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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
A INFLUÊNCIA DO LÚDICO NA FORMAÇÃO DA CRIANÇA
Por: Maria Lúcia Pereira de Souza Gomes
Prof. Ms. Marco A . Larosa
Rio de Janeiro
2001
DOCUMENTO PROTEGID
O PELA
LEI D
E DIR
EITO AUTORAL
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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
A INFLUÊNCIA DO LÚDICO NA FORMAÇÃO DA CRIANÇA
Apresentação de monografia ao Conjunto Universitário Cândido Mendes como condição prévia para a conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Agosto de 2001 Por: Maria Lúcia Pereira de Souza Gomes
II
3
AGRADECIMENTOS
Quero manifestar minha gratidão a todos que colaboraram, de perto ou de longe, na elaboração deste trabalho. Fica aqui registrado o meu profundo reconhecimento a: Flávia, Luís Henrique, André Luís, Juan Carlos e ao Professor Orientador Ms. Marco A. Larosa, que, pacientemente, revisou meus escritos.
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DEDICATÓRIA
Dedico ‘a minha família e aos meus alunos.
IV
5
RESUMO .
V
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METODOLOGIA
A metodologia desse trabalho foi a observação do desenvolvimento das
crianças durante as situações lúdicas do dia a dia na escola.
As crianças observadas foram da Alf Creche Escola, na Tijuca, do
período integral , da faixa etária de 3 à 6 anos .
Essas crianças tiveram acessos a jogos, livros, brinquedos, televisão,
vídeo-cassete, computador, a materiais de sucata e dobraduras, a histórias contadas
e cantadas.
As crianças mostraram grande interesse durante essas atividades,
participando ativamente. Foi observado que o importante é que se dê oportunidades
à criança de brincar, de jogos, de criar com as idéias surgidas para o
desenvolvimento não só da personalidade, mas também do potencial criativo.
Quando se lida com jogos e brincadeiras, desenvolve-se não só a vida
escolar, como também a vida social da criança. Também foram consultados livros
citados na Bibliografia.
O ato de brincar é a melhor metodologia para dar ‘a criança condições
de desenvolver suas potencialidades e caminhar, de descoberta em descoberta,
criando soluções e aprendendo a viver e conviver com os demais. De descoberta em
descoberta, a criança aguça sua curiosidade, criatividade, passando a manifestar,
através das formas mais variadas de expressão (brincadeiras, desenhos,
modelagens, jogos, musica e histórias) as bases de sua personalidade em
desenvolvimento. É a fase da alegria, dos sonhos e dos vôos da imaginação
Ao brincar , toda criança comporta-se como um artista, cria um mundo
novo, ajustando em forma nova os elementos de seu próprio mundo
VI
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................. 08
CAPÍTULO I
Educação através das brincadeiras...............................................
09
CAPÍTULO II
Criatividade....................................................................................
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CAPÍTULO III
Jogos..............................................................................................
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CONCLUSÃO................................................................................
52
BIBLIOGRAFIA.............................................................................
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ANEXOS
ÍNDICE
FOLHA DE AVALIAÇÃO
VII
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INTRODUÇÃO
Os jogos e as brincadeiras são fundamentias nos dias atuais, pois com
a pressa do dia a dia, as crianças ficam limitadas a seus quartos e ao contato
incessante com os aparelhos de TV, vídeo, DVD E Computador.
O mundo das crianças da cidade grande está perdendo a fantasia. Elas
vivem na vida real, onde suas atitudes e comportamentos tornam-se cada vez mais
padronizados de acordo com as exigências da sua realidade social. É indiscutível a
importância educativa e terapêutica das brincadeiras, influenciando na criatividade e
socializando com os jogos.
// digitar texto
Este trabalho constitui no desenvolvimento de uma pesquisa
bibliográfica sobre o lúdico e a relação com a formação da criança.
O primeiro capítulo resume o Brincar, esse direito e a importância do
brincar para Freud.
O segundo capítulo trata-se da Criatividade e apresenta as diferentes
correntes de pensamento que explicam a criatividade, onde encontram-se
abordagens associativas, comportamental, gestaltista, humanista, estruturalista e
cognitiva. Esta é a luz da psicologia psicodinâmica, principalmente, na Psicanálise de
Freud, enriquecida pelas obras de Melaine Klein e de Winnicott. Está dividido em
espaço transicional, espaço de criação, experiência cultural e o papel da criatividade
na literatura infanto juvenil.
Os jogos, a cultura e a evolução do jogo na criança são explicados no
terceiro capítulo.
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CAPÍTULO I
EDUCAÇÃO ATRAVÉS DAS BRINCADEIRAS
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1.1 Brincar
Brinquedo é coisa de criança, mas é também um negócio sério: jogos e
brincadeiras são o exercício para a vida adulta e exigem dos educadores muita
atenção na hora de escolher.
É muito importante valorizar o ato de brincar , porque é na brincadeira
que a criança vai desenvolver habilidades, compêtencia e compreender a cultura e
os papéis sociais a que estão submetidos.
Fundamentais no desenvolvimento infantil, os brinquedos e brincadeiras
dão à criança as capacidades que ela vai precisar na hora de aprender a ler e
escrever. No aprendizado, a criança precisa de concentraçâo, memória, ritmo e
conhecimento do próprio corpo.
Adelaide Consoni afirma que não há dúvidas de que o lúdico, o brincar,
o brinquedo sejam convincentes e críveis de modo a assegurar as oportunidades de
aventuras da consciência, fazendo-nos experimentar as evoluções que a própria
ação do lúdico e do brincar nos propiciam.
Na realidade, as ações desencadeadas nos protagonistas dos
incontáveis papéis sociais que o lúdico e o brincar proporcionam se enredam e ficam
na complexa e intrincada teia da magia, que acompanharão os seres humanos até o
fim de suas existências.
Através do brincar e do brinquedo podemos estabelecer as conexões
com o conhecimento e até de um entendimento do que é o conhecimento, de modo a
estimular as competências básicas correlacionadas com as matérias escolares e
estas com a vida cotidiana no mundo.
O brincar pressupõe uma organização, uma estética das formas e a
construção de "coisas belas". Desta forma estimula para a própria auto estima e
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sendo estimuladas a cuidarem-se de si próprias as crianças e jovens aprenderão a
cuidar dos ambientes onde suas vidas existem.
Isto tudo certamente estará relacionado com os interesses, a cultura e a
época e cada um.
As vivências grupais que o brincar possibilita, estimula a criação de
vínculos que são de absoluta importância na vida das pessoas, sobretudo das
crianças. O afeto que o vínculo possibilita é tão importante como a alimentação, as
vitaminas. O direito ao vínculo deve ser propiciado e assegurado vez que estará
presente em todos os momentos da vida cotidiana.
O direito de brincar está dentre os direitos que estão constantemente
ameaçados devemos entender que todos os envolvidos estão em "situação de risco"
e por isso é por demais importante que se possa pensar numa política para o brincar
no campo da Assistência Social - como parte integrante do progresso e da
seguridade social.
1.2 O Direito de Brincar
O jogo, o brinquedo, o brincar é uma necessidade, uma arte e um
direito que junto com os requerimentos básicos de alimentação, saúde, moradia e
educação é vital para o desenvolvimento do potencial de todas as crianças.
O próprio médico analista Carl Gustav Jung após muito pesquisar,
procurando entender os problemas que afetam os seres humanos em nível mental e
psicológico, percebe o quanto há de simbólico na analogia entre os "contos de
fadas" (histórias de vários povos sem autoria definida) - de novo a via
transderivacional - e seus clientes.
Procurou decodificar essa simbologia e demonstra o quanto é
necessário um conhecimento sólido e amplo dentro da simbologia universal para
podê-la utilizar como referência de análise e o quanto devemos estar atentos à
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simplicidade dos significados. Jung vai apontar que em quase todos os contos de
fadas há a presença de animais sugerindo a natureza primitiva e instintiva do
homem.
Nesta mesma análise ele vai apontar outros símbolos presentes nessas
histórias "infantis": as bruxas e madrastas são figuras femininas más que não dão a
proteção maternal e o carinho; sua função é obrigar ao crescimento e trazer uma
percepção maliciosa da vida. As cores também tem papel relevante.
Neste raciocínio sobre a pesquisa de Jung vamos verificar alguns fatos
bem da nossa contemporaneidade, como por exemplo:
João e Maria: por estarem em "estado de necessidade" cometem um
crime famélico e ao serem duramente castigados, Maria aproveita-se de um
descuido da bruxa e faz com que ela morra queimada. Está agindo em legítima
defesa.
João e o Pé de Feijão - vamos encontrar uma criança (João) de uma
família paupérrima e que abre mão do único bem que possuem para sua
sobrevivência, convencido por um homem a "investir, arriscar" e troca a sua vaca por
"feijões mágicos". Acredita que sua sorte vai mudar. A mãe exasperada jogou os
feijões pela janela.
O menino João não conseguindo dormir por causa da fome (realidade
material presente) sai e encontra uma árvore verde (esperança) imensa, onde chega
aos céus (onde tudo é possível). Assim João vai aproveitando várias oportunidades
para ganhar mais do que pretendia até ser traído por uma harpa fiel ao Gigante (o
bom senso avisando-o que não devia se arriscar mais). João consegue fugir
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descendo pela árvore, que é cortada pela mãe (instinto de sobrevivência) e o
Gigante acaba morrendo com a queda da árvore. O pé de feijão virou uma árvore
comum (experiência adquirida) e o menino João e sua mãe (o sucesso garantido
pela vivência) são felizes para sempre.
1.2.1Importância do Brincar
A aprendizagem da criança por meio de jogos e das brincadeiras é
muito significativa para ela, porque a escola está dando impotância a algo que ela
conhece e faz parte do mundo dela. Segundo Freud, este declara não ser atraído
pelas qualidades formais e técnicas da arte, embora essas tenham mais valor para o
artista.
Ao brincar, a criança desloca para o exterior seus medos, angústias e
problemas internos, dominando-os por meio da ação .
Interessa-lhe saber de que fontes o artista - esse estranho ser - retira
seu material e desperta em nós emoções que desconhecíamos.
Somos também incapazes, por mais explicações que encontremos, de
tornar-nos poetas ou escritores.
Freud levantou a hipótese de procurar, na infância, os traços da
atividade imaginativa do artista. Encontra-os na atividade favorita e mais intensa da
criança, que são os jogos e o brinquedo.
No grupo observado foi notado que toda criança ao brincar cria
livremente como um artista.
Ao brincar, toda criança comporta-se como um artista, cria um mundo
novo, ajustando em forma nova os elementos de seu próprio mundo .
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A antítese do brincar é o real. O poeta faz o mesmo que a criança ao
brincar: cria um mundo de fantasia, leva-o a sério, investe nele grande quantidade de
emoção - catexia - e distingue-o muito bem da realidade.
Ao crescerem, diz Freud, as pessoas param de brincar e perdem o
prazer da infância. Mas não renunciam a ele. Trocam-no por outro, pelo fantasiar.
Criam devaneios, difíceis de observar, porque os adultos se envergonham de suas
fantasias e as ocultam, por serem infantis e, muitas vezes, por serem proibidas.
Embora, o ensaio de Freud sobre "O Moisés de Michelangelo" seja,
segundo Dante Moreira Leite, a melhor introdução sobre a maneira freuadiana de
interpretar a obra de arte, por tratar-se de uma obra de escultura, não vamos enfocá-
la (Leite, 1987: 117).
Vamos deter-nos em obras especificamente literárias. Por exemplo:
"Uma lembrança infantil de Goethe" em Poesia e Verdade.
Segundo Freud, Goethe começou a redigir sua biografia aos 60 anos.
Narra ele a cena das louças, cena de sua primeira infância. Goethe, com ciúmes de
seus irmãos, incentivado pelos vizinhos, joga as louças recém-compradas pela
janela, como faria "o filho único", desfazendo-se de seus irmãos.
Freud atribui grande valor às recordações da primeira infância. Um fato
que escapa ao esquecimento não pode ser insignificante. Devemos suspeitar que o
que foi conservado na memória é também parte importante dos acontecimentos
daquela época da vida. Ou já tinha importância naquelas circunstâncias ou adquiriu-a
mais tarde, sob a influência de situações posteriores. A fim de reconhecer sua
relevância é necessário certo trabalho de interpretação. Na elaboração psicanalítica
de uma biografia, muitas vezes, se consegue esclarecer o significado das primeiras
recordações infantis. A recordação que se descreve primeiro é sempre a mais
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importante, a que encerra em si a chave dos compartimentos secretos da vida
anímica daquela pessoa.
Mesmo levando em conta que o prazer de Goethe menino fosse
causado pelo barulho das louças quebradas, jogar "pela janela" constituí parte
importantíssima do ato mágico e de seu sentido oculto. A nova criança deve ser
jogada "fora de casa", e, sendo possível, pela janela, que é por onde veio.
Eis o que escreve Goethe: "Fui um filho de sorte; o destino conservou-me com vida, não obstante ter eu nascido aparentemente morto. Mas eliminou a meu irmão de modo que não precisei repartir, com ele, o amor da mãe" (apud Speyer, 1963: 44).
As manifestações lúdicas desempenham funções muito importantes no
desenvolvimento da criança. Por meio dos jogos é impossível exercitar a imaginação,
estimular a indepêndencia e a espontanidade, promover o convívio em grupos e
desenvolver habilidades motoras como equilíbrio, força e flexibilidade .
1.2.3 Os Brinquedos e brincadeiras em cada faixa etária:
8 meses a 1 ano - O bebê deve brincar com objetos coloridos, com
sons marcantes e diferentes. São importantes as brincadeiras de esconder, porque
dão à criança a noção da presença do objeto.
1 a 3 anos - Os brinquedos adequados são os estímulos sensorial , que
exploram cores, sons e formas diferentes. Os brinquedos de encaixe e de abrir são
interessantes porque estimulam a coordenação motora, a atenção e a percepção,
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mas é muito importante observar se eles têm bordas arredondadas, sem farpas, e se
são leves. A segurança é muito importante na escolha do brinquedo.
2 a 5 anos - Peças de encaixe mais elaboradas, quebra – cabeça e
brinquedos que lembrem as profissões são adequados. A criança descobre a
boneca, o carrinho, vídeo game e jogos na Internet. Livros de pano e de papel com
ilustrações grandes e bonitas, também são importantes para despertar na criança o
interesse pela leitura.
6 a 7 anos - A criança entende o conceito de norma do brinquedo e
organiza seu comportamento social . É possível iniciar jogos de socialização ,
competição e memória , ou brincadeiras mais elaboradas , com regras fixas , como
pega-pega queimado e passa anel . Meninos e meninas ainda brincam separados.
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CAPÍTULO II
CRIATIVIDADE
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2.1 O prazer de criar
É preciso aceitar uma referência geral à Criatividade, tal como postula-
se, evitando que a palavra se perca ao referí-la apenas à criação bem sucedida ou
aclamada, e significando-a como um colorido de toda a atitude com relação à
realidade externa.
Através de uma apercepção criativa, mais do que qualquer outra coisa
que o indivíduo sente é que a vida é digna de ser vivida. Em contraste, existe um
relacionamento de submissão com a realidade externa, onde o mundo em todos
seus pormenores é reconhecido apenas como algo a que ajustar-se ou a exigir
adaptação. Muitos sujeitos experimentaram suficientemente o viver criativo para
reconhecer, de maneira tentalizante, a forma não criativa pela qual estão vivendo,
como se estivessem presos à criatividade de outrem, ou de uma máquina.
Viver de maneira criativa ou viver de maneira não criativa constituem
alternativas que podem ser nitidamente contrastadas.As crianças observadas criam
situações novas a todo momento , nas horas dos jogos , das expressões livres ,
dramatizações histórias e brincadeiras com sucata .
2.1 O impulso criativo
É necessário separar a idéia da criação das obras de arte. É verídico
que uma criação pode ser um quadro, uma casa, um jardim, um vestido ou uma
escultura. Talvez essas coisas poderiam ser criações, mas a criatividade aqui é de
uma proposição universal, a qual relaciona-se ao estar vivo. Presumivelmente, a
qualidade viva de alguns animais, bem como a dos seres humanos, embora
notavelmente menos significativa, possuem baixa capacidade intelectual. A
abordagem aqui relaciona-se com o indivíduo e a realidade externa.
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O impulso criativo é algo que pode ser considerado como uma coisa em
si, algo naturalmente necessário a um artista na produção de uma obra de arte, mas
também algo que se faz presente quando qualquer pessoa-bebê ou criança se
inclina de maneira saudável para algo ou realiza deliberadamente alguma coisa,
desde uma sujeira com fezes ou prolongar o ato de chorar como fruição de um som
musical. Está presente tanto no viver momento a momento de uma criança retardada
que frui o respirar, como na inspiração de um arquiteto ao descobrir subitamente o
que deseja construir, e pensa em termos do material a ser utilizado, de modo que
seu impulso criativo possa tomar forma e o mundo seja testemunho dele.
Al llegar a la cuestión de la criatividad en la literatura infanto-juvenil como el interés principal de mi estudio, enfoqué mi atención en la forma como ella és tratada en el texto de una história infantil, asi como en los aspectos sujacientes a la manifestación de ese comportamiento. Relaciono algunas definiciones a respeto de la criatividad, destacando el elemento del producto nuevo; analiso la importancia del pensamiento criativo en la infáncia y las actividades que estimulan y aseguran la manifestación de ese potencial. En seguida, presento un estudio, basado en la concepción de Winnicott, a respeto de los fenómenos y objetos transicionales, relacionandolos a la transformación del espacio transicional en el espacio cultural. La importancia de la literatura infanto-juvenil, como transmisora de valores, y la de los libros, que estimulen el pensamiento imaginativo de los niños, son también analisadas a la luz de la teoria de Winnicott. Llamo la atención para la necesidad de proporcionarmos las condiciones necesárias, para el desarrollo del potencial criativo de los niños. Palabras Clave: Creatividad, Niños, Literatura, Educación (José Eduardo Gallo, Creatividad – La literatura Como Agente de Facilitacíon)
"Se existe um verdadeiro potencial criativo, podemos esperar encontrá-lo em conjunto com a projeção de detalhes introjetados em todos os esforços produtivos, e devemos reconhecer a criatividade potencial, não tanto pela originalidade de sua produção, mas pela sensação individual de realidade da experiência e do objeto." (Winnicott, 1990, pp.130-131) Outro ponto que, à primeira vista, parecia não ter relação com o
potencial criativo, mas que se encontra a ele ligada, refere-se a angústia vivida pela
criança. É sabido que essa angústia, indubitavelmente, atrapalha seu
desenvolvimento psíquico.
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Caso se retire para dentro de si mesma, frustra o seu próprio desenvolvimento,
reprimindo suas energias e potencialidades, de modo que estas reduzem-na a
tensões e neuroses. Por outro lado, caso se disperse em situações externas, vivendo
sempre em função das expectativas dos demais, ela não só vai contra como trai sua
própria individualidade e com isso deixa de desenvolver suas potencialidades.
Conscientemente ou não, perde a coragem de viver de forma autêntica e
significativa. (José Eduardo Gallo)
Como conseqüência, a criatividade poderá estar ausente, pois a criança
poderá estar parcialmente sobrepujada pelos derivativos desses elementos
inconscientes, ou então forçada a manter um controle de tal forma rígido e
compulsivo sobre eles, que sua personalidade poderá ficar seriamente
comprometida. É sabido que tanto na criança como no adulto, o material
inconsciente é um poderoso determinante do comportamento.
2.2 A história dessa história
Neste trabalho, as histórias foram consideradas como elemento de
facilitação à manifestação do potencial criativo. É nesse ponto, que as histórias
infantis, desde que sejam adequadas à idade e respeitem a etapa de
desenvolvimento da criança, podem funcionar como facilitadoras na elaboração da
angústia vivida pela criança, uma vez que, podendo deslocar para o exterior seus
medos e problemas internos, ela não ficará à mercê de um imobilismo causado pela
angústia.
Assim, com as histórias e com as imagens por elas suscitadas, que
afloram da imaginação, a criança terá, segundo Safra, condições emocionais para
poder jogar com as idéias que forem surgindo. Ressalta, a importância e a utilidade
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dessas histórias, como um facilitador para que a criança projete as angústias
provenientes de seus conflitos, considerando:
"(…) imprescindível tal forma de expressão para o desenvolvimento cognitivo ao lado do enriquecimento da 'apercepção criativa'." (Safra, 1984, pp.5-6).
A vida da criança é toda dominada pela brincadeira e pelo fantasiar. É
nesse momento que ela experimenta suas novas habilidades e explora seu potencial.
Exercita sua imaginação assim como seus músculos. Mas, diante desse brinquedo
do imaginário, o adulto fica inquieto, desconfiado, admitindo apenas algumas dessas
fantasias e representações do imaginário.
É sabido, sem dúvidas, que as crianças não abandonam a criatividade
espontaneamente, fazem-no premiadas, ou punidas, pelos adultos que querem que
elas passem a pensar "realisticamente". Essa tendência pode ser claramente
percebida nos livros e brinquedos, uma vez que se tornam cada vez mais práticos e
realísticos, o que, segundo Kneller (1978), contribui para a redução da imaginação
infantil. A imaginação, tal qual a inteligência, ou é cultivada, ou não se desenvolve o
quanto permitiria o seu potencial. A imaginação de uma criança deve ser alimentada
- com a condição de que não sejam estabelecidas normas ou receitas - para que
possa estimular o imaginário infantil, de forma que se dê oportunidades à criança de
brincar, de jogar com as possibilidades - com as idéias.
Destarte, sabe-se que a infância é um período muito importante da vida
humana; não é simplesmente a preparação para a vida futura senão uma verdadeira,
original e "única" etapa da existência. A maneira como é transcorrida essa etapa
determinará, em grande parte, como será o desenvolvimento não só da
personalidade, mas também do potencial criativo.
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2.3 Pensamento criativo
A criatividade é um dos mais intrigantes, senão desconcertantes,
aspectos do ser humano. Nas últimas décadas, muitos têm sido os pesquisadores
que se dedicam ao estudo dessa habilidade incomum de superar a seqüência
comum do pensamento, e de inúmeros aspectos a ela relacionados, cujas principais
linhas de investigação podem ser agrupadas conforme o objeto de estudo, como por
exemplo, as etapas do processo criativo, os processos do pensamento criativo, o
produto criativo, a estética criativa, as características de personalidade das pessoas
criativas, o potencial criador, entre outras. (José Eduardo Gallo)
É apresentado a seguir algumas das definições referidas, destacando a dimensão produto novo nelas presente:
"As habilidades mentais do recordar e reproduzir informações são diferentes daquelas postas em jogo ao recombinar as impressões originais para produzir coisas novas." Burnham, 1892 (cf. Davis, 1975, p.160) "Criatividade é o processo de emergência na ação de um novo produto relacional que provém da natureza única do indivíduo, por um lado; dos materiais, acontecimentos, pessoas ou circunstâncias de sua vida, por outro." Rogers (1971, p.9) "No âmbito emocional e intelectual de nossas vidas, significa encontrar novas alternativas dentro de qualquer estrutura já conhecida." Landau (1986, p.11) "As grandes idéias ou produtos originais ocorrem especialmente em pessoas que estejam adequadamente preparadas, com amplo domínio dos conhecimentos relativos a uma determinada área ou técnicas já existentes." Alencar (1986, p.12) "Criatividade é o método que capacita a pessoa a produzir idéias novas ou originais, 'insighits', reestruturações, invenções, ou objetos artísticos, aceitos pelos conhecedores como tendo valor científico, estético, social ou tecnológico." Vernon (1989, p.94)
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Ao analisar este elenco de definições, percebe-se que, ao longo de
mais de cem anos, independentemente da orientação teórica desses pensadores, o
foco principal das produções repousa no surgimento de "algo novo".
Não obstante segundo Weschler (1993), existem diversas linhas
teóricas que buscam explicar a criatividade; entre elas são encontradas as de
abordagens filosóficas, explicando-a como sendo um "dom" divino, ou como uma
forma de intuição; as de fundamentação biológica, que a consideram como sendo
uma força inerente à vida e, portanto, seu principal fator é a hereditariedade; as
abordagens
psicofisiológicas, que derivam dos estudos dos hemisférios cerebrais;
as sociológicas, que enfocam a questão sob o prisma de como a sociedade, com
suas regras e normas, propicia um ambiente facilitador para o desenvolvimento da
criatividade. Existem, ainda, as abordagens psicopedagógicas, as educacionais e as
psicológicas, entre outras.
A psicanálise freudiana refere-se à criatividade como o resultado de
uma força que emerge do inconsciente, na tentativa da resolução de um conflito; e
que esse processo, se não for vivenciado de forma satisfatória, pode reverter-se em
neurose. Para Freud, a criatividade origina-se num conflito dentro do inconsciente (o
id). Mais cedo ou mais tarde o inconsciente produz uma solução que, se reforça uma
atividade consciente da personalidade (o ego), gerará um comportamento criador.
Para ele, as pessoas criativas afastam-se da realidade por não aceitá-la tal como é,
com suas normas e restrições, e esse afastamento é que permitirá o uso do potencial
criativo, através da capacidade de criar produtos da imaginação.
Ainda, na perspectiva de Freud (1909) tanto a neurose como a
criatividade têm "por traço característico uma atividade imaginativa de particular
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intensidade... ." (Freud, 1973, p.1362), que surgem da mesma fonte, que é o conflito
inconsciente; ou seja, os desejos inconscientes, expressos através das fantasias,
são passíveis de realização simbólica e esta resulta em aliviar a tensão causada pela
não satisfação do desejo. Assim, criatividade e neurose têm a mesma fonte, sendo a
pessoa criativa e a neurótica impelidas pela mesma força: a energia do inconsciente.
Os psicanalistas modernos rejeitam a noção de que a pessoa criativa
haveria de ser emocionalmente desajustada, uma vez que tem que ter um ego
estruturado de forma tão flexível e seguro, que lhe permita mergulhar em suas
fantasias e retornar a salvo com suas descobertas, de modo que possa comunicá-las
aos demais. Segundo Kneller (1978, p.43): "A pessoa criativa não é dominada pelas
produções de seu inconsciente; 'usa-as', isto sim".
A criatividade é tema complexo e constitui um dos grandes desafios aos
pesquisadores, pois tem sido investigada por um método que o faz, ao tentar
compreendê-la, através de atitudes reducionistas, deslocando seu foco na medida
em que, procurando leis de seu funcionamento, coloca-a como processo excluído da
personalidade, o que reflete uma forma atomista de fazer ciência, cujos resultados
são inúmeras definições especulativas.
A criatividade consiste na possibilidade de um indivíduo poder elaborar
novas alternativas, antevendo o que ainda não existe e, através da especulação
sobre as possibilidades de executá-las, poder fazê-las existir tanto para si como para
os demais; e que, neste processo, estão envolvidos, além da cognição e da
imaginação, fatores emocionais. O ponto de partida é a concepção de que o
potencial criativo tem na primeira infância seus elementos delimitadores.
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2.4 O Espaço transicional e o espaçõ de criação
Um aspecto muito enfatizado por Winnicott (1975) é o conceito de
espaço transicional, este que se forma no campo das relações, desde a mais tenra
idade do indivíduo, através das experiências relacionadas à percepção dos fatos
externos, com as manifestações de sua realidade interna. É nesse espaço
intermediário, emergente das experiências relacionadas entre o mundo interno e a
vida externa, que dá ao indivíduo a possibilidade de vincular-se à realidade objetiva
de modo criativo.
Para que esse espaço desenvolva-se de forma adequada, é de
fundamental importância o cuidado materno, desde os primeiros dias de vida da
criança, baseado na relação que se estabelece da mãe com seu filho. É através
dessa ligação que a criança sentir-se-á segura e amparada ao iniciar sua descoberta
do mundo externo; pois, com o passar do tempo, ela introjeta a imagem dessa mãe
que a compreende e apóia, podendo assim, continuar seu desenvolvimento sentindo-
se segura e protegida.
Neste sentido, a vivência da primeira experiência de satisfação
(mamada real) da criança, à qual Winnicott também chama de primeira mamada
teórica, é vista como fundamental, ao se considerarem os eventos de memória que
ela suscita e suscitará no decorrer do desenvolvimento emocional da criança. É
nesta primeira mamada que as condições para que o bebê comece a criar estão
presentes, e a mãe torna isso possível à criança, através da ilusão de que o seio, e
aquilo que ele representa, foram criados por esta, motivada "pelo impulso originado
na necessidade." (Winnicott, 1990, p.121)
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É certo que a criança não criou aquilo que a mãe ofereceu-lhe (seio), no
entanto, devido a sua adaptação às necessidades (emocionais) do bebê, a mãe está
em condições de permitir que ele tenha essa ilusão. No começo, a relação mãe-
bebê, desde que suficientemente boa, permitir-lhe-á não só a fantasia de ter criado
aquele seio, como também de relacionar-se com ele, mesmo que a princípio de
forma "mágica", pois acredita no controle onipotente sobre esse objeto (externo).
Após a primeira experiência de satisfação, que também é representada
na vida real pela soma de muitas outras (cuidados maternos), o bebê começa a ter
material (experiências e fantasias) com o qual criar; impulsionado pelo desconforto
da necessidade (fome), ele alucina (recria) o seio no momento em que a mãe não
está pronta a oferecê-lo. É nessa experiência em que o bebê, com fome e hostilidade
motivados pela frustração da ausência ou demora da mãe, recria o seio a cada
mamada.
"A cada vez nutre o corpo com o leite e a mente com a experiência satisfatória, levando a criança, por acúmulo dessas experiências, à noção de confiança e constância entre os intervalos das mamadas." (Safra, 1984, p.86)
Dessa forma, com o passar do tempo, sentindo e acreditando que sua
mãe o ampara e compreende, o bebê pode começar a tolerar a ausência dessa mãe
(seio), pois sente confiança em que esta (seio - objeto do desejo) poderá ser
encontrada novamente. Com esse tipo de experiência, a criança começa a
desenvolver a capacidade de vivenciar a realidade externa, a relação de objeto
compartilhado, sem sentir-se ameaçada ou paralisada por suas angústias.
Winnicott criou os termos "objetos e fenômenos transicionais" para
designar "a área intermediária de experiência, entre o polegar e o ursinho, entre o
erotismo oral e a verdadeira relação de objeto, entre a atividade criativa primária e a
27
projeção do que foi introjetado, (...)." ((Winnicott, 1975, p.14). Os objetos e os
fenômenos transicionais pertencem ao domínio da ilusão que está na base deste
início de experiências do bebê. O objeto transicional não é interno (conceito mental),
é uma possessão. Não é, ainda, o objeto, em si, que é transicional, "ele representa a
transição do bebê de um estado em que está fundido com a mãe para um estado em
que está em relação com ela como algo externo e separado." (Winnicott, 1975, p.30)
Assim, na experiência de brincar, a criança vivência as realidades
interna e externa, colocando nesta atividade seu pensamento imaginativo e potencial
criativo. "A experiência criativa começa com o viver criativo, manifestado
primeiramente na brincadeira." (Winnicott 1975, p.139) Além de, fornecer uma
organização para estabelecer relações emocionais, o que permite o desenvolvimento
dos contatos sociais através dos jogos compartilhados.
2.5 A Experiência cultural
É no espaço transicional, segundo Winnicott (1968), que vão circular
fenômenos de grande importância, como a relação com objetos da realidade
compartilhada (externa). É, portanto, através do brinquedo e do brincar, bem como
dos fenômenos transicionais, que é formada a base para a experiência
cultural. Esta por sua vez está calcada na superposição das experiências pessoais à
área correspondente de vivências comuns entre os membros de um determinado
grupo social. Assim, o brinquedo, o brincar e os fenômenos transicionais formam a
base para a experiência cultural em geral.
Esse espaço intermediário, existente inicialmente entre a mãe e o bebê,
vai se transformando em espaço cultural. Não é dentro nem fora: é inter-relacionado,
28
constitui-se numa zona de interseção entre o subjetivo e aquilo que é objetivamente
percebido (é o espaço das relações extra e intrapsíquicas), que se expande através
do inter-jogo numa experiência criativa por toda vida cultural do homem.
Uma vez que é necessário que haja uma atitude social positiva no ato
de brincar, este, como uma experiência criativa (que representa uma experiência de
continuidade do espaço transicional), é uma forma básica de viver. Nesse sentido, as
histórias infantis podem ser consideradas um bom exemplo para o aparecimento
deste fenômeno transicional. (Winnicott)
O valor das histórias se faz presente exatamente neste ponto, uma vez
que, através delas, podemos apresentar à criança algumas idéias a respeito da
importância de buscarmos soluções para as situações ou problemas que nos
afligem. Assim, ao identificar-se e optar por determinados aspectos da história a
criança, o faz, segundo Safra, tendo por base sua própria realidade interna, sem
sentir-se pressionada ou invadida; pois, através dos personagens, imaginários, ela
tem a oportunidade de utilizá-los "como fonte de informações para uma maior
autoconsciência" (Safra, 1984, p.84), podendo assim, em seguida se utilizar dessas
informações para suas próprias representações. Ainda segundo Safra (1984, p.83):
"O processo de transformação da angústia em pensamento dá-se com maior
eficiência na relação com um outro, dentro do espaço transicional, onde o indivíduo é
respeitado em seu tempo interno."
Experiências desse tipo contribuem notadamente para o
enriquecimento não só da qualidade de vida, através das relações que são
estabelecidas com a realidade externa, mas também para o próprio Self (Eu) da
criança, uma vez que oferecem a oportunidade dela fazer uso dos elementos
29
fornecidos pela história, que, recriados nesse espaço potencial segundo suas
características internas, permitem-lhe, reconhecer em si mesma suas possibilidades.
2.6 O papel da criatividade na infância
Conforme o Dr. D. W. Winnicott, aquilo que somos depende muito do
ponto que atingimos em nosso desenvolvimento emocional, ou da extensão de
nossas oportunidades naquela época do crescimento.
Em função de seu alto grau de adaptação, a criança, durante a fase
inicial de suas relações com o mundo, terá a oportunidade de experimentar e
vincular-se com o mundo, o que resulta na posterior capacidade de arranjar e
rearranjar suas percepções e emoções. Isso acontece porque no processo de
desenvolvimento do ego estabelecem-se os padrões básicos, e é na fase mais
primitiva do desenvolvimento que se encontram os fatores de maior influência,
através do tipo e da qualidade dos vínculos estabelecidos.
O comportamento criador, segundo a psicanálise, é visto como um
substituto e continuação das brincadeiras e jogos infantis, que servirão de substrato
para o comportamento adulto e, conseqüentemente, da própria criatividade; ou seja,
da mesma forma que a criança elabora e resolve seus problemas através das
brincadeiras, jogos ou dramatizações, o adulto, também, resolveria seus conflitos
através da produção criativa. Kneller dá-nos uma boa descrição desse processo:
30
"Como a criança se exprime em jogos e fantasias, o adulto criativo o faz escrevendo ou, conforme o caso, pintando. Além disso, muito do material de que ele se vale para resolver seu conflito inconsciente, material que se torna substância de sua produção criadora, tende a ser obtido das experiências da infância (... ). A relação da criatividade com o folguedo infantil atinge máxima clareza, talvez, no prazer que a pessoa criativa manifesta em jogar com idéias, livremente, em seus hábitos de explorar idéias e situações pela simples alegria de ver aonde elas podem levar." (Kneller, 1978, pp.42-43)
O fato, é que as brincadeiras e jogos infantis foram por muito tempo
considerados, como coisas sem importância. No entanto, brincar é um recurso de
fundamental importância de que se valem as crianças para lidar com o mundo
fantástico; pois, segundo Freud (1908), ao jogar ela distingue muito bem o mundo
real do jogo, apesar da carga afetiva com que o satura, e do gosto que tem por
apoiar os objetos e circunstâncias que ela imagina em objetos reais e tangíveis do
mundo real; sendo este apoio, que irá diferenciar o "jogar" infantil do "fantasiar".
Dessa forma, de acordo com Pimenta (1993), quanto à fantasia, poderíamos pensar
numa equivalência masturbatória, enquanto que a criação e a brincadeira já contêm
algo de relação de objeto.
Assim, ser criativo significa desenvolver a habilidade de integrar
múltiplas possibilidades e, ao mesmo tempo, encontrar soluções alternativas para o
existir. E o lugar dessas produções intelectuais é o espaço vazio do imaginário. Pois
o percebido muda o sentido de realidade, esta transforma-se, o que ali estava
desaparece, é desta forma que se constitui o imaginário. Como isso sucede
continuamente, vai se acumulando um estoque de imagens, vivências, experiências
e soluções imaginadas, o que mostra que o imaginário depende da ação do tempo
sobre o objeto desejado ou temido.
31
Em outras palavras, dependendo do vínculo estabelecido com o objeto,
teremos ou não a possibilidade de transformação que nos impõe o tempo, através
dos processos imaginativos (criativos), sejam eles originais ou não, através da
construção da identidade, na vinculação do "eu" com os "eus" que fomos e os que
estamos por ser.
É por meio dessa atividade subjetiva que o indivíduo consegue
expressar-se, misturar e sublimar as emoções, encontrando até soluções simbólicas
para os problemas; assim, pela criatividade, ao mesmo tempo em que se resolvem
alguns conflitos, afirma-se a própria identidade, através do desenvolvimento do ego.
É importante ressaltar a concepção de que o pensamento criativo tem,
na primeira infância, seus elementos delimitadores através das primeiras relações
objetais, uma vez que repousa na adaptação da criança à realidade. Essa adaptação
é o substrato para o processo de integração, que possibilita o exercício da
capacidade criativa, ao mesmo tempo que é estruturante de seu mundo interno e
externo, e é por ele estruturado e significado.
Segundo Winnicott (1975), à medida que a criança vai percebendo que
a mãe não é uma extensão de seu corpo e que há momentos em que está ausente,
começa a criar-se entre elas um espaço potencial, que vai sendo progressivamente
ocupado por objetos que irão ajudá-la nesse processo de desilusão. São os
fenômenos e objetos transicionais, uma vez que, ao mesmo tempo que fazem parte
das fantasias do mundo interno, usam o mundo externo como suporte. É neste
estágio que o brincar é possível, pois a criança tem como base a confiança adquirida
no estágio anterior.
32
Esse espaço intermediário inicialmente surge entre a mãe e o bebê, vai
transformando-se, com a entrada do pai (na relação), em espaço cultural e tem a
possibilidade de expandir-se, através do inter-relacionamento, numa experiência
criativa por toda vida cultural do homem. Uma vez que é necessário que haja uma
atitude social positiva no ato de brincar, este, como uma experiência criativa (e que
representa uma experiência de continuidade do espaço transicional), é uma forma
básica de viver.
As realizações de pessoas criativas fundamentam-se na capacidade
para apresentar novas formas, de arriscarem-se a caminhar em direções inusitadas e
de libertarem-se do comum, do conhecido. Conseqüentemente, criatividade é o fazer
que, gerado a partir do ser, indica que ele está vivo. "Pode ser que o impulso esteja
em repouso; mas, quando a palavra 'fazer' pode ser usada com propriedade, já
existe criatividade." (Winnicott, 1989, p.31)
Acredito, ainda, que um dos maiores limites às possibilidades do viver
criativo é estabelecido por um sistema cujas crenças e normas são impostas à
criança, por modelos próprios dos adultos, pois, segundo Milner (1994, p.300): "... a
criatividade pode ser destruída por uma insistência demasiadamente grande em que,
ao agir, tem-se de saber antecipadamente o que se está fazendo".
2.7 A criatividade na literatura infanto-juvenil
A história da literatura infantil, segundo Cunha (1985), inicia-se no
século XVIII, quando a criança passa a ser considerada diferente do adulto, com
necessidades e características próprias, razão pela qual deveria receber uma
educação especial, que a preparasse para a vida adulta. Antes disso,
acompanhando a vida social do adulto, ela participava também de sua literatura;
33
ocasião em que sendo da nobreza, orientada por preceptores, lia geralmente os
grandes clássicos, enquanto as das classes desprivilegiadas liam ou ouviam as
histórias de aventura, as lendas e os contos.
Muito já foi escrito a respeito da literatura infantil, e ao abordar essa
questão não tenho em mente o propósito de buscar uma abordagem original, mas
investigar como a criatividade é abordada nas histórias infanto-juvenis, e dessa
forma fornecer subsídios aos professores para lidar com essa questão. Através dos
livros temos umas das formas de entender a realidade, uma vez que eles estimulam
e desenvolvem em nós mesmos uma espécie de diálogo com o raciocínio (através
do refletir), com a inteligência (através do apreender) e com nossas emoções e
sentimentos, através dos seus personagens. Assim, não devemos nos preocupar
muito com a mensagem das histórias, e, principalmente, não devemos usá-las para
dar lições de moral aos filhos. Strôngoli, reforça esta posição ao afirmar que:
"Um dos mais eficientes canais de socialização dos adultos sobre os jovens é a literatura. A escolha de obras para leitura dos educandos tem trazido, contudo, problemas de tal sorte que algumas vezes, se pode pensar que essa ação socializadora tem mais desservido do que servido a educação e a literatura." (Strôngoli, 1989, p.19).
Pode-se afirmar que o potencial criativo necessita, para expandir-se, de
condições facilitadoras, pois repousa sobre a tênue linha que separa, de um lado, a
excessiva permissividade que sufoca a curiosidade e, de outro, a castração do
impulso de criar pela superproteção, por exemplo. Há, assim, um aspecto
importantíssimo que associa a criação à habilidade de perceber-se no mundo, como
sendo capaz de arranjá-lo e rearranjá-lo para o exercício final da felicidade. Muito
provavelmente, para os criativos, as histórias não acabariam em "foram felizes para
sempre", mas em "fizeram-se sempre felizes".
34
As histórias, diferentemente de qualquer outro tipo de literatura, podem
ajudar a criança em sua descoberta de si mesma, na formação de sua identidade,
além de propiciar sua comunicação com os demais, uma vez que alimentam a
imaginação e estimulam as fantasias. Para tanto, é necessário que não pretendam
descrever o mundo tal como ele é e muito menos aconselhar o que alguém deve ou
não fazer.
Na idade pré-escolar, a criança necessita de que lhe sejam
apresentadas imagens simbólicas que lhe reassegurem a existência de uma solução
feliz e, dessa forma, possa aliviar suas angústias, à medida que perceba que
também existe uma saída para seus problemas, porque só então terá coragem de
lutar confiantemente para desvencilhar-se deles. Deve-se lembrar que nessa etapa,
mais do que em qualquer outra, tudo está em transformação. Neste sentido, a
história deve oferecer elementos à imaginação que possam sugerir, sob forma
simbólica, o significado da auto-realização.
Compreende-se, assim, a importância existencial dessas imagens, não
só para as crianças como também para os adultos: são imagens que rompem o
"universo fechado" do ambiente cotidiano e descortinam-lhes um mundo mais vasto e
infinitamente mais rico, carregado de significações e possibilidades.
Existem valiosos trabalhos que analisaram o conteúdo dos contos de
fadas, como por exemplo, a obra de Bruno Bettelheim, "A Psicanálise dos Contos de
Fada", em que são analisados sob o enfoque da psicanálise, os dilemas existenciais
contidos nessas histórias. Na obra "A Interpretação dos Contos de Fada", de Marie
Louise von Franz, a autora analisa os contos de fadas sob a óptica do simbolismo da
teoria de C. G. Jung; e no trabalho de Georges Snyders, "Alunos Felizes: reflexão
35
sobre a alegria na escola a partir de textos literários", o autor analisa a produção
literária sobre felicidade na escola.
Neste trabalho foi feita a análise de um texto literário, uma vez que os
escritores, por não serem profissionais da educação, proporcionam testemunhos
mais variados e abertos que o de cientistas da educação; há também, o fato da
riqueza imaginativa desses autores, o que constitui o maior argumento em favor de
sua utilidade. O que pretende-se é, dentro da Literatura Infanto-Juvenil, investigar se
a criatividade é considerada e a forma como ela está sendo tratada nessa
publicação, pois, como sabemos, atualmente, os livros e manuais de redação, bem
como os professores, têm dado muita ênfase às produções criativas nos trabalhos
escolares.
Nesse texto, os elementos para analisar a forma como as pessoas que
criam são percebidas, tanto pelo autor como pelos outros personagens; se as
pessoas criativas são valorizadas ou reprimidas por suas idéias; se as idéias
criativas são reconhecidas em função da utilidade dos resultados, ou se elas são
vistas apenas como algo que foge ao convencional; se, em função do aparecimento
de idéias criativas, estas são consideradas ou não como importantes, mesmo
tratando-se de soluções novas apenas em nível individual.
Os resultados obtidos possibilitarão oferecer subsídios aos professores
para que utilizem melhor os livros na escola, isto é, aproveitando o máximo dos
recursos que oferecem para incentivar o ato de criar, evitando-se, dessa forma,
atitudes que bloqueiem a criatividade.
36
2.8 Análise da História
A história, "A fada que tinha idéias", sugere, imediatamente à criança,
que ela acontece fora do espaço conhecido do adulto, num mundo longínquo de
aventura e fantasia ("lá no céu"), com elementos literários ficcionais (fadas e bruxa) e
elementos de realidade (situações familiares facilmente reconhecíveis - relações
mãe-filho, hierarquia, amigos e atividades domésticas).
Como essa história contém elementos que são comuns à realidade
humana, apresenta situações facilmente reconhecíveis ao leitor, ao evocar, na
relação mãe-criança, situações do cotidiano humano. A trama repete-se em todos os
capítulos, em que os personagens, apesar de viverem num mundo mágico (reino das
fadas), têm os mesmos problemas do cotidiano dos humanos; isso estimula a criança
a explorar sua capacidade imaginativa, pois superpõe as experiências dos
personagens da história com as suas.
Nesse sentido, percebe-se que a história, A fada que tinha idéias,
através de imagens simples e diretas, permite à criança não só ordenar seus
sentimentos, de modo que estes lhe fiquem mais claros, mas também perceber que,
através do fazer, suas idéias podem concretizar-se.
Outro facilitador deve-se ao fato de que, com exceção do herói da
história, todos os outros personagens apresentam nomes genéricos, estrutura essa
que possibilita à criança não só a compreensão da trama da história, mas também,
facilita suas projeções e identificações.
Em relação à condição sobre-humana em que transcorre cabe
esclarecer que a importância desse tipo de literatura, não se refere, em absoluto, à
37
formação da personalidade total da criança, uma vez que, na tentativa de imitar os
heróis ou de igualar seus feitos, é facilmente sobrepujada, dadas as limitações
impostas pela realidade externa. A utilidade existe, apenas, na possibilidade da
criança poder usar ativamente sua imaginação, o que lhe possibilita brincar (jogar)
com as imagens e idéias que forem surgindo.
Portanto, nesse tipo de história, a criança é convidada a identificar-se
com um de seus personagens e a perceber a esperança que existe no ato brincar
com as idéias e no de fazer, uma vez que só o pensar não leva a nada.
A história oferece excelentes imagens, ao acenar com a possibilidade
de um "final feliz", para a criança poder elaborar suas angústias, uma vez que, as
situações nela evocadas, apesar de serem ficcionais, têm a problemática que lhe é
comum e sendo, portanto, facilmente reconhecida: uma criança entrando em contato
com as normas estabelecidas do mundo adulto, onde, via de regra, é considerada
incompetente e muitas vezes menosprezada.
Como o "fazer" implica em ação, o inventar coisas novas (criar) implica
necessariamente na mudança da ordem estabelecida, na alteração do conhecido, na
quebra da ordem (caos) e isso causa-lhe problemas: suas idéias não são apreciadas
pelos adultos da história, que muito assustados ao não saber como lidar com esse
"romper das normas", ficam preocupados com as possíveis conseqüências, o que
representa a acomodação destes às normas estabelecidas.
As mensagens implicam em soluções, mas não as ditam, desta forma,
a criança é estimulada a, através da imaginação ativa, aplicar a si mesma o que a
história revela sobre as vantagens de um viver participativo e autêntico. Caso
contrário, a criança, sujeita aos ensinamentos realistas e racionais dos outros,
apenas enterra seu "conhecimento do mundo" e suas potencialidades no fundo de
seu ser.
38
Outro aspecto que pode ser notado na estrutura dessa história, refere-
se ao movimento que existe nela, no sentido de mostrar a evolução do pensamento
criativo, através do desenvolvimento do processo de integração/interação,
representado no decorrer da história, pelas ações de Clara Luz:
a) inicialmente, suas "invenções" restringiam-se ao âmbito dos objetos
(transformação do bule em passarinho), simbolizado as relações de objeto parcial
(usa o objeto);
b) depois ela experimenta, misturar objetos com pessoas, simbolizando
o início de experiências intra e extrapsíquica (a relação de objeto ainda se dá de
forma parcial);
c) Com o transcorrer do tempo, suas ações envolvem cada vez mais
pessoas e objetos, simbolizando o surgimento da superposição das experiências
intra e extrapsíquicas;
d) passando em seguida a priorizar a relação com pessoas,
simbolizando a transicionalidade de suas experiências;
e) culminando na transformação desse espaço potencial em espaço
cultural, enquanto espaço de criação; quando convocada ao palácio e ameaçada
pela rainha, ocasião em que, por estar mais integrada, faz uso de seu potencial
criativo, para dessa forma, através do uso do pensamento racional, criar uma nova
ordem no reino das fadas.
Assim percebe-se, através das ações de Clara Luz, que existe uma
transformação no tipo de relação que ela mantém com a realidade externa:
inicialmente apenas usa os objetos, pelo que eles representam em sua fantasia para,
gradualmente, passar a relacionar-se com eles, pelo que são.
O movimento de integração, que se inicia com experiências criativas,
pela interação das vivências do mundo interno e da realidade externa, permite o uso
do pensamento criativo, que, finalmente, resulta na manifestação da criatividade;
39
que é representado ao final desta história pelas argumentações lógicas (opiniões) de
Clara, que são reconhecidas como úteis.
O que apresento a seguir é fruto da reflexão sobre a criatividade da
criança no seu cotidiano, como uma transposição da análise dessa história à vida
real.
O (conceito de) mundo de uma criança é diferente do dos adultos. Ela
pensa de modo diferente do adulto; seus pensamentos não são ordenados
logicamente como os dos adultos, pois suas fantasias são seus pensamentos. A
história, que explora a fantasia, não tenta descrever o mundo tal como ele é
(realidade externa) e sim fomentar a imaginação da criança.
Nesse sentido, pode-se comparar a imaginação à matéria-prima e à
base sobre a qual a criança irá fazer uso do potencial criativo. Prosseguindo na
analogia, nossos sonhos são recursos naturais que fomentam e moldam a
imaginação ativa, tornando-a útil para a tarefa que nos impõe a vida, que é a de
inventarmos nosso futuro, nossa própria vida. E à medida que isto acontece, obtém-
se satisfação no viver.
O que os adultos costumam a entender como brincadeira, para a
criança trata-se da exploração do mundo, que é feita através dos fenômenos
40
transicionais, que possibilitam a manifestação das atividades lúdicas. Assim,
enquanto a criança brinca, na realidade está experimentando ou descobrindo novas
habilidades e novas possibilidades. É através desses brinquedos e brincadeiras que
ela tem a oportunidade de expandir seu potencial criativo, assim como exercita seus
músculos, ou descobre e constrói, pouco a pouco, os mecanismos lógicos.
Em se tratando de educação, é comum deparar com a crença de que o
fantástico reprime na criança a aquisição dos mecanismos lógicos e a, conseqüente,
construção do real, do racional. Tal posição deve-se, em parte, à visão dicotomizada
e esquematizada do desenvolvimento da inteligência lógica, conceitual e da
imaginação.
Nesse sentido, histórias realistas não contribuem com as experiências
imaginativas e, muito menos, com o desenvolvimento do pensamento criativo das
crianças; apenas oferecem informações por vezes interessantes e em outras úteis,
não levam em conta o funcionamento da mente de uma criança, pois, na maioria das
vezes, informam sem enriquecer a imaginação. Não se trata aqui de, simplesmente,
condenar o uso das histórias realistas. Acredito que deva haver o justo equilíbrio de
histórias fantásticas com as realistas, de forma que a criança receba a influência de
ambas, uma vez que elas podem contribuir para o desenvolvimento tanto do
pensamento racional, como da imaginação e seus produtos imaginativos.
O fantástico, dessa forma, pode vir a contribuir para estimular a criança,
pois incita-a, pela própria distância que cria, a uma interrogação, a um
questionamento; o que confere a esse tipo de literatura, no crescimento da criança,
lugar capital. Tendo, assim, papel decisivo, pois provoca a criança, convida a
contestar, a procurar e a encontrar onde se esconde o real limite de suas
41
potencialidades e possibilidades, isto é, a fazer uso do espaço e dos fenômenos
transicionais.
É importante lembrar que, através da imaginação ativa, o despertar da
inteligência e o da criatividade caminham juntos e freqüentemente se enriquecem. A
brincadeira e o brincar, tal qual os exercícios corporais que preparam e fortalecem o
aparato físico para as exigências da vida, preparam emocionalmente a criança para
que "jogue e brinque" com as inúmeras possibilidades que se apresentarão no
mundo adulto, através da integração da inteligência lógica e da criatividade, que se
manifesta inicialmente através do pensamento imaginativo.
Nessa perspectiva, está sendo considerado que o pensamento
imaginativo de qualquer pessoa criativa, não deverá, em absoluto, ser dominado pelo
absurdo nem pelo irracional, por mais fantástico que seja o universo que ela
construa. Acontece o mesmo com a imaginação infantil que obedece, ao mesmo
tempo, às regras externas (que são formas de conduta ditadas pelos "modelos"
preestabelecidos) e às novas regras inventadas pelas crianças, que são variações
dos modelos dos adultos.
Essa característica de inventar regras, que pode ser observada desde
as primeiras brincadeiras simbólicas da criança, poderá servir de ponto de partida
para auxiliá-la, através da construção de soluções alternativas (a partir das normas
dos adultos), na busca de um viver autêntico, ou seja, pleno de realizações, que se
dará através do "jogo" que se estabelecerá da relação, flexível e lúcida, realidade-
imaginação. Para tanto, é necessário que ofereçamos condições e materiais para a
construção de sua brincadeira e para a invenção das regras desse "brincar".
42
Nesse sentido, esse tipo de história contribui com a tarefa de colocar as
bases para a aquisição de uma personalidade mais integrada e para a capacidade
de se relacionar, tão exigidas pela transformação efetuada pelo crescer, ao
comunicar que só nos tornamos pessoas completas, quando, além de sermos
autênticos com nós mesmos, somos capazes, ao mesmo tempo, de sermos nós
mesmos com os outros e sentirmo-nos felizes com isso.
Falar em histórias que estimulem a imaginação das crianças significa
reconhecer o valor que esse tipo de literatura tem para o desenvolvimento da
capacidade criativa, porque seu valor é indireto, pois age subterraneamente, a longo
prazo, no quadro da formação global.
É esse tipo de recreação (-crear, do latim, criar) que, além de estimular
a imaginação ativa, desenvolve o pensamento criativo do leitor, através da
exploração da transicionalidade. É nesse sentido, que é indispensável que haja um
tipo de educação voltada à formação de crianças que amanhã saibam enfrentar e
superar as exigências impostas pela vida, para que dessa forma sejam capazes de
inventar o seu próprio existir.
//digitar texto
Uma última reflexão: falar de livros de estimulem a criatividade das
crianças, que as façam encontrar, através do lúdico, o limite de suas possibilidades,
é voltar mais precisamente ao problema central, ao papel insubstituível do ficcional
(do mítico) em contraste com a realidade.
43
CAPÍTULO III
JOGOS
44
//DIGITAR TEXTO 3.1 Jogos
Huizinga nos diz que existe uma função, que se verifica tanta na vida
humana como na animal, e é tão importante como o raciocinio e o fabrico de objetos:
o jogo. É assim que ele nos introduz ao pensamento de que o (...) "Homo Faber e
talvez ao mesmo nível de Homo Sapiens, a expressão Homu Ludens merece um
lugar em nossa nomenclatura(...)".
Huizinga vai além dizendo que "(...) seria mais ou menos óbvio mas
também um pouco fácil, considerar "jogo" toda e qualquer atividade humana(...) não
vejo, todavia razão alguma para abandonar a noção de jogo como um fator distinto e
fundamental, presente em tudo o que acontece no mundo. Já há muitos anos que
vem crescendo em mim a convicção de que é no jogo e pelo jogo que a civilização
surge e se desenvolve (...)".
Portanto, se o jogo, o brincar é anterior a cultura, fica evidente que é a
partir daí que tudo se inicia, quando pensamos no complexo campo das relações
interpessoais com o mundo e a natureza. O jogo e o brincar ultrapassam os limites
da atividade física ou biológica. Ele é uma significante - tem uma função social.
Não há nas crianças e adolescentes necessidade natural do jogo, mas
apenas de trabalho quer dizer a necessidade orgânica de usar o potencial de uma
vida numa atividade ao mesmo tempo individual e social. Os “trabalhos jogos” que
empreendem com a água, fogo, areia, pesca, etc... denotam movimento, ação,
sobretudo para a vida, para a atividade. Simultaneamente aprendizagem e cultura.
É preciso muita ousadia para recolocar o trabalho no seu quadro
familiar e social.
45
Os jogos são a precedência do trabalho e por isto mesmo, desafiam o
tempo e sobrevivem para além dos séculos em todas as partes do mundo. Possuem
elementos essenciais do trabalho e por decorrência são a base de um sistema
intelectual e social. Eles querem trabalhar, tal como querem se alimentar. Ninguém
pode ignorar que adoram serrar, cortar, pregar, aplainar, etc... atividades estas, que
são intuitivas e espontaneamente transmitem-se em todos os países além das
fronteiras e gerações. São a satisfação normal de nossas necessidades naturais
mais poderosas: inteligência, união profunda com a natureza, adaptação às
possibilidades físicas e mentais, sentimentos de poder, de criação, de afeto, de
domínio, de eficácia técnica, utilidade familiar e social.
Nos seus "trabalhos-jogos" trabalham os papéis sociais: os
casamentos, as famílias, os nascimentos, os cuidados e a educação dos filhos (os
cuidados da primeira infância tem lugar de destaque preponderante nesta categoria
de jogo), a escola, as doenças das bonecas, os funerais, e, é fundamental
observarmos que na maioria dos jogos está clara a noção de prisioneiros e de
libertação, que mergulha certamente as suas raízes nos ancestrais, centrados que
estão nas tentativas de libertação dos vencidos. Dizer o óbvio, mas as vezes é
preciso repetir o óbvio: é evidente que estas dificuldades e limites impostos pelo
jogo, pela brincadeira, certamente contribuirá para melhor resiliência das nossas
crianças e melhor desenvolvimento de suas habilidades básicas para inserção no
mundo.
Todavia a imitação é tão bem feita e por vezes tão total, que nós
próprios não reconhecemos mais a imagem da nossa própria atividade e então,
chamamos a este espantoso sucesso de brincadeiras.
46
Daí, não é inútil dizer que embora isso tenha feito e em muitos ainda
faça parte da vida, este jogo da libertação dos vencidos, fortemente centrados em
nossos ancestrais, sempre foi e ainda é mais do que nunca atual pois, continua mais
influenciado do que outros, em nossa busca pela evolução das condições
excludentes da nossa contemporaneidade.
Ora, a necessidade do prazer, da alegria, e particularmente a procura
do jogo são tendências naturais, e talvez entre as mais fortes, pois as crianças
brincam por toda a parte e sempre, como uma dádiva tão total de si mesmas.
A satisfação dessas necessidades proporciona por si mesma, o mais
salutar dos prazeres, sentimento de plenitude, tal como a satisfação das nossas
necessidades funcionais.
Conservar a vida implica por um lado:
• a necessidade de alimentar-se. Daí os gestos nas brincadeiras
de: trepador, colhedor, caçador, pescador, corridas, saltos, luta, cordas, etc..
• defender-se: instinto de abrigo, naquilo que ela tem de mágico,
grutas, esconderijos, etc.
• tornar a vida tão poderosa: leva a integração no grupo social
que se aglomera, se solidifica para lutar, defender-se, atacar, etc..., enfim preservar a
vida e dar a ela continuidade tem a ver com os papéis da maternidade, paternidade e
evolução da família.
47
É nesta trama que a criança repelida pelo adulto é constrangida a
apoiar o seu próprio mundo, que certamente lhe responderá melhor que o mundo
dos adultos às suas possibilidades e às suas necessidades.
Lamentavelmente na sociedade o trabalho é admitido como
constrangimento, pena, sofrimento, tirania comum que se conhece. São estas
múltiplas exigências que fazem suportar um e procurar outro.
Assim, a separação atual entre jogo e trabalho tem uma trágica
importância que já não sabemos medir - a degradação catastrófica do trabalho
humano. Porque considera apenas a noção de jogo se está intimamente ligada à
noção de trabalho?
Os “jogos trabalhos” das crianças e jovens confirmam a teoria da
transmissão quase sem alteração, de geração para geração, das práticas lúdicas
fundamentais para a sua formação integral do ser humano. Como que desafiando o
tempo e as ordens impostas, para todos os povos do mundo o lúdico, o jogo e o
brincar sobrevivem.
"As crianças e jovens são levados aos seus "jogos-trabalhos" pelas
mesmas necessidades e tendências que justificam o trabalho do adulto - não o
trabalho forçado - mas, o trabalho humano. Trata-se da necessidade universal de
preservar a vida, de a tornar tão poderosa, de a transmitir para continuar. No
contexto dos "jogos-trabalhos" "trabalham a família, os cuidados da primeira infância,
doenças, funerais, casamentos, escolas e com certeza a libertação dos vencidos e
também a organização dos povos".
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As crianças e os animais são levados ao lúdico, ao jogo, ao brincar pela
força do instinto e pela necessidade de desenvolvermos nossas faculdades físicas e
seletivas.
Todo jogo baseia-se em manipulação de certas imagens, uma certa
imaginação da realidade, ou também a transformação da realidade em imagens,
poderemos ver e captar o valor e o significado dessas imagens e dessa
manipulação.
No espírito fantasista que joga e brinca, no extremo limite entre
brincadeira e seriedade, o que observamos na verdade é o fenômeno do culto de
brincar. As sociedades primitivas também celebram seus ritos sagrados, seus
sacrifícios, consagrações e mistérios, destinados a assegurarem a tranqüilidade no
mundo, dentro de um espírito de puro jogo.
É no mito e no culto que as grandes forças instintivas da vida civilizada
tem sua origem: o direito e a ordem, o comércio e o lucro, a indústria e a arte, a
sabedoria e a ciência. Todas elas têm suas raízes no solo primitivo do jogo.
Os jogos infantis, todos eles acontecem dentro de uma "ambiência de
extrema seriedade".
Huizinga ressalta que o "(...) puro e simples jogo constitui uma das
principais bases da civilização(...)" que nos propomos a esta reflexão. O jogo é uma
função da vida, é uma atividade voluntária. As crianças brincam porque gostam de
brincar e é precisamente aqui que reside a liberdade. O jogo e a brincadeira quando
sujeitos a ordens, deixam de ser jogo e brincadeira, passando a ser no máximo uma
imitação forçada. (Apud Huizinga, 1996: 10)
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Ainda segundo Huizinga chega-se as características fundamentais do
jogo:
1ª - o fato de ser livre, de ser ele próprio liberdade;
2ª - O jogo não é vida "corrente" nem vida "real". Trata-se de uma
evasão da vida "real". Mas, perfeitamente, inclusive as crianças, quando estão "só no
faz de conta" ou quando estão "só brincando". É um ínterim - um espaço no nosso
cotidiano. É um acompanhamento, um complemento e em última análise uma parte
integrante da vida em geral. Ornamenta-a, ampliando-a e nessa medida, torna-se
uma necessidade não só para o indivíduo, como função vital, quanto para a
sociedade, devido ao sentido que encerra, à sua significação, a seu valor expressivo,
as suas associações espirituais e sociais, em resumo, como função cultural, dando
satisfação a todo tipo de ideais comunitários;
3ª - O jogo distingue-se da vida "comum" tanto pelo lugar quanto pela
duração que ocupa. Enquanto ocorre a ação de jogar tudo é movimento, mudança,
alternância, sucessão, associação, separação. Mesmo depois de acabado ele
permanecerá como uma criação nova de espírito, um tesouro a ser conservado pelo
memória. É transmitido, vira tradição. Pode ser repetido a qualquer momento e é
exatamente nesta capacidade de repetição que está uma das suas qualidades
fundamentais.
O jogo no espaço - se processa e existe no interior de um campo
previamente determinado, de maneira material ou imaginária, deliberada ou
espontânea . É por isso que Huizinga diz que: "(...) não há diferença formal entre o
jogo e o culto, do mesmo modo o "lugar sagrado" não pode ser formalmente
distinguido do terreno de jogo. A arena, a mesa de jogo, o círculo mágico, o templo, o
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palco, a tela, o campo de tênis, o tribunal etc., tem todos a forma e a função de
terrenos de jogo, isto é, lugares proibidos, isolados, fechados, sagrados, em cujo
interior se respeitam determinadas regras. Todos eles são mundos temporários
dentro do mundo habitual, dedicados à prática de uma atividade especial(...)".(Apud
Huizinga, 1996: 13)
4ª - O jogo implica num princípio onde reina o domínio de uma ordem
específica e absoluta. Aqui está sua característica mais positiva, segundo Huizinga
"(...) cria ordem e é ordem. Introduz na confusão da vida e na interpretação do
mundo uma perfeição temporária e limitada, exige uma ordem suprema e absoluta: a
menor desobediência a esta "estraga o jogo", privando-o de seu caráter próprio e de
todo e qualquer valor. É talvez devido a essa afinidade profunda entre a ordem e o
jogo que este, como assinalamos de passagem, parece estar em larga medida ligado
ao domínio da estética (...) As palavras que empregamos para designar seus
elementos pertencem quase todas à estética. São as mesmas palavras com as quais
procuramos descrever os efeitos da beleza: tensão, equilíbrio, compensação,
contraste, variação, solução, união e desunião. O jogo lança sobre nós um feitiço: é
"fascinante", "cativante". Está cheio das duas qualidades mais nobres que somos
capazes de ver nas coisas: o ritmo e a harmonia (...)"(Apud Huizinga, 1996: 13)
É evidente que sobretudo nesta quarta das características
fundamentais do jogo fica absolutamente implícito o quanto ele é importante na
formação de seres humanos resilientes, e, o elemento de tensão comum a qualquer
jogo, confere um valor ético na medida em que coloca as qualidades do jogador: sua
força, tenacidade, habilidade e coragem, igualmente suas capacidades e sua
lealdade à prova. Lembrando que o jogador deve sempre obedecer as "regras do
jogo". Estas regras são importantes porque são elas que determinam o que "vale"
dentro do mundo temporário.
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Nas regras do jogo nenhum ceticismo é possível, elas se assentam
sobre um princípio no qual é uma verdade inabalável. E não há dúvidas de que quem
desrespeita as regras dos jogos e das brincadeiras é um "desmancha prazeres".
Essa figura do "desmancha prazer" é bastante nítida nos jogos infantis.
//DIGITAR TEXTO
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CONCLUSÃO
Não há dúvidas de que as atividades lúdicas bem apropriadas e
desenvolvidas pelas crianças permitem a construção de um sentido que acompanhe
uma perspectiva de vida para o futuro.
Através dos jogos , brincadeiras, e das atividades lúdicas foi observado
um grande interesse das crianças durante as atividades do dia a dia delas na Escola
.
A política do brincar reside na crença de que o engajamento alegre e
inteligente (não o medo que paralisa ou a resistência teimosa) seja uma forma de
busca das respostas adequadas para uma sociedade mais sadia e com seres
humanos melhores preparados. O que é próprio da condição humana dificilmente
será alterado pela tecnologia.
É preciso buscar uma ordem que confunda a ordem estabelecida. Pode
ser nessa jornada que irá transcender a consciência da raça. É bom refletir que o
homem primitivo nunca viu sua arte ocupando espaço separado da sua vida. No
entanto, a fragmentação e a divisão por categorias continuam a passos acelerados, a
qual impõe a busca por um outro nicho especial. Baseado nisto, retorna-se ao lúdico,
o qual refere-se a arte não generalizada nem classificada, assim como o brinquedo,
o brincar, o jogar, o divertir-se e o saltar. Estes são os verdadeiros modelos de
criação.
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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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ANEXOS
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ÍNDICE
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FOLHA DE AVALIAÇÃO