DIREITO AUTORAL DA MUSICA NA ERA DIGITAL

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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS ÁREA DE CIÊNCIAS JURÍDICAS CURSO DE DIREITO ARY LUIZ SOUZA DA SILVA TAVARES A PROTEÇÃO AO DIREITO DO AUTOR: A MÚSICA FRENTE AO UNIVERSO DIGITAL

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DIREITO AUTORAL DA MUSICA NA ERA DIGITAL

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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS

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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS

REA DE CINCIAS JURDICAS

CURSO DE DIREITO

ARY LUIZ SOUZA DA SILVA TAVARES

A PROTEO AO DIREITO DO AUTOR: A MSICA FRENTE AO UNIVERSO DIGITAL

SO LEOPOLDO

2008

ARY LUIZ SOUZA DA SILVA TAVARES

A PROTEO AO DIREITO DO AUTOR: A MSICA FRENTE AO UNIVERSO DIGITAL

Trabalho de Concluso de Curso apresentado Universidade do Vale do Rio dos Sinos como requisito parcial para obteno do ttulo de Bacharel em Direito.

Aprovado em: __ /__ / 2008.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. ngela Kretschmann - UNISINOSDedico este estudo:

a meus pais:

Catarina e Ary (in memoriam);a minha tia, Georgina;

a meus avs e padrinhos:

Dalva e maestro Oscar (in memoriam)ARY LUIZ SOUZA DA SILVA TAVARES

A PROTEO AO DIREITO DO AUTOR: A MSICA FRENTE AO UNIVERSO DIGITAL

Trabalho de Concluso de Curso apresentado Universidade do Vale do Rio dos Sinos como requisito parcial para obteno do ttulo de Bacharel em Direito.

Orientadora: Prof. Dr. NGELA KRETSCHMANN

SO LEOPOLDO

2008

RESUMO

Este trabalho de concluso exigido, como requisito parcial obteno do grau de Bacharel em Direito, constitui-se de um estudo sobre a Proteo ao Direito do Autor, focalizando a Msica frente ao Universo Digital. Em sua estrutura bsica, salientou-se a evoluo dos sistemas de proteo ao Direito de Autor, destacando o surgimento, objeto e contedo do mesmo, com nfase na anlise dos direitos morais e patrimoniais, e direitos conexos diante da msica. Abordou-se e contextualizou-se a Conveno de Berna e o ACORDO TRIPS/ADIPC e WIPO (TWC e WPPT) ADIPC, inclusive a lei do Copyright, seu contedo e o fair use. A situao da msica teve grande peso na anlise, focalizando aspectos como: funcionamento da indstria musical fonogrfica no modelo tradicional e sua transformao, com o advento da internet que utiliza o desenvolvimento da tecnologia digital, provocando grande mudana no mercado da msica. A pirataria tambm abordada, como questo de conscientizao e informao diante do prejuzo propriedade intelectual, em seu direito. A posio dos artistas, quanto aos direitos autorais e a indstria fonogrfica ressaltada mediante depoimentos de msicos, compositores e intrpretes da atualidade que registram descrena no tradicional sistema das gravadoras. A necessidade de mudana, nos negcios musicais, conduz quebra do paradigma vislumbrado, pelo processo da tecnologia digital que se faz sentir... A revoluo digital, atravs da internet, superou os estgios do Direito Internacional. A busca pelo ponto de equilbrio, quanto ao do direito do autor, surge como uma questo de educao-conscientizao dos autores e usurios. Com a internet, desenvolve-se um nicho cultural para aqueles que tiverem habilidade e criatividade para utiliz-la, como um ferramental valioso. O modelo colaborativo da Creative Commons , aqui trabalhado, em sua metodologia, explicando-se como utilizar estas licenas, minuciosamente, em suas variaes. As licenas Creatives Commons registram, pois a aceitao de um novo paradigma, referente multilateralidade da internet. Ao finalizar o estudo, em foco, salienta-se que o saber administrar as relaes, que caracterizam esse novo paradigma, vital para que se desenvolvam novos horizontes, em benefcio do florescimento da cultura, a comear pela msica.

Palavras-chave: Copyright. Direito de Autor. Creative Commons. Internet. Msica. Ecad. Copyleft. Fonogramas. Fair use.

SUMRIO

1 INTRODUO...................................................................................................................... 012 O DIREITO DE AUTOR E SEUS SISTEMAS DE PROTEO.......................................... 032.1 Surgimento do Direito Autoral...........................................................................032.2 Proteo e Objeto do Direito Autoral ........................................................... 092.3 Contedo do Direito Autoral ..............................................................................122.3.1 Direitos morais de autor...............................................................................................132.3.2 Direitos patrimoniais de autor......................................................................................152.3.3 Direitos conexos............................................................................................................172.4 Conveno de Berna e Acordo TRIPS/ADIPC/WIPO...........................................202.5 Direitos Autorais na Comunidade europia....................................................252.6 Direitos Autorais na Lei do Copyright .............................................................272.6.1 Contedo do Copyright ................................................................................................272.6.2 O Fair Use..................................................................................................................303 ANALISE DA SITUAO DA MSICA .............................................................................. 363.1 COMO FUNCIONA A INDSTRIA MUSICAL FONOGRFICA........................................36

3.2 Transio e Obsolescncia do vinil, do K-7, do CD........................................413.2.1 O fonograma..................................................... ............................................................423.3 O advento da INTERNET............................................................................................. 463.3.1 O caso NAPSTER.......................................................................................................... 503.3.2 O P2P e o conflito com as legislaes locais......................................................... 543.4 A instituio do ISRC..................................................................................................53

3.5 PIRATARIA: uma questo de conscientizao e informao .................... 563.5.1 Gerenciadores de Direitos Digitais (DRM).................................................................. 59

3.6 A necessidade da indstria fonogrfica em arrecadar ..........................643.7 A impossibilidade dos pases garantirem o direito do autor..................643.7.1 Isenes (limitaes) aos direitos autorais previstas na Lei n 9.610/98................68

3.8 Posio dos Artistas quanto aos Direitos Autorais e a Indstria Fonogrfica ............................................... 704 A MUDANA DE PARADIGMA NOS NEGCIOS MUSICAIS .......................................... 764.1 o ECAD/SOCINPRO/UBC/INDUSTRIA FONOGRFICA ................................................77

4.2 O Copyleft ....................................................................................................................805 O PROCESSO ATUAL DIANTE DA QUEBRA DE PARADIGMA...................................... 835.1 a revoluo digital ................................................................................................ 835.2 Qual o formato final da Internet ? ...................................................................895.3 A busca pelo ponto de equilbrio .......................................................................925.4 A proposta de Lessig: o modelo colaborativo do Creative Commons.......965.5 Como utilizar o Creative Commons.....................................................................985.6 A iseno legal e o modelo colaborativo.....................................................1066 CONCLUSO......................................................................................................................111REFERNCIAS............................................................................................... .......................114ANEXO ...................................................................................................................................1211 INTRODUO

O tema deste trabalho compreende o estudo do direito autoral, com nfase no contexto da msica e da tecnologia digital, aplicando-se s licenas pblicas Creative Commons, como soluo para a regulamentao da proteo ao autor.

O ordenamento jurdico, alm de restritivo vago, quanto tipificao da proteo aos bens relativos criao intelectual. Procuremos contextualizar a situao da obra musical no mbito histrico evolutivo, seu tratamento legal e solues para a proteo do direito do autor e sua obra.

No primeiro captulo, abordado o contexto legal, do surgimento do direito autoral at o estgio atual. Foram analisadas as principais legislaes (lei n 9.610/98), a respeito do assunto, bem como acordos internacionais (Conveno de Berna, TRIPS, WTTP, WTC), sua relao com as Rodadas do GATT e OMC. Foram comentados, tambm, o Copyright o fair use.

A seguir, no captulo 3, a situao ftica da msica analisada, em seu contexto na indstria musical. Como surgiram as primeiras fixaes, em registros fsicos e o reflexo na sociedade e nas leis. A pirataria foi examinada e diferenciada do aspecto da limitao do direito do autor. Colocaremos em questo, o ponto de vista da indstria fonogrfica e o posicionamento dos artistas. A problemtica do download: ilegal ou no? Entidades representativas, como o ECAD e UBC, foram postas em pauta. A instituio de licenas pblicas, como o copyleft, tambm ser analisada de modo a apresentar uma soluo lgica aos conflitos entre cessionrio e pblico e cessionrio e autor.

O trabalho, ento, aborda, nos captulos 4 e 5, o processo atual, citando autores como CAPRA, LESSIG, LEMOS, ABRO, ASCENSO e outros, no intuito frisar os pontos mais importantes, tais como: o advento da internet, da tecnologia digital e a incapacidade da indstria fonogrfica tradicional de superar os prejuzos provocados pela m interpretao potencial do avano da tecnologia, que se fazia notar, resultando em solues de mercado que nem mesmo a lei havia previsto, em to pouco espao de tempo.

A mudana de paradigma nos negcios musicais e a quebra de paradigma no processo atual bem como o processo das inovaes tecnolgicas so comentados nos itens da Revoluo Digital, Formato Final da Internet e a Busca do Ponto de Equilbrio.

Concomitantemente, a posio dos autores sempre considerada, focalizando, inclusive depoimentos de artistas do momento atual.

A Creative Commons cuidadosamente descrita. Cada tipo desse modelo de licena ser explicado exaustivamente, com a finalidade de eliminar qualquer dvida sobre sua aplicao no dia-a-dia.

Por fim, o trabalho concludo, com perspectivas e algumas sugestes sobre a proteo do Direito Autoral, como ramo da propriedade intelectual. A finalidade ser esclarecer e conscientizar o leitor quanto ao momento nico em que vive a sociedade, diante da mudana radical de paradigma que obriga a repensar o modo tradicional de como so feitos os negcios envolvendo msicas e outras obras protegidas pelo Direito de Autor, onde o prprio cidado cria novas solues, como a Creative Commons, proporcionando ao Direito e seus operadores as incorporem ao prprio ordenamento jurdico.

2 O DIREITO DE AUTOR E SEUS SISTEMAS DE PROTEO

2.1 Surgimento do Direito Autoral

O Surgimento do direito autoral se confunde com a histria da prpria Europa. Na idade Mdia, existiam suseranos e vassalos. O senhor feudal era um nobre. Nobres no sabiam ler e dificilmente sabiam utilizar algum instrumento musical, ou ler partituras musicais. Esta tarefa era relegada aos servos, saltimbancos, andarinhos, nunca aos cavaleiros dos castelos, certamente. A criao de msicas era atribuda popularmente a ral ou ao at mesmo ao clero, nos mosteiros. Quem criava cultura naquela poca, ou pertencia aos domnios e terras de um cavaleiro apoiador do rei, ou era um monge que vivia na estrutura eclesistica. Vivia-se num mundo onde o lucro era considerado pecado e at o incio da era das grandes descobertas martimas era esta a situao da msica. Porm, antes de ser inventada a imprensa, as riquezas (o status quo) eram os castelos, as glebas de terra, que eram destinadas sempre aos nobres. E eles ocupados em manter os seus domnios. Os burgueses (os que viviam nos burgos a volta dos castelos) eram gratos e eternos devedores de seus amos e senhores que lhes garantiam a segurana contra ataque de mouros ou outros senhores feudais.

A msica, ento, era ouvida, naturalmente, entre a burguesia nas feiras, nos casamentos e outros eventos alegres. Naturalmente, era uma atividade mal ou nada remunerada ou, se remunerada, a autoria no era reconhecida. Nos mosteiros, havia a musica sacra, os cantos gregorianos, nada que envolvesse os direitos patrimoniais, pois, ao final, viria a pertencer a ordem religiosa como coletividade.

A preocupao com direitos autorais comea, realmente, quando torna-se possvel realizar cpias de obras mais velozmente que de modo manuscrito, com a inveno da prensa de tipos mveis no sculo XVI.

Nehemias Gueiros Jr. afirma em entrevista a revista Caros Amigos n 34 de Janeiro de 2000, que :

Enquanto no houve o direito conexo, nem sua definio, no havia o direito autoral; (...) Enquanto a sociedade no podia reproduzir em mais de um exemplar qualquer obra do intelecto humano, no havia qualquer preocupao de proteger nada. Os jograis da Idade Mdia, as performances saltimbancas daquela poca, em que no havia fronteiras nacionais, eram burgos, castelos e feudos, e voc no tinha como reproduzir, gravar aquilo. No havia, ento, proteo a nada, e nem essa preocupao. Os escribas levavam dez anos para escrever um livro, molhando a pena na tinta e escrevendo luz de velas, e mesmo assim reduzidos aos monastrios da Idade Mdia.

Gueiros afirma, tambm, nesta poca que guardar livros era sinnimo de crime que poderia custar a vida de seu possuidor. O Estado primitivo s comeou a mudar essa poltica quando Gutenberg (1452) comeou a produzir a Bblia em seu invento. A sim comeou a pirataria pois a Europa inteira foi inundada por cpias ilegais da Bblia de Gutenberg:

Haviam j algumas naes sim, mas eram precrias, a aplicao da Lei era uma coisa muito difcil. Ento, houve o questionamento de proteger a criao, claro que nunca em prol do autor senhores, isso eu posso garantir, que os 300 primeiros anos de Direito de Autor foram uma desgraa (...) Os Editores pirateavam a si mesmos, de certa feita apenas para ilustrar um caso, o grande escritor alemo Gutem, ainda na Alemanha, no Alemanha, ainda nos cantes que viriam se transformar em Alemanha e viriam a ser unificados por Bismarck, no Sculo XIX. Gutem teve que circular por toda a regio que hoje parte da Alemanha porque geograficamente mudou bastante o mapa europeu, para conseguir em trinta e seis cantes que parassem de copiar a obra dele. Ele teve que fazer trinta e seis acordos, em outras palavras, teve que pagar trinta e seis pilantras para que parassem de copiar o livro dele. E pagar em moeda de ouro da poca e no adiantou nada, bastava ele virar as costas, sair da cidade, o pessoal comeava a copiar de novo ...

Na mesma entrevista, o especialista, em direito autoral, explica os primrdios da propriedade intelectual. Ilustra sob sua tica o Ato da Rainha Anne:(...) Mas o "copyright" comeou com a Rainha Anne, em 1710, foi considerado o primeiro ato, a primeira pea de lei que determinou algum tipo de comportamento prazo e forma de pagamento por uma obra intelectual e como sempre s para o editor, senhores. O autor nem compareceu ao ato, nem foi consultado, nem estava presente. Era um ato dos editores, mas ele foi chamado de "copy right art", ou "art and C", o C em letra maiscula e esse C que viria 200 anos depois influenciar uma marca muita conhecida de todos ns, que vemos diariamente que um C dentro de um crculo, que hoje o smbolo do "copyright" que foi adotado pela Conveno de Berna 150 anos depois. Mas ns vamos chegar l.

A Rainha ento determinou um prazo: 14 anos de explorao exclusiva para os editores de qualquer obra literria que viesse a ser reproduzida. Importante o parnteses, porque era 1710, a obra literria era ainda a nica forma de se reproduzir em mais de um exemplar uma obra. No se fixava sons ainda, muito menos imagens, a eletricidade estava comeando, Benjamim Franklin, no tinha tomado um choque do relmpago ainda. Estava muito longe de qualquer modalidade de reproduo em nmero ilimitado de exemplares de obras intelectuais. Ento, esse ato protegia por 14 anos, os direitos exclusivos dos editores, renovveis por mais 14, mais 14, "ad eternum" e assim transcorreu o sculo XVIII.

O contexto do Ato da Rainha Anne era muito diferente do atual. Neste perodo, a Corte aristocrtica e a realeza desempenhavam papel absoluto na criao e aplicao do Direito Estatal. Ressalte-se o fato que ocorreu com o prprio Kant em plena Prssia (que integra atualmente a Alemanha), onde Kant, que dedicara sua vida a produzir filosofia, sofreu, no obstante, com um imperativo real, podendo se chamar de censura, por parte do Rei Frederico Guilherme II. O filsofo Valrio Rohden, bem relata em artigo a revista IHU ON-LINE Ano 4 - N 93 22 de maro de 2004:

O ensino no ortodoxo de religio de Kant, que era baseado no racionalismo mais que na revelao, colocaram-no em conflito com o governo da Prssia e, em 1792, ele foi proibido pelo rei Frederico Guilherme II de ensinar ou escrever sobre temas religiosos. Kant obedeceu a essa ordem por cinco anos, at a morte do rei e ento se sentiu liberado dessa proibio. Em 1798, o ano que se seguiu a sua aposentadoria da universidade, ele publicou um resumo de seus pontos de vista religiosos.

Mas, no foi apenas com o Ato da Rainha Anne que os direitos intelectuais passaram a ser reconhecidos, como ressalta Gueiros:

(...) Os autores reuniram-se em segredo, em sigilo, em suas pequenas associaes, movidos j por todos aqueles estudos e pela ebulio e efervescncia poltica e econmica que j viria desaguar 70 anos depois na queda da Bastilha e na Revoluo Francesa, por conseguinte no fim da Monarquia, ascenso da burguesia e tudo mais que ns sabemos, desaguou na Revoluo Industrial, no Capitalismo e no mundo que hoje ns vivemos. Os autores comearam a se fortalecer em bares, em teatros, aps uma pea aqui e ali, etc. Sim, importante lembrar j havia o teatro, j havia os saltimbancos, j havia os jograis, mas no havia como reproduzir a obra deles. Quem quisesse assistir a uma pea teria que estar l naquele momento, naquele ato, quem quisesse assistir um concerto, msica de cmara, um grupo tocando, teria que estar ali naquele momento. Ento, no se falava muito em proteo de obras musicais, porque no havia como fix-los. Mas o embrio estava ali, a serpente havia nascido, acelerando ento a exposio histrica, mais uma vez peo desculpas se me torno muito maante, mas importante conhecermos esses conceitos. A Revoluo Francesa, ento foi o empurro fundamental que trouxe os autores para a vanguarda.

Continuaram as mudanas e no perodo que abrange a Revoluo Francesa, constatou-se uma realidade: os nobres que tinham direitos (privilgios aristocrticos) de bero, no mais possuam riquezas (metais). E os burgueses (originrios dos burgos feudos), agora citadinos, no possuam direitos, porm exerciam atividades comerciais rentveis nas cidades que lhes garantiam os metais (riqueza). Logo, esses mesmos burgueses, desprovidos de direitos em relao aos nobres e o clero, compravam privilgios, cargos ou favores com estes seus metais. Bancavam, inclusive, estudos de jovens intelectuais que, mais tarde, lhes retribuam aplicando os conhecimentos cientficos e filosficos adquiridos nos negcios comerciais e pr-industriais. Este processo revertia em mais riquezas para a florescente burguesia.

Como denunciava o abade SIEYES:

... o Terceiro Estado (burguesia) no teve, at agora, verdadeiros representantes nos Estados Gerais. Desse modo, seus direitos polticos so nulos.

No momento da Revoluo Francesa, ento, o citadino transcende e arvora-se ao patamar de cidado. Ali, lhe so reconhecidos o direito vida, liberdade e propriedade inclusive intelectual, transcritos no prprio texto da Declarao de Direitos do Homem e do Cidado admitidos pela Conveno Nacional em 1793:

(...)VI - A liberdade o poder que pertence ao Homem de fazer tudo quanto no prejudica os direitos do prximo: ela tem por princpio a natureza; por regra a justia; por salvaguarda a lei; seu limite moral est nesta mxima: - " No faa aos outros o que no quiseras que te fizessem"; VII - O direito de manifestar seu pensamento e suas opinies, quer seja pela voz da imprensa, quer de qualquer outro modo, o direito de se reunir tranqilamente, o livre exerccio dos cultos, no podem ser interditos. A necessidade de enunciar estes direitos supe ou a presena ou a lembrana recente do despotismo; (...) XVI - O direito de propriedade aquele que pertence a todo cidado de gozar e dispor vontade de seus bens, rendas, fruto de seu trabalho e de sua indstria; XVII - Nenhum gnero de trabalho, de cultura, de comrcio pode ser proibido indstria dos cidados.

Na atualidade, em 10 de dezembro de 1948, as Naes Unidas proclamaram, em Assemblia Geral a Declarao Universal dos Direitos Humanos que consagra em seu artigo 27, o direito intelectual patrimonial e moral:Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da famlia humana e de seus direitos iguais e inalienveis o fundamento da liberdade, da justia e da paz no mundo,

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultam em atos brbaros que ultrajaram a conscincia da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crena e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspirao do homem comum,

Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem no seja compelido, como ltimo recurso, rebelio contra a tirania e a opresso

A Assemblia Geral proclama: (...) Artigo XXVII

Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo cientfico e de seus benefcios.

Toda pessoa tem direito proteo dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produo cientfica, literria ou artstica da qual seja autor.

Ocorreu, porm, que dois sistemas evoluram independentemente neste nterim, com interesses antagnicos, entre si. Um sistema visava proteo obra editada. O outro, tratava da proteo personalidade do autor. Respectivamente, so o sistema anglo-saxnico e o sistema continental europeu.

Logo, verificamos que o primeiro visou proteo das obrigaes reais e o outro deu nfase as obrigaes pessoais privilegiando, consequentemente, os direitos morais do autor, alm dos direitos patrimoniais.

A defesa dos direitos morais teve reflexos oriundos da fora da Revoluo Francesa, inclusive, na Declarao Universal dos Direitos do Homem e do Cidado, como tambm, da atuao e produo dos filsofos da poca.

Eliane Yachouh Abro, falando sobre copyright e direito autoral, registra que a primeira proteo obra editada foi em 1586. A partir deste momento, j comeava a reivindicao de direitos sobre a venda e reproduo da obra sob a forma de direito autoral de propriedade. Na Frana, em 1777, embora se mantivessem os privilgios de comercializao, foram reconhecidos os direitos dos autores de editar e vender suas obras.

Produziu-se, assim, uma diferenciao jurdica tangvel. Reconheceram-se dois tipos de prerrogativas: o direito do autor, que versava sobre propriedade de direito, e do editor que possua uma liberalidade. J, em 1793, os artistas tiveram regulamentada sua proteo por um decreto-lei francs, que abrangia os escritores de todos os gneros, dos compositores de msica, dos pintores e dos desenhistas.

Eliane Yachouh Abro relata, que em 1886, reunidos principalmente os pases europeus, as naes, ento civilizadas, se reuniram em Berna, Sua, para regulamentarem em mbito internacional, a proteo das obras literrias, artsticas e cientficas e de seus titulares (autores). Esta foi a primeira Conveno Internacional sobre o direito autoral. Tornou-se assim referencial para todas as legislaes nacionais a partir da existentes.

A autora tambm registra que em 1950, surgiu uma nova Conveno Internacional, participando os mesmos pases da Conveno de Berna, e mais os Estados Unidos. Desta feita, na cidade de Genebra, para adequar os sistemas voltados prioritariamente s obras (copyright), com aqueles os que legitimavam aos autores direitos de carter pessoal, com a mesma importncia dada s obras.

J o copyright, sistema anglo-saxnico, foi criado voltado para a proteo da obra. Marcadamente, surge no sculo XVI quando o Rei Felipe e a Rainha Maria Tudor concedem o monoplio real para garantir a comercializao de livros associao de donos de livrarias e livreiros na Inglaterra. Embora fossem os livreiros comerciantes, em troca do privilgio, exerciam a censura sobre as publicaes que no fossem de acordo com a posio da realeza. Assim, o surgimento deste direito assegurou proteo aos livreiros e no ao autor. Tal direito constou das Leis na Inglaterra e foram herdadas pelos Estados Unidos da Amrica.

Em seu livro, Henrique Gandelman bem registra:

Na Inglaterra, comea-se a reconhecer formalmente o copyright e da, tambm, a palavra royalty: o rei, isto , a Coroa, concedia uma regalia (protegendo por 21 anos, e aps registro formal) para as cpias impressas de determinada obra. O prazo de proteo era contado da data da impresso, e as obras no impressas somente eram protegidas por 14 anos. Estamos nos referindo ao Copyright Act, de 1709, da Rainha Ana. Antes, contudo, o Licensing Act, de 1662, j proibia a impresso de qualquer livro que no estivesse licenciado ou registrado devidamente. Desta maneira, exercia-se sutilmente, tambm, uma forma de censura prvia, pois s eram licenciados aqueles livros que no ofendessem os interesses (polticos, principalmente) dos licenciadores.

A censura implcita sobre os autores termina no incio do sculo XVIII. o fim do Licensing Act de 1662. O clebre Ato de Anne (1710) contm segundo Eliane Abro trs mritos a serem destacados:

a)transformou o direito de cpia dos livreiros (monoplio e censura) em um conceito de regulao comercial, mais voltado promoo do conhecimento e diminuio dos respectivos poderes (limitao no tempo, liberdade de cesso do copyright e controle de preos);

b)criou o domnio pblico para a literatura (cada livro poderia ser explorado por catorze anos, podendo esse prazo ser prorrogado por uma nica vez) acabando com a perpetuidade, porque, no velho sistema, toda literatura pertencia a algum livreiro para sempre, e somente a literatura que se enquadrasse nos padres censrios deles poderia ser impressa;

c)permitiu que os autores depositassem livros em seu nome pessoal, tirando-os, por um lado, do anonimato e por outro criando a memria intelectual do pas com a doao de livros s universidades e bibliotecas pblicas.

Trata-se aqui do incio do reconhecimento da identidade do artista como criador, pelo Estado. a descoberta do poder da circulao das idias. Estas, exteriorizadas, em um suporte fsico comeavam a ser valoradas e reconhecidas sua paternidade. As obras, no caso, literrias se tornam fonte de conhecimento. O know-how inserido nestas obras teria preo?

2.2 Proteo e Objeto do Direito Autoral (Lei n 9.610/98)

Na atualidade, o Direito Autoral se ocupa com a proteo criao artstica, cientfica ou literria de todo indivduo pertencente sociedade, capaz ou no juridicamente, que vier a exteriorizar suas idias / pensamentos / sentimentos. O Direito autoral protege quem for suficientemente capaz expressar de alguma forma, o esprito humano e sua produo.

Intencionalmente, foi utilizado o termo protege. Mais preciso seria dizer que o Estado apenas reconhece a existncia de direitos na atividade de criao. Se o indivduo que cria uma obra intelectual obter suas prerrogativas morais e patrimoniais efetivamente respeitadas por seus pares, e se o Estado pode de garanti-las, isto , assegurar sua efetividade dos direitos, j outra etapa.

O Presidente da Comisso de Direitos da Propriedade Intelectual do Instituto dos Advogados Brasileiros e Membro da Comisso Estadual de Defesa da Propriedade do Rio de Janeiro, Joo Carlos de Camargo Eboli, entre outros tpicos destacou que:(...) O autor ser sempre uma pessoa fsica e s ele ou seus herdeiros podero exercer o direito moral. J o direito patrimonial poder tambm ser exercido por pessoas distintas, fsicas ou jurdicas, na qualidade de sucessoras do autor, quer como herdeiras, legatrias, cessionrias ou licenciadas. (...)

A Lei brasileira define com preciso os trs tipos ou modalidades genricas de direitos essencialmente compreendidos no campo dos direitos patrimoniais: o direito de reproduo, o direito de distribuio e o direito de comunicao ao pblico. Ao definir a distribuio e a comunicao ao pblico, a nossa Lei consagra o princpio da disponibilidade, ou seja, a mxima de que a simples disponibilizao da obra ao pblico j tipifica uma nova modalidade de utilizao, que obviamente depender da prvia e expressa autorizao do autor. Quando expe o conceito de reproduo, a Lei de regncia abarca expressamente a cpia por meios eletrnicos, referindo-se a qualquer forma de armazenamento permanente ou temporrio. (...)

Para se ter uma idia da importncia econmica desse conceito, citamos o fato de que, s no primeiro trimestre deste ano, o hit Festa no Ap, de Latino e Dalmo Beloti, foi alvo de mais de dois milhes e setecentos mil downloads, correspondentes ao nmero de chamadas ringtones em que foi executada em telefones celulares em todo o pas. Como o direito cobrado por cada chamada , atualmente, de vinte e quatro centavos de real, a respectiva retribuio autoral equivaler a aproximadamente R$ 576 mil. Estamos falando em uma nica obra, em um espao de apenas trs meses !

(...) O prazo de proteo estabelecido em nossa Lei de 70 anos, contados do dia 1 de janeiro do ano subseqente ao do falecimento do autor. A partir da a obra cair em domnio pblico. Ser de 70 anos o prazo de proteo dos direitos patrimoniais sobre as obras annimas e pseudnimas, contado do dia 1 de janeiro do ano imediatamente posterior ao da primeira publicao. De 70 anos ser tambm o prazo de proteo das obras audiovisuais e fotogrficas, a contar de 1 de janeiro do ano subseqente ao de sua divulgao. Igualmente de 70 anos ser o prazo de proteo aos direitos conexos, contados a partir de 1 de janeiro do ano subseqente fixao, para os fonogramas, transmisso, para as emisses das empresas de radiodifuso, e execuo e representao pblicas, para os demais casos. (...) As obras folclricas so consideradas de domnio pblico. (...) Felizmente a legislao nacional no acolhe os institutos da licena legal, compulsria, e do domnio pblico remunerado pagante , que podem se prestar ao cerceamento da difuso cultural e ao indesejvel controle da criao intelectual pelo Estado. (...) Os negcios jurdicos sobre direitos autorais interpretam-se restritivamente e se presumem onerosos, razo por que a gratuidade, se existir, dever ser expressamente declarada no respectivo instrumento.

Utilize, exiba, divulgue, mas, antes, consiga o sinal verde da autorizao.

O objeto do Direito Autoral est disposto no artigo 7 da Lei 9.610/98. Garante este proteo para aquelas criaes do esprito humano exteriorizadas em qualquer suporte, conhecido ou que se invente no futuro, tangvel ou intangvel. Basicamente, so os textos de obras literrias, artsticas ou cientficas (nas cincias, a proteo recair sobre a forma literria ou artstica, no abrangendo o seu contedo cientfico ou tcnico, sem prejuzo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial conforme 3 do mesmo artigo); as conferncias, alocues, sermes e outras obras da mesma natureza; as obras dramticas e dramtico-musicais; as obras coreogrficas e pantommicas, cuja execuo cnica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma; as composies musicais, tenham ou no letra; as obras audiovisuais, sonorizadas ou no, inclusive as cinematogrficas; as obras fotogrficas e as produzidas por qualquer processo anlogo ao da fotografia; as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cintica; as ilustraes, cartas geogrficas e outras obras da mesma natureza;os projetos, esboos e obras plsticas concernentes geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e cincia; as adaptaes, tradues e outras transformaes de obras originais, apresentadas como criao intelectual nova; os programas de computador (estes so protegidos por lei especifica 9.609/98); e as coletneas ou compilaes, antologias, enciclopdias, dicionrios, bases de dados e outras obras, que, por sua seleo, organizao ou disposio de seu contedo, constituam uma criao intelectual (embora a proteo criao seja independente dos direitos autorais dos dados ou materiais nela contidos). Este rol meramente exemplificativo, pois em ocorrendo alguma outra possibilidade que se enquadre no caput do artigo tambm ser protegida de igual maneira.

As idias, os procedimentos normativos, sistemas, mtodos, projetos ou conceitos matemticos, esquemas, planos regras para realizar atos mentais, jogos ou negcios no so protegidos, conforme o artigo 8 da LDA. Os formulrios em branco para serem preenchidos com qualquer tipo de informao, cientfica ou no, e suas instrues, os textos de tratados e convenes, leis, decretos, regulamentos, decises judiciais e demais atos oficiais tambm no so alvo da proteo do direito de autor. Assim como calendrios, agendas, cadastros, os nomes e ttulos isolados nem o aproveitamento de forma industrial ou comercial das idias na criao. Porm, em se tratando de base de dados, conforme o artigo 87 da LDA, o titular de seus direitos patrimoniais poder exclusivamente, autorizar ou proibir a reproduo da base (total ou parcial) em qualquer meio ou processo. Tambm, este titular, controlar a traduo, adaptao, reordenao ou outra modificao na base de dados, inclusive a reproduo, distribuio (ou comunicao ao pblico) dos trabalhos derivados. Autorizar ou no, a distribuio do original ou cpias dessa base de dados, bem como sua comunicao ao pblico.

O registro de obras intelectuais em nosso pas facultativo. A proteo legal independe de formalidades. Vale o registro, apenas como uma prova. Porm, o registro aconselhvel, para lastrear o princpio da anterioridade, quando existir alguma dvida quanto autoria da obra.

2.3 o Contedo do direito autoral e a quebra de paradigma

O direito autoral presume que o autor seja remunerado toda vez que algum quiser empreender ou obter lucro atravs de sua obra. Na Lei n 9.610/98, so respeitados os direitos ou prerrogativas dos dois tipos: os morais e os patrimoniais:

Art. 22. Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou.

O contedo do direito autoral o conjunto de prerrogativas que os autores tm em relao s suas criaes. Algumas prerrogativas so de ordem moral, enquanto outras so de ordem patrimonial. Segundo BITTAR, estas prerrogativas que so traduzidas em direitos morais e direitos patrimoniais, esto entrelaadas:

So direitos unos e incindveis quanto respectiva textura, ou seja, enquanto componentes do acervo patrimonial do autor carter unitrio do Direito do Autor podendo, no entanto, merecer diviso na medida do interesse do titular, sob aspecto patrimonial, para efeito de possibilitar a circulao da obra e a percepo, por ele, dos proventos correspondentes, exatamente como se previu quando da sua consagrao legislativa, como direito ligado criao e no dependente de outorga da autoridade vigente no sistema dos privilgios...

Diante de sua natureza sui generis, a obra sendo imaterial (embora plasmada em algum suporte), no pertence ao direito de propriedade (direito real das coisas), devido a suas caractersticas personalssimas, porm suscetvel da comercializao.

Logo, para se explorar economicamente uma obra, algum que no seja autor dever negociar com o artista-criador (ou titular do direito) a autorizao/cesso dos direitos patrimoniais. Os direitos patrimoniais so prerrogativas que produzem muitos recursos no mundo: execuo de msicas, publicao de livros, venda de CDs, etc.

Apenas os direitos patrimoniais podem ser negociados ou cedidos a terceiros. Entende-se que tanto pessoas fsicas como jurdicas (fundaes ou produtoras fonogrficas atravs da cesso) podem ser titulares dos direitos patrimoniais.

Diferentemente dos patrimoniais, os direitos morais so de cunho personalssimo. Dizem respeito a aspectos prprios da pessoa que criou com a paternidade da obra, direito da integridade do suporte, direito a ineditude, direito de arrependimento, direito de acesso, direito a recolher a obra quando julgar necessrio, o direito de sentir prejudicado por mau-uso da obra ou prejudicial dignidade do prprio autor.

2.3.1 Direitos morais de autor

A Constituio Federal, em seu artigo 5, inciso IX, reconhece o direito moral de autor, decorrente da liberdade de expresso da atividade intelectual, artstica e cientfica.

A Constituio Federal, tambm, em seu artigo 5, incisos XXVII e XXVIII, assegura os direitos morais e vizinhos perante a sociedade.Na Lei 9610/98, em seu artigo 24, esto explicitados os direitos morais.

O Estado cuidar das obras, e principalmente das prerrogativas morais, quando no existirem mais sucessores, conforme artigo 24, 2 c/c artigo 45, I da LDA. A Lei no faz referncia de prazo de proteo dos direitos morais, s d prazo para os direitos patrimoniais, conforme artigo 41: 70 anos contados de 1 de janeiro do ano subseqente ao falecimento do autor.

2.3.2 Direitos patrimoniais de autor

Habitualmente, quem cria e produz, o faz, pode faz-lo a partir daquilo que consumiu anteriormente. Ou ento transcender e realizar obras que nos espantem justamente porque inexplicveis de compreender como o autor alcanou aquilo que parece divino. Incrivelmente, o nada tambm algo. Lembremos que um copo vazio est cheio de ar.Basicamente e metaforicamente, um criador que produz arte poder metabolizar aquilo que lhe foi anteriormente exteriorizado por outros artistas/criadores. Embora seja consumidor de cultura, o artista, neste caso, transcende e exterioriza um algo novo e original que se somar a cultura (algo que passar a ser de todos e pertencer ao binmio: coletivo - cultural).

Por mais bvio que parea, vivemos numa a sociedade de consumo, onde tudo o que divulgado, inteiramente consumido. Neste novo canal de mdia, a internet, o consumo tornou-se direto. Pois, algumas empresas conseguiram romper com o paradigma anterior (onde a contabilidade da arrecadao arcaica e diretamente proporcional ao nmero de cabeas como eram coletados os impostos desde a antiguidade) e conectam (linkam) criador e consumidor, desvinculando o lucro direto com o usurio atravs de contratos de patrocnio comercial indireto.

Dentro do tradicional e convencional pensamento dos direitos patrimoniais, se adquirido um exemplar de uma obra musical, Bruno Hammes sabiamente afirma:

O autor continua com seu direito exclusivo sobre a obra ainda que o substrato material pertena a outrem. Somente assim possvel compreender que o proprietrio de um exemplar da obra no o pode utilizar irrestritamente. Ainda que tenha direito de transferir a propriedade desse exemplar, no pode dispor do contedo intelectual da obra. No pode produzir novos exemplares da obra. No pode utilizar a obra em pblico, mesmo que o faa imaterialmente: execuo, representao, declamao, recitao, etc. O direito patrimonial o mais amplo possvel.

Contudo, existem limitaes ao direito do autor enunciadas no corpo da lei de proteo autoral brasileira:

Art. 46. No constitui ofensa aos direitos autorais: (...) V - a utilizao de obras literrias, artsticas ou cientficas, fonogramas e transmisso de rdio e televiso em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstrao clientela, desde que esses estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilizao; (...)Art. 49. Os direitos de autor podero ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a ttulo universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de licenciamento, concesso, cesso ou por outros meios admitidos em Direito, obedecidas as seguintes limitaes: I - a transmisso total compreende todos os direitos de autor, salvo os de natureza moral e os expressamente excludos por lei; (...)

recomendvel, sempre, que os direitos patrimoniais devam ser transferidos atravs de documento escrito, conforme determina o artigo 49, inciso III da LDA. Se por um lado, as prerrogativas morais no podem ser objeto de transferncia, j as patrimoniais, em caso de negociao, cesso ou concesso, presumem-se onerosas, com clusulas especficas sobre o preo, lugar e tempo, conforme os artigos 50 2 e 49 incisos V e VI. A cesso de direitos ser sempre interpretada de maneira restritiva, ou seja, a favor do autor ou titular do direito.

H artistas/autores que criam obras com tamanha originalidade que no sabemos como puderam fazer nascer tamanha obra do esprito, e outros que aproveitam-se e se inspiram em obras j existentes, criando novas. Outros fazem adaptaes, tradues, arranjos, produzindo verdadeiras obras derivadas que dependem de autorizao da obra primgena. Mas, muito comumente encontramos o oposto: aqueles que consomem simplesmente a arte, sem nada produzir a partir da criao inicial.

De forma direta, percebe-se que o foco do direito autoral patrimonial deslocou-se da arrecadao quantitativa de cpias emitidas, para quantidade de usurios-consumidores conectados em rede. Este deslocamento aconteceu revelia dos princpios tradicionais do direito autoral at agora vigentes. De agora em diante, as modernas empresas promotoras ganham com a quantidade links (P2P) que estabelecem, no importando se o contedo das conexes autorizado pelo autor ou no.

2.3.3 Direitos conexos

Normalmente, so trs os titulares dos direitos conexos: o artista intrprete, em relao a sua execuo musical; o produtor de fonogramas, quanto a produo de sons musicais; e o canal de mdia utilizado para difuso (radiodifuso) quanto ao programa.

Os direitos conexos so resultado da nova realidade surgida no sculo XIX: a tecnologia possibilitou a fixao de sons e imagens. Da, a necessidade de reconhecerem-se os direitos dos intrpretes e ainda dos produtores fonogrficos como se reconhecem os direitos originrios aos organizadores de obras coletivas.

Diante da nova realidade, na Europa, surgiu a lei alem de 1901, a lei hngara em 1921, a lei sua em 1922, a britnica em 1925, a portuguesa, a finlandesa, ambas em 1927 e a italiana em 1941, todas disciplinando os direitos conexos. Na Amrica Latina, o Mxico e a Argentina bem como a Colmbia trouxeram at 1946 a proteo aos direitos dos artistas, intrpretes e executantes incluindo tambm os direitos dos produtores de fonogramas.

Houve tambm durante a Reviso da Conveno de Berna em Roma (1928) e tambm em Bruxelas (1948) a preocupao quantos a proteo dos direitos dos produtores de fonogramas.

Foi, ento, construda uma doutrina que possibilitava a proteo de pessoas e entidades que embora no fossem propriamente autores, participavam do processo criativo de outras maneiras. Por se assemelharem aos direitos autorais foram chamados de direitos vizinhos, anlogos, afins ou conexos.

Assim, com a participao da FIM Federao Internacional de Msicos e da FIA Federao Internacional de Artistas, aprovou-se a CONVENO INTERNACIONAL SOBRE A PROTEO DOS ARTISTAS INTRPRETES OU EXECUTANTES, DOS PRODUTORES DE FONOGRAMAS E DOS ORGANISMOS DA RADIODIFUSO, sob os auspcios da OMPI, OIT e UNESCO.

A lei forjou, assim, uma proteo internacional forte para os intrpretes e produtores de fonogramas. Porm, no se imaginava transformaes to radicais do mundo.

Os direitos conexos, agora, podem ficar reunidos na pessoa do artista. Isto algo que muitos msicos perseguiam durante dcadas, simplificando a interpretao do artigo 89 da Lei 9610/98:Art. 89 As normas relativas aos direitos de autor aplicam-se, no que couber, aos direitos dos artistas intrpretes ou executantes, dos produtores fonogrficos e das empresas de radiodifuso.Na internet, os msicos tm a visibilidade que necessitam. E continuam a vigorar os artigos que prevem a proteo dos direitos conexos quando ocorrerem execues pblicas em shows, rdios TVs convencionais, as quais continuaro necessitando de autorizao para cada exibio das obras ao pblico, so casos eventuais em que o artista no pode faz-lo por meios prprios.Dessa forma, tambm a radiodifuso ficar de fora do processo (espoliativo), como refere o msico Lobo em entrevista do ano de 2000, a Revista Caros Amigos:

No caso das independentes (gravadoras), alm de no ter o poderio econmico para distribuio, voc no tem poderio econmico para divulgao, voc no pode nem tocar em rdio. Porque se sabe que o preo do jab oficial 1 dlar a unidade. Ento, se vender 150.000 cpias, eles ficam com 150.000 dlares por executar sua msica. (...)

um radialista do Rio Grande do Sul me disse: 'Adoro seu disco, tenho at em casa, mas a gravadora no me d jab, no vou tocar'." (...)

Edson Natale - Mas como que voc vai combater o jab se quem deve fazer a lei o deputado e o deputado o dono da rdio? O dinheiro vai para ele.

Em entrevista seguinte, em 2001, Lobo j antevia uma soluo para a situao-problema do msico ...

(...) (a msica) tem uma demanda, ... no Brasil inteiro que existe uma demanda. Eu estou recebendo milhares de CDs de todo mundo, solicitando coisas, (...) numa rdio no de muita audincia no Rio de Janeiro, o cara pediu R$ 30,00 mil reais para tocar trs vezes por dia, numa semana. (...) Ento, o projeto juntar justamente meios de comunicao via INTERNET, eu uso muito, o prprio site, o uol, a intelig, enfim todos esses veculos, boto msica em MP3, fao uma srie de processos de viabilizao ali, conectar com as rdios comunitrias e televises universitrias e comunitrias, enfim conectar com todo esse universo, porque uma coisa tende a potencializar a outra, muito. Porque elas no esto conectadas ainda est entendendo, elas esto muito avizinhadas. Mas no esto articuladas Ento, quando isso der uma liga,... est prestes a acontecer,... eu acredito piamente nisso.

Nesta mesma oportunidade Nehemias Gueiros Jr. e Lobo explicam a situao dos direitos dos editores fonogrficos e dos autores:

Nehemias Gueiros Jr.: o produtor fonogrfico ele titular sim, (...) ele no proprietrio intelectual, ele titular intelectual, do que ele fixou e ponto. E a ele coloca o decnio de proteo, ns temos brigado, temos conseguido sete anos de proteo, a gente pede cinco anos, eles colocam sete, e no contrato padro durante 10 anos, aps o lanamento voc no pode regravar a sua prpria obra, para no competir com ele. Passou dez anos voc pode regravar a vontade. Pegou a mesma obra colocou um tringulozinho, j uma outra obra, um outro fonograma.

Lobo: Mas isso que eu estou fazendo, Nehemias. Eu no estou regravando, eu estou copiando do que foi gravado na gravadora. Eu estou piratiando a obra deles, com a maior cara de pau e na lei. Porque eles abriram o precedente da propriedade intelectual, ento vou gravar.

Dr. Nehemias Gueiros Jr.: Voc no est pirateando, Lobo, porque os caras sentaram em cima do teu catalogo e foram passear.

Devemos observar que vivemos numa sociedade de consumo. Sem esquecermos que o consumidor a parte vulnervel da relao. a parte frgil. O esprito da lei era proporcionar a manuteno do canal de acesso do pblico a cultura, embora este, at aqui, fosse lento e viciado. Hoje, com o sistema digital (internet) o antigo modelo de produo e distribuio musical tradicional tornou-se superado. O modelo ruiu. Implodiu.

2.4 Conveno de Berna e Acordo TRIPS/ADIPC - WIPO

Antes da Conveno de Berna de 1886 (a Unio Internacional para a Proteo das Obras Literrias e Artsticas), ocorriam tentativas internacionais com tratados bilaterais em matria de reconhecimento do direito do autor entre os pases. Berna foi e continua sendo um instrumento-padro internacional. Embora iniciada entre pases europeus, perdeu este mbito com a entrada de muitos outros pases, inclusive Estados Unidos, Rssia e China.

Segundo ASCENSO o problema atual so veculos de comunicao de obras que ultrapassam as fronteiras, como seja a radiodifuso por meio de satlites artificiais e as auto-estradas da comunicao.

A Conveno de Berna fortemente protecionista, sendo atualmente administrada pela Organizao Mundial da Proteo Intelectual (OMPI). Tem como um princpio fundamental o princpio do tratamento nacional, em seu artigo 5. A garantia dos mnimos convencionais, se refere s regras mnimas de proteo que no podem ser postergadas pelas legislaes dos pases membros. Regras essas que vo sendo includas a cada nova reviso da Conveno. A determinao do pas de origem da obra tambm determinada no artigo 5(4). E temos, tambm, o princpio da conformidade da legislao interna. Este princpio o mais atingido, pois exige que as legislaes internas dos pases incluam o direito pessoal. A despeito de nem todos os pases respeitarem os direitos pessoais, tambm o copyright avesso a tal prerrogativa.

Em 1952, em Genebra, ocorreu a Conveno Universal do Direito do Autor, que foi revista em 1971. Foi uma tentativa de oposio a Berna, que at ento teria o cunho extremamente europeu. Embora ligada a UNESCO no vingou, pois a Conveno de Berna continha um dispositivo que diante do abandono da Unio por algum pas-membro, todas as suas obras no seriam mais protegidas internacionalmente. Diante de tal coero, poucos pases ratificaram esta Conveno.

Embora tenha natureza sui generis e ser um bem imaterial, a partir de 1979, a propriedade intelectual foi alvo de discusso pelo comrcio internacional com a criao do GATT - General Agreement of Tariffs and Trade. Na instaurao da OMC - Organizao Mundial do Comrcio em 1994, durante a Rodada do Uruguai, materializou-se a inteno de estabelecer-se um Acordo Relativo aos Aspectos da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comrcio (TRIPs/ADPICs). Este acordo foi fruto, em parte, da obsolescncia dos debates das Convenes de Berna e Genebra circunscritos soberania e territrio dos Estados-membros.

ELAINE ABRO explica sobre o acordo TRIPs/ADPICs que

(...) Deu-se, ento, a grande guinada, no trato internacional da matria: de obras do esprito, de carter esttico, cultural, artstico passaram a ser consideradas como mercadoria, de alta aceitao e consumo no mundo inteiro (a linguagem musical e virtual da arte entendidas sem necessidade de traduo), posto que fixadas em suporte mecnico. A razo da mudana residia na percepo por parte dos pases sede de multinacionais da propriedade intelectual da ocorrncia: a) de um aumento brutal nos rendimentos internos e externos em virtude das licenas e concesses de uso de obras intelectuais (royalties); b) no aumento dos respectivos nveis de emprego; c) no aumento paralelo da pirataria, que provocava escapes considerveis de renda.

O novo acordo em nada muda a Conveno de Berna. Assim em seu artigo 3, ele estabelece o princpio do tratamento nacional. Elege, tambm, o princpio do tratamento da nao mais favorecida no artigo 4. O princpio da preveno de abusos, no qual o Estado tem a possibilidade de tomar as medidas necessrias que evitem o abuso ou restrinjam o comrcio internacional de tecnologia dispe o artigo 8, 2. Anuncia o princpio da exausto de direitos disposto no artigo 6 dita que aps a primeira utilizao pblica consentida do exerccio do direito sobre a propriedade intelectual os titulares esgotam, no podendo terceiros de a utilizarem sob remunerao. O princpio da obrigatoriedade ou adeso sem reservas na qual nenhum Estado-Membro poder pertencer a OMC se opuser reservas ou condies. O princpio da cooperao tcnica e financeira consta do artigo 67.

Significativamente, o acordo quanto aos direitos conexos de radiodifuso possibilita o impedimento da radiodifuso de obras protegidas no autorizadas em pases que no reconhecem tais direitos, tanto a partir dos autores, quanto (msica, imagem fotogrfica, textos) como pela empresa de radiodifuso.

Em 1996, a OMPI Organizao Mundial da Propriedade Intelectual (WIPO) autorizada pela OMC e ONU, institui o WIPO Copyright Treaty, ou WCT, que versa sobre direitos de autor, e o WIPO Performances and Phonograms Treaty, ou WPPT, que versa sobre os direitos conexos dos artistas e dos produtores de fonogramas. Eles so chamados de Tratados da OMPI sobre a Internet, devido, obviamente, as conseqncias do desenvolvimento da tecnologia digital na pratica, principalmente, do comrcio internacional. Como mencionado anteriormente, embora esses tratados tentem regulamentar ou reconhecer os direitos como o de locao de programas de computador, obras cinematogrficas, fonogramas e a comunicao ao pblico, o princpio bsico da tcnica que desenvolve-se exponencialmente (quase instantaneamente), tornando tais regras quase ineficazes, pois a cada restrio imposta, ocorre o contorno por parte de hardwares ou softwares que colocam em xeque qualquer construo jurdica que demorou anos para se implementada.

O WIPO Copyright Treaty - WCT, reafirma basicamente o acordo TRIPs/ADPICs. Reafirma, tambm, Berna, abrindo espao para os programas de computao e compilao de dados, bem como a exclusividade para o autor nos direitos de distribuio de sua obra.

O WIPO Performances and Phonograms Treaty WPPT, tambm preserva as Convenes de Berna e Roma (Direitos Conexos) e d novas diretrizes para a radiodifuso de fonogramas bem como sua comunicao pblica. Os produtores de fonogramas (sejam eles os prprios intrpretes ou executantes) continuam com os direitos de produo, distribuio, aluguel, alm do direito de disponibilizar pessoas (usurios) em geral o acesso e utilizao do fonograma a qualquer hora, local ou meio de transmisso. Reconhece-se, pela primeira vez, direitos morais aos artistas interpretes e executantes como dita o texto do artigo 5.

ABRO veemente: a adeso aos tratados no admite reservas. E, embora o Brasil no tenha aderido a eles, a Lei 9.610/98, j os recepcionava em suas disposies nos artigos 80, 86, 87, 90, 92, 93 e 93.

2.5 Direitos Autorais na Comunidade Europia

Os tratados da OMPI disciplinaram vrias matrias referentes aos direitos de autor. E foram recepcionados, na Europa, pela Diretiva 96/9/CEE, de 11 de Maro de 1996. O seu contedo previa o mbito de aplicao, as restries deste mbito; o objeto da proteo. Tambm especificava a qualidade de autor da base de dados, suas excees, atos sujeitos a restries. Estabelecia a definio de DIREITO SUI GENERIS e no artigo 7 - conferia qual o objeto da proteo. Direitos e obrigaes do utilizador legtimo; as excees desse direito sui generis; o prazo de proteo; os beneficirios. No artigo 12, constavam as sanes: - Os Estados-membros prevero sanes adequadas, contra a violao dos direitos previstos na presente diretiva, simplesmente, sem nada explicita e concretamente.

O direito autoral e conexo j eram, anteriormente, regulamentados, tambm, pela Diretiva 92/100/CEE do Conselho da Unio Europia, de 19 de Novembro de 1992, relativa ao direito de aluguel, ao direito de comodato e a alguns direitos conexos do direito de autor. Sendo que o prazo de tal direito era regulamentado pela Diretiva 93/98/CEE do Conselho, de 29 de Outubro de 1993, bem como parte dos direitos conexos.

Ensina ASCENSO, que a Comunidade Europia pretendeu que se fosse mais longe, nomeadamente na consagrao dum direito de reproduo que reservasse ao autor as reprodues meramente tecnolgicas, como as que se processam no interior dum sistema informtico: mas no conseguiu. (...) Na nsia de tudo reservar, abandona-se o princpio de que as operaes meramente tcnicas no so faculdades reservadas; s o so as utilizaes que essas operaes permitam. Assim, no reservada a transmisso por ondas hertzianas, mas sim a recepo da emisso de radiodifuso, que consubstancia o momento da comunicao ao pblico.

Contudo, com o advento da DIRETIVA 2001/29/CE, a Comunidade Europia tomou para si alm das disposies recepcionadas, e aplicando mutatis mutandis s Diretivas 92/100/CE e 96/9/CE, como referido no artigo 6, incluiu, tambm, a previso de tutela jurdica que careciam as Diretivas e os Tratados at ento ratificados. o que verifica-se no contedo do artigo 7 da diretiva em tela, quando se explicita que os Estados-Membros asseguraro a proteo dos direitos do autor contra qualquer pessoa que agir sem autorizao e com conhecimento de causa na manipulao de informaes eletrnicas, ou na distribuio, radiodifuso ou comunicao ao pblico. Neste ponto fica expresso o que ilegal concretamente e no de forma vaga ou abstrata como at ento.

Segundo Kaminsky, a proteo ao direito do autor ampliada consideravelmente em sua eficcia, pois baseado no artigo 6, notadamente, se o detentor dos direitos autorais (indicando que nem sempre ser o prprio autor) se utilizar de medidas tecnolgicas para impedir a reproduo e usurio insistir no uso desautorizado, configurar ato ilegal sendo discutida provvel punio de trs anos de recluso ou multa de meio milho de euros. o caso da incorporao dos Gerenciadores de Direitos Digitais: os DRMs (Digital Rights Management).

Embora possa ser assumido por algum outro titular a prerrogativa patrimonial, o direito de autor nas Diretivas tratado de forma una, sendo distinguido do direito conexo, apenas.

2.6 Direitos Autorais na Lei do Copyright

2.6.1. Contedo do Copyright

Os direitos autorais tendem as ser confundidos com o copyright, especificamente, no sistema da Common law. Copyright traduze-se, inicialmente, como direito de produo da copia. O mesmo recebido pelos livreiros na Inglaterra para poderem imprimir as obras literrias. Mas de acordo com o sistema americano, para obter-se o reconhecimento da autoria e a proteo de uma obra (titularidade) preciso fix-la em algum suporte. Ou seja, exteriorizar a obra e registr-la devidamente, diferentemente da LDA brasileira, por exemplo.

A OMPI , em seu curso de propriedade intelectual, destaca sobre o sistema americano:

(...) o direito de reproduo constitui a pedra angular do sistema, o que incidentemente vem refletido na palavra inglesa copyrights. O direito de reproduo aplica-se, por exemplo, edio de livros assim como realizao de fotocpias mas tambm aos mtodos mais modernos de reproduo, tais como a gravao de fitas e a reproduo dessas gravaes. aplicvel armazenagem de obras em memrias de computador e, claro, reproduo de programas de computador em disquetes, CD-ROMS, CD-ROMS re-gravveis, etc.(...)

Nos Estados Unidos ... desde h muito existem exigncias a serem cumpridas, constitudas de um lado, pelo registro da obra no Departamento de Direitos Autorais (Copyright Office), que pertence Biblioteca do Congresso, e de outro lado, pela reivindicao dos direitos reservados, a letra c com um crculo em redor, que voc provavelmente j deve ter visto em muitos livros, acompanhada do ano da primeira publicao.

Diferentemente do Direito Autoral o qual da proteo ao criador e a obra, Copyright direcionado proteo da obra, especificamente. Assim, os direitos patrimoniais (explorao econmica da obra) do autor ou titular (na maioria das vezes) so o foco dessa legislao que regula o direito de reproduo.

A Lei do Copyright tambm conhecida como Circular 92, contm 13 captulos que enfocam a questo da proteo da obra autoral. O juiz Alex kozinski, Presidente do Tribunal Federal de Apelaes para o 9 Circuito, declarou em 1993:Proteo demais para a propriedade intelectual to nocivo como sub-proteg-la. Cultura torna-se impossvel sem um rico domnio pblico. Nada hoje, como desde que domamos o fogo, verdadeiramente novo. Cultura, como cincia e tecnologia, cresce por acreo (acmulo). Cada novo criador edifica com as obras daqueles que vieram antes. Proteo demasiada impede a grande fora criativa que suponha alimentar"

A Seo 106 prescreve que, sem o prejuzo do disposto nas sees 107(fair use), a 122, o proprietrio dos direitos de autor, sob este ttulo, tem o direito exclusivo de autorizar: a reproduo do trabalho original, em cpias ou gravaes; a confeco de trabalhos derivados baseados no trabalho com direito autoral (copyright); a distribuio de cpias ou gravaes do trabalho original ao pblico por venda ou outra transferncia de propriedade, ou por aluguer, arrendamento ou emprstimo; e m caso de obras literrias, musicais, dramticas e de obras coreogrficas, representaes, e de filmes e outras obras audiovisuais, a execuo do trabalho original publicamente; tambm em caso de obras literrias, musicais, dramticas e de obras coreogrficas, representaes, e pictricas, grficas, ou esculturais obras, incluindo as imagens individuais de um filme ou outra obra audiovisual, a apresentao de cpia de trabalho corrigido publicamente, e em caso de gravaes de som, a execuo do trabalho original publicamente por meio de uma transmisso digital de udio.

As msicas, na lei norte-americana, so protegidas na categoria sound recordings, que trata a seo 101 do USC 17, como afirma o Prof. Carlos Alberto Rohrmann. Assim a gravao eletrnica ou magntica da msica protegida. Tambm so protegidas a letra da msica e sua harmonia (a msica verdadeiramente anotada em forma de notas musicais), em uma categoria chamada musical composition. Relata o professor Rohrmann que a ocorre a distino entre as duas categorias. Pois existem as licenas compulsrias. Ou seja, no sistema americano, as musical compositions servem ao sistema de licenciamento compulsrio. Os artistas podem quebrar a licena, podem gravar as msicas desde que paguem o seu valor legal( 115). J com a proteo s sound recordings no possvel, pois no existe este recurso legal ... Ficaria at mesmo estranho algum revender uma gravao-fonograma, simplesmente, pagando por uma licena compulsria legal mnima ... pensemos numa cano original do Caetano Veloso, por exemplo...

Outro tipo de obra que recebe proteo jurdica do copyright a obra derivada (derivate works- 17 U.S.C. 101). Aquela definida legalmente como baseada em uma ou mais pr-existentes, como uma traduo, dramatizao, ... transformao ou adaptao. Em casos de divergncia os Tribunais verificaro a quantidade de criatividade que envolve a obra derivada em relao obra original. Quanto maior a contribuio o novo autor, maiores a chances de proteo da obra independentemente da obra original.

Rohrmann maiores explica como se d o fato gerador para existir a proteo a obra no sistema jurdico americano :

... A resposta simples: basta que o autor faa a "fixao em uma cpia ou fonograma, sendo que tal fixao suficientemente permanente ou estvel a fim de permitir que seja percebida, reproduzida ou de alguma outra forma comunicada por um perodo de tempo maior do que uma durao meramente transitria. Na prtica, a maioria dos meios tangveis considerada suficientemente estvel para caracterizar o requisito da fixao. As excees ficam por conta das improvisaes, conversas e lies (aulas) dadas sem gravaes. A definio legal ainda considera que a obra que consiste de imagens ou sons, ou ambos, considerada "fixada" (em outras palavras, protegida por copyright) quando est sendo transmitida e a fixao est sendo realizada ao mesmo tempo que a transmisso.Pormenorizada e minuciosamente, o texto da lei do Copyright faz a descrio dos tipos e conceituao de termos tcnicos como, por exemplo, cpia de gravao de udio digital (digital audio copied recording), dispositivo de interface de audio digital (digital audio interface device), dispositivo de audio para gravao digital (digital audio recording device digital), meio de gravao de udio (audio recording mdium), gravao de musica digital (digital musical recording), a parte interessada no copyright (interested copyright party), a fabricao emanufaturamento (manufacture), editor/distribuidor (music publisher), produto profissional (professional model product) e a partir deles definindo, como toda a norma, o que , e o que no permitido realizar em relao a proteo da obra e seu uso lcito. 2.6.2 O Fair use Basicamente, o fair use consiste em algum poder, legalmente, citar uma msica, imagem ou palavras sem pagar ou pedir permisso, mas se isto beneficiar a sociedade como um todo mais que ferir a proteo ao titular do copyright.

O Center for Social Media da School of Communication American University, em sua publicao: Copyright & Fair Use in Documentary, explica o funcionamento da limitao ao copyright:

Fair use o direito de, em algumas circunstncias, citar material protegido [diferente da citao do art.46 da LDA, mais ampla] por direitos autorais sem pedir permisso ou pagar por isso. uma caracterstica fundamental do direito de autor e o que faz dos direitos autorais serem censura. Voc pode invocar fair use quando o valor para o pblico do que voc est dizendo supere o custo para o proprietrio do direito de autor.Determina, a Circular 92, em seu Captulo 1: Objeto e mbito do Copyright (Direito Autoral), seo 107 Limitaes sobre direitos exclusivos: Fair use, os fatores que norteiam essa limitao:

Apesar das provises das seces 106 e 106A, a utilizao justa de um trabalho sob direito de autor (copyright), incluindo a sua reproduo em cpias ou registros sonoros ou por qualquer outra forma especificada nesta seco, para fins de crtica, comentrio, reportagem de notcias, ensino (incluindo mltiplas cpias para uso em sala de aula), ou investigao no uma infrao no direito de autor. Para determinar se a utilizao feita de um trabalho para um caso particular fair use os fatores a serem considerados so os seguintes:

1. o propsito e tipo de utilizao, se ele de natureza comercial ou educacional sem fins lucrativos;

2. a natureza do trabalho a ser copiado;

3. a quantidade e a substancialidade do que foi copiado em relao ao todo; e

4. o efeito do uso relativamente sobre o mercado potencial ou sobre o valor do trabalho original sob direito de autor. Se a obra for indita, no e obstculo para o uso justo se forem considerados os fatores acima.Estes quatro fatores foram arguidos, primeiramente, no caso Folsom v. Marsh, 9 F.Cas. 342, de 1841. Resultaram do fato da obra de Jared Sparks que consistia em 12 volumes sobre a vida de George Washington. O primeiro volume constava da biografia do presidente americano sendo os demais uma coletnea dos artigos e cartas escritos ao longo da vida pelo Presidente americano. Ocorreu que um outro autor, o Reverendo Charles Upham, escreveu outra biografia de Washington tambm, em forma de narrativa, extraindo informaes dos onze volumes da obra de Sparks. Resultando, ento, nova obra em dois volumes, que perfizeram 866 paginas. Fora constatado, pela Corte americana, que destas 866 pginas de Upham, apenas 353 pginas haviam sido copiadas da obra de Jared Spark . Nesta ocasio, ento, a Corte, no aceitou a limitao de direito fair used, diante da grande distancia entre citar uma obra alheia eventualmente, com o intuito de anlise crtica, e pura e simplesmente agregar texto alheio colocando-o no lugar de sua opinio (crtica):

...Assim, por exemplo, ningum pode duvidar que um crtico ou comentarista possa citar de maneira justa, grandes passagens de uma obra original, se sua proposta real e verdadeiramente usalas com a finalidade de fazer de uma crtica justa e razovel. Por outro lado, to claro neste caso, que ele cita as mais importantes partes do trabalho, tendo em vista, no criticar, mas para substituir a utilizao da obra original, e substituir a crtica por ele, um tal uso ser considerado na lei uma pirataria. Uma grande distancia poder, obviamente, existir entre estes dois extremos, o que exige uma grande prudncia, e que envolvem grandes dificuldades, onde o tribunal estar aproximando-se da linha mediana divisria que separa uma da outra.(...)

Rohrmann descreve com clareza, como o fair use pode ser utilizado em matria de defesa:

A principal defesa que pode ser articulada em face da violao de copyright conhecida como fair use. Para que se possa fazer uso da defesa em anlise, faz-se mister que o ru apresente alguns fatores caracterizadores do fair use. Tais fatores esto estabelecidos na lei(107*). So fatores que somam a favor do fair use: uso preferencialmente no comercial; maior transformao da obra protegida por parte do ru e uso por entidades de educao sem fins lucrativos. Pardias, crticas e comentrios tendem a ser mais protegidos.

Em relao natureza da obra protegida, quanto maior a originalidade da obra, menor a tendncia de o ru poder ser amparado pela defesa do fair use, ao passo que obras predominantemente factuais esto mais sujeitas a sofrer a defesa do fair use. O uso de obras ainda no publicadas tambm menos sujeito defesa em questo. A quantidade que o ru usou da obra protegida tambm conta contra a defesa do fair use, bem como a substncia (se se usa o principal, o ncleo da obra, dificilmente a defesa poder ser aproveitada). Nota-se que outros fatores tambm podem ser levados em considerao pelos tribunais ao apreciar a defesa em questo. Dentre eles podemos citar a relevncia do mercado (maior mercado leva a menor possibilidade do manejo da defesa). Na prtica, o fair use confere ao autor da obra, a inverso do nus da prova. Ou seja, o ru quem deve provar, em juzo, que fez uso justo da obra de outrem. Diante deste inconveniente que pode custar tempo e muito dinheiro nos tribunais e ainda ameaar a obra. Os artistas executantes se sujeitam a pagar por licenas de uso mesmo sabendo que permitido pelo fair use.

Um precedente de fair use na jurisprudncia norte-americana, o famoso caso BETAMAX (SONY CORPORATION OF AMERICA ET AL. v. UNIVERSAL CITY STUDIOS, INC., ET AL. No. 81-1687), onde a Suprema Corte dos Estados Unidos julgou em Janeiro de 1984 a questo dos usurios de VCR poderem copiar programas transmitidos pelas emissoras de TV. A Corte levou em considerao o fator no-comercial e sim privado da utilizao do aparelho. As companhias cinematogrficas tiveram que provar o dano ao seu mercado. A Corte no aceitou que houvesse tal dano:... O Tribunal Distrital concluiu que uso domstico no comercial em gravao de material difundidos ao grande pblico por meio hertziano um uso justo (fair use) de direitos autorais e de obras, e que no se trata de uma infrao a direitos autorais. A Corte enfatizou o fato de que o material foi transmitido gratuitamente para o grande pblico, o carter no comercial da utilizao, bem como o carter privado da atividade realizado inteiramente dentro de casa. Alm disso, o tribunal considerou que o objetivo do presente recurso serviu ao interesse pblico no aumento do acesso programao televisiva, um interesse que " consistente com a poltica da Primeira Emenda de proporcionar o acesso mais completo possvel s Informaes atravs do meio hertziano. Columbia Broadcasting System, Inc. v. Comit Democrtico Nacional, 412 E.U. 94, 102. "Id., Em 454. N8 Mesmo quando todo um trabalho original gravado, o Tribunal Distrital considerada a copia um uso justo "porque no h reduo do mercado do "autor da obra original." Ibid. n8 O tribunal considerou tambm que este "acesso no apenas uma questo de convenincia do consumidor, como os demandantes teriam sugerido. O acesso tem sido limitado pela inconvenincia, no simplesmente pela necessidade bsica para o trabalho. O acesso ao melhor programa tambm tem sido limitada pela prtica competitiva da counterprogramming (contra-programao)."480 F. Supp., em 454.

Em 7 de maro de 1994, a Suprema Corte dos Estados Unidos reconheceu no caso Campbell v. Acuff-Rose Music, a pardia, como um fair use, mesmo quando feita com intuito de lucro. A empresa Acuff-Rose Music, Inc., do editor Roy Orbison, peticiona contra os membros do grupo de msica rap 2 Live Crew e sua gravadora, alegando que a cano do 2 Live Crew, "Pretty Woman", violara o copyright da AcuffRose na balada-rock de Roy Orbison, "Oh, Pretty Woman". Embora o tribunal distrital decidisse sumariamente contra, pois o grupo 2 Live Crew, no apresentara provas que no influenciava o mercador da obra original e que alm de ser uma pardia tambm era uma msica rap portanto obra derivada, negou sua titulao de fair use. Mas a Suprema Corte dos Estados Unidos reviu o caso, tornando-o um precedente. No Brasil, a pardia livre no Brasil, nos termos do artigo 47 da LDA , desde que no provoque o descrdito.

Na internet o fair use, foi aplicado no caso Kelly v. Arriba Soft Corporation em 2003. O caso consistia no fato da empresa Arriba Software Corporation utilizar um buscador de informao na web utilizando como resultado da pesquisa imagens miniaturizadas de fotos dos sites. A princpio foi derrotada ... Porm, atravs da Eletronic Fronteir Foudation foi revista possibilidade de fair use. O argumento para desclassificar o uso justo residia no no uso das miniaturas das fotos, mas no momento que se acionava a miniatura, aparecia a foto em tamanho natural e a se calava a argumentao de infringimento do copyright. Esta imagem no tinha qualquer autorizao ou licena do autor, no caso, Kelly. A Suprema Corte julgou que as imagens inclusive as do site de Kelly j estavam na internet antes mesmo da empresa comear o seu programa de buscas com imagens. A 9th Circuit Court of Appeal" julgou os thumbnails como uso justo:

Entendemos que a reproduo de Arriba de imagens do Kelly para o uso como miniaturas (thumbnails) no buscador de Arriba um uso justo (fair use) sob o ato de copyright. Entretanto, entendemos que a corte do distrito no deveria ter julgado se a exibio de imagens em tamanho natural de Kelly por Arriba um uso justo porque as partes nunca se manifestaram nesse sentido para que houvesse o julgamento sumrio e Arriba nunca alcanou inicialmente as imagens em tamanho real (fullsize). A opinio de corte de distrito confirmada a respeito das miniaturas (thumbnails) e invertida a respeito da exposio das imagens em tamanho natural...

No cenrio internacional, apenas as Filipinas alm dos EUA, fazem uso do fair use com este nome. Nos pases com a tradio da common-law, como Austrlia, Canad, Nova Zelndia, Singapura, Inglaterra, frica do Sul, usa-se uma doutrina semelhante: o fair dealing. Conforme afirma ADOLFO, o sistema britnico surgiu no sculo XVIII sob forma de princpios destinados a regular o uso da obra de um autor por outro sem necessidade de consulta diante de pressupostos de boa-f e comportamento razovel.

3 ANLISE DA SITUAO DA MSICA

3.1 Como funciona a indstria musical fonogrfica

Pelo que j foi analisado at aqui, verificamos que os Estados (pases) fomentaram a criatividade atravs da propriedade intelectual, mediante a manuteno do tradicional canal de ligao entre o autor e o grande pblico. Com o advento da tecnologia digital, esse canal de comunicao da cultura, hoje, no faz mais sentido.

Tradicionalmente, este setor monopolizou o acesso dos artistas e autores ao grande pblico. Pois, logicamente, quem exerce a atividade de editor, de distribuidor comercial e de divulgador, controla e decide sobre quem ir gravar o que e quando, ou mesmo quem ser divulgado para as grandes massas.

Assim o modelo tradicional montado privativamente. Embora atendesse aos interesses dos governos, em conservar a cultura de seus povos, gerou distores cruis. A indstria musical deteve at aqui o poder de vida e morte das carreiras musicais dos artistas. Alguns poucos foram projetados ao estrelato, outros, a grande maioria, conservada em geladeiras. Os que fazem sucesso, ganham milhes so famosos e respeitados. Os outros, que nada ganham pois vivem nas sombras das estrelas, quase nada ganham. As gravadoras praticamente aliciam os novos talentos, com promessas inebriantes de sucesso e reconhecimento pblico. Em verdade, estes jovens assinam contratos de exclusividade vitalcios com as gravadoras, sendo que estas no assumem a responsabilidade, nem de distribuir os trabalhos dos artistas. a geladeira. Tal o caso registrado pelo compositor Almir Sater. Ele diz que os novos talentos assinam contratos com as gravadoras que prometem muito, mas que, ao final, no lanam um disco sequer do artista. Porm, estas mesmas gravadoras no liberam o artista para seguir sua carreira em outra empresa musical, perpetuando indefinidamente o vnculo.

Realmente temos que concordar que as gravadoras realizaram um trabalho de conservao da cultura popular e clssica. Mas de que nos adianta toda essa cultura musical preservada e guardada dentro de algum chip ou arquivo de computador de propriedade de alguma gravadora inacessvel ao grande pblico?

Devemos concordar que essa indstria investiu milhes em tecnologias avanadas, desde as primeiras fixaes musicais em acetato com cera de abelha. Mas, tambm verdade que a mesma indstria engordou bilhes, devido ao modelo feudal herdado, desde a idade mdia. Nos referimos ao modelo da cobrana de impostos. A indstria musical moldou-se, neste nicho, onde a magnitude da riqueza medida linear e diretamente pelo nmero de cpias vendidas e relativamente depende do nmero de pessoas existentes na sociedade (modelo per capta). Comprar e ouvir comprar e ouvir comprar e ouvir, analogamente, arrecadao de impostos, onde a riqueza possvel avaliada pelo nmero de habitantes de uma localidade.

Essa mesma filosofia norteou Thomas Edson ao projetar o fongrafo ou o cinetoscpio, em 1900. O cinetoscpio era um aparelho de uso individual. Ou seja, apenas uma pessoa podia assistir a um pequeno filme por vez. Era algo parecido com a utilizao dos fliperamas antigos. Para funcionar, o cinetoscpio aguardava que o interessado colocasse uma moeda na fenda do aparelho. Este aparelho desapareceu praticamente, quando surgiu o cinematgrafo dos irmos Lumiere. Por meio deste novo dispositivo, ento, muitas pessoas poderiam assistir as projees de filmes de longa metragem em um salo amplo como um teatro, a um custo nfimo.

Mas este princpio, feudal, valeu por todo o sculo XX, para a indstria musical. Esta maneira de captar recursos financeiros gota a gota (moeda por moeda), obrigando o ouvinte (pessoa do povo) a comprar algo que nunca poderia vir a ser seu (vide 1.4.2). A indstria da msica tinha o negcio da china. Vendia o mesmo produto (a msica) milhares ou milhes de vezes e, ainda, continuava titular (ou cessionrio) da obra produzida (o original).

Porm, como lembramos antes, a funo social desempenhada por essa indstria deveria ser protegida pelos governos a qualquer custo, pois tratava-se da cultura dos povos, mesmo gerando monoplios dominantes praticantes de injustias e distores.

Para exemplificar os efeitos, fao referncia ao escarg, o molusco-iguaria que serve como base para pratos da culinria francesa, mais popularmente chamado de caracol. Ora, o caracol, para ser consumido, precisa ser purificado antes do preparo. O mtodo simples. Para livr-lo das impurezas que por ventura traga consigo, ele posto em um recipiente (barril) que contenha farinha de milho (vulgo fub). Neste local, ele (ou eles, os caracis) fica(m) isolado(s) por algumas semanas, s consumindo o fub. Depois desse tempo, s teremos caracis dentro do barril e mais nada. A pergunta : Qual ser o gosto do petisco que s comeu fub? Assim, analogamente, tambm somos ns. Neste caso, nosso alimento a informao. Com ela nos nutrimos e fazemos tudo. Assim se nos nutrinos de uma msica de boa qualidade pensaremos qualitativamente, sentiremos com qualidade, viveremos com mais qualidade. Se, porm, nos alimentar-mos somente de fub ....

O efeito fub nos oportuniza, ento, a visualizao da circularidade, envolvendo a pr-interpretao da linguagem. Ao consumirmos um tipo de informao cultural (msica) que no corresponda aos nossos valores coletivos reais, estaremos mudando o carter da nossa cultura original, que circular capilarmente pela sociedade. E, principalmente, se consumirmos, somente o que for programado por essas mentes que tem como valor nico, o econmico, estaremos sendo manipulados, pois estaremos longe de nossa cultura real. Atingiremos, ento, o degrau dos aculturados.

At aqui, aps contratar os artistas, produzir os fonogramas, atravs dos seus editores, e duplicar as matrizes, a informao musical quase sempre trafegou por um meio fsico (os CDs, suportes dos fonogramas, eram distribudos por caminhes e vendidos em lojas fsicas). Tambm, transmitiam-se msicas, via rdio por ondas curtas, ondas mdias (AM) e freqncia modulada (FM) ou pela televiso (algo que era bastante precrio, pois com o rudo e a distoro do sinal recebido, havia pouca qualidade, s servindo como referncia precria da existncia do trabalho de algum artista). Enfim, tudo era controlado pelas grandes empresas majors: o alfa e o mega do processo todo. O direito do autor e os direitos conexos estavam alinhados com a indstria fonogrfica. Tecnologia aps tecnologia, o disco de 45 RPM, o 33 1/3 RPM, o k-7, a estereofonia, a alta-fidelidade (HI-FI).

A situao da qualidade da informao sonora era to delicada, ameaava tantos interesses que a evoluo tcnica era reprimida prementemente, como foi o caso da inveno do FM , um avano na tecnologia de rdio de ento, antes da II Guerra Mundial, mas que foi barrada e desvirtuada pela empresa RCA americana:

Em 1935, havia mil estaes espalhadas pelos EUA, mas as estaes das grandes cidades pertenciam todas a um pequeno grupo de redes. O presidente da RCA, David Sarnoff, amigo de Armstrong, estava vido para que ele descobrisse uma maneira de remover a esttica das transmisses AM. Por isso, ficou animado quando o inventor lhe disse que tinha um aparelho capaz disso. Mas, quando Armstrong fez sua demonstrao, Sarnoff no ficou satisfeito.

Eu achava que Armstrong inventaria alguma espcie de filtro para remover a esttica das nossas rdios AM. Eu no pensei que ele ia criar uma revoluo dar o pontap inicial em uma indstria capaz de competir com a RCA.A inveno de Armstrong ameaava o imprio AM da RCA, ento a companhia comeou uma campanha para abafar o rdio FM. A FM podia ser uma tecnologia de primeira, mas Sarnoff tambm era um estrategista de primeira. Como descreveu um autor, As foras em prol da FM, na maioria engenheiros, no pde suplantar o peso da estratgia maquinada pelos departamentos de vendas, patentes e jurdicos, para vencer essa ameaa posio da corporao. Porque, caso fosse permitido FM se desenvolver sem restries, a nova tecnologia iria impor [...] uma reestruturao completa de poder no rdio [...] e a conseqente derrocada do sistema AM, cuidadosamente controlado e com o qual a RCA ganhou todo o seu poder5.

Ao final da dcada, as transmisses em FM, cujos parmetros projetados inicialmente pelo seu inventor, Armstrong, eram mais eficientes e potentes que as AMs, s se mantiveram intactas nas transmisses de TV onde a banda sonora das imagens transmitida em freqncia modulada. As especificaes estabelecidas em lei para o FM tiraram-lhe a eficcia competitiva original como invento. Levemos em conta que naquele perodo (1935-1950), o rdio era a internet de hoje. Se a RCA, como empresa broadcast, foi capaz de barrar um benefcio sociedade como a possibilidade de uma nica estao de FM atingir uma distancia superior a 1.000 km ponta a ponto sem repetidoras, o que ento esperar de uma RCA produtora musical de discos e fonogramas em relao proteo de seu mercado cativo?

Pois bem, mais recentemente, nos anos 70, foi introduzido no contexto da produo musical, at ento analgico, a tecnologia digital. Ocorreu, ento, uma modificao demasiadamente profunda no processo como um todo.

A partir deste ponto, iniciou-se uma escalada com a digitalizao dos sons musicais (das obras musicais) em arquivos digitais, a adoo de suportes como COMPACT DISC, ou mesmo a implementao de arquivos por taxa de compresso de bits (mp3/mp4), e, ainda, com o aumento geomtrico da capacidade dos microprocessadores (microchips) e das memrias fsicas (pendrives, HDs), associados ao aumento de velocidade e largura de banda na transmisso destes arquivos, entre usurios de internet, a situao da indstria musical mudou completamente.

Essa migrao do modo analgico de produo de fonogramas para o digital criou um paradoxo. A partir de agora, o fonograma matriz, produzido em estdios, e o fonograma copiado digitalmente, tm, praticamente, a mesma qualidade sonora e tcnica. Sendo, ainda, que, desta cpia digital uma outra to idntica poderia ser obtida numa 3 gerao e outras assim por diante. Essa caracterstica fulminante porque a ltima cpia digital (da en-sima gerao) seria ainda inteiramente igual ao fonograma master. A noo do mundo das idias, onde existissem as frmas para as coisas no mundo que vivemos (mundo das cpias) to distantes da perfeio como anunciava Plato, cara. Plato defendia que as coisas eram cpias, no to perfeitas do mundo das ideais. O sistema analgico de gravao musical era assim. O original era melhor que a cpia e cada cpia apresentava qualidade pior que a anterior produzida sequencialmente. Agora, porm, o pensamento exteriorizado passou a ser to perfeito, quanto se quisesse produzi-lo. Ou seja, a frma do cavalinho de Plato fiel. Ou seja, os cavalinhos mentalizados pelo autor e exteriorizados nos fonogramas so fiis e servem de frma uns para os outros, at a ltima fornada.

Enquanto o processo da tecnologia digital estivesse restrito a poucos aficionados e dentro do mbito da indstria musical, tudo estaria bem. Porm, o processo j no mais lhe pertencia.

3.2 Transio e Obsolescncia do vinil, do K-7, do CD, do mp3

Intumos, inconscientemente, que as obras musicais sempre existiram... algumas vezes, sem o prprio suporte fsico, bastando a memria oral coletiva do grupo. Notadamente, a msica mais antiga que os computadores e a prpria eletricidade moderna. Devemos admitir que a msica primal. Como na teoria do grito primal de Arthur Janov conde considera-se a primeira manifestao do homem, ao nascer, o choro (o grito), o momento decisivo, em que se d a primeira entrada do ar nos pulmes; a libertao para a vida, pois se o mesmo no ocorrer pode significar a no-vida... Assim a msica, como expresso primgena de libertao do esprito. Crianas antes mesmo aprenderem a falar j entoam uma cano de ninar ... primal.

Com a inveno da escala musical, tornou-se possvel anotar obras musicais. Aquilo que provavelmente comeara com o som de tambores adaptados de troncos cados na selva, e de vozes humanas primitivas, alcanou uma frmula (matemtica). A partir dela, tornou-se possvel, tambm com o advento dos instrumentos musicais (flauta, tringulo, viola, tambor, tmpanos ...) registrar-se estas passagens musicais.

No princpio, a msica era simplesmente executada e o que valiam eram as partituras. Estas pginas eram editadas, vendidas e disputadas a peso de ouro. Nesta poca j existiam conflitos com as pianolas. Estas consistiam em pianos atrelados a um rolo de papel que continha a pauta musical perfurada (codificada). Ele permitia a reproduo mecnica da obras, sem a presena de um pianista. Note-se que a reproduo das obras musicais ocorria, sem a autorizao dos editores das partituras musicais, que inclusive fizeram lobby na poca junto ao Congresso Americano para proibir o uso de tal equipamento.Os inovadores que desenvolveram a pianola argumentavam que era perfeitamente demonstrvel que a introduo de reprodutores automticos de msica no privou os compositores de nada que eles tinham antes de sua introduo. Na verdade, as mquinas aumentaram as vendas de partituras. De qualquer forma, argumentaram os inovadores, a tarefa do Congresso era considerar primeiro o interesse pblico, a quem eles representavam e serviam. Toda essa conversa de 'roubo', escreveu o conselho da American Gramophone Company, no passa de um artifcio, porque no existe propriedade em matria de idias musicais, literrias ou artsticas, alm das definidas por estatuto

Tomemos, como referncia, o caso de George Eastman, inventor das cmeras Kodak com filme dentilhado 36 mm, em 1888. Eastman patenteou seu invento e, assim sendo, todos que quisessem produzir mquinas fotogrficas semelhantes deveriam pagar os direitos autorais. Eastman reservava, para si, a prerrogativa de no autorizar o uso de seu invento. O mesmo se deu com as mquinas de filmar e com os filmes. Tudo era fiscalizado. Chegou-se ao ponto da produo cinematogrfica tornar-se impraticvel, devido aos altos custos de produo, gerados pelo pagamento das autorizaes (licenas) dos inventores para cada item do maquinrio de cinema protegido, pelas patentes dos inventos. Eis que, ento, um grupo de artistas e empresrios judeus formado por vrias companhias de cinema, simplesmente, migra de Nova Iorque para o oeste dos Estados Unidos. L, a polcia e a fiscalizao no eram to atuantes. Eles se fixaram em um laranjal no Estado da Califrnia: precisamente em Los Angeles. Os empresrios eram presumivelmente, os Warner Bros., e os Metro-Goldwyn-Mayer Inc (MGM), e os donos da Columbia Pictures... simplesmente eles produziram filmes, sem respeitar os direitos autorais da poca e, por ironia, hoje, os direitos autorais de seus filmes so a maior receita destes gigantescos estdios de filmagem.

3.2.1 O fonograma

No caso da msica, o fongrafo deu incio ao processo de fixao da obra musical, em suporte fsico. A seguir, implementaram-se os discos de acetato de cera. Em seguida, o disco de 78 rotaes por minuto, com a relao sinal/rudo sempre a desejar, num oceano de pipocas chiados e arranhes, reproduzindo uma nica msica ou fonograma de cada lado. Tudo melhorou mu