de. Embriaguez ao volante: notas à Lei nº. 11.705/2008. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1846, 21.06.08. Disponível na internet http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11510>. Acessado em 15 nov. 2008. 72 MAGALHÃES, Vlamir Costa. A produção obrigatória de prova acusatória pelo réu: uma aberração aplaudida e legislada. Comentários à Lei nº. 11.705/2008, que alterou a redação do Código de Trânsito (Lei nº. 9.503/97). Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1871, 15.08.08. Disponível na internet http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11605>. Acessado em 14 jan. 2009.

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64

não poderá ser suprida por outros meios, tais como exames clínicos ou prova oral. (grifo nosso) 73

Pelas mesmas razões, é o escólio do Doutor LUIZ FLÁVIO GOMES “Para provar

que o agente conduziu veículo automotor na via pública, estando com concentração de álcool

por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, é imprescindível prova técnica.” 74

Em sentido oposto, registra-se a opinião de ROGER SPODE BRUTTI, que, a

favor da aplicabilidade da prova testemunhal no delito de embriaguez ao volante, a seguir

expõe:

Não obstante essa claríssima intenção do legislador em tornar a lei mais severa, gerou-se equívoco interpretativo delicado e perigoso no que se refere à admissibilidade da prova testemunhal para a aferição do estado etílico. Isso se deu por culpa do próprio Legislativo, dos seus atropelos, das suas ânsias e da sua falta de cuidado. Com efeito, temos, como elemento do tipo novel, a expressão “estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas”. E é aqui que surge o mais terrível dos pesadelos de que todo e qualquer do povo, agente de trânsito, ou policial, sedentos por uma lei, efetivamente, mais severa, jamais poderiam prever! 75

Com efeito, as perguntas imanentes que habitam o intelecto daqueles que

recalcitram em admitir a prova testemunhal como elemento probatório nos crimes de

embriaguez ao volante, são: como se constatar o índice de seis decigramas estipulada no bojo

do art. 306 do CTB, se o infrator não desejar submeter-se aos testes probatórios? Ou, como a

prova testemunhal pode aferir a concentração de álcool igual ou superior a seis decigramas

por litro de sangue? Conforme entendimento de ROGER BRUTTI, a resposta encontra-se

“pelas simples, diretas, concisas, precisas e hialinas razões seguintes” que agora, passa-se a

expor:

Reza o art. 29176 do CTB que os crimes cometidos na direção de veículos automotores aplicam-se as normas gerais do Código de Processo Penal.

73 MARCÃO, Renato. Embriaguez ao volante, exames de alcoolemia e testes do bafômetro. Uma análise do novo artigo 306, caput, da Lei nº 9.503, de 23.09.1997 (Código de Trânsito Brasileiro). Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre, ano IX, n. 51, p. 203, ago./set. 2008. 74 GOMES, Luiz Flávio. Estudos de direito penal e processual penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 51. 75 BRUTTI, Roger Spode. A eficácia da prova testemunhal nos delitos de embriaguez ao volante. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre, ano IX, n. 52, p. 10-11, out./nov. 2008. 76 CTB, art. 291. Aos crimes cometidos na direção de veículos automotores, previsto neste Código, aplicam-se às normas gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, se este Capítulo não dispuser de modo diverso, bem como a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que couber.

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No Capítulo II do CPP, onde se versa sobre o exame de corpo de delito e sobre as perícias em geral, consta, no art. 15877, que, quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. Todavia, no art. 16778 do CPP, consta que, não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.

Sem parar por ai, seguindo com o desenvolvimento jurídico, continua o autor

citando o art. 277 do CTB:

Veja-se que está disciplinado no art. 27779 do CTB que o condutor suspeito de embriaguez alcoólica será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos [...], permitam certificar seu estado. Desta forma, apenas para reforçar a presente fundamentação, vislumbra-se que o termo “perícia” está empregado no sentido geral da palavra, nos exatos moldes impressos no Capítulo II do CPP, podendo, pois, desaparecendo os vestígios não por culpa ou desídia do agente de trânsito ou da polícia, avocar-se a prova testemunhal.

O autor conclui sua fundamentação no sentido de que a intenção do legislador ao

versar sobre “concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis)

decigramas” foi a de expressar tão somente que a dosagem indicada, implicaria,

necessariamente, a “embriaguez” alcoólica do condutor, diferenciando-se da infração

administrativa, que, contenta-se, tão só com a “influência de álcool”. Em outros dizeres,

qualquer concentração de álcool é suficiente para a configuração da infração administrativa,

não sendo necessário o estado de “embriaguez”, condição sine qua nom para a configuração

da conduta tipificada no art. 306 do CTB.

Não obstante àqueles que compartilham com a admissão da prova testemunhal na

comprovação do delito de embriaguez ao volante, a corrente predominante e crescente,

rechaça completamente tal entendimento, fundamentando-se na obediência ao elemento

objetivo trazido pelo corpo do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro.

77 CPP, art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. 78 CPP, art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta. 79 CTB, art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influencia de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame, que por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo Contran, permitam certificar seu estado.

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66

Bem a propósito, o Pós-Doutor CEZAR ROBERTO BITENCOURT, observa que

“em todas as regras de hermenêutica não existe entre elas alguma que autorize ao intérprete

‘fazer de conta’ que palavras ou expressões da lei não existem (por que de difícil

configuração), especialmente no Direito repressivo penal”. 80

Assim, “a contrário sensu”, por não estar mais a infração administrativa atrelada à

prova técnica atestando o número de decigramas de álcool por litro de sangue, bem como

fundamentado nos dizeres do § 2º do art. 277 do CTB, é perfeitamente aceitável a prova

testemunhal para a configuração do art. 165 do mesmo Codex.

5.2.1 Da Retroatividade Benéfica

Existindo o conflito temporal de leis penais, a priori, a regra a ser considerada é

que vigora o princípio da irretroatividade da lei penal gravosa (lex gravior), nos termos do art.

5º, inciso XL, da Constituição Federal. Isso significa que deve ser aplicada ao fato, a lei

vigente a sua prática tempus regit actum, afirmando-se a anterioridade da lei penal e a

exigência da segurança jurídica. 81

Contudo, o dispositivo legal supracitado82, traz em sua parte final, exceção à regra

da irretroatividade da lei penal, desdobrando-se em duas as espécies de leis penais posteriores

benéficas que retroagem: abolitio criminis (art. 2º, caput, do CP) 83 e novatio legis in melius

(art. 2º, parágrafo único, do CP) 84.

A necessidade da constatação técnica de alcoolemia para a imputação da

responsabilidade penal da embriaguez ao volante, caminha a passos largos, transformando-se

o art. 306 do CTB, norma penal mais benéfica, devendo ainda retroagir para alcançar

80 BITENCOURT, Cezar Roberto. Natureza da ação penal dos crimes relacionados no parágrafo único do art. 291 do CTB. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 71, p. 6-7, out. 2008. 81 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 1, 6 ed., 2006, p. 191. 82 CF, Art. 5º, inc XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. 83 CP, art. 2º. Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. 84 CP, art. 2º, Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplicaseaos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

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67

condutas anteriormente praticadas, seja nos termos da abolitio criminis ou da novatio legis in

melius.

A abolitio criminis trata da hipótese em que há uma descriminalização, ou seja,

quando a lei nova excluí do ordenamento hipótese de fato que era considerado crime pela

legislação anterior, 85 ou seja, em qualquer fase do processo ou da execução da pena do crime

capitulado no art. 306 do CTB, deverá incidir a nova redação dada por lei mais recente, por se

tratar de uma das causas de extinção de punibilidade (art. 107, III do CP) 86, não mais

considerando o fato como criminoso quando não aferido o nível mínimo de 06 (seis)

decigramas por litro de sangue.

Nesse sentido, extrai-se o julgado in fine:

E M E N T A – HABEAS CORPUS – EMBRIAGUEZ AO VOLANTE – PEDIDO DE EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE EM FACE DA ABOLITIO CRIMINIS – POSSIBILIDADE – FATO COMETIDO NA VIGÊNCIA DE LEI ANTIGA - NOVA LEI QUE DETERMINA TOLERÂNCIA DE ÁLCOOL NO SANGUE PARA A CONFIGURAÇÃO DO DELITO – PACIENTE APREENDIDO COM QUANTIDADE INFERIOR À ESTIPULADA – OCORRÊNCIA DA ABOLITIO CRIMINIS – EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE IMPOSTA – TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA – CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO – ORDEM CONCEDIDA. Na vigência de lei antiga, se o paciente foi flagrado conduzindo veículo com 0,37mg/L de álcool no sangue, vindo nova lei estipular tolerância de 0,4mg/L para configuração do delito de embriaguez ao volante, dever ser extinta sua punibilidade, em face da ocorrência da abolitio criminis, devendo ser trancada a ação penal por ausência de justa causa. 87 (grifo nosso)

Ausente a constatação técnica do grau de alcoolemia descrito no tipo penal, a

norma recente é mais benéfica e, automaticamente, deve retroagir. Sem a comprovação da

materialidade pelo montante de álcool exigido no organismo do indivíduo, estipulou-se a

abolitio criminis, conseqüentemente, os inquéritos ou processos são imediatamente trancados

85 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 5 ed., 7ª tiragem, 2000, p. 34. 86 CP, art. 107. Extingue-se a punibilidade: [...] III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso. 87 Habeas Corpus - N. 2008.030966-5/0000-00 - Campo Grande/MS - Des. Romero Osme Dias Lopes - 15 de dezembro de 2008.

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e extintos, já havendo sentença, cessam a execução e todos os efeitos penais, apaga-se a

pretérita condenação e afasta-se o nome do réu da relação dos culpados. 88

A segunda espécie de lei penal posterior benéfica é a chamada novatio legis in

melius, nesse caso, o fato continua sendo definido como crime, porém, algum benefício trará a

lei ao acusado ou condenado.

Será benéfica a lei quando, por exemplo, a nova pena for menor; forem criadas

circunstâncias atenuantes, causas de diminuição de pena etc.; forem extintas circunstâncias

agravantes etc.; estabelecerem novas causas de extinção de punibilidade; extinguirem medida

de segurança; ampliar hipóteses de inimputabilidade, atipicidade, exclusão de ilicitude ou

culpabilidade etc. 89

Nessa linha jurisprudencial, colhe-se o recente julgado ora descrito:

ALTERAÇÕES DA LEI N. 11.705/2008 - VALOR TAXATIVO PARA CARACTERIZAÇÃO DO CRIME - NOVATIO LEGIS IN MELLIUS - RETROAÇÃO IMPOSTA (CF, ART. 5º, XL E CP, ART. 2º, PAR. ÚN.) - IMPOSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO DA EMBRIAGUEZ POR PROVA DIVERSA DA PRECONIZADA NO TIPO PENAL - ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. I - Com o advento da Lei n. 11.705/2008, o artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro passou a dispor acerca da comprovação de no mínimo 0,6g (zero vírgula seis gramas) de álcool por litro de sangue para se atestar a embriaguez do condutor de veículo automotor. Nesse diapasão, pressupõe-se que o novo diploma legal constitui-se norma mais benéfica, ao passo que, na antiga redação do preceptivo legal em comento, não constavam dados objetivos para a aferição do estado etílico ao volante, bastando, para tanto, que o motorista apresentasse qualquer quantidade de álcool no sangue. Não restam dúvidas, destarte, que a lei superveniente se reputa como novatio legis in mellius neste ponto, razão pela qual deve retroagir para favorecer aqueles que se submeteram ao exame de alcoolemia e apresentaram concentração alcóolica menor a agora necessária para configuração do crime ou, ainda, aos que não fizeram o teste, mas contra os quais foram imputados a infração em destaque, na vigência da norma pretérita (CF, art. 5º, XL e CP, art. 2º, par. ún.). II - O novel diploma legal em estudo também procedeu alterações no pertinente ao método de aferição do grau de embriaguez do condutor, acabando por estabelecer que tal procedimento passará a se limitar à utilização do bafômetro ou exame de sangue, inviabilizandose qualquer outro meio lícito de comprovação. Tal entendimento fundamenta-se na tese de que, primeiro,

88 CASTRO, Cássio Benvenutti de. Retroatividade "secundum eventum probationis" do novo art. 306 do CTB . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1906, 19 set. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11744>. Acesso em: 21 mai. 2009. 89 TOLEDO, Francisco de Assis. Ob, cit., p. 36.

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por fixar um valor certo de concentração alcóolica no sangue para fins de apuração da infração em tela, tem-se que tal resultado somente poderá ser obtido por intermédio dos aludidos meios, uma vez que apenas esses é que podem precisar o valor da presença da substância; segundo, porque o art. 227, §2º, do CTB, que previa a possibilidade de variação nos meios de provas, também passou por alterações, a fim de que as declarações dos agentes de trânsito e outros elementos comprobatórios somente se prestem à apuração da responsabilidade administrativa prevista no art. 165 do Código de Trânsito Brasileiro (multa e suspensão da habilitação), não se lhes admitindo como fundamento para a condenação pela conduta descrita no art. 306 do CTB. 90 (grifo nosso)

Com a nova redação do tipo penal de embriaguez ao volante, só estará passivo de

condenação aquele condutor que no ato da fiscalização seja flagrado com o nível mínimo de

alcoolemia exigido pela lei, que deverá ser comprovada necessariamente por meios técnicos

de aferição.

Nesse delinear, a vigente redação é mais benéfica do que a revogada em relação

ao réu que atualmente responde processo criminal de condução veicular sob efeitos etílicos,

pois acrescentou elementar antes não prevista, tratando-se de novatio legis in melius. Sob este

viés, vale consignar:

APELAÇÃO CRIMINAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO DE DEFESA. [...] MÉRITO. DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. POSSIBILIDADE. Delito que, apesar de ter sido perpetrado anteriormente a edição da Lei nº 11.705/2008, exige a comprovação de que o agente conduzia o automotor com 06 (seis) ou mais decigramas de álcool por litro de sangue em seu organismo. Lei posterior que neste ponto foi mais benéfica ao réu do que a norma pretérita, que não exigia a demonstração de qualquer índice de alcoolemia. exegese do art. 5º, inciso Xl, da constituição federal e do parágrafo único do art. 2º do código penal (novatio legis in mellius). Dúvida quanto à materialidade delitiva, haja vista a recusa do apelante em submeter-se ao etilômetro. Teor alcoólico que não pode ser provado por prova testemunhal. Absolvição. 91 (grifo nosso)

Da mesma forma, observa-se tal entendimento jurisprudencial no Egrégio

Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, leia-se:

E M E N T A – APELAÇÃO CRIMINAL – EMBRIAGUEZ AO VOLANTE – ALTERAÇÃO LEGISLATIVA – REDAÇÃO DADA AO

90 TJSC - ACr 2008.050511-9 - 2ª C.Cr. - Relª Desembª Salete Silva Sommariva - DJ 19.01.2009 91 Apelação Criminal nº 2008.030284-3, de Campo Novos, Rel. Des. Subst. Túlio Pinheiro, J. 29.07.2008

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ARTIGO 306 DO CTB – OCORRÊNCIA DA CHAMADA NOVATIO LEGIS IN MELLIUS – AUSÊNCIA DA MATERIALIDADE – ABSOLVIÇÃO SUMÁRIO DECRETADA – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO MINISTERIAL IMPROVIDO. Com a alteração legislativa ocorrida pela Lei n. 11.705/2008, houve profunda mudança no tipo penal estatuído no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro. Exigi-se para a configuração do crime, a partir de então, o específico exame de alcoolemia. 92 (grifo nosso)

No próximo capítulo, passa-se à análise final entre as distinções dos tipos

administrativo e penal de condução de veículo automotor sob o efeito do consumo de bebida

alcoólica.

92 Apelação Criminal - Detenção e Multa - N. 2009.003666-2/0000-00 – Bataguaçu - Des. João Carlos Brandes Garcia - 17 de março de 2009

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6. DA DISTINÇÃO ENTRE INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA E O CRIM E DE

TRÂNSITO

O Código de trânsito Brasileiro estabeleceu duas modalidades de infrações: as

administrativas, tipificadas no capítulo XV, e as penais, tratadas no capítulo XIX, Seção II. É

importante que o leitor faça a distinção entre a infração penal e a infração administrativa, já

que a primeira implica na conduta dolosa ou culposa do agente que atinge a incolumidade

pública, e a segunda aludi-se ao desrespeito a uma norma de trânsito ou na inobservância de

qualquer preceito do CTB, da legislação complementar ou das resoluções do CONTRAN,

nesse sentido faz-se proeminente os dizeres de LEANDRO MACEDO:

No que se refere à infração de trânsito, não há que se falar na valoração, pelo agente de trânsito, dos elementos subjetivos da conduta, dolo ou culpa, como requisito para tipificação, ou seja, esses elementos não são levados em consideração pelo agente de trânsito nas autuações, mas somente se o condutor está ou não em uma situação proibida. [...] Nos crimes de trânsito, o magistrado sempre valora os elementos subjetivos da conduta, a fim de fazer a correta tipificação do delito, e, por conseguinte, aplicar a pena correspondente à conduta lesiva. 93

Sopesando tal distinção, complementa o Autor:

Ao tratar das penalidades, no Capítulo XVI, o Código de trânsito Brasileiro estabelece, no art. 256. § 1º, que: “A aplicação das penalidades previstas neste Código não elide as punições originárias de ilícitos penais decorrentes de crimes de trânsito, conforme disposições em lei.” Vale dizer, a infração administrativa é independente da penal, mas as penas podem coexistir.

Valendo-se dos ensinamentos do ilustre jurista DAMÁSIO DE JESUS, em sua

obra, Crimes de Trânsito, leia-se:

[...] há um interesse coletivo de que as relações de trânsito se desenvolvam dentro de um nível de segurança. Toda vez que o motorista dirige fora do círculo de risco tolerado, rebaixa esse nível, podendo responder por infração

93 MACEDO, Leandro Machado. Legislação de trânsito descomplicada. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009, p.237.

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administrativa ou, apresentando a conduta potencialidade lesiva, por crime (sem prejuízo da sanção administrativa). 94 (grifo nosso)

Em continuidade ao seu ensinamento, DAMÁSIO DE JESUS ainda classifica esse

“nível de segurança” em três planos:

A – risco tolerado: o tráfego de veículos, ainda que de acordo com as regras regulamentares, contém um coeficiente de risco de dano à vida e à incolumidade física das pessoas. [...] De modo que não há infração administrativa ou crime quando o motorista dirige conforme o direito, ainda que sua conduta apresente o risco normal do uso do veículo motorizado. Assim, há tolerância legal para com o comportamento que se situa, no plano vertical, acima do nível A. B – infração administrativa: quando a conduta do motorista situa-se entre os níveis A e B, ultrapassando o limite (A) pelo desrespeito a uma norma de trânsito e sem que o fato se enquadre em um tipo penal incriminador, há somente infração administrativa. [...] C – crime: quando o comportamento do motorista situa-se do limite B para baixo, há lesão ao interesse público “segurança do trânsito”, praticando delito (desde que o fato se enquadre em norma penal incriminadora). Ele rebaixa o nível de segurança do tráfego de veículos automotores que é tutelado pela ordem jurídica, expondo, nos delitos próprios de trânsito, a incolumidade pública a perigo de dano. 95

Verifica-se que a condução irregular de veículo automotor, além dos efeitos

administrativos, pode gerar efeitos criminais conforme as circunstâncias apresentadas caso a

caso, isto é, sem prejuízo da infração administrativa, o condutor de veículo automotor poderá

também responder pela infração penal, desde que atendidas as exigências do tipo.

6.1. QUANTO A EFETIVA DEMONSTRAÇÃO DE LESÃO AO BEM JURÍDICO

TUTELADO

No que toca a distinção entre as tipificações, depois de todas as reformas inclusas

no Código de Trânsito Brasileiro, divide-se primeiro quanto à questão da necessidade ou não

94 JESUS, Damásio Evangelista de. Crimes de Trânsito: anotações à parte criminal do Código de Trânsito (Lei n. 9503, de 23 de setembro de 1997) – 4. ed. - São Paulo: Saraiva, 2002, p. 19. 95 idem

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da demonstração fática da condução de veículo automotor de forma incompatível com o nível

de segurança exigido pelo Estado, dividindo-se em duas as hipóteses identificadas.

Na primeira hipótese, agasalhada por DAMÁSIO DE JESUS, a diferença cingi-se

apenas pelo grau de teor alcoólico exigido para a consumação dos ilícitos, ou seja, depois de

observado as margens de tolerância (Decreto nº. 6.488/2008), a comprovação da infração

administrativa, se dá com a aferição superior a duas decigramas por litro de sangue, quando

aferido por exame de sangue, ou superior a um décimo de miligrama por litro de ar

expelido dos pulmões, quando aferido por teste em aparelho de ar alveolar pulmonar

(etilômetro). Ao invés do tipo penal, que estará comprovado somente após a mensuração

igual ou superior a seis decigramas por litro de sangue, quando do exame de sangue, ou

igual ou superior a três décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões, quando

do teste por etilômetro.

Recorda-se que para DAMÁSIO, não há divergência entre os distintos tipos legais

hora em comento, no tocante a exigência da apresentação efetiva do comportamento perigoso

do condutor por influência de álcool, necessitando para a comprovação de ambos, que o

perigo seja concretamente evidenciado (dirigir em zigue-zague, cantando pneus, subindo em

calçadas, passando em sinal semafórico vermelho, efetuando ultrapassagem em locais não

permitidos pela sinalização de trânsito, trafegando na contramão de direção, excedendo a

velocidade máxima permitida na via, etc.). 96

Na segunda hipótese, defendida por LUIZ FLÁVIO GOMES, a diferença persiste

não somente nos desiguais níveis de alcoolemia exigidos para cada um dos ilícitos, aliás,

nesse item, não há divergência na doutrina, sendo pacífica a interpretação do texto extraído da

lei “O fator distintivo (por enquanto) é meramente quantitativo. A quantidade de álcool é o

primeiro critério diferenciador.”. 97 Contudo, acrescenta mais um diferencial entre as esferas

administrativa e penal na tipificação da conduta de embriaguez ao volante.

Para este conceituado e reconhecido jurisconsulto, no âmbito administrativo, não

exigi-se a condição sine qua non da demonstração de perigo proveniente da condução de

96 JESUS, Damásio Evangelista de. Embriaguez ao volante: notas à Lei nº. 11.705/2008. Ob. cit. 97 GOMES, Luiz Flávio. Embriaguez ao volante (Lei nº. 11.705/2008). Diferença entre a infração administrativa e a penal. Ob. cit.

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veículo automotor por motorista sob o efeito etílico. A caracterização da infração

administrativa de trânsito se dá tão somente com a comprovação da taxa mínima de

alcoolemia exigida pelo texto legal, independente se o agente no momento da fiscalização seja

flagrado ou não na condução de veículo automotor de forma anormal, “Isso é perigo abstrato.

Que se admite para a infração administrativa, não para a penal.”. 98

Em âmbito penal, acampa a tese que a tipicidade penal só ocorre com a lesão ao

bem jurídico tutelado, devendo-se obrigatoriamente atender a condicionante da demonstração

do perigo concreto. Em síntese, para a configuração do crime de embriaguez ao volante não

basta que o condutor esteja sob a influência de álcool, é necessário que com o seu

comportamento, evidencie a potencialidade lesiva, “Estar ‘sob a influência’ no âmbito

administrativo só exige uma coisa: um sujeito alterado em razão da substância que ingeriu; no

âmbito penal exige duas coisas: estar alterado + direção anormal.”. 99

Em resumo, a primeira hipótese, defendida pela corrente doutrinária seguida por

DAMÁSIO DE JESUS, entende que entre as duas esferas detecta-se uma semelhança e

uma diferença, a semelhança é a necessidade de o condutor estar efetivamente sob o efeito

do álcool, externado pela sua condução irregular na via pública, e a diferença é exatamente os

distintos níveis de alcoolemia pedido em cada um dos tipos. Na segunda hipótese, defendida

pela corrente doutrinária seguida por LUIZ F. GOMES, entende que entre as duas esferas

não existe semelhança, e sim, não apenas um diferencial, mas dois, quais sejam, a

quantidade de álcool no organismo do condutor e a exigência de condução anormal para o

penal e a não exigência para o administrativo.

Percebe-se entre a doutrina que a segunda hipótese vem mostrando-se mais

homogênea, nessa linha, aduz o Mestre LEONARDO SCHMITT DE BEM:

Em síntese, pretendeu o legislador pátrio com a nova redação proibir apenas por proibir, [...] legitimando a punição simplesmente pela embriaguez, presumindo-se o perigo, desvinculando-se por completo das técnicas de tipificação. Eis porque o magistrado deverá conduzir a análise das denúncias com base no princípio de intervenção mínima, isto é, aplicando a coação ao infrator

98 GOMES, Luiz Flávio. Embriaguez ao volante (Lei nº. 11.705/2008). Diferença entre a infração administrativa e a penal. Ob. cit. 99 idem

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somente quando comprovada a condução anormal do veículo, embora embriagado, até porque, se assim não proceder, não haverá qualquer distinção entre a infração de cunho administrativa (art. 165) e a criminal (art. 306). 100 (grifo nosso)

O Prof. GERALDO DE FARIA LEMOS PINHEIRO, em sua obra ‘Código de

Trânsito Brasileiro Interpretado’, corrobora a mesma linha de raciocínio:

E qual é a diferença entre a discrição típica das infrações administrativas e as penais? Reside exatamente na exigência de comprovação de um perigo concreto para os delitos. A infração administrativa contenta-se com o perigo abstrato (até porque essa característica é da sua natureza). Já os delitos exigem a comprovação (concreta) da potencialidade lesiva da conduta presumidamente perigosa. Simples análise comparativa dos tipos citados (que contam com enunciados praticamente idênticos) revela o que estamos enfatizando. 101 (grifo nosso)

6.2 QUANTO AS PROVAS ADMISSÍVEIS PARA A COMPROBAÇÃO DO ILÍCITO

Em avanço ao estudo das distinções existentes entre os tipos administrativo e

penal, o segundo item limita-se ao tópico das provas admissíveis em cada uma das esferas

para a comprovação do estado ébrio do condutor na direção de veículo automotor.

Na ótica administrativa, admitem-se para a comprovação da infração, todos os

meios de prova elencados no art. 1º e incisos e no art. 2º da Resolução nº. 206, de 20.10.06 do

Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, ou seja, poderá ser constatado o estado etílico

do condutor por meio dos procedimentos de: teste de alcoolemia por exame de sangue

(realizados por laboratórios especializados, indicados pelo órgão ou entidade de trânsito

competente ou pela Polícia Judiciária); por teste em aparelho de ar alveolar pulmonar

(etilômetro); por exame clínico com laudo conclusivo e firmado pelo médico examinador da

Polícia Judiciária; e na falta destes, mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas

100 BEM, Leonardo Schmitt de. Embriaguez ao volante: cara ou coroa? Lei de intolerância ao álcool – legalidades e aspectos relevantes. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre: Ano IX, nº 52, out./nov. 2008, p. 43. 101 PINHEIRO, Geraldo de Farias Lemos e outros. Código de Trânsito Brasileiro Interpretado, 2. ed., São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 522.

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acerca dos notórios sinais resultantes do consumo de álcool, descritos na própria ocorrência

policial ou em termo.

Porém na ótica penal, vem sendo entendido que somente a comprovação técnica,

ou seja, os testes por meio de sangue e por etilômetro são admissíveis para a configuração da

conduta criminosa. A afirmação está fundamentada na literatura do tipo penal, que exige a

demonstração imprescindível da taxa mínima de alcoolemia para a configuração do delito.

Em suma, verifica-se também neste caso, uma semelhança e uma diferença entre

as esferas aqui estudadas, ou seja, a semelhança encontra-se na aceitação dos testes de

sangue e do etilômetro para a comprovação do ilícito administrativo e penal, e a distinção

firma-se na inadmissibilidade da prova por exame clínico e principalmente a

testemunhal para a comprobação da embriaguez ao volante na seara penal, aceito

somente na infração administrativa. (grifo nosso)

Nessa vertente, enfatizam-se as palavras de LEONARDO SCHMITT DE BEM:

Atualmente, para a completa tipificação penal, será necessária a comprovação de concentração de álcool igual ou superior a seis decigramas por litro de sangue. Existe taxatividade na nova redação, privilegiando o princípio constitucional da legalidade. O novo tipo penal não precisa ser complementado e, portanto, desnecessário recorrer ao que, hodiernamente, se denomina de administrativização do Direito Penal. A norma anterior era branca; a atual redação, não. Logo, para caracterização da materialidade do delito ou se comprova que o agente está com concentração de álcool igual ou superior ao limite legal ou não haverá crime. [...] não será possível uma interpretação extensiva do art. 277, § 2º, pois nele há referência expressa apenas ao art. 165, correspondente à infração administrativa. Também não é possível recorrer à prova testemunhal porque não há como equivaler à perícia referida a esta prova para fins de caracterização do crime. 102

Tal entendimento começa a ganhar sustentação não apenas na doutrina, mas

também entre o magistrado, veja-se recente precedente da Comarca de Blumenau/SC, nos

Autos da Ação Penal nº. 008.06.18560-8, Juiz Leandro Aguiar, J. 04.09.2008:

102 BEM, Leonardo Schmitt de. Ob. cit., p. 45-46.

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É que, em virtude da modificação do art. 306 da Lei nº 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro) pela Lei nº 11.705/2008 (Lei Seca), estou convencido que, ao se exigir concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 decigramas para a configuração do ilícito penal, a prova técnica, mais especificamente o exame de sangue ou o bafômetro, passou a ser o único meio hábil a comprovar o nível de embriaguez do condutor do veículo automotor. (grifo nosso)

Ainda registra-se a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 3ª. C. Crim.,

HC 1.0000.08.482073-7/000, Rel. Desembargador Fortuna Grion, julg. 21.10.2008; pub.

DOMG de 12.11.2008:

HABEAS CORPUS - EMBRIAGUEZ AO VOLANTE - FATO OCORRIDO NA VIGÊNCIA DA LEI 11.705/08 - INEXISTÊNCIA DE LAUDO COM ÍNDICE DE ALCOOLEMIA - AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE - TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL - POSSIBILIDADE. A conduta de pilotar veículo automotor de via terrestre sob influência de álcool - independentemente da concentração da substância encontrada no sangue do condutor - caracteriza, é certo, infração administrativa prevista na norma insculpida no art. 165 do CTB, com a redação dada pela novel Lei 11.705/08. A mesma Lei 11.705/08, ao alterar o tipo penal previsto no art. 306 do CPB, condicionou, à verificação de no mínimo seis decigramas de álcool por litro de sangue do condutor, a configuração do delito previsto naquele dispositivo legal. Ignorada a concentração de álcool havida no organismo do condutor, impossível incriminá-lo por embriaguez ao volante, incorrendo o agente tão-só na infração administrativa prevista no art. 165 do Código de Trânsito Brasileiro. Ordem parcialmente concedida.

6.3 QUANTO AS EFEITOS DA RECUSA AOS TESTES DE AFERIÇÃO

Cabe ainda no campo das distinções, delinear as conseqüências jurídicas da recusa

do condutor em submeter-se ao testes de constatação do índice alcoólico, quando passível de

uma fiscalização.

Na infração de embriaguez ao volante tipificada no art. 165 do CTB, devido à

inserção dos §§ 2º e 3º ao art. 277 do mesmo diploma, sempre que houver a recusa do

condutor em realizar os testes de sangue e bafométrico, serão aplicáveis as penas e as medidas

administrativas expressas do tipo extrapenal, por entender presumido o seu estado de

embriaguez. No entanto, no crime do art. 306 do CTB, essa mesma recusa à submissão aos

testes técnicos de alcoolemia, não enseja em elemento conclusivo da prática do crime, isto é,

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atendendo aos princípios da ofensividade e culpabilidade, a embriaguez não pode ser

presumida. Sinteticamente, a recusa no âmbito administrativo gera todas as sanções previstas

no preceito secundário do tipo extrapenal, já a recusa no âmbito penal, não poderá gerar

automaticamente as sanções previstas no preceito secundário do tipo delituoso.

Destacam-se nesse sentido, os dizeres de RODRIGO ESPERANÇA BORBA:

As penalidades e medidas ensejadas pela responsabilidade administrativa (multa, suspensão da habilitação, retenção do veículo e recolhimento do documento de habilitação) são tratadas pelo art. 165 do CTB, sendo independentes da responsabilidade penal do art. 306 do mesmo diploma. [...] O caráter subsidiário do Direito Penal, imposto pelo princípio da intervenção mínima, é imperativo em um Estado Democrático de Direito como o Brasil, em que o Direito Penal deve ser visto como forma de garantia às liberdades individuais, e não como um mecanismo repressor que intervém na vida em sociedade para satisfazer objetivos administrativos estatais. 103

A diferença entre as conseqüências administrativas e penais é bem sintetizada pelo

Mestre BRUNO CALABRICH, quando assim decorreu:

A recusa a fazer o teste do bafômetro não é crime, nem dá prisão. E o que acontece com aquele que se recusa a fazer o teste? A lei é clara (§ 3º do art. 277 e art. 165 do CTB): o motorista que se recusar a fazer o exame será punido com (a) multa e (b) suspensão do direito de dirigir por 12 meses. Além disso, no ato da fiscalização, a autoridade deverá realizar (c) a apreensão da carteira de habilitação e (d) retenção do veículo até que um condutor habilitado venha retirá-lo. As conseqüências previstas pela lei para quem se recusa a se submeter ao bafômetro são as mesmas previstas para aquele que é flagrado ao dirigir sob influência de bebida alcoólica, infração (administrativa) de trânsito do art. 165 do CTB. Na prática, é como se a lei, diante da negativa do motorista em se submeter ao exame, ‘presumisse’ seu estado de embriaguez, mas apenas para fins de aplicação das penalidades e medidas estritamente administrativas (não criminais). 104 (grifo nosso)

Em síntese, o percentual alcoólico somente poderá ser averiguado com o exame

de sangue ou bafométrico, todavia, esses exames não podem ser impostos ao condutor, sob

103 BORBA, Rodrigo Esperança. Lei seca de constitucionalidade. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre: Ano IX, nº 51, ago./set. 2008, p. 213. 104 CALABRICH, Bruno Freire de Carvalho. O teste do bafômetro e a nova lei de trânsito. Aplicações e conseqüências. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1828, 03 jul 2008. Disponível na internet em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11461. Acessado em 17.04.09.

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pena de ofender o princípio da proibição de produção de provas contra si mesmo, conforme

entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal:

[...] Não se pode presumir que a embriaguez de quem não se submete a exame de dosagem alcoólica: a Constituição da República impede que se extraia qualquer conclusão desfavorável àquele que, suspeito ou acusado de praticar alguma infração penal, exerce o direito de não produzir prova contra si mesmo: Precedentes. (HC 93.916, 1º Turma, Relª. Min. Cármen Lúcia, J. 10.06.2008, Dje 117 26.06.2008, publicação 27.06.2008)

Não obstante, é verdade que nas situações em que o efeito alcoólico no condutor

esteja engendrando, de forma evidente, conseqüências nefastas à segurança viária, como

exemplo, o de ocasionar grave acidente de trânsito, independente do sucesso em conseguir as

provas técnicas, permanece possível a prisão em flagrante delito, não podendo a autoridade

policial, por conta da equivocada construção literal do preceito primário do tipo penal, ser

omissa sob pena de responder administrativa e criminalmente, "[...] o agente é obrigado a

efetuar a prisão em flagrante, não tendo discricionariedade sobre a conveniência ou não de

efetivá-la”. 105

Entretanto, verdade também é que mesmo havendo a voz de prisão e o

encaminhamento do condutor à presença da autoridade policial competente, o Estado muito

dificilmente terá êxito na aplicação efetiva da pena por decorrência da carência de prova

técnica da quantidade de concentração alcoólica decretada para a formatação do delito.

Mesmo com lavratura do auto de prisão em flagrante e a possível denúncia do Ministério

Público, as sentenças não estão sendo de natureza condenatória, como segue:

APELAÇÃO CRIMINAL - EMBRIAGUEZ AO VOLANTE - ABSOLVIÇÃO - LEI Nº 11.705/2008 MAIS BENÉFICA AO RÉU - EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE CONCENTRAÇÃO IGUAL OU SUPERIOR A 6 (SEIS) DECIGRAMAS DE ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE - AUSÊNCIA DE PROVA TÉCNICA QUE NÃO PODE SER SUPRIDA PELA COMPROVAÇÃO INDIRETA - RETROATIVIDADE BENÉFICA - INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA - ABSOLVIÇÃO - RECURSO PROVIDO. Com a nova redação do art. 306, 'caput', do CTB, passou-se a exigir, como figura elementar do tipo, que o condutor do veículo automotor transite em via pública com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas. Sendo assim, restou a responsabilização criminal por embriaguez ao volante condicionada à efetiva comprovação de que o agente conduza veículo automotor com a referida concentração de álcool no sangue para a formação da materialidade.

105 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004, p.234.

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80

Ausente, pois, a prova técnica cabal pertinente, absolve-se por insuficiência probatória à luz do art. 386, VII, do CPP. (TJMG, 1ª C. Crim., Ap. nº 1.0261.05.031687-4/001, Rel. Des. Eduardo Brum, j. 07.10.2008; in DOMG DE 24.10.2008)

Em outros dizeres, sendo o escopo da lei (art. 306, CTB), punir todos aqueles que

de maneira irresponsável, após o consumo de álcool, atreva-se a conduzir veículo automotor

expondo a perigo toda uma sociedade, o ápice da questão não é a probabilidade jurídica da

prisão em flagrante delito, mas sim suas conseqüências jurídicas, ou seja, a existência ou não

da legalidade do ato, isto é, se ao final, terá o Poder Judiciário fundamentação jurídica

suficiente ou não para exarar uma sentença condenatória em desfavor do condutor infrator.

Enfim, a tentativa de recrudescer a situação do condutor acabou por beneficiá-lo.

6.4 QUANTO AS SANÇÕES PREVISTAS NO PRECEITO SECUNDÁRIO

A infração administrativa é classificada como falta “gravíssima”, equivalente a

somatória de 7 (sete) pontos no prontuário do condutor e agravada pelo fator multiplicador de

“cinco vezes” o valor original da multa. Motiva em conseqüência de seu cometimento, a

aplicação das medidas administrativas de retenção do veículo até a apresentação de condutor

são e legalmente habilitado, o recolhimento do documento de habilitação e a lavratura do auto

de infração (autuação da notificação), gerando ainda as penalidades de multa e suspensão do

direito de dirigir por 12 (doze) meses (suspensão temporária da concessão emitida pelo Estado

para condução de veículo automotor).

As medidas administrativas possuem natureza vinculada, não tendo natureza de

sanção, são aplicadas de imediato pelo agente da autoridade de trânsito, em caráter

temporário, ou seja, o recolhimento do documento de habilitação será até que passe o efeito

etílico do condutor, estando disponível ao seu portador no órgão estadual de trânsito, da

mesma forma será a retenção do veículo, que será liberado tão logo se apresente outro

condutor em condições legais de dirigi-lo.

As penalidades, ao contrário das medidas administrativas, são atos de caráter

punitivo, com natureza de sanção, de competência privativa da autoridade de trânsito com

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81

circunscrição sobre via, local da realização da fiscalização, e só poderão ser aplicadas após

todo o trâmite do devido processo legal, incluindo o exercício da ampla defesa e do

contraditório.

O delito tipificado no art. 306 do CTB, traz em seu preceito secundário, pena de

detenção de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou

a habilitação para dirigir veículo automotor, não sendo mais aplicado ao tipo, os benefícios da

dos arts. 74, 76 e 88 da Lei nº. 9.099/1995, por força da modificação do § 1º do art. 291 do

CTB.

O crime de embriaguez ao volante, não é por natureza, uma infração de menor

potencial ofensivo, afastando sua apuração por intermédio de Termo Circunstanciado de

Ocorrência, aplicação de composição civil de danos e transação penal, cabendo nas hipóteses

de flagrância, a lavratura do respectivo Auto de Prisão em Flagrante, admissível ainda nesses

casos o arbitramento de fiança pela Autoridade Policial e no rito processual a suspensão do

processo ou “sursis processual”.

6.5 QUANTO A COMPETÊNCIA PARA A AUTUAÇÃO

Pode-se ainda registrar a distinção quanto à capacidade para a autuação do ilícito

de embriaguez nas diferentes searas. No âmbito administrativo, o agente fiscalizador e

responsável pela lavratura do Auto de Infração, deve estar revestido de competência e

legitimidade delegada pela autoridade de trânsito com circunscrição pela via, nos termos

estabelecidos pelo Código de Trânsito Brasileiro.

Entretanto, a competência para a autuação criminal, não advém do Código de

Trânsito, mas sim do Código de Processo Penal – CPP, “Art. 301 - Qualquer do povo poderá

e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em

flagrante delito”, devendo os órgãos policiais elencados no art. 144 da Constituição Federal,

cada qual na sua área de atuação, inibir tal delito.

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82

Da análise de todas as posições juridicamente alicerçadas, de cunho doutrinário e

jurisprudencial até aqui estudadas, remete-se ao entendimento de que a Lei nº. 11.705/2008,

que inovou principalmente os dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro no tocante a

embriaguez ao volante, vulgarmente conhecida com “Lei Seca”, esqueceu-se de embeber-se

da fonte constitucional, sendo sim uma lei seca, mas de constitucionalidade.

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83

CONCLUSÃO

Ex positis, valendo-se de toda jurisprudência e posicionamentos doutrinários aqui

arrazoados a cerca das novas redações vigentes no Código de Trânsito Brasileiro, remissivos à

condução de veículo automotor em via pública sob efeito de álcool, muito embora respeitadas

todas as posições contrárias, desenha-se algumas conclusões a seguir ventiladas:

As infrações dos arts. 165 e 306 do CTB, não se confundem, mesmo visando

inibir uma mesma conduta, seguem regras distintas, sendo a primeira de cunho administrativo

e a segunda de cunho penal, o que implica, por exemplo, na diferença da natureza jurídica de

cada um dos tipos, bem como nas sanções previstas e na admissibilidade da produção de

provas.

A infração administrativa capitulada no art. 165 do CTB, fundamenta-se no perigo

abstrato, isso é, consuma-se tão somente com a constatação da influência de álcool no

organismo do condutor, independentemente da comprovação de qualquer outra condicionante,

não obstante sua redação trazer o elemento normativo “dirigir sob a influência de álcool”.

Portanto, para o ilícito administrativo, não exige-se a demonstração da condução

anormal como nexo de causalidade em conseqüência do efeito alcoólico decorrido de

consumo de álcool pelo condutor do veículo, ou seja, inexistindo a efetiva demonstração

objetiva da potencialidade do efetivo perigo de dano, o fato consubstancia mera infração

administrativa.

A constatação da infração administrativa aperfeiçoa-se, a priori, com qualquer

concentração de teor alcoólico no organismo do condutor, nos termos do art. 276 do CTB,

contudo, em obediência à margem de erro (legislação do INMETRO) e considerando os casos

específicos, a própria legislação estipula uma margem de tolerância, que por conseqüência,

atrela a tipicidade administrativa à aferição mínima, superior a dois decigramas de álcool por

litro de sangue, o que “a contrário sensu”, significa dizer, que aferida concentração alcoólica

igual ou inferior a dois decigramas, não há que se falar em infração de trânsito, muito menos

penal.

Page 85: Direção de Veículo Automotor sob Iinfluência de Álcool Crime ou Infração Administrativa

84

Os meios de prova admitidos na esfera administrativa, por força do art. 277 e seus

parágrafos, são: além do exame sanguíneo laboratorial e do teste em aparelho de ar alveolar

pulmonar, o de exame clínico realizado por médico legista a requerimento da autoridade

policial e por prova testemunhal idônea, podendo na ausência de outras pessoas, ser inclusive

os próprios agentes de trânsito.

Na esfera penal, divergente do posicionamento adotado pela infração

administrativa, a embriaguez ao volante só estará comprovado após a mensuração mínima

igual ou superior a seis decigramas por litro de sangue ou igual ou superior a três décimos de

miligrama por litro de ar expelido dos pulmões.

Para a caracterização do tipo penal, além da aferição técnica de alcoolemia,

exige-se ainda, em caráter cumulativo, o elemento normativo de lesão ao bem jurídico

tutelado, devendo-se obrigatoriamente atender a condicionante da demonstração do perigo

concreto.

Destarte, não basta para a configuração do delito que o condutor esteja somente

sob a influência etílica, mas sim que o seu comportamento evidencie a potencialidade lesiva

por meio da condução anormal, o que poderá ser materializada com o cometimento de outra

infração, p. ex.: passar o sinal vermelho, dirigir zigue-zagueando, dirigir com velocidade

excessiva, realizar manobra de ultrapassagem em locais proibidos pela sinalização, etc.,

comprovando assim, o comprometendo do nível mínimo de segurança no trânsito exigido pelo

Estado.

Outra conclusão apurada é que na esfera penal, a recusa à submissão aos testes

técnicos de alcoolemia não enseja em elemento conclusivo da prática do crime, isto é,

atendendo em especial ao princípio da ofensividade, a embriaguez não pode ser presumida

como na esfera administrativa, mas sim diagnosticada.

Assim, a obtenção da prova para a comprobação do delito fica na dependência da

colaboração espontânea do próprio implicado, o qual não poderá ser compelido a produzir

prova contra si mesmo, em observância aos princípios constitucionais já mencionados e aos

tratados internacionais de direitos humanos, principalmente a Convenção Americana de

Direitos Humanos.

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85

Em resposta a pergunta: quando o ato de dirigir veículo automotor sob a

influência de bebida alcoólica estaria infringindo o tipo extrapenal e/ou o tipo penal? Em

síntese, extraem-se, em tese, quatro hipóteses passíveis de serem visualizadas:

a) Condutor conduzindo veículo automotor em via pública de forma normal ou

anormal com concentração alcoólica igual ou superior a dois decigramas por litro de sangue,

afastada as opções de infração administrativa e penal;

b) Condutor conduzindo veículo automotor em via pública de forma normal ou

anormal com concentração alcoólica superior a dois e inferior a seis decigramas por litro de

sangue, afastada a opção de infração penal, admissível somente a autuação administrativa;

c) Condutor conduzindo veículo automotor em via pública de forma normal com

concentração alcoólica igual ou superior a seis decigramas por litro de sangue, afastada a

opção de infração penal, admissível somente a autuação administrativa; e

d) Condutor conduzindo veículo automotor em via pública de forma anormal com

concentração alcoólica igual ou superior a seis decigramas por litro de sangue, admissível as

opções de infração administrativa e penal.

Faz-se consignar que o trabalho por ora exposto, não encontra-se imune de críticas

e, é importante que não o seja, pois apenas assim consolida-se o conhecimento sobre este

importantíssimo tema. Este trabalho terá cumprido sua missão se puder cumprir a proposta de

fomentar o debate jurídico sobre as inovações legislativas operadas no Código de Trânsito

Brasileiro.

Vale ainda salientar que o presente estudo consiste na formulação de reflexões

sobre o tema aqui discutido, ainda em um momento em que a doutrina é incipiente e a

jurisprudência não firmou melhor convicção. Seguramente, os assuntos expostos serão melhor

desenvolvidos e ampliados ao longo do tempo.

Em desfecho, desejo que todos possam obter a partir desta monografia o resultado

esperado, desejando amplo sucesso em suas empreitadas.

Page 87: Direção de Veículo Automotor sob Iinfluência de Álcool Crime ou Infração Administrativa

86

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