Direito a Saude

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  • Braslia, 2015 | 1. edio

    DIREITO SADE

  • 2015 1.a EdioCONSELHO NACIONAL DE SECRETRIOS DE SADE CONASS

    permitida a reproduo parcial ou total desta obra, desde que citadas a fonte e a autoria.

    A coleo Para Entender a Gesto do SUS 2015 est disponvel gratuitamente para download no site www.conass.org.br.

    Tiragem: 8 mil exemplares.

    ISBN 978-85-8071-023-6

    Brasil. Conselho Nacional de Secretrios de Sade.

    Direito Sade / Conselho Nacional de Secretrios de Sade Braslia: CONASS, 2015.

    113 p.

    ISBN 978-85-8071-023-6

    Sistema de Sade I.

    NLM WA 525

  • Secretrios de Estado da Sade 2015

    Diretoria do CONASS 2014/2015

    AC AL AM AP BA CE DF ES GO MA MG MS MT PA

    PB PE PI PR RJ RN RO RR RS SC SE SP TO

    Francisco Armando MeloRozangela WyszomirskaWilson Duarte AlecrimPedro Rodrigues Gonalves Leite Fbio Vilas Boas Carlile Lavor Joo Batista de SousaRicardo de Oliveira Leonardo VilelaMarcos PachecoFausto Pereira dos SantosNelson Barbosa TavaresMarco Aurlio Bertulio Helosa Maria Melo e Silva Guimares

    Roberta Abath Jos Iran Costa JniorFrancisco CostaMichele Caputo NetoFelipe PeixotoJos Ricardo LagrecaWilliames PimentelKalil Gibran Linhares CoelhoJoo Gabbardo dos ReisJoo Paulo KleinubingJos Macdo SobralDavid UipSamuel Braga Bonilha

    PresidenteWilson Duarte Alecrim (AM)

    Vice-PresidentesRegio Centro-OesteHalim Antonio Girade (GO)Regio NordesteJorge Villas Boas (AL)Regio NorteHlio Franco de Macedo Jnior (PA)Regio SudesteMarcos Esner Musafir (RJ)Regio SulMichele Caputo Neto (PR)

  • Equipe Tcnica do CONASS

    Secretrio ExecutivoJurandi Frutuoso

    Assessoria de Relaes InternacionaisFernando Cupertino

    Assessoria JurdicaAlethele de Oliveira Santos

    Assessoria de Comunicao SocialAdriane CruzMarcus CarvalhoTatiana Rosa

    Coordenao de Ncleos TcnicosRita de Cssia Berto Cataneli

    Coordenao de Desenvolvimento InstitucionalRicardo F. Scotti

    Assessoria TcnicaAlessandra SchneiderBeatriz Figueiredo DobashiEliana Maria Ribeiro DouradoLdia TononLore LambLourdes AlmeidaMaria Jos EvangelistaMaria Zlia Soares LinsNereu Henrique MansanoRen SantosTereza Cristina AmaralViviane Rocha De Luiz

  • Organizao da ColeoRen Santos

    Coordenao do LivroAlethele de Oliveira Santos

    ColaboradoresAlessandra Marqueto Alethele de Oliveira SantosAnselmo Dantas Beatriz Figueiredo DobashiCarlos Alexandre Lorga Carolina Bonadiman EstevesCatarina de S Guimares RibeiroCludia Boscheco Moretoni Clnio Jair SchulzeDeise Regina Sprada Pontarolli Fbio Ferreira Mazza Fernando Passos Cupertino de Barros Flvio Marcelo GomesGheisa Regina Plaisant da Paz e Silva Gilmar de AssisGiovana Andra Gomes FerreiraGiovanna Chipon Strapasson Gisele Bechara Espinoza Huark Douglas CorreiaIvaneide de Oliveira LopesIvanildo Silva da CostaLetcia Coelho Simon Lgia Fernandes Lima NantesLudmilla Souza de O. S. Dayrell Mrcia Coli NogueiraMarcus Vinicius Armani Alves

    Maria Clia DelduqueMarina Fernanda de Carlos Flores da Silva Marlene Anchieta Vieira Max Carvalho Amaral Maxiliano DAvila Cndido de SouzaPatrcia Paim Paula Rossignoli Paula Sue Facundo de SiqueiraPedro Henrique di Masi PalheiroRamiro Nbrega de SantAnaRaquel Frana Silva Renato Lus DreschReynaldo Mapelli Jnior Ricardo Assis Alves Dutra Rita de Cssia Mello Guimares Rodrigo Otvio Lobo da Silva CostaRodrigo Santos de CarvalhoRosane E. MagesteSandra Mara Campos AlvesSilvia Badim MarquesSimone Sousa Nicolau Pires Siriana Maria da SilvaVictor W. Mattos

    EdioAdriane CruzTatiana Rosa

    Reviso TcnicaRen SantosBeatriz Figueiredo Dobashi

    Reviso JurdicaSilvia Badim Marques

    Reviso OrtogrficaSem Fronteira Idiomas

    Projeto Grfico e DiagramaoMarcus Carvalho

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  • Sumrio

    APRESENTAO

    INTRODUO

    CAPTULO 1 O DIREITO SANITRIO NA LEGISLAO BRASILEIRA

    CAPTULO 2 O SISTEMA SANITRIO E O SISTEMA DE JUSTIA

    CAPTULO 3 JUDICIALIZAO DIFICULDADES E APRENDIZADOS

    CAPTULO 4 ORGANIZAO DAS SES PARA ENFRENTAR A JUDICIALIZAO EXPERINCIAS

    CONSIDERAES FINAIS

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ANEXO 1

    8

    10

    14

    32

    44

    84

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    Apresentao

    O Direito Sanitrio uma disciplina que envolve o estudo das relaes entre o sistema de justia e o sistema sanitrio e que, des-de a promulgao da Constituio de 1988, que consagrou o di-reito sade como social e fundamental, desponta como essencial para o campo da sade coletiva e nesse contexto, ganha valor e volume a cada dia. Trata-se, portanto, de disciplina que envolve o trabalho dirio das Secretarias Estaduais de Sade. Ainda que o CONASS, no decorrer dos anos e de vrias formas, tenha cumprido sua misso na apreciao e na apresentao conceitual na esfera da sade, at mesmo para expor suas teses ao sistema de justia, esta primeira publicao do CONASS dedicada, exclusivamente, ao Direito Sanitrio.

    Conhecer o Direito Sanitrio e os debates que o acompanham condio essencial para o desempenho da gesto. No pode ser compreendido exclusivamente como o fenmeno da judicializao em sade, maior, mais abrangente. Traduz-se como disciplina que trata do conjunto normativo pelo qual se espera efetivar o direito fundamental sade, contemplado na Constituio, na legislao ordinria e nas normativas polticas e administrativas prprias da matria.

    Para a elaborao deste volume, que apresenta 33 artigos na forma da ferramenta QR Code, contou-se com a valiosa colaborao de expertos no assunto. Foram envolvidos tcnicos das Secretarias Estaduais de Sade, Assessores Jurdicos, Procuradores Estaduais e Federais, Defensoria Pblica, Ministrio Pblico, Magistratura e Academia que de pronto apresentaram artigos para que com-pusessem esta obra. Da mesma forma adequado reconhecer o trabalho da assessoria tcnica da Secretaria Executiva do CONASS no cumprimento dessa misso.

  • 9DIREITO SADE

    Cumpre ainda, e com a viso no futuro, apresentar a inteno de perseverar e qualificar os debates que aqui se expem e desejar boa leitura!

    Wilson Duarte AlecrimPresidente do CONASS

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    Introduo

    O Conselho Nacional de Secretrios de Sade (CONASS) existe desde 1982, foi acolhido pela Norma Operacional Bsica n. 1/1993 (BRASIL, 1993), reconhecido pela Lei n. 8.142 (BRASIL, 1990) e, finalmente, pela Lei n. 12.466 (BRASIL, 2011), que alterou a Lei n. 8.080 (BRASIL, 1990).

    O CONASS tem por misso:1

    [...] promover a articulao e a representao poltica da gesto estadual do SUS, proporcionando apoio tcnico s Secretarias Esta-duais de Sade, coletiva e individualmente, de acordo com as suas necessidades, por meio da disseminao de informaes, produo e difuso de conhecimento, inovao e incentivo troca de experi-ncias e de boas prticas.

    Para dar concretude sua misso, uma das atividades do CO-NASS , a cada quatro anos, preparar-se para acolher os novos gestores estaduais da sade no Brasil, em conjunto com aqueles que iniciam um segundo perodo de gesto, decorrente da reelei-o dos Governadores. Na estratgia de acolhimento aos gestores, so preparadas vrias aes e atividades, entre elas a elaborao de livros sobre a temtica da sade pblica.

    Foram preparados materiais diversos para a recepo dos no-vos gestores, entre eles a coleo Para Entender a Gesto do SUS 2015, com quatro livros que tratam de assuntos complexos e atu-ais sobre o Sistema nico de Sade (SUS) e que, obviamente, tm demandado a adoo de estratgias e providncias bem elaboradas pela gesto estadual. So eles: (i) Ateno Primria e as Redes de

    1 Disponvel em: . Acesso em: 8 dez. 2014.

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    Ateno Sade; (ii) Direito Sade; (iii) Alternativas de Gerncia para as Unidades Pblicas de Sade; e (iv) A Gesto do SUS.

    Este volume, que trata do Direito Sade, apresenta quatro captulos: (i) O Direito Sanitrio na legislao brasileira; (ii) O Sistema Sanitrio e o Sistema de Justia; (iii) Judicializao difi-culdades e aprendizados; (iv) Organizao das SES para enfrentar a judicializao experincias. Os captulos so compostos por ar-tigos escritos por profissionais2 que representam o sistema sanit-rio (Secretarias Estaduais de Sade e Procuradorias Estaduais) e o sistema de justia (representantes da magistratura, Ministrio Pblico, Defensoria e outros).

    Referidos artigos indicam questes relevantes sobre as bases do direito sanitrio, sua caracterstica complexa e interdisciplinar, a relao do sistema de justia com o sistema sanitrio, a judiciali-zao da sade, a legislao sanitria e a organizao do SUS. Tem o intuito de, a partir das reflexes propostas, possibilitar aos ges-tores um entendimento maior acerca das questes que envolvem o tema no Brasil.

    Apresentam reflexes e experincias dos que atuam na rea do direito sade, especialmente nas discusses que envolvem o sistema sanitrio e o sistema de justia. Sugerem estratgias me-diadoras e conciliadoras dos conflitos, que podem qualificar o nvel de comunicao existente entre os dois sistemas, alm de propiciar a troca de experincias, na medida em que discorrem sobre as di-versas maneiras de organizao eleitas pelas Secretarias Estaduais de Sade em face da judicializao sanitria.

    Nesse contexto, cabe indicar que a judicializao da sade tem sido o palco para debates que envolve inmeros atores, desde ges-

    2 Os autores elaboraram artigos que expressam suas opinies pessoais, a pedido do CONASS, e tm conhecimento de que as publicaes, tanto impressas quanto disponveis pela rede mundial de computadores, so de acesso pblico, gratuito e desembaraado (portal CONASS); alm disso, cederam, gratuitamente, seus direitos autorais para a presente publicao.

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    tores de sade do ministrio da sade, secretarias estaduais e do DF, secretarias municipais, juzes, promotores de justia, defenso-res pblicos, organizaes da sociedade civil, universidades, in-dstrias de medicamentos e tecnologias de sade, entre outros.

    Apresenta teses antagnicas: (i) a efetivao do direito sade deve dar-se independentemente de poltica pblica; (ii) a efetiva-o do direito sade s deve dar-se mediante poltica pblica; (iii) a efetivao do direito sade deve dar-se mediante poltica pblica, todavia, admitidas excees. A ltima tese foi a posio adotada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) quando da deciso da Suspenso de Tutela Antecipada (STA) 1753 e outros processos.

    O debate que envolve a judicializao da sade chegou aos tri-bunais superiores, ao STF, ao Conselho Nacional de Justia (CNJ) e ao Conselho Nacional do Ministrio Pblico (CNMP) e tem pro-vocado a adoo de estratgias que promovem e aperfeioam o dilogo entre os sistemas jurdico e sanitrio no que tange sade.

    A judicializao tem por essncia o fato de que cada sistema vive separadamente seus dilemas: no Judicirio, o dever de julgar os pedidos que lhe so apresentados, conforme suas especificida-des e que suas decises sejam exequveis, e na Sade, a tentativa de conciliar as normativas do SUS, o financiamento insuficiente e as determinaes recebidas do Poder Judicirio. Entretanto, e tambm se ver em captulo trs do livro, busca-se por estratgias e alternativas que aprimorem a comunicao entre os sistemas, a fim de garantir o direito sade de todos e de cada um.

    Em cenrio de composio e fortalecimento de estratgias que facilitem a comunicao entre os sistemas sanitrio e de justia, merece meno a Cmara Tcnica de Direito Sanitrio (CTDS) do CONASS, que agrega representantes das 27 Secretarias Estaduais de Sade (SES), para discusso, formulao, avaliao e apresen-

    3 Disponvel em: . Acesso em: 3 dez. 2014.

  • 13DIREITO SADE

    tao Assembleia de Secretrios Estaduais dos itens referentes ao Direito Sanitrio. A CTDS foi criada em novembro de 2013 e composta por tcnicos das assessorias jurdicas das SES e das Pro-curadorias Gerais dos Estados (PGE), responsveis pela temtica no mbito de seus territrios e indicados pelos respectivos secret-rios de sade no incio de cada gesto. Reconhece-se que a atuao da CTDS, nos anos 2013 e 2014, foi de grande importncia para a Secretaria Executiva do CONASS, em especial para a elaborao do presente volume, e espera-se que seus trabalhos rendam cada vez mais frutos para o sistema pblico de sade.

    Obviamente no pretenso da obra o esgotamento do tema. Esta pretende, sim, lanar luzes sobre questes, cujo debate mere-ce ser aprofundado. Busca-se, com esta publicao, auxiliar a com-preenso dos gestores estaduais acerca do Direito Sade, com nfase na judicializao do direito da sade, por ser esta uma das temticas mais debatidas pela gesto estadual do SUS.

  • 1O Direito Sanitrio na Legislao Brasileira

  • 15DIREITO SADE

    O Direito Sanitrio na Legislao Brasileira

    Depois de muitos anos de luta, o Movimento da Reforma Sani-tria (MRS) conseguiu colocar, na lei maior do Pas, a Constituio Federal (CF) (BRASIL, 1988), a Sade como direito fundamental, garantido pela interao dos trs Entes Federados: Unio, Estado, Distrito Federal e Municpios.

    Na CF (BRASIL, 1988), esto institucionalizados os direitos hu-manos no Pas, consagrados em direitos fundamentais, sociais e eco-nmicos, de aplicao imediata. E, entre esses direitos, encontra-se o direito sade, expresso no artigo 6, como um direito social.

    O artigo 23, II, da CF (BRASIL, 1988) diz da competncia comum dos entes federados para cuidar da sade, o que exige que gestores de todos os nveis de governo definam a organizao e competncias no SUS, de modo a atender a diretriz constitucional de descentrali-zao prevista no artigo 198, I bem como as delimitaes apre-sentadas nos artigos 15 e 16 da Lei n. 8.080/1990 (BRASIL, 1990).

    A pretenso deste captulo apresentar a legislao estrutu-rante do SUS e seu modelo de pactuao entre gestores. Os artigos que compem esta parte do livro, alm de discorrerem sobre as leis, a organizao geral da poltica pblica de sade e a pactuao entre gestores, apresentam tambm os avanos, os debates e os de-safios que acompanham essas temticas. A conquista pelo direito sade no se fez acompanhar de financiamento suficiente e sus-tentvel e da adequada formao dos profissionais de sade, a fim de estarem inseridos nas novas prticas sanitrias e na produo social da sade, e a gesto estadual de sade no pode se furtar a esses enfrentamentos.

    Recorre-se, primeiramente, ao conceito de direito sade, ex-trado do artigo 196 da CF. A deciso do Ministro Gilmar Mendes, do STF, na Suspenso de Tutela Antecipada 175 e outros processos (STA 175), alm de reconhecer a existncia de teses antagnicas

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    acerca da efetivao do direito sade, indicou detalhadamente a interpretao para o artigo 196 da CF (BRASIL, 1988). Fez isso no sentido de buscar a uniformidade dos entendimentos sobre o direi-to sade.1 Para o termo direito de todos, a deciso mencionada

    1 Disponvel em: . Acesso em: 3 dez. 2014. Deciso STA 175 e outros processos: [...] (1) direito de todos: possvel identificar, na redao do referido artigo cons-titucional, tanto um direito individual quanto um direito coletivo sade. Dizer que a norma do artigo 196, por tratar de um direito social, consubstancia-se to somente em norma programtica, incapaz de produzir efeitos, apenas indican-do diretrizes a serem observadas pelo poder pblico, significaria negar a fora normativa da Constituio. [...] No obstante, esse direito subjetivo pblico assegurado mediante polticas sociais e econmicas, ou seja, no h um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessrio para a proteo, promoo e recuperao da sade, independentemente da existncia de uma poltica pblica que o concretize. H um direito pblico subjetivo a polticas pblicas que promo-vam, protejam e recuperem a sade. [...] Assim, a garantia judicial da prestao individual de sade, prima facie, estaria condicionada ao no comprometimento do funcionamento do Sistema nico de Sade (SUS), o que, por certo, deve ser sempre demonstrado e fundamentado de forma clara e concreta, caso a caso. (2) dever do Estado: O dispositivo constitucional deixa claro que, para alm do direito fundamental sade, h o dever fundamental de prestao de sade por parte do Estado (Unio, estados, Distrito Federal e municpios). O dever de desen-volver polticas pblicas que visem reduo de doenas, promoo, proteo e recuperao da sade est expresso no artigo 196. A competncia comum dos Entes da Federao para cuidar da sade consta do art. 23, II, da Constitui-o. Unio, estados, Distrito Federal e municpios so responsveis solidrios pela sade, tanto do indivduo quanto da coletividade e, dessa forma, so legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir a negativa, pelo SUS (seja pelo ges-tor municipal, estadual ou federal), de prestaes na rea de sade. O fato de o Sistema nico de Sade ter descentralizado os servios e conjugado os recursos financeiros dos Entes da Federao, com o objetivo de aumentar a qualidade e o acesso aos servios de sade, apenas refora a obrigao solidria e subsidiria entre eles. [...] (3) garantido mediante polticas sociais e econmicas: A garantia mediante polticas sociais e econmicas ressalva, justamente, a ne-cessidade de formulao de polticas pblicas que concretizem o direito sade por meio de escolhas alocativas. incontestvel que, alm da necessidade de se distriburem recursos naturalmente escassos por meio de critrios distributivos, a prpria evoluo da medicina impe um vis programtico ao direito sade, pois sempre haver uma nova descoberta, um novo exame, um novo prognstico ou procedimento cirrgico, uma nova doena ou a volta de uma doena suposta-

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    identifica que se trata tanto do direito individual quanto do direito coletivo. Todavia, indica que no h um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessrio para a proteo, promoo e recuperao da sade e que o direito individual est condicionado ao no comprometimento do SUS e deve ser demonstrado e funda-mentado, caso a caso. Indica ao Estado Brasileiro (Unio, estados, DF e municpios) o dever de desenvolver polticas pblicas que vi-sem reduo de doenas, promoo, proteo e recuperao da sade evidenciadas as aes preventivas , mediante a solida-riedade dos Entes, com a distribuio de recursos naturalmente escassos, em escolhas alocativas.

    A interpretao constitucional de extrema importncia para a efetivao do direito sade, ainda mais quando aliada s demais normativas que estruturam a poltica pblica.

    Para apresentar a legislao estruturante do SUS, Simon ini-cia sua narrativa pela CF (BRASIL, 1988), em seus artigos 6 e 196, enquadrando a sade na seguridade social. Apresenta a legis-lao ordinria (Leis n. 8.080/1990 e n. 8.142/1990), com suas respectivas alteraes (Leis n. 12.401/2011 e n. 12.466/2011). Apresenta o Decreto n. 7.508 (BRASIL, 2011) que refere o Con-

    mente erradicada. (4) polticas que visem reduo do risco de doena e de outros agravos: Tais polticas visam reduo do risco de doena e ou-tros agravos, a fim de evidenciar sua dimenso preventiva. As aes preventivas na rea da sade foram, inclusive, indicadas como prioritrias pelo artigo 198, inciso II, da Constituio. (5) polticas que visem ao acesso universal e igualitrio: [...] O princpio do acesso igualitrio e universal refora a responsa-bilidade solidria dos Entes da Federao, garantindo, inclusive, a igualdade da assistncia sade, sem preconceitos ou privilgios de qualquer espcie (art. 7, IV, da Lei n. 8.080/1990). (6) aes e servios para promoo, proteo e recuperao da sade: O estudo do direito sade no Brasil leva a concluir que os problemas de eficcia social desse direito fundamental devem-se muito mais a questes ligadas implementao e manuteno das polticas pblicas de sade j existentes o que implica tambm a composio dos oramentos dos Entes da Federao do que falta de legislao especfica. Em outros termos, o problema no de inexistncia, mas de execuo (administrativa) das polticas pblicas pelos Entes Federados. [...] (grifos do original)

  • 18 PARA ENTENDER A GESTO DO SUS | 2015

    trato Organizativo de Ao Pblica (Coap). Como no poderia ser diferente, apresenta ainda a regulamentao que confere aporte oramentrio e financeiro poltica pblica de sade EC n. 29 (BRASIL, 2000), Lei Complementar n. 141 (BRASIL, 2012) e res-pectivas anlises. A autora sustenta que o direito sade no pode ser exercido e garantido pelo Judicirio de forma ilimitada. Deve sim, considerar a dimenso poltica que envolve, inexoravelmente, o direito social sade.

    Desafio: Concretizao do direito Sade Pblica no Brasil Letcia Coelho Simon

    Gesto Compartilhada do SUS: a importncia da pactuao para a efetividade do Direito Constitu-cional da Sade Ludmylla Souza de Oliveira Silva Dayrell

    Os conselhos representativos e o modelo de pactuao entre ges-tores no SUS so apresentados por Dayrell. Reala a importncia do CONASS, do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Sade (Conasems), das Comisses Intergestores Tripartite (CIT), Bipartite (CIB) e Regional (CIR) para a garantia do direito sade nos moldes constitucionais e apresenta seus objetivos. Discorre sobre a importn-cia dos atos administrativos que decorrem da atuao das comisses intergestores, principalmente a partir da incluso trazida pelo artigo 14-A da Lei n. 8.080/1990 (BRASIL, 1990), que reconheceu o papel decisrio das CIB e CIT, com a possibilidade de emisso de atos es-pecficos acerca das polticas pblicas, aes e servios de sade e fi-nanciamento. Indica que as decises das Comisses Intergestores so, portanto, normas jurdicas, que devem ser conhecidas pelo sistema de justia. A autora indica, por fim, que medidas relativas transparncia das aes administrativas aliadas a uma interlocuo melhorada com o sistema de justia podem contribuir para a compreenso da lgica da poltica pblica de sade e para a participao da comunidade.

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    Art

    igo

    Art

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  • 19DIREITO SADE

    Apresentadas as leis que estruturam o SUS e o modelo de pac-tuao entre gestores, cabe conhecer o debate que versa sobre o Poder Regulamentar da Administrao Pblica, que confere aos ges-tores de sade a prerrogativa de editar normas para complementar a legislao existente. Dutra apresenta: (i) a hierarquia das normas vale mais a CF (BRASIL, 1988) e menos a resoluo da CIT ; (ii) os conflitos existentes entre normas de Entes Federados distintos; (iii) como a hierarquia das leis aplicada no SUS e os conflitos que devem ser ora evitados, ora combatidos na pactuao entre gestores. O contedo que devem ter as normas editadas pelo SUS e sua con-sequente eficcia na gesto so debates que devem ser conhecidos e aprofundados pelos gestores e pelos tcnicos das secretarias estadu-ais, para um melhor exerccio de seu poder regulamentar.

    O poder normativo do Gestor de Sade: possibilidades e limites Ricardo Assis Alves Dutra

    O acesso Sade Pblica e a eficcia das normas de regulao do SUS Renato Lus Dresch

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    Artig

    oA

    rtigo

    Seguindo o debate acerca do poder normativo do Executivo, Dresch juiz de direito em Minas Gerais busca o aprofundamen-to desta temtica e entende, conforme expe em seu artigo, que as normativas do SUS tm eficcia e validade:

    [...] as normas infraconstitucionais que regulam o acesso sade, inclusive quando repartem a competncia entre os gestores, no ofendem a garantia constitucional de plenitude de acesso e atendi-mento integral sade, no havendo como afastar a sua validade e eficcia, porque emanam de cumprimento do prprio comando constitucional.

    O autor ressalta que o Poder Judicirio, que tem sido protago-nista em garantir o acesso aos servios de sade da populao nas

  • 20 PARA ENTENDER A GESTO DO SUS | 2015

    vias processuais, carece de um conhecimento mais apurado acerca da regulao administrativa do Sistema nico de Sade (SUS), ex-pressas em tantas normas infralegais. No que diz respeito s com-petncias dos Entes, na execuo das aes e dos servios de sade, Dresch indica tambm que as resolues e as portarias (atos admi-nistrativos) editadas pelo SUS devem ser observadas at mesmo para a proposio de demandas judiciais pelo direito sade.

    Silva, em seu artigo, debate a importncia de se estudar o fe-deralismo de cooperao na rea de sade. Segundo a autora, a soma de todos os esforos, por parte dos nveis de governo, que pode garantir a sade para os brasileiros. Todavia, pondera que para esse modelo de federalismo funcionar fundamental que as atribuies de cada ente seja bem definida, de modo no haver vazios assistenciais e nem sobreposio de tarefas.

    A importncia de delimitao de atribuies a fim de garantir maior efetividade na prestao de servios definidos como de competncia comum Marina Fernanda de Carlos Flores da Silva

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    igo

    Enfoca, a partir de caso especfico, a necessidade de se respei-tar a poltica pblica constituda e pactuada entre Entes. Chama a ateno para a mudana de posio do sistema de justia, que passa a observar a importncia das atribuies estabelecidas para cada Ente, demonstrando proteo poltica pblica, ao conhecer sua diviso de competncias. A autora conclui que imprescindvel que o federalismo de cooperao seja adequadamente executado, com atribuies e responsabilidades mais bem definidas para cada ente federado, respeitada a legislao vigente.

    Neste sentido, alm do exposto pela autora, importa conhecer a lio de Dallari (1995), para quem a distribuio constitucional de competncias condio do Federalismo, necessria autonomia das Unidades Federadas no que diz respeito s suas competncias

  • 21DIREITO SADE

    e participao na formao da vontade expressa nas leis. A CF (BRASIL, 1988) tanto conferiu competncias comuns quanto es-pecficas Unio, a estados, ao Distrito Federal e a municpios. No que se refere s competncias comuns, como a poltica de sade, h discusso sobre a solidariedade entre Entes.

    Santos (2010) indica que a solidariedade, em sentido jurdico, est associada responsabilidade do Ente com o pedido judicial e sua consequente legitimidade para figurar em um dos polos da ao judicial.

    Acerca do reconhecimento da responsabilidade solidria entre os Entes Federados na efetivao do direito sade, importa des-tacar a existncia de correntes de pensamentos distintas: a que entende pela responsabilidade solidria entre os Entes e a que en-tende pelo respeito s competncias definidas em legislao infra-constitucional e explicitadas em normativa infralegal.

    A responsabilidade dos Entes deve ser alvo de apreciao do STF, quando do julgamento do Recurso Extraordinrio 566.4712, cujo po-

    2 Demonstrou a Repercusso Geral exigida pela Lei n. 11.418/2006 (Emen-da Constitucional n. 45/2004, art. 327 do Regimento Interno do STF e Emen-da Regimental n. 21 do STF). Distribudo ao Ministro Marco Aurlio de Mello, em outubro de 2007, teve sua repercusso geral reconhecida, por unanimidade, confirmando o entendimento do Tribunal de Justia do Rio Grande do Norte. O portal do STF informa que os recursos extraordinrios so de carter excepcional dirigido ao prprio Supremo contra decises de outros tribunais, em nica ou ltima instncia, quando houver ofensa norma da Constituio Federal. Poder ser objeto de RE uma deciso judicial que: (i) contrariar dispositivo da CF; (ii) declarar inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; (iii) julgar vlida lei ou ato de governo local contestado em face da CF. Tem por fundamento a CF, em seu artigo 102, III, e artigo 52, X, os procedimentos estabelecidos pelo Cdigo de Processo Civil, Lei n. 8.038/1990 e o Regimento Interno do STF. Santos (2013, p. 65) indica que: os RE podem ser impetrados por qualquer pessoa e suas caractersticas so: (i) esgotamento prvio das instncias ordinrias (no cabe mais recurso para instncias inferiores); (ii) atuao do STF e do STJ no igual dos outros tribunais sua funo aqui guardar o ordenamento jurdico e no a situao individual das partes. A parte poder ser beneficiada por essa guarda, mas a mera alegao de que as decises anteriores lhe foram injustas no servem para fundamentar esses recursos; (iii) no servem para mera revi-

  • 22 PARA ENTENDER A GESTO DO SUS | 2015

    sicionamento poder abranger questes como a reserva do possvel e a solidariedade entre Entes, como mencionado na STA 175.3

    Nesse mbito, a discusso tambm se dar quando da anlise da Proposio de Smula Vinculante4 (PSV) n. 4 para o reconheci-

    so de matria de fato; (iv) sua admisso depende da autorizao da instncia inferior, e depois do prprio STF e do STJ; (v) os pressupostos especficos desses recursos esto na Constituio Federal e no no Cdigo de Processo Civil e na Lei n. 8.038/1990; (vi) enquanto perdurarem os recursos excepcionais, a sentena anterior j pode ser executada provisoriamente; (vii) os dois recursos podem ser ajuizados simultaneamente no STF e no STJ, uma vez que suas diferenas so bem delineadas pela Constituio, tratando-se de discusso de matrias distintas. Portanto, o prazo para apresentar os recursos corre simultaneamente, sendo de 15 dias.

    3 Ressalto que o tema da responsabilidade solidria dos Entes Federativos em matria de sade tambm poder ser apreciado pelo Tribunal no RE 566.471, Rel. Min. Marco Aurlio, o qual tem repercusso geral reconhecida, nos termos da seguinte ementa: SADE ASSISTNCIA MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO FORNECIMENTO. Possui repercusso geral controvrsia sobre a obrigatoriedade de o Poder Pblico fornecer medicamento de alto custo. Tambm tramita nesta corte a Proposta de Smula Vinculante n. 4, que prope tornar vinculante o en-tendimento jurisprudencial a respeito da responsabilidade solidria dos Entes da Federao no atendimento das aes de sade. Referida PSV teve a tramitao sobrestada por deciso da Ministra Ellen Gracie, Presidente da Comisso de Ju-risprudncia, e est no aguardo da apreciao do mrito do referido RE 566.471 (DJe 26.8.2009). Assim, apesar da responsabilidade dos Entes da Federao em matria de direito sade suscitar questes delicadas, a deciso impugnada pelo pedido de suspenso, ao determinar a responsabilidade da Unio no fornecimen-to do tratamento pretendido, segue as normas constitucionais que fixaram a com-petncia comum (art. 23, II, da CF), a Lei Federal n. 8.080/1990 (art. 7, XI) e a jurisprudncia desta Corte. Entendo, pois, que a determinao para que a Unio arque com as despesas do tratamento no configura grave leso ordem pblica.

    4 Martins (2012) leciona que a smula o resumo dos julgamentos e resul-tante de teses jurdicas j reiteradas e predominantes nos tribunais. A Emenda Constitucional n. 45, de 2004, introduziu o artigo 103 A , (devidamente regula-mentado pela Lei n. 11.417/2006) na Constituio Federal, admitindo a previ-so de efeito vinculante smula de julgamento do STF. A Smula Vinculante tem por consequncias a celeridade e a efetividade s decises judiciais, espe-cialmente nas demandas repetitivas; e a uniformidade nas decises. Adotadas as smulas vinculantes, tribunais e juzes devem decidir questes de mesmo teor em conformidade com a smula e seu desrespeito poder ensejar responsabilizao

  • 23DIREITO SADE

    mento da responsabilidade solidria entre os Entes Federados na efetivao do direito sade.

    As smulas vinculantes tratam de controvrsia observada em nmero crescente de demandas judiciais idnticas e pretendem obter tanto um posicionamento do Poder Judicirio sobre questo ainda no decidida quanto tentam dar cabo ao quantitativo cres-cente de processos, a partir da uniformizao dos julgados.

    A PSV n. 4 prope: a responsabilidade solidria dos Entes Fe-derativos no que concerne ao fornecimento de medicamento e tra-tamento mdico ao carente, comprovada a necessidade do frmaco ou da interveno mdica, restando afastada, por outro lado, a alegao de ilegitimidade passiva corriqueira por parte das Pessoas Jurdicas de Direito Pblico. Caso seja assim reconhecida, o pro-ponente de uma ao judicial cujo pleito seja ao ou servio de sade poder acionar qualquer dos Entes Federados.

    Cumpre assinalar que, dos constantes posicionamentos do STF, h adoo da tese da preservao do princpio da lealdade Fe-derao e, consequentemente, o entendimento pela solidariedade dos Entes. Essa afirmativa encontra fundamento, at mesmo, na deciso STA 175.5

    conforme estabelece a Lei n. 11.417/2006, em seu artigo 9, exceto os casos de fundamento que denote a inaplicabilidade da smula.

    5 Deciso STA 175 e outros processos: [...] Por fim, constatei que existem casos na jurisprudncia desta Corte que afirmam a responsabilidade solidria dos Entes Federados em matria de sade e de que no cabe discutir, no mbito do pedido de suspenso, questes relacionadas ao mrito da demanda. Irresignada, a Unio agravou da referida deciso, reforando os argumentos antes apresentados no pedido de suspenso. [...] O princpio do acesso igualitrio e universal refora a responsabilidade solidria dos Entes da Federao, garantindo, inclusive, a igual-dade da assistncia sade, sem preconceitos ou privilgios de qualquer espcie (art. 7, IV, da Lei n. 8.080/1990). [...] Aps refletir sobre as informaes co-lhidas na Audincia Pblica Sade e sobre a jurisprudncia recente deste Tribunal, possvel afirmar que, em matria de sade pblica, a responsabilidade dos Entes da Federao deve ser efetivamente solidria. No RE 195.192-3/RS, a 2 Turma deste Supremo Tribunal consignou

  • 24 PARA ENTENDER A GESTO DO SUS | 2015

    Contudo, a I Jornada de Direito Sanitrio, promovida pelo CNJ, em maio de 2014, enquanto o RE 466.741 e a referida PSV aguar-dam apreciao pelo STF, indicou em seu enunciados interpretati-vos n. 8 e n. 13 a adoo da corrente de pensamento que identifica

    o entendimento segundo o qual a responsabilidade pelas aes e pelos servios de sade da Unio, dos estados, do Distrito Federal e dos municpios. Nesse senti-do, o acrdo restou assim ementado: SADE AQUISIO E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS DOENA RARA. Incumbe ao Estado (gnero) proporcio-nar meios visando alcanar a sade, especialmente quando envolvida criana e adolescente. O Sistema nico de Sade torna a responsabilidade linear alcanan-do a Unio, os estados, o Distrito Federal e os municpios. (RE 195.192-3/RS, 2 Turma, Ministro Marco Aurlio, DJ 22.2.2000). [...] A responsabilidade dos Entes da Federao foi muito enfatizada durante os debates na Audincia Pblica Sade, oportunidade em que externei os seguintes entendimentos sobre o tema: O Poder Judicirio, acompanhado pela doutrina majoritria, tem entendido que a competncia comum dos Entes resulta na sua responsabilidade solidria para responder pelas demandas de sade. Muitos dos pedidos de suspenso de tutela antecipada, suspenso de segurana e suspenso de liminar fundamentam a ocor-rncia de leso ordem pblica na desconsiderao, pela deciso judicial, dessa diviso de responsabilidades estabelecidas pela legislao do SUS, alegando que a ao deveria ter sido proposta contra outro Ente da Federao. No temos dvida de que o Estado brasileiro responsvel pela prestao dos servios de sade. Im-porta aqui reforar o entendimento de que cabe Unio, aos estados, ao Distrito Federal e aos municpios agirem em conjunto no cumprimento do mandamento constitucional. A Constituio incorpora o princpio da lealdade Federao por parte da Unio, dos estados e dos municpios no cumprimento de suas tarefas co-muns. De toda forma, parece certo que, quanto ao desenvolvimento prtico desse tipo de responsabilidade solidria, deve ser construdo um modelo de cooperao e de coordenao de aes conjuntas por parte dos Entes Federativos. [...] (grifos do original).[...] A correo ou no deste posicionamento, entretanto, no passvel de ampla cognio nos estritos limites deste juzo de contracautela, como quer fazer valer a agravante. Da mesma forma, as alegaes referentes ilegitimidade passiva da Unio, violao do sistema de repartio de competncias, necessidade de fi-gurar como ru na ao principal somente o Ente responsvel pela dispensao do medicamento pleiteado e desconsiderao da lei do SUS, no so passveis de ampla delibao no juzo do pedido de suspenso de segurana, pois constituem o mrito da ao, a ser debatido de forma exaustiva no exame do recurso cabvel contra o provimento jurisdicional que ensejou a tutela antecipada. Nesse sentido: SS-AgR n. 2.932/SP, Ellen Gracie, DJ 25.4.2008 e SS-AgR n. 2.964/SP, Ellen Gra-cie, DJ 9.11.2007, entre outros [...].

  • 25DIREITO SADE

    as competncias dos Entes, na legislao infraconstitucional, nos casos em que for possvel.6

    Esta mesma PSV n. 4 discutir outra questo importante: a possibilidade de bloqueio de valores pblicos para o fornecimento de medicamento e tratamento mdico ao carente, comprovada a necessidade do frmaco ou interveno mdica, restando afastada, por outro lado, a alegao de que tal bloqueio fere o artigo 100, caput, e 2 da Constituio de 1988.

    Ferreira e Ribeiro abordam, em seu artigo, a problemtica da de-terminao do bloqueio de verbas pblicas pelo Poder Judicirio em aes judiciais que condenam o Estado a fornecer bens e servios de sade. Esse tema vem ganhando importncia em face das diversas condenaes judiciais ao fornecimento de bens e servios de sade, sob pena de bloqueio de valores financeiros em contas pblicas, de modo a garantir o fornecimento da prestao. As autoras indicam o uso de meios coercitivos para que a Administrao d cumprimento s decises judiciais, como a majorao de multa diria, e dispem sobre as desvantagens do bloqueio de verbas pblicas ou depsito judicial de numerrio: (i) risco de a parte beneficiria utilizar o re-curso em finalidade diversa; (ii) aquisio do frmaco/servio mdi-co a um custo superior ao que seria despendido pela Administrao; e, ainda, (iii) recair em contas destinadas a outros fins.

    As autoras reiteram argumentos, j apresentados em debates anteriores, acerca da necessria observncia, pelo Poder Judicirio,

    6 Disponvel em: . Acesso em: 2 dez. 2014

    Judicializao do Direito Sade: priorizar a prestao do servio ou a entrega do valor? Giovana A. G. Ferreira e Catarina de S Guimares Ribeiro

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    Artig

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  • 26 PARA ENTENDER A GESTO DO SUS | 2015

    da diviso de competncias entre os entes federados, evitando-se assim que bloqueios de valores recaiam sobre contas de entes no responsveis pela prestao de sade ou ainda, contas destinadas a finalidades especficas. Chamam a ateno para o posicionamento do Superior Tribunal de Justia (STJ), acerca da comprovao de urgncia e imprescindibilidade da prestao de sade, assim como, indicam a observncia do artigo 100 da CF. Contudo, para evitar maiores danos gesto e ao oramento pblico, apontam as auto-ras, a importncia de que a Administrao desenvolva estratgias para o cumprimento clere das determinaes judiciais.

    Espinoza segue nesse debate sobre os impactos da judicializa-o nas verbas pblicas e apresenta o sequestro das verbas pbli-cas, sob o ponto de vista do advogado pblico que serve SES. Salienta que o bloqueio ou sequestro de bens trata-se de medida excepcional, conforme expresso no 6, do artigo 100 da CF e que a determinao dessa medida fora da previso constitucional acarreta e acarretar prejuzos Administrao. Discute o esta-belecimento de multas cominatrias e que mesmo nos casos em que foi cumprida a determinao judicial, verifica-se na prtica, a preocupante situao dos autores das aes, pleitearem o valor da multa.

    Para a autora quanto mais atpico o produto de sade pleitea-do, maiores as chances de amealhar fortuna fcil. Problematiza, o prazo estabelecido pelo judicirio para o cumprimento de deciso sob pena de multa cominatria e a inexistncia de critrio legal que permita aferir a razoabilidade de prazo. Indica que as determi-naes judiciais, em geral, fixam prazos entre 48/72 horas, quan-

    O sequestro de verba pblica e a imposio de multa cominatria como meio de efetivao do Direito Sade: uma anlise sob a tica da Administrao Gisele Bechara Espinoza

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  • 27DIREITO SADE

    do os procedimentos legais e administrativos que submetem s SES no podem ser cumpridos em tal prazo. Conclui:

    [...] se de um lado simples decidir com base na sensibilidade social e urgncia do caso concreto, do outro, fica a difcil tarefa de imple-mentar essas decises judiciais que irradiam danosos efeitos colate-rais evidenciados na desestrutura do oramento pblico e na colidn-cia com a poltica pblica preestabelecida pelo administrador [...].

    Alm das ponderaes trazidas nos artigos, acresce-se que a deciso da PSV n. 4 ter forte impacto na poltica pblica7 seja para agravar situaes de dificuldade da administrao ou para dar fim aos embaraos at ento enfrentados. Pondera-se ainda que, em sade, h demandas idnticas e demandas semelhantes e que, por vezes, a diferena s pode ser notada por aqueles que conhecem sade e poltica de sade. E mais, a morosidade o fundamento que a smula vinculante persegue. Todavia, ela pode estar atrelada ao fato de que tanto o sistema sanitrio quanto o de justia esto atrelados a processos e procedimentos burocratiza-dos, refratrios simplificao e a caminhos extrajudiciais.

    O debate sobre as normas que regulam a sade j indica que h dificuldades de efetivao dos direitos sociais no Brasil. A legi-

    7 Deciso STA 178 e outros processos: Possui repercusso geral controvrsia so-bre a obrigatoriedade de o Poder Pblico fornecer medicamento de alto custo. Tambm tramita nesta corte a Proposta de Smula Vinculante n. 4, que prope tornar vinculante o entendimento jurisprudencial a respeito da responsabilidade solidria dos Entes da Federao no atendimento das aes de sade. Referida PSV teve a tramitao sobrestada por deciso da Ministra Ellen Gracie, Presidente da Comisso de Jurisprudncia, e est no aguardo da apreciao do mrito do referido RE 566.471 (DOU 26.8.2009). Assim, apesar de a responsabilidade dos Entes da Federao em matria de direito sade suscitar questes delicadas, a deciso impugnada pelo pedido de suspenso, ao determinar a responsabilidade da Unio no fornecimento do tratamento pretendido, segue as normas constitu-cionais que fixaram a competncia comum (art. 23, II, da CF), a Lei Federal n. 8.080/1990 (art. 7, XI) e a jurisprudncia desta Corte. Entendo, pois, que a de-terminao para que a Unio arque com as despesas do tratamento no configura grave leso ordem pblica.

  • 28 PARA ENTENDER A GESTO DO SUS | 2015

    timao do direito sade na CF (BRASIL, 1988), sua organizao em legislao ordinria, seu modo de operar e produzir normativas infralegais no so suficientes para submeter realidade. Mesmo que a legislao e a normativa infralegal sejam, sem nenhuma d-vida, instrumentos fortalecedores do SUS, elas no so suficientes para a efetivao do direito sade.

    Ao entender que a aplicao da CF (BRASIL, 1988) deve ser vista como interseco entre a poltica e o direito, importa as li-es de Canotilho (2004), para quem o problema dos direitos so-ciais est em se levar a srio seu reconhecimento constitucional, e de Barroso (2002) que indica haver um abismo entre a validade e a vigncia do direito.

    H percalos e desafios a serem enfrentados. O primeiro deles a assuno da sade, pelos cidados, como direito humano ina-lienvel. Esta uma problemtica com razes histricas complexas e que, para Barros, sua superao, no caso da poltica pblica de sade brasileira, passa pelo enfrentamento de: (i) a busca de um financiamento pblico satisfatrio; (ii) a necessidade de melho-rar a qualidade dos servios de ateno primria sade; (iii) a implementao de um modelo assistencial compatvel com a situ-ao demogrfica e epidemiolgica do Pas; (iv) a prtica efetiva de uma articulao solidria e cooperativa nas regies de sade; (v) a necessidade de se colocar o cidado como centro das aten-es; e (vi) o fortalecimento de um controle social efetivo. Por fim, o autor ressalta a importncia da sociedade civil na reivindi-cao e construo do direito sade, em moldes adequados s necessidades sociais.

    A sade como direito: o difcil caminho de sua apro-priao pelos cidados Fernando Passos Cupertino de Barros

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  • 29DIREITO SADE

    Nesse mesmo caminho, Mapelli Jnior promotor de justia do Ministrio Pblico do Estado de So Paulo apresenta suas refle-xes acerca da construo do SUS e dos desafios para a concretiza-o do direito sade, de acordo com os moldes constitucionais.

    Avanos e desafios do SUS na atualidade Reynaldo Mapelli Jnior

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    Partindo dessa reflexo, o autor aponta como grandes desa-fios para a garantia do direito sade: (i) avanar na construo das Redes de Ateno Sade (RAS) para que o usurio tenha disponvel servios articulados e contnuos; (ii) formar adequada-mente os recursos humanos; (iii) buscar modelos gerenciais mais eficazes, menos burocratizados e mais voltados para a busca de resultados; (iv) aprimorar o planejamento em sade. Ainda sobre os desafios, indica que problema crucial, ainda sem perspectiva de soluo, a ausncia de financiamento suficiente e estvel para o SUS. Seu elenco apresenta outros desafios a serem superados: a utilizao do SUS como palanque poltico, indicando necessida-de de qualificao da gesto e dos conselhos de sade; e a judicia-lizao que, para o autor:

    [...] se caracteriza em grande parte como o ajuizamento de de-mandas individuais de medicamentos, produtos e tratamentos sem evidncia cientfica, por meio de prescries mdicas irregulares, fora dos protocolos clnicos e listas oficiais do SUS, sem registro na Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (Anvisa), ou importados, o que significa o aumento de custos no previstos e a desorganiza-o nas polticas pblicas.

    O texto de Mapelli Jnior deixa registradas a convico e a luta dos militantes da sade pblica no Brasil, no que diz respeito viabilidade do SUS assim como ressalta as necessidades constan-tes, tanto de defesa quanto de aprimoramento.

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    Lorga, dando continuidade ao debate, apresenta em seu artigo, a partir da leitura e discusso dos princpios constitucionais da univer-salidade e integralidade, a discusso sobre sade e desenvolvimento. O fio lgico do autor baseia-se nas correntes mais modernas sobre desenvolvimento,8 que acreditam que o desenvolvimento econmico desatrelado de valores sociais, como o a sade, no se viabiliza, no se sustenta, na medida em que o desenvolvimento de uma so-ciedade, sem a sade, no se d de forma completa e sustentvel.

    Ao considerar o desenvolvimento econmico aliado ao desen-volvimento social, reflete sobre os princpios citados, analisando-os luz Lei n. 12.401 (BRASIL, 2011), do Decreto n. 7.508 (BRASIL, 2011), e da Lei Complementar n. 141 (Brasil, 2012),que estabele-cem seu alcance. Conclui que, para uma devida atuao do Poder Judicirio e para que a poltica de sade seja benfica para os cida-dos, as delimitaes dos princpios da universalidade e integrali-dade, definidas nas leis abordadas, devem ser respeitadas.

    8 PIKETTY, Thomas. O capital no sculo XXI. Traduo de Monica Baumgar-ten de Bolle. Rio de Janeiro: Intrnseca, 2014.SEN, Amartya. A ideia de justia. Traduo de Denise Bottmann e Ricardo Dominelli Mendes. So Paulo: Companhia das Letras, 2011.

    Sade e desenvolvimento: a influncia da univer-salidade e da integralidade no desenvolvimento sustentvel Carlos Alexandre Lorga

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  • 31DIREITO SADE

  • 32 PARA ENTENDER A GESTO DO SUS | 2015

    2O Sistema Sanitrio e o Sistema de Justia

  • 33DIREITO SADE

    O Sistema Sanitrio e o Sistema de Justia

    A CF (BRASIL, 1988), ao assumir os direitos fundamentais, pretendeu a transformao da sociedade. Inspirada na Declarao Universal dos Direitos Humanos,9 no se limitou a tratar dos direi-tos tradicionais como a propriedade , mas encampou direitos no patrimoniais, que precisam ser garantidos.

    Sendo a lei um primeiro passo, a CF (BRASIL, 1988) imps ao Estado o dever de se estruturar, a fim de desenvolver e executar polticas pblicas, mas tambm se estruturar para proteger esses novos direitos. No caso em tela, h, por parte do Estado, a oferta de uma poltica pblica de sade (sistema sanitrio). E h tambm, por parte do Estado, a oferta de estrutura e instrumentos para que direitos possam ser exigidos em relao sua efetivao (siste-ma de justia). Nesse ponto, os sistemas sanitrio e de justia se encontram so ofertas do Estado ao cidado e ambos buscam o desenvolvimento e a garantia dos novos direitos.

    H de se entender que a implementao dos direitos sociais prtica exigvel da democracia, sendo legtimo ao Poder Judicirio sua concretizao.

    Ao considerar que a razo de ser do Estado a efetivao dos direitos fundamentais, tanto o sistema sanitrio quanto o sistema de justia so agentes da transformao social, sendo que o primei-ro possui o dever de efetivar o direito e o outro, o dever de exigir que o direito seja efetivado. Nessa lgica, h necessidade de inter-locuo entre os sistemas.

    O sistema de justia e o sistema sanitrio possuem histricos e linguagens diferentes, portanto, h dificuldades na comunicao, como bem exemplificam expresses cunhadas por Luiz Duarte Oli-veira Procurador do Estado de So Paulo: enquanto MS para o

    9 Disponvel em: . Acesso em: 3 dez. 2014.

  • 34 PARA ENTENDER A GESTO DO SUS | 2015

    sistema sanitrio Ministrio da Sade, o sistema de justia com-preende como Mandado de Segurana, agravo para o sistema sanitrio a piora na situao do paciente, j para o sistema de justia um tipo de recurso.

    Mas, ao considerar que a CF (BRASIL, 1988) protege tanto os direitos quanto as estruturas sistmicas para a efetivao de di-reitos (polticas pblicas), e ambos os sistemas atuam de forma condizente com suas determinaes legais, necessrio que sejam criados mecanismos de dilogo e atuao conjunta entre esses dois sistemas, para que o sistema de justia, alm de conhecer a poltica pblica de sade, seja capaz de proteg-la.

    Ao compreender que a poltica pblica de sade um instru-mento de efetivao de direitos individuais e coletivos , dever do sistema de justia qualific-la. Tanto a proteo quanto a qua-lificao da poltica pblica de sade ou do sistema sanitrio de-mandam que os operadores do direito conheam e convivam com suas especificidades.

    No Brasil, as transformaes sociais ainda que lentas, quando comparadas vontade dos militantes do SUS denotam o cami-nhar democrtico para a garantia da sade. Em um conjunto em que coexistem caractersticas de acentuadas diferenas econmicas e sociais, crescimento econmico tardio, resqucios do regime au-tocrtico, histrico recente de participao social , visvel que os processos de interlocuo entre os sistemas sanitrio e de justia vm tomando forma e fora.

    Em um cenrio em que se discute a obrigao do Estado tan-to de fornecer quanto de garantir prestaes positivas, as institui-es pblicas (seja do sistema sanitrio, seja do sistema de justia) so instadas a apresentar respostas compatveis a complexidade crescente das demandas atuais por sade, que vo desde aes de preveno de doenas, at o fornecimento de exames e proce-dimentos de alta tecnologia quer para o indivduo, quer para a coletividade.

  • 35DIREITO SADE

    Santos (2013, p. 132) indica que:

    [...] nas sociedades complexas no simples definir o que o bem comum ou vida digna. Problemas relacionados ao bem-estar social e direitos humanos: moradores de rua, fome, mortalidade infantil e tantos outros so exemplos de brutalidade e desigualdade, mas o que se tem visto que o subsistema jurdico move-se por aes individuais e o enfrentamento caso a caso, singular, pode trans-formar-se em algo irracional, revelando enormes riscos e custos pblicos, jurdicos e econmicos.

    Com o advento crescente de aes judiciais em sade, o papel do Estado na garantia do direito sade e na construo do SUS, passou a ser mais discutido pela sociedade, especialmente a partir do direito individual e das prestaes positivas do Estado. Os indi-vduos dotados de informaes, conhecimento e meios, passaram a instar o sistema de justia para efetivar, para si, direito previsto em lei.

    As demandas sociais requerem cada vez mais conhecimento, efetividade e agilidade na atuao do Estado e, sob este prisma, o STF foi provocado a manifestar-se sobre muitas questes sociais, entre elas, a sade.

    Desde 2008, o STF adotou as audincias pblicas como estra-tgia para angariar subsdios para suas decises.10 Utiliza os argu-mentos apresentados em audincia pblica como uma das fontes para seus posicionamentos. A audincia pblica representa inova-o nas estratgias utilizadas pelo Poder Judicirio brasileiro e de-monstra o relacionamento havido entre subsistemas sociais.

    10 A Audincia Pblica da Sade foi realizada sob a Emenda Regimental 29 do STF, artigo 13, inciso XVII do Regimento Interno do STF, em abril e maio de 2009. A Lei n. 9.868/1999 Aes Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) e Aes De-claratrias de Constitucionalidade (ADC) e a Lei n. 9.882/1999 Arguio de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) preveem o uso do instrumento pelo Poder Judicirio. Aqueles que consideram a audincia pblica um instrumen-to de participao social no Estado encontram fundamento legal na CF (BRASIL, 1988) em seus art. 5, XXXIII, LXXI e LXXIII, e art. 74, 2.

  • 36 PARA ENTENDER A GESTO DO SUS | 2015

    Em abril e maio de 2009, como j tinha feito para outras te-mticas, o STF convocou a Audincia Pblica11 n. 4 conhecida como Audincia Pblica da Sade.12 A convocao de outras reas do conhecimento, que no a do direito, o reconhecimento da necessidade de discusso e compreenso de outros sistemas, como forma de subsidiar a deciso do sistema de justia.13

    Soares (2002, p. 1) leciona que audincia pblica :

    [...] uma das formas de participao e de controle popular da Ad-ministrao Pblica no Estado Social e Democrtico de Direito. Ela propicia ao particular a troca de informaes com o administra-dor, bem assim o exerccio da cidadania e o respeito ao princpio do devido processo legal em sentido substantivo. Seus principais traos so a oralidade e o debate efetivo sobre matria relevante, comportando sua realizao sempre que estiverem em jogo direitos coletivos.

    Para Santos (2010), a audincia pblica pode ser considerada instrumento para o cumprimento da misso institucional do Minis-trio Pblico, dos processos legislativos e judiciais, e desde 1999, a legislao brasileira permite sua convocao por qualquer dos poderes da Unio (Executivo, Legislativo e Judicirio) dentro do processo administrativo.

    11 As audincias pblicas podem ser compreendidas como participao popular, controle, instrumento para levantamento de subsdios tcnicos ou legitimao democrtica.

    12 Disponvel em: . Acesso em: 3 dez. 2014.

    13 Ainda sobre temas da sade, o STF convocou no ano 2013 audincia pblica, presidida pelo Ministro Marco Aurlio de Mello, em face das Aes Direitas de Inconstitucionalidade (ADI) 5035 e 5037 , que contestaram dispositivos da Medi-da Provisria (MP) 621/2013 (convertida na Lei n. 12.871/2013) que instituiu o Programa Mais Mdicos e, em maio de 2014, mediante convocao do Ministro Dias Toffoli, audincia pblica para a oitiva de especialistas, sobre a diferena de classe no SUS, alm de outros temas que antecederam a audincia pblica n. 4 que envolveram indiretamente a poltica pblica de sade (abortamento de fetos anencfalos).

  • 37DIREITO SADE

    Gonalves (2008) indica que as audincias no STF no tm a finalidade de discutir teses jurdicas, e, sim, apresentar argumentos oriundos de outras reas do saber e expor consequncias das posturas assumidas ao interpretar a lei. Portanto, adequado identificar que o sistema de justia reconhece sua necessidade de no estar e nem apresentar oposio aos demais sistemas, entre os quais o sanitrio.

    A Audincia Pblica da Sade culminou na deciso STA 17514 e inseriu o Conselho Nacional de Justia (CNJ) na discusso sobre a judicializao da Sade.

    Nesse sentido, Schulze, juiz federal em Santa Catarina e ex-juiz auxiliar do Conselho Nacional de Justia, aborda em seu artigo o papel deste rgo em relao judicializao da sade, destacan-do suas principais atuaes na temtica.

    O autor indica a necessidade dos dilogos institucionais entre os sistemas sanitrio e de justia e apresenta itens que devem ser do conhecimento dos gestores estaduais de sade, de suas asses-sorias jurdicas e, por bvio, das procuradorias estaduais. So eles: (i) Recomendao n. 31/CNJ (BRASIL, 2010); (ii) Resoluo 107/CNJ (BRASIL, 2010); (iii) Ncleos de Apoio Tcnico (NAT) aos magistrados; (iv) atuao dos Comits Estaduais do Frum Nacio-nal de Sade (enunciados, cartilhas, mutires de conciliao); (v) I Jornada de Direito da Sade do CNJ; (vi) Enunciados de Sade Pblica, Sade Suplementar e Biodireito.

    Conclui que a complexidade das questes que envolvem as polticas de sade transcendeu as atuaes compartimentalizadas dos poderes do Estado, e portanto, carecem da ampliao e for-

    14 Disponvel em: . Acesso em: 3 dez. 2014.

    O papel do Conselho Nacional de Justia na judicializao da sade Clnio Jair Schulze

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    Artig

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    talecimento do dilogo entre os agentes pblicos (executivo, le-gislativo e judicirio), responsveis pela concretizao do direito fundamental sade. Sem essa interlocuo, o autor considera que a atuao isolada do sistema de justia ou do sistema sanitrio, no responder satisfatoriamente sociedade.

    importante mencionar que o CONASS tem assento no Frum Nacional do Judicirio para monitoramento e resoluo das de-mandas de assistncia Sade do CNJ e tem buscado contribuir com as temticas ali discutidas.

    Nas Assembleias de gestores estaduais (realizadas mensal-mente, s vsperas da reunio da CIT), a Secretaria Executiva do CONASS pauta os principais temas do Direito Sanitrio, a fim de buscar o posicionamento dos gestores sobre assuntos especficos e promover a cooperao tcnica entre SES. O CONASS reconhece e apoia os esforos da gesto estadual do SUS, na conformao dos NAT e dos Comits Estaduais do Frum Nacional do CNJ. Partici-pou, como representao da gesto do SUS com representantes da CTDS, das procuradorias estaduais (especialmente a PGE-SP), das SES, do Conasems e do Ministrio da Sade , da I Jornada de Direito da Sade do CNJ.

    A recomendao do CNJ acerca da formao dos magistrados e a solicitao de que a matria sade fosse exigida no ingresso da carreira foram capazes de promover uma atuao em rede, observ-vel no sistema de justia. Sem perquirir quem comeou primeiro, atualmente possvel identificar operadores do direito especializa-dos em sade, seja suplementar, seja pblica. Assim o no Minist-rio Pblico, na Defensoria e na prpria magistratura, em face dos es-foros de seus representantes, a indicao em varas especializadas, fruns, comisses, comits e associaes relacionados temtica.15

    15 Comisso Permanente de Defesa da Sade (Copeds) do Conselho Nacional de Procuradores Gerais do Ministrio Pblico dos Estados e da Unio (CNPG); Asso-ciao Nacional do Ministrio Pblico de Defesa da Sade (Ampasa); Comisso Es-pecial de Sade da Associao Nacional dos Defensores Pblicos (Andep) e outros.

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    Nesse mbito, importante conhecer a reflexo trazida por SantAna professor e defensor pblico do DF, que aborda em seu artigo a importncia da atuao da Defensoria Pblica tanto para a garantia do Direito Sade quanto para a construo e aprimo-ramento do SUS.

    A relevante atuao da Defensoria Pblica no desenvolvimento do SUS Ramiro Nbrega SantAna

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    Artig

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    O autor ressalta que a atuao da Defensoria Pblica, em todo o Brasil, permite atender diariamente a grande fluxo de usurios do SUS, com diversas demandas por aes e servios de sade. No atendimento aos casos individuais, se percebe a possibilidade de atuao de forma coletiva. Indica, ento, que o caminho para a atuao coletiva passa pela parceria institucional com outros inte-grantes do sistema de justia, assim como com o sistema sanitrio.

    Destaca as posies da Defensoria Pblica acerca da judicializa-o da sade, reconhece que experincias institucionais tm surgido como forma de potencializar os benefcios da judicializao da sa-de, bem como reduzir as distores causadas pela interveno judi-cial e cita, entre outras, articulao com a SES-DF como experincia exitosa. Conclui ao indicar a importncia da atuao da Defensoria Pblica, quer seja na demanda individual, quer seja no desenvolvi-mento do SUS, e apresenta como passo importante a articulao de solues institucionais para o enfrentamento dos desafios.

    Ao considerar a especializao crescente de juzes, promoto-res e defensores e a articulao cada vez mais forte desses pro-fissionais, Costa procurador do estado de Mato Grosso do Sul e coordenador jurdico da SES, traz importante reflexo acerca da especializao dos advogados pblicos que representam o SUS jun-to ao sistema de justia. No caso, interessa os advogados pblicos (procuradores dos estados) que representam as SES. Em face da experincia vivenciada, o autor indica:

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    [...] a experincia no estado do Mato Grosso do Sul demonstra que o caminho mais clere e eficaz para a consolidao e o aprofunda-mento do conhecimento em sade pblica trazer o corpo jurdico do Ente Federativo para trabalhar em conjunto com os tcnicos das Secretarias de Sade, preferencialmente, no mesmo ambiente. Ou seja, tornar membros das procuradorias dos estados especialistas em sade e profundos conhecedores do SUS.

    Esto os representantes judiciais da Fazenda Pblica preparados para enfrentar a judicializao da sade? Da necessidade de especializao da Advocacia Pblica nas demandas em sade Ivanildo Silva da Costa

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    O autor destaca que o aprofundamento do conhecimento em sade pblica, estruturao e legislao sanitria, de crucial importncia atuao dos procuradores nas demandas em sade, em especial, para dar cumprimento ao princpio constitucional da eficincia, que deve nortear a atuao dos agentes pblicos. Ressalta tambm que a aproximao e o dilogo permanentes da SES e os advogados pblicos qualifica, com fundamentos tcnicos e polticos, o debate acerca do direito sade, permitindo assim que os processos judiciais discutam alm do artigo 196 da CF (BRASIL, 1988), conferindo-lhes as razes e aplicao prticas da poltica de sade.

    Sugere a criao de um Frum Permanente de Procuradorias de Sade, com o objetivo de trocar experincias, informaes e ideias sobre a atuao dos advogados pblicos do SUS. Indica que a atu-ao de um frum pode enriquecer o debate sobre a judicializao da sade, de modo a dar novos rumos ao seu atual panorama.

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    Sob tal aspecto, importa observar a Recomendao 31,16 que aps a realizao da Audincia Pblica da Sade foi emitida pelo CNJ. Uma de suas diretrizes a necessria formao dos magis-trados em Direito Sanitrio. Importa rememorar que, entre o con-junto de propostas apresentadas na Audincia Pblica da Sade, houve a indicao de que seria adequada a formao de recursos humanos quer do sistema sanitrio, quer do sistema de justia em Direito Sanitrio.

    Decorridos cinco anos, a formao em Direito Sanitrio vem promovendo a interao entre os subsistemas e j culminou em segmentos especficos no Ministrio Pblico, na Defensoria Pbli-ca, em algumas Procuradorias e na Recomendao n. 43 do CNJ para a criao de varas especializadas em Direito Sanitrio.17

    16 Recomendao n. 31 do CNJ: CONSIDERANDO, finalmente, indicao for-mulada pelo grupo de trabalho designado, por meio da Portaria n. 650, de 20 de novembro de 2009, do Ministro Presidente do Conselho Nacional de Justia, para proceder a estudos e propor medidas que visem aperfeioar a prestao ju-risdicional em matria de assistncia sade; [...] c) incluam a legislao relativa ao Direito Sanitrio como matria individualizada no programa de direito admi-nistrativo dos respectivos concursos para ingresso na carreira da magistratura, de acordo com a relao mnima de disciplinas estabelecida pela Recomendao 75/2009 do Conselho Nacional de Justia; d) promovam, para fins de conheci-mento prtico de funcionamento, visitas dos magistrados aos Conselhos Munici-pais e Estaduais de Sade, bem como s unidades de sade pblica ou convenia-das ao SUS, dispensrios de medicamentos e a hospitais habilitados em Oncologia como Unidade de Assistncia de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon) ou Centro de Assistncia de Alta Complexidade em Oncologia (Cacon); II. Recomen-dar Escola Nacional de Formao e Aperfeioamento de Magistrados (Enfam), Escola Nacional de Formao e Aperfeioamento de Magistrados do Trabalho (Enamat) e s Escolas de Magistratura Federais e Estaduais que: a) incorporem o Direito Sanitrio nos programas dos cursos de formao, vitaliciedade e aperfei-oamento de magistrados; b) promovam a realizao de seminrios para estudo e mobilizao na rea da sade, congregando magistrados, membros do Ministrio Pblico e gestores, no sentido de propiciar maior entrosamento sobre a matria. Publique-se e encaminhe-se cpia desta Recomendao a todos os Tribunais.

    17 Disponvel em: . Acesso em: 12 dez. 2014.

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    Esse o tema de Alves, que ao considerar a necessidade de que o sistema de justia conhea o sistema sanitrio e que haja entre eles comunicao efetiva, indica que somente por meio dos di-logos interdisciplinares possvel concretizar o direito sade.

    A autora destaca que no possvel se falar em direito sade sem considerar questes sociais, econmicas, territoriais, polticas, teconolgicas etc., que envolvem a garantia desse direito. E que, portanto, as questes que permeiam o debate do direito sade so complexas e exigem do operador do direito e demais profissio-nais envolvidos com o tema, formao especializada para respon-der a essa complexidade.

    Apresenta artigo sobre a importncia da formao profissional no campo do Direito Sanitrio, que formao especfica capaz de formar profissionais preparados para o enfrentamento do dia a dia de suas atividades. A autora tambm menciona a baixa produo cientfica no que diz respeito formao em Direito Sanitrio e destaca experincias j realizadas nesse processo formativo, dando destaque, entre outras, quela realizada pela Escola de Sade P-blica de Minas Gerais.

    Conclui:

    [...] esse processo formativo exige a quebra do paradigma da com-partimentalizao do saber, a partir da adoo da ferramenta da interdisciplinaridade, que permite um dilogo e a interao com informaes, mtodos e conceitos advindos de outras cincias, e no apenas da cincia jurdica. por meio da conjugao desses diversos saberes que os operadores do direito, gestores pblicos, profissionais de sade, comunidade cientfica e usurios do SUS vo construindo, tijolo por tijolo, um dilogo possvel rumo reali-zao do direito sade.

    A formao em Direito Sanitrio: um dilogo possvel a partir da interdisciplinaridade Sandra Mara Campos Alves

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    3Judicializao Dificuldades e Aprendizados

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    Judicializao Dificuldades e Aprendizados

    Comparato (1997) ensina que no modelo tradicional de diviso de poderes, construdo sobre o paradigma do Estado de Direito do sculo XVIII, em que apenas se garantiam direitos individuais, a lei tem supremacia como pacto social de indivduos de determinada sociedade, consequentemente, o poder supremo o Legislativo. J no Estado Social, no qual esto resguardados, alm dos direitos individuais, os direitos sociais que so direitos que se destinam a promover justia social e minimizar desigualdades, o poder das polticas pblicas. Isso porque cabe ao Estado, por meio do estabelecimento de polticas sociais e econmicas, promover a dis-tribuio de recursos e bens na sociedade, para garantir que todos tenham acesso sade, educao, alimentao, entre outros.

    Comparato (1997), ao conceituar poltica pblica como: ati-vidade, isto , conjunto organizado de normas e atos tendentes realizao de um objetivo determinado , indica que h na polti-ca as normas e os atos necessrios sua consecuo. Dessa lio, extrai-se que as mudanas ensejadas pelo caminho ao estado social deram ao Poder Executivo um aumento de poder e deste aumen-to decorrem as discusses j apresentadas sobre a valorao das fontes extraparlamentares do direito, apresentados no captulo 1 deste livro, nos artigos de Dresch, Alves e Dayrell.

    Assim, se a razo de existir do Estado a efetivao dos direitos fundamentais, e sendo esses exigveis judicialmente, consequente-mente, as atividades do sistema de justia promovem uma interfe-rncia na vida social, quer seja por verificar se o agir do Estado e suas normas so compatveis com a Constituio (BRASIL, 1988) juzo de constitucionalidade das leis , quer seja pela interao entre os poderes, o indivduo e a sociedade.

    Para Barroso (2009), a efetivao dos direitos significa a apro-ximao entre a norma (a exigncia da norma) e a realidade social, a concretizao no mundo dos fatos, dos preceitos legais, portan-

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    to, a realizao do direito, o desempenho concreto de sua funo social. Conclui-se, ento, que, no Estado de Direito, o sis-tema de justia fornece respostas legais aos problemas da poltica e o problema apresenta-se quando o direito pretende determinar a poltica ou a poltica pretende limitar o direito.

    Nesse sentido, cumpre falar da judicializao da sade. Primei-ramente, h de se dizer que, no encontro entre o sistema sanitrio e o sistema de justia, prevalece a deciso judicial. Portanto, quan-to mais os sistemas souberem lidar um com o outro, quem ganha o direito e a sociedade.

    Dessa forma, as teses que compem a judicializao da sade vm ganhando importncia torica, prtica e econmica. No se trata de uma caracterstica nacional. Autores como Gloppen (2005), Yepes (2007) e Vargas (2010) indicam que a judicializao vem acarretando importantes impactos nas polticas pblicas e nos oramentos, princi-palmente nos pases cuja economia ainda est em desenvolvimento.

    De pronto, j se observa que de um lado h o direito sade, composto por cuidados relativos proteo, promoo e recu-perao, acessveis universalmente e em qualquer nvel de ateno primria, secundria e terciria , o que se compreende por aten-o integral; e de outro, os limites intrnsecos da organizao de recursos oramentrios e financeiros para a realizao da poltica pblica. Para ambos os lados h leis.

    Pode-se afirmar que a sade pblica no Brasil subfinanciada, e desde a Audincia Pblica da Sade, notam-se argumentos que indicam que a judicializao tem sua origem na insuficincia do fi-nanciamento da poltica pblica de sade, que no garante, desde a composio oramentria, recursos suficientes s aes e aos ser-vios. As expectativas de regulamentao da Emenda Constitucio-nal n. 29/2000 (EC n. 29) (BRASIL, 2000), como forma de ampliar e estabilizar os recursos destinados ao SUS, no foram traduzidas pela Lei Complementar n. 141 (LC 141) (BRASIL, 2012).

    A LC n. 141 (BRASIL, 2012), que regulamentou a EC n. 29, no fixou Unio percentual de suas receitas ou ampliou financei-ramente os recursos at ento destinados sade. O estabelecido

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    pela LC n. 141 motivou a sociedade civil, gestores e conselheiros de sade a requererem, por projeto de lei de iniciativa popular apresentado ao Congresso Nacional (cerca de 2 milhes de assi-naturas), que a Unio passasse a destinar sade o equivalente a 10% das receitas correntes brutas. Importa ainda mencionar a EC n. 86 (BRASIL, 2015), que tornou obrigatria a execuo de programao oramentria especfica e determinou que metade do percentual das emendas individuais fosse destinado a aes e ser-vios pblicos de sade, proibidas despesas com pessoal e encargos sociais, permitido seu cmputo no clculo de cumprimento do es-tabelecido pela vinculao de recursos sade.

    Assim, resta ao SUS as escolhas alocativas para as quais deve primar cada vez mais pela eficincia, em fazer melhor com menos recursos.18

    18 A deciso STA 175 do STF: [...] O Sistema nico de Sade est baseado no financiamento pblico e na cobertura universal das aes de sade. Dessa forma, para que o Estado possa garantir a manuteno do sistema, necessrio que se atente para a estabilidade dos gastos com a sade e, consequentemente, para a captao de recursos. O financiamento do Sistema nico de Sade, nos termos do art. 195, opera-se com recursos do oramento da seguridade social, da Unio, dos estados, do Distrito Federal e dos municpios, alm de outras fontes. A Emenda Constitucional n. 29/2000, com vistas a dar maior estabilidade para os recursos de sade, consolidou um mecanismo de cofinanciamento das polticas de sade pelos Entes da Federao. A Emenda acrescentou dois novos pargrafos ao artigo 198 da Constituio, assegurando percentuais mnimos a serem destinados pela Unio, estados, Distrito Federal e municpios para a sade, visando a um aumento e a uma maior estabilidade dos recursos. No entanto, o 3 do art. 198 dispe que caber Lei Complementar estabelecer: os percentuais mnimos de que trata o 2 do referi-do artigo; os critrios de rateio entre os Entes; as normas de fiscalizao, avaliao e controle das despesas com sade; as normas de clculo do montante a ser aplicado pela Unio; alm, claro, de especificar as aes e os servios pblicos de sade. [...] incontestvel que, alm da necessidade de se distriburem recursos natural-mente escassos por meio de critrios distributivos, a prpria evoluo da medicina impe um vis programtico ao direito sade, pois sempre haver uma nova des-coberta, um novo exame, um novo prognstico ou procedimento cirrgico, uma nova doena ou a volta de uma doena supostamente erradicada. [...] Ademais, no se pode esquecer de que a gesto do Sistema nico de Sade, obrigado a observar o princpio constitucional do acesso universal e igualitrio s aes e s prestaes de sade, s torna-se vivel mediante a elaborao de polticas pblicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possvel. [...]

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    Nesse sentido, os autores deste captulo abordam a judicializa-o da sade, de modo a ressaltar conflitos, desafios e possibilida-des de enfrentamento desse fenmeno.

    Mazza pesquisador colaborador da Fundao Oswaldo Cruz aborda, em seu artigo, a Judicializao e a Lei de Responsabili-dade Fiscal. Destaca que o fenmeno tem ligaes diretas com as finanas pblicas, visto que demanda recursos do Estado para que a deciso judicial seja exequvel. Indica que a no observao da Lei de Responsabilidade Fiscal nas decises em sade pode levar inviabilidade da poltica pblica de sade, que, por sua vez, tem toda a sua previso oramentria regulamentada em lei prpria. Indica, j em sede de concluso, que os impactos causados pelas decises judiciais no condizentes com o oramento pblico, colo-cam em risco o planejamento oramentrio destinado execuo satisfatrias das polticas de sade.

    A vinculao da judicializao do Direito Sade Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) Fbio Ferreira Mazza

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    O debate sobre a sustentabilidade financeira do SUS, a judiciali-zao e o seu impacto em face da poltica de sade, apresenta teses que vm sendo contrapostas nas discusses que visam definir os li-mites de atuao, operacionalizao e financeiros para a concreti-zao do direito sade. So elas: tese do mnimo existencial, da reserva do possvel e da proibio do retrocesso social. Tais expresses so utilizadas frequentemente nos debates da judicializa-o da sade e devem ser conhecidas pelos gestores estaduais.

    Tome-se a lio de Barcellos (2001) para quem: (i) mnimo existencial consiste em um ncleo bsico de prestaes e servios, que o Estado deve oferecer aos cidados como elementos materiais da dignidade, ou um precedente do princpio da dignidade da pes-soa humana que consiste em um conjunto de prestaes materiais

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    mnimas, sem as quais o indivduo estar em situao de vulnera-bilidade e/ou risco; (ii) reserva do possvel tanto indica ausncia de autorizao para determinado gasto ou quando aproxima-se da exausto oramentria.

    Ao falar-se em proibio do retrocesso social, resta conhe-cer o trabalho de Cunha (2010), que indica o conceito de Felipe Derbli, um dos mais bem formulados para a questo. Extrai-se da obra O Princpio da Proibio de Retrocesso Social na Constitui-o de 1988:

    [...] diz que o princpio tem teleologicamente a funo de garantir o grau de concretizao dos direitos fundamentais sociais e, mais que isso, a permanente obrigao constitucional de desenvolver essa concretizao, no permitindo, de forma alguma, que se re-troceda a um quadro scio jurdico j esgotado, distante do ideal proposto pela Carta Magna (DERBLI, 2007, p. 59).

    Ao assumir a proibio do retrocesso social como proposto pela CF (BRASIL, 1988), retoma-se proibio de excesso que, por sua vez, est ligada ao mnimo existencial. Canotilho (2004) leciona que o princpio da proibio do excesso impe limites (pre-ventivamente) aos poderes pblicos, quer na adoo de sanes, quer nas medidas restritivas de direito, liberdade ou garantia funcionando como regra de razoabilidade, proporcionalidade e de necessidade.

    No confronto entre teses, fica claro que o contorno legalista no suficiente para a soluo dos conflitos da judicializao da sade, todavia, dadas a eficcia e a aplicao imediata do direito sade portanto, exigveis judicialmente , cabe definir em que condies esse direito pode ser exigido.

    Em que situaes se exige o direito sade? Em que situaes no se admite que o pleito judicial seja visto como direito sade? Algumas questes j foram expostas pelo legislador e enfrentadas pelo STF.

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    Para tanto, h de se reconhecer que a poltica pblica de sa-de portanto, a atuao do sistema sanitrio est fundada na melhor prtica cientfica, ou seja, na Medicina Baseada em Evidn-cias (MBE) e na consequente formulao de instrumentos tcnicos com critrios para diagnstico e tratamento Protocolos Clnicos e Diretrizes Teraputicas (PCDT), a partir da incorporao tecno-lgica ao SUS. Isso se d, especialmente, porque as tecnologias para a sade avanam ininterruptamente e lidar com a alterao continuada dessas tecnologias (insumos, medicamentos, aes e servios ligados promoo, proteo, preveno e recupe-rao da sade) exige mtodo garantidor de eficcia, eficincia e efetividade.19,20

    19 Para mais bem compreender o processo de inovao na sade, cita-se a pu-blicao CONASS Documenta 19, disponvel em: . Acesso em: 3 dez. 2014: [...] O avan-o tecnolgico, muitas vezes erroneamente entendido como sinnimo de melhor qualidade da assistncia sade, d-se de forma muito acelerada e de manei-ra cumulativa, embora nem sempre uma nova tecnologia substitua totalmente a anterior; antes, aperfeioa-a, aumentando sua sensibilidade e o grau de confia-bilidade em seus resultados. Novas tecnologias importam, ainda, em exigncias novas para seu uso adequado (equipamentos, conhecimentos, recursos humanos qualificados para sua operacionalizao etc.), capaz de trazer as vantagens e os benefcios esperados. Ao lado do progresso tecnolgico, que sofre de maneira considervel as influncias dos interesses de mercado, outros fatores igualmente importantes esto presentes no contexto da incorporao dessas novas tecnologias na assistncia sade, entre as quais se salientam: a) a constante ampliao da rede assistencial, a fim de atender ao direito da populao sade; b) o aumento da demanda, que vem em decorrncia do aumento da populao, da ampliao da oferta de novos servios e da incorporao de novas tecnologias em sade; c) as mudanas no perfil epidemiolgico da populao, sobretudo o envelhecimen-to populacional e o novo quadro de morbimortalidade por ela desenhado; e d) as necessidades de investimentos financeiros para a aquisio de equipamentos, infraestrutura e, consequentemente, de sua manuteno , determinadas pelas causas anteriormente mencionadas.

    20 Galvo e Sawada (2002, p. 692): A medicina baseada em evidncias consiste em um novo paradigma, desenvolvido por estudiosos da Universidade McMaster (Canad), na dcada de 1980; trata-se de um processo sequencial, constitudo pelas seguintes etapas: 1 levantamento do problema e da formulao da ques-

  • 51DIREITO SADE

    A incorporao de determinadas tecnologias (medicamentos, equipamentos e procedimentos tcnicos, sistemas organizacionais, educacionais, de informao e de suporte e os programas e proto-colos assistenciais), cabe ao Ministrio da Sade, conforme indica-o de comisso especializada.21 Havida a incorporao, altera-se ou elabora-se o respectivo PDCT.22

    to, 2 pesquisa da literatura correspondente; 3 avaliao e interpretao dos trabalhos coletados mediante critrios bem definidos; 4 utilizao das evi-dncias encontradas, em termos assistenciais, de ensino e/ou de elaborao cien-tfica. [...] A evidncia caracterizada como alguma coisa que fornece provas para a tomada de deciso, abrange resultados de pesquisas, bem como consenso de especialistas reconhecidos; dentro de uma organizao devem ser includos fatos ou dados oriundos do trabalho desenvolvido. A fora da evidncia pode ser categorizada em cinco nveis: nvel 1, evidncia forte de, pelo menos, uma revi-so sistemtica de mltiplos estudos randomizados, controlados, bem delinea-dos; nvel 2, evidncia forte de, pelo menos, um estudo randomizado, controlado, de delineamento apropriado e tamanho adequado; nvel 3, evidncia de estudos bem delineados sem randomizao, grupo nico pr e ps-coorte, sries tempo-rais ou caso-controle pareado; nvel 4, evidncia de estudos bem delineados no experimentais, realizados em mais de um centro ou grupo de pesquisas; nvel 5, opinies de autoridades respeitadas, baseadas em evidncias clnicas, estudos descritivos ou relatrios de comits de especialistas.

    21 Comisso Nacional de Incorporao Tecnolgica (Conitec) regida pela Lei n. 12.401/2011.

    22 Sobre este item, cita-se novamente a publicao CONASS Documenta 19 (2009b), disponvel em: . Acesso em: 3 dez. 2014. Portanto, alm de sua importncia na assistncia propriamente dita, os Protocolos Clnicos e Diretrizes Teraputi-cas (PCDT) cumprem um papel fundamental nos processos de gerenciamento dos programas de assistncia farmacutica, nos processos de educao em sade, para profissionais e pacientes, e nos aspectos legais envolvidos no acesso a medi-camentos e na assistncia como um todo. Em qualquer situao para que tenham credibilidade e aceitabilidade, os PCDT precisam ser construdos sobre bases s-lidas, tcnicas e ticas, de forma participativa e democrtica, sendo fundamental que sejam revistos periodicamente e atualizados sempre que as evidncias mos-trarem esta necessidade. A efetiva utilizao dos PCDT na prescrio e na prtica mdica , talvez, o principal desafio que se coloca aos gestores do SUS para sua implantao. O profissional mdico normalmente atua de maneira autnoma, de-fende esta autonomia e bastante refratrio a mudanas em sua conduta. Esta situao poder de incio representar forte resistncia implantao dos PCDT.

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    Propostas foram apresentadas na audincia pblica da sade, para que os PCDT fossem conhecidos, atualizados de forma pro-gramada e apresentassem as distines entre a apreciao de tec-nologias e os fundamentos para sua incorporao (ou no) ao SUS. Tais proposies reverberaram na constituio da Comisso Nacio-nal de Incorporao de Tecnologias no SUS (Conitec), formada por representantes dos gestores, da Anvisa, da Agncia Nacional de Sade Suplementar (ANS), do Conselho Nacional de Sade (CNS) e do Conselho Federal de Medicina (CFM), regulada pela Lei n. 12.401/2011.

    Santos (2013) indica a necessidade de que os PCDT sejam le-vados ao debate jurdico, especialmente nos casos em que o pedido refira tratamento que no tenha sido incorporado pelo SUS e que no seja experimental. Este debate j vem ocorrendo entre os siste-mas sanitrio e de justia. A deciso STA 175 e outros processos23

    No se trata, no entanto, de uma interferncia na prescrio ou na conduta mdi-ca. Trata-se de, respeitando tica e tecnicamente a prescrio mdica, recorrer s orientaes e s evidncias existentes na literatura mdica atualizada e reconhe-cida para vencer o obstculo que a experincia do cotidiano poder representar. Em muitos casos, essa orientao clnica poder ser muito bem vinda, pois pode trazer ao profissional maior segurana no exerccio de sua atividade. O acesso a medicamentos uma das questes cruciais no SUS, constituindo-se no eixo nor-teador das polticas pblicas estabelecidas na rea da assistncia farmacutica, considerando que estes insumos so uma interveno teraputica muito utilizada, impactando diretamente sobre a resolubilidade das aes de sade. Os avanos tambm foram significativos no caso de propiciar o acesso ao tratamento de do-enas raras, em especial, doenas de origem gentica e outras, em que o custo do tratamento elevado, quer pelo valor unitrio do medicamento ou pelo custo do tratamento de longo prazo.

    23 Deciso STA 175 e outros processos: A princpio, pode-se inferir que a obrigao do Estado, luz do disposto no artigo 196 da Constitui-o, restringe-se ao fornecimento das polticas sociais e econmi-cas por ele formuladas para promoo, proteo e recuperao da sade. Isso porque o Sistema nico de Sade filiou-se corrente da Medicina com base em evidncias. Com isso, adotaram-se os Protocolos Clnicos e Diretrizes Teraputicas, que consistem em um conjunto de critrios que permitem determinar o diagnstico de doenas e o tratamento correspon-

  • 53DIREITO SADE

    confere acreditao MBE e aos PCDT, ao admitir que sejam con-testados, seja por inadequao da prova cientfica ou do prprio instrumento tcnico, o que foi reiterado nos Enunciados Interpre-tativos n. 4 e 1624 da I Jornada de Direito Sanitrio do CNJ.

    Ultrapassada a apresentao de conceitos sobre medicina com base em evidncias, incorporao tecnolgica, Conitec e PCDT, h de se atentar para os dilemas oriundos dessa temtica. Ao usurio interessa que a tecnologia em sade atenda a seu caso concreto, ao gestor interessa que a incorporao da tecnologia seja efetiva e eficiente, a partir dos critrios da melhor prtica cientfica, e ao

    dente com os medicamentos disponveis e as respectivas doses. Assim, um medi-camento ou tratamento em desconformidade com o Protocolo deve ser visto com cautela, pois tende a contrariar um consenso cientfico vigente. Ademais, no se pode esquecer de que a gesto do Sistema nico de Sade, obrigado a observar o princpio constitucional do acesso universal e igualitrio s aes e s presta-es de sade, s torna-se vivel mediante a elaborao de polticas pblicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possvel. Obrigar a rede pblica a financiar toda e qualquer ao e prestao de sade exis-tente geraria grave leso ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo a prejudicar ainda mais o atendimento mdico da parcela da populao mais necessitada. Dessa forma, podemos concluir que, em geral, dever ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detri-mento de opo diversa escolhida pelo paciente, sempre que no for comprovada a ineficcia ou a impropriedade da poltica de sade existente. Essa concluso no afasta, contudo, a possibilidade de o Poder Judicirio, ou de a prpria Administrao, decidir que medi-da diferente da custeada pelo SUS deve ser fornecida a determinada pessoa que, por razes especficas do seu organismo, comprove que o tratamento fornecido no eficaz no seu caso. Inclusive, como res-saltado pelo prprio Ministro da Sade na Audincia Pblica, h necessidade de reviso peridica dos protocolos existentes e de elaborao de novos protocolos. Assim, no se pode afirmar que os Protocolos Clnicos e Diret