Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

25
O DIREITO À SAÚDE E A UM MEIO AMBIENTE FAVORÁVEL AO TRABALHO E AOS TRABALHADORES

Transcript of Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

Page 1: Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

O DIREITO À SAÚDE E A UM

MEIO AMBIENTE FAVORÁVEL

AO TRABALHO E AOS TRABALHADORES

4692.5 o Direito a saúde e a um meio ambiente.pmd 06/06/2013, 11:011

Page 2: Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

4692.5 o Direito a saúde e a um meio ambiente.pmd 06/06/2013, 11:012

Page 3: Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

JOELSON DE CAMPOS MACIEL

O DIREITO À SAÚDE E A UM

MEIO AMBIENTE FAVORÁVEL

AO TRABALHO E AOS TRABALHADORES

3º Promotor de Justiça Criminal da Capital do Estado de Mato Grosso.Mestre em Direito Agroambiental pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

4692.5 o Direito a saúde e a um meio ambiente.pmd 06/06/2013, 11:013

Page 4: Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

EDITORA LTDA.

Rua Jaguaribe, 571CEP 01224-001São Paulo, SP — BrasilFone (11) 2167-1101www.ltr.com.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índices para catálogo sistemático:

Todos os direitos reservados

Produção Gráfica e Editoração Eletrônica: R. P. TIEZZI XProjeto de Capa: RAUL CABRERA BRAVOImpressão: COMETA GRÁFICA E EDITORAJunho, 2013

R

Maciel, Joelson de Campos

O direito à saúde e a um meio ambiente favorável ao trabalhoe aos trabalhadores /Joelson de Campos Maciel. — São Paulo : LTr,2013.

Bibliografia

1. Ambiente de trabalho — Brasil 2. Direito ambiental — Brasil3. Direito à saúde 4. Direito do trabalho — Brasil 5. Direitosfundamentais 6. Segurança do trabalho — Brasil I. Título.

13-03056 CDU-34:331.82(81)

1. Brasil : Meio ambiente de trabalho : Direito à saúde e segurança : Direito dotrabalho 34:331.82(81)

2. Brasil : Direito à saúde e segurança : Meio ambiente de trabalho : Direito dotrabalho 34:331.82(81)

Versão impressa - LTr 4692.5 - ISBN 978-85-361-2585-5

Versão digital - LTr 7601.9 - ISBN 978-85-361-2645-6

4692.5 ficha o Direito a saúde e a um meio ambiente.pmd 23/7/2013, 09:141

Page 5: Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

Dedico esta obra a Deus, nosso Pai, por Seu infinito amor e misericórdia.

Aos meus pais, José de Barros Maciel eMaria Luzia de Campos Maciel (in memoriam),

por tudo que sou e ainda serei.

4692.5 o Direito a saúde e a um meio ambiente.pmd 06/06/2013, 11:015

Page 6: Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

4692.5 o Direito a saúde e a um meio ambiente.pmd 06/06/2013, 11:016

Page 7: Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

AGRADECIMENTOS

Ao meu nobre Orientador Professor Doutor Bismarck Duarte Diniz ,porsua sabedoria, por seu conhecimento e por sua percepção em transformar aarte de ensinar na alegria da descoberta do inusitado.

Aos ilustres Membros da Banca Examinadora, pelas preciosas orientaçõese correções.

Ao querido Ministério Público do Estado de Mato Grosso, na pessoa doExmo. Sr. Procurador-Geral de Justiça, Dr. Marcelo Ferraz de Carvalho, e doExmo. Sr. Corregedor Geral do Ministério Público, Dr. Mauro Viveiros, peloapoio e incentivo.

A todos os professores, professoras, funcionários e colegas do Mestradoem Direito Agroambiental da Universidade Federal de Mato Grosso, pelafrutífera e agradável convivência.

À minha esposa Amini Haddad Campos, pelo amor, pela paciência epela determinação nos momentos que mais precisei do seu terno olhar nestadifícil caminhada.

Aos nossos filhos Natalie Haddad Maciel e Tales Mateus Haddad Maciel,por me chamarem à vocação do amor.

Aos meus irmãos Josemar de Campos Maciel e sua companheira Lorenede Almeida Tiburtino da Silva, Joel de Campos Maciel e sua esposa LidicePina de Lannes e Campos Maciel, bem como aos sobrinhos Nadine LannesMaciel e Guilherme Lannes Maciel, pelo sorriso e pela vida.

Às amigas Verônica Costa Marques Martins, Rosa Graciela de CamposLopes e Maria Auxiliadora Gaiva Freire, pelo apoio, pela oração e pelaautenticidade em viver a verdade.

4692.5 o Direito a saúde e a um meio ambiente.pmd 06/06/2013, 11:017

Page 8: Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

4692.5 o Direito a saúde e a um meio ambiente.pmd 06/06/2013, 11:018

Page 9: Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

99999

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .......................................................................................................... 11

INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 15

CAPÍTULO 1A DIGNIDADE DO TRABALHADOR

1.1. KANT E O CONHECIMENTO DO POSSÍVEL ............................................................... 21

1.1.1. FUNDAMENTAÇÃO DA METAFÍSICA DOS COSTUMES....................................... 29

1.1.2. MODELOS KANTIANOS SOBRE A DIGNIDADE HUMANA .................................. 35

1.2. A DIGNIDADE HUMANA NO PENSAMENTO DE HOBSBAWM E EM ARENDT ............... 41

1.3. A DIGNIDADE HUMANA E O HOMO SACER ............................................................. 56

CAPÍTULO 2DA SAÚDE E DO DIREITO AMBIENTAL

2.1. A SAÚDE E A DEFESA DO MEIO AMBIENTE NOS NOVOS TERRITÓRIOS DO DIREITO ...... 70

2.2. A TUTELA DA SAÚDE E A SUA RELAÇÃO COM O MEIO AMBIENTE ............................. 79

2.3. MULTIPLICIDADE DE ASPECTOS QUE ENVOLVEM A SAÚDE E O MEIO AMBIENTE: O DIREITO À INFORMAÇÃO E O ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL ................................. 92

CAPÍTULO 3DIREITO AMBIENTAL DO TRABALHO

3.1. CONCEITO DE MEIO AMBIENTE DO TRABALHO ..................................................... 114

3.2. ABORDAGEM HISTÓRICA DA PROTEÇÃO À SAÚDE DO TRABALHADOR .................... 119

4692.5 o Direito a saúde e a um meio ambiente.pmd 06/06/2013, 11:019

Page 10: Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

1010101010

8

3.2.1. O HOMEM-MÁQUINA: ASPECTOS HISTÓRICOS DA PATOLOGIA DO TRABALHO .. 119

3.2.2. O HOMEM-POLÍTICO: O MOVIMENTO OPERÁRIO NO BRASIL NOS SÉCULOS

XIX E XX .............................................................................................. 122

3.3. A ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT) E A DEFESA DA SAÚDE

DO TRABALHADOR ............................................................................................. 127

3.3.1. AS CONVENÇÕES NS. 148, 155, 161 E 187 DA OIT E O BRASIL ................ 129

3.3.2. AS CONVENÇÕES DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO

(OIT) SOBRE A SAÚDE DO TRABALHADOR EM FACE DOS PRINCÍPIOS DA

PREVENÇÃO E PRECAUÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL ................................. 136

3.3.3. AS CONVENÇÕES DA OIT E O ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL NO MEIO

AMBIENTE DO TRABALHO NO BRASIL ........................................................ 140

3.4. A DIMENSÃO DIFUSA DO DIREITO À SAÚDE E À SEGURANÇA NO MEIO AMBIENTE DO

TRABALHO COMO DIREITO FUNDAMENTAL ............................................................ 145

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 160

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 173

4692.5 o Direito a saúde e a um meio ambiente.pmd 06/06/2013, 11:0110

Page 11: Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

1111111111

APRESENTAÇÃO

É com imensa felicidade que faço a apresentação desta obra. Por inúmerosmotivos, inclusive contentamento, prazer e paz. Todos esses sentimentostransbordam. Porém, para além da honra externada, da grandeza e dainovação do conteúdo da produção do autor, devo revelar a principalmotivação de cada palavra aqui inserida: a admiração que meu coração externapelo Autor. Nada mais prazeroso, neste mundo, do que ver feliz aquele queamamos e compartilhar da realização daqueles que, verdadeiramente,externam valor humano em suas histórias de vida. Isso ainda se torna maisbelo, pelo prosperar em Deus. Afinal, somos instrumentos e temos um objetivomaior a cumprir, como cristãos: melhorar a nós mesmos e, assim, melhorarmosos espaços sociais em que estamos inseridos.

E, diante desse amor, majorado em meu coração, em sua simplicidade ebeleza incomensuráveis, é que me faço pronunciar a todos os que tiverem oencantamento de iniciar a leitura desta obra. Certamente, novos adágios serãofomentados diante das alinhavadas temáticas desenvolvidas. Todos serãopresenteados pela nobreza das argumentações surpreendentemente transcur-sadas. Da Filosofia ao Direito. Da Sociologia à Metafísica e desta às distintasnormatizações vigentes, com magníficas apreensões de conceitos humanistas,dos gregos à contemporaneidade. Abastança de linguagem e contemplaçãoteórica são somatizadas ao arremate impecável das diretrizes então construídas.

Ainda, levemos em consideração a coragem do Autor em acrescer aoconceito de saúde do trabalhador a perspectiva máxima de proteção cons-titucional, mesmo que estejamos diante de uma sociedade de tradiçãoexploratória desmedida.

Afinal, para além dos conceitos primários, do estado de não doença,como mecanismo hábil à estruturação de espaços legais positivados, pretende--se, na excelência da dissertação de mestrado desenvolvida em verdadeiraobra-prima, a humanização desses ambientes, trazendo outras perspectivasde bem-estar e sadia qualidade de vida, como termômetros hábeis àconstatação da dignidade do trabalhador.

O meio ambiente do trabalho é ainda inexplorado em seu campo depossíveis desenvolturas de novas normativas.

4692.5 o Direito a saúde e a um meio ambiente.pmd 06/06/2013, 11:0111

Page 12: Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

1212121212

8

Contudo, é exatamente a partir dessa elementar que deteremos amagnitude de sua importância ao todo. Afinal, concretizar a perspectivaconstitucional de proteção, garantias e indisponibilidade de direitos básicos,tanto individuais como sociais, diante das exigências humanitárias dosdiplomas internacionais de direitos humanos e ainda das normativasfundamentais da nossa Carta Constitucional significa colocar uma razão, limiteou modelo ao desenvolvimento até então vigente. Assim, acima de tudo,criaremos a tão almejada ambiência de bem-estar em horizontes benéficos àpreservação do meio ambiente como um todo. Afinal, a dignidade preserva ahumanidade e, consequentemente, gera conscientização necessária àqualidade ambiental planetária. Democratizam-se as experiências da vida enão, tão somente, mecanismos à sobrevivência.

Essa conscientização pública precisa ser ampliada e precisamos revernossas ações e condutas. Afinal, o valor de um produto também pode simbolizarmuitas características, inclusive de total desvalor humano do trabalhador.

Alguns questionamentos precisam ser alicerçados diante da globalizaçãodas produções e total esvaziamento da identidade humana no final. Devemoscomprar algo consideravelmente barato, inserido na ordem mercadológicainterna, mesmo que sejamos conhecedores de que as condições da produçãorevelam que naquele país/local crianças, mulheres, idosos ou trabalhadorescomuns foram explorados e esgotados em sua humanidade?

Não seria dever público conscientizar a população dessas ocorrências?

Até que ponto também não poderíamos afirmar que a carga tributária, sobre-taxas e cumulação de encargos contribuem para essas aberrações do mercado?Como deixarmos de perceber as cotas de responsabilidades dos governos?

Dificilmente pensamos nas etapas e condições de produção. Muitashistórias de vida/morte podem estar escondidas.

Vale-nos lembrar que, segundo pesquisa recente do Instituto Brasileirode Geografia e Estatística (IBGE), somente no Brasil cerca de 4,3 milhões decrianças e adolescentes de 5 a 17 anos estão trabalhando, muitos deles empéssimas condições. Os trabalhadores mirins não possuem carteira de trabalhoe, muitas vezes, chegam a completar uma jornada de até 12 horas por dia, sendoimpedidos de estudar. A exploração do trabalho infantil acontece em todo opaís: nas carvoarias de Mato Grosso do Sul e de Minas Gerais, na indústria decalçados de Franca (São Paulo), na indústria sucroalcooleira, nas olarias e nasplantações de cana-de-açúcar do Rio de Janeiro e de Mato Grosso, na culturade sisal da Bahia, na indústria do fumo do Rio Grande do Sul, nos garimposde Rondônia, na exploração ilegal de madeira na Amazônia, entre outros.

Apesar de tardiamente, devemos, sim, questionar o modelo de produção/consumo vigente.

4692.5 o Direito a saúde e a um meio ambiente.pmd 06/06/2013, 11:0112

Page 13: Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

1313131313

Mas a realidade é mais complexa. Afinal, esses casos extremos somentenos alertam para o desvalor do trabalhador, independentemente de suacondição.

Portanto, a mera preservação do estado de não doença não contribuipara a valorização humanista do trabalhador. Necessário se faz que adignidade como princípio máximo e núcleo essencial do direito, conformeprimeiramente anunciado por Konrad Hesse, seja capaz de efetivamenteconservar o estado de bem-estar na identificação dessa atividade que, acimade tudo, deve permanecer em sua humanidade.

Assim, debater os valores que englobam o meio ambiente do trabalholeva-nos às mais diversas perspectivas de enfrentamento. Sem sombras dedúvida, o alargamento do conceito da saúde e bem-estar humano frente àsexigências laborais de uma sociedade de consumo se mostra de extremarelevância para encampar novas diretrizes de proteção.

A maximização da carga de trabalho (em atribuições, horas de trabalho,não desvinculação de responsabilidades etc.) é também diretriz a ser dirimida.Portanto, o estado de não doença não traz respostas à perspectiva humanistatão proclamada. Assim, construir esse equilíbrio significará a real condiçãode proteção ao meio ambiente, em sua identidade humana e projeções.

Obrigada, meu amor Joelson, por eu ter acompanhado e desfrutado desua companhia nesses 14 anos de casados. Contemplar suas defesas temáticasem Congressos, palestras, seminários e exposições fez-me admirá-lo aindamais e me manter firme nos mesmos objetivos humanitários. És, para mim,modelo de homem, verdadeiro profissional, em todo o conceito da palavra,como Promotor de Justiça, Professor e Escritor. Antes, porém, devo afirmaruma realidade: és um amoroso pai para os nossos filhos.

Que esta extraordinária obra possa disseminar horizontes mais nobres àconstrução de um novo modelo social, capaz de preservar a nossahumanidade, em verdadeira proclamação fraterna, potencializando o bem--estar capaz de nos tornar mais belos em existência e razão.

Essa é a diretriz que o Autor propõe.

Possamos, efetivamente, realizá-la em nossos limites temporais singelos.

Amini Haddad CamposJuíza de Direito do TJ-MT e Juíza Eleitoral do TRE-MT — 54ª ZE — Cuiabá/MT. Professora daFaculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT. Diretora do Núcleo de

Pesquisa Vulnerabilidades, Direito e Gênero — FD/UFMT. Presidente da Academia de Magistrados— AMA-MT. Membro da Academia Mato-Grossense de Letras – AML.

4692.5 o Direito a saúde e a um meio ambiente.pmd 06/06/2013, 11:0113

Page 14: Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

4692.5 o Direito a saúde e a um meio ambiente.pmd 06/06/2013, 11:0114

Page 15: Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

1515151515

INTRODUÇÃO

Consideramos a existência de uma lacuna quando observamos oconteúdo humanista das normas jurídicas brasileiras que tutelam otrabalhador em relação ao seu meio ambiente do trabalho e a sua realidadeexistencial voltada para a saúde, fato este que dificulta a compreensão doque denominamos fenômeno jurídico em seu pretenso projeto de regulaçãoda ordem social.

Vários fatores evidenciam esse distanciamento.

Levando-se em conta que o nosso foco é o direito ambiental do trabalhobrasileiro, restringiremos nossa análise à sistemática de proteção dotrabalhador em relação ao seu locus laboral.

Com efeito, o direito ambiental do trabalho no Brasil visa essencialmenteproteger a saúde do trabalhador. Contudo, essa tutela positivada restringe--se tão somente à prevenção e combate de doença, bem como aos seus riscosevidentes.

Pretendemos demonstrar que a defesa da saúde do trabalhador e datrabalhadora vai além desse aspecto casuístico e visa a uma nova ordemconstitucional. Ordem esta voltada à promoção tanto dos direitos sociais comodos ambientais, de forma a compor o conceito de dignidade da pessoa humanano meio ambiente ecologicamente equilibrado por uma visão sistêmica dodireito social à saúde e o correspondente direito ambiental à sadia qualidadede vida dentro do seu projeto existencial, conforme preceitua, em especial, oart. 225 da Constituição da República Federativa do Brasil.

O art. 6º da Constituição, por seu turno, elege a saúde como direito socialbásico de todos, e o art. 196 da mesma Constituição, expressamente, dispõesobre o seu acesso universal e igualitário.

Portanto, somente pela leitura dos três artigos da Constituição/1988 (arts.6º, 196 e 225), temos que todos, inclusive o ser trabalhador, possuem o direitoà saúde (art. 6º) como forma também de não estar doente, livrando-se dosriscos existentes ou reduzindo-os.

4692.5 o Direito a saúde e a um meio ambiente.pmd 06/06/2013, 11:0115

Page 16: Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

1616161616

8

Ademais, os incisos XXII e XXIII do art. 7º da CRFB/1988, expressamente,também defendem a saúde do trabalhador pelo direito à redução dos riscoslaborais e de receber adicional pelo exercício de atividades penosas, insalubresou perigosas.

A proteção da saúde do trabalhador, portanto, não pode ser entendidaapenas como um mero estado de não doença.

Com efeito, o direito avança e alcança a condição de proteção própria doEstado de Direito Ambiental esculpida no art. 225 da CRFB/1988, sendo queesta última somente é possível a partir do efetivo equilíbrio do meio ambientedentro dos seus sistemas ecológicos de biodiversidade.

Esse sistema de interação entre o meio ambiente ecologicamenteequilibrado e a vida saudável do trabalhador é dinâmico, e nele a sua energiarepresenta muito mais que o aproveitamento eficiente da força de trabalhodo operário por meio da preservação de sua saúde física, ou estado de nãodoença, envolvendo também toda a respectiva ambiência sem limitação clarade espaço e tempo, visto que o ser trabalhador se constitui enquanto tal desdeo momento que começa a produzir a sua força motriz e a vendê-la comomercadoria até o instante que deixa de fazê-lo com a morte biológica.

Ademais, se a Constituição de 1988 não delimitou temporalmente o gozodo direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e seeste é essencial à sadia qualidade de vida, devemos fazer o mesmo em relaçãoao meio ambiente do trabalho para que ele não seja visto somente quanto aoaspecto de ausência de doença.

Em suma: o meio ambiente do trabalho implica então não somente oque há de artificial ao redor do trabalhador e por ele é transformado em valoreconômico, mas também aquilo que ele deixa dentro do próprio objeto, ouseja, a sua alma e toda a sua história. Sendo assim, a sua proteção deve seralargada para alcançar todos esses aspectos.

Contudo, a redução da proteção do meio ambiente do trabalho ao estadode não doença do trabalhador se tornou prática exigida pelo sistemaeconômico quando se iniciou a calcular o custo da produção de cada peçafabricada pelo operário, já no período da revolução industrial.

Com efeito, as preocupações em relação ao meio ambiente do trabalhotinham como perspectiva a manutenção da produção operária e também ocontrole razoável dos efeitos colaterais da exploração dessa mão de obra;dentre eles destaca-se o rápido crescimento das cidades industriais,especialmente na Inglaterra, com a completa falta de saneamento coletivo noséculo XVIII.

A partir da constitucionalização dos direitos sociais no final do séculoXIX e início do XX (Constituições do México, Weimar e Rússia), por meio da

4692.5 o Direito a saúde e a um meio ambiente.pmd 06/06/2013, 11:0116

Page 17: Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

1717171717

qual se buscou conciliar os interesses sociais com os do Estado, pode-se chegarao atual estágio de construção teórica sobre um meio ambiente ecologicamenteequilibrado na relação de trabalho.

Assim, temos uma análise necessária em relação ao meio ambiente dotrabalho e à saúde do trabalhador: a visão sistêmica da Constituição, na qualo direito à saúde significa a promoção da qualidade de vida do trabalhadorcomo um todo e não somente ao simples estado de não doença, sendo a mesmasaúde parte integrante dos direitos sociais, os quais compõem o conteúdo e aforma da dignidade do trabalhador e permitem que ele ascenda ao meioambiente ecologicamente equilibrado.

Inobstante toda essa ordem normativa, os acidentes e as doençasprovocados pelo trabalho não param de crescer e, diante dessa contradição,fomos levados a investigar o meio ambiente de trabalho e o direito à saúdedo trabalhador numa nova perspectiva.

Ademais, para se compreender o real sentido de meio ambiente de tra-balho e a sua categoria saúde do trabalhador, faz-se também necessário realizaralguns estudos de ordem filosófica, buscando o próprio sentido da dignidadehumana na atualidade, seus fins, o agir coletivo e as obrigações do Estado.

Assim, no primeiro capítulo da obra trataremos da dignidade humanadentro do mundo do trabalho, posto que o alargamento do direito à saúdeem relação ao meio ambiente do trabalho necessariamente remete à críticado conceito de dignidade da pessoa humana dentro dos modelosantropocêntricos clássicos kantianos de autonomia da vontade, visto que nelesos sujeitos são reciprocamente considerados iguais, o que verdadeiramentenão ocorre numa relação de trabalho.

Pelo modelo kantiano de autonomia de vontade, não há motivos paraalargar a proteção do direito à saúde em relação ao ser trabalhador diante daconsideração de isonomia a todos os outros atores sociais envolvidos,especialmente o empregador.

Abordaremos, portanto, essa perspectiva clássica.

A investigação necessária neste projeto não se destina apenas aargumentar que o trabalhador é a parte inferior numa relação trabalhista,mas sim a abordar se para o alargamento do conceito de saúde do traba-lhador é necessário sair do modelo kantiano de dignidade de homem comofim em si mesmo e buscar valores no meio ambiente, os quais podem sersustentados de forma independente, ou seja, pelo que a natureza se apresentaem si e não pelo que está em função da humanidade.

Por outra mão, podemos também perguntar se somente o alargamentodo atual modelo antropocentrista bastaria para proteger o ser trabalhador.

4692.5 o Direito a saúde e a um meio ambiente.pmd 06/06/2013, 11:0117

Page 18: Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

1818181818

8

Delimitado o que vem a ser dignidade da pessoa humana para osmodernos, especialmente Kant, trataremos no segundo capítulo sobre os temassaúde e meio ambiente e suas relações.

Assim, iniciaremos com o conceito de saúde dentro da perspectiva denecessidade vital em relação ao projeto ético de proteger a vida, mas, elevadoa um plano biopolítico, conforme critica Agamben, compõe-se também comoação do Estado em controlá-la dentro de uma sociedade em franco processode horizontalização da autoridade, como nos ensina Friedman, o que provocaa construção de novos territórios do direito, dentro da análise de Morand--Deviller.

Em seguida, analisaremos a tutela da saúde e a sua relação com o meioambiente enumerando vários documentos e programas internacionais quenão somente alargam o conceito de saúde, como também o relacionamdiretamente ao de meio ambiente. Demonstraremos, assim, o duplo aspectoem relação ao direito fundamental à saúde, o qual possui a sua dimensãoampla (social e ambiental) e também restrita (individual), sem olvidar dosparâmetros para se aquilatar a saúde como qualidade de vida, especialmentese estiver em foco o meio ambiente do trabalho.

Por último no segundo capítulo, apresentaremos a multiplicidade deaspectos que envolvem a saúde e o meio ambiente, especialmente quanto aodireito à informação ambiental e ao Estado de Direito Ambiental.

Com efeito, analisaremos que uma das formas de democratizar o exercíciodo poder é mediante a participação popular dentro da ação de universalizaras informações relativas aos riscos ambientais e, consequentemente, a saúdehumana. O modelo de Estado de Direito Ambiental é o que mais correspondea essa necessidade, posto que é pautado nos seguintes argumentos: a)concepção integrada do meio ambiente, ou seja, este engloba não somente osaspectos naturais, mas também culturais e todas as influências sobre a vida ea sua qualidade saudável; b) a institucionalização dos deveres fundamentaisambientais de responsabilidade coletivo-ecológica pela defesa e proteção domeio ambiente; c) o agir integrativo da Administração, no qual todos sãoresponsáveis pela defesa do meio ambiente.

No terceiro capítulo, abordaremos o meio ambiente do trabalho iniciandocom o conceito de ambiente de trabalho, tendo em vista o aumento deseu estudo vinculado ao Direito do Trabalho por causa do alto índice deacidentes e doenças provocados pelo trabalho no Brasil, bem como no mundo,e levando-se em conta o enfoque constitucional em 1988, quando foraminseridos vários princípios de direitos humanos que tutelam o meio ambientehumano, especialmente a dignidade humana, o dever de solidariedade e aequidade intergeracional.

4692.5 o Direito a saúde e a um meio ambiente.pmd 06/06/2013, 11:0118

Page 19: Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

1919191919

Com efeito, conceituaremos o meio ambiente do trabalho na perspectivaconstitucional dos arts. 225, 200 e 7º. Isso porque se por um lado a tutela domeio ambiente do trabalho refere-se somente à saúde do trabalhador, poroutro esse direito social vincula-se a inúmeros preceitos constitucionais etratados internacionais de direitos humanos que o torna abrangente o bastanteem conteúdo e forma para a formação do que seria a dignidade do trabalhador.

Assim, meio ambiente de trabalho é tudo o que condiciona a produçãodo trabalho, desde o local onde o trabalho é realizado, a forma de prover onecessário para que ele se desenvolva, o equilíbrio que deve ser buscado comos meios colocados à disposição do trabalhador para que este produza,devendo ele assegurar as condições necessárias para uma condição de vidadigna.

Em seguida, analisaremos alguns pontos históricos sobre a saúde dotrabalhador e também as principais Convenções da Organização Internacionaldo Trabalho — OIT sobre o mesmo tema e sua relação com o Brasil.

Encerraremos o terceiro capítulo com o tratamento sobre a dimensãodifusa do direito à saúde e à segurança no meio ambiente do trabalho comodireito fundamental, visto que ambas as categorias compõem o núcleo domeio ambiente do trabalho equilibrado e possuem todos os aspectos consti-tucionais de garantia dos direitos fundamentais, ou seja, são irrenunciáveis einerentes ao trabalhador, bem como não podem estar sujeitas a redução emsuas condições diante do princípio da impossibilidade do retrocesso emmatéria social e ambiental. Ademais, também devem estar vinculadas a todosos aspectos que ameaçam a saúde do trabalhador, tais como físicos, químicos,biológicos, mecânicos, fisiológicos, estressantes e psíquicos.

Essas são as razões que nos levaram a efetuar esta investigação.

4692.5 o Direito a saúde e a um meio ambiente.pmd 06/06/2013, 11:0119

Page 20: Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

4692.5 o Direito a saúde e a um meio ambiente.pmd 06/06/2013, 11:0120

Page 21: Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

2121212121

Capítulo 1

A DIGNIDADE DO TRABALHADOR

Normalmente as produções voltadas ao direito ambiental do trabalho(1)

e sua relação com a tutela da saúde do trabalhador seguem um modelo deroteiro, no qual se começa com a apresentação do ambiente histórico de caossocial tendo ao centro a questão operária(2), a qual surge das revoluções burguesae industrial, a partir do iluminismo e todo o seu engodo em não possuir umprojeto social claro.

Em seguida, aborda-se criticamente o movimento constitucionalista emrelação às leis de proteção à saúde do trabalhador pelo espírito liberal comoforma de implantação do mecanismo de controle das relações sociais eaumento da produção. Assim, chega-se à conclusão de que esse mesmo modelode positivação não atinge a relação capital/trabalho com projetos sociaisconcretos, o qual sempre foi visto como pertencer ao âmbito privado e nãoum problema do Estado propriamente dito.

Por último, então, há a abordagem da judicialização dos conflitos comouma espécie de resposta antiliberal do problema por meio das várias atuaçõesda Justiça do Trabalho.

Contudo, apresentaremos uma sistemática diferente, tendo em vista ospressupostos filosóficos imprescindíveis para a abordagem do problema em

(1) Entende-se por meio ambiente do trabalho, como sub-ramo do meio ambiente geral, a [...] soma dasinfluências que afetam diretamente o ser humano, desempenhando aspecto-chave na prestação eperformance do trabalho. Pode-se, simbolicamente, afirmar que o meio ambiente de trabalho constitui opano de fundo das complexas relações biológicas, psicológicas e sociais a que o trabalhador está submetido.Cf. ROCHA, Julio César de Sá. Direito ambiental do trabalho: mudança de paradigma na tutela jurídica àsaúde do trabalhador. São Paulo: LTr, 2002. p. 127.(2) Cf. HOBSBAWM, Eric. Mundo do trabalho. BARCELLOS, Waldea; BEDRAN, Sandra (trad.). Rio deJaneiro: Paz e Terra, 2000. p. 17 et seq. A questão operária pode ser definida como o que fazer com aclasse trabalhadora dentro do espírito capitalista de um lado e os direitos humanos do outro. Os relatoscomeçaram em 1830, especialmente na Inglaterra. Há leituras clássicas sobre o problema, como veremos.

4692.5 o Direito a saúde e a um meio ambiente.pmd 06/06/2013, 11:0121

Page 22: Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

2222222222

8

si, quer seja, a definição alargada de saúde do trabalhador, ultrapassando omero estado de não doença. O caminho traçado será pela crítica do conceitode dignidade dentro do sistema kantiano, no qual as máximas são aindadefendidas e, sendo assim, não podemos nos prender a fatos históricos iniciaise nem finais da modernidade.

A proposta também é tangenciar esta última em seus aspectos dedesarraigamento operário, ou seja, a perda da capacidade de sonhar quandoo trabalhador deixa de ser humano para tornar-se o arauto da técnica deprodução e, assim, questionar a existência da dignidade humana por ter sidotrocada por dinheiro, conforme retórica da esquerda do movimento operárioem Simone Weil(3).

Com efeito, apresentaremos primeiro o filósofo Immanuel Kant (1724--1804) e seu marco teórico, bem com os modelos atuais que poderiam repre-sentá-lo. Em seguida, serão pautadas as repercussões de alguns movimentosoperários históricos dentro do conceito de dignidade humana e cidadania,numa abordagem marxista, arendtiana e de Agamben, de forma a demonstrarque o modelo kantiano de dignidade e a complexidade humana exigem umaprofundamento epistemológico para podermos entender o ser trabalhador.

Em outras palavras, para se alcançar o alargamento do conceito de saúde,como veremos no segundo capítulo, devemos reconhecer igualmente que oseu objeto, a dignidade do trabalhador, apresenta-se igualmente complexo esujeito às críticas da filosofia moral.

Os elementos doutrinários de Kant se restringirão à sua parte moral,especificamente, na obra denominada Fundamentação da metafísica doscostumes(4), na qual o autor apresenta a lei moral como fruto de nossaconsciência com as suas máximas do homem como fim em si mesmo e depromover as suas ações de forma a torná-las como lei universal.

Ademais, como forma de construção nessa nova arquitetura, tambémdefende a impossibilidade de conhecimento das coisas em si, mas tão somenteo seu fenômeno e a sua representação. A grande contribuição de Kant para afilosofia foi ter enfrentado o problema da metafísica e os seus fundamentoscomo forma de possibilitar uma nova epistemologia, sem interferências doempirismo na formulação das leis universais.

(3) WEIL, Simone. A condição operária e outros estudos sobre opressão. 2. ed. rev. Seleção e apresentaçãoEcléia Bosi. Therezinha G. G. Langlada (trad.). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 413 et seq. Numavisão mais ampla, v. FERRY, Luc. A nova ordem ecológica. A árvore, o animal e o homem. Rejane Janowitzer(trad.). Rio de Janeiro: Difel, 2009. p. 37.(4) KANT, Immanuel. Fundamentación de la metafísica de los costumbres. Luis Martinez de Velasco(trad.). Madrid: Austral, 2008.

4692.5 o Direito a saúde e a um meio ambiente.pmd 06/06/2013, 11:0122

Page 23: Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

2323232323

Kant, ao mesmo tempo em que limpou os sistemas filosóficos de suaépoca das transcendências de fundamento teológico, injustificáveis pela razão,segundo ele, propôs a sua máxima de homem como fim em si mesmo, dentroda moralidade prática.

Assim, livre das interferências divinas e contando somente com a razão,a máxima antropocêntrica caiu como luva para o discurso iluminista liberalrevolucionário burguês em permanecer com as desigualdades sociais na buscada uniformização do homo sacer, como veremos com a análise de Agamben(5).

Bem, essa perspectiva jamais se concretizou. Ao contrário, da segundametade do século XX para cá, passamos a conviver com a terminologia criseno meio ambiente que foi considerada como o coroamento de todas as outras,dentre elas, a do desenvolvimento e a da economia. Percebe-se, contudo, umponto comum entre todas elas: foram provocadas pelo avanço da pobrezaglobal e pelo processo de centralização das riquezas, o que, por sua vez, causaa escassez dos recursos naturais e uma onda sucessiva de catástrofesambientais, atingindo a todos, especialmente os mais vulneráveis(6).

O diagnóstico marxista da sociedade, em resposta, propõe o argumentode universalização dos direitos humanos, o qual foi utilizado pelo próprioiluminismo, como forma de emancipar os trabalhadores do estado de miséria.

Ademais, o fato de o iluminismo, como instituição, ter fracassado emseu projeto fez surgir uma distinção de pensamentos: o primeiro seria o ilumi-nismo como razão contestadora inicial e o segundo, o iluminismo institucio-nalizado pela sociedade burguesa em nossos dias.

A dignidade humana do trabalhador e, consequentemente, o alargamentodo conceito de saúde devem ser vistos dentro dessa complexidade e nãoapenas como uma retórica bem construída e permanecida como umdesordenado projeto futuro.

1.1. KANT E O CONHECIMENTO DO POSSÍVEL

O pensamento de Kant é baseado na busca do conhecimento pela críticade sua possibilidade na Crítica da razão pura(7); pelo agir ético diante dessemesmo conhecimento na Crítica da razão prática(8); e como devemos

(5) AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. 2. ed. Henrique Burigo (trad.). BeloHorizonte: UFMG, 2010.(6) Cf. THE WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT. Our common future. NewYork: Oxford University, 2009. p. 28.(7) KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Valério Rohden Rohden e Udo Baldur Moosburger (trad.).Consultoria: Marilena de Souza Chauí. São Paulo: Nova Cultural, 1996.(8) KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. Valério Rohden (trad.). 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,2008b.

4692.5 o Direito a saúde e a um meio ambiente.pmd 06/06/2013, 11:0123

Page 24: Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

2424242424

8

formular juízos de valor pelo saber desinteressado, estético, na Crítica dafaculdade do juízo(9).

A obra Fundamentação da metafísica dos costumes(10), que ora nos interessadiretamente, antecede a segunda crítica e aborda o conceito de moralidadecom algumas máximas. Kant viveu uma época de grande transformação dopensamento e da produção científicas provocadas pelo iluminismo.

Esse movimento histórico compreendeu uma profunda e radicalmudança dos padrões científicos, sociais e religiosos, ou seja, uma empresa dedemolição global que não cabe aqui configurar as suas causas(11).

Com efeito, Kant chamou para si a responsabilidade sobre parte desseconteúdo e apresentou um conhecimento filosófico inédito que pudesseconceder a maioridade intelectual ao homem e disseminasse o mote da época:sapere aude(12).

A primeira transformação significativa que ocorreu foi com relação aorompimento da visão do cosmos dos antigos em ver o mundo fechado e emharmonia para ser substituído pelo olhar newtoniano de universo infinito regidopor leis que se fundam nos conflitos, choques e forças antagônicas. Ademais,grandes foram as produções que representam essa guinada, tais como: Asrevoluções das órbitas celestes, em 1543 de Copérnico, Principia mathematica, em1687 de Newton, Princípio de filosofia, em 1644 de Descartes, além das polêmicasteses de Galileu sobre as relações da terra com o sol(13).

O grande terremoto em Lisboa em 1755, matando milhares de pessoas,demonstra que a natureza apresenta-se instável e que a harmonia que o mundoholístico dos antigos pregava não passava de uma visão romântica, pueril emesmo ignorante das suas verdadeiras realidades, conforme pregavam essasproduções(14).

Ademais, a interpretação do cosmos como padrão ético pressupõe umahierarquia de normas e valores, na qual as virtudes perfeitas são aquelas maispróximas do mundo natural, como se não houvesse possibilidade de mudançaem relação ao homem, conformando-se este em ser um mero espectador eobservador desse ambiente interpretado como supostamente harmônico atéentão(15). Não havendo mais a consonância a ser implantada dentro do sistema

(9) KANT, Emanuel. Crítica da faculdade do juízo. Valério Rohdene e António Marques (trad.). Rio deJaneiro: Forense Universitária, 1993.(10) Loc. cit.(11) ROUANET, Sergio Paulo. As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 203.(12) Ibidem, p. 206. A expressão tem um sentido de atreva-se, “ouse saber”, em tradução livre.(13) FERRY, Luc. Kant: uma leitura das três “Críticas”. Karina Jannini (trad.). Rio de Janeiro: DIFEL, 2009.p. 19.(14) Ibidem, p. 13.(15) Cf. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Pietro Nassett (trad.). São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 25-26.

4692.5 o Direito a saúde e a um meio ambiente.pmd 06/06/2013, 11:0124

Page 25: Direito A Saúde, O: E A Um Meio Ambiente Favorável Ao Trabalho E Aos Trabalhadores

2525252525

filosófico em relação ao cosmos, a soteriologia terá de contar com a capa-cidade do homem em entender o mundo, agora descoberto como caótico, eprosseguir nessa trajetória(16).

A razão iluminista, portanto, assume essa missão de salvar o homem domedo da morte e da finitude(17), descontaminando o conhecimento daslimitações do empirismo. Kant situa-se nessa transição sendo magistral naforma de apresentar a sua crítica contra todo esse sistema confuso queprecisava separar seu campo para tornar a razão pura e mesmo plausível. Eleaprofunda na investigação cartesiana e proclama que a crítica substitui a teoria(18)

ou a contemplação do cosmos. Rompe também não somente com o sistemafilosófico dos antigos, mas também com a teologia, especialmente em relaçãoà metafísica da relação entre Deus e homem.

Desde o século XVII, todos os argumentos cartesianos partiam daexistência onisciente de Deus, como valor absoluto, contra a finitude humana,a qual possui múltiplos aspectos: pecado, morte, sensibilidade, medo, erroetc. Assim, Deus era uma espécie de ponto fixo do pensamento, um eixo,inquestionável e sem possibilidade de contraposição. Kant reduziu esseargumento à sua dimensão racional: uma ideia que, mesmo sendo verdadeira,permanece como uma ideia e, como tal, pelos métodos científicos da época,não basta a si mesma(19).

René Descartes (1596-1650), antes de Kant, diz que o método de descobriras verdades parte de dúvidas menos complexas tal como ocorre nas demons-trações da matemática(20). Ressalte-se que a matemática na época de Descartesfoi estruturada pelos escolásticos em dois campos distintos: as matemáticaspuras, que seriam a aritmética e a geometria, e as matemáticas mistas, dasquais faziam parte a astronomia, a música, a óptica, a mecânica, dentreoutras(21).

(16) WEIL. Op. cit., p. 413 et seq. Weil aponta que o fim da preocupação humana em relação ao seudestino marca o rompimento da tradição ocidental com a cultura grega e forma um dos aspectos dodesenraizamento da condição operária. Os outros são o status social, o desemprego e a instrução, sendoque esta última desde o Renascimento passou a ser reservada a uma determinada classe. Sem a culturagrega, portanto, o trabalhador perdeu a sua capacidade de sonhar.(17) Cf. DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente: 1300-1800, uma cidade sitiada. Maria LuciaMachado (trad.). Tradução das notas Heloísa Jahn. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 206 etseq.(18) LEBRUN, Gérard. Kant e o fim da metafísica. 2. ed. Carlos Alberto Ribeiro de Moura (trad.). SãoPaulo: Matins Fontes, 2002. p. 6.(19) FERRY, loc. cit., p. 22-23. Não adentraremos nesse espinhoso tema da verdade revelada pela doutrinacristã aplicada à teologia moral. A abordagem feita por Kant foi com a intenção de desmistificar oconhecimento da época e não simplesmente negar ou validar a existência de Deus, até porque todossabemos que o filósofo em questão foi muito influenciado pelo pietismo materno e dos seus mestres.(20) DESCARTES, René. Discurso do método. Maria Ermantina Galvão (trad.). São Paulo: Martins Fontes,1996. p. 24.(21) Ibidem, p. 91.

4692.5 o Direito a saúde e a um meio ambiente.pmd 06/06/2013, 11:0125