Direito do trabalho ii aula 1 (26.03.15)

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Professor: João Berthier Alunas: Karolline Oliveira e Fernanda Barbieri – Aluna revisora: Anna Teresa Transcrição de Direito do Trabalho II – 26 de março de 2015 (aula 1) Em Trabalho I nós vimos, de forma geral, os princípios, o conceito de empregador e empregado... Depois partimos para a matéria ambiental do trabalho, assim como a questão da duração do trabalho, férias inclusive. Pois bem, vamos avançar hoje para fechar Trabalho I e aí assim partir para Trabalho II. O nosso primeiro tema vai ser a remuneração de trabalho, tema este que deveríamos ter visto semestre passado. Eu sei que na linguagem do dia a dia, remuneração e salário são palavras sinônimas. É a ideia de uma contraprestação do trabalho que eu fiz. Acontece, que se formos especificar um pouco mais isso, vamos descobrir que esses dois conselhos não batem tranquilamente, considerando que ideia de remuneração pode ser mais ampla do que a ideia de salário. E aí, para começarmos a falar disso, antes de olhar a CLT, vou definir em abstrato, para mostrar que a definição em abstrato tem encaixe no que a nossa lei permite. O salário é a contraprestação paga pelo empregador ao empregado em função do trabalho feito, quem paga é o empregador e quem recebe é o empregado, é uma contraprestação decorrente do trabalho que o empregado fez. Cuidado, porque aqui vocês estão na formação jurídica de vocês. Toda vez que vocês forem tratar de um assunto, procurem a precisão, serem precisos, exatos. Parece ser muito bonito ser eloquente, mas é melhor ser exato. Eu que dou aula há muito tempo já vi que muitas vezes a pessoa escuta isso e na hora “h” não encaixa na prova, esquece dessa definição que é simples: o empregador paga o 1

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Universidade do Estado do Rio de JaneiroProfessor: João Berthier

Alunas: Karolline Oliveira e Fernanda Barbieri – Aluna revisora: Anna Teresa

Transcrição de Direito do Trabalho II – 26 de março de 2015 (aula 1)

Em Trabalho I nós vimos, de forma geral, os princípios, o conceito de empregador e empregado... Depois partimos para a matéria ambiental do trabalho, assim como a questão da duração do trabalho, férias inclusive.

Pois bem, vamos avançar hoje para fechar Trabalho I e aí assim partir para Trabalho II. O nosso primeiro tema vai ser a remuneração de trabalho, tema este que deveríamos ter visto semestre passado.

Eu sei que na linguagem do dia a dia, remuneração e salário são palavras sinônimas. É a ideia de uma contraprestação do trabalho que eu fiz. Acontece, que se formos especificar um pouco mais isso, vamos descobrir que esses dois conselhos não batem tranquilamente, considerando que ideia de remuneração pode ser mais ampla do que a ideia de salário. E aí, para começarmos a falar disso, antes de olhar a CLT, vou definir em abstrato, para mostrar que a definição em abstrato tem encaixe no que a nossa lei permite.

O salário é a contraprestação paga pelo empregador ao empregado em função do trabalho feito, quem paga é o empregador e quem recebe é o empregado, é uma contraprestação decorrente do trabalho que o empregado fez.

Cuidado, porque aqui vocês estão na formação jurídica de vocês. Toda vez que vocês forem tratar de um assunto, procurem a precisão, serem precisos, exatos. Parece ser muito bonito ser eloquente, mas é melhor ser exato. Eu que dou aula há muito tempo já vi que muitas vezes a pessoa escuta isso e na hora “h” não encaixa na prova, esquece dessa definição que é simples: o empregador paga o empregado como contraprestação pelo trabalho. Respostas que não tem sustentação: salário é o dinheiro que o empregador entrega para o empregado. (Professor conta uma história sobre um aluno da Puc).

Voltando ao assunto, levem em conta que não dá para falar que o salário é o dinheiro que o empregador entrega para o empregado. Querem ver só? Se é um empregado vai fazer um trabalho externo para empresa, utilizando um carro da empresa, e vai estacionar num estacionamento pago. Antes que ele saia, o empregador entrega uma quantia em dinheiro para pagar o estacionamento e melhor proteger o carro da empresa numa atividade externa. Um outro empregado vai viajar a serviço, e o empregador fornece dinheiro para custear a estadia lá. Certo empregado sai da loja para comprar alguma coisa, o empregador entrega o dinheiro para comprar para ele, o empregador.

Nesses casos o dinheiro foi um meio material para a execução do trabalho. A visão do cenário, o empregador entregou dinheiro, mas não como contraprestação. O dinheiro, às vezes, que o empregador entrega para o empregado é um mero meio para

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execução do trabalho. É um dinheiro de uma viagem que se faz a serviço, é o dinheiro que o empregador me dá para comprar algum material que ele precisa em sua loja.

Resumo da história, não se trata de dinheiro, até porque, nesse caso, o dinheiro lembra mais um uniforme, um capacete. Eu entrego para a execução do trabalho, e não pelo trabalho. Alguns bens o empregador entregará ao empregado, que viabiliza a execução. É para o trabalho e não pelo trabalho. Para ser salário, tem de ser pelo trabalho prestado e configurar uma contraprestação.

Aliás, é ruim falar em dinheiro pelo seguinte... A luva, o capacete, a bota para trabalhar não é salário. Agora, um alto empregado que ganha tantos mil reais, mas a casa em que ele mora, o empregador custeia para ele. Essa casa fornecida para o empregado e a sua família é salário. Fora o que eu ganho em dinheiro, a moradia onde estou, o empregador mantém para mim e a minha família. Por isso que eu falei de contraprestação. Não disse se é em dinheiro ou em bens. Isso é matéria para depois. No aspecto conceitual, eu apresento o que é. Salário, então, é a contraprestação paga pelo empregador ao empregado pelo trabalho prestado. Evitem falar que é o dinheiro. Vocês verão comigo que nem todo o dinheiro que o empregador entrega é salário, e tem partes salariais que são pagas em bens, mas é uma contraprestação do trabalho feito.

Marquem isso. Uma quantia em dinheiro que eu, como empregador, entrego ao empregado para que ele pague o estacionamento do carro que depois ele vai usar, não é salário; o uniforme para trabalhar não é salário; agora, se eu forneço uma casa para ele é um salário. Cuidado, porque o salário é uma contraprestação, em dinheiro ou às vezes em dinheiro e outros bens. O salário sempre tem uma parte em dinheiro, veremos mais tarde isso, mas pode ser que na composição dele haja dinheiro e bens, ou só dinheiro. Mas para ser salário é contraprestação paga pelo empregador ao empregado pelo trabalho feito.

Se esse é o conceito de salário, aonde vai encaixar a ideia de remuneração? A ideia de remuneração eu começo a construir a partir do seguinte: muitas vezes, pelo tipo de trabalho que eu desenvolvo, eu não recebo só do meu empregador. Pensem o seguinte, na seguinte ideia, se o empregado faz um trabalho, e em função da atividade dele ele só recebe do empregador, o salário será a remuneração dele. Aqui, os conceitos então coincidem. Se eu no trabalho que eu faço ganho só do empregador o meu salário é minha remuneração. Agora, um exemplo clássico que todo mundo conhece, o garçom de um restaurante. Além do salário que o empregador paga o que ele recebe? Gorjeta do cliente. Pessoal, cuidado, porque agora estamos começando a identificar parcelas que o empregado recebe pelo trabalho feito para o empregador, mas que não vieram do empregador. Isso não é próprio de todo e qualquer vinculo de emprego, alguns trabalhos não comportam isso, mas outros sim. Em termos de restaurantes, bares, casas noturnas, é frequente. A lógica é que, fora o salário que o empregador me deve, eu empregado, em função do trabalho feito para o empregador recebo deste terceiro.

Diante disso eu descubro que remuneração é um conceito mais amplo, porque remuneração é tudo que o empregado recebe em função do trabalho feito, vindo do empregador ou de um terceiro. A remuneração de um garçom de restaurante é seu salário mais gorjetas. Agora, cuidado, vocês estão começando agora no mundo do trabalho, esse é o primeiro exemplo, porque é a ideia clássica, mas não é o único. Temos

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caso, por exemplo, de jogadores de futebol, que além do salário pago pelo clube, pode haver o bicho. Bicho é uma parcela por vitória em um jogo. Às vezes a premiação de vitória que o atleta recebe vem de terceiros, de um patrocinador, em um interessado na vitória por alguma razão. E isso é parte da remuneração.

Outro exemplo disso vai ser o seguinte, vai que eu sou empregado de uma farmácia, qualquer uma dessas de esquina, e o empregador é a sociedade limitada que me paga o salário. Acontece que por uma questão consuetudinária, por um costume do mercado, as indústrias farmacêuticas tem o seguinte praxe: Se o empregado da farmácia X conseguir vender um produto da indústria Y, essa indústria pagará ao empregado um valor por isso. O empregador quem é? A farmácia. Você trabalha na farmácia, mas se você vender o produto da industria Y, você receberá dessa industria um valor chamado de guelta, que é um valor pago por um terceiro, a indústria farmacêutica. A indústria Y vai pagar ao empregado que não é dela, e sim da farmácia, porque ele conseguiu vender o produto daquela indústria. Ou seja, sou comerciário, quem paga meu salário é o meu empregador, a farmácia, mas quando eu vejo a minha remuneração total no final do mês vêm parcelas de terceiros, porque eu vendi produtos dessa indústria. É a ideia da indústria remunerando alguém que trabalha em uma empresa comercial. A guelta integra a remuneração, mas não vem do empregador, não é salário.

Vocês tem que ter cuidado com isso, vocês percebem que nessa hora vocês começam a entrar nas práticas do mercado de trabalho, que é um universo amplíssimo, com práticas muito próprias e práticas setoriais; é a premiação do atleta, é a guelta das farmácias, é a gorjeta dos garçons nos restaurantes e bares. É aquela ideia de que às vezes, faça o trabalho que eu faça, e o ambiente social que isso enseja, eu, ao trabalhar para o empregador, não recebo só dele.

Resumo da história, aí eu estou examinando da primeira ideia para tratar de um tema que é amplíssimo. A noção é essa: o salário é o que o empregador paga como contraprestação diretamente ao empregado pelo trabalho que ele fez. Isso é o salário, o empregador pagou ao empregado diretamente tendo em conta a prestação do trabalho. A remuneração é qualquer valor que o empregado aufere, venha do empregador ou de terceiros, pelo trabalho feito para o empregador. Então, se eu só ganho salário e nenhum terceiro nada me paga, meu salário é minha remuneração. Mas se eu, fora receber salário, ganho de terceiros algo por um trabalho feito ao empregador, a minha remuneração é o salário mais quantias que terceiros me pagam.

Dica pra vocês, nessa hora, vocês vão ver algo importante, porque isso tem uma consequência enorme em outros ramos do direito, como o direito tributário. Vocês verão que todo tributo tem uma base de cálculo, as leis tributárias podem indicar como base de cálculo o salário ou a remuneração, e dependendo da palavra que se use as consequências mudam.

Pergunta Inaudível

Guelta. Esse é um exemplo interessante para o que chamam de costume, é curioso porque a gente às vezes do direito vai estudando temas teóricos sem uma apreciação mais prática dele. Em introdução estudamos costumes, que é a prática continua, que por ter sido continua ganha uma lógica de obrigatoriedade. A guelta é um exemplo disso.

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Aqui você vê costume, isso em farmácia é visto hoje como algo básico, se eu trabalho em farmácia recebo esses valores.

Essa é a primeira noção para enfrentar essa historia. O que no fundo eu acabei de falar no abstrato, na conceituação, vai estar no art. 457 da CLT.

“Art. 457 – Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber”.

Se o art. 457 merece uma crítica, diante de tudo que eu já falei, é que a descrição está restritiva demais. Se alguém se apegar ao art. 457 vai entender que salário é o que o que o empregador paga como contraprestação ao empregado, e remuneração é salário mais gorjeta. Levem em conta que o art. 457 foi escrito em uma época em um Brasil mais simples, com o mercado de trabalho muito menos diversificado. Não se cogitava na época que o futebol ia virar profissional, e que haveria salário por isso; não se imaginava que a indústria farmacêutica pagaria guelta. Então, de fato esse é um conceito que demanda uma interpretação adaptada ao que aconteceu de novo no mundo. Se o 457 merece uma critica é o fato de a única parcela citada como oriundas de terceiros são as gorjetas. Você vai ter atividades que o empregado recebe outras parcelas de terceiros que não são gorjetas, é o caso da premiação dos atletas, as gueltas....

Resumo da história, o art. 457 está na linha do que eu acabei de explicar, mas o que eu acabei de explicar é mais condizente com o que o mundo é hoje e é como se interpreta o 457. A gente sabe que muitas vezes você vai interpretar transformando, e as coisas vão mudando. Agora, um conselho, não fale de interpretação evolutiva, como as pessoas falam geralmente. Eu sei que todo mundo fala isso, mas eu tenho uma baita implicância com essa expressão “evolução”. Eu implico com a ideia de evolução, já que em ciências sociais é difícil falar de evolução, esse é um termo de ciências naturais. O autor da obra “A luta pelo direito”, Rudolf von Ihering, falava que se você não lutar pelo direito, ele vai perecer. Se um povo não lutar, o seu direito vai perecer. O Ihering tinha a preocupação de que um direito pelo qual não se luta, morre. Hoje quando as pessoas leem Ihering pensam que é efetividade, que ele é preocupado com máxima efetividade. É um erro metodológico, onde eu leio o que se escreveu no século XIX com o olhar do século XXI. O Ihering tinha um líder teórico, Darwin. Darwin nasce dez anos de Ihering e morre dez anos antes de Ihering. O Ihering era darwinista, ele não estava preocupado com efetividade, ele estava trazendo a luta pela sobrevivência do direito, a luta pelo direito é a luta de uma espécie pela sua sobrevivência, não era uma preocupação com máxima efetividade. A preocupação dele era que se o direito não é defendido, perece, se uma espécie é fraca perece, se um povo fraco, perece. É essa a linha. E Jhering, por ser darwinista, acreditava que na sobrevivência do mais forte haveria uma evolução. Por isso que a outra obra dele é chamada “Evolução do Direito” e as pessoas até hoje falam em evolução do direito. O Ihering, por ter sido o colosso que foi, deixou esse legado. As pessoas até hoje falam em evolução do direito empresaria, civil, do trabalho. Pessoal, o direito não evolui, porque não dá para cogitar que o mais forte sempre sobrevive; e em segundo, o direito muda às vezes para pior. No Darwinismo, a mudança é para melhor. Não é verdade que o Direito sempre melhora. Da República de Weimar para o Hitler, piorou; da Constituição de 46 para de 67, no Brasil, piorou.

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Por isso eu acho que um autor que vale a pena vocês lerem um dia é (19:10), ele no séc. XX já dizia que o Direito não evolui, ele se transforma. Eu sou ligado a essa ideia, é preciso abandonar a palavra evolução no Direito e trocar por transformação. Até porque, admitindo que ele se transforma, eu preservo o meu senso crítico. Se evoluiu, eu estou pressupondo que melhorou. Se transformou, pode ser para melhor ou pior. E, em ciências sociais, esse critico é a base para você perceber se as coisas estão no caminho certo ou errado.

Cuidado, porque, eu acho que o 457 merece uma interpretação transformadora e não evolutiva.

Vamos parar de falar de introdução do direito e avançar.

Voltando ao assunto. O 457 começa dessa maneira, o salário é o que o empregador paga diretamente e remuneração é o que ele recebe de terceiros, e o 457 se limita à gorjeta e sabemos já que outras parcelas podem vir de terceiros e formarão a remuneração ao lado do salário.

Acontece o seguinte, o 457 merece outra análise que tem a ver com o que vai estar em seu §3º, que veio depois da CLT. Vamos ver o que fala:

“§ 3º - Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também aquela que for cobrada pela empresa ao cliente, como adicional nas contas, a qualquer título, e destinada à distribuição aos empregados.”

Esse parágrafo é incluído em 67. Por quê? Quando a gorjeta começa a virar prática no Brasil, tal como é mundo a fora, o cliente entregava espontaneamente direto para o empregado. Se não era o empregado que recebia diretamente, ele recebia em uma caixinha e os empregados depois compartilhavam. Só que em um dado momento, começou a acontecer o que hoje é muito comum: o empregador começou a cobrar na própria conta, é o 10%, somado a conta. Começou a ter a seguinte situação, eu, cliente, quando pago a conta já estou pagando um percentual que é chamado de gorjeta, só que agora o cliente não entrega espontaneamente diretamente ao empregado ou em uma caixinha dos empregados sem que o empregador interfira. Agora o empregador está arrecadando e depois repassando.

Qual foi a discussão que nasceu quando o 457 não tinha esse §3º? O que você me der de gorjeta, não é mais o cliente entregando ao empregado, o empregado embolsava individualmente ou colocava numa caixinha para os empregados depois compartilharem aquilo. O valor que o empregador arrecada e, no fim das contas, quem garante ao empregado isso? O empregador. Se o empregador se interpôs entre cliente e empregado, não teria essa gorjeta virado salário? Na verdade, quando o cliente paga ao empregador os 10%, esse empregador vai contabilizar isso na estrutura da empresa dele e repassar ao empregado depois. Será que como essa gorjeta é paga pelo empregador ao empregado, ainda que oriundo do cliente, não teria virado salário? Essa discussão nasceu, e o 457 §3º representa obviamente uma interpretação autêntica. A lei veio para interpretar, ainda que a gorjeta passe pelo empregador, se ela foi entregue pelo cliente como gorjeta, ela segue sendo gorjeta, não sendo salário.

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Isso é bom para o empregado, porque na hipótese de ser considerado esse valor parte do salário, o empregador poderia pagar abaixo de um salário mínimo e complementado pela gorjeta. Por que isso está errado? Porque gorjeta não é salário. O empregador tem que pagar salário mínimo sem contabilizar gorjeta. Eu, se tenho um empregado, pago, no mínimo, um salário mínimo. Se ele ganha gorjeta isso vem de um terceiro. Não dá para contabilizar o que o terceiro paga para conferir que o empregador está pagando salário mínimo. Aqui o §3º do 457 foi favorável ao empregado, porque onerou o empregador, dizendo que a gorjeta não contabilizará o salário.

E aqui pessoal, essa foi a razão pela qual os empregadores adotaram essa tática. Para que eles quiseram passar a receber a gorjeta para repassar depois? Para configurar como salário, absorvendo a gorjeta como tarefa do empregador, para que ele se exonerasse da obrigação de pagar salário, pagando um valor baixo e completando com gorjeta. A lei disse que não. Ainda que o empregador administre a arrecadação das gorjetas e o repasse aos empregados, esse valor segue sendo gorjeta. Ele deve o salário ainda assim?

Pergunta: E se, na prática, o estabelecimento não repasse esse valor?

Resposta: Isso é fraude. Duramente, porque se você cobrou do cliente como gorjeta essa é uma manifestação de vontade perante terceiro pró-empregado te vincula.

Continuação da Pergunta

Resposta: Não há problema nenhum. O único problema disso é o seguinte, o bom de você contabilizar a gorjeta é para a remuneração dele, é porque essa gorjeta dada espontaneamente você não contabiliza para fundo de garantia, por exemplo, mas isso é melhor do que o empregador embolsar. Nesse meio comercial a situação é de muita inefetividade, e até hoje a gorjeta é dada por muitas empresas como parte do salário mínimo, mas isso é claramente errado, é fraude. A lógica é que a gorjeta não é salário e ainda que o empregador administre a arrecadação, para o repasse do empregador para o empregado, segue sendo gorjeta. Se segue sendo gorjeta não é salário, e o empregador segue obrigado a pagar no mínimo o salário mínimo.

Pois bem pessoal, cuidado, então, porque aí começamos a entrar em um assunto e definimos como eu relaciono a palavra remuneração com a palavra salário. Vamos dar um passo à frente agora, e esse passo a frente vai tratar de uma das matérias que vimos semestre passado, resumindo o chamado dirigismo contratual – as normas impositivas quanto à férias, as normas impositivas quanto à duração do trabalho, quanto à matéria ambiental do trabalho. Ficou mais presente o dirigismo do que a autonomia da vontade. Mas se lembrarem da primeira aula de trabalho I, eu destaquei que há espaço para o dirigismo e há espaço para a autonomia das vontades.

No tema remuneração e salário vocês vão ver que a autonomia da vontade ganha espaço. Talvez aqui fique mais evidenciado que, o que existe entre o empregado e o empregador é o contrato, um contrato no qual, muito do que está ali, foi ajustado entre as partes. Sabendo agora o que é salário e o que é remuneração eu tenho que pensar como o salário tem seu padrão de aferição fixado, como eu sei que o empregado faz jus no fim do mês a X, 2X, 3X? Qual é o critério? Esse critério estará no contrato, no acordo de vontades, porque a lei nesse tema tem um papel impositivo menos intenso.

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Vocês verão que, ainda assim, há dirigismo contratual, mas em intensidade menor. Por quê? Esse mercado de trabalho que é vasto, diversificado, com empregador diferentes e empregados distintos, nem sempre o mesmo critério é usado para apurar salário.

Vocês vão ver o seguinte, para alguns trabalhos você vai fixar o salário quase ao fator tempo, X por hora, X por dia, X por semana, X por mês. É o salário-tempo, ou salário por unidade de tempo. Em outros casos você vai ver que o salário é fixado segundo a produtividade, ganhando X por peça que venha a confeccionar. E mais, vocês vão ver que é possível fixar salário até conjugando o tempo à disposição com a produtividade. Resumo da história, você verão de contrato de trabalho para contrato de trabalho, de empregador para empregador, de empregado para empregado, pode ser que eu mude critérios para aferição do salário que ele receberá. E variando o critério, aumentará ou diminuirá a avaliação salarial por mês.

Exemplo disso: um sujeito faz um trabalho intelectual para o empregador, melhor, imaginemos o caso de um professor de uma universidade particular. Se ele é professor em universidade particular, a tendência é que o salário seja X por mês. É um salário sempre o mesmo mês após mês. Esse é um salário que não varia. Agora, imaginem um vinculo de emprego na indústria, em que eu ganho X por peça, tanto quanto produzir eu aumento ou reduzo meu salário. O que vai acontecer mês após mês? Uma oscilação do meu salário. Alguém poderá pensar que isso pode ser uma ofensa ao principio da irredutibilidade salarial. O principio da irredutibilidade salarial não tem a ver com o quanto eu ganho, e sim com o critério para aferir isso. Se eu venho X por mês, não posso a passar a ganhar X-1 por mês. É uma alteração prejudicial para o empregado. Se eu ganho X por peça, eu posso passar a ganhar X/2 por peça. Mas, mantido o valor escrito por peça, se nesse mês eu produzir menos, receberei menos que o mês anterior. Idem para o empregado que ganha salário por comissão. No mês que eu vendo mais, ganho mais, que eu vendo menos, ganho menos.

Então cuidado, esse ponto é bastante importante, aqui a autonomia das vontades vai cumprir um papel importantíssimo. Qual será o critério para fixar o salário. Pode ser o fator tempo, pode ser o fator produtividade, pode ser a conjugação dos dois... Mas mais que isso, variando o critério, pode ser que varie a oscilação do trabalho que eu tenho no mês, e essa oscilação não ofende o principio da irredutibilidade do salário. Se eu ganho por produtividade, 2X por peça, se o empregador mantiver isso eu posso ganhar mês em um mês superveniente porque produzi menos, fiz 50 peças em um mês e 70 no outro, ganho mais quando faço 70. Agora, a irredutibilidade fica intacta porque a peça continua a valer X, o que eu não posso é reduzir para meio X, não posso mudar o critério de fixação salarial para o pior, apenas para melhor, por ser uma condição mais benéfica. Mas enfim, cuidado, levem em conta que aqui eu não vou trabalhar como eu trabalhei antes... Aqui eu vou dizer que se há um trabalho com vinculo empregatício tem onerosidade, se tem onerosidade tem salário, e o salário é dado pelo contrato estipulado, aqui é um espaço para a autonomia da vontade, o que as partes que combinam como critério para fixação do salário do empregado.

Por isso é muito comum se falar em três tipos de salário: Salário tempo, salário obra, salário tarefa.

Vamos começar pelo que há de mais simples: salário tempo. Salário tempo é o contrato de trabalho no qual o empregador e o empregado ajustaram o seguinte. Você

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trabalha para mim e o seu salário é dado por X por mês, X por dia, ou X por hora trabalhada. Não há uma unidade de tempo obrigatória, mas se eu vou usar um tempo eu tenho que dizer qual é. Dica para vocês, não estamos discutindo a periodicidade do pagamento, estou discutindo como eu calculo o salário. Vocês verão comigo lá na frente que o empregador deve pagar o salário no máximo por mês. Pode pagar por quinzena, por semana, até por dia. O empregador, quando paga salário, paga períodos no máximo mensais. Não dá para pagar bimestralmente, trimestralmente, por ano. O empregador pagará salário numa periodicidade máxima de um mês. A cada vez o empregado recebe. Posso combinar períodos menores, ganhar por semana, por dia... No meio rural, volta e meia isso acontece, o pagamento não é mensal, é em período menor. No meio urbano, vejo casos disso, o salário costuma é pago por mês. Porém, pode ser por interregnos menores de um mês, nunca maiores.

Mas enfim, essa é uma discussão que não estou travando ainda, estou discutindo como eu calculo o valor devido, e como eu calculo pode ser por dias à disposição, por horas ou por mês. Agora, cuidado com o seguinte, se ele ganha por mês e por horas à disposição por dia, pode ser que o salário oscile. Agora, se é um mensalista, o valor é fixo mês após mês. Resumo da história, pode ser que eu combine um salário e aí a pessoa ganha por tempo à disposição do empregador, X por horas, X por dia, X por semana ou, o mais comum, X por mês. Agora, pode ser que haja um trabalho intelectual. Se é um trabalho intelectual, a tendência é que o tempo seja um fator de produtividade complicada de aferir.

Agora, há o salário produção ou salário obra, eu ganho X por peça, ou seja, na indústria isso é muito frequente, até para incentivar o ritmo acentuado de trabalho. Aí pode ser que de mês para mês varie claramente o salário em função da minha maior atenção, ter errado menos, ter sido mais rápido... a minha perfeição ao trabalhar, a minha falta de falha e meu ritmo forte aumentarão o meu salário. Essa é a ideia do salário obra salário produção.

Agora uma dica para vocês, quando vocês escolherem o ramo no qual vocês se especializarão, deem uma passeada pelo direito estrangeiro. Tentem encontrar o que se fala no outro país... Claro, às vezes vocês vão encontrar algo aleatório... Mas procurem, no ramo que escolherem, espichar a cabeça e olhar um pouco além do Brasil. Nos livros de direito do trabalho do Brasil, quando as pessoas falam em salário produção ou salário obra encaixam nesse meio aqui as comissões. Quando o empregado ganha por comissão é salário obra ou salário comissão. Eu, em livros de outros países, como França e Itália, percebi que existe outra visão, que eu acho muito mais certa. Dizem que a comissão é outra figura, porque no salário produção ou no salário obra, eu, para produzir mais ou menos dependo de mim. Eu estou por minha conta. Se eu sou atento, não erro, não falho, não desperdiço, e sou acelerado, eu produzi mais, eu dependo basicamente de mim. O meu nível de celeridade para trabalhar é o meu nível de atenção. Na comissão, o pagamento é um fator aleatório. Eu posso ser um vendedor mais capaz do mundo, ter o melhor approach do mundo; o cliente entra, me consome duas horas e fala que vai embora. Ou seja, a comissão não tem a ver propriamente com produtividade, com o desempenho do empregado mais acelerado e mais atento. Eu posso ser empenhado ao extremo e ao fim do dia não vender nada, ficar sem comissão. O outro, estava olhando para o teto, chegou um cliente, olhou um produto e levou a loja inteira. Este vai ganhar mais, e simplesmente um esforço maior não gerou um salário maior. A comissão, eu vou encaixar depois. Eu acho que é um erro dizer que comissão é produtividade.

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Produção tem a ver com o meu nível de atenção e ritmo de trabalho. A comissão tem a ver com dado aleatório. Na comissão, o empregado, no fundo, assume certo risco, porque vai ter um aspecto que não controla para definir qual será o seu salário.

Enfim, eu vou ter o salário por tempo, o salário por produtividade e tem o que na doutrina se chama de salário tarefa. Vai ter o salário tempo, o salário produção ou salário obra e chega agora ao salário tarefa. Cuidado com a expressão “salário tarefa”, pois eu sei que “tarefa” lembra “obra” e “produção”, mas na linguagem jurídica essa é uma terceira figura; eu tenho o salário tempo, salário obra ou produção e salário tarefa. Cuidado, eu sei que tarefa pode confundir com obra e produção, mas aqui não; aqui tem um significado terceiro. Não é o tempo, não é a produção: é a tarefa.

O que seria o salário tarefa? É quando eu crio uma modalidade salarial combinando tempo e produção. Pessoal, tem várias combinações possíveis de tempo e de produção. Exemplos. 1ª combinação: Você ganha X por 8 horas. Se você alcançar uma produtividade mínima em tempo menor, você pode ir embora e receber por essas 8 horas. Então eu ganho X por 8 horas, mas se eu emplacar a produtividade mínima antes eu vou embora mais cedo. 2ª combinação: Ou eu ganho X por 8 horas, mas se eu ultrapassar determinada produtividade, eu ganho mais.

Ou seja, às vezes você fixa um certo tempo à disposição do empregador para pagar um valor. E usa a produtividade para criar uma alternativa. Pode ser se produzir uma produtividade mínima dentro das 8 horas pode ir embora e receberá 8 horas ou então você tem que ficar 8 horas, mas se chegar a uma produtividade maior, você ganha um valor a mais por essas 8 horas. É quando eu tento conjugar tempo com produtividade; beneficiar empregado com a produtividade que pode ir embora mais cedo recebendo as horas todas ou que vai ganhar mais cumprindo as horas todas.

Pessoal, raramente se escuta na prática sobre o salário tarefa. Por quê? Quando se olha as coisas de maneira mais pragmática, descobriremos o seguinte: o empregador quando gerencia muitos empregados ele não quer errar na fixação do que cada um tem a receber. Quando o fator é o tempo é só pegar a folha de pontos, usar um programa de informática e calcular o salário. Quando é a produção tem algum critério para monitorar a produção do empregado. Resumo da história: os outros critérios são mais fáceis de controlar. Para quem administra é preferível escolher o tempo do que a produtividade pois facilita o gerenciamento (só ver a folha de ponto e usar o programa de informática). Ou então a produtividade ele também controla o quanto produziu e o quanto vai ganhar. Agora quando começa a conjugar se eu produzi mais, eu vou aumentar o salário ou se produzi mais vou poder ir embora mais cedo.

Gente, só dá para ter o salário tarefa, em empresas com uma marca, que é a seguinte, um nível maior de confiança entre empregado e empregador. Toda vez que eu tenho um gerenciamento mais complicado, para funcionar só com mais confiança entre as partes. Eu confio mais no empregado para ele sair mais cedo porque já alcançou uma produtividade mínima do dia. Resumo da história: no nosso ambiente de trabalho, nas relações de trabalho que o Brasil em regra produz, a confiança entre as partes não é tanta assim. Nós não temos no nosso processo civilizatório um ambiente de tanta confiança assim. Então o empregador vai preferir ou o fator tempo ou o fator produtividade porque simplifica. Mas não descartem que o outro mecanismo é interessante. Em empresas com tecnologia de ponta, com empregados todos

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qualificados, ou...(44:12)... o que acontece: “olha, você, você e você vão fazer 8 horas, mas se cumprirem uma tarefa num prazo menor, podem ir embora”; em ambiente com um número menor de empregados e altamente qualificados, você pode cobrar essas formas mais estruturadas, mais pensadas para fixar salário porque as partes confiam mais: você vai embora mais cedo porque você fez sua produção mínima; você vai ganhar mais porque você fez a sua produção mínima. Eu me lembro uma vez que o empregado atestava isso. Cheguei na meta, ganhava mais. O empregador controlava por amostragem e pouco, porque o grau de confiança era acentuado. Empresa pequena, poucos empregados, alguns qualificados, funciona. Mas no dia a dia o comum ou eu uso o tempo ou eu uso a produtividade porque é mais simples e você quando não confia, simplifica. Se a relação não é tão estreita no plano da confiança, ficou tanto tempo é X, produziu tanto, é Y.

Dirigismo contratual e salário mínimo

Agora, por mais que haja todo esse campo para a autonomia das vontades, não dá para descartar o dirigismo. Eu estou mostrando para vocês que em função de como eu vou escolher o critério e fixar salário, ele pode variar mais ou menos. Vai que o sujeito ganha por produtividade e produziu tão pouco que se for calcular o salário dele vai dar 80% do salário mínimo. Ainda assim o empregador deve a ele o salário mínimo. Aí entra o chamado dirigismo contratual. Salário mínimo no art. 7º, IV, CF é um valor estabelecido por lei e nacionalmente unificado, pagar menos do que isso ao empregado não pode. O empregador até pode verificar se o empregado não foi desidioso para punir ou até dispensar dizendo que produz pouco e por isso está dispensado: a pouca produção pode ser falta grave ou incapacidade – não foi que o empregado não quis trabalhar; ele não consegue e não é bom naquilo e vai ser dispensado por justa causa – pode ser uma falta grave: ele é displicente. Ainda que eu vá dispensar com ou sem justa causa, ele receberá por ter trabalhado o salário mínimo. Percebemos que a autonomia das vontades encontra nesse aspecto um obstáculo que é o salário mínimo imposto por lei. Levem em conta o seguinte: estou mostrando que esses critérios para fixar salário vão poder fixar salários variáveis, mas por mais que varie nunca vai poder ficar abaixo do salário mínimo.

Outro ponto: por mais específico que seja o critério daquele contrato para aferir salário, não dá para pagar menos do que o salário mínimo, até porque se pudesse pagar menos, você estaria transferindo o risco para o empregado. Lembrem do art. 2º da CLT: o empregador assume o risco. Então o empregado é aquele que eu escolhi e se ele se sair mal naquela tarefa que desempenha, o risco é meu. Eu tenho que pagar o salário mínimo por mais que a produção dele represente 90% do salário mínimo. Ou ele é desidioso, dispensando por justa causa, mas o que ele trabalhou aqui fará jus ao salário mínimo por mais que a produção dele tenha sido metade do salário mínimo.

Pergunta inaudível

Resposta: Qual é o extremo da variação salarial? Será que é possível fixar salário só por comissões? No comércio acontece isso. Você vai trabalhar com pessoalidade, subordinação jurídica, eventualidade e onerosidade. Seu salário é 5% de vendas que você fizer; essa cláusula contratual é válida. Esse é o salário mais intensamente variável porque o empregado fica a depender a um aspecto aleatório. Se o cliente vai comprar;

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por mais dedicado, atencioso, por mais que o approach dele seja bom com o cliente, o cliente pode não comprar.

Resumo da história, o salário de mais intensa variação é a figura do salário inteiro em comissões. É perfeitamente válido, mas tem uma coisa, vai que eu vendi e levo a receber 75% do mínimo. Quanto o empregador pagará? O salário mínimo. Ou seja, é por isso que você pode ter até uma relação contratual de emprego, onde nem salário base há... Outro exemplo: vai que no comércio, eu combino que o você vai ganhar meio salário mínimo mais comissões. Pode? Sim. Agora, as comissões tem que levar a pessoa para um salário mínimo ou mais. E se ele tem um salário base de meio mínimo e com as comissões ele chega a 80% do mínimo? Eu pago a ele o salário mínimo. O salário mínimo é aquela vedação de transferência total do risco para o empregado. Então, se o salário dele é todo em comissões e ele vendeu muito pouco, vai ser pago o salário mínimo. Se ele tem um salário base de meio mínimo, vendeu muito pouco e não chegou a um mínimo inteiro, o empregador pagará 1 salário mínimo. É a ideia de que esse é o valor que o empregador deve porque o risco do negócio é do empregador.

Pergunta: E se eu tenho um salário por hora, trabalho 3, 4 horas por dia e no final do mês isso não dá o mínimo?

Resposta: Esse é um tema que é o fracionamento do salário mínimo. O Supremo tomou uma decisão recente que eu tenho que ler. Pelo que eu li, me assustou um pouco. Eu vi a decisão do supremo e eu quero ler para entender essa decisão, para eu explicar isso na próxima aula. Se ele falou algo pró-empregado com o qual eu não concordo. Eu só não desenvolvo esse tema por esse tema pressupõe um panorama teórico mais amplo para chegar no fracionamento mínimo que eu acho possível, mas o Supremo teria dito que não é possível. Tem que ler as causas. Porque me parece que o Supremo não é um tribunal que tem uma formação propriamente trabalhista e ali o direito do trabalho tem o TST e o Marco Aurélio veio numa posição trabalhista clássica. Eu acho que o Supremo Tribunal quem conhece de trabalho é a Rosa Weber, mas não tem isso como foco principal de estudo. Parece que nesse caso isso gerou um efeito que eu acho ruim. O Supremo disse que não pode fracionar o salário mínimo. Então, mesmo que eu trabalhe 2 horas por dia, e eu ganho por dia, eu vou ganhar um mínimo mensal. Então, não haveria um salário mínimo nem horário nem diário. Mas eu preciso avançar um pouco mais, para entrarmos numa questão mais ampla e que acabou de acontecer. Nesse debate do Supremo tem que ler o acórdão para entender o que aconteceu. Cuidado, gente, porque ler o informativo do Supremo ajuda, mas o informativo não é decisão. Quero ler a decisão para entender. Eu acho que o Supremo errou feio porque pra mim pode fracionar sim. No fundo, só para explicar, o salário mínimo que as pessoas falam é o salário mínimo mensal. Dividiu por 30: salário mínimo diário. Dividiu por 220: salário mínimo horário. Ou seja, tem um mínimo que todo mundo fala que é o mínimo mensal; dividiu por 30: mínimo dia; dividiu por 220: mínimo hora. “Ah, mas tem mês com 31 dias”. Pessoal, a gente simplifica e padroniza. Não importa se o mês é 31 ou 28: divide por 30 e por 220. Ponto. Isso aí vou avançar mais na frente.

Piso salarial

Outra coisa importante, pessoal: o padrão salarial é o salário mínimo, mas não descartem o art. 7, V, CF: piso salarial. Em Trabalho I, naquela aula em fontes do direito eu falei um pouco do piso de passagem; é hora de aprofundar. O que é o piso

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salarial? É o menor valor que eu posso pagar a um trabalhador em função de alguma norma mais favorável que o salário mínimo favorece. Pessoal, qual o lugar mais comum para encontrar piso salarial? Acordos coletivos e convenções coletivas. Vai que eu sou de um metalúrgico no Rio de Janeiro e tenho acordo coletivo com a minha empresa de trabalho e a convenção com o sindicato fixa um piso. Qual o menor valor que posso ganhar? O piso da minha categoria. Então cuidado com o seguinte: quando você pensa em critério de aferição salarial, qualquer critério contratual que eu use, não viabilizará o empregador pagar menos que o salário mínimo ou pagar menos que o piso se houver. A lógica do piso é a da norma mais favorável; se houver piso salarial a meu favor para mim vale algo melhor do que o salário mínimo. No Brasil de hoje o espaço mais comum para pisos salariais são os acordos coletivos e as convenções coletivas. Agora no Brasil quem vai fazer lei trabalhista? A União Federal. Nada impede que tenha piso por lei federal. O nosso Estado também recuou nisso para dar espaço para negociação coletiva, mas nada impede que o piso venha por lei federal. Se lembrarem em Trabalho I, lembrarão que o art. 22, I CF: lei trabalhista quem faz é a União, mas o art. 22, § único, CF permite que a União por lei complementar delegue essa competência para os Estados e DF. E aí vem uma lei complementar 103/2000. A lei complementar 103/2000 delegou aos estados competência para fazerem lei estadual sobre piso. Então, hoje, fora acordos coletivos e convenções coletivos, fora o piso poder vir veiculado por lei federal porque é competência é da União, não descartem piso por lei estadual porque hoje a lei complementar federal 103/2000, fundada pelo art. 22, parágrafo único da CF, viabiliza para estados legislarem sobre esse tema de direito do trabalho. Então, tudo que eu falei sobre o mínimo ser um padrão que você não pode descartar, qualquer critério que eu tenha usado para fixar salário quanto aquele empregado, você vai usar o mínimo ou se houver vai usar o quê? O piso. A lógica é essa. Qualquer critério vigente no contrato para fixar meu salário deverá respeitar que no fim da contabilização eu não vou poder ganhar menos do que o salário mínimo ou menos do que o piso da minha categoria que me beneficie. Piso pode estar em lei federal, acordo coletivo ou convenção coletiva ou lei estadual no Brasil de hoje.

Pergunta: se a lei complementar delegou aos estados, a União continua podendo também legislar?

Resposta: Claro. Olha só, na verdade quando a União delega, não abre mão ela de exercer a competência. Qual a lógica do art. 22? A lógica é a seguinte: se o tema está no 22, você tem uma só lei para um Brasil inteiro, mas é um país com dimensão continental e por isso mesmo o parágrafo único tem uma válvula de escape: a lei estadual pode fazer piso porque tem estados mais ricos que outros. Mas nada impede que a União federal diga que para uma determinada categoria que economicamente é tratada uniformemente no Brasil, fará piso por lei federal. Imagina uma categoria ou que a questão econômica dependendo do local não varie tanto assim, um piso só para todos, pode vir por lei federal. Mas cuidado. O Brasil de outras épocas tinha muitas leis federais que resolviam. Mas na era do FHC (e a decisão foi acertada na minha opinião) o governo federal decidiu que não mais se ia sair com política salarial fixada por lei. Deixa isso para o sindicatos, e mais a frente, para o estados. Tenta criar algo mais setorial ou regional, ou seja, quando os sindicatos negociam é algo setorial. A União Federal percebeu que esse assunto tratado macroscopicamente não funciona. Por isso eu não uso a lei federal, por mais que eu possa usar. O que o governo FHC fez eu achei certo: “olha, quanto um mínimo que se paga ao trabalhador para acima do mínimo (piso), fixa o piso, melhor será o efeito mais próximo de cada caso”. Pode ser por setor

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(convenção coletiva) ou por região (por estado): acho uma decisão certa. A ideia de que a lei federal vale para todo o Brasil pode criar uma regra boa num lugar e inviável no outro. Então a lei federal pode criar piso, mas acho improvável que isso aconteça. A lógica foi essa: primeiro setorizar (negociação coletiva), depois institucionalizar (leis estaduais), fazer algo mais perto de cada situação.

Piso salarial e salário profissional

Gente, tem uma distinção teórica que nem todos os livros fazem, mas eu vou fazer para evitar problemas. Até agora falei que tem salário mínimo (menor valor que eu posso pagar ao trabalhador enquanto empregado) e o piso (que é o menor valor que eu vou poder pagar ao trabalhador que é uma regra para ele melhor que o salário mínimo, uma regra mais favorável e pode vir por lei federal, estadual, acordo coletivo e convenção coletiva).

Vocês verão que ao lado da expressão “piso salarial” volta e meia se fala em “salário profissional”. Tem autores que fazem uma sinonímia, como se fossem a mesma coisa (pisou salarial OU salário profissional). Inclusive, quem vai nessa linha tem amparo pelo art. 7º, V da CF, pois fala de piso salarial (usa uma única expressão). Tem quem diga piso salarial ou salário profissional (mesma coisa). É aquela ideia que lei federal, lei estadual, acordo coletivo ou convenção coletiva, o trabalhador alcançado por essa norma tem norma mais favorável que o salário mínimo e que chamam de piso salarial ou salário profissional. Acontece que em Trabalho II, quando estudarmos direito coletivo do trabalho, vocês verão o seguinte: no Brasil para enquadrar o trabalhador em relações coletivas, eu tenho dois caminhos possíveis: a categoria e a profissão.

O que é a categoria? Categoria eu vou enquadrar o empregado em uma categoria em função da atividade preponderante de seu empregador. Se eu trabalho em banco, eu sou bancário. Se trabalho no comércio: comerciário. Cuidado com o seguinte: levem em conta que a categoria tem a ver com a atividade preponderante de quem me contratou, o empregador. Nem disse o que a pessoa faz, está dizendo a atividade principal do empregador. Tanto que em categoria você integra, você faz parte.

Agora, se eu disser que alguém trabalha tratando de pessoas que estão doentes para curá-las: é o médico. Nem disse para quem trabalha. Essa é a profissão: tem a ver com os atos que eu pratico ao trabalhar. Se alguém elabora petição, vai em audiência, recorre: advogado. Profissão você não integra, você exerce.

Aprofundaremos isso em direito coletivo do trabalho, mas o que eu destaco de antemão: um trabalhador pode ter um valor menor possível de receber como empregado em função da categoria que integra ou da profissão que exerce. E aí se esse menor valor que eu recebo tem a ver com a categoria que eu integro seria um piso, mas se esse menor valor tem a ver com a profissão que eu exerço será um salário profissional. Alguns autores, Maurício Godinho Delgado, por exemplo, faz a diferença. O que a lei federal pode criar, o que a lei estadual hoje pode criar, o que pode estar num acordo coletivo ou convenção coletiva pode ser um piso (salarial) para uma categoria (profissional) ou um salário para uma profissão. Ou seja, os instrumentos são os mesmos, mas o que se cria pode ser um piso para uma categoria ou um salário profissional para uma profissão. Se o sindicato de advogados consegue o menor valor para pagar para advogados é um salário profissional porque tem a ver com a profissão

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de advogado; agora se o sindicato dos bancos consegue um menor valor para bancários, esse é um piso salarial. Piso para categoria e salário profissional para profissões. Agora, mesmo quem doutrinariamente haja diferença, o art. 7º, V, CF, quando se fala em piso salarial como garantia constitucional é piso em sentido amplo : tanto eventuais pisos quanto eventuais salários profissionais. Mesmo quem acha que doutrinariamente cabe uma diferença (e eu acho que cabe), quando a Constituição fala em piso, interpretem de maneira como piso para uma categoria ou eventual salário profissional para uma profissão, ou seja, cuidado porque aí você acaba retornando a um espaço do dirigismo contratual. É como se eu dissesse que no contrato de trabalho verei qual o critério que se adotou para fixar como aquele empregado tem o seu salário calculado para ser pago aquele mês. Agora, por mais que tais critérios possam ser distingos, a variação de mês para mês, o empregado não ganhará menos do que um salário mínimo ou, se houver, o piso salarial ou o salário da sua profissão. A lógica aqui é do dirigismo contratual que bloqueia a transferência total do risco para o empregado; até porque o risco é do empregador ( art. 2º da CLT ).

Pessoal, dando um passo à frente. Vamos ver então como se fixa o salário que pode gerar uma maior ou menor variação de mês para mês. Essa variação, se você respeitar o padrão, não viola a irredutibilidade porque não levará a abaixo do o mínimo, ou o piso da categoria ou o salário profissional. Então dando um passo à frente: quando falamos em salário, falamos na verdade nem sempre de uma parcela única. Tem empregado que recebe parcela única. Por exemplo: eu sou professor da PUC. A PUC me paga por mês o valor de salário único (trabalho intelectual: salário tempo. Mês a mês o salário não vai variar).

Professor fala de sua vida pessoal

Parcelas de natureza salarial

Quando a gente fala em salário sempre pensa naquela parcela única, mas não é sempre assim. Às vezes em função do combinado contratualmente, eu tenho parcelas várias todas com natureza salarial. Posso ter um empregado com o salário base X por mês ao qual se soma produtividade, ou comissão, ou gratificação por tempo de serviço, ou adicional por ambiente insalubre. Pessoal, vocês começam a descobrir que existem parcelas salariais. Eu posso ser empregado com salário base (tanto por mês), ao qual se acresce um valor a mais devido à produtividade, gratificação por tempo de serviço, ao qual se acresce devido a trabalho em ambiente insalubre. O salário base, o valor a mais por produção, a gratificação pelo tempo de serviço e o adicional por trabalho insalubre foram pagos pelo empregador ao empregado como contraprestação pelo trabalho. São todas parcelas salariais. Vocês verão que nos livros têm a expressão “complexo salarial” e vem da ideia de que são várias parcelas, mas com esse denominador comum: quem pagou foi o empregador para o empregado como contraprestação do trabalho, é salário. Isso vale para o salário base que o empregado tem no seu contrato, para o valor a mais por produção, a gratificação pelo tempo de serviço e o adicional por trabalho insalubre. E as horas extras? Adicional por trabalho extraordinário. Tudo parcela de natureza salarial. Cuidado que quando se fala em salário, a referência não é apenas a uma parcela obrigatoriamente. Claro que tem empregados que trabalham por unidade de tempo que é o mês e o valor é fixo, o salário não vai variar, a mesma quantia mês após mês. Agora vou ter critérios outros de salário composto por variáveis parcelas. Essas

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parcelas são de natureza salarial. A expressão “complexo salarial” tem a ver com as parcelas que formam o salário.

Agora será que é todo complexo salarial que tem um salário base? Se o meu salário é todo em função de comissões que eu recebo, o meu salário é baseado em 5% de vendas que eu fizer: não tem salário base. Eu posso não ter salário base. Aliás eu posso ter salário base menor do que o mínimo ou do que o piso, mas ao final ganhei o mínimo se for o caso ou o piso. Aqui eu encontro um campo de alternativas e a opção quem faz? As partes que celebram o contrato. Posso ter um salário inteiramente por comissão (não há salário base); ou posso ter um salário base menor do que o mínimo ou piso desde que no final se chegue ao mínimo ou o piso; ou posso ter um salário base ao qual se acrescentam várias outras parcelas, tudo a depender do contrato de trabalho que estou analisando.

Próxima aula voltamos para conhecer mais de perto as outras parcelas salariais e discutir o fracionamento depois que eu ler a decisão para entender se o que está no informativo condiz com o que aconteceu mesmo.

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