GRADUAÇÃO2019.1

Direito, Cinemae justiça

autor: Gabriel lacerda

Sumário

INFORMAÇÕES .......................................................................................................... 3

CALENDÁRIO ............................................................................................................. 4

MATERIAL DE APOIO ................................................................................................. 5

1ª. AULA – FILME: NA CAPTURA DOS FRIEDMANS ................................................ 6

2ª. AULA – DEBATE SOBRE O FILME ‘NA CAPTURA DOS FRIEDMANS’ ................ 7

3ª. AULA – FILME: A SENTENÇA ............................................................................... 8

4ª. AULA – DEBATE SOBRE O FILME ‘A SENTENÇA’ ............................................. 11

5ª. AULA – FILME: RELATOS SELVAGENS .............................................................. 12

6ª. AULA – DEBATE SOBRE O FILME ‘RELATOS SELVAGENS’ ............................. 15

O 2º. Bimestre tem as mesmas informações que o primeiro; repetindo:

A presente ATC será ministrada às quartas-feiras das 14.00 às 15.40.

O objetivo da atividade é procurar desenvolver a sensibilidade crítica dos alunos a respeito da eficácia do ferramental do direito – essencialmente leis, doutrina e jurisprudência - na realização da justiça.

As aulas alternarão filmes e debates; em uma aula será exibido um filme, em versão compactada; na aula seguinte, esse mesmo filme será objeto de debate orientado. Segue abaixo o calendário.

A avaliação será feita por dois trabalhos escritos; o trabalho do 2º bimestre terá a mesma redação que o do primeiro. Haverá ainda uma nota por participação em aula.

Recomenda-se como material leitura, além da apostila, o livro, de autoria do professor O Direito realiza Justiça?

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2º. Bimestre

24 de abril - Filme - Na Captura dos Friedmans

8 de maio - Debate sobre o filme Na Captura dos Friedmans

15 de maio – Filme – A sentença

22 de maio – Debate sobre o filme A Sentença

29 de maio – Filme Relatos Selvagens

5 de junho – Debate sobre o filme Relatos Selvagens

12 de junho - Entrega dos trabalhos do 2º. bimestre

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TEXTO

Tântalo é uma personagem da mitologia grega. Segundo a lenda, foi um rei que, por ser filho do deus Júpiter, era às vezes admitido a cear com os deuses e a provar das iguarias que comiam, o néctar e a ambrosia.

Um dia, por vaidade, Tãntalo furtou um pouco do alimento dos deuses que trouxe para terra e deu a provar a outros humanos. Foi, por isso, severamente punido. Os deuses o condenaram a sofrer eternamente de fome e de sede; Tântalo foi amarrado a uma árvore carregada de frutos e banhada por um riacho de águas límpidas; mas, cada vez que ele tentava se abaixar para beber água, o riacho se afastava. E, se esticava a mão para colher um fruto, a árvore ficava mais alta.

Da lenda, vem a expressão suplício de Tântalo, usada quando alguém está sempre em busca de um objetivo que nunca consegue alcançar.

Talvez que o Direito, em sua eterna busca pela Justiça, esteja submetido a tortura similar, perseguindo sempre um objetivo inatingível.

É esse exatamente o tema da atividade, governada por uma pergunta, que intitula o livro recomendado: o Direito realiza a Justiça?

O material de apoio abaixo, em grande parte, foi retirado desse livro, de autoria do professor. São comentários sobre os filmes que serão exibidos. Recomenda-se a leitura dos textos, depois de assistir ao filme e antes de cada debate.

Ao final dos comentários foram também inseridas perguntas, com base

nas quais será conduzido o debate. É importante que os alunos procurem, antes do debate, formular suas próprias respostas a essas perguntas.

Título original: Capturing the Friedmans Diretor: Andrew Jarecki Ano de lançamento: 2003 Duração: 107 minutos O tema central de Na Captura dos Friedmans é exatamente o mesmo de vários outros filmes – a repercussão que tem na sociedade uma simples suspeita ou acusação, especialmente de crimes contra crianças e os prejuízos que causa à pessoa do suspeito ou acusado.

O filme é semelhante a um documentário, totalmente baseado em fatos reais. O enredo surgiu quase por acaso: o diretor, Andrew Jarecki, estava fazendo um filme sobre pessoas que trabalham animando festas infantis – um curta metragem que ele acabou completando – quando conheceu um famoso palhaço, David Friedman, conhecido pelo apelido que usava em seu trabalho - Silly Billy.

Ao entrevistar David, Jarecky descobriu que Arnold Friedman, pai do

palhaço, e Jesse Friedman, seu irmão, haviam se declarado culpados e tinham sido condenados por crimes sexuais contra menores. Arnold se suicidara na prisão, propiciando a Jesse receber um seguro de vida que fizera em seu benefício, e Jesse cumpria pena e tendo sido solto pouco depois. Daí surgiu o filme Na Captura dos Friedmans. Jarecki utiliza em grande parte vídeos domésticos, feitos pelos própros Friedmans, em épocas passadas e também enquanto esperavam o julgamento, e em entrevistas reais com Jesse Friedman, sua mãe e seu irmão, e outros personagens. O tema, como foi dito, é a reação contagiosa e irracional que uma acusação de crime sexual causa em uma comunidade, especialmente uma pequena comunidade fechada. A acusação, no caso era extremamente grave: Arnold e Jesse Friedman eram acusados de atrair vários meninos para o porão de sua casa para aulas de computador e praticar com eles, rotineiramente, diversos jogos sexuais, inclusive e especialmente, de sodomia. No caso, os acusados, pai e filho, declararam-se culpados da acusação. Isso, é claro, não significa que realmente o fossem. Jesse, em entrevista filmada, disse que confessou, em um acordo com a promotoria, para evitar que fosse pedida contra ele a prisão perpétua. Já Arnold, na versão de seus familiares, nunca admitiu ter praticado os atos de que fora acusado. Confessara na esperança de que sua confissão ajudasse a inocentar o filho Jesse e também porque carregava na consciência uma culpa, por ter, muito tempo antes, praticado sodomia com um menino e, quando tinha 13 anos de idade, também com seu irmão mais moço.

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3ª. AULA – FILME: A SENTENÇA

Título original: Citizen Veredict Diretor: Philippe Martinez Ano de lançamento: 2003 Duração: 94min O cinema é uma arte, muitas vezes com um proposito cultural; mas é, também, e talvez principalmente, uma indústria; como tal, precisa vender seu produto. Um filme perfeito é aquele que seja capaz de promover emoções estéticas, tratando inteligentemente de um tema relevante, sem esquecer de incluir atrativos para agradar ao grande público entre os quais manter sempre o suspense sobre o despecho da narrativa. . A Sentença procura equilibrar esses elementos. O tema central é extremamente relevante e atual: o efeito da mídia sobre decisões judiciais. Marty Rockman, um conhecido produtor de televisão e proprietário de uma emissora, leva essa ideia ao extremo criando um programa em que os espectadores substituem o júri e julgam diretamente um caso real, que, de resto, os próprios espectadores selecionaram. A ideia afinal pode ser considerada um alargamento do escopo dos chamados reality shows, que têm feito sucesso em diversos países, atraindo elevados índices de audiência e, além disso, gerando para as empresas lucrativas fontes de receita.

Nas linhas do conhecido programa Big Brother Brasil da TV Globo, todos podiam assistir ao programa, mas, para votar na escolha de qual dos três acusados selecionados pela produção seria julgado pelo júri popular era preciso pagar. O direito de participar do julgamento, de ser um dos que emitem, como diz o título do filme, o veredicto do cidadão, era também adquirido por um valor um pouco maior; e, finalmente, por US$ 19,99, era possível assistir, ao vivo, a execução da sentença de morte. O interesse é grande e o suspense é constante; o réu escolhido estuprou e esfaqueou uma artista de televisão muito conhecida; ele tem, contudo, uma defesa, se não totalmente convincente, bastante plausível: o assassino era um profissional do sexo e a vítima era sua cliente habitual. Ela costumava oferecer ao acusado recompensas substanciais em dinheiro para que ele satisfizesse seu gosto distorcido por sexo com violência. Foi ela quem expressamente teria pedido para fazer sexo com uma faca encostada em sua garganta; e foi essa faca que, em decorrência de um movimento acidental e involuntário, acabou por cortar-lhe uma artéria e causar sua morte.

A hipótese é referendada pelo testemunho de um outro profissional do sexo que trabalhava no mesmo bar em que o acusado e que confirma já ter recebido uma vez da vítima solicitação do mesmo gênero.

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Com grande habilidade profissional, Marty Rockman controi uma história de suspense, cujo desfecho provoca polêmicas. O réu, Ricky Carr, será condenado ou absolvido? Ocorreu um crime doloso ou, como ele alega, um simples acidente?

O roteiro suscita ainda uma curiosidade adicional ao imputar à vítima,

Dolly Hamilton um comportamento sexual aberrante. Dolly era a expressão do sucesso, semblante doce, bem americano, mãe de família, casada com um marido amoroso e conhecida por um programa popular de culinária. A simples cogitação de que ela contratasse os serviços de profissionais do sexo para satisfazer instintos pervertidos é, por si só, capaz de despertar grande e mórbido interesse. Enquanto não chega a data do julgamento vão se formando partidos, pela absolvição e pela condenação. O poder de julgar é entregue diretamente ao povo – proclamam as chamadas para o grande dia. O governador do estado, Bill Tyler, em campanha para a reeleição, manipula a mensagem para mostrar uma imagem de alguém preocupado em reprimir o aumento da violência, considerado um dos grandes temas por uma parcela substancial do eleitorado. Graças a seu apoio foi possivel passar uma lei que permitisse aquela forma anômala de julgamento. A situação pessoal do advogado de defesa, Sam Patterson, torna-se um outro tema paralelo de interesse. Sam inicialmente tem dúvidas sobre seria ético participar do programa. Ele está separado de sua mulher e anda atravessando uma fase difícil em sua vida pessoal, financeira e profissional. Mas a remuneração que Marty Rockman lhe oferece é tentadora; e mais: sua alma de advogado de defesa, vai aos poucos se entusiasmando por defender alguém usando uma argumentação possível e, acaba dando a entender que está verdadeiramente convencido da veracidade da versão de seu cliente, o humilde prostituto Ricky Carr. Depreende-se também que dilema ético semelhante é vivido pelos demais personagens do processo judicial. Promotora e juiz sabem que o papel que se dispõem a desempenhar pode, por muitos, ser considerado antiético ou, pelo menos, em contradição com a conduta que se espera funcionários públicos, pagos pelo estado. Afinal estão ganhando dinheiro particular para desempenhar, para um programa de televisão, papeis análogos aos que desempenham em suas carreiras públicas. Mas eles também são seduzidos pelo poder quase mágico da televisão, e parecem ir se convencendo de estar prestando um serviço relevante à causa da justiça, atuando no projeto arquitetado por Marty Rockman. A elaborada cena do julgamento traz ao espectador o ingrediente surpresa. Misteriosamente aparece um video, filmado por uma câmera de segurança onde ocorreu o crime, mostrando claramente que é falsa a versão da defesa. Dolly foi, na verdade, tocaiada por Ricky, agredida e violentamente imobilizada e ainda teve um colar arrancado à força de seu pescoço e roubado. Tudo isso aparece com nitidez indiscutível no video só na ocasião divulgado.

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O julgamento se completa. Ricky é condenado por imensa maioria dos milhões de tele-espectadores que pagaram pelo direito de participar do julgamento. Um número ainda maior concorda em pagar os US$ 19.99 para assistir ao vivo sua execução por injenção letal. Sequências paralelas revelam que tudo tinha sido inteiramente armado. Marty Rockman inventara a versão de defesa, convencera Ricky a adotá-la, conseguira a falsa testemunha, manobrou para que que o video mostrando o momento em que o crime tinha sido cometido ficasse desconhecido até a última hora; em suma, montara uma imensa farsa, um jogo de cartas marcadas. E ganhara com isso muitos milhões de dólares. Confrontado pela indignação de Sam Paterson, Marty, alega, com frieza quase cínica que não fez nada reprovável: Ricky estava perdido de qualquer jeito; com a repercussão de seu crime e com as provas existentes, não iria escapar de uma condenação. Graças à farsa montada, teve um momento de esperança, viveu a glória vã de ser conhecido, e ainda ajudou a semear uma ideia que fez que o grande público se interessasse pelo processo judicial e pelos mecanismos de repressão a condutas anti-sociais. Em seu delírio megalomaníaco Marty chega a se proclamar poderoso como o próprio Deus. Na frase, pode-se perceber uma insinuação clara do poder exagerado da mídia na formação da consciência social. Ao final, talvez para diminuir o impacto dos vários elementos de crítica social que o filme contém, Marty é desmascarado, pela atuação conjunta de Sam Paterson e da promotora. Marty, o produtor (o mal) vai preso; Sam, o advogado (o bem) torna-se popular e termina o filme com uma exortação ética à profissão em uma cerimônia de formatura de estudantes de direito. Não é, porém, esse final idealizado que fica de A Sentença. Mais relevantes parecem ser as muitas perguntas que o filme suscita em seu desenvolvimento. Seria a ideia de Marty uma boa ideia? Não seria perfeitamente democrático o conceito de deixar que o povo em geral e não apenas um grupo pequeno exercesse as funções do júri popular? Os profissionais de direito, Sam Paterson, o promotor e o juiz, agiram eticamente, participando ainda que inocentemente da farsa montada por Marty? E, finalmente, a exibição ao vivo de uma execução pode ser mais um elemento na eterna discussão sobre a pena de morte.

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Um tema comum conecta os diversos episódios que compõem o filme, tanto os quatro que constam da versão editada exibida em aula quanto os outros dois, omitidos: como o ser humano, submetido a situações de pressão, mesmo que quase cotidianas, é capaz de tomar atitudes irracionais, totalmente insensatas, prejuiciais inclusive, ao que o senso comum consideraria seus próprios interesses. As atuações compulsivas que o enredo imagina causam também infrações à ordem social, cuja preservação é um dos objetivos, senão o principal, do direito e dos mecanismos e instituições em que se organiza. Os episódios imaginados são talvez exagerados, mas, em sua essência, inegavalmente, plausíveis. E, em todos elos, aparece alguma deficiência ou fraqueza intrínseca das instituições jurídicas. Na cena do restaurante assistimos a um conflito entre um comportamento perfeitamente racional e impulsos propriamente qualificáveis de selvagens. A garçonete sente ressurgir um ódio antigo, mas consegue resistir a ele e recusa-se a praticar as violências que a cozinheira recalcada lhe recomenda. Não, não vai adicionar veneno de rato à comida do freguês detestável. Mais que isso, quando descobre que a cozinheira, à sua revelia, já o fêz, tenta de qualquer modo levar de volta à cozinha o prato com o alimento envenenado. O desfecho da cena, certamente inesperado, é o ataque físico do freguêz à garçonete levando, a cozinheira, em um arroubo de fúria, a esfaqueá-lo várias vezes. A cozinheira vai presa. A lei parece ter sido cumprida. Mas a ordem jurídica foi, assim mesmo fraturada; uma tentativa de homicídio foi relegada ao esquecimento. Os estertores do filho da vítima, que já sente os sintomas do envenenamento, são totalmente ignorados. A insinuação é que a ação criminosa será ignorada. Ainda desse episódio, o pormenor mais signficativo é a confissão que feita pela cozinheira assassina à sua colega de trabalho. Sim, ela já esteve presa, e estar presa, afinal não é tão ruim quanto se pensa; é até melhor que a vida que ela leva em liberdade. A sanção, prevista em lei como um mecanismo que funcionaria como um mecanismo de evitar potenciais evitar ações criminosas pelo receio da sanção, no caso, foi ineficaz, talvez até contraditória. Aa prisão, para a assassina não foi um castigo, mas quase mesmo uma recompensa. Haveria alguma outra forma, ao alcance do direito, que pudesse ser eficiente para deter a impedir a atuação de impulsos selvagens que existem nos seres humanos?

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3ª. AULA – FILME: A SENTENÇA

A segunda cena, na estrada, é uma ilustração viva do círculo vicioso que pode começar com uma atitude agressiva isolada e totalmente gratuita, que provoca em resposta uma reação igualmente agressiva. O gesto do motorista do carro velho de não dar passagem ao Audi que está atrás é apenas uma implicância; o gesto e as os desforos cm que o motorista do Audi ofende o do carro velho um degrau na escalada de agressões recíprocas. Onde estaria a fronteira entre a falta de civilidade e o ilícito legal? A falta de educação vai progredindo e, em um momento, chega a se tornar um crime. Duas pessoas acabam perdendo a vida no final de um processo que começa como uma simples implicância, quase uma brincadeira.

A incompletude ou fraqueza das instituições aparece com mais nitidez no final, quando a policia, chamada minutos antes, chega ao local da cena, a tempo de assistir a explosão dos carros acidentados. Não há mais nada a fazer. Os carros estão destruídos, os contendores mortos. Em um curto diálogo um policial diz ao outro que está trabalhando com a hipótese de crime passional. Haverá por certo um inquérito burocrático, serão cumpridas as formalidades. Nada mais. A violência, os impulsos selvagens já operaram e produziram danos. E poder público não tem ideia do que possa ter ocorrido. Nem lhe interessa nem conseguiria apurar. Só o resultado final é que conta. Se houve um crime - e houve certamente – o possivel criminoso já teria tido extinta sua punibilidade pela morte. O episódio do carro rebocado é um verdadeiro ensaio sobre a exasperação causada pela vida na grande cidade. O cidadão, irritado com ação das autoridades de trânsito, exasperado com a frieza dos funcionários a quem tenta, em vão, expor o que julga ser seu direito, age de forma primitiva. Usa seus conhecimentos de engenheiro especializado, para explodir o próprio carro e o depósito para onde ele foi rebocado. Ele também é preso; mas, na prisão, parece estar feliz. Reconcilia-se com a família, é tratado com afeto pelos outros internos e entre sorrisos celebra contente seu aniversário. Novamente identifica-se o tema da impotência do direito como sistema organizado. As medidas repressivas para coibir o estacionamento irregular acabam deflagrando um processo em que um ilicito mais grave é cometido. E a sanção legal aplicada ao desatinado engenheiro exasperado não funcionou como um mecanismo inibidor eficiente de condutas ilegítimas. O estudo dos impulsos selvagem, sua origem, suas causas, é matéria de outras ciências. Os mecanismos jurídicos dirigem-se a fatos, isolados em sua materialidade. Para estacionamento em lugar não permitido, o reboque; para a explosão propositadada do carro rebocado, uma curta prisão, que seria mais longa se, por obra do acaso, alguém tivesse em consequência sido ferido ou mesmo morto.

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Percebe-se ainda, no último episódio exibido, um elemento de crítica à sociedade capitalista. O rapaz de família rica, voltando com o carro de seu pai de uma noitada em um bar, atropela e mata uma moça grávida e o filho que espera. O pai milionário, depois de marchas e contramarchas, com a anuência de um policial e a colaboração de seu advogado, fecha um acordo com o seu caseiro, para que este assuma a culpa pelo acidente e se disponha a suportar as respectivas consequências legais. Um milhão de dólares é o preço de burlar a atuação da lei e fazer um inocente assumir o ilicito em substituição ao verdadeiro culpado. Mas os impulsos irracionais são mais fortes que a lei. E o caseiro, ao sair preso da casa do seu patrão, é atacado, possivelmente morto, pelo enfurecido marido da moça morta, em meio a uma multidão de populares que clama por justiça. O filho do milionário, o próprio milionário, o agente da lei, cometeram ilícitos e não sofrem qualquer punição. Supondo que o caseiro tenha morrido em razão do ataque que sofreu, o acordo criminoso permancerá ignorado. O marido da vítima do atropelamento, este sim, será processado e provavelmente castigado. E o modesto caseiro, quase compelido a aceitar o arranjo ilícito, este sim, paga por tudo. Relatos selvagens propõe, em suma, diversas questões, relacionadas ao direito: como as instituições podem, se é que podem, inibir danos sociais causados por ações instintivas de impulso? Este tipo de ação está se tornando mais frequente? Tem a ver com a vida nas grandes metrópoles? É afetado pelo sistema capitalista? Vale a pena analisar em pormenor os diversos atos infracionais que aparecem nos quatro episódios exibidos e perguntar-se se haveria alguma maneira de evitá-los. Seria que o direito, apoiado em premissas supostamente racionais, simplesmente não tem como responder à irracionalidade que impulsiona muitas ações humanas e causa incontáveis e frequentes quebras do ideal ede ordem e harmonia que deveria presidur as socieades ? A pergunta que fica, para um debate final, fichando o curso é se o Direito, entendido como o conjunto formado por leis, doutrina e jurisprudência, consegue realizar o ideal de justiça? Sim ou não? Por que? Como?

E, é claro, nas situações reais, como definir o que teria sido justo.

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gaBrIel laCerdaadvogado, formado pela Puc – rJ e mestrado pela universidade de Harvard (eua). É sócio aposentado do escritório trench rossi Watanabe, trabalhou em outros escritórios. trabalhou também como advogado interno em algumas empresas, inclusive caemi, brascan, Petrobrás. Foi professor da Puc-rJ, e responsável por cursos na coppe/uFrJ e na FGV onde participou da equipe do ceP. atualmente conduz a atividade complementar; direito no cinema na Graduação da Fundação Getúlio Vargas. escreveu, os livros direito no cinema, nazismo cinema e direito, em segredo de Justiça, eu tenho direito, oestado é Você, agir bem é bom, entre outros.

direito, cinema e JustiçaFINANÇAS PÚBLICAS

FGV DIREITO RIO 214

FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

FGV DIREITO RIO

Sérgio GuerraDIRETOR

Antônio Maristrello PortoVICE-DIRETOR

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUAÇÃO

André Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO