Direito Global 1 2012-2

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Graduação 2012.2 DIREITO GLOBAL I AUTOR: EVANDRO MENEZES DE CARVALHO

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Graduação 2012.2

DIREITO GLOBAL IAUTOR: EVANDRO MENEZES DE CARVALHO

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SumárioDireito Global I

APRESENTAÇÃO .................................................................................................................................................. 31ª Aula: Apresentação da Disciplina ............................................................................................... 5

PARTE 1 — O MUNDO ........................................................................................................................................ 132ª Aula: Sistema Internacional e Ordem Internacional ................................................................. 133ª Aula: As Teorias das Relações Internacionais ............................................................................ 304ª Aula: Atores do Sistema Internacional e Sujeitos de Direito Internacional ................................ 31

PARTE 2 — OS SUJEITOS DE DIREITO QUE ATUAM NO MUNDO ...................................................................................... 405ª Aula: Estado ............................................................................................................................ 406ª Aula: Estado — Reconhecimento de Estado e Reconhecimento de Governo .......................... 527ª Aula: Estado — Sucessão de Estados ........................................................................................ 848ª Aula: Organizações Internacionais ......................................................................................... 1059ª Aula: Organização das Nações Unidas ................................................................................... 10610ª Aula : Organização das Nações Unidas — Estrutura Jurídico-Institucional .......................... 12012ª Aula: Organização dos Estados Americanos (OEA) .............................................................. 14313ª Aula: União das Nações Sul-Americanas (Unasul) ................................................................ 14914ª Aula: O Indivíduo ............................................................................................................... 15015ª Aula: Avaliação .................................................................................................................... 162

PARTE 3 — O DIREITO QUE REGULA O MUNDO ....................................................................................................... 16316ª Aula: Direito Global ............................................................................................................ 16317ª Aula: Fontes do Direito Internacional — Direito dos Tratados ............................................ 16818ª Aula: Fontes do Direito Internacional — Direito dos Tratados ............................................ 17419ª Aula: Fontes do Direito Internacional — Direito dos Tratados ............................................ 18620ª Aula: Fontes do Direito Internacional — Demais fontes do Direito Internacional ............... 19621ª Aula: Jurisdição Internacional .............................................................................................. 20522ª Aula: Solução Pacífi ca de Controvérsias ............................................................................... 23823ª Aula: Responsabilidade Internacional .................................................................................. 247

PARTE 4 — OS INDIVÍDUOS QUE ATUAM NO MUNDO ............................................................................................... 26124ª Aula: O Nacional ................................................................................................................. 26125ª Aula: O Estrangeiro ............................................................................................................. 26626ª Aula: O Refugiado ............................................................................................................... 29627ª Aula: O Diplomata .............................................................................................................. 30728ª Aula: O Cônsul ................................................................................................................... 32029ª Aula: Avaliação e 30ª Aula: Segunda Chamada e Vista de Prova ........................................... 329

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APRESENTAÇÃO

Caro(a) Aluno(a)

A disciplina Direito Global I tem como objetivo fornecer o instrumentual teórico básico para se iniciar nos estudos do direito internacional. Casos, decisões judiciais, vídeos e matérias jornalísticas serão utilizados como fontes de informação para o debate jurídico dos fatos internacionais.

As aulas serão desenvolvidas em torno de temas específi cos e, para um melhor aproveitamento, recomenda-se a leitura prévia dos textos que servirão de base para a discussão em sala.

Combinaremos métodos de aula expositivos e participativos a depender dos objetivos da aula. O seu aproveitamento do curso será avaliado por meio de duas provas dissertativas, cada uma valendo 10 pontos. Eventualmente poderemos aplicar uma avaliação da aula com perguntas objetivas. Cada questão desta avaliação valerá 0,25 ponto, que será acrescido às notas das provas dissertativas.

As provas dissertativas serão individuais. Não será permitido consulta a livros de doutrina, salvo autorização expressa. Os tratados internacionais são imprescindíveis fontes de consulta. Não será autorizado o uso de fotocópias de textos legais nos dias de prova.

A WikiDireito pode ser uma ferramenta muito útil de compartilhamento do conteúdo dos temas debatidos em aula. O aluno-relator poderá receber até 1,0 ponto na nota de uma das provas dissertativas, dependendo da quali-dade do conteúdo por ele disponibilizado na WikiDireito.

O plano do curso está detalhado na próxima página. Procuraremos segui-lo à risca. Contudo, poderemos fazer alguns ajustes ao longo do semestre a fi m de adequá-lo às exigências do momento. Há fatos de grande repercussão internacional que poderão ensejar estas alterações.

Espero que o curso seja bastante proveitoso e sejam bem-vindos!

Prof. Dr. Evandro Menezes de [email protected]

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PLANO DO CURSO

AULAS CONTEÚDO PROGRAMÁTICO DATA

1ª Apresentação da Disciplina

Parte 1 — O MUNDO

2ª Sistema Internacional e Ordem Internacional

3ª As teorias das relações internacionais

4ª Atores do sistema internacional e sujeitos do direito internacional

Par te 2 — OS SUJEITOS DE DIREITO QUE ATUAM NO MUNDO

5ª Estado e Política Externa

6ª Reconhecimento de Estado e de governo

7ª Sucessão de Estados

8ª Teoria das Organizações Internacionais

9ª Organização das Nações Unidas (ONU) e seu contexto histórico

10ª Organização das Nações Unidas (ONU): estrutura jurídico-institucional

11ª Reforma da ONU

12ª Organização dos Estados Americanos (OEA)

13ª União das Nações Sul-Americanas (UNASUL)

14ª Novos sujeitos de direito internacional

15ª AVALIAÇÃO

Parte 3 — O DIREITO QUE REGULA O MUN D O

16ª Desafi os para um Direito Global

17ª Direito dos Tratados

18ª Direito dos Tratados e sua incorporação ao direito interno brasileiro

19ª Modifi cação, suspensão e extinção de tratados

20ª Formação não convencional do direito internacional

21ª Jurisdição

22ª Solução pacífi ca de controvérsias

23ª Responsabilidade Internacional

Parte 4 — OS INDIVÍDUOS QUE ATUAM NO MUNDO

24ª O Nacional

25ª O estrangeiro e o imigrante

26ª O refugiado e o asilado

27ª O diplomata

28ª O cônsul

29ª AVALIAÇÃO

30ª Segunda Chamada e Vista de Prova

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1ª AULA: APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA

OBJETIVOS DA AULA:

Apresentação do curso: justifi cativa e objetivos. Debater a difícil relação entre, de um lado, a regulação do sistema internacional por meio do direito e, de outro, a manutenção da ordem internacional pelo equilíbrio da balança de poder entre os Estados.

TEXTO DE INTRODUÇÃO DA AULA

Desafi os para o direito internacional: Regular para unifi car ou ordenar o múltiplo?

O estudo do direito internacional, desde um ponto de vista formal, faz-nos compreender como nasce, aplica-se e extingue-se as normas internacionais. Mas pouco nos diz sobre o porque se cria, aplica-se e revoga-se tais normas. É preciso explorar tanto o “como” quanto o “porquê” se faz direito internacional para poder compreender o seu sentido em cada momento histórico.

Mesmo que se possa fazer uma análise sincrônica do direito internacional, o seu sentido mais apropriado será encontrado se analisado em perspectiva diacrô-nica, acompanhando a evolução da história do mundo. Criado para estabelecer fronteiras, relações comerciais e as condições para a paz entre Estados, o direito internacional expande cada vez mais os seus domínios para os mais diversos temas. São exemplos: meio ambiente, lavagem de dinheiro, tráfi co de pessoas, cooperação técnico-científi ca e jurisdicional, regulação da economia global. Além disso, vê-se desafi ado em sua capacidade reguladora com o surgimento de novos atores no espaço internacional. É preciso refl etir se os esquemas conceituais que fundaram o próprio direito internacional podem ser aplicados para pensar o mundo de hoje.

O trabalho dos juristas não se limita a entender e descrever a realida-de, mas transformá-la. O direito projeta-se para o futuro uma vez que suas normas produzem conseqüências reais sobre a vida das pessoas. Esta função prescritiva ameaça a cientifi cidade do direito. Mais do que explicar o que é o mundo, os juristas nutrem a pretensão de querer normatizá-lo, isto é, dizer como ele deve ser. Assim, o máximo de cientifi cidade que podem alcançar quando estudam as normas jurídicas é quando procuram dizer o que é o próprio direito em seu dever ser. Mas mesmo aqui não escapam a uma crítica sobre a natureza ontológica deste campo do saber humano. O direito é o que deve ser? Ou ele deve mesmo ser o que, de fato, é?

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1 WENDT, Alexander. Social Theory of

International Relations. Cambridge:

Cambridge University Press, 1999 apud

NOGUEIRA, João Pontes; MESSARI, Ni-

zar. Teoria das Relações Internacionais:

correntes e debates. Rio de Janeiro:

Elsevier, 2005, p. 179.

Estas indagações não nos competem neste curso, a despeito de abrir uma fenda importante no estudo do fenômeno jurídico. Queremos apenas afi r-mar que esta discussão dissocia, de um lado, a refl exão sobre o que “é” e “deve ser” o direito e, de outro, sobre o que “é” e “deve ser” o mundo que ele regula. Esta dissociação torna-se insustentável quando se trata de dizer o sentido do direito, isto é, de interpretar o conteúdo veiculado pela regra jurídica. É por este motivo que o direito deve ser estudado em seu contexto sócio-cultural particular. E é justamente aqui onde o problema da realidade que envolve o direito internacional ganha uma complexidade fascinante.

Muito se tem dito sobre a importância da interdisciplinaridade nas pesqui-sas jurídicas e sobre a relevância de aprender e apreender o direito no contato efetivo com a realidade. Entretanto, o diálogo do direito com outros ramos do saber, bem como com a sua relação com o fato social, é levado adiante sem que o próprio jurista refl ita sobre o modo como ele próprio percebe e se relaciona com o direito e com a sociedade. O processo de aprendizagem e aplicação do direito não deveria ser feito à revelia da nossa autoconsciência sobre o modo como pensamos, agimos e interpretamos as coisas. Não basta a pretensão de querer conhecer o direito e a sociedade que o cria e o aplica; é preciso também querer conhecer-se. Em outras palavras, ter consciência sobre como conhecemos o direito e a sociedade. Este auto-conhecimento oferece-nos uma série de pistas sobre a condição humana e o modo como constituímos a nossa realidade e, por conseqüência, o direito. Sabemos que vivemos em um mundo onde os Estados governam boa parte de nossos atos. Mas os Estados não agem por si só; não são entidades metafísicas que pairam sobre nossas cabeças. Eles são governados por indivíduos que os representam. E assim podemos dar razão à Wendt quando afi rma que podemos atribuir aos Estados qualidades antropomórfi cas reais. Para ele, “Ignorar esse fato central seria produzir uma teoria sobre outra coisa, e não sobre as relações interna-cionais.”1

Cada um de nós somos uma fonte inesgotável de experiência jurídica e de vida em sociedade. Esta experiência oferece-nos parâmetros de ação e, ao mesmo tempo, fazem-nos legitimar ou criticar o próprio direito e a forma de organização social por meio da qual procuramos realizar os nossos propósitos individuais e coletivos. Logo, o direito, a sociedade e a nosso modo de agir e conceber as coisas do mundo a partir da experiência individual são dimensões que exercem mútua infl uência. Tanto o direito como a sociedade somente se realizam por intermédio do indivíduo. Truísmo que o excessivo formalismo do direito faz necessário enunciá-lo quantas vezes for preciso.

O risco que corremos é o de sermos acusados de um antropomorfi smo deturpador da análise estritamente jurídica do nosso objeto, qual seja, o di-reito internacional. Este temor deve ser afastado. Não se trata aqui de atribuir qualidades humanas ao direito. Ele não deseja, teme e ama. Ele prescreve e, ao

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2 A denominação “direito internacional

privado” é consagrada pela doutrina,

apesar de ser inapropriada. Para Araujo,

este ramo do direito “não é internacio-

nal, nem privado, pois é ramo do direito

público interno. Suas regras determi-

nam quando o direito estrangeiro será

aplicável dentro do território nacional.”

(Nadia de Araujo. Direito Internacional

Privado: teoria e prática, Rio de Janeiro:

Forense, 2006, p. 31-32).

3 Esta hipótese é tributária das refl exões

de Robert Gilpin, War and Change in

World Politics. Princeton: Princeton Uni-

versity Press, 1981. (In Nogueira, p. 47).

prescrever, proíbe, permite ou faculta. Quem deseja, teme e ama são os autores e os destinatários das normas jurídicas. O direito, em si mesmo, não tem desejo. O direito é a expressão do desejo de quem elabora e de quem aplica as regras jurídicas. Ele veicula por meio de suas normas positivadas os quereres da sociedade, isto é, dos governantes, dos legisladores, dos contratantes, dos juízes, dos árbitros, dos promotores, dos advogados, dos funcionários da ad-ministração da justiça, das polícias etc. O mesmo podemos afi rmar do direito internacional. É o indivíduo quem cria suas regras. Mas o faz em nome do Estado. Este, por uma fi cção jurídica, adquire voz própria; voz que se articula e se faz ouvir por meio dos seus representantes.

É por isto que refl etir sobre a nossa condição no mundo é, de certo modo, uma refl exão sobre a vida do direito internacional. Uma vez que costumamos fazer esta refl exão tendo como referência o mundo que nós concebemos, qualquer discussão sobre o conceito de direito internacional não deveria pres-cindir de uma refl exão sobre o “mundo” onde suas normas jurídicas são cria-das e aplicadas. O modo como percebemos o direito está relacionado com o modo como concebemos o nosso mundo.

Devemos acrescentar, ainda, que, a despeito do valor didático, o modo como tradicionalmente se divide o curso de direito internacional não refl ete a complexidade do fato internacional. A clássica divisão entre “direito interna-cional público” e “direito internacional privado” persiste no ensino jurídico. Isto produz uma cisão na compreensão do fato social que prejudica a percep-ção do direito internacional como um fenômeno mais complexo.2

Do lado do direito internacional público, a centralidade estatal que do-mina o seu estudo ofusca os problemas decorrentes das relações com outros sujeitos de direitos e reforça a percepção do mundo como um sistema de Es-tados soberanos e iguais. Do lado do direito internacional privado, ao enfocar as regras jurídicas nacionais que disciplinam as relações privadas internacio-nais conectadas a mais de um ordenamento jurídico, exclui-se da sua análise as situações jurídicas que também se confi guram como casos de incidência das normas do direito internacional público.

Conquanto o Estado ainda seja o ator principal no espaço global, não per-deremos de vista o fato de que é o indíviduo quem está por detrás de todas as movimentações no âmbito das relações internacionais. A nossa hipótese de partida é que o aumento da relevância dos atores sem soberania no mundo contemporâneo está longe de signifi car uma mudança do sistema internacio-nal, mas produze uma mudança na natureza da interação predominante do sistema.3 Sabemos que é o indivíduo quem age em nome do Estado, mas tam-bém é ele quem sofre as conseqüências de ser imigrante ou refugiado, quem funda empresas multinacionais e fi rma contratos de exportação e importação de produtos e serviços como representante legal das grandes corporações,

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quem decide controvérsias internacionais na condição de juiz ou árbitro etc. É o indivíduo que, em sua expressão coletiva, estrutura uma sociedade global.

Dito isto, o plano deste nosso curso foi elaborado tendo em conta a nossa desconfi ança da excessiva cientifi cidade que alguns juristas pretendem dar ao estudo do direito internacional. Diferentemente da sociedade nacional, a excessiva descentralização e diversidade de leis, valores e poderes na sociedade internacional exige do jusinternacionalista uma abertura para compreender a dogmática do direito internacional neste contexto plural. Três perspectivas se abrem para explorar este campo do direito. São elas: a perspectiva do sistema global, a do Estado e a do indivíduo. A primeira procura explicar e compreen-der o papel do direito internacional no contexto das relações internacionais e transnacionais. A segunda, toma o Estado como objeto de conhecimento a partir do qual se poderá explicar e compreender o direito internacional. Por fi m, a terceira abordagem, pouco comum, estrutura o conhecimento do direito internacional a partir da ação do indivíduo, seja ele representante de governos ou da sociedade civil.

Eis porque o plano do curso inicia sua primeira parte tendo o “mundo” como seu tópico inaugural. É preciso saber que “mundo” é relevante para o direito internacional e para aqueles que negociam e aplicam o direito interna-cional. É um problema conceitual de difícil solução e que geralmente é esca-moteada do horizonte cognitivo do jurista por ser considerada uma questão extrajurídica. Não se trata aqui de apontar um conceito de mundo totalizante e aceitável sob todos os pontos de vista. Trata-se de destacar o mundo para o direito como o objeto que nos concerne. Este mundo é aquele nomeado pelas regras jurídicas. É composto de “Estados”, de “propriedade”, de “estrangeiro”, de “apátridas”, de “plenipotenciários”, de “governos”, “uniões aduaneiras” e “mercados comuns” etc. Este mundo pode abranger também as instituições que o movimentam, tais como os tribunais internacionais, as organizações internacionais e as cortes de arbitragem. O domínio destes dados da realidade que se estabeleceram em nossas vidas é pressuposto para qualquer interven-ção prática por meio das normas jurídicas.

Mas o mundo que concerne ao direito é apenas uma parte do próprio mundo. E, sendo apenas parte, sofre as infl uências vindas do mundo exter-no ao direito. Logo, se por um lado o direito modela uma visão de mundo, de outro é por este mundo modelado. Daí a importância de, numa intro-dução ao estudo do direito internacional, ter-se um conhecimento, ainda que preliminar, das teorias das relações internacionais e das infl uências que a economia, a política e a cultura exercem na construção do direito interna-cional. Compreender o mundo é um propósito cognitivo demasiado árduo para qualquer um de nós. Mas compreender o direito internacional tendo em conta a dinâmica e as diversas visões de mundo em jogo é uma condição essencial para a atuação jurídica no mundo contemporâneo.

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4 Os seguintes países compunham o CS

em março de 2003: Alemanha, Angola,

Bulgária, Camarões, Chile, Espanha,

Guiné, México, Paquistão, Syrian Arab

Republic, e os seus Membros Perma-

nentes, China, Estados Unidos, França,

Reino Unido e Rússia.

5 Folha de S. Paulo, 17/3/2003. p. A7.

6 Folha de S. Paulo, 17/3/2003. p. A7.

7 Esta Resolução foi adotada por qua-

torze votos a favor e uma abstenção

(do Iêmen).

8 Resolução n. 678, de 30 de novembro

de 1990.

PARA DEBATER EM SALA DE AULA:

Caso: EUA x Iraque

No dia 16 de março de 2003, o então Presidente dos Estados Uni-dos, George W. Bush, o Primeiro-Ministro da Inglaterra, Tony Blair, e o Primeiro-Ministro da Espanha, José Maria Aznar, reúnem-se no ar-quipélago dos Açores (Portugal) para uma cartada diplomática decisiva no jogo das relações internacionais. Em declaração conjunta pressio-nam o Conselho de Segurança (CS) da Organização das Nações Uni-das (ONU) para que emita, no dia seguinte, uma Resolução defi nitiva aprovando o uso da força militar contra o Iraque.4 Alegam que este país tem descumprido várias Resoluções do CS e não forneceu uma completa informação dos seus programas de desenvolvimento de armas de destruição em massa e mísseis balísticos, constituindo, assim, uma ameaça para a paz e segurança internacionais. “Nós concluímos que amanhã é o momento da verdade para o mundo”5, disse o Presidente George W. Bush. A ONU foi posta em xeque.

Apesar deste comunicado, para José Maria Aznar “uma nova Reso-lução seria politicamente desejável... mas, do ponto de vista legal, não é imprescindível”.6 O fato é que os três Chefes de Governo julgavam que a Resolução 1441, aprovada por unanimidade em novembro do ano anterior, daria base jurídica para o ataque. Esta Resolução determina, dentre outras medidas, que o Iraque deve proporcionar à UNMOVIC (United Nations Monitoring, Verifi cation and Inspection Commission) e à IAEA (International Atomic Energy Agency) o imediato e irrestrito acesso a toda e qualquer área, construções, equipamentos, etc. que estes órgãos desejem inspecionar. E fi naliza que “(...) the Council has repea-tedly warned Iraq that it will face serious consequences as a result of its continued violations of its obligations” (item 13 da Resolução 1441).

As relações do mundo com o Iraque haviam se alterado profunda-mente com a invasão deste país no território do Kuwait em 1990. Na ocasião, o Conselho de Segurança condenara a invasão com a Resolu-ção 660 de 2 de agosto de 1990.7 A persistência iraquiana em se manter no território ocupado — fundada na busca da unidade árabe e na re-defi nição de sua fronteira em sua conformação histórica — fi zera com que o CS adotasse uma nova Resolução, a de número 678.8 Com esta decisão, a comunidade internacional autorizara o uso da força para a retomada do território kuwaitiano caso o Iraque não o abandonasse até o dia 15 de janeiro de 1991. Dois dias após expirado o prazo inicia-se uma operação militar sob o aval da ONU. (http://www.youtube.com/

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9 O Estado de S. Paulo, 19 de março, pá-

gina principal.

10 O Estado de S. Paulo, 19 de março,

página principal.

11 O Estado de S. Paulo, 19 de março de

2003, p. A11.

12 O Estado de S. Paulo, 19 de março de

2003, p. A11.

13 O Estado de S. Paulo, 19 de março de

2003, p. A11.

14 O Estado de S. Paulo, 19 de março de

2003, p. A11.

watch?v=LPRy5sQxMRw&feature=related) Bagdá retira-se do territó-rio kuwaitiano e, desde então, tem seu arsenal bélico constantemente monitorado por inspetores da ONU.

Naquele ano, a unidade de ação dos Membros Permanentes do CS parecia inaugurar uma nova ordem política mundial de forma a superar a era da descrença na ONU que perdurara durante a Guerra Fria. En-tretanto, os desdobramentos políticos da declaração de Açores parecem pôr em dúvida esta perspectiva otimista.

Em entrevista às TVs CNN e CBS, antes da declaração conjunta de George W. Bush, Blair e Aznar, o Presidente francês Jacques Chirac afi rma aceitar estabelecer um prazo de 30 ou 60 dias para que os ins-petores da ONU concluam o desarmamento do Iraque, na condição de que esta proposta parta dos próprios inspetores. A esta proposição juntam-se a Alemanha e a Rússia. Desenha-se, assim, uma possível di-visão de posição política entre os Membros Permanentes do CS quanto à questão “Iraque”.

Em 17 de março de 2003, a reunião do CS é cancelada. O Secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, declara que os esforços diplomá-ticos estão chegando ao fi m. A expectativa sobre os passos da ONU aumenta em proporção equivalente à tensão no cenário internacional. Surpreendentemente, o Presidente dos EUA, em mensagem transmi-tida mundialmente, dá um ultimato a Saddam Hussein, que tem 48 horas para se exilar. Em comunicado ofi cial, a resposta de Bagdá é clara: “O Iraque não defi ne seu caminho sob ordens de um estrangeiro e não escolhe seus líderes de acordo com decretos de Washington, Londres e Tel-Aviv”.9 O prazo se expiraria às 22h15min do dia 19 de março de 2003, horário de Brasília (4h15min do dia seguinte em Bagdá). A Casa Branca defi ne o gesto de Saddam como “o seu erro fi nal”.10

A imprensa internacional manifesta-se: Th e New York Times critica George W. Bush por planejar uma guerra “sem a compulsão da neces-sidade, a anuência da ONU ou a companhia de seus aliados tradicio-nais”;11 Th e Washington Post, após qualifi car de “infundado” o argumen-to de que uma ação militar sem o aval da ONU é legitima, acusa França e Rússia de terem tornado “impossível a atuação efetiva do Conselho de Segurança da ONU”;12 o jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung questiona o futuro da ordem mundial, mostrando a ONU e a OTAN ameaçadas pelo ultimato dos EUA; o jornal argentino Clarín diz que o “Iraque é um pretexto para a ampliação do domínio americano em uma região estratégica” e qualifi ca a eventual guerra como “um ato de pirataria”.13 Para o jornal Francês Le Figaro “o direito internacional não tem agora qualquer valor relativo: ele não pode nada contra a força”.14

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15 O Estado de S. Paulo, 19 de março de

2003, p. A15.

16 O Estado de S. Paulo, 19 de março de

2003, p. A17.

17 O Estado de S. Paulo, 19 de março de

2003, p. A15.

18 Folha de S. Paulo, 20 de março de

2003, página principal.

19 Folha de S. Paulo, 20 de março de

2003, página principal.

A decisão norte-americana de atacar o Iraque é criticada pela França, China, Rússia e Alemanha, membros do Conselho de Segurança que insistem na continuidade das inspeções. Por telefone, o Presidente da China, Hu Jintao, expressa a George W. Bush sua posição contrária à guerra. Igor Ivanov, chanceler russo, adverte sobre as graves conse-qüências do uso da força à revelia do CS. O chanceler alemão, Gerhard Schroeder, indaga: “A ameaça representada pelo ditador iraquiano jus-tifi ca uma guerra, que certamente matará milhares de crianças, homens e mulheres inocentes? Minha resposta é ‘Não’”.15 Chirac, por sua vez, afi rma que “subtrair-se à legitimidade das Nações Unidas, privilegiar a força acima do direito, seria assumir uma difícil responsabilidade”.16 Para o presidente francês, a alternativa da força seria o último recurso, quando esgotadas todas as outras opções para a solução do confl ito. No Brasil, o Presidente Luís Inácio Lula da Silva afi rma que o pronuncia-mento feito por George W. Bush “... desrespeita a ONU, não leva em conta o Conselho de Segurança e o que pensa o restante do mundo”.17

Uma hora e 20 minutos depois de terminado o ultimato dado pelo presidente norte-americano, o ataque se inicia (aproximadamente às 23h35min, horário de Brasília; 5h35min do dia seguinte em Bagdá). O mundo assiste ao vivo as cenas do momento do ataque em uma co-bertura midiática sem precedentes na história da humanidade (http://www.youtube.com/watch?v=Kwh9FakwcxQ&feature=related). Nestes instantes, em pronunciamento de quatro minutos à nação (0h15min, Brasília), o presidente George W. Bush declara: “Nós vamos enfrentar essa ameaça agora, com nosso Exército, Força Aérea, Marinha, Guar-da Costeira e marines para não termos de enfrentá-la mais tarde, com bombeiros, policiais e médicos nas ruas de nossas cidades”,18 fazendo, assim, uma clara alusão ao atentado terrorista de 11 de setembro de 2001.

Mais uma vez a França, a Rússia e a Alemanha voltam a reprovar a decisão norte-americana e britânica de irem à guerra. O sistema mul-tilateral criado no marco da ONU para a preservação da paz e segu-rança internacionais parece ter sua credibilidade questionada. Para o Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, “esse é um dia triste para a ONU”.19

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ORIENTAÇÕES PARA A LEITURA E DEBATE DO CASO “EUA X IRAQUE” EM SALA DE AULA:

a) Qual o fato controverso?b) Quais os atores envolvidos?c) Quais as normas jurídicas que estão no centro da controvérsia?d) Quais são os argumentos apresentados pelos diversos atores?

HIPÓTESE PRELIMINAR PARA DISCUSSÃO:

“Os instrumentos de guerra têm, de fato, um papel a exercer na preser-vação da paz.” (Barack Obama, em discurso proferido ao receber o Prêmio Nobel da Paz, em 10/12/2009).

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PARTE 1 — O MUNDO

2ª AULA: SISTEMA INTERNACIONAL E ORDEM INTERNACIONAL

EMENTA:

Sistema internacional. Distinção entre ordem internacional e ordem glo-bal. Diplomacia e Direito: diferenças e semelhanças entre duas instituições que contribuem para a ordem internacional.

OBJETIVOS DA AULA:

Discutir a noção de sistema internacional. Contextualizar a noção de “or-dem” no sistema internacional, no sistema nacional e no chamado sistema global. Debater instituições relevantes para a manutenção da ordem no âm-bito do sistema internacional e no âmbito do sistema global.

LEITURA PARA A AULA:

1) BULL, Hedley. A sociedade anárquica. Trad. Sérgio Bath. Brasília: UnB, Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais; São Paulo: Imprensa Ofi -cial do Estado de São Paulo, 2002, pp. 147-176 (capítulo 6).

SUGESTÕES DE LEITURA COMPLEMENTAR:

1) ARON, Raymond. Paz e Guerra entre as Nações. Brasília: Editora Uni-versidade de Brasília, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais; São Paulo: Imprensa Ofi cial do Estado de São Paulo, 2002, p. 153 a 188. (Capí-tulo: “Os Sistemas Internacionais”).

2) TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. “O Direito Internacional em debate com Raymond Aron”. In: TRINDADE, A. A. Cançado. O Direi-to Internacional em um Mundo em Transformação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 235 a 270.

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20 HUNTINGTON, Samuel P. O Choque de

Civilizações e a recomposição da Ordem

Mundial. Rio de Janeiro: Objetivo, 1997,

pp. 17 a 43. Muito embora utilize o ter-

mo “Ocidente”, Huntington faz uma

ressalva a respeito do seu signifi cado:

“O termo ‘o Ocidente’ é agora usado

universalmente para se referir ao que se

costumava chamar de Cristandade Oci-

dental. O Ocidente é assim a única civi-

lização identifi cada por uma direção da

bússola e não pelo nome de um povo,

religião ou área geográfi ca em particu-

lar. Essa identifi cação retira a civilização

do seu contexto histórico, geográfi co e

cultural. Historicamente, a civilização

ocidental é a civilização européia. Na

era moderna, a civilização ocidental

é a civilização euro-americana ou do

Atlântico Norte. A Europa, a América

do Norte e o Atlântico Norte podem

ser localizados num mapa; o Ocidente

não. O termo ‘o Ocidente’ também deu

lugar ao conceito de ‘ocidentalização’ e

promoveu uma fusão de ocidentaliza-

ção e modernização: é mais fácil pensar

no Japão ‘ocidentalizando-se’ do que ‘se

euro-americanizando’”. (Ibid., p. 53).

Para Huntington, a América Latina, por

incorporar culturas indígenas que não

existiram na Europa e que foram eli-

minadas na América do Norte “poderia

ser considerada ou uma subcivilização

dentro da civilização ocidental ou uma

civilização separada, intimamente

afi liada ao Ocidente e dividida quanto

a se seu lugar é ou não no Ocidente”.

(Ibid., p. 52).

21 Quando se afi rma que o direito

fornece-nos informações sobre o mun-

do queremos dizer que, por meio das

normas jurídicas, pode-se deduzir as

características e o modo de pensar de

uma determinada coletividade.

TEXTO DE INTRODUÇÃO DA AULA

Após o 11 de setembro, o discurso do presidente George W. Bush no Con-gresso dos Estados Unidos evoca uma divisão entre dois mundos que, desde então, estariam em guerra: o “mundo civilizado” que, segundo ele “está se alinhando com a América”; e a “visão de mundo da Al Qaeda” cujo objetivo é “refazer o mundo — e impor suas crenças radicais a pessoas do mundo todo”. Esta distinção feita entre civilização e barbárie é redutora da complexidade do mundo contemporâneo. Afi nal, no âmbito do próprio “mundo civilizado” há civilizações distintas que competem entre si.

Barack Obama reinstala esta dicotomia não mais em termos de “civilização versus barbárie”; mas em termos de civilizações distintas. Ele diz buscar um novo caminho, baseado no respeito mútuo, entre o “mundo muçulmano” e o “Ocidente”. Reafi rma, assim, uma divisão do mundo que reforça a tese de Huntington: neste mundo pós-Guerra Fria, onde a infl uência relativa do Ocidente está em declínio, os confl itos internacionais passam a ser defi nidos não em termos econômicos ou políticos, mas sim culturais.20

Independentemente de validarmos ou não a tese de Huntington, o fato é que os discursos presidenciais referem-se a “mundos” que seriam supostamen-te distintos, com ou sem possibilidade de uma intermediação possível entre eles a depender da visão de mundo sobre a qual se apóiam um ou outro dos discursos presidenciais. O desafi o posto para o direito internacional é o de re-gular estes “mundos” com o intuito de estabelecer relações mais previsíveis e estáveis entre os povos. Esta indagação, de inspiração fi losófi ca, é inocente na aparência. O direito, sendo produto de uma realidade sociocultural, também se insere neste embate intercultural. Na história do Ocidente, o direito canô-nico foi superado pelo direito do Estado. Este, por sua vez, encontrou no po-sitivismo uma forma de expressão que se opôs ao chamado direito natural de inspiração religiosa. Mas além dos Estados laicos, há também os teocráticos. Esta diversidade de direitos refl ete a diversidade de “mundos”. A conciliação não é algo fácil. Mas o conhecimento destes direitos é possível. Assim, par-timos do pressuposto de que se podemos conhecer um direito por meio da sociedade na qual ele se insere; podemos admitir conhecer esta sociedade por meio do direito que ela cria. A conexão entre ambos os termos – “mundo” e “direito” – é inegável. Indagar sobre um, conduz-nos ao outro, e vice-versa.

Para compreender quais os efeitos que o mundo e o direito exercem en-tre si, é preciso, antes, saber qual “mundo” e qual “direito” se está tratando. Como o direito é um fato no mundo, parece-nos pertinente começar a inda-gar primeiro sobre o sentido desta última expressão para, em seguida, avaliar como as várias concepções de mundo podem repercutir sobre o próprio con-ceito de direito, sua elaboração e a sua aplicação.21

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22 “L’ensemble de tout ce qui existe”.

Le Petit Robert – Dicctionnaire de la

langue française. VUEF 2001-2003 Win-

dows. CD-ROM.

23 “Everything that exists”. Random Hou-

se Webster’s – Unabridged Dictionary.

2003. CD-ROM.

24 Novo Aurélio – O Dicionário da Língua

Portuguesa. São Paulo: Nova Fronteira.

Versão 3.0. CD-ROM.

25 “any sphere, realm, or domain, with

all pertaining to it”. Random House

Webster’s – Unabridged Dictionary.

2003. CD-ROM.

26 A expressão “Terceiro Mundo” foi usa-

da pela primeira vez pelo economista

francês Alfred Sauvy, em 1952, para

comparar os países pobres do mundo

ao Terceiro Estado da França, na época

da Revolução Francesa.

27 Michael Denning. A cultura na era dos

três mundos. Trad. Cid Knipel. São Pau-

lo: Francis, 2005, p. 10.

28 Le concept de monde. Paris: P.U.F.,

2000, p. 21.

1. AS CONCEPÇÕES DE MUNDO E SUAS CONSEQÜÊNCIAS PRÁTICAS

A palavra “mundo”, dentre outros sentidos, é defi nida no Le Petit Robert como “o conjunto de tudo o que existe”22. Coincide com a defi nição dada pelo Webster (“tudo o que existe”)23 e pelo dicionário brasileiro Aurélio (“tudo o que existe na Terra”)24. O termo reenvia a algo que transmite um sentido conotativo de totalidade. O Webster exprime também a idéia de “qualquer esfera, campo, ou domínio, com tudo o que lhe pertence”.25 É em razão deste sentido que costumamos empregar a palavra em questão em expressões do tipo “mundo animal”, “mundo infantil”, “mundo dos esportes”, “mundo do crime” ou “mundo do direito” para designar a totalidade dos elementos que pertencem a um mesmo domínio, isto é, que integram o conjunto das coisas relacionadas aos animais, à infância, aos esportes, à criminalidade ou ao di-reito, respectivamente.

O signifi cado de “mundo” é inesgotável em sua multiplicidade de senti-dos. A história do mundo é divida em “mundo antigo” e “mundo moderno”. No fi nal do século XV, a América recém-descoberta e colonizada pelos euro-peus passou a ser chamada de “Novo Mundo” por oposição ao “Velho Mun-do”, já conhecido por eles, e que compreendia a Europa, a África e a Ásia. A segunda metade do século XX fi cou conhecida como a era dos três mundos. Havia o Primeiro Mundo, que designava os países desenvolvidos capitalistas, o Segundo Mundo, que se referia aos países socialistas de economia planifi -cada, e o Terceiro Mundo, que compreendia os países subdesenvolvidos ou que estavam em processo de descolonização e que constituíam a periferia do sistema capitalista internacional26 — “como se cada um fosse um planeta dis-tinto envolvido em uma órbita elaborada e perigosa em volta dos demais”.27

O que nos faz pensar que nos referimos ao mesmo mundo quando ne-gociamos uma norma de direito internacional? Podemos dizer que o direito internacional tem por base uma visão de mundo comum a todos os povos? Como cada um, limitado às circunstâncias particulares do seu mundo, pode ter um ponto de vista sobre o mundo, suscetível de ser intercambiado, dis-cutido e regulado? Todos os indivíduos não vêem e não vivem o mundo da mesma maneira e no mesmo momento. Há as experiências individuais, as marcas culturais, as diferentes épocas.

Mas a despeito das divergências subjetivas de compreensão e apreensão da realidade supomos uma convergência objetiva. Afi nal, como observa Clavier, “malgrado o desacordo sempre possível com meu interlocutor, é do mesmo mundo que nós falamos, e é a partir do mesmo mundo que nós nos falamos, mesmo se nós não dizemos obrigatoriamente a mesma coisa”.28 Falamos do mesmo mundo não dizendo a mesma coisa. Esta afi rmação acentua o dado objetivo referido pelos interlocutores. O mundo é o mesmo. Mas quando volta-mos o nosso olhar sobre o que foi dito sobre o referente, destacamos a dimensão

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29 Tratado de direito privado, t. I, p. 3.

30 Como entende Christian Berner, « au

sens le plus immédiat, une ‘image’ du

monde nous le représente tel que nous

le percevons. Elle en est la représen-

tation. Et tout vivant a une image du

perçu qui l’entoure, variable suivant le

mode de perception et les éléments du

monde qui son perçus, étant entendu

qu’il ne faut pas ici se limiter aux per-

ceptions visuelles. L’image du monde

est alors une association d’images.  »

Ainda o autor, «  les visions du monde

sont donc, comme la vie de la langue

elle-même, soumises à de perpétuel-

les révisions, chaque vision du monde

étant confrontée à celle qui la précè-

de.  » (Qu´est-ce qu´une conception du

monde? Chemins Philosophiques. Coll.

Dirigée par Roger Pouivet. Paris: J. Vrin,

2006, p. 41 e 40, respectivamente.)

subjetiva na compreensão/construção da realidade. É do mesmo mundo que falamos quando o dizemos diferente? As línguas desafi am a quem responde afi r-mativamente esta questão. Afi nal, podemos assegurar que “lawyer”, “avocat” e “advogado” referem-se a um mesmo estado de coisas no mundo?

Para Pontes de Miranda, “o mundo mesmo, em que vemos acontecerem os fatos, é a soma de todos os fatos que ocorreram e o campo em que os fatos futuros se vão dar”.29 Deste ponto de vista, o mundo seria o conjunto dos fatos passados e também o “campo” dentro do qual eles se sucedem. Esta noção de “campo” pode nos levar a interpretar o mundo como sendo o espaço de ocorrência do fato, o quadro geral onde tudo se passa e acontece. Logo, o mundo não se restringe ao fato, pois inclui todas as coisas e elementos que o circundam, mesmo que estas coisas não tenham qualquer participação no (e sobre o) fato.

Por outro lado, a palavra “campo”, no contexto da frase de Pontes de Miranda, pode signifi car também o campo de visão, pois o mundo, diz ele, é aquele “em que vemos acontecerem os fatos” (grifo nosso). Logo, deste ponto de vista, o espaço não é aquele que abrange tudo o que está presente quando ocorre um fato, mas tão-somente a porção do mundo alcançada ou percebi-da pelo nosso campo de visão. E, desde já, fi ca claro que um mesmo espaço pode ser visto de vários ângulos ou ser fragmentado pela seleção, voluntária ou não, de suas partes. Este olhar fragmentado ou diferencial sobre o espaço fraciona as visões de mundo.

A “imagem” que temos do mundo pode defi nir o nosso modo de concebê-lo. Ela designa uma (pré-)compreensão do mundo. Ela nos é dada seja por herança cultural, seja por meio da intuição sensível, isto é, da apreensão feno-menal. Uma imagem do mundo é condição para situarmo-nos e orientarmo-no nele. Sem ela, não há parâmetros para o diálogo e para a ação. É, portan-to, e paradoxalmente, um ponto de partida para a própria reorganização ou criação de novas imagens. E ao interpretarmos estas “imagens” ultrapassamos a simples “visão” para construir uma “concepção” de mundo.30

Eis por que o mundo não pode ser defi nido apenas pelo que vemos. A visão opera um recorte sobre o ambiente circundante de quem vê, fazendo-nos selecionar uma determinada imagem em detrimento de outras. Ao olhar, focalizamos algo, um cenário, uma pessoa, um objeto. Há uma escolha con-tínua feita por nós quanto ao que será excluído do nosso campo de visão. A cada olhar, decidimos o que faz ou o que não faz parte do nosso mundo. E, ao fazer isto, operamos um enquadramento da realidade. Entretanto, esta realidade — isto é, o seu enquadramento — não pode ser defi nida apenas pelo que mostra, mas também pelo que não revela. Logo, o que não vemos também faz parte do mundo e é uma parcela importante para entender e compreender a parte que vemos.

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31 Pálido ponto azul: o futuro do homem

no espaço. Trad. Rosaura Eichemberg.

São Paulo: Companhia das Letras,

1996, p. 31.

O mundo escapa ao nosso olhar. Nós não conseguimos tê-lo ante nossos olhos, pois, ao mirar um determinado plano ocultamos outro do nosso campo de visão. Mesmo o astronauta não saberá dizer se o seu campo de visão é privilegia-do para ver o mundo em sua totalidade. Ele sabe que o mundo tem muito mais elementos que a sua perspectiva espacial pode lhe dar. E cada vez que se aproxima da Terra, novas imagens lhe aparecerão, trazendo mais detalhes do planeta; até pousar em solo terrestre e ver o mundo, naquele instante, limitado ao seu campo de pouso. O cientista Carl Sagan, em seu livro Pálido ponto azul, transmite de uma maneira cativante o signifi cado da Terra — este “pontinho solitário na gran-de escuridão cósmica circundante” —, se vista por nós desta perspectiva espacial:

“É a nossa casa. Somos nós. Nesse ponto, todos aqueles que amamos, que conhecemos, de quem já ouvimos falar, todos os seres humanos que já existiram, vivem ou viveram as suas vidas. Toda a nossa mistura de alegria e sofrimento, todas as inúmeras religiões, ideologias e doutrinas econômicas, todos os caçado-res e saqueadores, heróis e covardes, criadores e destruidores de civilizações, reis e camponeses, jovens casais apaixonados, pais e mães, todas as crianças, todos os inventores e exploradores, professores de moral, políticos corruptos, ‘superas-tros’, ‘líderes supremos’, todos os santos e pecadores da história de nossa espécie, ali — num grão de poeira suspenso num raio de sol”.31

Para o astronauta este “grão de poeira” não é somente um planeta, é também o lugar onde ele, sua família e seus amigos moram e do qual dependem para manterem-se vivos. Seus olhos captam não só a imagem da Terra, mas tudo o que ela traz de recordação e sentimento. O que ele vê é uma imagem do mundo que passa pelo fi ltro da sua memória e da sua imaginação. Assim, a imagem do mundo não coincide totalmente com aquela oferecida pela visão, mas com aque-la que decorre da percepção que temos do mundo. Mesmo quem não é capaz de enxergar o mundo é capaz de descrevê-lo e imaginá-lo. Porque o mundo não é só que o vemos, mas o que ouvimos, pensamos e sentimos. O mundo não está acessível para quem não o vê, mas para quem ignora a sua realidade.

Elaboramos uma representação do mundo a partir das nossas experiências. A imagem do mundo é aquela que herdamos e ao reelaborá-la de acordo com as exigências do instinto de sobrevivência e dos nossos desejos projetados para o futuro, constituímos uma concepção de mundo. O mundo passa a ser, deste modo, um ponto de vista ancorado no contexto social e cultural daquele que o descreve. O mundo é o que é e o que gostaríamos que ele fosse. É uma leitura pessoal que intercambiamos com o intuito de aferir a razoabilidade de nossa concepção de mundo e a aceitação social dela. E neste processo de troca de ima-gens concebidas do mundo procura-se entrar em um acordo quanto à imagem que servirá de ponto de partida para a discussão de outros modelos ideais ou mais adequados conforme as circunstâncias em que vive uma sociedade.

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32 CLAVIER, Paul. Le concept de monde.

Paris: PUF, 2000, p. 64.

33 “Segundo a compreensão medieval,

nós éramos as únicas criaturas mate-

riais dotadas também de uma alma

intelectiva, atributo que partilhávamos

com as ordens angélicas acima de nós.

Com um pé em ambos os campos,

éramos a cavilha de todo o sistema

cósmico: o ponto intermediário e o

elo vital entre os domínios celeste e

terrestre. Quando os medievais diziam

que a humanidade estava no centro do

universo, não era tanto à nossa posição

astronômica que se referiam, mas ao

nosso lugar no centro dessa ordem me-

tafísica.” (Margaret Wertheim. Uma his-

tória do espaço de Dante à Internet. Trad.

Maria Luiza X. de A. Borges. Jorge Zahar

Editor: Rio de Janeiro, 2001, p. 24).

34 “Até o copernicanismo, havia coerên-

cia entre o lugar central do homem na

Criação e no universo. Com o Sol, as

estrelas e os planetas girando em torno

da Terra, sua situação era privilegiada,

justifi cando o lugar especial do homem

nos olhos do Criador. Colocar o Sol no

centro do mundo signifi cava transfor-

mar nossa Terra num planeta banal,

mesmo porque havia planetas maio-

res.” Arkan Simaan e Joëlle Fontaine.

A imagem do mundo: dos babilônios a

Newton. Trad.: Dorothée de Bruchard.

São Paulo: Companhia das Letras,

2003, p. 149.

35 Em 1633, Galileu foi condenado à

reclusão perpétua pelo tribunal da

Inquisição por defender idéias coper-

nicanas. Em 1979, o papa João Paulo II

determinou a revisão de seu processo.

Os trabalhos foram concluídos em

1992, resultando na reabilitação parcial

de Galileu. (Arkan Simaan e Joëlle Fon-

taine. Op. cit., p. 225-227).

36 Ibid., p. 230.

“Certamente, toda existência humana inscreve-se, pela educação e pela ex-periência, sob a bandeira de uma concepção do mundo ou de um outro. Nós descobrimos o mundo como por meio de óculos, em uma ótica que determina nossos desejos psicológicos, mas também as expectativas e os hábitos que nossa sociedade nos trasmite com um grau variável de obrigação. O recorte da reali-dade que nos propõem as categorias da linguagem, as regras da lógica, as insti-tuições jurídicas e sociais, as tradições religiosas, as ciências da vida, da matéria, as ciências da Terra, as ciências do Universo, tudo isto condiciona, e mesmo infl uencia, nossa imagem do mundo”.32

Os confl itos decorrentes das “imagens do mundo” sempre foram um traço marcante na história da humanidade. As formas de representação do mundo sempre se prestaram a atender aos interesses de segmentos poderosos da so-ciedade. Na Idade Média, a imagem religiosa do mundo como o centro do universo era indispensável para a noção cristã do homem como o elo entre os seres materiais da Terra e os seres etéreos e angelicais do céu.33 Por outro lado, a Terra esférica e imóvel no centro do universo e os astros ao seu redor em movimento circular a uma velocidade uniforme sustentavam o dogma do círculo como pressuposto estético e religioso, e atestavam a perfeição di-vina. O movimento do mundo seria dado pelo Primeiro Motor, imaterial e eterno, qual seja: Deus. Nicolau Copérnico (1473-1543) desmorona esta visão geocêntrica e antropocêntrica do mundo e, com isto, põe em xeque os fundamentos do cristianismo, abrindo o caminho para novas perspectivas de mundo distintas daquela defendida pela Igreja.34

As novas imagens não só abalavam a antiga concepção do mundo, como também ameaçavam a autoridade da Igreja. Crer no mundo que ela pregava era condição para a manutenção do seu poder. Nem mesmo Galileu Galilei (1564-1642), católico fervoroso e amigo do papa, escapou ileso.35 Afi nal, suas idéias apartaram de vez o mundo da Igreja daquele da ciência. Enquanto o primeiro fundava-se, sobretudo, no argumento de autoridade, o segundo apoiava-se na verifi cação experimental. Uma mudança de procedimento, isto é, de método, que implicou uma alteração profunda no modo de conhecer o mundo. “Não se trata apenas da aquisição de um novo saber, em substituição ao antigo: trata-se sobretudo de uma nova forma de pensar o mundo, de uma ‘Reforma dos cérebros’, segundo expressão já clássica — antes de tudo, a negação dessa preguiça do espírito que leva a repetir eternamente as mesmas coisas e negar a novidade em nome dos preconceitos.”36

A mudança de concepção de mundo decorrente da atribuição de uma nova imagem faz emergir novos centros de poder. A descoberta das Américas é um outro exemplo. Ela impulsionou a revolução científi ca e também amplifi cou os questionamentos que minaram as bases do pensamento medieval. À visão cristã do mundo fundada em uma cosmologia dualista consistente na existência de

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37 Margaret Wertheim. Uma história do

espaço de Dante à Internet. Trad. Maria

Luiza X. de A. Borges. Jorge Zahar Edi-

tor: Rio de Janeiro, 2001, p. 27.

38 A projeção conforme de Mercator,

marco no processo de representação

da Terra, é uma projeção cilíndrica do

globo terrestre sobre uma carta plana,

cujos meridianos e paralelos são re-

presentados por retas perpendiculares

entre si e eqüidistantes. Apesar da

expressão “conforme”, esta projeção

distorce enormemente a forma dos

objetos geográfi cos.

uma ordem física e uma ordem metafísica, opunha-se a moderna visão cien-tífi ca que afi rmava apenas a existência do domínio físico. “A velha imagem do mundo, com suas almas diligentes e seu espaço celeste, deu lugar a um universo mecânico em que a Terra se tornou um bloco de rocha a girar sem objetivo num vazio euclidiano”.37 A visão mecanicista do mundo alterou não só o modo como o vemos, mas também o modo como nós nos vemos no mundo. Os ideais ilu-ministas do século XVIII aniquilam a alma, dispensam a criação divina e cami-nham na direção do materialismo, em que as condições concretas da existência humana são sufi cientes para explicar os fenômenos que se apresentam à investi-gação. O conhecimento do mundo passa a ser acessível por intermédio do uso da razão. Estavam lançadas as bases para a era Moderna e, com ela, o surgimento de uma outra estrutura de poder que irá competir com a Igreja: o Estado.

A imagem que temos do mundo intermedeia o nosso modo de pensá-lo. Uma alteração na imagem pode provocar uma reorganização da nossa interpretação do mundo. Um exemplo, aparentemente banal, é aquele do mapa-múndi. Na clássica projeção conforme38, do cartógrafo fl amengo Gerar-do Mercator, a Europa é representada com uma área duas vezes maior que a da América do Sul. Esta equivocada imagem da geometria do nosso planeta ocorreu em razão do aumento do espaçamento entre os paralelos à medida em que se aumenta a latitude, ocasionando um deformação no sentido Leste-Oeste e Norte-Sul. Se considerarmos a área atual da União Européia com seus vinte e sete Estados, que é de 4.324.782 Km2, ela corresponde a pratica-mente metade do território brasileiro, que é de 8.514.876 Km2!

Projeção de Mercator: Nova et Aucta Orbis Terrae Descriptio ad Usum Navigatium Emendate (1569)(nova e aumentada descrição da Terra, corrigida para uso da navegação)

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39 Qu´est-ce qu´une conception du

monde? Chemins Philosophiques. Coll.

Dirigée par Roger Pouivet. Paris: J. Vrin,

2006, p. 42.

40 BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as

consequências humanas. Rio de Janei-

ro: Jorge Zahar Editor, 1999, p. 38.

Por outro lado, na projeção de Arno Peters, o intervalo entre os paralelos e meridianos é menor à medida em que nos aproximamos dos pólos norte ou sul. Esta projeção equivalente visava reproduzir mais fi elmente as áreas dos continentes. Mas foi objeto de acalorados debates. Não à toa. A imagem do mundo vista por meio do mapa de Peters reduz o tamanho do continente europeu e dá destaque aos países mais pobres do mundo. Esta representação mais exata do mundo elevou a auto-estima dos países subdesenvolvidos. Por este motivo, ela foi batizada pelo seu autor de “mapa para um mundo mais solidário”. Tal concepção não passou impune. Os seus detratores apelidaram este mapa de “terceiro-mundista”.

A projeção de Peters (1973)

Há centenas de projeções de mapas do mundo. A escolha por uma ou ou-tra depende do uso que se quer fazer dela. A projeção de Mercator era apro-priada para a navegação marítima, enquanto que a projeção de Peters, segun-do assinala Berner, “queria promover uma visão do mundo que se opunha ao eurocentrismo, mesmo sabendo das distorções que ela produzia ao procurar restituir aos países intertropicais seu tamanho real. Via-se neste exemplo a que ponto a imagem do mundo e a concepção do mundo estão em interação em função dos interesses em jogo”.39 A batalha pela reorganização do espaço foi um dos maiores objetivos do Estado moderno. Segundo observa Bauman,

“O objetivo esquivo da moderna guerra pelo espaço era a subordinação do espaço social a um e apenas um mapa ofi cialmente aprovado e apoiado pelo Estado — esforço conjugado com e apoiado pela desqualifi cação de todos os ou-tros mapas ou interpretações alternativos de espaço, assim como com o desman-telamento ou desativamento de todas as instituições e esforços cartográfi cos além daqueles estabelecido pelo Estado, licenciados ou fi nanciados pelo Estado”.40

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41 Tal princípio, que serviu para legiti-

miar diversas conquistas territoriais,

vem da expressão uti possidetis, ita pos-

sideatis, que signifi ca “como possuías,

assim possuas”.

42 O paulista Alexandre de Gusmão era

o então Secretário Particular de D. João

V e exercia forte infl uência nas deci-

sões do Governo português, sobretudo

nas questões relativas ao Brasil. Hábil

negociador, é personagem central na

conclusão do Tratado de Madri. Com a

morte do rei e a ascensão de D. José I,

Gusmão sofre perseguição política e,

em 1753, morre abandonado e pobre.

(Synesio Sampaio Goes Filho. Nave-

gantes, bandeirantes e diplomatas: um

ensaio sobre a formação das fronteiras

do Brasil. São Paulo: Martins Fontes,

2001, p. 182).

43 Synesio Sampaio Goes Filho. Nave-

gantes, bandeirantes e diplomatas: um

ensaio sobre a formação das fronteiras

do Brasil. São Paulo: Martins Fontes,

2001, p. 186. Para Cortesão, “O Mapa

das Cortes foi propositadamente vicia-

do nas suas longitudes para fi ns diplo-

máticos”. (apud., p. 186).

Vejamos um exemplo de como uma imagem cartográfi ca teve consequ-ências concretas em uma disputa sobre o território da América do Sul. Pre-ocupado não só em assegurar a sua colônia americana mas também ampliar o território para além daquele delimitado no Tratado de Tordesilhas (1494), Portugal negocia um tratado geral de limites com a Espanha fundando-se, principalmente, nos princípios do uti possidetis, segundo o qual a terra deve pertencer a quem de fato a ocupa41, e das “fronteiras naturais”. As negocia-ções tiveram por base uma carta geográfi ca intitulada “Mapa das Cortes”. Esta carta foi elaborada sob a supervisão de Alexandre de Gusmão42 e, como explica Goes Filho, desenhava os limites de um modo favorável aos interesses portugueses. “Nesse mapa, que combinava habilmente cartas conhecidas e confi áveis da América do Sul, a área extra-Tordesilhas do Brasil era, entre-tanto, bastante diminuída, o que dava a impressão de haver parcos ganhos territoriais a oeste do meridiano.”43 Era importante transmitir aos espanhóis a idéia de que as terras ocupadas pelos luso-brasileiros era menor do que a que efetivamente eles possuíam. Isto facilitou a aceitação, pelos espanhóis, do princípio do uti possidetis e permitiu a conclusão do processo de negociação que resultou no Tratado de Madri, assinado em 13 de janeiro de 1750.

Fundação Biblioteca Nacional/Reprodução

Mapa das Cortes

As imagens intermedeiam o nosso modo de pensar o mundo. Ao inter-pretarmos a imagem que temos do mundo, atribuímos a ela um sentido, isto é, adotamos uma “concepção de mundo”. Esta concepção não se dissocia

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FGV DIREITO RIO 22

44 Christian Berner, Qu´est-ce qu´une

conception du monde? Chemins Philoso-

phiques. Coll. Dirigée par Roger Pouivet.

Paris: J. Vrin, 2006, p. 22-23.

45 “Par nature, la ‘conception du monde’

dépasse le monde. Aussi est-ce fi nale-

ment non pas une connaissance, mais

un sentiment qui nous donne cette

totalité.” Ibid., p. 34.

46 In Berner: Heidegger, Les concepts

fondamentaux de la métaphysique. Pa-

ris, Gallimard, 1992, p. 264 sq.

47 Christian Berner, op. cit., p. 47.

48 Le gai savoir, § 301.

49 Nelson Goodman, Manières de faire

des mondes. Trad. Fr. M.-D. Popelard.

Paris: Jacqueline Chambon, 1992, p.

127.

daquilo que fazemos do mundo e daquilo que dizemos sobre ele. Logo, uma concepção de mundo não nos diz somente alguma coisa sobre ele mas tam-bém sobre nossa relação com ele.44 Deste forma, o mundo deixa de ser so-mente um dado da natureza, para tornar-se também cultura. A concepção de mundo assume, assim, uma função prática. A intervenção humana atribui valores ao mundo tendo em vista uma fi nalidade. Esta fi nalidade torna-se o princípio organizador da nossa interpretação e da nossa ação. E esta in-tervenção humana sobre o mundo nos oferece novas formas de vivenciá-lo e, conseqüentemente, de compreendê-lo. Em outras palavras, fornece-nos novas imagens. Sendo assim, o mundo não é só aquele que constatamos, mas também o que fabricamos.45

O ser humano, disse Heidegger, é um “confi gurador do mundo”.46 Esta confi guração não é apenas uma construção exclusivamente teórica, ela é o ho-rizonte de nossos interesses e nossas preocupações. Ela orienta a nossa ação. É por isto que, para Berner, “a concepção do mundo não é uma simples visão teórica deste mundo, mas uma tomada de posição, é o que se pode chamar de uma atitude assumida em primeira pessoa”47 Cada um de nós possui uma ex-periência de mundo que é fi ltrada por uma concepção implícita do mundo, permitindo-nos formar uma opinião sobre ele. Compartilhamos esta nossa opinião por meio das palavras, da pintura, da escultura, da fotografi a, do ví-deo, do desenho etc. Todos estes suportes expressivos são formas de represen-tar o mundo. Mas o mundo não pode ser reduzido às nossas representações. Logo, a questão não é saber se as nossas representações do mundo podem ser comparadas com o mundo em si, mas se (e como) as representações que faze-mos do mundo podem ser, elas próprias, comparadas.

Indagamos, então: pode-se concordar com Nietzsche quando afi rma que “não há fato, mas somente interpretações”? Esta refl exão baseia-se na idéia de que o valor da natureza é atribuído pelo ser humano pois “é somente nós que criamos o mundo que interessa ao homem”.48 O mundo não nos seria dado mas seria por nós construído pela via da interpretação. Logo, não se tem acesso ao mundo em si, mas a uma interpretação que fazemos dele. Neste sentido, é mais apropriado dizer que temos do mundo somente “versões”. E é por esta razão que Goodman defende que “nós faríamos melhor se nos con-centrássemos mais sobre as versões do que sobre os mundos”.49 O mundo é, desde este ponto de vista, uma criação humana. Isto explica a raiz de muitos confl itos internacionais e divergências de opinião sobre como interpretar e regular o mundo. Afi nal, a minha interpretação pode não coincidir (e pode mesmo confrontar-se) com a sua.

De tudo o que foi dito, queremos sublinhar que uma concepção de mundo é uma imagem do mundo interpretada pelo indivíduo. E esta interpretação res-ponde a uma necessidade: a de sobrevivência. A concepção de mundo tem, portanto, uma função orientadora na medida em que dá sentido às nossas es-

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50 Berner, op. cit., p. 73-74.

colhas. Ela serve ao objetivo prático de agir no mundo. Por este motivo, não pode ser assimilada a um conhecimento teórico do qual lançamos mão para conhecer, de modo desinteressado, as coisas e suas relações com o mundo. Ela fornece parâmetros para as nossas decisões. Na medida em que resulta de experiências vividas em sociedade, ela não pode ser verdadeira ou falsa. Todas as “versões” do mundo têm a mesma pretensão de validade; todas podem ser analisadas como sendo mais ou menos aceitáveis segundo o contexto cultural e o momento histórico de um determinado povo.

Reconhece-se a legitimidade relativa das concepções de mundo e se critica a pretensão de validade universal de uma sobre as outras. Mas, na prática, a diversidade de concepções favorece a ocorrência de confl itos.

“As concepções do mundo são elas próprias resultados complexos de elemen-tos de origens heterogêneas e não se poderia reduzir as culturas ou civilizações a alguns de seus aspectos. Assim, é difícil falar, por exemplo, de uma concepção oci-dental do mundo. Dentro do que se chama o Ocidente vê-se na realidade através das trocas, das traduções etc., chocar-se e harmonizar-se as contribuições culturais grega, latina e hebraica, aqueles também do Oriente ao qual nós devemos muitos começos de nossas artes e ciências. Da mesma maneira, vemos conciliarem-se e confrontarem-se as épocas, a Idade Média ao Renascimento ou à Reforma, o Romantismo às Luzes etc. A cada vez, um conjunto cultural, na complexidade de sua constituição através de suas transmissões e apropriações, conhece a partir dele mesmo uma desestabilização e uma revisão da Weltanschauung”.50

O que estaria em jogo, nestes casos de desestabilização ou revisão, não seria a defesa de uma representação do mundo em detrimento de uma outra, mas os valores que as sustentam e que servem de orientação concreta para a ação. É neste sentido que uma concepção de mundo motiva (ou já traz em si mesma) uma tomada de posição.

2. A ORDEM NO MUNDO

O mundo é um conjunto de seres e coisas com as quais o ser humano se relaciona e, ao relacionar-se com eles, institui-os em “seu” mundo como algo que sabe fazer parte do todo, muito embora deste todo só pode experimen-tar apenas algumas de suas partes. A constituição do mundo pelo indivíduo deriva de um processo seletivo contínuo decorrente das circunstâncias em que vive. O mundo, desde este ponto de vista, só poderia ser a reunião dos “mundos”, isto é, das versões de cada um dos indivíduos.

Uma defi nição de “mundo” como expressão subjetiva de uma experiência nele vivida afasta qualquer possibilidade de apreendê-lo como algo perene,

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51 Devemos este simples e interessante

insight ao livro Realismo, Racionalismo,

Surrealismo: a arte no entre guerras, de

autoria de Briony Fer, David Batchelor e

Paul Wood. (São Paulo: Cosac & Naify,

1998, p. 4. Originalmente publicado em

1993 pela Yale University Press.)

constante e objetivo. O seu conteúdo torna-se variável na medida em que os indivíduos modelam-no continuamente pelo movimento da cultura. As-sim, o desafi o posto ao juristas apresenta-se nos seguintes termos: diante da miríade de concepções de mundo podemos obter uma que seja comum a todos e com a qual podemos referir, orientar-nos, comunicar-nos e regular? O antagonismo entre os defensores do multiculturalismo e os que apregoam a inevitabilidade da homogeneização cultural não explicita o que está por detrás deste debate contemporâneo. A questão acima formulada deveria ser antecedida pela seguinte pergunta: é imprescindível a existência de um con-senso sobre o sentido comum de “mundo” para podermos nele viver? Esta indagação interessa ao direito pois ela aponta para a direção da ação.

O que está em jogo não é tão somente uma controvérsia semântica, mas as pos-sibilidades de se instituir uma certa “ordem” em um mundo marcado pela diversi-dade. Duas pessoas de culturas diversas e que falam idiomas totalmente distintos provavelmente não se entenderão e não estabelecerão qualquer base razoável de diálogo, salvo se recorrerem a outras formas de linguagem, tais como gestos, dese-nhos, fotos etc. E farão recurso destes outros meios de comunicação para satisfazer a vontade e/ou a necessidade de se chegar a um acordo sobre um determinado aspecto da vida que interessa aos dois, a despeito de suas diferenças. Evitam, com isso, o caos em suas relações e reduzem as probabilidades de confl itos.

O mundo moderno encontra na noção de “ordem” a condição de seu de-senvolvimento. Alçada a fi m máximo, a ordem subjuga o mundo que antes a justifi cava. Nesta deriva cognitiva, voltamos o nosso olhar para a “ordem” e esquecemos do “mundo”. Contudo, a noção de ordem, aparentemente mais controlável, revela logo a sua fl uidez.

Vejamos o seguinte exemplo. Se olharmos a fi gura A fora de contexto e perguntarmos se a mesma expressa ordem ou caos, fi caríamos tentados a es-colher a segunda opção motivados pela sua forma irregular.

Figura A

Contudo, esta afi rmação é questionável pois não há nada que me faça aferir o grau de certeza deste meu juízo. Mas se compararmos a fi gura A com a fi gura B, diríamos com maior segurança que a primeira fi gura sugere “mais ordem”. Percebe-se, assim, que a noção de “ordem” varia segundo as alternativas disponíveis para o observador. A fi gura A parecerá mais caótica se comparada com a fi gura C.51

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52 “Naturalmente, essas instituições

desempenham um papel importante

na manutenção da ordem na política

mundial contemporânea, mas para

encontrarmos as causas fundamentais

dessa ordem devemos buscá-la não na

Liga das Nações, nas Nações Unidas ou

órgãos análogos, mas em instituições

da sociedade internacional surgidas

antes da criação dessas organizações

internacionais e que continuariam a

funcionar (embora de maneira dife-

rente) mesmo se tais organizações não

existiram formalmente” (Hedley Bull,

op. cit.., p. 4).

53 Hedley Bull ressalva que o conteúdo

signifi cativo do termo “ordem” não se

resume a estes três objetivos, muito

embora os considere como sendo “três

valores básicos de toda vida social”, pois

sem eles não só outros objetivos seriam

difíceis de atingir, mas também não se

poderia falar na existência de uma so-

ciedade. (Bull, op. cit., p. 9 e 10).

54 Bull, op. cit., pp. 9, 10 e 11.

Figura B

Figura C

A palavra “ordem” remete-nos à idéia de uma certa “regularidade”. Segun-do o dicionário Aurélio, ela signifi ca “disposição conveniente dos meios para se obterem os fi ns”, “disposição metódica; arranjo de coisas segundo certas relações”. Mas o seu conteúdo é fi xado dentro de uma rede de alternativas e na base de uma relação de contraposição que explicite o bom arranjo ou disposição das coisas.

Bull ocupa-se da noção de “ordem” na política mundial como um fenôme-no que pode ser analisado independentemente do direito e das organizações internacionais, pois as suas causas fundamentais precedem estes fenômenos modernos.52 Para ele, a manutenção da ordem, no sentido de “coexistência”, depende de “normas” que podem ou não coincidir com aquelas do direito internacional. A ordem, em si mesma, não seria um fi m, mas um arranjo social que promove certos valores e permite alcançar determinados objetivos. Alguns desses objetivos seriam elementares. São eles: (1) a proteção da vida contra a violência; (2) o cumprimento dos acordos; e (3) o respeito à pro-priedade.53 Bull parece inspirar-se na tradição da teoria do direito natural, na forma de seu “equivalente empírico”, ao considerar estes objetivos como sendo “universais” posto que “todas as sociedades parecem adotá-los”.54 Não é difícil ver aí uma justifi cativa de base jurídico-política destinada a conter os instintos humanos de agressão. A segurança contra a violência é a garantia da sobrevivência do indivíduo; e o cumprimento dos acordos e a estabilidade na posse da propriedade são, por sua vez, os requisitos mínimos para o indivíduo executar, sem ser perturbado ou ameaçado, os seus projetos de vida. A con-sequência de uma sociedade ordenada é a maior previsibilidade do compor-tamento dos indivíduos.

Podemos afi rmar, sem risco de exagero, que estes objetivos são perseguidos pelos Estados. Imagine o que aconteceria em sua cidade se o poder público não mais garantisse o cumprimento dos acordos e a segurança da comunida-de? O caos se estabeleceria rapidamente. Em pouco tempo todos concorda-

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55 Hedley Bull, op. cit., p. 23. “Outros

desafi os têm sido levantados por dife-

rentes atores, que ameaçaram retirar

dos estados a sua posição de princi-

pais participantes da política mundial,

ou de principais sujeitos de direitos e

deveres. Tais ameaças foram feitas por

atores ‘supra-estatais’ como o Papado

e o Sacro Império Romano, nos sécu-

los XVI e XVII, ou as Nações Unidas no

século XX (pense-se, por exemplo, no

papel exercido pela ONU como um ator

violento na crise do Congo de 1961).

Outros desafi os ao papel internacional

privilegiado do estado, ou o seu direito

de exercê-lo, podem ser levantados por

atores ‘sub-estatais’, que participam

da política mundial de dentro de um

estado determinado, ou ainda de ato-

res ‘trans-estatais’ que ultrapassam as

fronteiras dos estados. Na história da

moderna sociedade internacional, os

exemplos mais importantes são as ma-

nifestações revolucionárias e contra-

revolucionárias da solidariedade hu-

mana promovidas pela Reforma, pela

Revolução Francesa e pela Revolução

Russa.” (Ibid. p. 23).

56 Segundo Bull, “por ‘ordem internacio-

nal’ queremos referir-nos a um padrão

ou disposição das atividades interna-

cionais que sustentam os objetivos

elementares, primários ou universais

de uma sociedade de estados.” (op.

cit., p. 23).

riam que seria preciso restabelecer a ordem interna. Reestruturar-se-ia um po-der comum capaz de sujeitar aqueles que ameaçassem perturbar a paz social. Imagine, por outro lado, o que aconteceria se sua cidade, a despeito de agora ser pacífi ca e ordeira, fosse ameaçada constantemente por forças estrangeiras? Provavelmente a maioria da população concordaria em criar mecanismos de defesa a fi m de preservá-la de ataques externos e discutiria as possibilidades de abertura de um canal de diálogo com aquele que a ameaça. Na ausência de um poder mediador deste confl ito, os povos envolvidos procuram resolver suas diferenças contando apenas com os recursos que eles mesmos dispõem.

O mesmo ocorre no âmbito do sistema internacional. Ante a inexistência de um poder regulador mundial, os Estados procuram estabelecer entre si regras e padrões de conduta que deem certa previsibilidade e estabilidade para as suas relações. Consequentemente, a preservação do próprio sistema internacional contra a eventual ameaça de atores supra-estatais, sub-estatais ou trans-estatais, torna-se um dos objetivos elementares dos Estados.

“O que quer que os separe, os estados modernos se unem na crença de que eles são os principais atores da política mundial, e os mais importantes sujeitos de direitos e deveres dessa sociedade. A sociedade dos estados tem procurado garantir que ela continuará a ser a forma predominante da organização política mundial, de fato e de direito.”55

A manutenção da “ordem internacional” é condição para a existência do mundo de Estados, isto é, do sistema internacional.56 Esta ordem estrutura-se com base em determinadas regras que se cristalizam pela prática reiterada de certas condutas (o costume) ou que se estabelecem em razão de um acordo entre os atores soberanos (os tratados). O direito internacional, ao regular a coexistência entre estas entidades soberanas, contribui para sustentar os ob-jetivos elementares do sistema internacional. Em outras palavras, mostra-se relevante para a manutenção da “ordem internacional”.

Objetivos elementares da sociedade de Estados

Limitação da violência e proteção contra a agressão externa

Cumprimento dos acordos fi rmados

Respeito ao princípio da integridade territorial

3. ORDEM INTERNACIONAL E SISTEMA INTERNACIONAL

Nos livros de direito internacional, o mundo é tratado como um “sistema internacional”. Segundo Aron, o sistema internacional é “o conjunto cons-tituído pelas unidades políticas que mantém relações regulares entre si e que

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57 Raymond Aron, op. cit. p. 153.

58 O G8 designa o grupo dos oito países

mais industrializados e economica-

mente desenvolvidos do mundo. São

eles: Alemanha, Canadá, Estados Uni-

dos, França, Itália, Japão e Reino Unido

(antigo G7), mais a Rússia.

59 A expressão “BRIC”, acrônimo cunha-

do pelo economista Jim O’Neill, designa

os quatro principais países emergentes

do mundo: Brasil, Rússia, Índia e China.

Especula-se que estes países, juntos,

poderão se tornar a maior força econô-

mica do mundo em 2050.

60 Aron, op. cit., p. 154. “A ambição dos

grandes Estados é modelar a conjun-

tura; a dos pequenos, adaptarem-se a

uma conjuntura que essencialmente

não depende deles. É uma oposição

muito simples, que traduz opiniões

mais do que a realidade: a maneira

como os pequenos Estados adaptam-se

à conjuntura contribui para dar forma à

própria conjuntura” (Ibid., p. 157)

61 Aron, op. cit., p. 154.

62 O Segundo Mundo: impérios e infl u-

ência na nova ordem global. Trad. Clóvis

Marques. Rio de Janeiro: Intrínseca,

2008, p. 16. Para ele, os impérios são

maiores do que as civilizações. “São os

impérios – e não as civilizações – que

dão signifi cado à geografi a. De fato,

os impérios se projetam através das

civilizações; à medida que dissemi-

nam suas normas e costumes, podem

mudar a maneira de ser das pessoas,

independentemente de sua civilização.”

(Ibid., p. 16).

63 Ibid., p. 18. Segundo Khanna, “Os Es-

tados Unidos, a UE e a China represen-

tam três estilos diplomáticos diferentes

– a coalizão, no caso da América, o

consenso, no da Europa, e a consulta no

da China –, competindo pela liderança

no século XXI.” (Ibid., p. 19).

64 Aron apresenta duas típicas con-

fi gurações de relações de força: a

multipolaridade e a bipolaridade. “No

primeiro caso, a rivalidade diplomática

se desenvolve entre um certo número

de unidades políticas (...). No segundo

caso, duas unidades políticas principais

ultrapassam todas as outras em impor-

tância, de tal forma que o equilíbrio

geral do sistema só é possível com duas

coalizões: todos os demais Estados, pe-

quenos ou grandes, fi cam obrigados a

aderir a um dos dois campos”. (op. cit.,

p. 157). A segunda metade do século XX

foi marcadamente bipolar. Estados Uni-

dos e a antiga União Soviética disputa-

vam a hegemonia ideológica e econô-

mica do mundo. Com a queda do Muro

de Berlim, símbolo do fi m do regime

comunista soviético, acreditou-se que

o sistema internacional seria unipolar,

tendo os Estados Unidos como o poder

hegemônico do mundo. A crise fi nan-

são suscetíveis de entrar numa guerra geral”.57 Estas unidades políticas são os Estados. A relação entre dois ou mais Estados confi gura um sistema interna-cional. Desde esta perspectiva, podemos identifi car diversos sistemas interna-cionais: o sul-americano, formado, como o próprio nome sugere, pelos países da América do Sul; o interamericano, formado pelo conjunto dos países das três Américas; o europeu; o das grandes potências nucleares; o dos países economicamente mais fortes, a exemplo do G858; o dos países emergentes, a exemplo do BRIC59, e por aí vai. Mas podemos olhar o mundo como um sistema internacional — perspectiva que não seria apropriada antes de 1945.

Para Aron, a estrutura do sistema internacional é sempre oligopolística. “Os atores principais determinam, em cada época, como deve ser o siste-ma, muito mais do que são determinados por ele”.60 Sendo assim, o critério principal para defi nir a participação em um sistema seria o critério político e militar.61 Afi nal, como se viu anteriormente, um elemento fundamental para caracterizar um sistema internacional é a possibilidade dos países entrarem numa guerra geral. Aqueles países desprovidos de poder militar ou político não seriam atores da cena internacional, mas meros coadjuvantes destinados a se posicionarem em torno dos Estados mais fortes, os únicos com poderes para tomar decisões capazes de alterar os rumos da história. Esta hipótese está presente no trabalho do indiano Parag Khanna: “são as relações inte-rimperiais — e não internacionais ou intercivilizacionais — que moldam o mundo”.62 Segundo ele, o planeta estaria sendo, simultaneamente, america-nizado, europeizado e sinicizado. Washington, Bruxelas e Pequim estariam competindo entre si na mediação dos confl itos, na modelagem dos mercados e na disseminação dos costumes.63 O que viria a ser um mundo unipolar e sem história, como profetizava Fukuyama, caracterizado pela supremacia in-contestável dos Estados Unidos, transforma-se em um mundo multipolar.64

Apesar (e por conta) destes três grandes pólos de poder, as nações emer-gentes passam a ocupar um lugar relevante no sistema internacional. Se-gundo Khanna, elas determinarão o equilíbrio do poder no século XXI.65 Mesmo que não detenham poder militar, o que estas nações fazem e pensam é levado em conta pelos impérios. Esta hipótese evidencia a insufi ciência do critério militar para defi nir a participação de um país em um sistema inter-nacional. A simples interação entre os Estados pode ser sufi ciente para fazer com que o comportamento de um seja um fator necessário nos cálculos do outro. Esta é a refl exão que dá base à noção de “sistema internacional” de-fendida por Bull. Para ele, o sistema se forma “quando dois ou mais estados têm sufi ciente contato entre si, com sufi ciente impacto recíproco nas suas decisões, de tal forma que se conduzam, pelo menos até certo ponto, como partes de um todo”.66 Não importa se a interação entre os Estados tenha a forma de cooperação ou de confl ito, de indiferença recíproca ou não em relação aos objetivos de cada um.

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ceira de 2008 parece reconduzir o siste-

ma internacional para uma distribuição

de poder entre poucas potências.

65 Khanna, op. cit., p. 10-11.

66 A Sociedade Anárquica. Trad. Sérgio

Bath. Brasília: Editora Universidade

de Brasília, Instituto de Pesquisa de

Relações Internacionais; São Paulo: Im-

prensa Ofi cial do Estado de São Paulo,

2002, p. 15.

67 HEDLEY, Bull. A Sociedade Anárquica.

Trad. Sérgio Bath. Brasília: Editora Uni-

versidade de Brasília, Instituto de Pes-

quisa de Relações Internacionais; São

Paulo: Imprensa Ofi cial do Estado de

São Paulo, 2002, p. 19. Para Bull, “nem

sempre é fácil determinar se essas ca-

racterísticas da sociedade internacional

estão presentes em um dado sistema

internacional: entre um sistema inter-

nacional que é também claramente

uma sociedade internacional, e outro

que indubitavelmente não tem esta ca-

racterística, há casos em que a percep-

ção dos interesses comuns é tentativa e

imperfeita; em que as regras comuns

percebidas são vagas e mal defi nidas,

a ponto de haver dúvida sobre se são

de fato regras a serem obedecidas; e

onde as instituições comuns, relativas

ao funcionamento da diplomacia ou

aos limites impostos à guerra, são im-

plícitas ou embrionárias” (Ibid., 21-22).

Compartilhamos deste ponto de vista. Sendo assim, entendemos que a participação no sistema internacional contemporâneo não deve ser defi nida em razão do poder bélico de um país, mas do seu poder de produzir informa-ção e de se comunicar. Em outras palavras, somente toma parte do sistema internacional quem é capaz de participar dos processos comunicativos que infl uenciam decisões ou que dizem respeito aos processos decisórios.

Este critério, o da “comunicação”, deve ser entendido não apenas no sen-tido de poder dizer algo, mas no de interagir efetivamente com outras nações. A comunicação, assim entendida, é mais do que um jogo diplomático onde o que é dito não é ignorado pois da mensagem emitida deduz-se prováveis conseqüências; é também o meio pelo qual um país procura infl uenciar os rumos da regulação internacional. Divergimos, portanto, do critério adotado por Aron uma vez que muitos países não possuidores de poder militar são ca-pazes de infl uenciar as decisões dos mais poderosos. Já os países incapazes de se comunicar — no sentido que adjudicamos ao termo — estão à margem do sistema internacional tanto nos tempos de guerra, quanto nos tempos de paz.

Dito isto, o “sistema internacional” designa um conjunto de países que participam efetivamente dos processos comunicativos diplomáticos que con-tribuem para a manutenção, alteração ou ruptura da ordem internacional. O aspecto a ser sublinhado desta defi nição é a diplomacia, e não a guerra. Esta, símbolo do fracasso da diplomacia, signifi ca o rompimento da ordem internacional e, potencialmente, uma ameaça para a existência do próprio sistema de Estados.

A noção de “sistema internacional” não se confunde com a de “sociedade internacional”. A primeira expressão conserva uma conotação neutra na me-dida em que designa tão-somente a existência de relações diplomáticas entre dois ou mais Estados, não importando a existência de vínculos de amizade entre eles. Já a “sociedade de estados” (ou “sociedade internacional”) designa um grupo de Estados que mantém relações mais próximas por compartilha-rem valores comuns.

“Nesta acepção, uma sociedade internacional pressupõe um sistema interna-cional, mas pode haver um sistema internacional que não seja uma sociedade. Em outras palavras, dois ou mais estados podem manter contato entre si, intera-gindo de tal forma que cada um deles represente um fator necessário nos cálculos do outro, sem que os dois tenham consciência dos interesses e valores comuns, mas percebendo que estão ambos sujeitos a um conjunto comum de regras, ou cooperando para o funcionamento das instituições comuns”.67

O idioma, a religião, a visão de mundo, o código estético etc., são exemplos de fatores em torno dos quais os Estados costumam se unir. A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) é defi nida como “o foro multilate-

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68 Ver o site http://www.cplp.org .

69 Hedley Bull. op. cit., p. 22.

70 Aron, op. cit., p. 159.

71 Aron, op. cit., p. 160.

ral privilegiado para o aprofundamento da amizade mútua, da concertação político-diplomática e da cooperação entre os seus membros”. Um de seus objetivos é a “materialização de projetos de promoção e difusão da língua portuguesa”.68 Os vinte e dois países que integram a Liga Árabe tem como principal fator de união a religião islâmica. O compartilhamento de valores comuns produz duas importantes consequências: 1) facilita a comunicação e a compreensão recíproca dos estados, e 2) impele-os a aceitar a comunidade de ideias e de valores. Para Bull, isto contribui para “viabilizar a defi nição de regras comuns e o desenvolvimento de instituições compartilhadas”.69

Uma sociedade de Estados forma um “sistema homogêneo”. Segundo Aron, tal sistema designa o grupo de Estados “do mesmo tipo, dentro de uma mesma concepção da política”.70 A solidariedade natural que se estabe-lece entre eles favorece a limitação da violência e a estabilidade de suas rela-ções.71 Contrariamente, os sistemas heterogêneos são aqueles que se referem a um grupo de Estados que postulam valores contraditórios — o que aumenta as possibilidades de confl ito entre eles.

Parece-me que os sistemas internacionais homogêneos, dada a afi nidade cultural entre as suas partes, são caracterizados por uma intensa relação co-municativa. Deduz-se, portanto, ser maior o desafi o para a diplomacia e para o direito internacional quando se trata de estabelecer um padrão de comu-nicação e de regulação em um sistema heterogêneo. A produção de consenso exige um esforço diplomático que transcende a simples convergência de inte-resses, pois os pontos de partida para o diálogo diplomático são inteiramente distintos dadas as diferentes formas de pensar e conceber o mundo.

Sistema Internacional

Sistema homogêneo Sistema heterogêno

Mais expressivo Menos expressivo

Baseia-se na comunicação Baseia-se na informação

Os sistemas internacionais podem ser mais expressivos ou menos expressivos. O primeiro grupo é composto de países cujo fl uxo de informação e comunicação é bastante elevado. Já no segundo grupo, o dos sistemas internacionais menos expressivos, a comunicação entre os países é rarefeita ou pouco ativa. É o caso, por exemplo, de um país cujo interesse estratégico na relação com determinados Estados é bastante baixo ou de um país que mantém um diálogo diplomático inconstante com outro Estado em razão de tensões políticas recorrentes entre eles. Ao eliminarem a opção pela comunicação direta, não eliminam o sistema estabelecido entre eles, mas o torna mais sujeito a interpretações equivocadas. Nestes casos, as tomadas de decisão são baseadas em informações menos confi -áveis, muitas vezes somente adquiridas por meio do auxílio de países terceiros.

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3ª AULA: AS TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

EMENTA:

O problema da ordem internacional nos clássicos. A ordem realista. A ordem racionalista. A ordem universalista.

OBJETIVOS DA AULA:

Discutir as teorias dominantes das relações internacionais e as infl uências que exercem sobre a interpretação do mundo.

LEITURA PARA A AULA:

FONSECA Jr., Gelson. A legimitidade e outras questões internacionais: poder e ética entre as nações. 2ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 2004, pp. 33-81.

SUGESTÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR:

NOGUEIRA, João Pontes; MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Interna-cionais: correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, capítulos 2 (O realismo) e 3 (O liberalismo).

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4ª AULA: ATORES DO SISTEMA INTERNACIONAL E SUJEITOS DE DIREITO INTERNACIONAL

EMENTA:

Distinção entre atores do sistema internacional e sujeitos de direito in-ternacional. Os confl itos entre sociedade internacional e sociedade global. A noção de nação e de Estado-nação. A tese do confl ito de civilizações.

OBJETIVOS:

Discutir se a ordem internacional torna-se cada vez mais ameaçada pelos confl itos culturais e pela emergência de uma sociedade global que encontra no liberalismo informacional o meio pelo qual se tece uma rede global capaz de atuar, intervir e questionar a ordem internacional.

LEITURA PARA A AULA:

1) HUNTINGTON, Samuel P. O Choque de Civilizações e a Re-composição da Ordem Mundial. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997, p. 227 a 258 (Capítulo 8: O Ocidente e o Resto: Questões Interci-vilizacionais).

SUGESTÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR:

1) 1) KRETSCHMANN, Ângela. “Choque entre civilizações ou cul-turas? Faz diferença para a compreensão dos direitos humanos?”. Revista Culturas Jurídicas. Vol. 3, núm. 1, jan/jun. 2008. Disponí-vel gratuitamente em www.culturasjuridicas.com.br

2) DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Direi-to Internacional Público. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 417 a 447.

3) AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao Direito Interna-cional Público. São Paulo: Atlas, 2008, capítulos 3.1 e 3.2.

4) REZEK, J. F. Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2002, parágrafos 143 e 146.

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FGV DIREITO RIO 32

72 Les Relations Internationales (Que

sais-je?). Paris : P.U.F., 1988, p. 31.

73 Yves Delahaye, La Frontière et le Texte:

pour une sémiotique des relations inter-

nationales. Paris : Payot, 1977, p. 75.

TEXTO DE INTRODUÇÃO DA AULA

Uma questão fundamental na análise das relações internacionais é a identi-fi cação dos seus “atores”. Esta expressão remete-nos aos personagens que pro-tagonizam a história no teatro do mundo. Alguns destes personagens cum-prem um papel de protagonismo, outros são meros coadjuvantes. Identifi car quem são os atores principais e secundários da cena internacional auxilia-nos a analisar corretamente a estrutura e os processos de interação que ocorrem no âmbito do sistema internacional.

Braillard e Djalili consideram como atores “as entidades cuja ação ultra-passa o limite das fronteiras de um Estado e que participam ativamente das relações e comunicações que atravessam as fronteiras”.72 Esta defi nição, além de indicar como critério para a identifi cação do ator a sua participação pela comunicação, sublinha o caráter internacional desta ação comunicativa. É a transposição da linha de fronteira que defi ne a internacionalidade da relação de comunicação entre os atores.

“Comportando um signifi cante, o limite ideal traçado sobre o terreno e sus-cetível de uma representação gráfi ca (sobre o mapa), assim como um signifi cado, que pode se defi nir como ‘linha cuja transgressão confere a internacionalidade’, a fronteira é um signo no sentido pleno do termo. Signo que é simultaneamente traço deixado pela história e instrumento que serve para separar conceitos uma vez que ele permite distinguir o que é internacional daquilo que não é. Signo que está, portanto, na origem da primeira oposição binária, Internacional vs Interno, reencontrado em nosso caminho”.73

A fronteira, traço que defi ne a internacionalidade de uma ação, marca a presença do Estado na imagem que temos do mundo. Ele é o termo de base que caracteriza as relações internacionais. Desde esta perspectiva, privilegia-se a busca de solução dentro da lógica nacional/estrangeiro, interno/externo etc. A idéia de “fronteira” é determinante para esta cisão cognitiva. Os princípios da soberania, da autodeterminação dos povos e da não-intervenção consagram o direito do Estado de exercer o seu poder internamente sem ser turbado em sua posse sobre o seu território e sobre a sua população.

Isto não signifi ca, contudo, que o Estado seja o único ator. Afi nal, se há uma visão de mundo que atribui a ele um papel central e exclusivo, há uma outra que admite a concorrência de outros atores não-estatais. Impul-sionado pelo desenvolvimento da tecnologia e das trocas internacionais, o Estado deixa de ser visto como a única voz atuante no mundo e o sistema internacional que ele próprio criou vê-se tomado por outras estruturas de poder não-estatais, tais como as organizações internacionais governamen-tais, as não-governamentais e as empresas transnacionais. Por outro lado,

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74 Por uma Compreensão Crítica das Teo-

rias das Relações Internacionais. Revista

Cena Internacional. 3 (1): 79-116, 2001,

p. 92.

75 Para Antônio Jorge Ramalho da

Rocha, “em grande medida, atores

destituídos de recursos de poder, mas

capazes de perceber os valores preva-

lecentes na opinião pública interna-

cional, por mais vago que isso possa

parecer, eventualmente são capazes de

iniciar, infl uenciar ou mesmo controlar

as negociações que darão origem a

regimes capazes de limitar o espaço de

manobra mesmo dos atores mais pode-

rosos.” Por uma Compreensão Crítica das

Teorias das Relações Internacionais. Re-

vista Cena Internacional. 3 (1): 79-116,

2001, p. 94.

o indivíduo adquire consciência de que o seu destino está atrelado ao jogo internacional e passa a reclamar a sua participação no estabelecimento das regras do jogo político doméstico e internacional. É cada vez mais reduzida a autonomia do Estado para confi gurar o sistema internacional à sua ima-gem e semelhança em razão da crescente participação destes novos atores na formulação da agenda internacional.

A realidade internacional seria, assim, constituída de dois mundos: aquele dos atores soberanos, no caso, os Estados, e aquele dos atores sem soberania. A compreensão da dinâmica internacional contemporânea dependeria da análise de cada um destes mundos, investigando o modo como estes atores agem, se inter-relacionam e quais os processos típicos de decisão, bem como o modo como estes mundos infl uenciam-se recíproca e continuamente.

Na medida em que novos atores adquirem capacidade de interferir nos processos de formação do direito internacional, cada um procura controlar a evolução destes processos tendo em vista os seus interesses e sua visão de mundo. Como adverte Ramalho da Rocha, “conforme o tema em negocia-ção, a capacidade de infl uência dos Estados, além de assimétrica entre os próprios Estados, é superior à dos atores não-estatais. Em contraste, há temas em cuja regulação internacional, por um lado, se observa menor disparidade na capacidade de controle pelos Estados mais poderosos e, por outro lado, maiores possibilidades de ação por parte de atores não-estatais”.74

O pressuposto do nosso raciocínio é que a compreensão do mundo con-temporâneo não deve ser levado a cabo unicamente por intermédio dos olhos do Estado, mas deve ser visto também por meio das lentes dos atores sem soberania que introduzem outros temas na agenda global. Atualmente estes atores adquirem relevância em razão do aumento de sua capacidade de con-trolar a evolução e o resultado dos principais processos decisórios em curso no plano internacional.75 Eles passam a interferir cada vez mais na formação do direito internacional (ou dos chamados “regimes internacionais”), cons-trangendo o espaço de negociação dos Estados. Além disso, regulam aspectos da vida internacional por meio de fontes de produção normativa não estatais.

Tal abordagem põe no palco da vida internacional todo o ator, seja ele sobera-no ou não, capaz de intervir de algum modo nos rumos da política internacional. A relevância de cada um destes atores dependerá do modo como se considera a evolução das relações de poder no contexto global. É certo que esta abordagem introduz um maior número de fenômenos e de variáveis intervenientes da reali-dade internacional que nos exige pensar o mundo em sua complexidade. Con-tudo, levanta uma questão relevante para os estudiosos do direito internacional: como ordenar este mundo tão complexo e composto de atores tão diversos? Criar direito internacional envolve um processo de negociação que visa a aproximação de (visões de) mundos. E este processo é cada vez mais complexo à medida que novos atores reivindicam a sua participação na construção de um mundo.

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Estabelece-se, assim, uma oposição, sem prejuízo de haver uma interme-diação possível, entre aqueles dois mundos. Não se trata de afi rmar a presença ou a ausência de um ou outro ator, mas de analisar a intensidade com que eles interferem sobre o (e atuam no) mundo, pois todos eles participam, em maior ou menor grau, da cena internacional. Se isto pode ser aceitável do ponto de vista de um estudo das relações internacionais, o mesmo não pode ser dito de um estudo sobre as relações jurídicas internacionais. Afi nal, nem todo ator pode ser sujeito de direitos e deveres no plano internacional.

SOCIEDADE GLOBAL X SOCIEDADE INTERNACIONAL?

CASO WikiLeaks

WikiLeaks é uma organização transnacional sem fi ns lucrativos, se-diada na Suécia, que publica, em seu site, posts de fontes anônimas, documentos, fotos e informações confi denciais, vazadas de governos ou empresas, sobre assuntos sensíveis. Apesar do seu nome, a WikiLeaks não é uma wiki — leitores que não têm as permissões adequadas não podem editar o seu conteúdo.

Para a postagem, a WikiLeaks recomenda o uso do Tor, visando a preservar a privacidade dos seus usuários, e garante que a informação colocada pelos usuários não é rastreável. No site, a organização informa ter sido fundada por dissidentes chineses, jornalistas, matemáticos e tecnólogos dos Estados Unidos, Taiwan, Europa, Austrália e África do Sul. Seu diretor é o australiano Julian Assange, jornalista e ciberativista.

Os organizadores afi rmam que a WikiLeaks constitui uma entidade autorregulada. Citando: “WikiLeaks irá providenciar um fórum onde a comunidade global poderá examinar qualquer documento, testando a sua credibilidade, plausibilidade, veracidade ou falsidade.”

Em abril de 2010, a WikiLeaks postou, no website Collateral Murder, um vídeo feito em 12 de julho de 2007, que mostrava civis iraquianos sendo mortos durante um ataque aéreo das forças mili-tares dos Estados Unidos (Ver vídeo do post 59 — “Diplomacia Surda” — do blog http://linguagemdiplomatica.blogspot.com). Em julho do mesmo ano, a organização ganhou maior visibilida-de mundial, ao divulgar o Afghan War Diary, uma compilação de mais de 76.900 documentos secretos do governo americano sobre a Guerra do Afeganistão.

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Em 28 de novembro de 2010, publicou uma série de telegramas secretos de embaixadas e do governo estadunidense. Dois dias depois, em 30 de novembro, a pedido da justiça da Suécia, a Interpol distribuiu em 188 países uma notifi cação vermelha, ou seja, um chamado àqueles que souberem do paradeiro de Julian Assange para que entrem em con-tato com a polícia — o que equivale aproximadamente a uma ordem internacional de prisão. Isso porque, em agosto, duas mulheres suecas denunciaram Assange por violência sexual.

Assange defendeu a confi abilidade do material vazado sobre o confl i-to e disse que os documentos contêm evidências de que crimes de guer-ra foram cometidos por tropas de diversas nacionalidades, em especial pelas forças estadunidenses, durante a ocupação militar do Afeganistão.

O Pentágono suspeita que o responsável pela fuga das informações para a WikiLeaks tenha sido o soldado Bradley Manning, de 22 anos, que teria descarregado dezenas de milhares de documentos, utilizando-se de um sistema militar de correio eletrônico, denominado Secret Internet Protocol Router Network, ao qual apenas militares autorizados têm acesso. Inicialmente Manning fi cou preso em uma base militar no Kuwait. Em 28 de julho, foi transferido para a base dos fuzileiros navais de Quantico, na Virginia, onde está mantido em confi namento solitário.

Para o governo dos Estados Unidos, o vazamento coloca em risco as vidas dos soldados americanos e do pessoal afegão, abala a confi ança dos aliados e ameaça a segurança nacional. O diretor da WikiLeaks, porém, criticou a reação do governo norte-americano ao vazamento. Atacou especialmente o Secretário de Defesa, Robert Gates, acusando-o de estar por trás das mortes de milhares de crianças e adultos no Afe-ganistão e no Iraque. Segundo Assange, Gates poderia ter anunciado a abertura de investigações sobre as mortes denunciadas ou ter-se des-culpado diante do povo afegão, mas não fez nada disso. “Decidiu tratar estes assuntos e os países afetados com desprezo”, concluiu.

(Texto extraído da Wikipédia em 10 de dezembro de 2010)

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Em entrevista à Rádio CBN em 02 de dezembro, o Embaixador Marcos de Azambuja, vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, comenta os vazamentos de documentos da diplomacia norte-americana. Ouça o podcast no post 60 do blog http://linguagemdiplomatica.blogspot.com

ATAQUES AO WIKILEAKS MANCHAM A IMAGEM DOS EUA NA EUROPA

Steven Erlanger — Em Paris (França). Em 10/12/2010.

Para muitos europeus, a forte reação de Washington à en-xurrada de cabogramas diplomáticossecretos divulgada pelo site WikiLeaks demonstra arrogância imperial e hipocrisia, indicando uma obsessão pós-11 de Setembro com sigilo, algo que contradiz os princípios americanos.

Apesar de o governo Obama não ter feito nada nos tri-bunais para impedir a publicação de qualquer um dos do-cumentos vazados, ou mesmo, até o momento, buscar indiciar o fundador do WikiLeaks, Julian Assange (foto), por algum crime, autoridades e políti-cos americanos têm sido amplamente condenados na imprensa europeia por chamarem os vazamentos de tudo, de “terrorismo” (deputado Peter T. King, republicano de Nova York) a “um ataque contra a comunidade internacio-nal” (secretária de Estado, Hillary Rodham Clinton). O secretário de Defesa, Robert M. Gates, chamou a prisão de Assange por acusações separadas de es-tupro de “boa notícia”, enquanto Sarah Palin pediu para que ele fosse caçado como “agente antiamericano com sangue em suas mãos”, e Mike Huckabee, o ex-governador do Arkansas e candidato presidencial republicano, disse que ele deveria ser executado.

Para Seumas Milne, do “Guardian” de Londres, que assim como o “New York Times” publicou os mais recentes documentos do WikiLeaks, a reação ofi cial americana “está pendendo para a insanidade”. Grande parte dos vaza-mentos é de cabogramas diplomáticos de baixo nível, ele notou, concluindo que “não há muito interesse pela liberdade de informação na terra do livre”.

John Naughton, escrevendo para o mesmo jornal britânico, deplorou o ataque à abertura da Internet e a pressão sobre empresas como Amazon e eBay para remover o site WikiLeaks. “A resposta tem sido odiosa, coordenada e potencialmente abrangente”, ele disse, representando uma “deliciosa ironia” de que “agora são as chamadas democracias liberais que estão clamando pelo fechamento do WikiLeaks”.

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Há um ano, ele notou, Clinton fez um grande discurso a respeito da liber-dade da Internet, interpretado como uma resposta ao ciberataque da China contra o Google. “Mesmo em países autoritários”, ela disse, “redes de in-formação estão ajudando pessoas a descobrirem novos fatos e tornando os governos mais responsáveis”. Para Naughton, “esse discurso de Clinton agora parece uma obra-prima satírica”.

Os russos pareceram ter um prazer especial em provocar Washington por sua reação aos vazamentos, sugerindo que os americanos estavam sendo hipó-critas. “Se o país é uma democracia plena, então por que colocaram Assange na prisão? Vocês chamam isso de democracia?” disse o primeiro-ministro Vla-dimir Putin, durante uma coletiva de imprensa ao lado do primeiro-ministro francês, François Fillon. Assange está na prisão no Reino Unido enquanto os suecos buscam sua extradição para enfrentar acusações de estupro. Putin então se referiu a um provérbio russo cuja tradução aproximada seria “o roto falando do rasgado”. “Sabe, no interior, nós temos um ditado, ‘A vaca dos ou-tros pode mugir, mas a sua deve fi car quieta’”, disse Putin. “Assim, eu gostaria de rebater esse disco (de hóquei) de volta aos nossos colegas americanos.”

Os jornais alemães foram igualmente duros. Até mesmo o “Financial Ti-mes Deutschland” (independente do “Financial Times” de língua inglesa) disse que a “reputação já manchada dos Estados Unidos apenas será ainda mais maculada com o novo status de mártir de Assange”. Ele acrescentou que “a esperança abertamente abraçada pelo governo americano de que o Wiki-Leaks desaparecerá de cena junto com Assange é questionável”.

Assange está sendo caçado, disse o jornal, “apesar de ninguém ter explica-do quais crimes Assange supostamente cometeu com a publicação de docu-mentos secretos, ou por que a publicação pelo WikiLeaks foi uma ofensa, e pelo ‘New York Times’ não foi”.

O “Berliner Zeitung” de esquerda escreveu que a reputação de Washing-ton foi manchada pelos vazamentos. Mas a reputação dos líderes americanos “está sendo muito mais manchada agora ao tentarem — de todas as formas — amordaçar o WikiLeaks” e Assange. Eles foram os primeiros, alegou o jornal, a usarem “o poder da Internet contra os Estados Unidos. Esse é o mo-tivo para estarem sendo perseguidos impiedosamente. Esta é o motivo para o governo estar traindo um dos princípios da democracia”.

O “Berliner Zeitung” prosseguiu: “Os Estados Unidos estão traindo um de seus mitos fundadores: a liberdade da informação. E estão fazendo isso agora, porque pela primeira vez desde o fi nal da Guerra Fria, eles estão ame-açados de perder o controle mundial da informação”.

Nicole Bacharan, uma acadêmica sobre os Estados Unidos no Institut d’Études Politiques, disse que na França “há uma fratura entre aqueles que consideram a diplomacia americana efi ciente, que entende o mundo e tem infl uência positiva, e aqueles que desconfi am dos objetivos dessa diploma-

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cia”. O que mais chama a atenção dela, ela disse, é que “os pró-americanos têm sido mais rudes do que os antiamericanos aqui”.

Mas Renaud Girard, um jornalista respeitado do jornal “Le Figaro” de centro-direita, disse que fi cou impressionado pela alta qualidade em geral do corpo diplomático americano. “O que é mais fascinante é que não vemos cinismo na diplomacia americana”, ele disse. “Eles realmente acreditam em direitos humanos na África, China, Rússia e Ásia. Eles realmente acreditam na democracia e nos direitos humanos. As pessoas acusam os americanos de dois pesos e duas medidas o tempo todo. Mas não é verdade aqui. Quanto muito os diplomatas são quase ingênuos, e não acho que esses vazamentos ameaçarão os Estados Unidos. A maioria verá os diplomatas como honestos e sinceros, não tão cínicos.”

Mesmo Laurent Joff rin, editor do jornal esquerdista “Libération”, defen-deu o direito ao sigilo diplomático e disse que é preciso refl etir a respeito da “exigência de transparência a qualquer preço”. Os Estados devem ter segre-dos, ele disse, desde que tenham supervisão de representantes eleitos. “É um paradoxo ver o WikiLeaks concentrar seus ataques basicamente contra demo-cracias”, disse Joff rin. “E é reconfortante ver que as comunicações secretas de grandes potências diplomáticas não diferem muito em conteúdo do que elas dizem em público.”

O ataque mais forte ao WikiLeaks veio do editor do “Le Figaro”, Étienne Mougeotte, que chamou a publicação dos cabogramas, como o que listava localizações estratégicas americanas, como um “presente precioso” para os terroristas. Os vazamentos, ele disse, servem para aqueles que “decidiram pre-judicar o poder americano, desestabilizar os grandes países industrializados, colocar o máximo de desordem nas relações internacionais”.

Assange, ele escreveu, “não é o corretor gentil das injustiças na Internet que alguns gostariam que fosse — ele é, na melhor das hipóteses, um homem perigoso e irresponsável, ou, na pior, um delinquente perverso”.

As autoridades russas, acima de tudo, parecem estar se regozijando com o embaraço americano, com algumas sugerindo que Assange recebesse o Prê-mio Nobel da Paz. Dmitri O. Rogozin, o embaixador abusado e citável da Rússia na Otan, sugeriu que a prisão de Assange demonstra que não existe “liberdade de imprensa” no Ocidente. Seu “destino”, opinou Rogozin, repre-senta “perseguição política” e um desrespeito aos direitos humanos.

Maia de la Baume e Scott Sayare, em Paris, e Cliff ord J. Levy, em Moscou (Rússia), contribuíram com reportagem.

Tradução: George El Khouri Andolfato.

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MAIS INFORMAÇÕES:

1) “Th e US Diplomatic Leaks: a Superpower’s View of the World” (Der Spiegel On Line: http://www.spiegel.de/international/world/0,1518,731580,00.html).

2) Blog http://cartacapitalwikileaks.wordpress.com/3) Animação chinesa explica o caso WikiLeaks (com legenda em

inglês). Acesso no link: http://cartacapitalwikileaks.wordpress.com/2010/12/09/animacao-japonesa-explica-o-caso-wikileaks/

QUESTÕES PARA DEBATE EM SALA DE AULA:

• O vazamento dos documentos diplomáticos pode ser considerado “um ataque contra a comunidade internacional”?

• As “redes de informação estão ajudando pessoas a descobrirem novos fatos e tornando os governos mais responsáveis”?

• Segundo o Berliner Zeitung, “os Estados Unidos estão traindo um de seus mitos fundadores: a liberdade da informação”. Isto porque, “pela primeira vez desde o fi nal da Guerra Fria, eles estão ameaçados de perder o controle mundial da informação”. A perda da liberdade de informação seria um ataque contra a sociedade global?

• Laurent Joff rin, editor do jornal esquerdista “Libération”, defendeu o direito ao sigilo diplomático e disse que é preciso refl etir a respeito da “exigência de transparência a qualquer preço”. A ordem do sistema internacional depende de uma certa tolerância à diplomacia secreta?

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PARTE 2 — OS SUJEITOS DE DIREITO QUE ATUAM NO MUNDO

5ª AULA: ESTADO

EMENTA:

Elementos essenciais à existência de um Estado desde a perspectiva do direito internacional público. Política Externa. Princípios das Relações Inter-nacionais do Brasil.

OBJETIVOS:

Revisitar os elementos formadores do Estado desde a perspectiva do di-reito internacional. Analisar a política jurídica externa como política externa e os dispositivos constitucionais que tratam de questões atinentes ao direito internacional. Analisar como o governo brasileiro atua sobre o direito inter-nacional e o utiliza para a defesa dos interesses nacionais. Trata-se da política governamental a respeito do direito internacional e não determinada pelo direito internacional.

LEITURA PARA A AULA:

1) SEITENFUS, Ricardo. Para uma nova política externa brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994. pp. 17-30.

2) LAFER, Celso. A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira: passado, presente e futuro. São Paulo: Perspecti-va, 2001, p. 23-49.

3) Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (Con-venção de Montego Bay, de 1982. Em vigor, no Brasil, desde 16 de novembro de 1994). Disponível em http://www2.mre.gov.br/dai/m_1530_1995.htm

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CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

DE 1988

PRINCÍPIOS QUE REGEM AS RELAÇÕES EXTERIORES

O preâmbulo da Constituição afi rma estar a sociedade brasileira comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pací-fi ca de controvérsias.

Conforme o art. 1º, a República Federativa do Brasil tem como um de seus fundamentos a soberania (inciso I). A ordem econômica brasileira deve observar o princípio da soberania nacional (art. 170, I).

Os princípios que devem reger as relações exteriores estão elencados no art. 4º:

• Independência nacional (I);• Prevalência dos direitos humanos (II);• Autodeterminação dos povos (III);• Não intervenção (IV);• Igualdade entre os Estados (V);• Defesa da paz (VI);• Solução pacífi ca dos confl itos (VII);• Repúdio ao terrorismo e ao racismo (VIII)• Cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (IX);• Concessão de asilo político (X);

Art. 4º, parágrafo único— A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de na-ções.

Art. 5º, §2º — Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela ado-tados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Faixa de fronteira

Art. 20, § 2º — A faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de lar-gura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fron-

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teira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei.

Atribuições do Presidente da República

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:VII — manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus

representantes diplomáticos;VIII — celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujei-

tos a referendo do Congresso Nacional;XIX — declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autoriza-

do pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocor-rida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional;

XX — celebrar a paz, autorizado ou com o referendo do Con-gresso Nacional;

XXII — permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele perma-neçam temporariamente.Art. 78. O Presidente e o Vice-Presidente da República tomarão

posse em sessão do Congresso Nacional, prestando o compromisso de manter, defender e cumprir a Constit u ição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a in-dependência do Brasil.

Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o C o nselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de:

II — declaração de estado de guerra ou resposta a agressão arma-da estrangeira.Art. 138, § 1º — O estado de sítio, no caso do art. 137, I, nã o

poderá ser decretado por mais de trinta dias, nem prorrogado, de cada vez, por prazo superior; no do inciso II, poderá ser decretado por todo o tempo que perdurar a guerra ou a agressão armada estrangeira.

Competências da União

Art. 21. Compete à União:I — manter relações com Estados estrangeiros e participar de

organizações internacionais;II — declarar a guerra e celebrar a paz;III — assegurar a defesa nacional;

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IV — permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele perma-neçam temporariamente;

(...)

XXII — executar os serviços de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;

XXIII — explorar os serviços e instalações nucleares d e qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o en-riquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princí-pios e condições:

a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fi ns pacífi cos e mediante aprovação do Congresso Nacional.

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...)XIII — nacionalidade, cidadania e naturalização;XV — emigração e imigração, entrada , extradição e expulsão de

estrangeiros; XXVI — atividades nucleares de qualq uer natureza;XXVIII — defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa maríti-

ma, defesa civil e mobilização nacional.Art. 34. A União não intervirá nos E s t a d o s nem no D istrito Federal,

exceto para:I — manter a integridade nacional;II — repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação

em outra;VII — assegurar a observância dos seguintes princípios constitu-

cionais:b) direitos da pessoa humana.

Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir em-préstimos compulsórios:

I — para atender a despesas extraordinárias , decorrentes de cala-midade pública, de guerra externa ou sua iminência.

Art. 154. A União poderá instituir:II — na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extra-

ordinários, compreendidos ou não e m s ua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.

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Aumento do n í vel do mar leva Maldivas a procurar territórioBBC N e ws

O presidente eleito da República das Maldivas, Mohamed Nasheed, anunciou planos para comprar um n ovo território para o seu povo.

Pontos mais elevados nas Mal divas têm cerca de 2 metros

Ele está tão preocupado com o aumento do nível do mar causado pelo aquecimento global q u e acredita que os habitantes das ilhas que formam o país podem acabar tendo q ue se estabelecer em outros paí ses.

Com suas praias de areias brancas, palmeiras e mais de mil ilhas e atóis de coral banhadas pelas águas do Oceano Índico, as Maldivas, um ex-protetora-do britânico, parecem um paraíso. Mas seu território está encolhendo a cada ano. No último século, o nível do mar em partes do arquipélago subiu quase 20 centímetros.

As Maldivas são a nação com a costa mais próxima ao nível do mar no mundo — seu relevo mais alto fi ca dois metros acima do nível do mar.

A Organização das Nações Unidas (ONU) estimam que o nível do mar pode subir globalmente até quase 60 centímetros este século.

Nasheed teme que até uma elevação pequena possa levar à inundação de algumas ilhas. “Nós não podemos fazer nada para impedir as mudanças cli-máticas sozinhos então nós temos que comprar terra em outro lugar. É uma apólice de seguros para o pior quadro possível”, afi rmou.

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O turismo traz milhões de dólares para o país anualmente. O plano do presidente eleito é criar o que ele qualifi ca como um “fundo soberano” (apli-cação de parte das reservas internacionais em investimentos de maior risco e retorno) gerado pela “importação de turistas” da forma como os países árabes fi zeram com a exportação de petróleo. “O Kuwait investiu em empresas, nós vamos investir em terras”, afi rmou.

Nasheed procura um lugar próximo, com cultura, culinária e clima seme-lhantes — possivelmente na Índia ou Sri Lanka. Mas a Austrália também está sendo levada em conta por causa das dimensões de territórios não-ocupados. Ele teme que, se não tomar medidas prevendo o futuro, os descendentes dos 300 mil habitantes das ilhas Maldivas podem se tornar refugiados ambientais.

“Nós não queremos deixar as Maldivas, mas nós não queremos ser refugia-dos vivendo em tendas por décadas”, concluiu Nasheed.

Assista ao vídeo em http://www.youtube.com/watch?v=kJHe5SNV4yc

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Lei nº 8.617, de 4 de janeiro de 1993:

Dispõe sobre o mar territorial, a zona contígua, a zona econômica exclusi-va e a plataforma continental brasileiros, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacio-nal decreta e eu sanciono a seguinte lei:

CAPÍTULO IDo Mar Territorial

Art. 1º O mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze mi-lhas marítima de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas ofi cialmente no Brasil.

Parágrafo único. Nos locais em que a costa apresente recorte profundos e reentrâncias ou em que exista uma franja de ilhas ao longo da costa na sua proximidade imediata, será adotado o método das linhas de base retas, ligan-do pontos apropriados, para o traçado da linha de base, a partir da qual será medida a extensão do mar territorial. (Regulamento)

Art. 2º A soberania do Brasil estende-se ao mar territorial, ao espaço aéreo sobrejacente, bem como ao seu leito e subsolo.

Art. 3º É reconhecido aos navios de todas as nacionalidades o direito de passagem inocente no mar territorial brasileiro.

§ 1º A passagem será considerada inocente desde que não seja prejudicial à paz, à boa ordem ou à segurança do Brasil, devendo ser contínua e rápida.

§ 2º A passagem inocente poderá compreender o parar e o fundear, mas apenas na medida em que tais procedimentos constituam incidentes comuns de navegação ou sejam impostos por motivos de força ou por difi culdade grave, ou tenham por fi m prestar auxílio a pessoas a navios ou aeronaves em perigo ou em difi culdade grave.

§ 3º Os navios estrangeiros no mar territorial brasileiro estarão sujeitos aos regulamentos estabelecidos pelo Governo brasileiro.

CAPÍTULO IIDa Zona Contígua

Art. 4º A zona contígua brasileira compreende uma faixa que se estende das doze às vinte e quatro milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial.

Art. 5º Na zona contígua, o Brasil poderá tomar as medidas de fi scalização necessárias para:

I — evitar as infrações às leis e aos regulamentos aduaneiros, fi scais, de imigração ou sanitários, no seu territórios, ou no seu mar territorial;

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II — reprimir as infrações às leis e aos regulamentos, no seu território ou no seu mar territorial.

CAPÍTULO IIIDa Zona Econômica Exclusiva

Art. 6º A zona econômica exclusiva brasileira compreende uma faixa que se estende das doze às duzentas milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial.

Art. 7º Na zona econômica exclusiva, o Brasil tem direitos de soberania para fi ns de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não-vivos, das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo, e no que se refere a outras atividades com vistas à ex-ploração e ao aproveitamento da zona para fi ns econômicos.

Art. 8º Na zona econômica exclusiva, o Brasil, no exercício de sua juris-dição, tem o direito exclusivo de regulamentar a investigação científi ca ma-rinha, a proteção e preservação do meio marítimo, bem como a construção, operação e uso de todos os tipos de ilhas artifi ciais, instalações e estruturas.

Parágrafo único. A investigação científi ca marinha na zona econômica ex-clusiva só poderá ser conduzida por outros Estados com o consentimento prévio do Governo brasileiro, nos termos da legislação em vigor que regula a matéria.

Art. 9º A realização por outros Estados, na zona econômica exclusiva, de exercícios ou manobras militares, em particular as que impliquem o uso de armas ou explosivas, somente poderá ocorrer com o consentimento do Go-verno brasileiro.

Art. 10. É reconhecidos a todos os Estados o gozo, na zona econômica exclusiva, das liberdades de navegação e sobrevôo, bem como de outros usos do mar internacionalmente lícitos, relacionados com as referidas liberdades, tais como os ligados à operação de navios e aeronaves.

CAPÍTULO IVDa Plataforma Continental

Art. 11. A plataforma continental do Brasil compreende o leito e o subso-lo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural de seu território terrestre, até o bordo exterior da margem continental, ou até uma distância de duzentas milhas marítimas das linhas de base, a partir das quais se mede a largura do mar ter-ritorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância.

Parágrafo único. O limite exterior da plataforma continental será fi xado de conformidade com os critérios estabelecidos no art. 76 da Convenção das

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Nações Unidas sobre o Direito do Mar, celebrada em Montego Bay, em 10 de dezembro de 1982.

Art. 12. O Brasil exerce direitos de soberania sobre a plataforma continen-tal, para efeitos de exploração dos recursos naturais.

Parágrafo único. Os recursos naturais a que se refere o caput são os re-cursos minerais e outros não-vivos do leito do mar e subsolo, bem como os organismos vivos pertencentes a espécies sedentárias, isto é, àquelas que no período de captura estão imóveis no leito do mar ou no seu subsolo, ou que só podem mover-se em constante contato físico com esse leito ou subsolo.

Art. 13. Na plataforma continental, o Brasil, no exercício de sua jurisdi-ção, tem o direito exclusivo de regulamentar a investigação científi ca mari-nha, a proteção e preservação do meio marinho, bem como a construção, operação e o uso de todos os tipos de ilhas artifi ciais, instalações e estruturas.

§ 1º A investigação científi ca marinha, na plataforma continental, só po-derá ser conduzida por outros Estados com o consentimento prévio do Go-verno brasileiro, nos termos da legislação em vigor que regula a matéria.

§ 2º O Governo brasileiro tem o direito exclusivo de autorizar e regulamen-tar as perfurações na plataforma continental, quaisquer que sejam os seus fi ns.

Art. 14. É reconhecido a todos os Estados o direito de colocar cabos e dutos na plataforma continental.

§ 1º O traçado da linha para a colocação de tais cabos e dutos na platafor-ma continental dependerá do consentimento do Governo brasileiro.

§ 2º O Governo brasileiro poderá estabelecer condições para a colocação dos cabos e dutos que penetrem seu território ou seu mar territorial.

Art. 15. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 16. Revogam-se o Decreto-Lei nº 1.098, de 25 de março de 1970, e as demais disposições em contrário.

Brasília, 4 de janeiro de 1993; 172º da Independência e 105º da República

ITAMAR FRANCOFernando Henrique Cardoso

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76 Do portal de notícias G1, disponível

em http://g1.globo.com/Noticias/

Mundo/0,,AA1411897-5602,00.html,

acesso em 14.06.2012.

“Príncipe”” de Sealand coloca à venda o menor país do mundo76

Território de Sealand é plataforma de concreto sobre pilares. Acesso ao local só é possível por helicóptero ou pelo mar.

O inóspito Principado de Sealand

LONDRES — O “príncipe” Michael de Sealand decidiu colocar à venda sua ilha artifi cial na costa inglesa, considerada o menor país do mundo.

O Principado de Sealand emite seus próprios passaportes e selos dos cor-reios, cunha sua própria moeda e tem uma seleção nacional de futebol, entre outras características de um estado independente.

Embora ofereça uma excelente vista para o mar, não é um lugar muito confortável para viver, já que o “território” de Sealand consiste em uma plata-forma de concreto sobre dois pilares, parte de um forte marítimo construído na Segunda Guerra Mundial.

Sealand fi ca a 11 quilômetros da costa de Harwich, no condado de Essex, sudeste da Inglaterra, e o acesso só é possível por helicóptero ou pelo mar.

Apesar de ser um Principado, Sealand não têm nada de palaciano, como afi rma o jornal britânico “Th e Times”, que publicou a notícia da venda. Seus habitantes vivem em barracões de aço e convivem o tempo todo com o baru-lho de vários geradores.

Em setembro de 1967, um ex-major do Exército britânico chamado Roy Bates se estabeleceu com sua família no inóspito lugar, proclamou o território como sua propriedade e concedeu a si mesmo o título de príncipe.

Um ano depois, a Marinha de Guerra britânica tentou expulsá-lo, sem sucesso.

Um juiz britânico considerou que Sealand estava além do limite de três milhas das águas territoriais do Reino Unido, por isso estava fora do controle do governo de Londres.

Sete anos depois, o “príncipe” Roy criou uma Constituição, uma bandeira e um hino nacional, e cunhou dólares de ouro e prata.

Posteriormente, foram emitidos passaportes para as pessoas que mostra-ram apoio aos interesses de Sealand.

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77 Imagem de http://www.google.

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GmjtaM-th6v_M:&imgrefurl=http://

no.wikipedia.org/wiki/Fil:Map_of_Se-

aland_with_terr i tor ia l_waters.

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rt=0&ndsp=28&ved=1t:429,r:0,s:0,i

:74&biw=1440&bih=785, acesso em

14.06.2012.

SobressaltosEmbora seja curta, a história de Sealand teve alguns sobressaltos, como em

1978, quando um grupo de empresários alemães e holandeses chegou à ilha para fazer um negócio e seqüestrou o fi lho do príncipe Roy.

O autoproclamado príncipe contra-atacou, recuperou o fi lho e deteve os empresários, que foram libertados depois.

Segundo o “Th e Times”, a vida hoje é muito mais tranqüila em Sealand, e o “príncipe” Michael, de 54 anos, que substituiu o pai em 1999, não mostra muito apego a seu reinado, já que passa a maior parte do tempo em terra fi rme.

“Fomos os proprietários durante 40 anos e meu pai já tem 85 anos. Tal-vez seja preciso um pouco de rejuvenescimento”, afi rma Michael ao jornal britânico.

Sobre o preço que pedirá pela ilha, Michael diz que “foram mencionados números astronômicos, mas veremos o que fi nalmente nos oferecerão”.

77

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Orientações para leitura e debate:a) Quais os requisitos para a existência de um Estado?b) Sealand pode ser considerada um Estado?c) Caso tenha respondido negativamente à pergunta anterior, haveria al-

guma hipótese em que o direito internacional pudesse reconhecer a existência de Sealand como Estado soberano?

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6ª AULA: ESTADO

RECONHECIMENTO DE ESTADO E RECONHECIMENTO DE GOVERNO

EMENTA:

Estados. Reconhecimento de Estado. Teoria declaratória e teoria constitu-tiva. Reconhecimento de governo. Reconhecimento de facto e de jure.

OBJETIVOS:

Debater se o reconhecimento de Estado é constitutivo da existência de uma nova unidade política soberana no mapa mundial e analisar as implica-ções jurídicas do não reconhecimento de governo.

LEITURA PARA A AULA:

REZEK, J. F. Direito Internacional Público. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. (Parte II, capítulo 1, seção VI).

SUGESTÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR:

1) AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao Direito Interna-cional Público. São Paulo: Atlas, 2008, capítulo 11.

2) SOARES, Guido Fernando S. Curso de Direito Internacional Pú-blico. São Paulo: Atlas, 2004, capítulo 11.

3) DINH, Nguyen Quoc. Direito Internacional Público. 2ª ed. Lis-boa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 569 a 584.

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Caso: Povo kosovar x SérviaKosovo declara independência

Globo.com 17/02/08 — 11h45 — Atualizado em 17/02/08 — 13h46http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL302307-5602,00.html

O primeiro-ministro kosovar, Hashim Th aci, declarou a indepen-dência unilateral de Kosovo, neste domingo (17), em uma sessão ex-traordinária do parlamento. “Nós, os líderes do nosso povo, democra-ticamente eleitos, proclamamos por meio desta declaração que Kosovo é agora um estado independente e soberano”, disse Th aci à assembléia. “Esta declaração refl ete o desejo do povo”, completou.  ”A partir de agora, o Kosovo mudou de posição política. Somos agora um Estado independente, livre e soberano”, declarou o presidente do Parlamento, Jakup Krasniqi, aos deputados, reunidos em sessão plenária extraordi-nária.

Os 109 deputados presentes no Parlamento votaram a favor da in-dependência desta província entre aplausos, enquanto, nas ruas da ca-pital, milhares de manifestantes agitavam bandeiras albanesas.

Editoria de Arte/G1

Reação sérviaLogo depois da proclamação, o presidente sérvio, Boris Tadic, de-

clarou que a Sérvia nunca reconhecerá a independência do Kosovo. “A Sérvia nunca reconhecerá a independência do Kosovo. A Sérvia reagiu

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e reagirá por todos os meios pacífi cos, diplomáticos e legais para anular esse ato cometido pelas instituições do Kosovo”, acrescentou Tadic.

O primeiro-ministro sérvio, Vojislav Kostunica, disse neste domin-go que a Sérvia lutará “sem o uso da força” para recuperar Kosovo. Kos-tunica acusou os Estados Unidos de ter imposto seus interesses nessa província, e a União Européia (UE) de ter “abaixado a cabeça”. “Hoje foi proclamado o falso Estado do Kosovo na parte sérvia sob controle militar da Otan”, disse o primeiro-ministro, em entrevista coletiva em Belgrado, pouco depois de o Kosovo declarar sua independência em relação à Sérvia.

Os Estados Unidos e vários outros grandes países da UE expres-saram nas últimas semanas a intenção de reconhecer rapidamente a independência depois de sua proclamação.

OposiçãoAo contrário, Belgrado, apoiada fi rmemente pela Rússia, e os sérvios

de Kosovo, que representam pouco menos de 10% da população, são contrários à independência da província.

A Rússia também não está disposta a aceitar a independência da província. “O reconhecimento da independência do Kosovo seria ilegal e imoral”, disse o presidente russo Vladmir Putin no fi nal de janeiro. Putin advertiu que o reconhecimento do novo estado trará o retorno da instabilidade aos Bálcãs. A Rússia pediu neste domingo uma reunião urgente do Conselho de Segurança da ONU em relação à proclamação unilateral da independência da província sérvia do Kosovo, declarou a porta-voz da missão russa nas Nações Unidas em Nova York, Maria Zakharova, à agência ofi cial russa “Itar-Tass”.

Sessão extraordináriaO premiê kosovar havia anunciado mais cedo à imprensa sobre a

convocação de uma sessão extraordinária do Parlamento neste domin-go para votar a declaração de independência da província sérvia. “Devo informar que tenho o prazer, a honra e a responsabilidade de ter, há alguns minutos, solicitado uma sessão extraordinária do Parlamento”, declarou o premiê, mais cedo neste domingo. “Na pauta, está a de-claração de independência” da província sérvia de maioria albanesa, acrescentou. “Temos que tomar a decisão permitindo que o Kosovo faça parte dos países independentes”.

Em sua solicitação ao Parlamento, Th aci pediu aos deputados que se pronunciassem sobre o plano do emissário especial da ONU Martti Ahtisaari, que prevê uma independência sob “supervisão internacio-nal”. Ele também deu as boas-vindas à missão da União Européia (UE)

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encarregada de “acompanhar” os primeiros passos da independência do Kosovo.

“Sabendo que as discussões sobre o estatuto estão encerradas, e re-confi rmando nossa promessa de aplicar a proposta do enviado especial da ONU, e também desejando as boas-vindas à missão internacional dirigida pela UE que vai permitir o desenvolvimento democrático e a supervisão da aplicação do plano Ahtisaari, peço que convoquem o Parlamento para uma sessão extraordinária”, escreveu Th aci em sua so-licitação.

A missão da UE deve substituir a Missão da ONU no Kosovo (Mi-nuk), que administra a província desde o fi m do confl ito entre as forças sérvias e a guerrilha separatista albanesa, em 1999.

VÍDEOS

KOSOVO — CAN YOU IMAGINE?Parte 1: http://www.youtube.com/watch?v=y1k7evTPjbc (T: 10m)Parte 2: http://www.youtube.com/watch?v=2wdWgbEMgDc&feature=re

lated (T: 10m10s)Parte 3: http://www.youtube.com/watch?v=fmWJI8vvc64&feature=re

lated (T: 9m56s)KOSOVO — Rebuilding the Dream (Tempo: 25min40s)http://www.youtube.com/watch?v=JDixirldjlE&feature=fvwKOSOVO — La verité (em francês)http://www.dailymotion.com/video/x9arr9_kosovo-la-verite_travel

BRASIL SÓ RECONHECE KOSOVO SE HOUVER ACORDO COM SÉRVIA

Agência Estado — 22/02/2008

O governo brasileiro não apóia a independência do Kosovo por ter ocorrido de maneira unilateral e somente a reconhecerá quando for o resultado de um acordo político com a Sérvia, sob a condução das Organizações das Nações Unidas (ONU). Essa interpretação de recentes declarações do chanceler Celso Amorim e de uma nota ofi cial divulgada hoje, na qual o Itamaraty expressou sua preocupação com a onda de violência na Sérvia e com os ataques à embai-xada dos Estados Unidos em Belgrado, foi confi rmada por diplomatas.

Do ponto de vista do Itamaraty, ao declarar o país independente, os líderes do Kosovo ignoraram a Resolução 1244 do Conselho de Segurança da ONU,

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de 1999. O texto prevê o compromisso das Nações Unidas com a integridade territorial e a soberania da Iugoslávia (atual Sérvia) e também determina, no seu Anexo 2, que um possível governo soberano do Kosovo seja o resultado de um acordo político.

“O governo brasileiro reitera apelo ao comedimento (na Sérvia) e rea-fi rma sua convicção de que uma solução pacífi ca para a questão do Kosovo deve continuar a ser buscada por meio do diálogo e da negociação, sob os auspícios das Nações Unidas e no marco legal da resolução 1244 (1999) do Conselho de Segurança”, informa a nota.

O Itamaraty preocupa-se principalmente com o efeito em cascata que a independência do Kosovo possa ter mundo afora, conforme indicou Amo-rim no último dia 18, em Brasília. Em especial, nos países com população fragmentada. Em suas recentes declarações, o chanceler defende que o Brasil espere uma decisão do Conselho de Segurança antes de defi nir sua posição ofi cial sobre o tema. Para ele, os países que já reconheceram a independência do Kosovo colocaram as Nações Unidas em “segundo lugar”.

ADVISORY OPINIONINTERNATIONAL COURT OF JUSTICE

Website: www.icj-cij.org Press ReleaseUnoffi cial No. 2010/25. 22 July 2010

CJ President Hisashi Owada reading the Court’s Advisory Opinion on Kosovo on 22 July 2010 in the Great Hall of Justice of the Peace Palace, where the ICJ has had its seat since 1946. Photograph:

Gerald van Daalen/Capital Photos — Courtesy of the ICJ. All rights reserved.

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Accordance with international law of the unilateral declaration of independence

in respect of Kosovo

Advisory Opinion

Th e Court fi nds that the declaration of independence of Kosovo adopted on 17 February 2008

did not violate international law

THE HAGUE, 22 July 2010. Th e International Court of Justice (ICJ), the principal judicial organ of the United Nations, has today given its Advisory Opinion on the question of the Accordance with in-ternational law of the unilateral declaration of independence in respect of Kosovo (request for advisory opinion).

In this Opinion, the Court unanimously fi nds that it has jurisdic-tion to give the advisory opinion requested by the General Assembly of the United Nations and, by nine votes to fi ve, decides to comply with that request.

Th e Court then responds to the request as follows:“(3) By ten votes to four,Is of the opinion that the declaration of independence of Kosovo

adopted on 17 February 2008 did not violate international law.”Reasoning of the CourtAt the end of its reasoning, which is summarized below, the Court

concludes “that the adoption of the declaration of independence of 17 February 2008 did not violate general international law, Securi-ty Council resolution 1244 (1999) or the Constitutional Framework [adopted on behalf of UNMIK by the Special Representative of the Secretary-General]”, and that “[c]onsequently the adoption of that de-claration did not violate any applicable rule of international law”.

Th e Advisory Opinion is divided into fi ve parts: (I) jurisdiction and discretion; (II) scope and meaning of the question; (III) factual back-ground; (IV) the question whether the declaration of independence is in accordance with international law; and (V) general conclusion.

I. JURISDICTION AND DISCRETIONTh e Court recalls that, when seised of a request for an advisory opi-

nion, it must fi rst consider whether it has jurisdiction to give the opi-nion requested and whether, should the answer be in the affi rmative, there is any reason why the Court, in its discretion, should decline to exercise any such jurisdiction in the case before it.

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It thus fi rst addresses the question whether it possesses jurisdiction to give the advisory opinion requested by the General Assembly on 8 October 2008. Referring in particular to Articles 10, 11, paragraph 2, and 12 of the Charter of the United Nations, the Court observes that the General Assembly “may discuss any questions or any matters wi-thin the scope of the... Charter or relating to the powers and functions of any organs provided for in the... Charter”, and that “the Charter has specifi cally provided the General Assembly with competence to dis-cuss ‘any questions relating to the maintenance of international peace and security brought before it by any Member of the United Nations’ and... to make recommendations”. Th e Court further observes that the request for an advisory opinion does not contravene the provisions of Article 12, paragraph 1, of the Charter which prohibit the General Assembly from making any recommendation with regard to a dispute or situation in respect of which the Security Council is exercising the functions assigned to it by the Charter. Th e Court then notes that the question put by the General Assembly “certainly appears to be a legal question” within the meaning of Article 96 of the Charter and Article 65 of its Statute, and concludes from the foregoing that it has jurisdic-tion to give an advisory opinion in response to the request made by the General Assembly. It points out, in so doing, that the fact “that a question has political aspects does not suffi ce to deprive it of its charac-ter as a legal question” and also makes clear that “in determining the jurisdictional issue of whether it is confronted with a legal question, it is not concerned with the political nature of the motives which may have inspired the request or the political implications which its opi-nion might have”.

Th e Court then observes that the fact that it has jurisdiction “does not mean, however, that it is obliged to exercise it”, pointing out that the discretion accorded to it under Article 65 of the Statute whether or not to respond to a request for an advisory opinion exists “so as to pro-tect the integrity of [its] judicial function and its nature as the principal judicial organ of the United Nations”.

After recalling that its answer to a request for an advisory opinion “represents its participation in the activities of the Organization, and, in principle, should not be refused”, the Court notes that it “must satisfy itself as to the propriety of the exercise of its judicial function in the present case” and that it has therefore “given careful considera-tion as to whether, in the light of its previous jurisprudence, there are compelling reasons for it to refuse to respond to the request from the General Assembly”. First, the Court considers that the motives which lie behind the request for an advisory opinion “are not relevant to the...

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exercise of its discretion whether or not to respond”. Second, it notes that it cannot accept the argument put forward by some of those parti-cipating in the proceedings that resolution 63/3 (in which the General Assembly made its request to the Court for an advisory opinion) gave no indication “of the purpose for which the General Assembly needed the Court’s opinion and that there was nothing to indicate that the opinion would have any useful legal eff ect”. Th e Court recalls that it “has consistently made clear that it is for the organ which requests the opinion, and not for the Court, to determine whether it needs the opi-nion for the proper performance of its functions”. Th ird, it also cannot accept the suggestion of some of those participating in the proceedings that it should refuse to respond on the grounds that its opinion might lead to adverse political consequences.

Th e Court then considers an issue which it deems “important”, that is, whether it “should decline to answer the question which has been put to it on the ground that the request for the Court’s opinion has been made by the General Assembly rather than the Security Council”. It notes that “[w]hile the request... concerns one aspect of a situation which the Security Council has characterized as a threat to internatio-nal peace and security and which continues to feature on the agenda of the Council in that capacity, that does not mean that the General Assembly has no legitimate interest in the question”. It recalls that “the fact that, hitherto, the declaration of independence has been discussed only in the Security Council and that the Council has been the organ which has taken action with regard to the situation in Kosovo does not constitute a compelling reason for the Court to refuse to respond to the request from the General Assembly”. Further, it adds that “the fact that it will necessarily have to interpret and apply the provisions of Security Council resolution 1244 (1999) in the course of answe-ring the question put by the General Assembly does not constitute a compelling reason not to respond to that question”. It observes in this respect that, while the interpretation and application of a decision of one of the political organs of the United Nations is, in the fi rst place, the responsibility of the organ which took that decision, the Court, as the principal judicial organ of the United Nations, “has also frequently been required to consider the interpretation and legal eff ects of such decisions”, and that it has already done s both in the exercise of its advisory jurisdiction and in the exercise of its contentious jurisdiction. Th e Court therefore fi nds that there is “nothing incompatible with the integrity of [its] judicial function” in answering the question put by the General Assembly.

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It points out that the question is, rather, whether it should decline to respond to the request from the General Assembly unless it is asked to do so by the Security Council, the latter being, as the Court recalls, both the organ which adopted resolution 1244 and the organ which is responsible for interpreting and applying that resolution. Th e Court observes that “[w]here, as here, the General Assembly has a legitimate interest in the answer to a question, the fact that that answer may turn, in part, on a decision of the Security Council is not suffi cient to justify the Court in declining to give its opinion to the General Assembly”.

Th e Court accordingly concludes that “there are no compelling re-asons for it to decline to exercise its jurisdiction in respect of the... request” which is before it.

II. SCOPE AND MEANING OF THE QUESTIONTh e Court notes that the General Assembly has asked it whether the

declaration of independence of Kosovo adopted on 17 February 2008 was “in accordance with” international law: the answer to that question there-fore turns on whether or not the applicable international law prohibited that declaration of independence. Th e Court adds that, if it concludes that international law did prohibit the said declaration, then it should answer the question put by saying that the declaration of independence was not in accordance with international law. Th e Court observes that the task which it is called upon to perform is therefore to determine whether or not the declaration in question was adopted in violation of internatio-nal law. It points out that it “is not required by the question it has been asked to take a position on whether international law conferred a positive entitlement on Kosovo unilaterally to declare its independence or, a for-tiori, on whether international law generally confers an entitlement on entities situated within a State unilaterally to break away from it”.

III. FACTUAL BACKGROUNDTh e Court continues its reasoning by indicating that the declara-

tion of independence of Kosovo adopted on 17 February 2008 “must be considered within the factual context which led to its adoption”. It briefl y describes the relevant characteristics of the framework put in place by the Security Council to ensure the interim administration of Kosovo, namely, Security Council resolution 1244 (1999) and the regulations promulgated thereunder by the United Nations Mission in Kosovo (UNMIK). It then gives a succinct account of the develop-ments relating to the so-called “fi nal status process” in the years prece-ding the adoption of the declaration of independence, before turning to the events of 17 February 2008.

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IV. THE QUESTION WHETHER THE DECLARATION OF INDEPENDENCE IS IN ACCORDANCE WITH INTERNA-TIONAL LAW

In this fourth part, the Court examines the substance of the request submitted by the General Assembly. It recalls that it has been asked by the General Assembly to assess the accordance of the declaration of independence of 17 February 2008 with “international law”.

Th e Court fi rst turns its attention to certain questions concerning the lawfulness of declarations of independence under general inter-national law, against the background of which the question posed falls to be considered, and Security Council resolution 1244 (1999) is to be understood and applied. In particular, it notes that during the second half of the twentieth century, “the international law of self-determi-nation developed in such a way as to create a right to independence for the peoples of non-self-governing territories and peoples subject to alien subjugation, domination and exploitation” and that a “great many new States have come into existence as a result of the exercise of this right”. Th e Court observes that there were, however, also instances of declarations of independence outside this context and that “[t]he practice of States in these latter cases does not point to the emergence in international law of a new rule prohibiting the making of a declara-tion of independence in such cases”.

Th e Court states that several participants in the proceedings have contended that a prohibition of unilateral declarations of independen-ce is implicit in the principle of territorial integrity. It “recalls that [this] principle... is an important part of the international legal order and is enshrined in the Charter of the United Nations, in particular in Article 2, paragraph 4”, under the terms of which “[a]ll Members shall refrain in their international relations from the threat or use of force against the territorial integrity or political independence of any State, or in any other manner inconsistent with the Purposes of the United Nations”.

Th e Court adds that in General Assembly resolution 2625 (XXV), entitled “Declaration on Principles of International Law concerning Friendly Relations and Co-operation among States in Accordance with the Charter of the United Nations”, which refl ects customary interna-tional law (Military and Paramilitary Activities in and against Nicara-gua (Nicaragua v. United States of America), Merits, Judgment, I.C.J. Reports 1986, pp. 101-103, paras. 191-193), the General Assembly reiterated “[t]he principle that States shall refrain in their international relations from the threat or use of force against the territorial integrity or political independence of any State”. Th is resolution then enume-rated various obligations incumbent upon States to refrain from viola-

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ting the territorial integrity of other sovereign States. Th e Court points out that, in the same vein, the Final Act of the Helsinki Conference on Security and Co-operation in Europe of 1 August 1975 (the Helsinki Conference) stipulated that “[t]he participating States will respect the territorial integrity of each of the participating States” (Art. IV). Hence the Court considers that “the scope of the principle of territorial inte-grity is confi ned to the sphere of relations between States”.

After recalling that several participants have invoked resolutions of the Security Council condemning particular declarations of inde-pendence (see, inter alia, Security Council resolutions 216 (1965) and 217 (1965), concerning Southern Rhodesia; Security Council resolu-tion 541 (1983), concerning northern Cyprus; and Security Council resolution 787 (1992), concerning the Republika Srpska), the Court “notes, however, that in all of those instances the Security Council was making a determination as regards the concrete situation existing at the time that those declarations of independence were made; the illegality attached to the declarations of independence thus stemmed not from the unilateral character of these declarations as such, but from the fact that they were, or would have been, connected with the unlawful use of force or other egregious violations of norms of general international law, in particular those of a peremptory character (jus cogens)”. “In the context of Kosovo”, the Court continues, “the Security Council has never taken this position. Th e exceptional character of the resolu-tions enumerated above appears to the Court to confi rm that no ge-neral prohibition against unilateral declarations of independence may be inferred from the practice of the Security Council.” Turning to the arguments put forward by a number of participants concerning the extent of the right of self-determination and the existence of any right of “remedial secession”, the Court considers that the debates on these points “concern the right to separate from a State”. Th e Court recalls that “as almost all participants agreed, that issue is beyond the scope of the question posed by the General Assembly”. It notes that, to answer the question posed, it need only “determine whether the declaration of independence violated either general international law or the lex spe-cialis created by Security Council resolution 1244 (1999)”.

Th e Court concludes that “general international law contains no applicable prohibition of declarations of independence” and accordin-gly that the declaration of independence of 17 February 2008 did not violate general international law.

Th e Court then examines the legal relevance of Security Council resolution 1244, adopted on 10 June 1999, in order to determine whether the resolution creates special rules, and therefore ensuing obli-

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gations, under international law applicable to the issues raised by the present request and having a bearing on the lawfulness of the declara-tion of independence of 17 February 2008.

Th e Court fi rst notes that resolution 1244 (1999) was expressly adopted by the Security Council on the basis of Chapter VII of the United Nations Charter, and therefore clearly imposes international legal obligations. Th e Court observes that “none of the participants has questioned the fact that [this] resolution..., which specifi cally deals with the situation in Kosovo, is part of the law relevant in the... situa-tion [under consideration]”.

Th e Court then addresses the UNMIK regulations, including re-gulation 2001/9, which promulgated the Constitutional Framework for Provisional Self-Government and which defi ned the responsibilities relating to the administration of Kosovo between the Special Repre-sentative of the Secretary-General and the Provisional Institutions of Self-Government of Kosovo. It notes that these regulations are adopted by the Special Representative of the Secretary-General on the basis of the authority derived from Security Council resolution 1244 (1999) and thus ultimately from the United Nations Charter. It goes on to state that “[t]he Constitutional Framework derives its binding force from the binding character of resolution 1244 (1999) and thus from international law” and that “[i]n that sense it therefore possesses an international legal character”.

Th e Court further adds that at the same time, “the Constitutional Framework functions as part of a specifi c legal order, created pursuant to resolution 1244 (1999), which is applicable only in Kosovo and the purpose of which is to regulate, during the interim phase established by resolution 1244 (1999), matters which would ordinarily be the subject of internal, rather than international, law”; the “Constitutional Fra-mework therefore took eff ect as part of the body of law adopted for the administration of Kosovo during the interim phase”. Th e institutions which it created were empowered by the Constitutional Framework to take decisions which took eff ect within that body of law, the Court continues, observing “[i]n particular, [that] the Assembly of Kosovo was empowered to adopt legislation which would have the force of law within that legal order, subject always to the overriding authority of the Special Representative of the Secretary-General”.

Th e Court notes that “neither Security Council resolution 1244 (1999) nor the Constitutional Framework contains a clause providing for its termination and neither has been repealed; they therefore cons-tituted the international law applicable to the situation prevailing in Kosovo on 17 February 2008”. It concludes from the foregoing that

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“Security Council resolution 1244 (1999) and the Constitutional Fra-mework form part of the international law which is to be considered in replying to the question posed by the General Assembly”.

After considering the interpretation of resolution 1244 (1999) it-self, the Court concludes that “the object and purpose of [the] reso-lution... was to establish a temporary, exceptional legal régime which, save to the extent that it expressly preserved it, superseded the Serbian legal order and which aimed at the stabilization of Kosovo, and that it was designed to do so on an interim basis”.

Th e Court then turns to the question whether resolution 1244 (1999), or the measures adopted thereunder, introduces a specifi c pro-hibition on issuing a declaration of independence, applicable to those who adopted the declaration of independence of 17 February 2008. In order to answer this question, it is fi rst necessary for the Court to determine precisely who issued that declaration.

In the part of its Advisory Opinion devoted to the identity of the au-thors of the declaration of independence, the Court seeks to establish whether the declaration of independence of 17 February 2008 was an act of the “Assembly of Kosovo”, one of the Provisional Institutions of Self-Government, established under the Constitutional Framework, or whether those who adopted the declaration were acting in a diff erent capacity. On this point, the Court arrives at the conclusion that “the authors of the declaration of independence... did not act as one of the Provisional Institutions of Self-Government within the Constitutional Framework, but rather as persons who acted together in their capacity as representatives of the people of Kosovo outside the framework of the interim administration”.

Th e Court then turns to the question, debated in the proceedings, whether the authors of the declaration of independence acted in vio-lation of Security Council resolution 1244 (1999). After outlining the arguments submitted by the participants in the proceedings on this point, the Court undertakes a careful reading of resolution 1244 (1999) in order to determine whether that text prohibits the authors of the declaration of 17 February 2008 from declaring independence from the Republic of Serbia.

It fi rst points out that the resolution did not contain any provision dealing with the fi nal status of Kosovo or with the conditions for its achievement. In this regard, the Court notes that contemporaneous practice of the Security Council shows that “in situations where the Security Council has decided to establish restrictive conditions for the permanent status of a territory, those conditions are specifi ed in the re-levant resolution”. Th e Court notes that “under the terms of resolution

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1244 (1999) the Security Council did not reserve for itself the fi nal determination of the situation in Kosovo and remained silent on the conditions for the fi nal status of Kosovo”. It fi nds that resolution 1244 (1999) “thus does not preclude the issuance of the declaration of in-dependence of 17 February 2008 because the two instruments operate on a diff erent level: unlike resolution 1244 (1999), the declaration of independence is an attempt to determine fi nally the status of Kosovo”.

Turning to the question of the addressees of Security Council re-solution 1244 (1999), the Court recalls that, when interpreting Se-curity Council resolutions, it must establish, “on a case-by-case basis, considering all relevant circumstances, for whom the Security Council intended to create binding legal obligations”. It recalls that “it has not been uncommon for the Security Council to make demands on actors other than United Nations Member States and intergovernmental or-ganizations”, more specifi cally, in this case, on the Kosovo Albanian le-adership, but points out that such reference to that leadership or other actors, notwithstanding the somewhat general reference to “all concer-ned” (para. 14), is missing from the text of Security Council resolution 1244 (1999). Th e Court therefore considers that it cannot accept the argument that resolution 1244 (1999) contains a prohibition, binding on the authors of the declaration of independence, against declaring independence. It adds that “nor can such a prohibition be derived from the language of the resolution understood in its context and conside-ring its object and purpose”, and that “[t]he language of... resolution 1244 (1999) is at best ambiguous” on the question of whether the resolution creates such a prohibition. Th e Court notes that the object and purpose of the resolution “is the establishment of an interim ad-ministration for Kosovo, without making any defi nitive determination on fi nal status issues”.

While the text of paragraph 11 (c) of resolution 1244 (1999) explains that the “main responsibilities of the international civil presence will include... [o]rganizing and overseeing the development of provisional institutions for democratic and autonomous self-government pending a political settlement” (emphasis added), the Court nevertheless states that the phrase “political settlement”, often cited in the proceedings, “does not modify [its] conclusion” that resolution 1244 (1999) does not contain a prohibition, binding on the authors of the declaration of independence, against declaring independence. Th e Court explains that this reference is made within the context of enumerating the res-ponsibilities of the international civil presence, i.e., the Special Repre-sentative of the Secretary-General in Kosovo and UNMIK, and not of other actors; the Court adds that, as the diverging views presented to

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it on this matter illustrate, the term “political settlement” is subject to various interpretations. Th e Court therefore concludes that this part of resolution 1244 (1999) “cannot be construed to include a prohibition, addressed in particular to the authors of the declaration of 17 February 2008, against declaring independence”. Th e Court accordingly fi nds that Security Council resolution 1244 (1999) did not bar the authors of the declaration of 17 February 2008 from issuing a declaration of independence from the Republic of Serbia, and that “[h]ence, the de-claration of independence did not violate Security Council resolution 1244 (1999)”.

Finally, on the question whether the declaration of independence of 17 February 2008 has violated the Constitutional Framework esta-blished under the auspices of UNMIK, as argued by a number of States which participated in the proceedings, the Court recalls that it has already held, earlier in its Advisory Opinion, “that [this] declaration of independence... was not issued by the Provisional Institutions of Self-Government, nor was it an act intended to take eff ect, or actually taking eff ect, within the legal order in which those Provisional Institu-tions operated”. Accordingly, the Court states that “the authors of the declaration of independence were not bound by the framework of po-wers and responsibilities established to govern the conduct of the Pro-visional Institutions of Self-Government”, and fi nds that “the declara-tion of independence did not violate the Constitutional Framework”.

V. GENERAL CONCLUSIONTo bring its reasoning to a close, the Court summarizes its conclu-

sions as follows:“Th e Court has concluded above that the adoption of the declara-

tion of independence of 17 February 2008 did not violate general in-ternational law, Security Council resolution 1244 (1999) or the Cons-titutional Framework. Consequently the adoption of that declaration did not violate any applicable rule of international law.”

Composition of the CourtTh e Court was composed as follows:President Owada; Vice-President Tomka; Judges Koroma, Al-Kha-

sawneh, Buergenthal, Simma, Abraham, Keith, Sepúlveda-Amor, Ben-nouna, Skotnikov, Cançado Trindade, Yusuf, Greenwood; Registrar Couvreur. Vice-President Tomka appends a declaration to the Advisory Opinion of the Court; Judge Koroma appends a dissenting opinion to the Advisory Opinion of the Court; Judge Simma appends a declara-tion to the Advisory Opinion of the Court; Judges Keith and Sepúl-veda-Amor append separate opinions to the Advisory Opinion of the Court; Judges Bennouna and Skotnikov append dissenting opinions

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to the Advisory Opinion of the Court; Judges Cançado Trindade and Yusuf append separate opinions to the Advisory Opinion of the Court.

___________

A summary of the Advisory Opinion is contained in the document “Summary No. 2010/2”, to which summaries of the opinions and de-clarations appended to the Advisory Opinion are attached. Th is press release, the summary and the full text of the Advisory Opinion (inclu-ding the opinions and declarations of the judges) can also be found on the Court’s website (www.icj-cij.org) under the heading “Cases” (click on “Advisory Proceedings”).

___________

Link para a Resolução n. 1244 (10/06/1999) do Conselho de Segurança da ONU:

http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N99/172/89/PDF/N9917289.pdf?OpenElement

VÍDEOS

Kosovo Proceedings (22/07/2010):http://www.icj-cij.org/presscom/vod_20100722_original.php?p1=6

Final conclusions of the Court read out by ICJ President Hisashi Owada on 22 July 2010 (English): http://www.icj-cij.org/presscom/vide-os_20100722.php?p1=6

Kosovo independence — Reutershttp:// jp.reuters .com/news/video?videoChannel=200&video

Id=123608914

Kosovo — Jornal da Globohttp://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2010/07/corte-da-onu-re-

conhece-independencia-de-kosovo.html

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Brasil reconhece Estado Palestino com fronteiras de 1967BBC — 03/12/2010

O Itamaraty divulgou nesta sexta-feira carta em que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva diz “reconhecer o Estado Palestino nas fronteiras de 1967”, em resposta a pedido do presidente da Autori-dade Palestina, Mahmoud Abbas.

Segundo o ministério, Abbas mandou uma carta a Lula em 24 de novembro, solicitando o reconhecimento brasileiro de um Estado que inclua os territórios palestinos ocupados por Israel na Guerra dos Seis Dias (1967). Os territórios palestinos em questão incluem a Cisjordâ-nia, Jerusalém Oriental e a Faixa de Gaza.

Lula, que em seu mandato fez esforço para envolver-se nas negocia-ções de paz no Oriente Médio, respondeu a Abbas que “o reconheci-mento do Estado palestino é parte da convicção brasileira de que um processo negociador que resulte em dois Estados convivendo pacifi ca-mente e em segurança é o melhor caminho para a paz no Oriente Mé-dio. (...) O Brasil estará sempre pronto a ajudar no que for necessário”.

SinalizaçãoA assessoria de imprensa do Itamaraty disse que, com a mudança, a

representação diplomática brasileira em Ramallah deve passar a ser cha-mada de embaixada, embora já tenha estatus semelhante desde 1998. A chancelaria brasileira disse também que a decisão foi “mais uma sinali-zação política” do que signifi cará mudanças práticas. Segundo o comu-nicado do Itamaraty, “a iniciativa é coerente com a disposição histórica do Brasil de contribuir para o processo de paz entre Israel e Palestina” e reitera apoio à solução de dois Estados para dois povos.

Lula escreveu a Abbas que considerava sua solicitação “justa”, res-saltando que “o entendimento do governo brasileiro é de que somente o diálogo e a convivência pacífi ca com os vizinhos farão avançar ver-dadeiramente a causa palestina”. Segundo o Itamaraty, o anúncio não

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prejudicará as relações com Israel, “que nunca foram tão robustas”. Em março, Lula fez a primeira visita de um chefe de Estado brasileiro a Israel, retribuindo visita de seu par israelense, Shimon Peres.

ReaçõesA OLP (Organização para a Libertação da Palestina) afi rmou que

a decisão do governo brasileiro é uma demonstração de “solidarieda-de” e uma “resposta não violenta ao unilateralismo israelense”. “Quero agradecer ao meu amigo, presidente Lula, por cumprir com sua palavra e colocar a solidariedade em ação e dar uma resposta de forma não violenta ao unilateralismo israelense”, afi rmou em um comunicado o dirigente palestino Nabil Shaaz, membro do Comitê Central do movi-mento Fatah e ex-ministro palestino das Relações Exteriores. Para Sha-az, a decisão é “um refl exo da histórica amizade e irmandade entre os povos brasileiro e palestino”. “Trata-se além disso de uma confi rmação importante do papel do Brasil na comunidade internacional”, afi rmou.

O governo israelense, por sua vez, manifestou sua “decepção” pela decisão brasileira. “Toda a tentativa de buscar atalhos nesse processo e determinar de antemão e de forma unilateral os temas importantes e polêmicos somente prejudicará a confi ança entre as partes e seu com-promisso para concluir as negociações de paz”, afi rma um comunicado do Ministério das Relações Exteriores de Israel. Para Israel, a decisão é uma violação dos acordos bilaterais assinados nos tratados de paz com os palestinos, em 1993 e 1995, e também do chamado Mapa do Caminho, o plano de paz apresentado em 2003 como base para as ne-gociações de paz pelos mediadores do diálogo (Estados Unidos, ONU, União Europeia e Rússia).

PARA DEBATER:

Quais os argumentos políticos e jurídicos apresentados pelo Brasil para a decisão de não reconhecer Kosovo e, por outro lado, reconhecer a Palestina?

Há inconsistência política e jurídica nestas distintas posições da diploma-cia brasileira? Por quê?

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CASO ZELAYA: SUSPENSÃO DE HONDURAS NA OEA

(Textos selecionados e elaborados por Rafael Zelesco)

Lista de membros da OEA: http://www.oas.org/es/estados_miembros/de-fault.asp

Observações constantes do site:(1) El 3 de junio de 2009, los Ministros de Relaciones Exteriores de las

Américas adoptaron la resolución AG/RES. 2438 (XXXIX-O/09) (Resolu-ção disponível no material didático), la cual resuelve que la Resolución de 1962, mediante la cual se excluyó al Gobierno de Cuba de su participación en el sistema interamericano, queda sin efecto en la Organización de los Es-tados Americanos (OEA). La resolución de 2009 declara que la participación de la República de Cuba en la OEA será el resultado de un proceso de diálogo iniciado a solicitud del Gobierno de la República de Cuba y de conformidad con las prácticas, los propósitos y principios de la OEA.

(2) El 5 de julio de 2009, la Organización de los Estados Americanos (OEA) invocó el Artículo 21 de la Carta Democrática Interamericana, sus-pendiendo el derecho de participación activa a Honduras en el organismo hemisférico (Resolução disponível no material didático). La decisión unáni-me fue adoptada como consecuencia del golpe de Estado del 28 de junio que expulsó del poder al Presidente José Manuel Zelaya. Actualmente se realizan iniciativas diplomáticas para fomentar la restauración de la democracia en ese país.

Da agência de notícias Efe, em 19/02/2010:O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse hoje querer retomar o “di-

álogo” com Honduras e defender a volta do país à OEA (Organização dos Estados Americanos). Ele pediu ainda que o presidente Porfírio “Pepe” Lobo, cuja eleição não foi reconhecida pelo Brasil, promova uma reconciliação na-cional que inclua o retorno ao país de Manuel Zelaya, deposto em junho num golpe e exilado na República Dominicana, após meses de isolamento na embaixada brasileira na capital hondurenha, Tegucigalpa.

Por meio do porta-voz Marcelo Baumbach, o presidente Lula disse es-tar “preocupado com o precedente aberto pela ruptura institucional [que representou o golpe que derrubou Zelaya em junho de 2009]”, mas “acha importante o retorno de Honduras à OEA” e a “retomada do diálogo” com o governo de Lobo.

Essa declaração é mais um indício de que o Brasil está disposto a rever a rígida postura que manteve com relação ao processo eleitoral que levou Lobo ao poder —e que foi realizada sob o regime interino instalado após a depo-

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sição de Zelaya. O hondurenho, que tomou posse em janeiro passado, ainda não foi reconhecido pelo governo Lula como presidente legítim o.

Essa nova posição coincide com a postura do secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, que defendeu o retorno de Honduras ao organismo, apesar da resistência de alguns países, como o próprio Brasil, que não reco-nhecem Lobo como governante.

Nesse sentido, o porta-voz de Lula insistiu em entrevista coletiva que o Brasil “não reconhece governos, mas Estados”, e lembrou que o Brasil “man-tém uma embaixada” em Tegucigalpa, o que signifi ca por si só algum grau de reconhecimento. “Seguimos com uma embaixada, mas o diálogo está inter-rompido”, e Lula “quer retomá-lo”, por considerar “importante e necessário no contexto da integração” da América Latina, disse Baumbach.

Segundo o porta-voz, Lula “não quer que perdure essa situação de ruptura do diálogo” e considera que a Cúpula do Grupo do Rio que será realizada na próxima semana no México pode ser uma “oportunidade” para afi nar po-sições com os demais países latino-americanos. Esclareceu, no entanto, que Lula “não levará nenhuma proposta concreta”, mas “irá disposto a conversar com outros líderes latino-americanos”, porque acredita que desse encontro pode surgir “uma posição regional”.

Baumbach reiterou que, na opinião do Brasil, “devem ser tomadas algu-mas medidas internas, como a criação de uma Comissão da Verdade” e “o retorno de Manuel Zelaya ao país”, para que haja um “verdadeiro processo de reconciliação nacional” em Honduras. Ressaltou que os fatores não repre-sentam condições para retomar o diálogo com Honduras, mas ao menos um relaxamento da dura posição que o Brasil sustentou até agora.

Ontem (18), Lobo anunciou que retirará a denúncia da Carta Interameri-cana da OEA, assim como uma demanda apresentada contra o Brasil diante da Corte Internacional de Justiça de Haia. Uma e outra foram iniciativas do governo interino presidido por Roberto Micheletti e, no caso do Brasil, se referia à suposta violação de leis internacionais do governo Lula por acolher Zelaya na sede de sua embaixada em Honduras.

Baumbach admitiu hoje que o Brasil “foi lançado um pouco contra a sua vontade ao centro dessa crise”, quando Zelaya voltou em setembro de surpre-sa a Tegucigalpa após ter sido expulso do país pelos golpistas.

Zelaya chegou sem avisar à embaixada brasileira em 21 de setembro e permaneceu lá até 27 de janeiro deste ano, data em que Lobo assumiu a Presidência. Nesse mesmo dia, o ex-presidente saiu do país com destino à República Dominicana, cujo Governo o acolheu como “hóspede distinto”.

1) Vídeo da suspensão de Honduras pelo art.21 da Carta da OEA:http://www.youtube.com/watch?v=yO9oJmPN-kQ

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2) Vídeo da vice-chanceler interina de Honduras anunciando a retirada da OEA:http://www.youtube.com/watch?v=2qFL0mzoR5s&feature=related

3) RFi, em 04/07/2009:http://www.rfi .fr/actubr/articles/115/article_14346.asp

4) Agência Brasilhttp://www.youtube.com/watch?v=s-s_AXQT03o&feature=related

OEA considera retirada de Honduras da organização sem efeito jurídico

Reportagem publicada em 04/07/2009Última atualização 06/07/2009 13:54 TU

A Organização dos Estados Americanos (OEA) faz uma reunião ex-traordinária neste sábado, em Washington, para fazer um balanço da crise política em Honduras. Para o secretário-geral da OEA, a desti-tuição do presidente Zelaya foi um golpe militar mesmo se não houve derramamento de sangue. Sobre a retirada de Honduras da organiza-ção, anunciada ontem pelo governo interino, para driblar as sanções por golpe de Estado, Insulza (Secretário-geral da OEA, na foto à es-querda) disse hoje que a medida não tem efeito jurídico porque foi decidida por um governo ilegítimo, não reconhecido.

Em sua visita à capital hondurenha, Insulza disse ter percebido um clima crescente de polarização e tensão entre as forças políticas do país, que precisam voltar a dialogar. A grande preocupação do secretário-geral da OEA e de outros líderes latino-americanos é restabelecer o am-biente institucional banido pelo golpe. A promessa de realizar eleições antecipadas feita pelo  presidente interino, Roberto Micheletti, não convenceu a OEA.

Na noite de sexta-feira, Roberto Micheletti e a vice-chanceler Mar-tha Alvarado anunciaram que Honduras se retirava da OEA, em uma manobra para evitar uma suspensão iminente do país como membro

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78 Revisada por la Comisión de Estilo

celebrada el 3 de Junio de 2009.

da organização, devido à recusa de restituir ao cargo o presidente Ma-nuel Zelaya, deposto por um golpe de Estado no domingo passado. A medida foi anunciada no mesmo dia que o secretário-geral da OEA encerrava uma série de reuniões, em Tegucigalpa, com autoridades ju-diciais e parlamentares, que se negaram a voltar atrás no processo de destituição de Zelaya.

Durante o pronunciamento, a vice-chanceler afi rmou que o gover-no interino de Honduras “repudiava as pretensões da OEA” de impor sanções unilaterais. Martha Alvarado disse que os novos governantes reafi rmam “a plenitude da soberania de Honduras e o exercício de suas competências internas de acordo com a Constituição”.

Honduras é o primeiro país do continente a se retirar da OEA desde a criação da organização, em 1948, em Bogotá. Cuba foi suspensa em 1962, mas a sanção foi suspensa em maio passado justamente em uma reunião da OEA realizada em San Pedro Sula, no norte de Honduras. Apesar da intenção manifestada pelo governo interino, a retirada tam-bém não teria efeito imediato porque o artigo 143 da Carta da OEA estabelece que as obrigações dos estados membros continuam válidas por dois anos depois do anúncio de desligamento.

ASAMBLEA GENERAL

TRIGÉSIMO NOVENO PERÍODO ORDINARIO DE SESIONES2 al 4 de junio de 2009 AG/RES. 2438 (XXXIX-O/09)San Pedro Sula, Honduras 9 junio 2009

Original: español

AG/RES. 2438 (XXXIX-O/09)RESOLUCIÓN SOBRE CUBA78

(Aprobada en la tercera sesión plenaria,celebrada el 3 de junio de 2009)

LA ASAMBLEA GENERAL:

RECONOCIENDO el interés compartido en la plena participación de todos los Estados Miembros;

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GUIADA por los propósitos y principios establecidos por la Organización de los Estados Americanos (OEA) contenidos en la Carta de la Organización y en sus demás instrumentos fundamentales relacionados con la seguridad, la democracia, la autodeterminación, la no intervención, los derechos humanos y el desarrollo;

CONSIDERANDO la apertura que caracterizó el diálogo de los Jefes de Estado y de Gobierno en la Quinta Cumbre de las Américas, en Puerto España, Trinidad y Tobago, y que con ese mismo espíritu los Estados Miem-bros desean establecer un marco amplio y revitalizado de cooperación en las relaciones hemisféricas; y

TENIENDO PRESENTE QUE, de conformidad con el artículo 54 de la Carta de la Organización de los Estados Americanos, la Asamblea General es el órgano supremo de la Organización,

RESUELVE:

1. Que la Resolución VI adoptada el 31 de enero de 1962 en la Octa-va Reunión de Consulta de Ministros de Relaciones Exteriores, me-diante la cual se excluyó al Gobierno de Cuba de su participación en el sistema interamericano, queda sin efecto en la Organización de los Estados Americanos (OEA).

2. Que la participación de la República de Cuba en la OEA será el re-sultado de un proceso de diálogo iniciado a solicitud del Gobierno de la República de Cuba y de conformidad con las prácticas, los propósitos y principios de la OEA.

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ASAMBLEA GENERAL

TRIGÉSIMO SÉPTIMO PERÍODO EXTRAORDINARIO DE SESIONES30 de junio al 4 de julio de 2009 OEA/Ser.PWashington, D.C. AG/RES. 2(XXXVII-E/09) rev.1

16 julio 2009Original: español

AG/RES. 2 (XXXVII-E/09)

SUSPENSIÓN DEL DERECHO DE HONDURAS DE PARTICIPAR EN LA

ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS

(Aprobada en la segunda sesión plenaria, celebrada el 4 de julio de 2009y revisada por la Comisión de Estilo)

LA ASAMBLEA GENERAL,

PROFUNDAMENTE PREOCUPADA por el agravamiento de la crisis actual en la República de Honduras como resultado del golpe de Estado en contra del Gobierno constitucional y la detención arbitraria y expulsión del país del Presidente Constitucional José Manuel Zelaya Rosales que produjo la alteración inconstitucional del orden democrático;

REAFIRMANDO la importancia del respeto irrestricto a los derechos humanos y las libertades fundamentales, y el principio de la no intervención en los asuntos internos de otros Estados;

HABIENDO RECIBIDO el informe del Secretario General sobre las ges-tiones diplomáticas realizadas según lo previsto en el artículo 20 de la Carta Democrática Interamericana y dirigidas a restaurar la democracia y el Estado de derecho, y a la restitución en su cargo del Presidente José Manuel Zelaya Rosales, y observando que estas gestiones han sido infructuosas;

CONSTATANDO que el régimen surgido del golpe de estado rechazó acatar lo establecido en la resolución AG/RES. 1 (XXXVII-E/09) adoptada

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por el trigésimo séptimo período extraordinario de sesiones de la Asamblea General de la Organización de los Estados Americanos (OEA), el 1 de julio de 2009; y

HABIENDO TENIDO una votación entre los Estados Miembros en los términos del artículo 21 de la Carta Democrática Interamericana,

RESUELVE:

1. Suspender al Estado de Honduras del ejercicio de su derecho de participación en la Organización de los Estados Americanos de conformidad con el artículo 21 de la Carta Democrática Interame-ricana. La suspensión tendrá efecto inmediatamente.

2. Reafi rmar que la República de Honduras deberá continuar ob-servando el cumplimiento de sus obligaciones como miembro de la Organización, en particular en materia de derechos humanos e instar a la Comisión Interamericana de Derechos Humanos a que continúe adoptando todas las medidas necesarias para la tutela y defensa de los derechos humanos y las libertades fundamentales en Honduras.

3. Encomendar al Secretario General que, junto a representantes de varios países debidamente designados, intensifi que todas las ges-tiones diplomáticas y que promueva otras iniciativas para la res-tauración de la democracia y el Estado de derecho en la República de Honduras y a la restitución del Presidente José Manuel Zelaya Rosales de manera que pueda cumplir con el mandato para el cual fue democráticamente elegido e informe de inmediato al Consejo Permanente. Ninguna gestión implicará el reconocimiento del ré-gimen surgido de esta ruptura del orden constitucional.

4. Alentar a los Estados Miembros y a las organizaciones internaciona-les que revisen sus relaciones con la República de Honduras durante el período de las gestiones diplomáticas para la restauración de la democracia y el Estado de derecho en la República de Honduras y la restitución del Presidente José Manuel Zelaya Rosales.

5. Instruir al Secretario General que remita esta resolución a los demás organismos del Sistema Interamericano y al Secretario General de las Naciones Unidas.

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Documento ofi cial da Embaixada dos EUA em Honduras vazado pelo WikiLeaks

C O N F I D E N T I A L TEGUCIGALPA 000645SIPDISWHA FOR A/S TOM SHANNONL FOR HAROLD KOH AND JOAN DONOGHUENSC FOR DAN RESTREPO

E.O. 12958: DECL: 07/23/2019TAGS: PGOV, KDEM, KJUS, TFH01, HOSUBJECT: TFHO1: OPEN AND SHUT: THE CASE OF THE

HONDURAN COUP

REF: TEGUCIGALPA 578Classifi ed By: Ambassador Hugo Llorens, reasons 1.4 (b and d)

1. (C) Summary: Post has attempted to clarify some of the le-gal and constitutional issues surrounding the June 28 forced remo-val of President Manuel “Mel” Zelaya. Th e Embassy perspective is that there is no doubt that the military, Supreme Court and Na-tional Congress conspired on June 28 in what constituted an il-legal and unconstitutional coup against the Executive Branch, while accepting that there may be a prima facie case that Zelaya may have committed illegalities and may have even violated the cons-titution. Th ere is equally no doubt from our perspective that Roberto Micheletti’s assumption of power was illegitimate. Nevertheless, it is also evident that the constitution itself may be defi cient in terms of providing clear procedures for dealing with alleged illegal acts by the President and resolving confl icts between the branches of government. End summary.

2. (U) Since the June 28 removal and expulsion of President Zelaya by the Honduran armed forces, the Embassy has consulted Hondu-ran legal experts (one cannot fi nd a fully unbiased professional legal opinion in Honduras in the current politically charged atmosphere) and reviewed the text of the Honduran Constitution and its laws to develop a better understanding of the arguments being parlayed by the coup’s supporters and opponents.

-------------------------------Arguments of the Coup Defenders-------------------------------

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3. (SBU) Defenders of the June 28 coup have off ered some com-bination of the following, often ambiguous, arguments to assert it’s legality:

-— Zelaya had broken the law (alleged but not proven);-— Zelaya resigned (a clear fabrication);-— Zelaya intended to extend his term in offi ce (supposition);-— Had he been allowed to proceed with his June 28 constitutional

reform opinion poll, Zelaya would have dissolved Congress the follo-wing day and convened a constituent assembly (supposition);

-— Zelaya had to be removed from the country to prevent a bloo-dbath;

-— Congress “unanimously” (or in some versions by a 123-5 vote) deposed Zelaya; (after the fact and under the cloak of secrecy); and

-— Zelaya “automatically” ceased to be president the moment he suggested modifying the constitutional prohibition on presidential re-election.

4. (C) In our view, none of the above arguments has any substan-tive validity under the onduran constitution. Some are outright false. Others are mere supposition or ex-post rationalizations of a patently illegal act. Essentially:

-— the military had no authority to remove Zelaya from the country;-— Congress has no constitutional authority to remove a Hondu-

ran president;-— Congress and the judiciary removed Zelaya on the basis of a

hasty, ad-hoc, extralegal, secret, 48-hour process;-— the purported “resignation” letter was a fabrication and was not

even the basis for Congress’s action of June 28; and-— Zelaya’s arrest and forced removal from the country violated

multiple constitutional guarantees, including the prohibition on expa-triation, presumption of innocence and right to due process.

-------------------------------------------Impeachment under the Honduran Constitution-------------------------------------------5. (U) Under the Honduran Constitution as currently written, the

President may be removed only on the basis of death, resignation or in-capacitation. Only the Supreme Court may determine that a President has been “incapacitated” on the basis of committing a crime.

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6. (U) Th ere is no explicit impeachment procedure in the 1982 Honduran Constitution. Originally, Article 205-15 stated that Con-gress had the competence to determine whether “cause” existed against the President, but it did not stipulate on what grounds or under what procedure.

Article 319-2 stated that the Supreme Court would “hear” cases of offi cial or common crimes committed by high-level offi cials, upon a fi nding of cause by the Congress. Th is implied a vague two-step exe-cutive impeachment process involving the other two branches of go-vernment, although without specifi c criteria or procedures. However, Article 205 was abrogated in 2003, and the corresponding provision of Article 319 (renumbered 313) was revised to state only that the Supre-me Court would hear “processes initiated” against high offi cials. Th us, it appears that under the Constitution as currently written, removal of a president or a government offi cial is an entirely judicial matter.

7. (U) Respected legal opinion confi rms that the removal of a presi-dent is a judicial matter. According to a 2006 book by respected legal scholar Enrique Flores Valeriano —— late father of Zelaya’s Minister of the Presidency, Enrique Flores Lanza —— Article 112 of the Law of Constitutional Justice indicates that if any government offi cial is found to be in violation of the Constitution, that person should be remo-ved from offi ce immediately with the ultimate authority on matters of Constitutionality being the Supreme Court.

8. (U) Many legal experts have also confi rmed to us that the Hondu-ran process for impeaching a President or other senior-level offi cials is a judicial procedure. Th ey assert that under Honduran law the process consists of formal criminal charges being fi led by the Attorney General against the accused with the Supreme Court. Th e Supreme Court could accept or reject the charges. If the Court moved to indict, it would as-sign a Supreme Court magistrate, or a panel of magistrates to investigate the matter, and oversee the trial. Th e trial process is open and transpa-rent and the defendant would be given a full right of self-defense. If convicted in the impeachment trial, the magistrates have authority to remove the President or senior offi cial. Once the President is removed, then the constitutional succession would follow. In this case, if a Presi-dent is legally charged, convicted, and removed, his successor is the Vice President or what is termed the Presidential Designate. In the current situation in Honduras, since the Vice President, Elvin Santos, resigned last December in order to be able to run as the Liberal Party Presiden-tial candidate, President Zelaya’s successor would be Congress President Roberto Micheletti. Unfortunately, the President was never tried, or convicted, or was legally removed from offi ce to allow a legal succession.

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-----------------------------Th e Legal Case Against Zelaya-----------------------------9. (C) Zelaya’s opponents allege that he violated the Constitution

on numerous grounds, some of which appear on their face to be valid, others not:

-— Refusing to submit a budget to the Congress: Th e Constitution is unambiguous that the Executive shall submit a proposed budget to Congress by September 15 each year (Art. 367), that Congress shall ap-prove the budget (Art. 366) and that no obligations or payments may be eff ectuated except on the basis of an approved budget (Art. 364);

-— Refusing to fund the Congress: Article 212 states that the Tre-asury shall apportion quarterly the funds needed for the operation of the Congress;

-— Proposing an illegal constitutional referendum: Th e Constitu-tion may be amended only through two-thirds vote of the Congress in two consecutive sessions (Art. 373 and 375); a constituent assembly to rewrite the constitution, as Zelaya promoted, is therefore unconstitu-tional; however, it is not clear that proposing a constituent assembly in itself violates the constitution, only that any changes ensuing from that assembly would be invalid;

-— Defying the judgment of a competent court: Zelaya insisted on pushing ahead with his constitutional reform opinion poll after both a fi rst-instance court and an appeals court ordered him to suspend those eff orts; however, while he clearly intended to follow through with the poll, he never actually did it;

-— Proposing to reform unreformable articles: Since Zelaya’s pro-posed constituent assembly would have unlimited powers to rewrite the constitution, it violated Article 374, which makes certain articles unamendable; once again, though, Zelaya never actually attempted to change the so-called “carved in stone” articles; it was only assumed he intended to;

-— Dismissing the armed forces chief: Th e Supreme Court’s Cons-titutional Hall ruled June 25 that Zelaya was in violation of the Cons-titution for dismissing Defense Chief Vasquez Velasquez; the Consti-tution (Art. 280) states that the President may freely name or remove the chief of the armed forces; but the court ruled that since Zelaya fi red him for refusing to carry out a poll the court had ruled illegal, the fi ring was illegal.

10. (C) Although a case could well have been made against Zelaya for a number of the above alleged constitutional violations, there was

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never any formal, public weighing of the evidence nor any semblance of due process. (...)

--------------------------------------------— —Forced Removal by Military was Clearly Illegal--------------------------------------------— —14. (C) Regardless of the merits of Zelaya’s alleged constitutional

violations, it is clear from even a cursory reading that his removal by military means was illegal, and even the most zealous of coup defenders have been unable to make convincing arguments to bridge the intellec-tual gulf between “Zelaya broke the law” to “therefore, he was packed off to Costa Rica by the military without a trial.”

-— Although coup supporters allege the court issued an arrest war-rant for Zelaya for disobeying its order to desist from the opinion poll, the warrant, made public days later, was for him to be arrested and brought before the competent authority, not removed from the county;

-— Even if the court had ordered Zelaya to be removed from the country, that order would have been unconstitutional; Article 81 states that all Hondurans have the right to remain in the national territory, subject to certain narrow exceptions spelled out in Article 187, which may be invoked only by the President of the Republic with the agree-ment of the Council of Ministers; Article 102 states that no Honduran may be expatriated;

-— Th e armed forces have no/no competency to execute judicial orders; originally, Article 272 said the armed forces had the responsibi-lity to “maintain peace, public order and the ‘dominion’ of the consti-tution,” but that language was excised in 1998; under the current text, only the police are authorized to uphold the law and execute court orders (Art. 293);

-— Accounts of Zelaya’s abduction by the military indicate he was never legally “served” with a warrant; the soldiers forced their way in by shooting out the locks and essentially kidnapped the President.

15. (U) Th e Armed Forces’ ranking legal advisor, Col. Herberth Bayardo Inestroza, acknowledged in an interview published in the Honduran press July 5 that the Honduran Armed Forces had broken the law in removing Zelaya from the country. Th at same day it was reported that the Public Ministry was investigating the actions of the Armed Forces in arresting and deporting Zelaya June 28 and that the Supreme Court had asked the Armed Forces to explain the circumstan-ces that motivated his forcible exile.

16. (C) As reported reftel, the legal adviser to the Supreme Court told Poloff that at least some justices on the Court consider Zelaya’s arrest and deportation by the military to have been illegal.

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------------------------------------------Congress Had no Authority to Remove Zelaya------------------------------------------17. (C) As explained above, the Constitution as amended in 2003

apparently gives sole authority for removing a president to the judicia-ry. Th e Congressional action of June 28 has been reported in some me-dia as acceptance of Zelaya’s resignation, based on a bogus resignation letter dated June 25 that surfaced after the coup. However, the June 28 Congressional resolution makes no mention of the letter, nor does it state that Congress was accepting Zelaya’s resignation. It says Congress “disapproves” of Zelaya’s conduct and therefore “separates” him from the offi ce of President —— a constitutional authority Congress does not have. Furthermore, a source in the Congressional leadership told us that a quorum was not present when the resolution was adopted, rendering it invalid. Th ere was no recorded vote, nor a request for the “yeas” and “nays.”

18. (C) In sum, for a constitutional succession from Zelaya to Mi-cheletti to occur would require one of several conditions:

Zelaya’s resignation, his death, or permanent medical incapacitation (as determined by judicial and medical authorities), or as discussed pre-viously, his formal criminal conviction and removal from offi ce. In the absence of any of these conditions and since Congress lacked the legal authority to remove Zelaya, the actions of June 28 can only be consi-dered a coup d’etat by the legislative branch, with the support of the judicial branch and the military, against the executive branch. It bears mentioning that, whereas the resolution adopted June 28 refers only to Zelaya, its eff ect was to remove the entire executive branch. Both of these actions clearly exceeded Congress’s authority.

-------Comment-------19. (C) Th e analysis of the Constitution sheds some interesting light

on the events of June 28. Th e Honduran establishment confronted a dilemma: near unanimity among the institutions of the state and the political class that Zelaya had abused his powers in violation of the Constitution, but with some ambiguity what to do about it. Faced with that lack of clarity, the military and/or whoever ordered the coup fell back on what they knew —— the way Honduran presidents were removed in the past: a bogus resignation letter and a one-way ticket to a neighboring country. No matter what the merits of the case against Zelaya, his forced removal by the military was clearly illegal, and Micheletti’s ascendance as “interim president” was totally illegitimate.

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20. (C) Nonetheless, the very Constitutional uncertainty that pre-sented the political class with this dilemma may provide the seeds for a solution. Th e coup’s most ardent legal defenders have been unable to make the intellectual leap from their arguments regarding Zelaya’s alleged crimes to how those allegations justifi ed dragging him out of his bed in the night and fl ying him to Costa Rica. Th at the Attorney General’s offi ce and the Supreme Court now reportedly question the legality of that fi nal step is encouraging and may provide a face-saving “out” for the two opposing sides in the current standoff . End Com-ment.

LLORENS

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7ª AULA: ESTADO

SUCESSÃO DE ESTADOS

EMENTA:

Modalidades de sucessão. Secessão, dissolução, fusão, incorporação e ane-xação parcial. Sucessão quanto aos bens, arquivos e dívidas do Estado.

LEITURA OBRIGATÓRIA:

1) AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao Direito Interna-cional Público. São Paulo: Atlas, 2008, capítulo 10.

2) REZEK, J. F. Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2002, tópicos 182 a 189.

SUGESTÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR:

1) SOARES, Guido Fernando S. Curso de Direito Internacional Pú-blico. São Paulo: Atlas, 2004, capítulo 11.

2) DINH, Nguyen Quoc. Direito Internacional Público. 2ª ed. Lis-boa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 527 a 568.

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EXEMPLOS DE SUCESSÃO DE ESTADOS

Mapa dos limites teritoriais da ex-Iugoslávia

Mapa dos limites territoriais da Alemanha Oriental e Ocidental

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Mapa da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS)

Mapa dos limites territoriais da Federação Russa

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79 Em vigor a partir de 6 de novembro

de 1996. O Brasil assinou a Convenção

mas não a ratifi cou.

CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE SUCESSÃO DE ESTADOS EM MATÉRIA DE TRATADOS (1978)79

Os Estados partes na presente Convenção:Considerando a profunda transformação da comunidade internacional

gerada pelo processo de descolonização;Considerando também que outros fatores podem dar lugar a casos de su-

cessão de Estados no futuro;Convencidos, nessas circunstâncias, da necessidade de codifi cação e do

desenvolvimento progressivo das normas relativas à sucessão de Estados em matéria de tratados como meio de garantir uma maior segurança jurídica nas relações internacionais;

Advertindo que os princípios do livre consentimento, da boa-fé e pacta sunt servanda estão universalmente reconhecidos;

Tendo em conta que a constante observância dos tratados multilaterais gerais que versam sobre a codifi cação e o desenvolvimento progressivo do direito internacional e aqueles cujo objeto e fi m são de interesse para a co-munidade internacional no seu conjunto é de especial importância para o fortalecimento da paz e da cooperação internacional;

Acordaram o seguinte:

ARTIGO 1ºAlcance da presente Convenção

A presente Convenção aplica-se aos efeitos da sucessão de Estados em matéria de tratados entre Estados.

ARTIGO 11Regimes de fronteira

Uma sucessão de Estados não afetará de per si:a) Uma fronteira estabelecida por um tratado; nemb) As obrigações e os direitos estabelecidos por um tratado e que se refi ram

ao regime de uma fronteira.

ARTIGO 12Outros regimes territoriais

1. Uma sucessão de Estados não afetará de per si:a) As obrigações relativas do uso de qualquer território, ou as restrições ao

seu uso, estabelecidas por um tratado em benefício de qualquer território de um Estado estrangeiro e que se considerem vinculadas aos territórios de que se trate;

b) Os direitos estabelecidos por um tratado em benefício de qualquer ter-ritório e relativos ao uso, ou às restrições do uso, de qualquer território de

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um Estado estrangeiro e que se considerem vinculados aos territórios de que se trate.

2. Uma sucessão de Estados não afetará de per si:a) As obrigações relativas ao uso de qualquer território, ou as restrições ao

seu uso, estabelecidas por um tratado em benefício de um grupo de Estados ou de todos os Estados e que se considerem vinculados a esse território;

b) Os direitos estabelecidos por um tratado em benefício de um grupo de Estados ou de todos os Estados e relativos ao uso de qualquer território, ou às restrições ao seu uso, e que se considerem vinculados a esse território.

3. As disposições do presente artigo não se aplicam às obrigações derivadas de tratados do Estado predecessor que prevejam o estabelecimento de bases militares estrangeiras no território ao qual se refere a sucessão de Estados.

PARTE II — SUCESSÃO RELATIVA A UMA PARTE DO TERRITÓRIO

ARTIGO 15Sucessão relativa a uma parte do território

Quando uma parte do território de um Estado, ou quando qualquer ter-ritório de cujas relações internacionais seja responsável um Estado e que não seja parte do território desse Estado, passa a ser parte do território de outro Estado:

a) Os tratados do Estado predecessor deixarão de estar em vigor relati-vamente ao território a que se refi ra a sucessão de Estados desde a data da sucessão de Estados; e

b) Os tratados do Estado sucessor estarão em vigor relativamente ao terri-tório a que se refi ra a sucessão de Estados desde a data da sucessão de Estados, salvo se se depreender do tratado ou constar de outro modo que a aplicação do tratado a esse território seria incompatível com o objeto e fi m do tratado ou alteraria radicalmente as

condições da sua execução.

PARTE III — ESTADOS DE RECENTE INDEPENDÊNCIASEÇÃO I

REGRA GERAL

ARTIGO 16Posição relativamente aos tratados do Estado predecessor

Nenhum Estado de recente independência estará obrigado a manter em vigor um tratado ou a passar a ser parte dele pelo fato de, na data da sucessão

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de Estados, o tratado estar em vigor relativamente ao território a que se refere a sucessão de Estados.

ARTIGO 17Participação em tratados em vigor na data da sucessão de Estados1. Sem prejuízo do disposto nos nos 2 e 3, um Estado de recente inde-

pendência poderá, mediante uma notifi cação de sucessão, fazer constar a sua qualidade de parte em qualquer tratado multilateral que, na data da sucessão de Estados, estivesse em vigor relativamente ao território a que se refere a sucessão de Estados.

2. O nº 1 não se aplicará se se depreender do tratado ou constar de outro modo que a aplicação do tratado relativamente ao Estado de recente inde-pendência seria incompatível com o objeto e o fi m do tratado ou alteraria radicalmente as condições da sua execução.

3. Quando, em virtude das estipulações do tratado ou por força do nú-mero reduzido de Estados negociadores e do objeto e fi m do tratado, deva entender-se que a participação de qualquer outro Estado requer o consenti-mento de todas as partes, o Estado de recente independência só poderá fazer constar a sua qualidade com tal consentimento.

ARTIGO 24Condições exigidas para que um tratado seja considerado

em vigor em caso de sucessão de Estados1. Um tratado bilateral que na data de uma sucessão de Estados estivesse

em vigor relativamente ao território a que se refere a sucessão de Estados considerar-se-á em vigor entre um Estado de recente independência e outro Estado parte quando esses Estados:

a) Tenham convencionado isso expressamente;b) Se tenham comportado de tal modo que deva entender-se que conven-

cionaram isso.

2. Um tratado que seja considerado em vigor em conformidade com o nº 1 será aplicável entre o Estado de recente independência e o outro Estado parte desde a data da sucessão de Estados, salvo se uma intenção diferente resultar do seu acordo ou constar de outro modo.

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ARTIGO 25Situação entre o Estado predecessor e o Estado

de recente independênciaUm tratado que em virtude do artigo 24º seja considerado em vigor entre

um Estado de recente independência e o outro Estado parte não deverá, só por esse fato, considerar-se também em vigor nas relações entre o Estado predecessor e o Estado de recente independência.

PARTE IV — UNIFICAÇÃO E SEPARAÇÃO DE ESTADOS

ARTIGO 31Efeitos de uma unifi cação de Estados relativamente aos tratados em

vigor na data da sucessão de Estados1. Quando dois ou mais Estados se unam e formem desse modo um Es-

tado sucessor, todo o tratado em vigor na data da sucessão de Estados re-lativamente a qualquer deles continuará em vigor relativamente ao Estado sucessor, a menos:

a) Que o Estado sucessor e o outro Estado parte ou outros Estados partes convencionem outra coisa; ou

b) Que resulte do tratado ou conste de outro modo que a aplicação do tratado relativamente ao Estado sucessor seria incompatível com o objeto e o fi m do tratado ou alteraria radicalmente as condições da sua execução.

2. Todo o tratado que continue em vigor em conformidade com o nº 1, aplicar-se-á somente relativamente à parte do território do Estado sucessor em relação à qual estava em vigor o tratado na data da sucessão de Estados, a menos:

a) Que, no caso de um tratado multilateral que não corresponda a cate-goria mencionada no nº 3 do artigo 17º, o Estado sucessor faça uma notifi -cação no sentido de que o tratado se aplicará relativamente à totalidade do seu território;

b) Que, no caso de um tratado bilateral, o Estado sucessor e os outros Estados partes convencionarem outra coisa.

3. A alínea a do nº 2 não se aplicará se resultar do tratado, ou constar de outra forma, que a aplicação do tratado relativamente à totalidade do territó-rio do Estado sucessor seria incompatível com o objeto e o fi m do tratado ou alteraria radicalmente as condições da sua execução.

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ARTIGO 34Sucessão de Estados em caso de separação de partes de um Estado1. Quando uma parte ou partes do território de um Estado se separarem

para formar um ou vários Estados, continue ou não a existir Estado prede-cessor:

a) Todo o tratado que estivesse em vigor na data da sucessão de Estados relativamente à totalidade do Estado predecessor continuará em vigor relati-vamente a cada Estado sucessor assim formado;

b) Todo o tratado que estivesse em vigor na data da sucessão do Estado relativamente apenas à parte do território do Estado predecessor que tenha passado a ser um Estado sucessor continuará em vigor apenas relativamente a esse Estado sucessor.

2. O nº 1 não se aplicará:a) Se os Estados interessados convencionarem outra coisa;b) Se resultar do tratado ou constar de outro modo que a aplicação do

tratado relativamente ao Estado sucessor seria incompatível com o objeto e o fi m do tratado ou alteraria radicalmente as condições da sua execução.

ARTIGO 35Situação no caso de um Estado continuar a existir depois

da separação de parte do seu territórioQuando, depois da separação de uma parte do território de um Estado, o

Estado predecessor continuar a existir, todo o tratado que na data da sucessão de Estados estivesse em vigor relativamente ao Estado predecessor continuará em vigor relativamente ao resto do seu território, a menos:

a) Que os Estados interessados convencionem outra coisa;b) Que conste que o tratado se refere apenas ao território que se separou

do Estado predecessor;c) Que resulte do tratado ou conste de outro modo que a aplicação do

tratado relativamente ao Estado predecessor seria incompatível com o objeto e fi m do tratado ou alteraria radicalmente as condições da sua execução.

CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA, CASO “GABCÍKOVO NAGÝMAROS” ENTRE HUNGRIA E ESLOVÁQUIA, ACÓRDÃO DE 25 DE SETEMBRO DE 1997:

116. No artigo 2º, parágrafo 2º do Acordo Especial, pede-se à Corte que determine as consequências jurídicas, incluindo direitos e obrigações para as Partes, decorrentes de sua decisão a respeito das questões formuladas no parágrafo 1º. No artigo 5º do Acordo Especial, as Partes concordaram em

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80 Feita pela Hungria (nota do tradutor).

iniciar negociações acerca dos modos de execução da decisão da sentença imediatamente após sua publicação pela Corte.

117. A Corte deve primeiramente abordar a questão sobre se a Eslováquia tornou-se parte no Tratado de 1977 como sucessora da Tchecoslováquia. Como argumento alternativo, a Hungria afi rmou que, ainda que o Tratado tenha sobrevivido à notifi cação de sua terminação80, cessou de vigorar de todo modo em 31 de dezembro de 1992, como resultado do “desapareci-mento de uma das partes”. Naquela data, a Tchecoslováquia deixou de existir como uma entidade jurídica e, em 1º de janeiro de 1993, a República Tcheca e a República Eslovaca surgiram.

118. Segundo a Hungria, “Não existe regra de direito internacional que preveja a sucessão automática a tratados bilaterais por conta do desapareci-mento de uma das partes”, e um tal tratado não sobreviverá a não ser que outro Estado suceda no tratado por acordo expresso entre tal Estado e a outra parte remanescente. Enquanto que o segundo parágrafo do Preâmbulo do Acordo Especial reza que:

“a República Eslovaca é um dos dois Estados sucessores da República Fe-deral Tcheca e Eslovaca, e o único Estado sucessor no que diz respeito a di-reitos e obrigações relacionados ao projeto Gabcíkovo-Nagymaros”,

A Hungria procurou distinguir entre, de um lado, direitos e obrigações tais como “direitos contínuos de propriedade” sob o Tratado de 1977 e, do outro lado, o próprio tratado. Ela argumentou que, durante as negociações que conduziram à assinatura do Acordo Especial, a Eslováquia propusera uma redação na qual ela teria sido expressamente reconhecida “como a su-cessora do governo da RFTC” com respeito ao Tratado de 1977, mas que a Hungria havia rejeitado tal formulação. Ela afi rmava que jamais concordara em aceitar a Eslováquia como sucessora no Tratado de 1977. A Hungria re-meteu à correspondências diplomáticas nas quais cada uma das duas Partes havia submetido à outra as listas de tratados bilaterais que respectivamente desejavam que continuassem em vigor, para negociação caso a caso. A Hun-gria enfatizou que nenhum acordo fora alcançado acerca do Tratado de 1977.

119. A Hungria afi rmou que não existe regra de sucessão que pode operar no presente caso, prevalecendo sobre a falta do consentimento. Referindo-se ao artigo 34 da Convenção de Viena de 23 de agosto de 1978 sobre Sucessão de Estados a respeito de Tratados, na qual “se prevê uma regra de sucessão automática para todos os tratados”, baseada no princípio da continuidade, a Hungria argumentou não só que jamais assinara ou ratifi cara a Convenção,

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mas que o “conceito de sucessão automática” contido naquele artigo não era, não é e jamais foi aceito como uma manifestação do direito internacional geral.

A Hungria afi rmou ainda que o Tratado de 1977 não criou “obrigações e direitos... relacionados a um regime de fronteira” no sentido do artigo II daquela Convenção, e notou que o percurso existente de fronteira não era alterado pelo Tratado. Ela também negou que o Tratado fosse “localizado”, ou que criasse direitos “considerados como anexos ao território”, no sentido do artigo 12 da Convenção de 1978, os quais não seriam, nesta condição, afetados pela sucessão de Estados. O Tratado de 1977 fora, insistiu a Hun-gria, um simples investimento em parceria. A conclusão da Hungria era que não há fundamento para sustentar a sobrevivência do Tratado após o desapa-recimento da Tchecoslováquia, de modo que fosse vinculante entre Hungria e Eslováquia.

120. De acordo com a Eslováquia, o Tratado de 1977, que não fora termi-nado licitamente pela notifi cação húngara de maio de 1992, permanece em vigor entre a Eslováquia, como Estado sucessor, e a Hungria.

A Eslováquia reconheceu que não houve acordo sobre a sucessão no Tra-tado entre ela e a Hungria. Baseou-se, ao invés disso, em primeiro lugar na “regra geral de continuidade que se aplica em caso de dissolução”. Argumen-tou, em seguida, que o Tratado “refere-se ao território” no sentido do artigo 12 da Convenção de Viena de 1978, e que contém disposições relacionadas a uma fronteira.

121. Em apoio a seu primeiro argumento, a Eslováquia citou o artigo 34 da Convenção de Viena de 1978, o qual, afi rmou, é uma materialização do direito internacional público costumeiro, e que impõe o princípio da suces-são automática como regra aplicável no caso de dissolução de um Estado, quando o Estado predecessor deixou de existir. A Eslováquia defendeu que a prática estatal nos casos de dissolução tende a apoiar a continuidade como regra a ser seguida nos tratados bilaterais. Uma vez que a Eslováquia sucedeu a antiga Tchecoslováquia em parte de seu território, esta seria a regra aplicá-vel no caso presente.

122. O segundo argumento da Eslováquia repousa no “princípio da conti-nuidade ispo jure de tratados de natureza territorial ou localizada”. Esta regra, disse a Eslováquia, encontra-se corporifi cada no artigo 12 da Convenção de 1978, o qual, na parte relevante, dispõe o que segue:

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“Artigo 12Outros regimes territoriais(…)2. Uma sucessão de Estados não afetará de per si:a) As obrigações relativas ao uso de qualquer território, ou as restrições ao

seu uso, estabelecidas por um tratado em benefício de um grupo de Estados ou de todos os Estados e que se considerem vinculados a esse território;

b) Os direitos estabelecidos por um tratado em benefício de um grupo de Estados ou de todos os Estados e relativos ao uso de qualquer território, ou às restrições ao seu uso, e que se considerem vinculados a esse território.”

De acordo com a Eslováquia, “também este artigo pode ser considerado como uma das disposições da Convenção de Viena que representam a codi-fi cação do direito internacional costumeiro”. Afi rma que o Tratado de 1977 é abarcado pelo artigo em virtude de suas “características específi cas... que o inserem na categoria de tratados de caráter localizado ou territorial”. A Eslo-váquia também descreveu o Tratado como “contendo disposições de frontei-ra e estabelecendo um regime territorial específi co” que vigora no interesse de todos os Estados atravessados pelo Danúbio, e como “sendo um tratado dispositivo, criando direitos in rem, independentemente da personalidade jurídica de seus signatários originais”. Neste ponto, a Eslováquia se apoiava no reconhecimento, pela Comissão de Direito Internacional, da existência de uma “regra especial” pela qual tratados “destinados a estabelecer um regime objetivo” devem ser considerados como vinculantes para um Estado sucessor (Offi cial Records of the United Nations Conference on the Succession of States in respect of Treaties, Vol. I I I, doc. AICONF.80I16I Add. 2, p. 34). Portanto, na visão da Eslováquia, o Tratado de 1977 não poderia ter se encer-rado pelo desaparecimento de uma das partes originais.

123. A Corte não entende ser necessário, para os propósitos do presente caso, ingressar em uma discussão sobre se o artigo 34 da Convenção de 1978 refl ete ou não o estado do direito consuetudinário internacional. A natureza e caráter particulares do Tratado de 1977 são mais relevantes para sua presen-te análise. Um exame deste Tratado confi rma que, além de sua indubitável natureza como investimento conjunto, seus principais elementos são a pro-posta de construção e operação conjunta de um complexo grande, integrado e indivisível de estruturas e instalações em partes específi cas dos respectivos territórios da Hungria e da Tchecoslováquia ao longo do Danúbio. O Trata-do também estabeleceu o regime de navegação para um setor importante de um curso de água internacional, tratando particularmente da realocação do principal canal fl uvial internacional para um canal paralelo. Com isso, criava inevitavelmente uma situação na qual os interesses de outros usuários do Da-

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núbio seriam afetados. Além disso, os interesses dos terceiros Estados eram expressamente reconhecidos no artigo 18, pelo qual as partes se comprome-tiam a assegurar “navegação ininterrupta e segura na via fl uvial internacional” de acordo com suas obrigações sob a Convenção de 18 de agosto de 1948 relativa ao Regime de Navegação no Danúbio.

Em seu comentário ao Projeto de Artigos sobre Sucessão dos Estados no tocante a Tratados, adotado em sua 26ª sessão, a Comissão de Direito Inter-nacional identifi cou “tratados de natureza territorial” como tendo sido en-tendidos tanto pela doutrina tradicional quanto pela opinião moderna como não afetados pela sucessão de Estados (Offi cial Records of the United Nations Conference on the Succession of States in respect of Treaties, Vol. III, doc. A/CONF.80/16/Add.2, p. 27, par. 2º). O rascunho do texto do artigo 12, que refl ete tal princípio, foi subsequentemente adotado, sem alterações, na Con-venção de Viena de 1978. A Corte considera que o artigo 12 refl ete uma regra de direito internacional costumeiro e nota que nenhuma das Partes coloca isso em questão. Além disto, a Comissão indicou que “tratados a res-peito de direitos sobre água ou navegação em rios são geralmente entendidos como candidatos para inclusão na categoria de tratados territoriais” (ibid., p. 33, para. 26). A Corte observa que o artigo 12, ao dispor somente, sem fazer referência ao próprio tratado, que direitos e obrigações de natureza territorial estabelecidos por um tratado não são afetados por uma sucessão de Estados, parece apoiar a posição da Hungria em detrimento daquela da Eslováquia. No entanto, a Corte conclui que esta redação foi formulada mais para levar em conta o fato de que, em muitos casos, tratados que haviam estabelecido fronteiras ou regimes territoriais não se encontravam mais em vigor (ibid, pags. 26-37). Não obstante, aqueles que permaneciam em vigor vinculariam um Estado sucessor.

Considerando todos estes fatores, a Corte entende que o conteúdo do Tratado de 1977 indica que ele deve ser visto como estabelecendo um re-gime territorial, no sentido do artigo 12 da Convenção de Viena de 1978. Ele criou direitos e obrigações ligados às partes do Danúbio com as quais se relacionava. Portanto, o próprio Tratado não pode ser afetado por uma su-cessão de Estados. A Corte conclui, então, que o Tratado de 1977 tornou-se vinculante relativamente à Eslováquia em 1º de janeiro de 1993.

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81 Texto disponível em http://www.pge.

sp.gov.br/centrodeestudos/biblioteca-

virtual/instrumentos/genocidio.htm,

acesso em 14.06.2012.

CASO “APLICAÇÃO DA CONVENÇÃO SOBRE PREVENÇÃO E PUNIÇÃO DO CRIME DE GENOCÍDIO” (EXCEÇÕES PRELIMINARES). CORTE INTERNA-CIONAL DE JUSTIÇA: BÓSNIA-HERZEGOVINA VS. IUGOSLÁVIA, ACÓR-DÃO DE 11 DE JULHO DE 1996

O caso foi levado à CIJ pela Bósnia-Herzegovina, acusando a Iugoslávia de haver praticado genocídio em seu território. O fundamento da jurisdição da Corte seria, na visão do Estado autor, o artigo 9º da Convenção para a Prevenção e a Repressão ao Crime de Genocídio, de 1948:

Art. IX — As controvérsias entre as Partes Contratantes relativas à in-terpretação, aplicação ou execução da presente Convenção, bem como as referentes à responsabilidade de um Estado em matéria de genocídio ou de qualquer dos outros atos enumerados no art. III, serão submetidas à Corte Internacional de Justiça, a pedido de uma das Partes na controvérsia.81

“A República Federal da Iugoslávia pede à Corte que decida e declare: (...)Terceira exceção preliminarB. 1. Considerando que a assim chamada República da Bósnia-Herzego-

vina, através de seus atos de independência, violou fl agrantemente os deveres decorrentes do princípio de igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, e que por esta razão a Notifi cação de Sucessão à Convenção sobre Prevenção e Punição do Crime de Genocídio de 1948 emitida pela autora, datada de 29 de dezembro de 1992, não possui efeitos legais,

Considerando que a assim chamada República da Bósnia-Herzegovina não se tornou um Estado parte da Convenção sobre a Prevenção e a Punição do Crime de Genocídio de 1948 de acordo com as disposições da própria Convenção,

a assim chamada República da Bósnia-Herzegovina não é um Estado par-te da Convenção sobre a Prevenção e a Punição do Crime de Genocídio de 1948 e, consequentemente, a Corte não possui jurisdição sobre este caso. (...)”

18. Por sua vez, em 29 de dezembro de 1992, a Bósnia-Herzegovina trans-mitiu ao Secretário Geral das Nações Unidas, na qualidade de depositário da Convenção sobre o Genocídio, uma Notifi cação de Sucessão nos seguintes termos:

“O governo da República da Bósnia-Herzegovina, tendo considerado a Convenção sobre Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio de 9 de de-

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zembro de 1948, da qual a antiga República Federal Socialista da Iugoslávia era parte, deseja suceder em relação à mesma e compromete-se sinceramente a executar todas as estipulações ali contidas, a partir de 6 de março de 1992, data na qual a República da Bósnia-Herzegovina tornou-se independente.”

Em 18 de março de 1993, o Secretário Geral comunicou a seguinte Noti-fi cação do Depositário às partes na Convenção sobre o Genocídio:

“Em 29 de dezembro de 1992, a notifi cação de sucessão pelo governo da Bósnia-Herzegovina à Convenção supramencionada foi depositada perante o Secretário Geral, com efeitos desde 6 de março de 1992, data na qual a Bós-nia-Herzegovina assumiu responsabilidade por suas relações internacionais.”

19. A Iugoslávia contestou a validade e os efeitos jurídicos da Notifi cação de 29 de dezembro de 1992, defendendo que, através de seus atos relaciona-dos à sua aquisição de independência, a República da Bósnia-Herzegovina violara fl agrantemente os deveres decorrentes do “princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos”. De acordo com a Iugoslávia, a Bósnia-Herzegovina não se qualifi caria, por tal razão, para ser parte da Con-venção. A Iugoslávia reiterou subsequentemente esta objeção na terceira ex-ceção preliminar que levantou neste caso.

A Corte observa que a Bósnia-Herzegovina tornou-se membro das Nações Unidas na sequência das decisões adotadas em 22 de maio de 1992 pelo Con-selho de Segurança e pela Assembleia Geral, órgãos competentes de acordo com a Carta. O artigo 11 da Convenção sobre o Genocídio abre-a a “qual-quer membro das Nações Unidas”; a partir de sua admissão à Organização, a Bósnia-Herzegovina poderia então tornar-se parte da Convenção. Portanto, as circunstâncias da obtenção de sua independência possuem pouca relevân-cia.

20. Fica claro, do exposto, que a Bósnia-Herzegovina podia tornar-se par-te da Convenção através do mecanismo da sucessão estatal. Além disto, o Secretário Geral das Nações Unidas considerou que este havia sido o caso, e a Corte tomou nota disto em sua decisão de 8 de abril de 1993 (Application of the Convention on the Prevention and Punishment of the Crime of Genoci-de, Provisional Measuves, I.C.J. Reports 1993, p. 16, par. 25).

21. As partes na controvérsia divergiram quanto às consequências jurídi-cas a ser tiradas da ocorrência de uma sucessão estatal no presente caso. Neste contexto, a Bósnia-Herzegovina, entre outras coisas, afi rmou que a Conven-ção sobre o Genocídio insere-se na categoria de instrumentos de proteção dos

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direitos humanos, e que, consequentemente, a regra da “sucessão automáti-ca” necessariamente se aplicaria. A Bósnia-Herzegovina concluiu disto que a mesma tornou-se parte na Convenção com efeitos a partir da obtenção de sua independência. A Iugoslávia disputava qualquer “sucessão automática” da Bósnia-Herzegovina à Convenção sobre o Genocídio, sobre este ou qualquer outro fundamento.

22. No que diz respeito à natureza da Convenção sobre o Genocídio, a Corte relembra o que afi rmou em sua Opinião Consultiva de 28 de maio de 1951 acerca das Reservas à Convenção sobre a Prevenção e a Repressão ao Crime de Genocídio:

“Em uma tal convenção, os Estados contratantes não possuem qualquer interesse próprio; eles possuem somente um interesse único, geral e comum, isto é, o cumprimento daqueles altos propósitos que são a raison d’être da convenção. Consequentemente, em uma convenção desta espécie, não se pode falar de vantagens individuais ou desvantagens para Estados, ou da ma-nutenção de um equilíbrio contratual perfeito entre direitos e deveres.” (I. C.J. Reports 1951, p. 23.)

Naquela opinião, a Corte observou subsequentemente que:

“O objeto e propósito da Convenção sobre o Genocídio implicam em que a intenção da Assembleia Geral e dos Estados que a haviam adotado era que o maior número possível de Estados participasse. A exclusão completa de um ou mais Estados da Convenção não só restringiria o objeto de sua aplicação, mas também retiraria a autoridade dos princípios morais e humanitários que estão em sua base.” (I.C. J. Reports 1951, p. 24.)

23. Sem prejuízo da questão sobre se o princípio da “sucessão automática” se aplica ou não no caso de certos tipos de tratados ou convenções internacio-nais, a Corte não considera necessário, para decidir sobre sua jurisdição neste caso, decidir sobre as questões jurídicas que foram levantadas pelas partes a respeito da sucessão de Estados em tratados. Caso a Bósnia-Herzegovina te-nha se tornado parte automaticamente na Convenção sobre o Genocídio na data de sua independência em 6 de março de 1992, ou caso, por outro lado, ela tenha se tornado parte como resultado — seja retroativo ou não — de sua Notifi cação de Sucessão de 29 de dezembro de 1992, de qualquer forma era parte no mesmo na data da submissão de sua petição inicial à Corte em 20 de março de 1993. Estas questões podem, no máximo, possuir uma certa relevância com respeito à determinação do limite ratione temporis da jurisdi-

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ção da Corte, ponto este que a Corte considerará mais tarde (parágrafo 34 abaixo). (...)

38. Da mesma forma, a Corte relembrou acima (ver parágrafo 7º) que, através de uma correspondência de 6 de agosto de 1993, o agente da Bósnia-Herzegovina indicou que seu governo também pretendia submeter, como base adicional para a jurisdição da Corte, o Tratado entre os Aliados e as Potências Associadas (os Estados Unidos da América, o Império Britânico, França, Itália e Japão) e o Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, assinado em Saint-Germain-en-Laye em 10 de setembro de 1919 e em vigor a partir de 16 de julho de 1920. O capítulo 1º daquele Tratado diz respeito à prote-ção das minorias e inclui o artigo 11, segundo o qual:

“O Estado Serbo-Croata-Esloveno concorda em que todo membro do Conselho da Liga das Nações terá o direito de levar toda infração ou ameaça de infração a qualquer uma destas obrigações à atenção do Conselho, e que o Conselho poderá tomar as medidas e estabelecer as diretivas que pareçam adequadas e efetivas nas circunstâncias.

O Estado Serbo-Croata-Esloveno concorda, além disso, em que qualquer diferença de opinião acerca destes artigos, sobre matéria de direito ou de fato, entre o Estado Serbo-Croata-Esloveno e qualquer das Potências Principais Aliadas ou Associadas ou qualquer outra Potência que seja membro do Con-selho da Liga das Nações será considerada como uma controvérsia de caráter internacional sob o artigo 14 do Pacto da Liga das Nações. O Estado Serbo-Croata-Esloveno consente em que qualquer controvérsia desta natureza de-verá, caso a outra parte o solicite, ser remetida à Corte Permanente de Justiça Internacional. A decisão da Corte Permanente será defi nitiva, e terá a mesma força e efeitos que um laudo sob o artigo 13 do Pacto.”

O Capítulo II, que concerne a sucessão a respeito de tratados, comércio, tratamento de embarcações estrangeiras e liberdade de trânsito, inclui o arti-go 16, que dispõe, entre outros, que

“Todos os direitos e privilégios acordados pelos artigos anteriores às Po-tências Aliadas e Associadas deverão ser conferidos igualmente a todos os Estados membros da Liga das Nações.”

A Bósnia-Herzegovina afi rma, em suma, que, por efeito destas duas dis-posições, qualquer membro da Sociedade das Nações pode remeter à Corte Permanente uma disputa abarcada pelo artigo 11; que a Assembleia Geral das Nações Unidas substituiu o Conselho da Liga das Nações em tais matérias; e que a Bósnia-Herzegovina, como membro das Nações Unidas, pode agora, em virtude do artigo 37 do Estatuto, recorrer a esta Corte em sua disputa com a Iugoslávia baseada no Tratado de 1919.

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82 CIJ: “Case concerning application of

the Convention on the Prevention and

Punishment of the Crime of Genocide”

(Bosnia-Herzegovina vs. Yugoslavia):

Merits. Julgamento em 26 de fevereiro

de 2007. Disponível em http://www.

icj-cij.org/docket/files/91/13685.pdf,

acesso em 14.06.2012.

A Corte considera que, na medida em que a Iugoslávia se encontra agora vinculada pelo Tratado de 1919 como sucessora do Reino dos Sérvios, Croa-tas e Eslovenos, suas obrigações sob aquele tratado estariam limitadas ao seu atual território; observa que a Bósnia-Herzegovina não avançou nenhuma reclamação em sua petição acerca do tratamento das minorias na Iugoslávia. Nestas circunstâncias, a Corte é incapaz de afi rmar o Tratado de 1919 como base sobre a qual fundamentar sua jurisdição neste caso. Também neste pon-to, a Corte confi rma assim a conclusão provisória alcançada em sua decisão de 13 de setembro de 1993 (I. C. J. Reports 1993, pp. 339-340, pars. 29-31); ademais, tampouco qualquer argumento fundamentalmente novo sobre o assunto foi apresentado desde aquela ocasião.

Caso referente à aplicação da Convenção sobre Prevenção e Punição do Crime de Genocídio (acórdão sobre o mérito da causa):82

122. A decisão de 1996 não expressou nada sobre o status da República Federal da Iugoslávia em relação às Nações Unidas, ou sobre a questão acerca de se aquela poderia tomar parte nos procedimentos perante a Corte; pelas razões acima já expostas (parágrafo 106), ambas as Partes escolheram abster-se de pedir uma decisão sobre tais assuntos. A Corte considera necessário, no entanto, enfatizar que a questão sobre se um Estado pode comparecer licitamente perante a Corte com base nas disposições do Estatuto, seja isto classifi cado como matéria de capacidade em ser parte nos procedimentos ou como um aspecto da jurisdição ratione personae, é um assunto que precede aquele da jurisdição ratione materiae, isto é, se o Estado consentiu na jurisdi-ção da Corte para a disputa específi ca. A questão deve, de fato, ser levantada e examinada pela Corte, ex offi cio se necessário, e após notifi cação às partes, caso seja apropriado. Portanto, se a Corte considera que, em um caso parti-cular, as condições acerca da capacidade das partes de comparecer perante a mesma não estejam satisfeitas, enquanto que as condições de sua jurisdição ratione materiae o estão, deve, ainda que a questão não tenha sido levantada pelas partes, decidir que aquelas condições não foram preenchidas, e concluir que, por tal razão, não pode exercer jurisdição para decidir o mérito.

123. A parte operativa de uma decisão da Corte possui a força de coisa julgada. A parte operativa da sentença de 1996 declarou, no parágrafo 47(2) (a), que a Corte decidiu “que, de acordo com o artigo 9º da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, possui jurisdição para decidir sobre a controvérsia”. A jurisdição foi portanto estabelecida com todo o peso da autoridade judicial da Corte.

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83 CIJ: “Case concerning Legality of

Use of Force” (Serbia and Montenegro

v. Belgium): Preliminary Objections.

Julgamento em 15 de dezembro de

2004. Trechos extraídos do resumo

do julgamento, disponível, em inglês,

em http://www.icj-cij.org/docket/

fi les/105/10538.pdf. Acesso em

14.06.2012. Tradução livre.

84 Vale lembrar que, em 3 de junho

de 2006, Montenegro declarou sua

independência. A Sérvia foi reconhe-

cida como sendo o Estado sucessor da

“Sérvia e Montenegro”, que sucedera,

por sua vez, a “República Federal da

Iugoslávia”.

O fato de uma das partes afi rmar hoje que, na ocasião em que a decisão de 1996 foi proferida, a Corte não dispunha de poder para tomá-la, pois uma das partes é agora reconhecida como tendo estado, à época, inabilitada para comparecer perante a Corte, põe, pelas razões expostas no parágrafo anterior, a força de coisa julgada da cláusula operativa do julgamento em xeque. À primeira vista, portanto, a Corte não necessita examinar a exceção do Estado demandado a sua competência baseada na afi rmação de sua falta de status para comparecer perante a Corte em 1993.

Caso da Legalidade do Uso da Força (Sérvia e Montenegro vs. Bélgica)83

Explicação prévia à leitura do texto:Em 29 de abril de 1999, na esteira dos bombardeios da OTAN contra a

República Federal da Iugoslávia motivados pelos massacres perpetrados no Kosovo, o governo iugoslavo iniciou procedimentos perante a Corte Inter-nacional de Justiça contra dez países membros daquela organização: Bélgica, Canadá, França, Alemanha, Italia, Países Baixos, Portugal, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos. O governo iugoslavo pedia a declaração de que tais ataques haviam sido ilícitos pelo direito internacional, bem como o paga-mento de reparações pelos danos sofridos. Os trechos abaixo foram retirados do acórdão que julgou a controvérsia entre a Iugoslávia e a Sérvia.

É preciso ressaltar que, em 4 de fevereiro de 2003, o Parlamento Federal da Iugoslávia alterou o nome do país, criando-se uma confederação: Sérvia e Montenegro. Quando do julgamento do caso abaixo, era este o nome do Estado autor da demanda84.

O julgamento abaixo apresentado trata das “exceções preliminares”. Isto é, a Corte precisa antes verifi car se é competente para julgar o caso.

A Corte nota que a questão sobre se a Sérvia e Montenegro era ou não era parte no Estatuto da Corte ao tempo da instituição do presente procedi-mento é fundamental; pois, caso não fosse parte, a Corte não estaria aberta à mesma de acordo com o artigo 35, parágrafo 1º do Estatuto. Em tal situação, excluindo qualquer aplicação do parágrafo 2º de tal artigo, Sérvia e Monte-negro não poderia ter recorrido licitamente à Corte, sem importar qual título de jurisdição ela invocasse, pela simples razão de que não possuiria direito de comparecer perante a Corte. Portanto, a Corte deve primeiramente examinar a questão sobre se o Estado autor preenche as condições expressas nos artigos 34 e 35 do Estatuto para o acesso à Corte. Somente no caso de a resposta a esta questão ser afi rmativa, a Corte terá que tratar das questões relacionadas às condições expressas nos artigos 36 e 37 do Estatuto.

A Corte observa, a respeito, que não há dúvidas de que Sérvia e Montene-gro é um Estado, para os propósitos do artigo 34, parágrafo 1º do Estatuto. Entretanto, certos demandados objetaram que, ao tempo da propositura da

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ação, em 29 de abril de 1999, o Estado não preencheria as condições exigidas pelo artigo 35 do Estatuto.

Assim, a Bélgica argumentou, entre outros, que:“A República Federal da Iugoslávia não é e nunca foi membro das Na-

ções Unidas. Sendo o caso, não há fundamento para a alegação da República Federal da Iugoslávia no sentido de ser parte no Estatuto da Corte segundo o artigo 93 (1) da Carta. A Corte não está, portanto, por tal fundamento, aberta à República Federal da Iugoslávia, de acordo com o artigo 35 (1) do Estatuto.”

A Corte recapitula então a sequência de eventos relacionados com a posi-ção jurídica do demandante em relação às Nações Unidas durante o período de 1992 a 2000. Refere-se, entre outros, ao seguinte: a dissolução da Repú-blica Federal Socialista da Iugoslávia em 1991-1992; a declaração de 27 de abril de 1992 da Assembleia da República Federal Socialista da Iugoslávia, a Assembleia Nacional da República da Sérvia e a Assembleia da República de Montenegro afi rmando a continuidade da personalidade internacional jurí-dica e política da República Federal Socialista da Iugoslávia pela República Federal da Iugoslávia; uma notifi cação da mesma data da Iugoslávia ao Secre-tário Geral das Nações Unidas asseverando a continuidade, pela República Federal da Iugoslávia, da vaga de membro da República Federal Socialista da Iugoslávia na Organização; a resolução do Conselho de Segurança 777 de 1992, considerando que a República Federal da Iugoslávia não poderia continuar automaticamente na vaga da República Federal Socialista da Iu-goslávia; a resolução da Assembleia Geral 47/1 de 1992 afi rmando que a República Federal da Iugoslávia não participaria no trabalho da Assembleia Geral; e uma carta do Assessor Jurídico das Nações Unidas de 29 de setembro de 1992 sobre as “consequências práticas” da resolução da Assembleia Geral 47/1.

A Corte conclui que a situação jurídica instaurada nas Nações Unidas entre o período de 1992 e 2000 a respeito da condição da República Federal da Iugoslávia permanecia ambíguo e aberto a diferentes interpretações. Isto era devido, entre outros, à ausência de uma determinação autoritativa dos órgãos competentes das Nações Unidas defi nindo claramente o status legal da República Federal da Iugoslávia perante as Nações Unidas.

A Corte observa que foram adotadas três posições diferentes nas Nações Unidas. Em primeiro lugar, o posicionamento adotado pelos dois órgãos po-líticos envolvidos. A Corte se refere, neste âmbito, à resolução do Conselho de Segurança 777 (1992) de 19 de setembro de 1992 e à resolução da Assem-bleia Geral 47/1 de 22 de setembro de 1992, segundo a qual “a República Federal da Iugoslávia (Sérvia e Montenegro) não pode continuar automati-camente na vaga de membro da antiga República Federal Socialista da Iugos-lávia nas Nações Unidas”, e “deve solicitar seu ingresso como membro nas

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Nações Unidas”. A Corte aponta que, enquanto fi ca claro, a partir das esta-tísticas da votação, que estas resoluções refl etiram uma posição afi rmada pela vasta maioria dos membros das Nações Unidas, tais resoluções não podem ser interpretadas como materializando uma determinação autorizada do status jurídico da República Federal da Iugoslávia dentro de ou perante as Nações Unidas. A incerteza que rodeia a questão fi ca evidenciada, entre outros, pela prática da Assembleia Geral nos assuntos orçamentários durante os anos que seguiram a dissolução da República Federal Socialista da Iugoslávia.

Em segundo lugar, a Corte relembra que a República Federal da Iugoslá-via, por sua parte, manteve sua alegação de que continuava a personalidade jurídica da República Federal Socialista da Iugoslávia, “incluindo seu caráter de membro em todas as organizações internacionais e sua participação em tratados internacionais ratifi cados ou integrados pela Iugoslávia”. Esta ale-gação havia sido claramente expressa na notifi cação ofi cial de 27 de abril de 1992 da Missão Permanente da Iugoslávia junto às Nações Unidas, endereça-da ao Secretário Geral das Nações Unidas. Foi confi rmada pelo demandante ao longo de todo o período entre 1992 e 2000.

Em terceiro lugar, outro órgão que veio a ser envolvido neste problema foi o Secretariado das Nações Unidas. Na ausência de qualquer determinação autoritativa, o Secretariado, enquanto órgão administrativo da Organização, simplesmente prosseguiu mantendo a prática do status quo ante que prevale-cera anteriormente à dissolução da República Federal Socialista da Iugoslávia em 1992.

A Corte aponta que foi a partir deste contexto que a própria Corte, em sua sentença de 3 de fevereiro de 2003, no caso relativo à Solicitação de Revisão da Sentença de 11 de julho de 1996 no caso relativo à Aplicação da Convenção sobre a Prevenção e a Repressão ao Crime de Genocídio (Bósnia-Herzegovina vs. Iugoslávia), exceções preliminares (Iugoslávia vs. Bósnia-Herzegovina) (daqui em diante “caso da Solicitação para Revisão”), referiu-se à “posição sui generis na qual a República Federal da Iugoslávia se encontrou” durante o período em questão; no entanto, naquele caso, a Corte não extraiu nenhuma conclusão fi nal e defi nitiva desta expressão descritiva sobre a condi-ção amorfa da República Federal da Iugoslávia perante ou dentro das Nações Unidas durante este período.

A Corte considera que esta situação chegou a um fi m com um novo de-senvolvimento em 2000. Em 27 de outubro daquele ano, a República Fe-deral da Iugoslávia solicitou admissão como membro nas Nações Unidas e, em 1º de novembro, através da resolução da Assembleia Geral 55/12, foi admitida nesta condição. Sérvia e Montenegro, portanto, possui status de membro da Organização das Nações Unidas desde 1º de novembro de 2000. Entretanto, sua admissão às Nações Unidas não teve, e tampouco poderia ter tido, o condão de retroagir ao tempo em que a República Federal Socialista

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da Iugoslávia se dissolvera e desaparecera. Tornou-se claro que a posição sui generis do demandante não poderia ter conduzido a uma condição de mem-bro da Organização.

Na visão da Corte, o signifi cado deste novo desenvolvimento em 2000 foi ter esclarecido a até então amorfa situação jurídica concernente ao status da República Federal da Iugoslávia perante as Nações Unidas.

A Corte entende que, do ponto de vista vantajoso a partir do qual observa agora a situação jurídica, e à luz das consequências jurídicas dos novos de-senvolvimentos desde 1º de novembro de 2000, é conduzida à conclusão de que a Sérvia e Montenegro não era membro das Nações Unidas, e tampouco um Estado parte no Estatuto da Corte Internacional de Justiça, ao tempo da submissão de sua petição inicial. (...)

Por todas estas razões, a Corte conclui que, ao tempo em que os presentes procedimentos foram instituídos, o demandante no presente caso, Sérvia e Montenegro, não era membro das Nações Unidas e, consequentemente, não era, por este fundamento, um Estado parte do Estatuto da Corte Internacio-nal de Justiça. Uma vez que o demandante não se tornara parte no Estatuto por qualquer outro fundamento, segue-se que a Corte não lhe estava aberta sob o artigo 35, parágrafo 1º, do Estatuto.

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8ª AULA: ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

EMENTA:

Teoria das organizações internacionais. Reconhecimento da personalidade jurídica internacional. Classifi cação e características. Estatuto jurídico e com-petências das organizações internacionais.

LEITURA PARA A AULA:

Carta da ONU.

SUGESTÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR:

1) SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, pp. 25-51.

2) AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao Direito Interna-cional Público. São Paulo: Atlas, 2008, capítulos 4 e 5.

3) REZEK, J. F. Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2002, tópicos 149 a 164; 190 e 191.

4) SOARES, Guido Fernando S. Curso de Direito Internacional Pú-blico. São Paulo: Atlas, 2004, capítulo 7.2.

5) DINH, Nguyen Quoc. Direito Internacional Público. 2ª ed. Lis-boa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 588 a 644.

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9ª AULA: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS

EMENTA:

Contexto histórico da criação da Organização das Nações Unidas e a Liga das Nações.

OBJETIVOS:

Compreender o processo histórico que antecedeu a criação da Liga das Nações. Os êxitos e fracassos da Liga como exemplo institucional para a cria-ção da Organização das Nações Unidas.

LEITURA PARA A AULA:

1) GARCIA, Eugênio Vargas (org.). “1917 — Primeira Guerra Mun-dial: reconhecimento do estado de guerra”. In: Diplomacia Brasi-leira e Política Externa: documentos históricos 1493-2008. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008. pp. 383-384.

2) GARCIA, Eugênio Vargas (org.). “1942 — Segunda Guerra Mun-dial: reconhecimento do estado de guerra”. In: Diplomacia Brasi-leira e Política Externa: documentos históricos 1493-2008. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008. pp. 450-451.

SUGESTÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR:

SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, pp. 103-124.

VÍDEO DOCUMENTÁRIO:

“Hiroshima: a humanidade e o horror”. BBC/Discovery Channel/TF1/ZDF.

Às 8h15 da manhã de 6/8/1945, a primeira bomba atômica foi jogada na cidade japonesa de Hiroshima. Uma aposta científi ca, tecnológica, militar e política que se confi rmaria como o momento defi nitivo do século XX. Com

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85 Organograma disponível em http://

w w w.indiana.edu/~league/org-

chart2.htm, acesso em 14.06.2012.

imagens de arquivo, novos recursos de efeitos visuais e reconstituições drama-tizadas baseadas em relatos de testemunhas, Hiroshima coloca a explosão da bomba atômica em seu contexto histórico e político e apresenta sem rodeios as consequências terríveis de um ataque nuclear.

WEB LINKS:

www.un.org (Site das Nações Unidas)

A ESTRUTURA DA LIGA DAS NAÇÕES:85

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86 Disponível em http://g1.globo.

com/Noticias/Mundo/0,,MUL921298-

5602,00-ONU+COMEMORA+OS+ANO

S+DA+DECLARACAO+UNIVERSAL+DO

S+DIREITOS+HUMANOS.html, acesso

em 14.06.2012.

A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS APÓS 60 ANOS:

ONU comemora os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos86

Da EFEMarta Hurtado.

Genebra, 12 dez (EFE).— Os 60 anos da Declaração Universal dos Direi-tos Humanos foram comemorados hoje nas Nações Unidas como um marco na história da Humanidade, mas também se lembrou que muitos de seus princípios ainda não foram alcançados.

“Desde a aprovação da Declaração avançamos enormemente. No entanto, a realidade é que não atingimos sua visão, pelo menos ainda”, afi rmou hoje o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, na sede da ONU em Genebra.

Ban lembrou que “uma pobreza abjeta, uma vergonhosa discriminação e uma horrível violência continuam afetando milhões de pessoas”.

“Ao atingir este marco (o aniversário), também devemos reconhecer a sel-vagem falta de humanidade enfrentada por muitas pessoas em nosso mundo. Não podemos baixar a guarda”, acrescentou.

O ato foi organizado pelo Conselho de Direitos Humanos e foi celebrado na sala XX do Palácio das Nações, decorada com a cúpula desenhada pelo artista espanhol Miquel Barceló.

Hoje foi a primeira vez que a sala acolhia um evento desde sua inaugura-ção no dia 18 de novembro.

Nos discursos durante toda a jornada foram citados dezenas de casos nos quais se violam constantemente os direitos humanos e nos quais a Declaração nada mais é do que papel molhado.

Uma das principais críticas foi exposta pelo ex-presidente sul-africano Nelson Mandela, cuja declaração foi lida na cerimônia pelo presidente do Conselho de Direitos Humanos, o embaixador nigeriano Martin Ihoeghian Uhomoibhi.

Mandela disse que a Declaração Universal tinha sido uma referência para todos aqueles que, como ele, lutaram contra o regime racista do “apartheid” na África do Sul.

Mas se lamentou que hoje em dia “ainda há centenas de milhões de pesso-as aos que se lhes nega o direito a ser simplesmente um ser humano”.

A secretária de Estado de Relações Internacionais e Direitos Humanos da França, Rama Yade, em nome da União Européia presidida neste momento de seu país, rejeitou o funcionamento do Conselho de Direitos Humanos da ONU por considerá-lo parcial com muita assiduidade.

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87 Disponível, em inglês, em

h t t p : / / w w w . u n . o r g / e v e n t s /

peacekeeping60/60years.shtml. Acesso

em 14.06.2012.

Além disso, Yade lembrou que os direitos humanos são universais, “não uma noção exclusivamente ocidental, nem um conceito geográfi co e histórico datado”, por isso que defendeu por lutar contra o relativismo e a justifi cativa de violações e humilhações baseadas em um suposto respeito da diversidade.

A secretária-geral da Anistia Internacional, Irene Khan, também atacou o funcionamento do Conselho de Direitos Humanos da ONU, a quem re-criminou que não tome uma posição mais sólida em seus pronunciamentos.

“O Conselho tem um potencial enorme de tomar a liderança na defesa dos direitos humanos e não o faz”, afi rmou Khan.

Além disso, fez um apelo para que o mundo seja consciente de que “a po-breza é atualmente a mais grave crise de direitos humanos”.

A ativista lembrou que há 1 bilhão de pessoas pobres no mundo, e alertou sobre a possibilidade de que a crise fi nanceira e econômica atual agrave ainda mais a situação.

Vários participantes, entre eles ministros, diplomatas e representantes da sociedade civil, lembraram o drama nos territórios palestinos ocupados.

Os presentes nesta comemoração puderam desfrutar da cúpula da sala, objeto de polêmicas das últimas duas semanas por causa do custo da obra e por um falso rumor de um desprendimento de parte do teto. EFE

60 ANOS DAS OPERAÇÕES DE PAZ DAS NAÇÕES UNIDAS:87

60 Years of United Nations PeacekeepingTh e United Nations will observe 60 years of peacekeeping operations on

29 May 2008, the annual observance of the International Day of UN Pea-cekeepers, by paying tribute to all peacekeepers who have served since 1948 and commemorating those who died in the cause of peace in the past year.

United Nations peacekeeping began in 1948 with the deployment of unarmed UN military observers to the Middle East in a mission to monitor the Armistice Agreement between Israel and its Arab neighbors.

Today, more than 110,000 uniformed and civilian personnel are serving in 20 peace operations managed by the Department of Peacekeeping Opera-tions (DPKO). Since 1948, 63 peacekeeping operations have been deployed by the United Nations, 17 of them in the past decade alone. Over the years hundreds of thousands of military personnel, as well as tens of thousands of UN police and other civilians, from more than 120 countries have participa-ted in UN operations.

More than 2,400 United Nations peacekeepers from some 118 countries died while serving under the UN fl ag during the past 60 years.

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BACKGROUNDUnited Nations peacekeeping is a unique and dynamic instrument deve-

loped by the Organization as a way to help countries torn by confl ict foster the conditions for lasting peace.

While the term “peacekeeping” is not found in the United Nations Char-ter, Dag Hammarskjöld, the second UN Secretary-General, found a way to defi ne it within the framework of the Charter, saying that peacekeeping falls under “Chapter VI and a half ” of the Charter, somewhere between traditio-nal methods of resolving disputes peacefully (outlined in Chapter VI), on the one hand, and more forceful, less “consent-based” action (Chapter VII), on the other.

Over the years, UN peacekeeping has evolved to meet the demands of diff erent confl icts and a changing global political landscape.

Born at a time when Cold War rivalries frequently paralyzed the Security Council, UN peacekeeping goals were primarily limited to maintaining ce-asefi res and stabilizing situations on the ground, providing crucial support for political eff orts to resolve the confl ict by peaceful means. Th ose missions consisted of military observers and lightly armed troops with primarily mo-nitoring, reporting and confi dence-building roles.

THE EARLY YEARSTh e United Nations Truce Supervision Organization (UNTSO) and the

UN Military Observer Group in India and Pakistan (UNMOGIP) were the fi rst two United Nations missions deployed. Both of these missions, which continue to operate to this day, exemplifi ed the observation and monitoring type of operation and had authorized strengths in the low hundreds.

Th e earliest armed peacekeeping operation was the First United Nations Emergency Force (UNEF 1) deployed in 1956 to address the Suez Crisis. Th e UN Operation in the Congo (ONUC), launched in 1960, was the fi rst large-scale mission, with nearly 20,000 soldiers serving at its peak. It also de-monstrated the risks involved in trying to bring stability to war-torn regions — 250 UN personnel died while serving on that important mission.

In the 1960s and 1970s, the United Nations established short-term mis-sions in New Guinea, Yemen and the Dominican Republic, and started lon-ger term deployments in Cyprus (UNFICYP) and the Middle East (UNEF II, UNDOF and UNIFIL).

In 1988, United Nations peacekeepers were awarded the Nobel Peace Pri-ze. At that time, the Nobel Committee cited in particular the “young people from many nations...who, in keeping with their ideals, voluntarily take on a demanding and hazardous service in the cause of peace”.

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THE POST-COLD WAR SURGEAs the Cold War ended, there was a rapid increase in the number of pea-

cekeeping missions. With a new consensus and a common sense of purpose, the Security Council authorized a total of 20 operations between 1989 and 1994, raising the number of peacekeepers from 11,000 to 75,000.

Some of the missions were deployed to help implement peace agreements that had ended long drawn out confl icts — in countries such as Angola, Mozambique, Namibia, El Salvador, Guatemala and Cambodia — and to help the countries stabilize, re-organize, elect new governments and build democratic institutions.

Th e general success of these missions sometimes raised expectations for United Nations peacekeeping beyond its capacity to deliver, especially in situations when the Security Council was not able to authorize suffi ciently robust mandates or provide adequate resources.

Missions were established in situations where the guns had not yet fallen silent and in areas such as the former Yugoslavia, Somalia and Rwanda where there was no peace to keep. Th ese three high-profi le peacekeeping operations came under criticism as peacekeepers faced situations where warring parties failed to adhere to peace agreements, or where the peacekeepers themselves were not provided adequate resources or political support. As civilian casu-alties rose and hostilities continued, the reputation of United Nations pea-cekeeping plummeted.

THE MID-1990S: A PERIOD OF REASSESSMENT FOR UN PEACEKEEPING

Th e setbacks of the early and mid 1990s led the Security Council to limit the number of new peacekeeping missions for the next several years. Th e Organization also began a process of self-refl ection. In the meantime, UN peacekeepers continued their long-term operations in the Middle East, Asia and Cyprus. Th e Council also authorized UN operations in Bosnia and Her-zegovina, Haiti, Guatemala and Angola.

21ST CENTURY SURGEWith a greater understanding of the limits — and potential — of UN

peacekeeping, the United Nations was asked to perform even more complex tasks starting in 1999. Th e UN served as the administrator of the territories of Kosovo in the former Yugoslavia, and East Timor (now Timor-Leste), whi-ch was in the process of gaining independence from Indonesia.

In both situations, the UN was widely viewed as the only organization with the globally-recognized credibility and impartiality to take on the job.

Over the next decade, the Security Council also established large and complex peacekeeping operations in African countries such as the Demo-

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cratic Republic of the Congo, Sierra Leone, Liberia, Burundi, Côte d’Ivoire, the Sudan (in the south of the country and in Darfur), Eritrea/Ethiopia, and Chad and the Central African Republic.

Peacekeepers also returned to resume vital peacekeeping and peacebuil-ding operations where a fragile peace had frayed, in Haiti and the newly independent Timor-Leste.

With the establishment of UN missions in Darfur, Chad and the Central African Republic in the second half of 2007, the authorized strength of UN peacekeeping operations stands at 130,000 — an all-time high.

PEACEKEEPING EVOLVESWith the end of the Cold War, the strategic context for UN peacekeeping

dramatically changed, prompting the Organization to shift and expand its fi eld operations from traditional missions involving strictly military tasks, to complex “multidimensional” enterprises designed to ensure the implemen-tation of comprehensive peace agreements and assist in laying a foundation for sustainable peace.

Today’s peacekeepers undertake a wide variety of complex tasks, from hel-ping to build sustainable institutions of governance, to human rights moni-toring, to security sector reform, to the disarmament, demobilization and reintegration of former combatants.

Th e nature of confl icts has also changed over the years. Originally deve-loped as a means of dealing with inter-State confl ict, UN peacekeeping has been increasingly applied to intra-State confl icts and civil wars.

Although the military remain the backbone of most peacekeeping operations, the many faces of peacekeeping now include administrators and economists, police offi cers, legal experts, gender offi cers, de-miners, electoral observers, hu-man rights monitors, specialists in civil aff airs and governance, humanitarian workers, and experts in communications and public information.

Women have also taken on an increasingly important role in UN pea-cekeeping. More and more, they are represented in the military, police and civilian components of peacekeeping operations. In an historic event, the fi rst ever all-female contingent to serve in a UN peacekeeping operation was deployed in 2007, when a 125-strong Formed Police Unit from India arrived in Liberia. Th eir presence has served to demonstrate the special contributions that women can make to law enforcement.

In the 1950s, the earliest peacekeepers tended to hail from Europe. Du-ring the 1990s, the profi le changed as developed countries shrank their mili-taries following the end of the Cold War and/or became reluctant to commit their soldiers to UN-commanded operations. Th e largest troop contributors now are in South Asia (Pakistan, Bangladesh, India, Sri Lanka and Nepal) and Africa (Ghana, Nigeria). Arab and Latin American countries also pro-

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vide signifi cant numbers of troops. However, in 2006, Europeans returned to play a major role in UN peacekeeping in Lebanon, when UNIFIL was expanded following the confl ict between Israel and Hezbollah.

Several countries that once hosted UN operations now contribute troops, in-cluding Bosnia and Herzegovina, Cambodia, Croatia, El Salvador, the former Yu-goslav Republic of Macedonia, Guatemala, Namibia, Rwanda and Sierra Leone.

In addition, UN police related activities have increased in size and scope with 11,000 UN police deployed around the world, a number expected to increase to some 17,000 in the coming year as they build their presence in Darfur, Chad and the Central African Republic.

PEACEKEEPING REFORMAt the turn of the century, the UN underwent a major exercise in exami-

ning the challenges to peacekeeping in the 1990s and introducing reform. Th e Secretary-General appointed a panel on United Nations Peace Opera-tions, composed of individuals experienced in confl ict prevention, peacekee-ping and peacebuilding, to assess the shortcomings of the existing system and to make specifi c and realistic recommendations for change.

Th e result, known as the “Brahimi Report” after Lakhdar Brahimi, the Chair of the Panel on United Nations Peace Operations, called for renewed political commitment on the part of Member States, signifi cant institutional change and increased fi nancial support. Th e panel noted that in order to be eff ective, United Nations forces must be properly resourced and equipped to carry out their mandates.

Th e report called for increased staffi ng and more robust rules of engage-ment against those who renege on their commitments to a peace accord or seek to undermine it by violence. Th e Security Council, it said, must pro-vide peacekeeping operations with clear, credible and achievable manda-tes. And it insisted that Headquarters support for peacekeeping be treated as a core activity of the United Nations.

As a result, UN Member States and the UN Secretariat made major eff orts for reform, including through the High-level Panel on Th reats, Challenges and Change, the 2005 World Summit, the reform strategy of DPKO entitled “Peace Operations 2010” and most recently the “Capstone Doctrine”, which DPKO has developed for strategic and tactical guidance of UN peacekeepers in the fi eld.

Th e latest chapter in peacekeeping reform took place in 2007: Faced with the rising demand for increasingly complex peace operations, the United Na-tions grew overstretched and challenged as never before. To strengthen the UN’s capacity to manage and sustain new peace operations, the peacekeeping architecture was restructured in 2007, by bolstering the support for new acti-vities in DPKO, establishing a separate Department of Field Support (DFS),

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88 Disponível em http://www.un.org/

geninfo/ir/index.asp?id=150, acesso

em 14.06.2012.

augmenting resources in both departments and in other parts of the Secre-tariat dealing with peacekeeping and by creating new capacities as well as integrated structures to match the growing complexity of mandated activities.

Other reforms have come about in the fi eld of Conduct and Discipline. Following allegations and investigations of sexual exploitation and abuse by UN peacekeepers, the Secretary-General declared a zero tolerance policy for any violation of UN rules, which includes a ban for UN personnel on sex with children 18 and under, and sex with a prostitute. Th e former Permanent Re-presentative of Jordan, Prince Zeid Ra’ad Zeid Al-Hussein, produced a swee-ping strategy to engage troop contributors, Member States, and the wider UN system in a new Conduct and Discipline architecture for peacekeeping. And in 2008, an UN-wide strategy for assistance to the victims of sexual exploita-tion and abuse by UN personnel was adopted by the General Assembly.

THE DAG HAMMARSJKOLD MEDALIn 1997, to mark the 50th anniversary of peacekeeping the following year,

the Security Council decided to establish the Dag Hammarskjöld Medal. Since then the medal has been awarded annually to the peacekeepers that have fallen while serving in the cause of peace the preceding year.

INTERNATIONAL DAY OF UN PEACEKEEPERSBy resolution 57/129 of 11 December 2002, the General Assembly desig-

nated 29 May — the day the fi rst mission, UNTSO, was established — as the International Day of United Nations Peacekeepers, to pay tribute to all the men and women who have served and continue to serve in United Na-tions peacekeeping operations for their high level of professionalism, dedi-cation and courage, and to honour the memory of those who have lost their lives in the cause of peace.

QUANTO CUSTA A ONU?88

¿Cuánto cuestan las Naciones Unidas?

El presupuesto ordinario de las Naciones Unidas es de unos 1.300 millo-nes de dólares anuales. Con el presupuesto ordinario, que no incluye las ope-raciones de mantenimiento de la paz, se fi nancian las actividades, el personal y la infraestructura básica de la Organización. La Carta, que es un tratado internacional, obliga a todos los Estados Miembros de las Naciones Unidas a pagar una parte de ese presupuesto. La contribución de cada Estado se calcula sobre la base de su participación en la economía mundial.

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¿Cuánto gasta anualmente todo el sistema de las Naciones Unidas?

El sistema de las Naciones Unidas gasta unos 12.000 millones de dólares al año; esto incluye la Secretaría de las Naciones Unidas, las operaciones de mantenimiento de la paz de la Organización, los programas y fondos y los or-ganismos especializados, pero no el Banco Mundial, el Fondo Monetario In-ternacional (FMI) ni el Fondo Internacional de Desarrollo Agrícola (FIDA). Casi la mitad de esa suma proviene de contribuciones voluntarias de los Esta-dos Miembros y el resto de las cuotas obligatorias que pagan dichos Estados.

Las Naciones Unidas y sus organismos, fondos y programas, principal-mente el Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo, el Programa Mundial de Alimentos, el Fondo de las Naciones Unidas para la Infancia y el Fondo de Población de las Naciones Unidas, gastan cerca de 6.500 millones de dólares al año en actividades operacionales para el desarrollo, sobre todo en programas económicos, sociales y humanitarios para ayudar a los países más pobres del mundo. Además, el Banco Mundial, el FMI y el FIDA sumi-nistran anualmente miles de millones de dólares en préstamos para ayudar a erradicar la pobreza, fomentar el desarrollo y estabilizar la economía mundial.

¿Cómo se compara el presupuesto de las Naciones Unidas con el de otras organizaciones?

Para poner en perspectiva los gastos de las Naciones Unidas (unos 1.300 millones de dólares al año de la Organización propiamente dicha y unos 12.000 millones de dólares de todo el sistema), conviene compararlos con los gastos de los gobiernos y de otras organizaciones:

* El presupuesto administrativo de la Comunidad Europea, integrada por 15 países, asciende a unos 4.500 millones de dólares.

* Wyoming y Dakota del Sur, los dos estados de los Estados Unidos con presupuestos más bajos, tienen presupuestos anuales de más de 2.000 millo-nes de dólares cada uno.

* La Organización Mundial de la Salud (OMS), que ha reducido o eli-minado la incidencia de varias enfermedades en todo el mundo, incluida la viruela y la poliomielitis, tiene un presupuesto anual de 421 millones de dó-lares, que equivale a grandes rasgos al costo de la edifi cación del nuevo Ame-rican Airlines Center, un estadio de baloncesto y hockey en Dallas, Texas.

* El presupuesto anual de la ciudad de Zurich es de 3.100 millones de dólares.

* El Departamento Metropolitano de Bomberos de Tokio tiene un presu-puesto de 1.800 millones de dólares.* La Universidad de Minnesota tiene un presupuesto de 1.900 millones de dólares.

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* El presupuesto del Departamento de Educación de la Ciudad de Nueva York para el ejercicio económico 2001 fue de más de 12.400 millones de dólares.

¿Cóm o se decide el presupuesto de las Naciones Unidas?El presupuesto se determina mediante un proceso riguroso en el que par-

ticipan todos los Estados Miembros.El Secretario General propone inicialmente el presupuesto a la Asamblea

General, luego de un examen cuidadoso de los pedidos presupuestarios de los diferentes departamentos de las Naciones Unidas. Analizan luego ese presupues-to la Comisión Consultiva en Asuntos Administrativos y de Presupuesto, inte-grada por 16 miembros, y el Comité del Programa y de la Coordinación, con 34 miembros. Las recomendaciones de Comité van a la Comisión de Asuntos Administrativos y de Presupuesto de la Asamblea General, integrada por todos los Estados Miembros, que estudia aún más a fondo el presupuesto. Por último, éste se remite a la Asamblea General para su examen fi nal y aprobación.

Desde 1988, el presupuesto se ha aprobado por consenso, práctica que da a los países la posibilidad de refrenar los aumentos presupuestarios.

¿Cómo se calculan las cuotas de los Estados Miembros?El principal criterio que aplican los Estados Miembros, por conducto de la

Asamblea General, es la capacidad de pago de cada Estado. Esta se determina a partir del cálculo de su producto nacional bruto (PNB) con una serie de ajustes por diversos conceptos, como endeudamiento externo y el bajo ingreso per ca-pita. Utilizando esa metodología, la Asamblea General determina la parte por-centual del presupuesto que corresponde a cada Estado Miembro, que va de un mínimo del 0,001% a un máximo del 22%; para los países menos adelantados, el máximo es del 0,01%. En 2002, la cuota prorrateada de cada uno de los 43 países que contribuyeron conforme a la tasa mínima fue de 11.104 dólares. El mayor contribuyente, los Estados Unidos, debía pagar 283.076.321 dólares.

Primeros 10 contribuyentes al presupuesto ordinario de las Naciones Unidas Escala de cuotas

Cuantía

País (porcentaje) (en millones de dólares EE.UU.)

Estados Unidos 22,000 283,1

Japón 19,669 218,4

Alemania 9,845 109,3

Francia 6,516 72,4

Reino Unido 5,579 62,0

Italia 5.,104 56,7

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Escala de cuotasCuantía

País (porcentaje) (en millones de dólares EE.UU.)

Canadá 2,579 28,6

España 2,539 28,2

Brasil 2,093 23,2

República de Corea 1,866 20,7

¿Es justa la distribución de las cuotas?Como el prorrateo de las cuotas se basa en el producto nacional bruto

(PNB), los países más ricos generalmente pagan más y los más pobres pagan menos, aunque hay algunas excepciones (por ejemplo, el Brasil paga más que Liechtenstein, aunque su ingreso per cápita es inferior, porque su PNB total es mucho más alto).

En 1974, la Asamblea fi jó una tasa máxima de contribución del 25% por país, que en 2001 se redujo al 22%. Hasta ahora, ese límite sólo ha benefi cia-do a los Estados Unidos, cuyo PNB representa aproximadamente el 27% del PNB total de los Miembros. Sin ese límite, el porcentaje que tendría que pa-gar sería aún más alto, ya que, como a otros países con un ingreso per cápita elevado, se le habría pedido que ayudara a sufragar el costo de las reducciones concedidas a los países con un ingreso per cápita bajo. Las cuotas de los otros Estados Miembros se elevan para cubrir esa diferencia.

La segunda cuota más alta corresponde al Japón, que aportó en 2002 el 19,7%, o 218,4 millones de dólares. Los 15 países de la Unión Europea contribuyen en conjunto más del 35% del presupuesto. La escala de cuotas se revisa íntegramente cada tres años, sobre la base de las estadísticas más recientes del ingreso nacional, para asegurar que el prorrateo de las cuotas sea justo y exacto.

¿Pagan demasiado los países industrializados?Si los Estados que contribuyen al presupuesto ordinario de las Naciones

Unidas se ordenan según el monto de su contribución, es evidente que se asigna a un grupo reducido de países una gran parte de los costos, lo que obedece a su mayor participación en el ingreso mundial. Sin embargo, si se utilizan otros criterios, el panorama cambia. Por ejemplo, si se consideran las contribuciones per cápita se verá que entre los principales contribuyentes hay tres países pequeños y cuatro países nórdicos.

Gran parte de los fondos que aportan algunos de los países industrializa-dos importantes al sistema de las Naciones Unidas revierte a ellos por el dine-ro que gastan las Naciones Unidas en esos países en la compra de materiales, el pago de sueldos y los gastos de funcionamiento. De los 3.700 millones de

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dólares que invirtió todo el sistema de las Naciones Unidas en 2000 en la adquisición de bienes y servicios, el 64% provenía de los países industrializa-dos, lo que equivale a un total de cerca de 2.400 millones de dólares. De esa suma, las empresas estadounidenses recibieron 527 millones, más del doble de lo que recibió el siguiente proveedor más importante de bienes y servicios, y muchísimo más de lo que recibieron la mayoría de los Estados Miembros.

Primeros 10 contribuyentes al presupuesto ordinario de las Naciones Unidas según el ingreso per cápita, 2002 

País (Dólares EE.UU)

Luxemburgo 2,15

Liechtenstein 2,13

Japón 1,74

Noruega 1,65

Dinamarca 1,60

Mónaco 1,38

Islandia 1,35

Alemania 1,34

Austria 1,31

Suecia 1,30

¿Qué pasa cuando los Estados no pagan sus cuotas?Las Naciones Unidas acaban de superar una crisis fi nanciera. Esas crisis se

producen cuando los Estados Miembros no pagan su parte del costo de los programas que ellos mismos han aprobado. Algunos países no pagan sus cuo-tas a tiempo por razones técnicas de índole presupuestaria o, sencillamente, a causa de su pobreza. Otros retienen los pagos como medio de ejercer presión sobre las Naciones Unidas o para reafi rmar una posición política. Ningún Estado ni empresa privada podría funcionar en esas condiciones, sobre todo porque los Estados Miembros siguen pidiendo más y más de las Naciones Unidas, aun cuando continúan reteniendo las cuotas.

Gracias al esfuerzo que han hecho los Estados por pagar sus cuotas atra-sadas, la situación fi nanciera de las Naciones Unidas ha mejorado conside-rablemente, aunque todavía hay cuantiosas sumas en mora y se han agotado las reservas de la Organización. A fi nes de 2001, las sumas adeudadas al pre-supuesto ordinario ascendían a un total de 239,6 millones de dólares, de los cuales 209,9 millones correspondían a ese año. De los 189 Estados Miem-bros de las Naciones Unidas, 54 (o un 29%) no habían pagado la totalidad de sus cuotas al presupuesto ordinario, pero sólo 22 tenían pagos pendientes de

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años anteriores. Asimismo, a fi nes de 2001 había pagos atrasados por valor de 43,8 millones de dólares relacionados con los tribunales internacionales para la ex Yugoslavia y para Rwanda.

Sin embargo, si se tienen en cuenta las operaciones de mantenimiento de la paz, el total de las cuotas prorrateadas por pagar asciende a 2.100 millones de dólares, de los cuales una altísima proporción, 1.800 millones de dólares, se adeudan a las operaciones de mantenimiento de la paz. Cerca del 38% de esa cifra, 690,9 millones de dólares, representa las cuotas pendientes de los Estados Unidos, de los cuales 373 millones de dólares corresponden al perí-odo actual y 316,9 millones a períodos anteriores. Sin embargo, incluso esa situación es ya una mejora, y durante 2001 las Naciones Unidas pudieron reducir su deuda con los países (principalmente por tropas y equipo sumi-nistrados para las operaciones de mantenimiento de la paz), de unos 1.100 millones de dólares a 800 millones de dólares.

Es evidente que los Estados Miembros deben hacer un mayor esfuerzo por pagar sus cuotas atrasadas y cumplir sus obligaciones fi nancieras plenamente y a tiempo, a fi n de restablecer la estabilidad fi nanciera de las Naciones Unidas, requisito indispensable para que la Organización pueda cumplir sus múltiples funciones con máxima efi cacia, en bien de la población de todo el mundo.

¿Qué se puede hacer para que los Estados Mi embros cumplan con sus obligaciones fi nancieras?

De conformidad con la Carta de las Naciones Unidas (Artículo 19), se puede retirar el derecho al voto en la Asamblea General al Estado Miembro cuyos atrasos en el pago de sus cuotas iguale o supere la cantidad que debiera haber contribuido en los dos años anteriores. Varios Miembros han sido ob-jeto de esta sanción en el pasado.

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10ª AULA : ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS

ESTRUTURA JURÍDICO-INSTITUCIONAL

EMENTA:

Estrutura jurídico-institucional da ONU. Assembleia Geral da ONU. Conselho de Segurança e Corte Internacional de Justiça.

OBJETIVOS:

Discutir a adequação da estrutura institucional da ONU para o alcance dos objetivos previstos em sua Carta constitutiva.

LEITURA PARA A AULA:

1) GARCIA, Eugênio Vargas (org.). “1907 — Rui Barbosa na Segun-da Conferência da Paz da Haia”. In: Diplomacia Brasileira e Polí-tica Externa: documentos históricos 1493-2008. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008, pp. 361-363.

2) MELLO, Sérgio Vieira de. “Apenas os Estados Membros podem fazer a ONU funcionar”. Sur — Revista Internacional de Direitos Humanos. Ano 1, n. 1, 2004, p. 169-180. (Está disponível na inter-net em http://www.surjournal.org).

SUGESTÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR:

SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, pp. 125-158.

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CASO: MAVI MARMARA

Na madrugada do dia 31 de maio de 2010 (segunda-feira), as Forças Ar-madas de Israel atacaram uma embarcação de bandeira turca — chamada “Mavi Marmara” ou “fl otilha da liberdade” — que transportava cerca de 500 ativistas e tentava furar, juntamente com mais cinco embarcações, o bloqueio israelense à faixa de Gaza para levar alimentos e material de construção ao território palestino. O ataque ocorreu em águas internacionais, a uma distân-cia de 70 km da costa de Israel. Ao menos nove ativistas foram mortos e de-zenas fi caram feridos. A Organização das Nações Unidas (ONU) condenou o ataque. A bordo do navio encontrava-se a cineasta brasileira Iara Lee que fi lmou os momentos do ataque. O Brasil convocou o embaixador de Tel Aviv em Brasília a fi m de pedir maiores explicações e emitiu, no mesmo dia, uma nota ofi cial condenando o ataque de Israel à frota humanitária.

“O Brasil condena, em termos veementes, a ação israelense, uma vez que não há justifi cativa para intervenção militar em comboio pacífi co, de caráter estritamente humanitário. O fato é agravado por ter ocorrido, segundo as informações disponí-veis, em águas internacionais. O Brasil considera que o incidente deva ser objeto de investigação independente, que esclareça plenamente os fatos à luz do Direito Huma-nitário e do Direito Internacional como um todo.

Os trágicos resultados da operação militar israelense denotam, uma vez mais, a necessidade de que seja levantado, imediatamente, o bloqueio imposto à Faixa de Gaza, com vistas a garantir a liberdade de locomoção de seus habitantes e o livre acesso de alimentos, remédios e bens de consumo àquela região”. (Nota ofi cial do Itamaraty. Nota nº 349, de 31 de maio de 2010.)

Marinha israelense interceptando, em águas internacionais, barcos que transportavam ajuda humanitária para a Faixa de Gaza

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89 “Soldados corriam perigo de vida;

reação foi de autodefesa”. Folha de

São Paulo, 01 de junho de 2010. Dis-

ponível no endereço eletrônico: http://

www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/

ft0106201003.htm .

90 “Israel mata 9 ao parar navio rumo a

Gaza”. Folha de São Paulo, 01 de junho

de 2010. Disponível no endereço ele-

trônico: http://www1.folha.uol.com.

br/fsp/mundo/ft0106201001.htm

91 “Brasil chama embaixador para cobrar

explicações”. Folha de São Paulo, 01 de

junho de 2010. Disponível no endereço

eletrônico: http://www1.folha.uol.com.

br/fsp/mundo/ft0106201004.htm .

O embaixador de Israel no Brasil, Giora Becher, alegou que “o ataque contra os soldados israelenses foi premeditado”. Acrescentou ainda que “o grupo organizador das embarcações tem orientação antiocidental e radical. Juntamente com as suas legítimas atividades humanitárias, apoia redes islâ-micas radicais como o Hamas e elementos da jihad global, como a Al Qaeda”. Por fi m, o embaixador israelense sustentou que “a ação de Israel contra a frota está fundada na lei marítima internacional.(...) Sob o direito internacional, quando um bloqueio marítimo está em vigor, nenhuma embarcação pode ingressar na área bloqueada”.89

Para o governo de Israel, o envio de corvetas e helicópteros para intercep-tar os ativistas seria uma “ação preventiva”. O premiê de Israel, Benjamin Netanyahu, afi rmou que os soldados israelenses agiram em legítima defesa por terem sido atacados pelos ativistas que estavam com facas, barras de ferro e, em alguns casos, armas de fogo. Segundo relata a Folha de São Paulo, um repórter da TV Al Jazeera disse que uma bandeira branca havia sido erguida pela tripulação a fi m de conter a ação dos israelenses que, mesmo assim, abri-ram fogo contra os ativistas.90

O premiê da Turquia, Recep Tayyp Erdogan, declarou que “esta ação, to-talmente contrária aos princípios da lei internacional, é desumano terrorismo de Estado. Ninguém deve achar que fi caremos calados diante disso.”91

Os sobreviventes foram conduzidos até o território israelense para serem deportados. Os seis navios foram levados até o porto de Ashdod. Após serem interrogados, vários ativistas foram enviados de volta para os seus países de origem. Contudo, a maioria se recusou a deixar Israel e foi levada para um centro de detenção.

ENTENDA COMO OCORREOU O ATAQUE:

http://noticias.r7.com/internacional/noticias/entenda-como-ocorreu-o-ataque-israelense-20100531.html

Veja também o vídeo fi lmado pela cineasta Iara Lee com as imagens do ataque:

http://www1.folha.uol.com.br/multimidia/videocasts/749015-cineasta-brasileira-divulga-imagens-de-ataque-israelense-a-navio.shtml

Veja também matéria do Democracy Now entrevistando Iara Lee:http://www.democracynow.org/2010/6/10/exclusive_journalist_smu-

ggles_out_video_of

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92 Disponível em http://www.3sector.

net/uploads/fi les/20100222_062911_

re s o l u c a o _ d a _ a g _ o n u _ d e f i n i -

cao_de_agressao.pdf, acesso em

14.06.2012.

DOCUMENTOS PARA CONSULTA:

1. Carta da ONU.2. Resolução n° 3314 (XXIX) da Assembleia Geral da ONU, de

14/12/1974 (DECRETO Nº 1.530, DE 22 DE JUNHO DE 1995).

3. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982. Disponível em http://www2.mre.gov.br/dai/m_1530_1995.htm

PERGUNTAS PARA O DEBATE EM SALA DE AULA:

1) Israel sustentou encontrar-se em estado de confl ito armado com o Hamas e, por este motivo, teria o direito de decretar o bloqueio ma-rítimo da Faixa de Gaza. Este argumento tem fundamento jurídico?

2) A atitude de Israel confi gura legítima defesa ou um ato de agressão segundo o direito internacional?

OBSERVAÇÃO:

1. Entre as situações defi nidas na Resolução como atos de agressão, fi guram especialmente o bloqueio dos portos e das zonas costeiras.

2. O artigo 110 da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar prevê um direito de visita por um navio de guerra, cabível quando o Estado em questão tem sérias razões para suspeitar de que o navio estrangeiro dedica-se à pirataria, ao transporte de escravos ou que ele não possui nacionalidade.

Resolução n° 3314 (XXIX) da Assembleia Geral da ONU, de 14/12/1974

Defi nição de Agressão92

A ASSEMBLÉIA GERAL,

Baseando-se no fato de um dos fi ns essenciais da Organização das Nações Unidas ser a manutenção da paz e segurança internacionais e a adoção de medidas coletivas efi cazes para prevenir e afastar as ameaças à paz e reprimir qualquer ato de agressão ou outra ruptura da paz,

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Lembrando que o Conselho de Segurança, de acordo com o artigo 39.° da Carta das Nações Unidas, determina a existência de qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão e faz recomendações ou decide que medi-das serão tomadas de acordo com os artigos 41.° e 42.°, a fi m de manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais,

Lembrando igualmente o dever dos Estados, nos termos da Carta, de resol-ver os seus diferendos internacionais por meios pacífi cos, a fi m de não pôr em causa a paz, a segurança e a justiça internacionais,

Tendo presente que nada do disposto na presente Defi nição poderá ser in-terpretado em nenhum sentido que afete o alcance das disposições da Carta relativas às funções e poderes dos órgãos da Organização das Nações Unidas,

Considerando igualmente que a agressão é a forma mais grave e perigosa do uso ilícito da força, que contém, dada a existência de todos os tipos de armas de destruição maciça, a ameaça possível de um confl ito mundial com as suas conseqüências catastrófi cas, e que convém por isso, no momento atual, esta-belecer uma defi nição de agressão,

Reafi rmando o dever dos Estados de não recorrer ao uso da força armada para privar os povos do seu direito à autodeterminação, liberdade e indepen-dência, ou para atingir a sua integridade territorial,

Reafi rmando igualmente que o território de um Estado é inviolável e não pode ser objeto, mesmo que transitoriamente, de ocupação militar ou de outras medidas de força tomadas por um outro Estado em violação da Carta, e que não poderá ser objeto, por parte de outro Estado, de aquisição que resulte de tais medidas ou da ameaça de a elas recorrer,

Reafi rmando igualmente as disposições da Declaração sobre os princípios de direito internacional referentes às relações de amizade e cooperação entre os Estados de acordo com a Carta das Nações Unidas,

Convencida de que a adoção de uma defi nição da agressão deveria ter como efeito dissuadir um eventual agressor, facilitaria a determinação dos atos de agressão e a aplicação das medidas adequadas à sua repressão e permitiria salvaguardar os direitos e interesses legítimos da vítima e prestar-lhe auxílio,

Considerando ainda que a questão de saber se houve ato de agressão deve ser examinada tendo em conta todas as circunstâncias de cada caso, e não obstante, é desejável a formulação dos princípios fundamentais que servirão de orientação para o determinar,

Adota a seguinte defi nição de agressão:

Artigo 1.°A agressão é o uso da força armada por um Estado contra a soberania,

integridade territorial ou independência política de outro Estado, ou de qual-quer forma incompatível com a Carta das Nações Unidas, tal Como decorre da presente Defi nição.

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Nota explicativa Na presente Defi nição, o termo «Estado»:a) É utilizado sem prejuízo da questão do reconhecimento ou do fato de

um Estado ser, ou não, Membro da Organização das Nações Unidas;b) Inclui, neste caso, o conceito de «grupos de Estados>’.

Artigo 2.°O uso da força armada em violação da Carta por um Estado que aja

em primeiro lugar constitui, em princípio, prova sufi ciente de um ato de agressão, ainda que o Conselho de Segurança possa concluir, de acordo com a Carta, que não se justifi ca determinar que foi cometido um ato de agressão, tendo em conta outras circunstâncias pertinentes, nomeada-mente o fato de os atos em questão ou as suas conseqüências não serem sufi cientemente graves.

Artigo 3.°Considerar-se-á ato de agressão qualquer um dos atos a seguir enunciados,

tenha ou não havido declaração de guerra, sob reserva das disposições do artigo 2.° e de acordo com elas:

a) A invasão ou o ataque do território de um Estado pelas forças armadas de outro Estado, ou qualquer ocupação militar, ainda que temporária, que resulte dessa invasão ou ataque, ou qualquer anexação mediante o uso da força do território ou de parte do território de outro Estado;

b) O bombardeamento pelas forças armadas de um Estado, ou o uso de quaisquer armas por um Estado, contra o território de outro Estado;

c) O bloqueio dos portos ou da costa de um Estado pelas forças armadas de outro Estado;

d) O ataque pelas forças armadas de um Estado contra as forças armadas terrestres, navais ou aéreas, ou a marinha e aviação civis de outro Estado;

e) A utilização das forças armadas de um Estado, estacionadas no território de outro com o assentimento do Estado receptor, cm violação das condições previstas no acordo, ou o prolongamento da sua presença no território em questão após o termo do acordo;

f ) O fato de um Estado aceitar que o seu território, posto à disposição de outro Estado, seja utilizado por este para perpetrar um ato de agressão contra um terceiro Estado;

g) O envio por um Estado, ou em seu nome, de bandos ou de grupos ar-mados, de forças irregulares ou de mercenários que pratiquem atos de força armada contra outro Estado de uma gravidade tal que sejam equiparáveis aos atos acima enumerados, ou o fato de participar de uma forma substancial numa tal ação.

Artigo 4.°

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A enumeração dos atos mencionados acima não é exaustiva e o Conselho de Segurança poderá qualifi car outros atos como atos de agressão de acordo com as disposições da Carta.

Artigo 5.°1. Nenhuma consideração, independentemente da sua natureza, política,

econômica, militar ou outra, pode justifi car um ato dc agressão.

2. A guerra de agressão é um crime contra a paz internacional. A agressão dá lugar a responsabilidade internacional.

3. Nenhuma aquisição territorial ou vantagem especial resultante de uma agressão é lícita ou será reconhecida como tal.

Artigo 6.°Nada na presente Defi nição será interpretado no sentido de ampliar ou

restringir de qualquer forma o alcance da Carta, incluindo as suas disposições relativas aos casos em que o uso da força é legítimo.

Artigo 7.°Nada na presente Defi nição, e em particular o artigo 3.° poderá prejudicar

de qualquer forma o direito à autodeterminação, à liberdade e à independên-cia, tal como decorre da Carta, dos povos privados pela força desse direito e aos quais faz referência a Declaração sobre os princípios de direito inter-nacional referentes às relações de amizade e cooperação entre os Estados de acordo com a Carta das Nações Unidas, nomeadamente os povos submetidos a regimes coloniais ou racistas ou a outras formas de domínio estrangeiro; as-sim como ao direito desses mesmos povos de lutar por esse fi m e de procurar e obter apoio, de acordo com os princípios da Carta e da Declaração acima mencionada.

Artigo 8.°No que respeita à sua interpretação e aplicação, as disposições precedentes

estão relacionadas entre si e cada uma delas deve ser interpretada no contexto das restantes.

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93 Disponível em http://www2.pla-

nalto.gov.br/imprensa/discursos/

discurso-da-presidenta-da-republica-

dilma-rousseff-na-abertura-do-de-

bate-geral-da-66a-assembleia-geral-

das-nacoes-unidas-nova-iorque-eua,

acesso em 14.06.2012.

DISCURSO DA PRESIDENTA DA REPÚBLICA, DILMA ROUSSEFF, NA ABERTURA DO DEBATE GERAL DA 66ª ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS — NOVA YORK/EUA93

21/09/2011 às 11h20Nova York-EUA, 21 de setembro de 2011

Senhor presidente da Assembleia Geral, Nassir Abdulaziz Al-Nasser,Senhor secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon,Senhoras e senhores chefes de Estado e de Governo,Senhoras e senhores,

Pela primeira vez, na história das Nações Unidas, uma voz feminina inau-gura o Debate Geral. É a voz da democracia e da igualdade se ampliando nes-ta tribuna, que tem o compromisso de ser a mais representativa do mundo.

É com humildade pessoal, mas com justifi cado orgulho de mulher, que vivo este momento histórico.

Divido esta emoção com mais da metade dos seres humanos deste Planeta, que, como eu, nasceram mulher, e que, com tenacidade, estão ocupando o lugar que merecem no mundo.

Tenho certeza, senhoras e senhores, de que este será o século das mulheres.

Na língua portuguesa, palavras como vida, alma e esperança pertencem ao gênero feminino, e são também femininas duas outras palavras muito espe-ciais para mim: coragem e sinceridade.

Pois é com coragem e sinceridade que quero lhes falar no dia de hoje.

Senhor Presidente,

O mundo vive um momento extremamente delicado e, ao mesmo tempo, uma grande oportunidade histórica. Enfrentamos uma crise econômica que, se não debelada, pode se transformar em uma grave ruptura política e social. Uma ruptura sem precedentes, capaz de provocar sérios desequilíbrios na convivência entre as pessoas e as nações.

Mais que nunca, o destino do mundo está nas mãos de todos os seus go-vernantes, sem exceção. Ou nos unimos todos e saímos, juntos, vencedores ou sairemos todos derrotados.

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Agora, menos importante é saber quais foram os causadores da situação que enfrentamos, até porque isto já está sufi cientemente claro. Importa, sim, encontrarmos soluções coletivas, rápidas e verdadeiras.

Essa crise é séria demais para que seja administrada apenas por uns poucos países. Seus governos e bancos centrais continuam com a responsabilidade maior na condução do processo, mas como todos os países sofrem as conse-quências da crise, todos têm o direito de participar das soluções.

Não é por falta de recursos fi nanceiros que os líderes dos países desenvol-vidos ainda não encontraram uma solução para a crise. É — permitam-me dizer — por falta de recursos políticos e, algumas vezes, de clareza de ideias.

Uma parte do mundo não encontrou ainda o equilíbrio entre ajustes fi s-cais apropriados e estímulos fi scais corretos e precisos para a demanda e o crescimento. Ficam presos na armadilha que não separa interesses partidários daqueles interesses legítimos da sociedade.

O desafi o colocado pela crise é substituir teorias defasadas, de um mundo velho, por novas formulações para um mundo novo. Enquanto muitos go-vernos se encolhem, a face mais amarga da crise — a do desemprego — se amplia. Já temos 205 milhões de desempregados no mundo — 44 milhões na Europa, 14 milhões nos Estados Unidos. É vital combater essa praga e impedir que se alastre para outras regiões do Planeta.

Nós, mulheres, sabemos — mais que ninguém — que o desemprego não é apenas uma estatística. Golpeia as famílias, nossos fi lhos e nossos maridos. Tira a esperança e deixa a violência e a dor.

Senhor Presidente,

É signifi cativo que seja a presidenta de um país emergente — um país que vive praticamente um ambiente de pleno emprego — que venha falar, aqui, hoje, com cores tão vívidas, dessa tragédia que assola, em especial, os países desenvolvidos.

Como outros países emergentes, o Brasil tem sido, até agora, menos afe-tado pela crise mundial. Mas sabemos que nossa capacidade de resistência não é ilimitada. Queremos — e podemos — ajudar, enquanto há tempo, os países onde a crise já é aguda.

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Um novo tipo de cooperação, entre países emergentes e países desenvolvi-dos, é a oportunidade histórica para redefi nir, de forma solidária e responsá-vel, os compromissos que regem as relações internacionais.

O mundo se defronta com uma crise que é, ao mesmo tempo, econômica, de governança e de coordenação política.

Não haverá a retomada da confi ança e do crescimento enquanto não se in-tensifi carem os esforços de coordenação entre os países integrantes da ONU e as demais instituições multilaterais, como o G-20, o Fundo Monetário, o Banco Mundial e outros organismos. A ONU e essas organizações precisam emitir, com a máxima urgência, sinais claros de coesão política e de coorde-nação macroeconômica.

As políticas fi scais e monetárias, por exemplo, devem ser objeto de ava-liação mútua, de forma a impedir efeitos indesejáveis sobre os outros países, evitando reações defensivas que, por sua vez, levam a um círculo vicioso.

Já a solução do problema da dívida deve ser combinada com o crescimento econômico. Há sinais evidentes de que várias economias avançadas se encon-tram no limiar da recessão, o que difi cultará, sobremaneira, a resolução dos problemas fi scais.

Está claro que a prioridade da economia mundial, neste momento, deve ser solucionar o problema dos países em crise de dívida soberana e reverter o presente quadro recessivo. Os países mais desenvolvidos precisam praticar políticas coordenadas de estímulo às economias extremamente debilitadas pela crise. Os países emergentes podem ajudar.

Países altamente superavitários devem estimular seus mercados internos e, quando for o caso, fl exibilizar suas políticas cambiais, de maneira a cooperar para o reequilíbrio da demanda global.

Urge aprofundar a regulamentação do sistema fi nanceiro e controlar essa fonte inesgotável de instabilidade. É preciso impor controles à guerra cam-bial, com a adoção de regimes de câmbio fl utuante. Trata-se, senhoras e se-nhores, de impedir a manipulação do câmbio tanto por políticas monetárias excessivamente expansionistas como pelo artifício do câmbio fi xo.

A reforma das instituições fi nanceiras multilaterais deve, sem sombra de dúvida, prosseguir, aumentando a participação dos países emergentes, prin-cipais responsáveis pelo crescimento da economia mundial.

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O protecionismo e todas as formas de manipulação comercial devem ser combatidos, pois conferem maior competitividade, de maneira espúria e fraudulenta.

Senhor Presidente,

O Brasil está fazendo a sua parte. Com sacrifício, mas com discernimen-to, mantemos os gastos do governo sob rigoroso controle, a ponto de gerar vultoso superávit nas contas públicas, sem que isso comprometa o êxito das políticas sociais, nem nosso ritmo de investimento e de crescimento.

Estamos tomando precauções adicionais para reforçar nossa capacidade de resistência à crise, fortalecendo nosso mercado interno com políticas de distribuição de renda e inovação tecnológica.

Há pelo menos três anos, senhor Presidente, o Brasil repete, nesta mesma tribuna, que é preciso combater as causas, e não só as consequências da ins-tabilidade global.

Temos insistido na interrelação entre desenvolvimento, paz e segurança, e que as políticas de desenvolvimento sejam, cada vez mais, associadas às estra-tégias do Conselho de Segurança na busca por uma paz sustentável.

É assim que agimos em nosso compromisso com o Haiti e com a Guiné-Bissau. Na liderança da Minustah temos promovido, desde 2004, no Hai-ti, projetos humanitários, que integram segurança e desenvolvimento. Com profundo respeito à soberania haitiana, o Brasil tem o orgulho de cooperar para a consolidação da democracia naquele país.

Estamos aptos a prestar também uma contribuição solidária, aos países irmãos do mundo em desenvolvimento, em matéria de segurança alimentar, tecnologia agrícola, geração de energia limpa e renovável e no combate à pobreza e à fome.

Senhor Presidente,

Desde o fi nal de 2010 assistimos a uma sucessão de manifestações popu-lares, que se convencionou denominar “Primavera Árabe”. O Brasil é pátria de adoção de muitos imigrantes daquela parte do mundo. Os brasileiros se solidarizam com a busca de um ideal que não pertence a nenhuma cultura, porque é universal: a liberdade.

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É preciso que as nações aqui reunidas encontrem uma forma legítima e efi caz de ajudar as sociedades que clamam por reforma, sem retirar de seus cidadãos a condução do processo.

Repudiamos com veemência as repressões brutais que vitimam popula-ções civis. Estamos convencidos de que, para a comunidade internacional, o recurso à força deve ser sempre a última alternativa. A busca da paz e da se-gurança no mundo não pode limitar-se a intervenções em situações extremas.

Apoiamos o Secretário-Geral no seu esforço de engajar as Nações Unidas na prevenção de confl itos, por meio do exercício incansável da democracia e da promoção do desenvolvimento.

O mundo sofre, hoje, as dolorosas consequências de intervenções que agravaram os confl itos, possibilitando a infi ltração do terrorismo onde ele não existia, inaugurando novos ciclos de violência, multiplicando os núme-ros de vítimas civis.

Muito se fala sobre a responsabilidade de proteger, pouco se fala sobre a responsabilidade ao proteger. São conceitos que precisamos amadurecer jun-tos. Para isso, a atuação do Conselho de Segurança é essencial, e ela será tão mais acertada quanto mais legítimas forem suas decisões, e a legitimidade do próprio Conselho depende, cada dia mais, de sua reforma.

Senhor Presidente,

A cada ano que passa, mais urgente se faz uma solução para a falta de representatividade do Conselho de Segurança, o que corrói sua efi cácia. O ex-presidente Joseph Deiss recordou-me um fato impressionante: o debate em torno da reforma do Conselho já entra em seu 18º ano. Não é possível, senhor Presidente, protelar mais.

O mundo precisa de um Conselho de Segurança que venha a refl etir a realidade contemporânea, um Conselho que incorpore novos membros per-manentes e não permanentes, em especial representantes dos países em de-senvolvimento.

O Brasil está pronto a assumir suas responsabilidades como membro perma-nente do Conselho. Vivemos em paz com nossos vizinhos há mais de 140 anos. Temos promovido com eles bem-sucedidos processos de integração e de coopera-ção. Abdicamos, por compromisso constitucional, do uso da energia nuclear para

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fi ns que não sejam pacífi cos. Tenho orgulho de dizer que o Brasil é um vetor de paz, estabilidade e prosperidade em sua região, e até mesmo fora dela.

No Conselho de Direitos Humanos, atuamos inspirados por nossa pró-pria história de superação. Queremos para os outros países o que queremos para nós mesmos.

O autoritarismo, a xenofobia, a miséria, a pena capital, a discriminação, todos são algozes dos direitos humanos. Há violações em todos os países, sem exceção. Reconheçamos esta realidade e aceitemos, todos, as críticas. Deve-mos nos benefi ciar delas e criticar, sem meias-palavras, os casos fl agrantes de violação, onde quer que ocorram.

Senhor Presidente,

Quero estender ao Sudão do Sul as boas vindas à nossa família de nações. O Brasil está pronto a cooperar com o mais jovem membro das Nações Uni-das e contribuir para seu desenvolvimento soberano.

Mas lamento ainda não poder saudar, desta tribuna, o ingresso pleno da Pales-tina na Organização das Nações Unidas. O Brasil já reconhece o Estado palestino como tal, nas fronteiras de 1967, de forma consistente com as resoluções das Na-ções Unidas. Assim como a maioria dos países nesta Assembleia, acreditamos que é chegado o momento de termos a Palestina aqui representada a pleno título.

O reconhecimento ao direito legítimo do povo palestino à soberania e à autodeterminação amplia as possibilidades de uma paz duradoura no Oriente Médio. Apenas uma Palestina livre e soberana poderá atender aos legítimos anseios de Israel por paz com seus vizinhos, segurança em suas fronteiras e estabilidade política em seu entorno regional.

Venho de um país onde descendentes de árabes e judeus são compatriotas e convivem em harmonia, como deve ser.

Senhor Presidente,

O Brasil defende um acordo global, abrangente e ambicioso para comba-ter a mudança do clima no marco das Nações Unidas. Para tanto, é preciso que os países assumam as responsabilidades que lhes cabem.

Apresentamos uma proposta concreta, voluntária e signifi cativa de redu-ção [de emissões], durante a Cúpula de Copenhague, em 2009. Esperamos

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poder avançar, já na reunião de Durban, apoiando os países em desenvolvi-mento nos seus esforços de redução de emissões e garantindo que os países desenvolvidos cumprirão suas obrigações — com novas metas no Protocolo de Quioto — para além de 2012.

Teremos a honra de sediar a Conferência das Nações Unidas sobre Desen-volvimento Sustentável, a Rio+20, em junho do ano que vem. Juntamente com o secretário-geral Ban Ki-moon, reitero aqui o convite para que todos os chefes de Estado e de Governo compareçam.

Senhor Presidente e minhas companheiras mulheres de todo mundo,

O Brasil descobriu que a melhor política de desenvolvimento é o combate à pobreza, e que uma verdadeira política de direitos humanos tem por base a diminuição da desigualdade e da discriminação entre as pessoas, entre as regiões e entre os gêneros.

O Brasil avançou política, econômica e socialmente sem comprometer sequer uma das liberdades democráticas. Cumprimos quase todos os Obje-tivos de Desenvolvimento do Milênio, antes de 2015. Saíram da pobreza e ascenderam para a classe média quase 40 milhões de brasileiras e brasileiros. Tenho plena convicção de que cumpriremos nossa meta de, até o fi nal do meu governo, erradicar a pobreza extrema no Brasil.

No meu país, a mulher tem sido fundamental na superação das desigual-dades sociais. Nossos programas de distribuição de renda têm, nas mães, a fi gura central. São elas que cuidam dos recursos que permitem às famílias investir na saúde e na educação de seus fi lhos.

Mas o meu país, como todos os países do mundo, ainda precisa fazer mui-to mais pela valorização e afi rmação da mulher. Ao falar disso, cumprimento o secretário-geral Ban Ki-moon pela prioridade que tem conferido às mulhe-res em sua gestão à frente das Nações Unidas.

Saúdo, em especial, a criação da ONU Mulher e sua diretora-executiva, Michelle Bachelet.

Senhor Presidente,

Além do meu querido Brasil, sinto-me aqui também representando todas as mulheres do mundo. As mulheres anônimas, aquelas que passam fome e não podem dar de comer aos seus fi lhos; aquelas que padecem de doenças

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94 Disponível em http://www.

un.org/spanish/News/fullstorynews.

asp?NewsID=23705, acesso em

15.06.2012.

e não podem se tratar; aquelas que sofrem violência e são discriminadas no emprego, na sociedade e na vida familiar; aquelas cujo trabalho no lar cria as gerações futuras.

Junto minha voz às vozes das mulheres que ousaram lutar, que ousaram participar da vida política e da vida profi ssional, e conquistaram o espaço de poder que me permite estar aqui hoje.

Como mulher que sofreu tortura no cárcere, sei como são importantes os valores da democracia, da justiça, dos direitos humanos e da liberdade.

E é com a esperança de que estes valores continuem inspirando o trabalho desta Casa das Nações, que tenho a honra de iniciar o Debate Geral da 66ª Assembleia Geral da ONU.

Muito obrigada.

Pergunta para orientação do debate após a leitura do texto:

Quais as insufi ciências na estrutura e atuação presentes das Nações Unidas apontadas pela presidente Dilma Rousseff ?

Siria: Jefe de UNSMIS advierte falta de voluntad para detener la violencia94

Robert Mood

15 de junio, 2012 — El jefe de la Misión de Supervisión de la ONU para Siria (UNSMIS) advirtió hoy que la violencia en ese país continúa escalando y que no se percibe una voluntad de las partes implicadas de ponerle fi n.

En conferencia de prensa en Damasco, el general Robert Mood indicó que en los últimos diez días la violencia ha causado víctimas tanto entre la población civil como entre las fuerzas opositoras y el ejército.

Mood subrayó que el plan de seis puntos propuesto por el enviado especial de la ONU y la Liga Árabe, Kofi Annan —que incluye el cese inmediato de

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95 Disponível em http://www.

un.org/spanish/News/fullstorynews.

asp?newsID=23717, acesso em

15.06.2012.

las hostilidades —, fue aceptado por las partes en confl icto y, sin embargo, no se ha implementado.

“Parece haber una falta de voluntad para buscar una transición pacífi ca, la vía pacífi ca que deseamos y que el pueblo sirio anhela. En vez de eso, se está optando por avanzar las posiciones militares”, dijo.

Agregó que la escalada de violencia limita la capacidad de la Misión de observar, verifi car, reportar y asistir en el diálogo local y los proyectos de estabilidad.

Mood señaló que al inicio de la Misión, el 29 de abril, hubo periodo de calma voluntario por las dos partes, pero en los últimos días, añadió, la violencia se ha intensifi cado provocando numerosos muertos y poniendo en riesgo a los observadores de la ONU, que no portan armas.

El militar noruego hizo énfasis en el sufrimiento de los civiles y recordó que mucha gente está atrapada en medio del fuego proveniente de las fuerzas del gobierno y los opositores.

Consejo de Seguridad pide liberación inmediata de funcionarios de CPI detenidos en Libia95

15 de junio, 2012 — El Consejo de Seguridad de la ONU pidió hoy a las autoridades de Libia que trabajen para conseguir la liberación inmediata de los funcionarios de la Corte Penal Internacional (CPI) detenidos en ese país desde el 7 de junio pasado.

En una declaración de prensa, el Consejo expresó profunda preocupación por las detenciones y recordó que las autoridades libias tienen la obligación legal de cooperar plenamente con la Corte y de darle toda la asistencia que ésta solicite, según lo establece la resolución 1970, que turnó el caso libio a la CPI.

Los cuatro funcionarios de la Corte viajaron a Libia para reunirse en prisi-ón con Saif al-Islam, hijo del ex gobernante libio Muammar al Qadhafi . Los funcionarios fueron detenidos por presunto espionaje.

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96 Disponível em http://www.un.org/

es/events/southcooperationday/

sg_2011.shtml, acesso em 14.06.2012.

Mensaje del Secretario General sobre el Día de las Naciones Unidas para la Cooperación Sur-Sur96

19 de diciembre de 2011

Este Día de las Naciones Unidas para la Cooperación Sur-Sur se conme-mora al fi nal de un año rico en acontecimientos y marcado por protestas populares contra la desigualdad, la indignidad y la opresión.

La cooperación Sur-Sur puede ayudarnos a hacer frente al desafío compar-tido de crear un mundo más equitativo y sostenible.

En el Cuarto Foro de Alto Nivel sobre la efi cacia de la ayuda, celebrado recientemente en Busan (República de Corea), los participantes acordaron que la cooperación Sur-Sur era un instrumento de desarrollo decisivo para fomentar la igualdad entre los países y dentro de cada uno de ellos. En la Exposición Mundial sobre el Desarrollo Sur-Sur que se celebró este año en Roma también se hizo hincapié en la importancia de dicha colaboración para afrontar el problema del hambre.

Acojo con beneplácito el papel cada vez mayor que desempeña la coope-ración Sur-Sur en la compleja arquitectura internacional actual en materia de desarrollo. La cooperación Sur-Sur adopta muchas formas y aporta recursos diversos para el desarrollo. Aliento a los países de economía emergente que tradicionalmente han sido benefi ciarios de la ayuda a que intensifi quen su compromiso e incrementen su contribución.

La cooperación Sur-Sur puede lograr resultados sobre el terreno en for-mas que tal vez no sean posibles en la modalidad tradicional de la asistencia para el desarrollo, benefi ciándose de la proximidad geográfi ca de los países, sus lazos culturales e históricos, o la semejanza de sus modelos de desarrollo. Los Estados que han sentado las bases de su propio desarrollo en los últimos 10 o 20 años tienen mucho que compartir especialmente experiencia y co-nocimientos especializados con los países que afrontan actualmente desafíos similares.

Aprovechemos este Día para reafi rmar el valor de la cooperación Sur-Sur. Cuando los países, los organismos multilaterales y otros asociados colabo-ran entre sí en todo el Sur para poner en común conocimientos técnicos, intercambiar ideas y coordinar políticas, se genera una fuerza creativa que impulsa nuestro trabajo en pro del desarrollo y nos ayuda a forjar el futuro que queremos.

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97 LYNCH, Colum. Disponível em

http://turtlebay.foreignpolicy.com/

posts/2011/12/29/the_united_na-

tions_people_s_republic_of_proto-

col, acesso em 14.06.2012.

Th e United Nations People’s Republic of Protocol97

Posted By Colum Lynch — Th ursday, December 29, 2011 — 2:55 PM 

Th e U.N. fl ew its fl ag at half-staff this week for recently departed North Korean ruler Kim Jong Il, honoring the passing of one of the world’s most repressive political leaders and ending an internal debate about whether it was appropriate to do so.

When Kim’s death was announced, the U.N. fl ew its fl ag half-staff at its headquarters in Pyongyang, but not at U.N. headquarters, where the fl ag is traditionally lowered upon news of the death of a head of state.

U.N. offi cials in New York debated whether Kim should be granted the honor, since he had never been recognized within his own country as the head of state.

Th at distinction had been reserved for his father Kim Il Sung, who was posthumously named North Korea’s president for eternity following his dea-th on July 8, 1994. In 1998, North Korea amended its constitution to “hold the great leader Comrade Kim Il Sung in his esteem as the Eternal President of the Republic.”

But the U.N., which has been expanding its humanitarian operations this year in North Korea, known as the Democratic People’s Republic of Korea, has been struggling to walk a fi ne line between avoiding being seen as hono-ring one of the world’s nastiest regimes while trying not to off end the gover-nment as it goes through a delicate succession.

“Th is case is unique,” a senior U.N. offi cial explained to  Turtle Bay. “Everything in that country is unique. I can’t think of another country where the head of state is permanently dead.”

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98 Do “Jornal de Notícias”, em 2 de julho

de 2009. Disponível em http://www.

jn.pt/PaginaInicial/Mundo/Interior.

aspx?content_id=1134812, acesso em

14.06.2012. A ortografi a é a utilizada

em Portugal.

U.N. Secretary General Ban Ki-moon’s offi ce issued a statement off ering his condolences to the people of North Korea upon Kim’s death, though not to his government, and vowed continued support for the desperately poor North Korean people.

“Th e Secretary-General has learned that the leader of the Democratic People’s Republic of Korea (DPRK), Kim Jong-il, passed away,” read the Dec. 19 statement. “Th e Secretary-General extends his sympathy to the peo-ple of the DPRK at this time of their national mourning.”

But on Wednesday, the U.N. relented and agreed to set its fl ag at half-staff at all of its offi ces around the world after the North Koreans asked.

“We were requested by the DPRK mission [to fl y the fl ag at half-staff ] on the day of the funeral and as a matter or protocol we did it,” Ban’s spokes-man Eduardo Del Buey told Turtle Bay. “Th ese decisions are taken in con-sultation with the members states and when we take a look.”

Asked if this meant the United Nations had fi nally recognized Kim as the country’s head of state, Del Buey said “you have to ask the DPRK mission to tell you who their head of state is and was.” I’m still waiting for the answer.

ONU suspende ajuda humanitária a Gaza98

Líder do Hamas diz que só haverá trégua com Israel se o bloqueio acabarPublicado em 2009-02-07

A Agência da ONU para o Auxílio aos Refugiados Palestinianos anunciou que as importações de bens humanitários para a Faixa de Gaza está suspensa. Razão? O facto de o Hamas ter confi scado pela segunda vez bens da organi-zação.

O secretário-geral das Nações Unidas exigiu que o Hamas desbloqueie imediatamente os carregamentos de ajuda humanitária da ONU destinados à população da Faixa de Gaza e que foram violentamente confi scados por elementos do grupo.

Um porta-voz de Ban Ki-moon disse que o secretário-geral da ONU “exi-ge do Hamas o desbloqueio imediato da ajuda da UNRWA (Agência das Nações Unidas para o Auxílio aos Refugiados Palestinianos) destinada a Gaza

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99 Texto extraído de http://www.ob-

jetivosdomilenio.org.br/, acesso em

14.06.2012.

100 Disponível em http://www.porta-

lodm.com.br/, acesso em 14.06.2012.

e que foi ontem confi scada (dez camiões de transporte de farinha e arroz), o que constitui o segundo incidente do género esta semana.

O Hamas, que controla a Faixa de Gaza desde 2007, justifi cou a medida afi rmando que lhe cabia o direito de distribuir a ajuda, reivindicando a legi-timidade “que lhe é devida por ser quem governa a região”. De acordo com a UNRWA, polícias do Hamas confi scaram no primeiro incidente “mais de 3500 cobertores e 406 caixas de produtos alimentares do centro de distribui-ção do campo de Chati”, em Gaza.

Pouco preocupado com a imagem do seu movimento que, anteontem, viu um dos seus dirigentes ser detido na posse de nove milhões de euros, o líder máximo do Hamas, Khaled Meshaal, reiterou, ontem, em Damasco, que o grupo rejeitará qualquer acordo de trégua com Israel que não inclua o levan-tamento total do bloqueio sobre a Faixa de Gaza.

Aliás, ontem, mais dois foguetes foram disparados por palestinianos a par-tir da Faixa de Gaza sobre o sul de Israel, sem causar vítimas ou danos, mas que levaram Telavive a dizer que “o Hamas continua a brincar com o fogo”.

OS OITO OBJETIVOS DO MILÊNIO DAS NAÇÕES UNIDAS:

Em 2000, a ONU — Organização das Nações Unidas, ao analisar os maiores problemas mundiais, estabeleceu 8 Objetivos do Milênio — ODM, que no Brasil são chamados de 8 Jeitos de Mudar o Mundo — que devem ser atingidos por todos os países até 2015.99

Objetivo 1: Acabar com a fome e a miséria100

METAS:• Reduzir pela metade, até 2015, a proporção da população com renda

abaixo da linha da pobreza.• Reduzir pela metade, até 2015 a proporção da população que sofre

de fome.

Objetivo 2: Educação básica de qualidade para todosMETA:

• Garantir que, até 2015, todas as crianças, terminem o ensino funda-mental.

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Objetivo 3: Igualdade entre os sexos e valorização da mulherMETA:

• Eliminar a disparidade entre os sexos no ensino fundamental e médio até 2005.

Objetivo 4: Reduzir a mortalidade infantil.META:

• Reduzir em dois terços, até 2015, a mortalidade materna de crianças menores de 5 anos.

Objetivo 5: Melhorar a saúde das gestantesMETA:

• Reduzir em três quartos, até 2015, a taxa de mortalidade materna.

Objetivo 6: Combater a AIDS, a malária e outras doençasMETAS:

• Até 2015, ter detido e começado a reverter a propagação do HIV/AIDS.

• Até 2015, ter detido e começado a reverter a propagação da malária e de outras doenças.

Objetivo 7: Qualidade de vida e respeito ao meio ambienteMETAS:

• Integrar os princípios do desenvolvimento sustentável nas políticas e programas nacionais e reverter a perda de recursos ambientais até 2015.

• Reduzir à metade, até 2015, a proporção da população sem acesso sustentável à água potável segura.

• Até 2020, ter alcançado uma melhora signifi cativa nas vidas de pelo menos 100 milhões de habitantes de bairros degradados.

Objetivo 8: Todo mundo trabalhando pelo desenvolvimentoMETAS:

• Em cooperação com os paises em desenvolvimento, formular e execu-tar estratégias que permitam trabalho digno e produtivo aos jovens.

• Em cooperação com o setor privado, tornar acessíveis os benefícios das novas tecnologias, especialmente nos setores de informação e co-municação.

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PERGUNTA PARA ORIENTAÇÃO DA LEITURA E DEBATE EM SALA:

Quais defi ciências e desafi os na estrutura ou modo de atuação das Nações Unidas podem ser percebidas nas notícias acima relacionadas?

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12ª AULA: ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA)

EMENTA:

Contexto histórico da OEA. Estrutura jurídico-institucional. Comissão Jurídica Interamericana e Corte Interamericana de Direitos Humanos.

OBJETIVOS DA AULA:

Debater os desafi os institucionais da OEA em sua relação com os Estados e a sociedade civil das Américas.

LEITURA PARA A AULA:

Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil. Sentença de 24 de novembro de 2010.

Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf

LEGISLAÇÃO PERTINENTE:

1) Carta da OEA2) Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José

da Costa Rica, de 1969)

SUGESTÕES DE LEITURA COMPLEMENTAR:

Manual para la Participación de la Sociedade Civil en las Actividades de la OEAhttp://www.oas.org/es/sre/dai/sociedad_civil/Docs/Civil_Society_

Manual%28Spanish%29.pdf

WEBSITE:

http://www.oas.org (site ofi cial da OEA)http://www.corteidh.or.cr/ (site da Corte Interamericana de Direitos Humanos)

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TEXTO PARA INTRODUÇÃO À AULA:

A Organização dos Estados Americanos é o mais antigo organismo regio-nal do mundo. A sua origem remonta à Primeira Conferência Internacional Americana, realizada em Washington, D.C., de outubro de 1889 a abril de 1890. Esta reunião resultou na criação da União Internacional das Repúbli-cas Americanas, e começou a se tecer uma rede de disposições e instituições, dando início ao que fi cará conhecido como “Sistema Interamericano”, o mais antigo sistema institucional internacional.

A OEA foi fundada em 1948 com a assinatura, em Bogotá, Colômbia, da-Carta da OEA que entrou em vigor em dezembro de 1951. Posteriormente, a Carta foi emendada pelo Protocolo de Buenos Aires, assinado em 1967 e que entrou em vigor em fevereiro de 1970; peloProtocolo de Cartagena das Índias, assinado em 1985 e que entrou em vigor em 1988; pelo Protocolo de Manágua, assinado em 1993 e que entrou em vigor em janeiro de 1996; e pelo Protocolo de Washington, assinado em 1992 e que entrou em vigor em setembro de 1997.

A Organização foi criada para alcançar nos Estados membros, como es-tipula o Artigo 1º da Carta, “uma ordem de paz e de justiça, para promover sua solidariedade, intensifi car sua colaboração e defender sua soberania, sua integridade territorial e sua independência”.

Hoje, a OEA congrega os 35 Estados independentes das Américas e cons-titui o principal fórum governamental político, jurídico e social do Hemisfé-rio. Além disso, a Organização concedeu o estatuto deobservador permanen-te a 67 Estados e à União Europeia (EU).

Para atingir seus objetivos mais importantes, a OEA baseia-se em seus principais pilares que são a democracia, os direitos humanos, a segurança e o desenvolvimento.

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Organograma extraído de http://foecanada.org/intl/OAS.htm, acesso em 14.06.2012.

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101 Notícia extraída do portal da agência

“Reuters Brasil”. Encontra-se disponí-

vel em http://br.reuters.com/article/

worldNews/idBRSPE85500W20120606

?pageNumber=3&virtualBrandChann

el=0, acesso em 14.06.2012.

OEA adia discutir polêmica reforma em órgão de direitos humanos101

Por Hugo Bachega e Guido Nejamkis

COCHABAMBA, Bolívia, 5 Jun (Reuters) — A Organização dos Estados Americanos (OEA) adiou na terça-feira a discussão de uma polêmica reforma no seu órgão de defesa dos direitos humanos, criticado por governos latino-americanos de esquerda.

Bolívia, Equador, Nicarágua e Venezuela pediram na Assembleia Geral da entidade, encerrada na terça-feira na cidade boliviana de Cochabamba, uma reforma na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), cujos relatórios críticos têm irritado muitos governos na região.

Brasil, México e Argentina também defenderam “modernizar” os órgãos de direitos humanos do sistema interamericano, embora outros países, como Costa Rica, tenham dito que qualquer mudança deve garantir independên-cia, autonomia e o caráter supranacional da comissão.

Após um acalorado debate, os Estados membros da OEA acertaram que as reformas serão discutidas em “um período de seis meses ou mais tardar no primeiro trimestre de 2013.”

Uma resolução aprovou as recomendações de um “grupo de trabalho es-pecial” sobre as mudanças na comissão, entre elas a universalização ou adesão de todos os membros da OEA ao órgão. Essas recomendações serão discuti-das por uma assembleia geral extraordinária.

Os Estados Unidos não aderiram ao pacto internacional do qual surgiu o órgão de defesa dos direitos humanos.

O ministro das Relações Exteriores do Equador, Ricardo Patiño, disse que atualmente a comissão está fortemente infl uenciada por ONGs fi nanciadas por empresas com interesses contrários aos de alguns governos.

“Os organismos (de defesa dos direitos humanos) têm de obedecer aos sistemas que os criam”, disse Patiño. “Eles não são fi scais do Estado democrá-tico. Eles não podem usurpar essa função.”

O Equador criticou veementemente a comissão, cuja função é promover e proteger os direitos humanos, após o órgão ter pedido para que o presidente Rafael Correa retirasse um processo judicial contra jornalistas que o caracte-rizaram como um governante autoritário e escreveram sobre negócios de um parente dele com o Estado.

O Brasil já havia manifestado o seu desagrado com a comissão após um pedido para suspender a construção da usina de Belo Monte, no Pará, para proteger as comunidades indígenas, mas pediu no encontro “prudência” no processo, e disse que “reformar não é enfraquecer”.

O representante da Venezuela na OEA, Roy Chaderton, disse que a ges-tão do secretário-executivo da comissão, o argentino Santiago Cantón, era

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“desastrosa”, e a acusou de ter por trás “uma máfi a” que funciona como “uma inquisição especialmente contra governos de esquerda”.

ONGs TEMEM REFORMAOrganizações de direitos humanos como a Human Rights Watch ques-

tionaram os interesses de reforma, garantindo que alguns governos querem cercear a comissão e algumas de suas relatorias, como a de liberdade de ex-pressão.

No debate na assembleia geral da OEA, a representante dos Estados Uni-dos disse que seu país escuta “muito seriamente” as organizações de defesa dos direitos humanos.

O Centro pela Justiça e Direito Internacional fez chegar à assembleia uma carta, que foi aderida por mais de 400 ONGs, na qual sinalizou que “não se pode atropelar os princípios em função de conjunturas de curto prazo”.

Em um aparente recado ao Brasil, indicou que “não se podem alcançar li-deranças globais sem um genuíno compromisso com a realização dos direitos humanos”.

Um membro da comissão defendeu na assembleia as ações do órgão, e lembrou que nos últimos anos os países mais citados por suas medidas caute-lares foram Honduras e EUA.

Durante a reunião, foram eleitos ainda três novos membros da Corte Inte-ramericana de Direitos Humanos, composta por sete integrantes.

Entre eles, está o advogado brasileiro Roberto Caldas, especializado em direitos humanos e ambiental. Segundo ele, sua eleição aponta para o inte-resse de um perfi l distinto para a corte, e um reconhecimento dos esforços do Brasil em melhorar os níveis de direitos humanos no país.

“Houve compreensão do continente deste perfi l diferente”, disse Caldas à Reuters após a eleição, na qual foi o mais votado.

A nomeação de Caldas ao posto, segundo ele, indica interesse maior do Brasil —-que passou longe das discussões acaloradas sobre o futuro da CIDH-— de participar das mudanças e fortalecimento do sistema interamericano de direitos humanos, e ressalta a importância do país nas discussões do tema.

Em outras resoluções da assembleia, cuja próxima edição será realizada na Guatemala em 2013, foi aprovado um pedido para que sejam reiniciadas o quanto antes as negociações entre Argentina e Grã-Bretanha sobre a disputa pela soberania das ilhas Malvinas.

(Reportagem adicional de Carlos A. Quiroga L.)

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PERGUNTAS PARA ORIENTAÇÃO DO ESTUDO APÓS A LEITURA E O ESTU-DO DA CARTA DA OEA:

1) O que é a Comissão Interamericana de Direitos Humanos?2) Qual a diferença entre a Comissão e a Corte Interamericana de

Direitos Humanos?3) O que incomoda os governos na atuação da OEA?4) As aspirações evidenciadas na notícia acima podem prejudicar o

funcionamento da Comissão? Como assim?

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13ª AULA: UNIÃO DAS NAÇÕES SUL-AMERICANAS (UNASUL)

EMENTA:

Contexto histórico, objetivos e estrutura jurídico-institucional da UNASUL.

OBJETIVOS DA AULA:

Debater a proposta da UNASUL no âmbito das iniciativas multilaterais em andamento na América do Sul.

LEITURA PARA A AULA:

1) Tratado constitutivo da UNASUL2) Tratado de Assunção que cria o Mercado Comum do Sul (Mercosul)3) Carta da OEA

WEBSITE:

http://www.comunidadandina.org/sudamerica.htmhttp://www.mercosur.int/msweb/Portal%20Intermediario/ (site ofi cial

do Mercosul)http://www.youtube.com/watch?v=S4zdMxtZaoI

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102 Disponível em http://www.trf5.jus.

br/archive/2011/11/20098400006570

0_20111117_3737121.pdf, acesso em

14.06.2012.

14ª AULA: O INDIVÍDUO

EMENTA:

O indivíduo e a emergência da sociedade civil. Sociedade internacional x Sociedade transnacional.

SUGESTÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR:

SEITENFUS, Ricardo. Relações Internacionais. Barueri, SP: Manole, 2004, p. 114 a 171.

CASO: IGF X ESTADOS

PROCURE INFORMAÇÕES SOBRE O INTERNET GOVERNANCE FORUM E RESPONDA:

1) O que é o IGF?2) Pode ser classifi cado como uma organização internacional? Por quê?3) Quem são os membros do IGF?4) Quais são seus objetivos?5) De que forma o IGF representa uma mudança nas características

predominantes da atual sociedade internacional?

CASO REFERENTE AO TRATAMENTO DE APÁTRIDAS NO BRASIL:

APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (APELREEX) Nº 13349/RN(2009.84.00.006570-0)102

APELANTE: UNIÃOAPELADO: ANDRIMANA BUYOYA HABIZIMANADV/PROC: JOSE MIQUEIAS ANTAS DE GOUVEIA E OUTROREMTE: JUÍZO DA 4ª VARA FEDERAL DO RIO GRANDE DO

NORTE (NATAL)ORIGEM: 4ª VARA FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE — RN

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RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL BRUNO LEONARDO CÂMARA CARRÁ (CONVOCADO)

RELATÓRIOO Senhor DESEMBARGADOR FEDERAL BRUNO LEONARDO

CÂMARA CARRÁ (CONVOCADO): Trata-se de apelação e remessa ofi cial da União Federal em razão da sentença de fl s. 120/125 que julgou proceden-te o pedido para reconhecer a condição de apátrida do autor, ANDRIMANA BUYOYA HABIZIMAN, e condenar a União a conferir-lhe os direitos men-cionados na Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, promulgado pelo Decreto 4.246/2002.

Os fatos constantes da inicial foram, em resumo, os seguintes:

O autor, ora apelado, pleiteou que fosse reconhecido pelo Brasil a sua con-dição de apátrida. Alegou que nasceu no Burundi, pequeno país da África, que faz fronteira com a Ruanda, a Tanzânia e a República Democrática do Congo, região conhecida pelos confl itos étnicos e guerras civis.

Em razão do genocídio étnico, crise econômica e política e o falecimento de seus familiares, em 2006, embarcou clandestinamente em navio cargueiro proveniente da África do Sul, tendo desembarcado no Porto de Santos-SP.

No mesmo ano, embarcou no vôo com destino a Lisboa, mas foi devolvi-do ao Brasil, em razão de ter se utilizado de falsa documentação. Em seguida, foi condenado pela justiça brasileira, já tendo cumprido a pena integralmente por esse crime.

Em razão de diligências promovidas pela Polícia Federal, tanto a Embai-xada de Burundi não lhe assegurou a cidadania. Já a Embaixada da África do Sul informou não aceitar sua deportação. Assim, fi cou em um limbo jurídico, pois nenhum Estado lhe reconheceu como cidadão.

Em sequência, solicitou ao Conselho Nacional para Refugiados — CO-NARE e ao Conselho Nacional de Imigração —CNIg, refúgio político e vis-to permanente, tendo obtido negativa em ambos os pleitos, com interposição de recurso administrativo ainda não decidido quanto ao visto.

A v. sentença ora desafi ada também entendeu em deferir a antecipação dos efeitos da tutela para assegurar ao apelado o direito ao exercício de atividade profi ssional nos termos do art. 17 a 19 do Decreto 4.246/2002 e prorrogar a validade do documento provisório de identifi cação.

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Alega a União, preliminarmente, ausência de interesse de agir, por inexis-tência de provas. No mérito, aduz que o apelado não preenche os requisitos para a concessão do refúgio, violando ainda o Estatuto dos Apátridas.

O Ministério Público Federal ofertou parecer às fl s. 165/178, opinando pelo não provimento da apelação.

Houve contrarrazões.É o relatório.

VOTO

“Sou três vezes apátrida! Como natural da Boêmia, na Áustria; como aus-tríaco, na Alemanha; como judeu, no mundo inteiro. Em toda parte um intruso, em nenhum lugar desejado!”

Gustav Mahler

O Senhor DESEMBARGADOR FEDERAL BRUNO LEONARDOCÂMARA CARRÁ (CONVOCADO): O cerne da questão reside em

saber se o apelado tem direito ou não a ser reconhecido, pelo governo brasi-leiro, o estado de apátrida (também chamado de heimatlos), fazendo jus, de conseqüência, aos efeitos jurídicos dessa condição.

Vale dizer, o ponto nodal da lide vem a ser a constatação do preenchimen-to pelo autor da ação dos requisitos previstos no Decreto nº 4.246/2002, que internalizou em nosso ordenamento a Convenção de Nova York de 1954, dispondo sobre o Estatuto do Apátrida.

A delicadeza do assunto impele a que se realize, previamente, um registro sobre as implicações da apatridia com a proteção internacional dos direitos da pessoa humana, que cada vez mais granjeia espaço no âmbito do Direito das Gentes, não sendo absurdo considerar, como o faz Jorge Miranda, que essa matéria venha a transladar-se do direito interno para o internacional.1

Esse novo Direito Internacional de feição Humanitária “há de conceber novas formas de proteção aos seres humanos ante a diversidade das fontes de violação de seus direitos”.

Do ponto estritamente jurídico, há de se evitar o vazio normativo, ou pior, a pacata aquiescência com uma normatividade prenhe de capacidade

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sancionadora (soft Law). O antigo estoicismo do ordenamento jurídico in-ternacional é solapado por um direito internacional não apenas mais dinâ-mico como integrado aos interesses dos indivíduos, caracterizando-se por uma conformação cogente na qual são assegurados “direitos fundamentais inderrogáveis”.

Logo, à internacionalização das regras jurídicas protecionistas do ser hu-mano, em toda sua extensão, não poderia passar em despercebido a relevante e complexa questão do apátrida.

Os antigos já divisavam que a ligação atávica do indivíduo a um lugar nesse mundo constituía elemento da própria personalidade.

A perda da nacionalidade, cuja conseqüência era o vagar errante pela terra, era representada pelo exílio e signifi cava para os antigos, em particular para os gregos e romanos, pena tão ou mais severa que a própria morte. Essa lição foi-nos passada quer através da literatura. Na tragédia tebana de Sófocles, Édipo não apenas violenta suas órbitas oculares, mas também se impõe um não menos sofrível auto-exílio. Diz, a propósito, o monumental estudo de Fustel de Coulanges:

A posse da pátria devia ser muito preciosa, porque os antigos não imaginavam castigo mais cruel do que privar o homem dela. A punição ordinária pelos grandes crimes era o exílio.

Ao longo dos séculos, o apátrida sempre foi um excluído, de forma que associá-lo ao pária hindu não é de todo nem exagerado nem inverídico. Com invulgar precisão, já foram defi nidos como indesejáveis erga omnes.

Por isso mesmo os apátridas mereceram ao longo do Século XX particular atenção, sobretudo em face dos dois confl itos mundiais que o assolaram, quando a comunidade internacional testemunhou seu acréscimo em uma escala sem precedentes.

Sem cidadania, o apátrida constantemente se encontrava em posição de inferioridade em relação aos demais, inclusive ao próprio estrangeiro. Com efeito, sempre se reconheceu ao estrangeiro garantias maiores mercê dos tra-tados entre os Estados para tratamento recíproco entre os seus nacionais e os nacionais dos outros países com que fi rmavam vínculos, enquanto que o apá-trida, destituído de tal proteção, não tinha muitas vezes nem mesmo direito a receber o tratamento legal conferido ao alienígena.

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Ao longo das últimas décadas percebeu-se ainda que a privação, em par-ticular, do gozo dos direitos políticos afrontaria de maneira diferenciada a noção de dignidade humana, na medida em que se alija a pessoa das mais altas responsabilidades da vida em sociedade, na qual todos estamos inseridos

Assim, num contexto de afi rmação dos direitos humanos percebeu-se ra-pidamente, por força inclusive da existência de um número cada vez maior de apátridas, que a própria concepção universalista do direito humanitário estaria ameaçada acaso não se começasse a pensar com seriedade na situação daqueles que, por encontrarem-se desprovidos de um Estado, não possuíam tratamento legal condigno. Desse modo, passou-se a preocupar-se de maneira mais efi ciente com a proteção jurídica do apátrida em seus diversos aspectos.

Em obra onde rediscute certos conceitos de fi losofi a política de Hannah Arendt e ao abordar o fato de o apátrida encontrar-se privado da participação nos negócios da pólis, Celso Lafer destaca a importância de ao indivíduo ser assegurado o direito de poder participar ativamente da comunidade política na qual estabeleceu vínculos com solidez, pois somente assim é que se que permite a construção de um mundo comum através do processo de asserção dos direitos humanos.

Com efeito, na formulação jus humanitária de Hannah Arendt concebe-se em modo cardinal um direito a ter direitos independentemente de víncu-los formais como o nascimento, ou a linhagem ascendente.

Tendo por premissa que os direitos nada mais são constructos sociais, essa exponencial fi lósofa de origem judia chamava a atenção para a necessidade de se garantir o direito à cidadania como direito fundamental.

Afi nal, só através da obtenção do status civitatis é que o indivíduo estaria genuinamente inserido no processo de criação e constituição de seus pró-prios direitos, sendo essa uma das mais sensíveis prerrogativas da dignidade humana.

O apátrida, sob esse aspecto, torna-se um particular angustiado, resume Celso Lafer. Conquanto se lhe garantam alguns direitos fi ca ele sempre à margem da vida na polis o que, como ora descrito, constitui uma das mais desalentadoras de restrição aos direitos da pessoa humana.

Após as sucessivas violações aos mais básicos direitos da personalidade em função das comoções mundiais do Século passado e, em especial, das sucessi-vas hordas de pessoas despatriadas por força do regime nazista, estabeleceu-se

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na comunidade internacional o dever de entronizar o direito a uma nacio-nalidade, garantindo-se o indivíduo contra sua privação arbitrária da que possui, bem como preconizando...para a obtenção.

Nada obstante, o problema da apatridia em massa, que foi posto em evi-dência pelo Holocausto, não deixou de fustigar a comunidade internacional durante os dois quartéis que se seguiram à 2ª. Guerra Mundial.

As guerras étnicas talvez constituam o mais inquietante foco de preocu-pação hodierna em relação aos apátridas. Em especial, os povos da esquecida África sempre envolvida em disputas tribais cuja conseqüência comum é o extermínio inclemente ou a inclusão de todo uma população sob a condição jurídica de apatridia é o exemplo mais visível dessa prática ainda fl agela mi-lhões de seres humanos.

O principal texto humanitário desse período de pós-guerra, a Declara-ção Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1948, coloca a nacionalidade como um dos direitos da personalidade, sendo terminantemente vedada sua destituição arbitrária. Transcrevo seu art. 15, que trata da matéria:

I) Todo homem tem direito a uma nacionalidade.II) Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade,

nem do direito de mudar de nacionalidade.

Na realidade, a privação da nacionalidade contra a vontade do cidadão, segundo proclama a melhor interpretação sobre o tema, reclamaria como condição a não existência do risco de apatridia A Lei Fundamental de Bonn de 1949, por exemplo, é expressa em relação a isso (art. 16.1).

Mas foi no contexto do pós-guerra onde surgiram as principais convenções internacionais disciplinando a questão da apatridía. A Convenção de Nova York, de 1954 (incorporada ao Direito brasileiro pelo Decreto 4.246/2002) é, talvez, a principal delas, pois estabelece o denominado Estatuto dos Apátridas.

O ponto fundamental da Convenção de Nova York é o que equipara o apátrida ao estrangeiro em geral. Diz, com efeito, o art. 7º, alínea 1, desse diploma normativo: “Ressalvadas as disposições mais favoráveis previstas por esta Convenção, todo Estado Contratante concederá aos apátridas o regime que concede aos estrangeiros em geral.”

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Essa importante referência é que em defi nitivo vem a permitir a inclusão do apátrida no cenário político, já que lhe garante o direito de não apenas gozar do status de estrangeiro, como também lhe permitir, do mesmo modo que ocorre em relação a esse, a obtenção da nacionalidade do lugar onde se encontra domiciliado ou residente.

De maneira adicional, outros documentos emergiram no cenário interna-cional no sentido de que fossem envidarem esforços para reduzir ou eliminar a apatrídia. São elas, dentre outros, a Convenção de Nova York de 1961 e a de Berna de 1973.

A Constituição da Federação Russa de 1993 (art. 63.110) fez também destaque explícito em relação à equiparação do apátrida ao estrangeiro refu-giado, garantindo a ambos direito ao asilo político.

Válida ainda a referência a duas outras convenções no âmbito comunitá-rio. A Convenção sobre Nacionalidade, aberta à adesão desde o ano de 1997, e a Convenção destinada a evitar a apatridia em casos de sucessão de Estados, de 2006. Ambas, entretanto, com nível pouco expressivo de fi rmatários.

Em todos esses textos normativos procura-se elevar o status dignitatis do apátrida. Seu direito de ser incluído na comunidade política onde já apresen-ta vínculos coletivos deve ser fundamentado na constatação de que como ser humano possui direito a pleitear direitos, sendo parte ativa nos debates da ágora moderna.

Desse modo, a culta sentença que julgou procedente o pedido para reco-nhecer a condição de apátrida do autor e condenar a União a deferir-lhe os direitos mencionados na Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas não pos-sui, em meu sentir, qualquer efl úvio de imprecisão ou impropriedade. Muito pelo contrário, não havendo razão, jurídica ou extrajurídica, para reformá-la.

Preliminarmente, suscita a União ausência de interesse de agir do apelado. Alega que o apelado não apresentou provas contundentes de que havia reque-rido a nacionalidade burundiana e que esta lhe foi negada.

Não merece acolhida a preliminar em questão, pois restou comprovado nos autos que o autor solicitou o reconhecimento da nacionalidade burun-diana, e esta lhe foi negada. Na verdade, não está em discussão, nesses autos, o pedido de visto permanente, ainda em fase de julgamento de recurso admi-nistrativo, mas tão-somente a concessão do status jurídico de apátrida.

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Passa-se, então, ao exame do mérito propriamente dito.

A Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, promulgado pelo Decreto 4.246/2002, prevê no artigo 1, item 1:

1. Para os efeitos da presente Convenção, o termo “apátrida” desig-nará toda pessoa que não seja considerada seu nacional por nenhum Estado, conforme sua legislação.

Compulsando os autos, verifi co que apelado se enquadra na situação des-crita nesta norma do Decreto 4.246/2002, uma vez que, ao requerer sua cida-dania à Embaixada de Burundi, seu país natal, esta lhe foi negada. Quanto à África do Sul, país no qual o apelado saiu antes de aportar clandestinamente no Brasil, foi-lhe solicitada a deportação pela Polícia Federal, porém esta não foi aceita.

O Brasil, por sua vez, indeferiu o pleito de reconhecimento da condição de refugiado do apelante, bem como lhe negou o pedido de visto permanente.

Assim, fi cou o apelante numa situação sui generis, ou melhor, em um limbo jurídico, pois nenhum Estado lhe reconheceu como cidadão e nem quis acolhê-lo.

É conhecida no Direito brasileiro a monografi a de José Farani Mansur Guéiros sobre a condição jurídica do apátrida, no qual o antigo docente de Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, dentre outras classifi cações, dividia a apatridía em dois grupos distin-tos, a saber: a) apatridía propriamente dita, “quando positivado está o fato da perda da nacionalidade pelo indivíduo;” b) apatridía impropriamente dita, “quando apenas é desconhecida a nacionalidade do indivíduo.”11

Visivelmente, o caso em questão cuida dessa segunda hipótese (apatridía imprópria), porquanto não houve a perda formal da nacionalidade em fun-ção, por exemplo, da anexação ou extinção do Estado em relação ao qual o demandante se diz nacional.

A culta sentença enfrenta com clareza invulgar e acurada sensibilidade as questões de fato relativas à inexistência de comprovação de qualquer vínculo de nacionalidade do apelado com o Burundi e ainda com qualquer outro país.

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É imperioso que se preste mesura à douta sentença, o que faço transcre-vendo seus principais trechos, bem como fazendo assomar sua cerebrina fun-damentação às ponderações que ora realizo. Assim, destaco:

De outro lado, não se pode negar que, durante o tempo de permanência no território nacional, que ainda perdura, há manifestação fática acerca de posteriormente, passou a trabalhar como auxiliar de serviços gerais junto à Liga Norte-Riograndense contra o Câncer (fl s.30). Possui, ainda, compro-vante de inscrição no CPF (fl s. 18).

A ré aponta dois óbices de mérito ao deferimento do pedido. O primeiro deles é o inerente à vedação consignada no Artigo 1, item 2, inciso III, alínea b, da Convenção, ao se reportar ao cometimento de delito grave de índole não-política fora do país de sua residência, antes da sua admissão no referido país.

É sabido — e neste ponto não faz segredo a inicial — que o autor, uma vez denunciado pela suposta prática do delito do art. 304 do Código Penal (uso de documento falso), foi, fi nalmente, condenado como incurso nas penas do art. 308 do mesmo diploma (falsa identidade), sendo-lhe aplicada pena de oito meses de detenção.

Com o devido respeito ao argumento, manifesto-me em concordância à observação do Dr. RODRIGO TELES DE SOUZA (fl s. 109 —110), digno Procurador da República, ao salientar que a infração acima apontada não se trata de delito grave, mas sim de menor potencial ofensivo nos termos do art. 61 da Lei 9.099/95, pois a pena restritiva da liberdade máxima cominada é de dois anos.

O segundo argumento, consistente na ausência dos requisitos previsto para obtenção de visto permanente não é elencado como óbice para o re-conhecimento da condição de apátrida pelo Decreto 4.246/2002. Nem o poderia ser, tendo em vista a especifi cidade da proteção que enseja a condição de apátrida. (fl . 123).

Cumpre ressaltar que, no caso em comento, caso haja a negativa do status de apátrida ao Sr. ANDRIMANA BUYOYA HABIZIMAN, estará este im-possibilitado de exercer direitos inerentes à sua personalidade o que, decerto, confrontaria o princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no art. 1º, III, da Constituição Federal.

Em função da inexistência de precedentes no âmbito doméstico, a título meramente exemplifi cativo consigno a existência de vários precedentes no

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âmbito da Corte Européia de Direitos Humanos, com sede em Estrasburgo, condenando Estados que foram em alguma medida negligentes em assegurar o exercício de direitos civis ao argumento de que se tratavam de apátridas.

Nesse contexto é o julgado de 22 de Fevereiro de 2007, que condenou a Federação Russa a ressarcir a uma nacional da Geórgia determinada quantia fi nanceira, por danos materiais e morais, tendo em vista que lhe fora recu-sada a emissão de passaporte ao argumento de que não houve comprovação da nacionalidade afi rmada pela parte. Além disso, posteriormente, teriam sido causados graves óbices no tocante à legalização de sua residência (Caso Tatishvili v. Russia).

Uma última consideração.

A sentença deferiu ainda a antecipação dos efeitos da tutela para assegu-rar ao apelado o direito ao exercício de atividade profi ssional nos termos do art. 17 a 19 do Decreto 4.246/2002 e prorrogar a validade do documento provisório de identifi cação. A provisão, igualmente, não encontra reparos e, aqui, considero mais oportuno trazer argumentos que superam o estritamen-te normativo para demonstrar o quão acertado agiu Sua Excelência o, então, juiz sentenciante.

Trago à colação ensinamento de Hanna Arendt, ela própria uma apátrida por mais de dez anos, para explicar que sem que se venha a assegurar ao apá-trida a possibilidade de exercer um trabalho amparado legalmente, termina por importar na privação de todos os demais direitos civis que, em teoria, se venha consagrar:

O apátrida, sem direito à residência e sem o direito de trabalhar, tinha, naturalmente, de viver em constante transgressão à lei. Estava sujeito a ir para a cadeia sem jamais cometer um crime. Mais do que isso, toda a hierarquia de valores existente nos países civilizados era invertida no seu caso. Uma vez que ele constituía a anomalia não-prevista na lei geral, era melhor que se conver-tesse na anomalia que ela previa: o criminoso.

E, assim, essa prestigiada fi lósofa endereça uma refl exão a todos nós: o modo pelo qual um Estado trata “seus”apátridas pode muito bem sugerir a maneira pela qual ele irá, mais dia, menos dia, tratar seus próprios cidadãos:

As leis que não são iguais para todos transformam-se em direitos e privilé-gios, o que contradiz a própria natureza do Estado-nação.

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Quanto mais clara é a demonstração da sua incapacidade de tratar os apá-tridas como “pessoas legais”, e quanto mais extenso é o domínio arbitrário do decreto policial, mais difícil é para os Estados resistirem à tentação de privar todos os cidadãos da condição legal e dominá-los com uma polícia onipotente.

Receoso de que isso venha a ocorrer, mas, por outro lado, crédulo na op-ção do Estado brasileiro pela construção de “uma sociedade fraterna, plura-lista e sem preconceitos”, consoante afi rmado pelo constituinte de 1988, não vejo forma de se acolher o recurso ora manejado pela União Federal.

Ante tais considerações, conheço da apelação, posto que própria e tem-pestiva, mas para negar-lhe integral provimento, bem como à remessa ofi cial, confi rmando a sentença em todos os seus termos.

É como voto.

Recife, 29 de setembro de 2011.Desembargador Federal BRUNO LEONARDO CÂMARA CARRÁRELATOR CONVOCADO

EMENTA: CONSTITUCIONAL E HUMANITÁRIO INTERNA-CIONAL. APATRIDÍA IMPRÓPRIA. AUSÊNCIA DE DOCUMEN-TAÇÃO COMPROVADORA DA NACIONALIDADE ORIGINÁRIA. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. EVIDENTE UTILIDADE DA DEMANDA MERCÊ DA NEGATIVA DA CONDIÇÃO DE NA-CIONAL PELO ESTADO DO BURUNDI. RECONHECIMENTO DO STATUS DE APÁTRIDA. APLICAÇÃO DA CONVENÇÃO DE NOVA YORK de 1954.

1. Trata-se de demanda cujo cerne é o reconhecido, pelo governo brasilei-ro, o estado de apátrida com a obtenção dos consequentes efeitos jurídicos dessa condição nos termos do Decreto nº 4.246/2002, que internalizou no ordenamento brasileiro a Convenção de Nova York de 1954 (Estatuto do Apátrida).

2. Sedizente nacional do Estado do Burundi, o autor de lá fugiu em razão de genocídio étnico, graves crises econômica e política, além do falecimento de seus familiares. Chegou ao Brasil pelo Porto de Santos vindo como clan-destino em navio cargueiro proveniente da África do Sul. No mesmo ano, embarcou no vôo com destino a Lisboa, mas foi devolvido ao Brasil, em razão de ter se utilizado de falsa documentação. Em seguida, foi condenado pela justiça brasileira, já tendo cumprido a pena integralmente por esse crime.

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3. Em razão de diligências promovidas pela Polícia Federal, as autoridades diplomáticas do Burundi prestaram informação na qual não lhe reconhe-ceram a alegada nacionalidade; não foi, igualmente, concedido o status de refugiado no Brasil e ainda não foi aceita sua deportação pela África do Sul.

4, Não há que se falar em falta de interesse processual do autor, porquan-to restou comprovada a negativa do reconhecimento da nacionalidade bu-rundiana, sendo meridiano concluir a evidente vantagem que lhe resultará a eventual decisão que lhe reconheça a condição de apátrida nos termos do tratado de regência.

5. Mercê do limbo jurídico que vive o autor, faz-se mister o reconheci-mento da qualidade de apátrida pelo Estado Brasileiro, já que se encontram presentes os requisitos previstos na Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, promulgado pelo Decreto 4.246/2002, e em atenção ao princípio da digni-dade da pessoa humana, consagrado no art. 1º, III, da Constituição Federal.

6. Apelação da União e remessa ofi cial improvidas.

A C Ó R D Ã OVistos, etc.Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por

unanimidade, negar provimento à apelação da União e à remessa ofi cial, nos termos do voto do relator, na forma do relatório e notas taquigráfi cas cons-tantes nos autos, que fi cam fazendo parte integrante do presente julgado.

Recife, 29 de setembro de 2011.Desembargador Federal BRUNO LEONARDO CÂMARA CARRÁRELATOR CONVOCADO

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15ª AULA: AVALIAÇÃO

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PARTE 3 — O DIREITO QUE REGULA O MUNDO

16ª AULA: DIREITO GLOBAL

EMENTA:

Desafi os para um direito global. Validade empírica, validade formal e va-lidade axiológica.

OBJETIVOS:

Discutir quais os desafi os para a conformação de um direito global e suas condições de existência, validade e efi cácia.

LEITURA OBRIGATÓRIA:

DELMAS-MARTY, Mireille. Três Desafi os para um Direito Mundial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, pp. 1 a 34.

SUGESTÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR:

1) LORCA, Arnulf Becker. “International Law in Latin America or Latin American International Law? Rise, Fall, and Retrieval of a Tradition of Legal Th inking and Political Imagination”. Harvard International Law Journal. Vol. 47, n. 1, 2006, p. 283-305.

2) AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao Direito Interna-cional Público. São Paulo: Atlas, 2008, capítulo 1.

3) REZEK, J. F. Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2002, Introdução.

4) SOARES, Guido Fernando S. Curso de Direito Internacional Pú-blico. São Paulo: Atlas, 2004, capítulo 1.

5) DINH, Nguyen Quoc. Direito Internacional Público. 2ª ed. Lis-boa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 37-39.

LEGISLAÇÃO PERTINENTE PARA A AULA:

1) Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 19482) Convenção Mundial sobre Direitos Humanos de Viena, de 1993

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103 CLAVIER, Paul. Le concept de monde.

Paris: PUF, 2000, p. 23.

TEXTO DE INTRODUÇÃO DA AULA

Qual o “mundo” para o direito internacional?

O direito internacional público é comumente defi nido como o conjunto de normas jurídicas que regulam as relações entre os Estados. Esta é a defi -nição que, em linhas gerais, encontramos na doutrina. Tal direito é criação exclusiva do Estado e expressão de sua soberania. Somente ele tem a legitimi-dade e a capacidade jurídica para criar, modifi car, extinguir e aplicar normas jurídicas internacionais, bem como competência para instituir organismos internacionais com poderes para elaborar normas de direito internacional.

O debate sobre o que é o direito internacional e como podemos falar dele, não deveria se dissociar da investigação sobre o mundo a que ele se refere com as suas normas jurídicas. Podemos assegurar que todos os diplomatas referem-se ao mesmo e único mundo quando criam e interpretam o direito internacional? Como adverte Clavier, “contesta-se raramente que o mundo existe. Mas é menos fácil de se concordar sobre o que existe dentro do mun-do”.103 E isto pode ter importantes implicações em um processo de negocia-ção de normas jurídicas internacionais.

A realidade para a qual o direito internacional dirige-se é aquela que parte da visão de mundo produzida pelos Estados. E isto é válido tanto para o cha-mado direito internacional público, quanto privado. Consequentemente, a percepção que se tem do mundo a partir do direito internacional passa a ser aquela de um mundo de Estados. Estes, como vimos, são os atores por exce-lência da cena global, protagonistas de uma história na qual todos os outros atores são meros coadjuvantes.

Esta visão de mundo centralizada no Estado determina o modo como con-cebemos e estudamos o direito contemporâneo; e a depender do modo como vemos as relações interestatais, outorgaremos um papel mais ou menos rele-vante para o direito internacional. O tipo de “olhar” sobre os fenômenos inter-nacionais interfere na nossa percepção sobre o papel do direito internacional.

Vejamos um exemplo. A concepção realista das relações internacionais ressalta a dimensão confl ituosa e anárquica da sociedade internacional decor-rente da ausência de uma autoridade hierarquicamente superior aos Estados. A ordem internacional, desde este ponto de vista, é garantida pelo equilíbrio de poder entre os Estados e a efi cácia do direito internacional passa a depen-der mais do cálculo de forças e da boa vontade dos governantes do que do temor pelas conseqüências advindas do descumprimento das normas jurí-dicas internacionais. O direito internacional produz, no máximo, constran-gimentos políticos e morais para aquele que o descumpre. Jamais impedirá a ação unilateral de um Estado motivada pela necessidade de garantir a sua sobrevivência no cenário internacional ou o fortalecimento de suas posições

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104 Nguyen Quoc Dinh. Direito Interna-

cional Público. 2a ed. Trad. Vítor Mar-

ques Coelho. Lisboa: Fundação Calouste

Gulbenkian, 2003, p. 37-38.

105 A expressão sociedade internacional

é empregada por Dinh para sustentar

a idéia de que a inter-relação entre os

Estados é baseada unicamente no inte-

resse, e não em um vínculo comunitá-

rio assentado em relações de confi ança

e de solidariedade. Uma tal sociedade

é caracterizada por um “estado de ten-

são” permanente. A visão realista do

mundo orienta a doutrina de Dinh ao

rechaçar aqueles que defi nem o direi-

to internacional como sendo o direito

aplicável à “comunidade internacional”.

Isto porque, para o autor, a noção de

“comunidade” implica a existência de

laços de identifi cação mais fortes do

que as diferenças desintegradoras que

marcam os Estados. “A extrema hetero-

geneidade dos Estados espalhados pelo

mundo é incompatível com a existência

de uma comunidade internacional con-

siderada como comunidade universal.

As diferenças de raça, de cultura, de

civilização separam os povos, em vez

de os unir.” O direito internacional re-

gulação a sociedade de Estados. Nguyen

Quoc Dinh. Direito Internacional Público.

2a ed. Trad. Vítor Marques Coelho. Lis-

boa: Fundação Calouste Gulbenkian,

2003, p. 40-41.

106 Bull. Op. cit., p. 147.

107 Explica Bull que “no século XIX

aceitava-se habitualmente a afi rmati-

va de que só os estados eram sujeitos

do direito internacional, qualquer que

fosse a função desempenhada na polí-

tica internacional por outros atores (por

exemplo: por indivíduos, por outros

grupos que não o Estado, ou organiza-

ções internacionais e intergovernamen-

tais), estes não podiam ser sujeitos do

direito internacional, mas apenas seus

objetos. Atualmente, porém, muitos

juristas consideram que esses atores

são também sujeitos do direito inter-

nacional, assim como os estados. Em

outras palavras, não só são afetados

pelas normas do direito internacional

como têm direitos e deveres que lhes

são atribuídos por essas normas.” (A

Sociedade Anárquica, pág. 149).

108 “Le droit étant um mode de régula-

tion des relations sociales, on attendrait

à première vue du droit international à

la fois qu’il soit celui qui régit les rela-

tions internationales et qu’il soit le seul

à le faire.” Droit International Public. 5e

éd. Paris: Montchrestien, 2001, p. 1-2.

109 Bull, op. cit., p. 152. Ainda segundo

Bull, “a concepção do direito inter-

nacional como uma ordem coercitiva

baseada em um sistema de sanções

descentralizado é uma fi cção que,

quando aplicada a uma situação real,

não resiste aos fatos.” (Ibid., p. 153).

políticas e econômicas perante os demais países. Este egoísmo nacional seria estimulado pelo estado de natureza dominante no sistema internacional.

Neste mundo de Estados, são os atores estatais que controlam os processos em curso no sistema internacional, produzem estruturas, defi nem temas da agenda internacional e disseminam as idéias que infl uenciam o modo como se organiza e se concebe a sociedade internacional. A capacidade de intervir e controlar estes processos depende dos recursos de poder específi cos de cada Estado e da distribuição destes recursos entre eles. O direito internacional te-ria aqui um papel secundário na estruturação do sistema internacional posto que o mundo que lhe serve de referência é um mundo onde o poder torna-se a medida do direito. Desde este ponto de vista, questiona-se a natureza jurí-dica do direito internacional. Seria ele um direito ou apenas um conjunto de regras de moral ou de cortesia internacional?

Dinh defi ne o direito internacional como “o direito aplicável à sociedade internacional.[...] sinónimo do direito que regula as relações entre os Esta-dos, ou direito interestatal.(sic)”104 Dois aspectos devem ser aqui sublinha-dos: 1) trata-se de um direito criado pelos Estados e 2) destinado a regular a relação entre eles no âmbito de uma sociedade internacional.105 Para Bull, o direito internacional é “um conjunto de regras que ligam os estados e os outros agentes da política mundial em suas relações recíprocas, aos quais se atribui status legal”.106 Alarga-se o conceito de modo a incluir não só os Esta-dos mas também “outros agentes da política mundial”.107 Para Combacau e Sur o direito internacional é aquele que rege as relações internacionais e que é o único a fazê-lo.108

Uma parte da doutrina costuma negar a natureza “jurídica” do direito internacional. Sustentam que a condição para a existência do direito é a sua coercibilidade, isto é, a possibilidade de se fazer cumprir por meio do uso da força. Esta característica estaria ausente no direito internacional. Para Bull, “o respeito pelo direito internacional só pode ser mantido se o poder, e a dispo-sição para usá-lo, estiverem distribuídos de tal forma que os estados possam sustentar pelo menos certos direitos, quando eles forem violados”.109 O pro-blema do direito internacional seria a proteção e promoção da distribuição de poder no espaço global. Ao direito internacional faltar-lhe-ia a força neces-sária para se fazer cumprir, sobretudo quando suas determinações legais são contrárias aos interesses e desejos dos Estados mais poderosos.

Esta objeção à juridicidade do direito internacional busca suporte na com-paração com o direito interno. Este, diferentemente do direito internacional, tem a sua aplicação reforçada em razão da existência de um governo central com poderes para autorizar, se for preciso, o uso da força. Dois aspectos outorgam um caráter jurídico ao direito interno: 1) a existência de uma au-toridade legítima e soberana que cria e aplica estas normas e 2) a garantia de efi cácia do direito interno por meio da coerção. Ante a inexistência de um

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110 Kelsen. Teoria Geral do Direito e do Es-

tado. São Paulo: Martins Fontes, 2005,

capítulo VI.

111 Bull, op. cit., p. 157. Grifo no original.

112 Como observa Bull, “os governos

têm um certo respeito pelas obrigações

legais, e hesitam em adquirir a reputa-

ção de não respeitá-las e com relação à

maioria dos acordos que fazem, calcu-

lam que é do seu interesse cumpri-los.

Mas quando as suas obrigações legais e

o interesse que têm em serem reputa-

dos como um governo que as respeita

entram em confl ito com seus principais

objetivos, em lugar de serem confi rma-

das por esses objetivos, as obrigações

contraídas são muitas vezes desrespei-

tadas.” Ainda segundo Bull, “os fatores

fundamentais do respeito ao direito

internacional – a aceitação pelas par-

tes dos objetivos e valores subjacentes

a essa concordância, a coerção por um

poder superior e o interesse recíproco

– existem independentemente das

obrigações legais e, sem esses fatores,

essas obrigações são inefi cazes.” (op.

cit., p. 163).

governo mundial suprasoberano e de mecanismos centralizados de aplicação e execução das normas internacionais, questiona-se o caráter “jurídico” do direito internacional.

Kelsen sustenta que a ordem jurídica internacional é baseada em sanções descentralizadas. Estas sanções são aplicadas pelos membros da sociedade in-ternacional, agindo individualmente ou coletivamente, em nome do princí-pio da autodefesa. Represálias, retaliações e mesmo a guerra, seriam formas legítimas de proteção do Estado contra atos injustos perpetrados por outros entes soberanos.110 Resta saber como identifi car e separar uma causa justa da injusta. É aqui onde o argumento do Kelsen é objeto de severas críticas.

Bull rejeita ingressar no debate sobre a pureza jurídica do direito inter-nacional e vai buscar o fundamento de validade deste direito em bases so-ciológicas. Para ele, aqueles que trabalham com o direito internacional reco-nhecem nele um conjunto de regras com força de lei. “Quaisquer que sejam as difi culdades teóricas implicadas, o fato de se acreditar que tais regras têm o status de lei torna possível um conjunto de atividades que desempenham papel importante na sociedade internacional.”111 O direito internacional seria considerado “direito” porque acredita-se que ele é “direito”. A própria lingua-gem e os procedimentos do direito internacional contribuem para esta crença na juridicidade do direito internacional na medida em que ele se apresenta em uma forma muito semelhante àquela do direito interno. Parecer ser um direito, dentro da percepção vigente do que vem a ser “legal”, torna-se uma estratégia importante para o reforço de legitimidade do direito internacional.

Mas o problema da natureza jurídica do direito internacional não se resu-me ao plano da forma, pois está indissociavelmente vinculado ao problema da efi cácia de suas normas, isto é, a convergência do comportamento dos Estados com a conduta prescrita pelas regras. Sustenta-se que na ausência de um poder supra-soberano, o direito internacional seria uma carta de compro-misso, uma diretriz de ação para os Estados. Em outras palavras, seriam as regras explícitas do jogo político. Agir conforme estas regras legitima o Estado e fortalece a sua posição no embate político. Por outro lado, ignorá-las ou desobedecê-las pode acarretar-lhe um desgaste nas relações com outros países que seria recomendável evitar. Eis porque buscam, a despeito de gestos que evidenciam o contrário, basear as suas posições com apoio na norma jurídica internacional.112

O caso mais emblemático no início do século XXI foi o que envolveu a interpretação da Resolução 1441 do Conselho de Segurança da ONU. Os Estados Unidos sustentavam que as ações militares no Iraque estavam aco-bertadas pelo item 13 desta Resolução. França, Rússia e China discordavam. O problema era saber qual o sentido da expressão “sérias conseqüências”. De todo modo, os Estados Unidos em nenhum momento abriram mão de jus-tifi car a sua ação com base em uma norma jurídica internacional. Isto é um

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113 Dinh, op. cit., p. 90.

caso evidente do peso que tem o direito internacional no jogo político global. Mas fi ca a questão: obedece-se ao direito internacional por respeito à lei, por interesse ou por pressão dos países mais fortes?

A prova da existência do direito internacional está no seu reconhecimento como sendo direito pela sociedade internacional. “O direito internacional existe porque os Estados, os homens políticos, os movimentos de opinião, as organizações internacionais, governamentais ou não, o reconhecem e in-vocam, e porque seria totalmente inverossímel que tanta gente consagrasse tanto tempo, energia, inteligência e por vezes, dinheiro para atingir uma qui-mera”.113 Mas este reconhecimento se dá de diversas maneiras. São elas: 1) na afi rmação do direito internacional nos textos constitucionais; 2) no seu uso nos debates diplomáticos, quando os Estados procuram apoiar suas posições nas regras do direito internacional; 3) na participação dos Estados em organi-zações internacionais, pressupondo o respeito ao direito internacional; 4) na criação de tribunais internacionais. A positividade do direito internacional é um fato que objeta os argumentos dos seus negadores.

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17ª AULA: FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL

DIREITO DOS TRATADOS

EMENTA:

Fontes do DIP. Artigo 38 do Estatuto da CIJ. Formação convencional do DIP. Direito dos Tratados. Condições de existência e validade dos tratados. Aplicação e interpretação dos tratados. Assinatura. Ratifi cação. Adesão.

LEITURA OBRIGATÓRIA:

Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969.

SUGESTÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR:

1) REZEK, J. F. Direito Internacional Público. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, capítulo 1.

2) AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao Direito Interna-cional Público. São Paulo: Atlas, 2008, tópicos 2.1 a 2.3.

3) SOARES, Guido Fernando S. Curso de Direito Internacional Pú-blico. São Paulo: Atlas, 2004, tópico 4.1.

4) DINH, Nguyen Quoc. Direito Internacional Público. 2ª ed. Lis-boa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 113 a 324.

CASO PRÁTICO SOBRE RESERVAS EM TRATADOS INTERNACIONAIS:

Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 18 de dezembro de 1979, em vigor desde 3 de setembro de 1981):

Quatro casos de reservas:

A) República das Maldivas:A1) Reserva da República das Maldivas, de 23 de junho de 1999:“... 2. The Government of the Republic of Maldives reserves its right

to apply article 16 of the Convention concerning the equality of men and women in all matters relating to marriage and family relations wi-thout prejudice to the provisions of the Islamic Sharia, which govern all

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marital and family relations of the 100 percent Muslim population of the Maldives.”

A2) Declaração, de 25 de outubro de 1994, do Canadá sobre a reserva acima:“In the view of the Government of Canada, this reservation is incompa-

tible with the object and purpose of the Convention (article 28, paragraph 2). Th e Government of Canada therefore enters its formal objection to this reservation. Th is objection shall not preclude the entry into force of the Con-vention as between Canada and the Republic of Maldives.”

A3) Declaração, de 26 de outubro de 1994, da Áustria sobre a reserva acima:

“Th e reservation made by the Maldives is incompatible with the object and purpose of the Convention and is therefore inadmissible under article 19 (c) of the Vienna Convention on the Law of Treaties and shall not be permit-ted, in accordance with article 28 (2) of the Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination Against Women. Austria therefore states that this reservation cannot alter or modify in any respect the obligations arising from the Convention for any State Party thereto.”

B) Reino da Arábia Saudita:

B1) Reserva feita quando da “assinatura e ratifi cação”, em 7 de setembro de 2000:

“1. In case of contradiction between any term of the Convention and the norms of islamic law, the Kingdom is not under obligation to observe the contradictory terms of the Convention.

2. Th e Kingdom does not consider itself bound by paragraphe 2 of article 9 of the Convention and paragraph 1 of article 29 of the Convention.”

B2) Declaração, de 21 de agosto de 2001, sobre a reserva da Arábia Sau-dita:

“Austria has examined the reservations to the Convention on the Elimi-nation of All Forms of Discrimination against Women made by the Gover-nment of the Kingdom of Saudi Arabia in its note to the Secretary-General of 7 September 2000.

Th e fact that the reservation concerning any interpretation of the provi-sions of the Convention that is incompatible with the norms of Islamic law does not clearly specify the provisions of the Convention to which it applies and the extent of the derogation therefrom raises doubts as to the commit-ment of the Kingdom of Saudi Arabia to the Convention.

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Given the general character of this reservation a fi nal assessment as to its admissibility under international law cannot be made without further clari-fi cation. Until the scope of the legal eff ects of this reservation is suffi ciently specifi ed by the Government of Saudi Arabia, Austria considers the reserva-tion as not aff ecting any provision the implementation of which is essential to fulfi lling the object and purpose of the Convention. In Austria’s view, ho-wever, the reservation in question is inadmissible to the extent that its appli-cation negatively aff ects the compliance by Saudi Arabia with its obligations under the Convention essential for the fulfi lment of its object and purpose. Austria does not consider the reservation made by the Government of Saudi Arabia as admissible unless the Government of Saudi Arabia, by providing additional information or through subsequent practice, ensures that the re-servation is compatible with the provisions essential for the implementation of the object and purpose of the Convention.

As to the reservation to Paragraph 2 of Article 9 of the Convention Austria is of the view that the exclusion of such an important provision of non-dis-crimination is not compatible with object and purpose of the Convention. Austria therefore objects to this reservation.

 Th is position, however, does not preclude the entry into force in its enti-rety of the Convention between Saudi Arabia and Austria.”

C) Iraque:C1) Reserva feita quando da adesão, em 13 de agosto de 1986:1. Approval of and accession to this Convention shall not mean that the

Republic of Iraq is bound by the provisions of article 2, paragraphs (f ) and (g), of article 9, paragraphs 1 and 2, nor of article 16 of the Convention. Th e reservation to this last-mentioned article shall be without prejudice to the provisions of the Islamic Shariah according women rights equivalent to the rights of their spouses so as to ensure a just balance between them. Iraq also enters a reservation to article 29, paragraph 1, of this Convention with regard to the principle of international arbitration in connection with the interpretation or application of this Convention.

2. Th is approval in no way implies recognition of or entry into any rela-tions with Israel.

C2) Declaração, de 12 de dezembro de 1986, de Israel sobre a reserva do Iraque:

... In the view of the Government of the State of Israel, such declaration which is explicitly of a political character is incompatible with the purposes and objectives of the Convention and cannot in any way aff ect whatever obligations are binding upon Iraq under general international law or under particular conventions.

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Th e Government of the State of Israel will, in so far as concerns the subs-tance of the matter, adopt towards Iraq an attitude of complete reciprocity.

C3) Declaração, de 23 de julho de 1991, do Reino dos Países Baixos, quando de sua adesão, sobre algumas reservas:

“Th e Government of the Kingdom of the Netherlands considers that the reservations made by Bangladesh regarding article 2, article 13 (a) and article 16, paragraph 1 (c) and (f ), by Egypt regarding article 2, article 9 and article 16, by Brazil regarding article 15, paragraph 4, and article 16, paragraph 1 (a), (c), (g), and (h), by Iraq regarding article 2, sub-paragraphs (f ) and (g), article 9 and article 16, by Mauritius regarding article 11, paragraph 1 (b) and (d), and article 16, paragraph 1 (g), by Jamaica regarding article 9, para-graph 2, by the Republic of Korea regarding article 9 and article 16, paragraph 1 (c), (d), (f ) and (g), by Th ailand regarding article 9, paragraph 2, article 15, paragraph 3, and article 16, by Tunisia regarding article 9, paragraph 2, article 15, paragraph 4, and article 16, paragraph 1 (c), (d), (f ), (g) and (h), by Turkey regarding article 15, paragraphs 2 and 4, and article 16, paragraph 1 (c), (d), (f ) and (g), by the Libyan Arab Jamahiriya upon accession, and the fi rst paragraph of the reservations made by Malawi upon accession, are incompatible with the object and purpose of the Convention (article 28, paragraph 2).

“Th ese objections shall not preclude the entry into force of the Con-vention as between Bangladesh, Egypt, Brazil, Iraq, Mauritius, Jamaica, the Republic of Korea, Th ailand, Tunisia, Turkey, Libyan Arab Jamahiriya, Ma-lawi and the Kingdom of the Netherlands.”

D) República do Maláui:D1) 12 de março de 1987 (adesão):“Owing to the deep-rooted nature of some traditional customs and prac-

tices of Malawians, the Government of the Republic of Malawi shall not, for the time being, consider itself bound by such of the provisions of the Convention as require immediate eradication of such traditional customs and practices.

“While the Government of the Republic of Malawi accepts the principles of article 29, paragraph 2 of the Convention this acceptance should none-theless be read in conjunction with [its] declaration of 12th December 1966, concerning the recognition, by the Government of the Republic of Malawi, as compulsory the jurisdiction of the International Justice under article 36, paragraph 2 of the Statute of the Court.”

D2) 5 de agosto de 1987 (México sobre Maláui)In respect of the fi rst reservation, the Secretary-General had received, on 5

August 1987, from the Government of Mexico the following communication:

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Th e Government of the United Mexican States hopes that the process of eradication of traditional customs and practices referred to in the fi rst reservation of the Republic of Malawi will not be so protracted as to impair fulfi llment of the purpose and intent of the Convention.

D3) Declaração, de 23 de julho de 1991, do Reino dos Países Baixos sobre a reserva de Maláui

Quando da ratifi cação, em 23 de julho de 1991:“Th e Government of the Kingdom of the Netherlands considers that

the reservations made by Bangladesh regarding article 2, article 13 (a) and article 16, paragraph 1 (c) and (f ), by Egypt regarding article 2, article 9 and article 16, by Brazil regarding article 15, paragraph 4, and article 16, para-graph 1 (a), (c), (g), and (h), by Iraq regarding article 2, sub-paragraphs (f ) and (g), article 9 and article 16, by Mauritius regarding article 11, paragraph 1 (b) and (d), and article 16, paragraph 1 (g), by Jamaica regarding article 9, paragraph 2, by the Republic of Korea regarding article 9 and article 16, paragraph 1 (c), (d), (f ) and (g), by Th ailand regarding article 9, paragraph 2, article 15, paragraph 3, and article 16, by Tunisia regarding article 9, para-graph 2, article 15, paragraph 4, and article 16, paragraph 1 (c), (d), (f ), (g) and (h), by Turkey regarding article 15, paragraphs 2 and 4, and article 16, paragraph 1 (c), (d), (f ) and (g), by the Libyan Arab Jamahiriya upon acces-sion, and the fi rst paragraph of the reservations made by Malawi upon accession, are incompatible with the object and purpose of the Conven-tion (article 28, paragraph 2).

“Th ese objections shall not preclude the entry into force of the Con-vention as between Bangladesh, Egypt, Brazil, Iraq, Mauritius, Jamaica, the Republic of Korea, Th ailand, Tunisia, Turkey, Libyan Arab Jamahiriya, Ma-lawi and the Kingdom of the Netherlands.”

D4) 24 de outubro de 1991: Declaração de Maláui:On 24 October 1991, the Government of Malawi notifi ed the Secretary-

General of its decision to withdraw the following reservations made upon accession:

“Owing to the deep-rooted nature of some traditional customs and prac-tices of Malawians, the Government of the Republic of Malawi shall not, for the time being, consider itself bound by such of the provisions of the Convention as require immediate eradication of such traditional customs and practices.

“While the Government of the Republic of Malawi accepts the principles of article 29, paragraph 2 of the Convention this acceptance should none-theless be read in conjunction with [its] declaration of 12th December 1966,

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concerning the recognition, by the Government of the Republic of Malawi, as compulsory the jurisdiction of the International Justice under article 36, paragraph 2 of the Statute of the Court.”

Em que medida a Convenção está em vigor:a) Entre as Maldivas e a Áustria?b) Entre as Maldivas e o Canadá?c) Entre a Áustria e o Canadá?d) Entre as Maldivas e a Arábia Saudita?e) Entre a Arábia Saudita e a Áustria?f ) Entre o Iraque e Israel?g) Entre o Iraque e os Países Baixos?h) Entre o Maláui e o México antes de 24 de outubro de 1991?i) Entre o Maláui e os Países Baixos?

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18ª AULA: FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL

DIREITO DOS TRATADOS

EMENTA:

Incorporação dos tratados ao direito interno brasileiro. Tratados de Direi-tos Humanos e a EC 45/04. Reservas. Modifi cação, extinção e suspensão dos Tratados.

LEITURA OBRIGATÓRIA:

Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969.

SUGESTÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR:

1) REZEK, J. F. Direito Internacional Público. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, capítulo 1.

2) AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao Direito Interna-cional Público. São Paulo: Atlas, 2008, tópicos 2.1 a 2.3.

3) SOARES, Guido Fernando S. Curso de Direito Internacional Pú-blico. São Paulo: Atlas, 2004, tópico 4.1.

4) DINH, Nguyen Quoc. Direito Internacional Público. 2ª ed. Lis-boa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 113 a 324.

Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988Art. 5º,§ 3º: Os tratados e convenções internacionais sobre direitos

humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Atribuições do Congresso Nacional

Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especifi cado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:

V — limites do território nacional, espaço aéreo e marítimo e bens do domínio da União;

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XIII — matéria fi nanceira, cambial e monetária, instituições fi -nanceiras e suas operações;

XIV — moeda, seus limites de emissão, e montante da dívida mobiliária federal.

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:I — resolver defi nitivamente sobre tratados, acordos ou atos in-

ternacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;

I — autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a cele-brar a paz, a permitir que forças estrangeiras transitem pelo territó-rio nacional ou nele permaneçam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei complementar;

III — autorizar o Presidente e o Vice-Presidente da República a se ausentarem do País, quando a ausência exceder a quinze dias;

XIV — aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a ativi-dades nucleares.

Art. 52. Compete privativamente ao S enado Federal:IV — aprovar previamente, por voto secreto, após argüição em

sessão secreta, a e s colha dos chefes de missão diplomática de caráter permanente;

VII — dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Fe-deral e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades con-troladas pelo Poder Público federal;

VIII — dispor sobre limites e condições para a concessão de ga-rantia da União em operações de crédit o externo e interno.

Art. 68, § 1º — Não serão objeto de delegação os atos de compe-tência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre:

II — nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais.

Art. 71. O controle externo, a c a rgo do Congresso Nacional, será exer-cido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

V — fi scalizar as contas nacio nais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo.

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JURISPRUDÊNCIA SOBRE TRATADOS INTERNACIONAIS NOS TRIBUNAIS SUPERIORES DO BRASIL:

Casos sobre tratados no STF:

RE 543943 AgR / PR — PARANÁAG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIORelator(a): Min. CELSO DE MELLOJulgamento: 30/11/2010 Órgão Julgador: Segunda Turma

E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO — GASODUTO BRA-SIL — BOLÍVIA — ISENÇÃO DE TRIBUTO MUNICIPAL (ISS) CON-CEDIDA PELA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL MEDIANTE ACORDO BILATERAL CELEBRADO COM A REPÚBLICA DA BOLÍ-VIA — A QUESTÃO DA ISENÇÃO DE TRIBUTOS ESTADUAIS E/OU MUNICIPAIS OUTORGADA PELO ESTADO FEDERAL BRASILEIRO EM SEDE DE CONVENÇÃO OU TRATADO INTERNACIONAL — POSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL — DISTINÇÃO NECESSÁRIA QUE SE IMPÕE, PARA ESSE EFEITO, ENTRE O ESTADO FEDERAL BRASILEIRO (EXPRESSÃO INSTITUCIONAL DA COMUNIDADE JURÍDICA TOTAL), QUE DETÉM “O MONOPÓLIO DA PERSO-NALIDADE  INTERNACIONAL”, E A UNIÃO, PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO INTERNO (QUE SE QUALIFICA, NESSA CONDIÇÃO, COMO SIMPLES COMUNIDADE PARCIAL DE CA-RÁTER CENTRAL) — NÃO INCIDÊNCIA, EM TAL HIPÓTESE, DA VEDAÇÃO ESTABELECIDA NO ART. 151, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CUJA APLICABILIDADE RESTRINGE-SE, TÃO SOMEN-TE, À UNIÃO, NA CONDIÇÃO DE PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO INTERNO — RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. — A cláusula de vedação inscrita no art. 151, inciso III, da Constituição — que proíbe a concessão de isenções tributárias heterônomas — é inoponível ao Estado Federal brasileiro (vale dizer, à República Federativa do Brasil), inci-dindo, unicamente, no plano das relações institucionais domésticas que se estabelecem entre as pessoas políticas de direito público interno. Doutrina. Precedentes. — Nada impede, portanto, que o Estado Federal brasileiro ce-lebre tratados internacionais que veiculem cláusulas de exoneração tributária em matéria de tributos locais (como o ISS, p. ex.), pois a República Federativa do Brasil, ao exercer o seu treaty-making power, estará praticando ato legítimo que se inclui na esfera de suas prerrogativas como pessoa jurídica de direito in-ternacional público, que detém — em face das unidades meramente federadas — o monopólio da soberania e da personalidade internacional. — Considera-ções em torno da natureza político-jurídica do Estado Federal. Complexidade

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estrutural do modelo federativo. Coexistência, nele, de comunidades jurídicas parciais rigorosamente parifi cadas e coordenadas entre si, porém subordina-das, constitucionalmente, a uma ordem jurídica total. Doutrina.

HC 97256 / RS — RIO GRANDE DO SULHABEAS CORPUSRelator(a): Min. AYRES BRITTOJulgamento: 01/09/2010 Órgão Julgador: Tribunal Pleno

EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 44 DA LEI 11.343/2006: IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZA-ÇÃO DA PENA (INCISO XLVI DO ART. 5º DA CF/88). ORDEM PAR-CIALMENTE CONCEDIDA. 1. O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o legis-lativo, o judicial e o executivo. Logo, a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinqüente a sanção criminal que a ele, juiz, afi gurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo. Implicando essa ponderação em concreto a opção jurí-dico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo perma-nente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material. 2. No momento sentencial da dosimetria da pena, o juiz sentenciante se mo-vimenta com ineliminável discricionariedade entre aplicar a pena de privação ou de restrição da liberdade do condenado e uma outra que já não tenha por objeto esse bem jurídico maior da liberdade física do sentenciado. Pelo que é vedado subtrair da instância julgadora a possibilidade de se movimentar com certa discricionariedade nos quadrantes da alternatividade sancionatória. 3. As penas restritivas de direitos são, em essência, uma alternativa aos efeitos cer-tamente traumáticos, estigmatizantes e onerosos do cárcere. Não é à toa que todas elas são comumente chamadas de penas alternativas, pois essa é mesmo a sua natureza: constituir-se num substitutivo ao encarceramento e suas seqüe-las. E o fato é que a pena privativa de liberdade corporal não é a única a cum-prir a função retributivo-ressocializadora ou restritivo-preventiva da sanção penal. As demais penas também são vocacionadas para esse geminado papel da retribuição-prevenção-ressocialização, e ninguém melhor do que o juiz na-tural da causa para saber, no caso concreto, qual o tipo alternativo de repri-menda é sufi ciente para castigar e, ao mesmo tempo, recuperar socialmente o

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apenado, prevenindo comportamentos do gênero. 4. No plano dos tratados e convenções internacionais, aprovados e promulgados pelo Estado brasileiro, é conferido tratamento diferenciado ao tráfi co ilícito de entorpecentes que se caracterize pelo seu menor potencial ofensivo. Tratamento diferenciado, esse, para possibilitar alternativas ao encarceramento. É o caso da Conven-ção Contra o Tráfi co Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, incorporada ao direito interno pelo Decreto 154, de 26 de junho de 1991. Norma supralegal de hierarquia intermediária, portanto, que autoriza cada Estado soberano a adotar norma comum interna que viabilize a aplicação da pena substitutiva (a restritiva de direitos) no aludido crime de tráfi co ilícito de entorpecentes. 5. Ordem parcialmente concedida tão-somente para remover o óbice da parte fi nal do art. 44 da Lei 11.343/2006, assim como da expressão análoga “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante do § 4º do art. 33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de inconsti-tucionalidade, com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena pri-vativa de liberdade pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao Juízo da execução penal que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da convolação em causa, na concreta situação do paciente.

HC 94404 / SP — SÃO PAULOHABEAS CORPUSRelator(a): Min. CELSO DE MELLOJulgamento: 18/11/2008 Órgão Julgador: Segunda TurmaLEI DO CRIME ORGANIZADO (ART. 7º) — VEDAÇÃO LEGAL

APRIORÍSTICA DE LIBERDADE PROVISÓRIA — CONVENÇÃO DE PALERMO (ART. 11) — INADMISSIBILIDADE DE SUA INVO-CAÇÃO — REGRA LEGAL DE QUESTIONÁVEL CONSTITUCIO-NALIDADE — POSSÍVEL CONFLITO COM OS PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, DO “DUE PROCESS OF LAW”, DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA PROPORCIONALIDA-DE. — Cláusulas inscritas nos textos de tratados internacionais que impo-nham a compulsória adoção, por autoridades judiciárias nacionais, de medi-das de privação cautelar da liberdade individual, ou que vedem, em caráter imperativo, a concessão de liberdade provisória, não podem prevalecer em nosso sistema de direito positivo, sob pena de ofensa à presunção de inocên-cia, dentre outros princípios constitucionais que informam e compõem o es-tatuto jurídico daqueles que sofrem persecução penal instaurada pelo Estado.

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Casos sobre tratados no STJ:

AgRg no REsp 1131808 / RJ2009/0060475-1Relator(a) Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGA-

DOR CONVOCADO DO TJ/RS)Órgão Julgador T3 — TERCEIRA TURMAData do Julgamento 03/05/2011Data da Publicação/Fonte DJe 10/05/2011

EmentaAGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE

INDUSTRIAL. PATENTE PIPELINE. PRAZO DE VALIDADE. CON-TAGEM. TERMO INICIAL. PRIMEIRO DEPÓSITO NO EXTERIOR. OCORRÊNCIA DE DESISTÊNCIA DO PEDIDO. IRRELEVÂNCIA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA E SISTEMÁTICA DE NORMAS. TRATADOS INTERNACIONAIS (TRIPS E CUP). PATENTE COR-RESPONDENTE NO EXTERIOR. CONCESSÃO SOB O REGIME NORTE-AMERICANO DE CONTINUAÇÕES (CONTINUATION, DIVISIONAL OU CONTINUATION-IN-PART). PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA DAS PATENTES. SOBERANIA NACIONAL. RE-CURSO DESPROVIDO.

1. O julgamento do recurso especial conforme o art. 557, caput, do CPC não ofende os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido pro-cesso legal, se observados os requisitos recursais de admissibilidade, os enun-ciados de Súmulas e a jurisprudência dominante do STJ.

2. A via do agravo regimental, na instância especial, não se presta para prequestionamento de dispositivos constitucionais.

3. Este Tribunal Superior pacifi cou o entendimento de que, quando se tratar da vigência da patente pipeline, o termo inicial de contagem do pra-zo remanescente à correspondente estrangeira, a incidir a partir da data do pedido de revalidação no Brasil, é o dia em que foi realizado o depósito no sistema de concessão original, ou seja, o primeiro depósito no exterior, ainda que abandonado, visto que a partir de tal fato já surgiu proteção ao invento (v.g.: prioridade unionista). Interpretação sistemática dos arts. 40 e 230, § 4º, da Lei 9.279/96, 33 do TRIPS e 4º bis da CUP.

4. Nem sempre a data da entrada em domínio público da patente pipeline no Brasil vai ser a mesma da correspondente no exterior. Incidência do prin-cípio da independência das patentes, que se aplica, de modo absoluto, tanto do ponto de vista das causas de nulidade e de caducidade patentárias como do ponto de vista da duração normal.

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5. Os princípios gerais que regem o sistema de patentes, os quais estão previstos, comumente, em tratados internacionais, se aplicam tanto para o procedimento convencional quanto para o procedimento de revalidação co-nhecido como pipeline. Afi nal, ambos procedimentos integram o gênero Pa-tente, instituto jurídico de Direito da Propriedade Industrial.

6. A patente pipeline não é imune à incidência dos princípios conforma-dores de todo o sistema de patentes, ao revés, deve com eles harmonizar, sob pena de degeneração do próprio instituto jurídico. Ademais, não há qualquer incoerência na interpretação sistemática da Lei 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial) e dos tratados internacionais TRIPS e CUP, porquanto estes já foram internalizados no Brasil. São, portanto, parte de nosso ordenamento jurídico, devendo todas as normas que regulam a matéria ser compatibiliza-das e interpretadas em conjunto em prol de todo o sistema patentário.

7. O sistema patentário de continuações, previsto na legislação dos Es-tados Unidos da América sob as modalidades continuation, divisional ou continuation-in-part, mas sem equivalência no Direito Brasileiro, existe para atender as peculiaridades daquele país, altamente desenvolvido e gerador de tecnologia, não se refl etindo na interpretação dada por esta Corte Superior ao art. 230, § 4º, da Lei 9.279/96, já que prevalece, no âmbito da propriedade industrial, o princípio da territorialidade, a resguardar a soberania nacional, a qual fi caria comprometida com os alvedrios de legislações alienígenas.

8. “As patentes pipelines são incorporadas ao direito brasileiro a partir do momento de sua concessão, motivo pelo qual o parâmetro temporal de sua proteção deve ser auferido no momento do depósito, sendo considerado, para tanto, o prazo de proteção conferido pela norma estrangeira naquele momento. A interpretação ampliativa do § 4º, art. 230, Lei 9279/96, a fi m de equiparar a proteção conferida a patentes de revalidação aos prazos e con-dições estatuídas pelo direito estrangeiro após a sua concessão, como preten-de o ora recorrente, importa em violação ao princípio da independência da patentes, bem como a própria soberania do país” (REsp 1.165.845/RJ, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 23.02.2011).

9. Agravo regimental a que se nega provimento.

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REsp 1182993 / PR2010/0038618-7Relator(a) Ministro HUMBERTO MARTINS (1130)Órgão Julgador T2 — SEGUNDA TURMAData do Julgamento 03/05/2011Data da Publicação/Fonte DJe 10/05/2011 RT vol. 909 p. 519

EmentaADMINISTRATIVO. DOCENTE. MAGISTÉRIO SUPERIOR. PRO-

GRESSÃO FUNCIONAL. MESTRADO EMITIDO NO PARAGUAI. MERCOSUL. ACORDO DE ADMISSÃO DE TÍTULOS E GRAUS. NECESSIDADE DE REVALIDAÇÃO. ART. 48, DA LEI N. 9.394/96. LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO. LDB. DISSÍDIO JU-RISPRUDENCIAL. PRECEDENTE DA SEGUNDA TURMA.

1. Cuida-se de recurso especial interposto contra acórdão que negou pro-vimento ao pleito de admissão automática de diploma de pós-graduação emitido no Paraguai, com fulcro no acordo de Admissão de Títulos e Graus Universitários para o Exercício de Atividades Acadêmicas nos Estados Partes do Mercosul (Decreto Legislativo n. 800/2003 e ao Decreto Presidencial n. 5.518/2005).

2. Inexiste violação do art. 535, II, do Código de Processo Civil, por-quanto a Corte de origem pronunciou sobre todos os pontos necessários ao deslinde da controvérsia, de forma bastante e sufi ciente.

3. O Tribunal de origem consignou que o conceito de admissão, tal como previsto no tratado internacional, não exime os interessados da observância da legislação federal específi ca, qual seja, o art. 48, da Lei de Diretrizes e Ba-ses da Educação Nacional (Lei n. 9.394/96).

4. A doutrina tem se pronunciado no sentido do acórdão recorrido: “Não obs-tante o Acordo prever procedimento diferenciado quanto à admissão do título no País, ou seja, mediante processo de ‘validação’ sem análise de mérito, a ressalva quanto à salvaguarda dos padrões de qualidade acaba por retirar do Acordo a sua efi cácia jurídica principal e condicioná-la à aferição do mérito que, na prática, acaba por igualá-la ao procedimento comum de revalidação” (Marcos Augusto Maliska. Educação e integração regional: análise do Acordo de Admissão de Títu-los e Graus Universitários para o Exercício de Atividades Acadêmicas nos Estados Partes do Mercosul. In: Revista da AGU, n. 21, 2009, p. 318 e p. 321).

5. Quanto ao dissídio jurisprudencial, cabe notar que o entendimento dos Tribunais Regionais tem se dado no mesmo sentido do acórdão recor-rido, bem como tem seguido precedente desta Corte Superior de Justiça: REsp 971.962/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 25.11.2008, DJe 13.3.2009.

Recurso especial improvido.

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Processo REsp 1174235 / PR2009/0248733-5Relator(a) Ministro HERMAN BENJAMIN (1132)Órgão Julgador T2 — SEGUNDA TURMAData do Julgamento 04/11/2010Data da Publicação/Fonte DJe 28/02/2012

EmentaDIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO. DIREITO COMPA-

RADO. REFÚGIO POR PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA. CONFLITO ISRAEL-PALESTINA. CONDIÇÕES. IMIGRAÇÃO DISFARÇADA. CONARE. REQUERIMENTO INDEFERIDO. MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. POLÍTICAS PÚBLICAS DE MIGRAÇÃO E RELAÇÕES EXTERIORES.

1. In casu, cidadão israelense ingressa no Brasil com visto para turismo, mas solicita permanência como refugiado, ao argumento de sofrer persegui-ção religiosa. Após se esgotarem as instâncias administrativas no Conare, en-tra com ação ordinária sob o fundamento de que o confl ito armado naquele país, por ser notória, enseja automática concessão de status de refugiado.

2. O refúgio é reconhecido nas hipóteses em que a pessoa é obrigada a abandonar seu país por algum dos motivos elencados na Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1957 e cessa no momento em que aquelas circunstâncias deixam de existir. Exegese dos arts. 1º, III, e 38, V, da Lei 9.474/97.

3. A concessão de refúgio, independentemente de ser considerado ato po-lítico ou ato administrativo, não é infenso a controle jurisdicional, sob o prisma da legalidade.

4. Em regra, o Poder Judiciário deve limitar-se a analisar os vícios de lega-lidade do procedimento da concessão do refúgio, sem reapreciar os critérios de conveniência e oportunidade. Precedentes do STJ.

5. Em casos que envolvem políticas públicas de migração e relações exterio-res, mostra-se inadequado ao Judiciário, tirante situações excepcionais, adentrar as razões que motivam o ato de admissão de estrangeiros no território nacional, mormente quando o Estado deu ensejo à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal a estrangeiro cujo pedido foi regularmente apreciado por órgão formado por representantes do Departamento de Polícia Federal; do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) e dos Ministérios da Justiça, das Relações Exteriores, do Trabalho, da Saúde, da Educação e do Des-porto, nos termos do art. 14 da Lei 9.474/1997. Precedentes do STJ e do STF.

6. A tendência mundial é no sentido da restrição do papel do Poder Judici-ário no que tange à análise das condições para concessão de asilo. Precedentes do Direito Comparado.

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7. No Direito Internacional Público, o instituto jurídico do refúgio constitui exceção ao exercício ordinário do controle territorial das nações, uma das mais im-portantes prerrogativas de um Estado soberano. Cuida de concessão ad cautelam e precária de parcela da soberania nacional, pois o Estado-parte cede temporaria-mente seu território para ocupação por não súdito, sem juízo de conveniência ou oportunidade no momento da entrada, pois se motiva em situação delicada, em que urgem medidas de proteção imediatas e acordadas no plano supranacional.

8. O refúgio, por ser medida protetiva condicionada à permanência da situação que justifi cou sua concessão, merece cautelosa interpretação, justa-mente porque envolve a regra internacional do respeito aos limites territo-riais, expressão máxima da soberania dos Estados, conforme orienta a her-menêutica do Direito Internacional dos Tratados. Exegese conjunta dos arts. 1º, alínea “c”, item 5, da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1957 e 31, item 3, alínea “c”, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969.

9. Não se trata de fechar as portas do País para a imigração — mesmo pelo fato notório de que os estrangeiros sempre foram bem-vindos no Brasil —, mas apenas de pontuar o procedimento correto quando a hipótese caracteri-zar intuito de imigração, e não de refúgio.

10. Recurso Especial provido para denegar a Segurança.

Processo HC 157662 / SP2009/0247131-5Relator(a) Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO

(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP)Órgão Julgador T4 — QUARTA TURMAData do Julgamento 10/08/2010Data da Publicação/Fonte DJe 07/10/2010

EmentaPROCESSUAL CIVIL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RE-

CURSO ORDINÁRIO. PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO JUDICIAL CONSIDERADO INFIEL. ACÓRDÃO RECORRIDO EM MANIFESTA DIVERGÊNCIA COM SÚMULA VINCULANTE EDITADA PELO STF.

1. O Supremo Tribunal Federal fi xou o entendimento de que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, aos quais o Brasil aderiu, têm status de norma supralegal, razão pela qual pacifi cou o entendimento quanto à impossibilidade de prisão civil de depositário judicial infi el.

2. Fixou-se tal entendimento de forma coercitiva com a edição do Enuncia-do nº 25 da Súmula Vinculante do Pretório Excelso, verbis: “É ilícita a prisão civil de depositário infi el, qualquer que seja a modalidade do depósito”.

3. Habeas Corpus concedido.

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AgRg no REsp 1104543 / RJ2008/0255386-3Relator(a) Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142)Órgão Julgador T1 — PRIMEIRA TURMAData do Julgamento 04/05/2010Data da Publicação/Fonte DJe 10/05/2010

EmentaTRIBUTÁRIO E CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL.

RECURSO ESPECIAL. CONVENÇÃO DA UNIÃO INTERNACIO-NAL DE TELECOMUNICAÇÕES (UIT) — REGULAMENTO DE MELBOURNE. ISENÇÃO TRIBUTÁRIA. IMPOSTO DE RENDA. PROCESSO DE INCORPORAÇÃO AO DIREITO PÁTRIO. DECRE-TO LEGISLATIVO 67/1998. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. ALEGADA VIOLAÇÃO A DISPOSI-TIVOS DO CTN. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMU-LA 211 DO STJ. INCIDÊNCIA.

1. Cuida-se, originariamente, de mandado de segurança objetivando ga-rantir alegado direito líquido e certo da empresa autora de realizar remessas ao exterior, como prestação por cessão de redes de telefonia de que se utiliza fora do território nacional, sem a incidência de IR retido na fonte, como exi-gido pelo art. 685, II, “a”, do Decreto 3.000/99, com fulcro na Convenção da União Internacional de Telecomunicações — UIT (fl . 752).

2. O acórdão do TRF da 2ª Região, em síntese, decidiu: a) compete pri-vativamente ao Presidente da República celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional, ao qual compete, exclusivamente, resolver defi nitivamente

sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (CF/88, arts. 84, VIII, e 49, I); b) a Constituição e a Convenção da União Internacional de Telecomuni-cações (UIT) foram incorporadas ao nosso ordenamento jurídico através do Decreto Legislativo nº 67, de 15.10.98, e do Decreto Presidencial nº 2.962, de 23.02.99; c) o Regulamento Administrativo de Melbourne, de 1988, é parte integrante da UIT, o qual prevê em seu art. 45, item 6.1.3, isenção tributária no caso de contraprestação pela cessão de redes de telefonia de que se utiliza fora do território nacional, para completar as ligações efetuadas do Brasil para o exterior, não se tratando de ajuste complementar; d) o CTN prevê a primazia dos tratados e convenções internacionais sobre a legislação tributária interna, nos termos do seu art. 98.

3. Tem-se que a matéria dos artigos 97, II, VI e 176, do Código Tributário Nacional, não foi debatida no acórdão recorrido, mesmo com a oposição de embargos de declaração. Incidência da Súmula 211 do STJ.

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4. No que se refere à alegada violação do art. 1º, parágrafo único, do Decreto Legislativo 67/1998, relativa ao procedimento de incorporação em nosso direito interno da Convenção da União Internacional das Telecomu-nicações (UIT) e do Regulamento Administrativo de Melbourne, registre-se que o acórdão proferido pelo TRF da 2ª Região solucionou a questão com fundamento eminentemente constitucional, nos termos da interpretação dos artigos 49, I, 84, VIII, da CF.

5. Frise-se que o recurso interposto pela Fazenda Nacional escora-se na alegação de que o Regulamento de Melbourne, parte integrante da Conven-ção da União Internacional de Telecomunicações — UIT, não teria força de lei porque não obedecido o procedimento constitucional previsto para sua incorporação no direito interno.

6. O fundamento constitucional assentado pelo acórdão recorrido, inclu-sive, corroborado pelas razões recursais desenvolvidas pela recorrente, afasta a possibilidade de revisão do julgado na via do recurso especial, por sua com-petência ser restrita à uniformização do direito infraconstitucional federal.

7. Agravo regimental não provido.

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19ª A ULA: FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL

DIREITO DOS TRATADOS

EMENTA:

Modifi cação, extinção e suspensão dos Tratados.

LEITURA OBRIGATÓRIA:

Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969.

SUG ESTÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR:

REZEK, J. F. Direito Internacional Público. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, capítul o 1.

PERGUNTAS PARA ORIENTAÇÃO DA AULA E DA LEITURA DA CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS E DO ACÓRDÃO ABAIXO:

1) Em que hipóteses a Convenção de Viena autoriza o descumprimento de um tratado?

2) Um tratado deixa de existir caso seja violado? Há alguma diferença caso se trate de um tratado bilateral?

3) Um tratado pode ter seu conteúdo alterado por uma das partes, caso ocorra uma mudança fundamental nas circunstâncias que motivaram a assinatura do mesmo?

4) Uma mudança de regime político pode ser invocada como motivo para não dar prosseguimento a um tratado negociado e concluído sob o regi-me anterior, caso o novo regime entenda que o acordo viole seus interes-ses nacionais fundamentais?

5) Existem conteúdos que um tratado sempre devem respeitar? Como se chamam na Convenção de Viena?

6) A emergência de novas normas de observância obrigatória pelos tratados podem invalidar um tratado prévio, que confl ite com tais normas?

7) O que um Estado pode reclamar, de acordo com o direito internacional, caso um tratado no qual seja parte tenha sido violado por outro Estado? Quais as opções dadas pela Convenção de Viena?

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20ª AULA: FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL

DEMAIS FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL

EMENTA:

Fontes do DIP. Formação não convencional do direito internacional: cos-tume. Princípios Gerais de Direito. Jurisprudência. Doutrina. Atos un i laterais dos Estados. Decisões das Organizações Internacionais. Normas de ius cogens.

OBJETIVOS:

Analisar, a partir de exemplos, os modos espontâneos ou voluntários de formação do direito internacional.

LEITURA OBRIGATÓRIA:

1) AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao Direito Interna-cional Público. São Paulo: Atlas, 2008, tópicos 2.4 a 2.10.

2) REZEK, J. F. Direito Internacional Público. 11ª edi. São Paulo: Saraiva, 2008, capítulo 2.

SUGESTÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR:

1) SOARES, Guido Fernando S. Curso de Direito Internacional Pú-blico. São Paulo: Atlas, 2004, tópicos 4.2 a 6.2.

2) DINH, Nguyen Quoc. Direito Internacional Público. 2ª ed. Lis-boa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 325 A 402.

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PERGUNTAS PARA ORIENTAÇÃO DA LEITURA DOS ACÓRDÃOS E DO DEBATE EM SALA:

1) Como se forma uma norma costumeira de direito internacional?2) É possível surgir um costume bilateral?3) Um tratado pode revogar um costume?

4) O que são atos jurídicos unilaterais de direito internacional?5) O silêncio pode ser considerado fonte de direito internacional?6) Em casos de disputas por território fronteiriço, uma parte pode

abrir mão tacitamente de seu próprio território?

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21ª AULA: JURISDIÇÃO INTERNACIONAL

EMENTA:

Jurisdição. Princípios de jurisdição criminal. Princípio da Universalidade. Imunidades de jurisdição. Distinção entre atos jure imperii e jure gestionis. Imunidade de execução. Distinção das duas imunidades. Prática brasileira: reconhecimento da imunidade relativa.

LEITURA OBRIGATÓRIA:

1) AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao Direito Interna-cional Público. São Paulo: Atlas, 2008, tópicos 9.3 e 9.4.

2) REZEK, J. F. Direito Internacional Público. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, tópicos 89, 95, 96 e 97.

SUGESTÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR:

DINH, Nguyen Quoc. Direito Internacional Público. 2ª ed. Lisboa: Funda-ção Calouste Gulbenkian, 2003, p. 447 a 464.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, DE 1988

Art. 5º, §4º: O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Interna-cional a cuja criação tenha manifestado adesão.

Os crimes de terrorismo, a prática de tortura, o tráfi co de entorpecentes e drogas afi ns, e os crimes defi nidos em lei como hediondos são inafi ançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia (art. 5º, XLIII). Este dispositivo confi rma o art 4º, VIII, da CF/88.Atribuições do Supremo Tribunal Federal (STF)

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guar-da da Constituição, cabendo-lhe:

I — processar e julgar, originariamente: (...)e) o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União,

o Estado, o Distrito Federal ou o Território;

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f ) as causas e os confl itos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da adminis-tração indireta;

g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro;III — julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em úni-

ca ou última instância, quando a decisão recorrida:b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal.

Competência do STJ

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:I — processar e julgar, originariamente:i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às

cartas rogatórias;II — julgar, em recurso ordinário: (...)c) as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo i nter-

nacional, de um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou domici-liada no País;

III — julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:94

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência.

Comp etência dos juízes federais

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...)II — as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Mu-

nicípio o u pessoa domiciliada ou residente no País;III — as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado

estrangeiro ou organ ismo internacional; (...)V — os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando,

iniciada a execução n o País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no es-trangeiro, ou reciprocamente;

V —A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo;

X — os crimes de in gresso ou permanência irregular de estrangeiro, a exe-cução de carta rogatória, após o “exequatur”, e de sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização;

§ 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a fi nalidade de assegurar o cumprimento de obriga-ções decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o

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114 STJ: Recurso Ordinário 57, rel. Min.

Nancy Andrighi, rel. p/ac. Min. Aldir

Passarinho Jr., j. 21.08.2008.

Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de com-petência para a Justiça Federal.

Competência da polícia federal

Art. 144, § 1º: A polícia federal, instituída por lei como órgão permanen-te, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:105106

I — apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detri-mento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autá r qui-cas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha re-percussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II — prevenir e reprimir o tráfi co ilícito de entorpecentes e drogas afi ns, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos p úblicos nas respectivas áreas de competência;

III — exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras.

CASO “JANGO” NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA114

INTERNACIONAL, CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENI-ZAÇÃO MOVIDA CONTRA OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA DO NORTE. INTERVENÇÃO DE CARÁTER POLÍTICO E MILITAR EM APOIO À DEPOSIÇÃO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA DO BRASIL. DANOS MORAIS E MATERIAIS. DEMANDA MOVIDA PE-RANTE A JUSTIÇA FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. ATO DE IMPÉRIO. IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. POSSIBILIDA-DE DE RELATIVIZAÇÃO, POR VONTADE SOBERANA DO ESTA-DO ALIENÍGENA. PREMATURA EXTINÇÃO DO PROCESSO AB INITIO. DESCABIMENTO. RETORNO DOS AUTOS À VARA DE ORIGEM PARA QUE, PREVIAMENTE, SE OPORTUNIZE AO ES-TADO SUPLICADO A EVENTUAL RENÚNCIA À IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO.

I. Enquadrada a situação na hipótese do art. 88, I, e parágrafo único, do CPC, é de se ter como possivelmente competente a Justiça brasileira para a ação de indenização em virtude de danos morais e materiais alegadamen-te causados a cidadãos nacionais por Estado estrangeiro em seu território, decorrentes de ato de império, desde que o réu voluntariamente renuncie à imunidade de jurisdição que lhe é reconhecida.

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II. Caso em que se verifi ca precipitada a extinção do processo de pronto decretada pelo juízo singular, sem que antes se oportunize ao Estado aliení-gena a manifestação sobre o eventual desejo de abrir mão de tal prerrogativa e ser demandado perante a Justiça Federal brasileira, nos termos do art. 109, II, da Carta Política.

III. Precedentes do STJ.IV. Recurso ordinário parcialmente provido, determinado o retorno dos

autos à Vara de origem, para os fi ns acima.

ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide

a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo no julgamen-to, após o voto-vista do Sr. Ministro Sidnei Beneti, negando provimento ao recurso ordinário, e o voto do Sr. Ministro Ari Pargendler, acompanhado o voto do Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior, pelo voto médio, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento. Vencidos a Sra. Ministra Relatora e o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros.

Brasília (DF), 21 de agosto de 2008(Data do Julgamento)MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIORRelator

RELATÓRIOA EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Trata-se de recurso ordinário interposto com fundamento na alínea “c”, do inciso II, do art. 105, da Constituição Federal, interposto por Maria Th ereza Fontella Goulart, João Vicente Fontella Goulart e Denise Fontella Goulart, contra sentença proferida pelo Juízo da 10.ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro.

Ação: de conhecimento com pedidos condenatórios proposta pelos ora recorrentes em face dos Estados Unidos da América, ora recorrido, com o objetivo de obter a condenação desse Estado estrangeiro ao pagamento de in-denização por danos materiais, morais, “de imagem e de existência ” (fl s. 98).

Como causa de pedir, alegam os ora recorrentes que, na qualidade, respec-tivamente, de viúva e fi lhos do ex-Presidente da República, João Goulart, ti-veram prejuízos pessoais e fi nanceiros em razão da deposição do ex-Presidente João Goulart pelo movimento que resultou na implantação da ditadura mili-tar em 1964 e que, em 2002, o ex-embaixador dos Estados Unidos da Amé-rica, Lincoln Gordon, teria confessado, em seu livro, a participação daquele

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país na deposição do ex-Presidente João Goulart; o que seria corroborado por telegrama datado de 30 de março de 1964, enviado pelo Departamento de Estado daquele país à sua Embaixada no Brasil, inclusive “com presença de navio de guerra estadunidense em nossas águas territoriais” (fl s. 18), fi nancia-mento a candidatos congressistas opositores ao ex-Presidente João Goulart, apoio logístico da “CIA” (“Central Intelligence Agency” — Agência Central de Inteligência do Governo norte-americano); o que ensejou a perseguição dos autores pelos militares brasileiros, sofrimento de constantes ameaças de morte, de bomba, de seqüestro e a completa ruína fi nanceira (fl s. 02/99).

Sentença: indeferiu a petição inicial e extinguiu o processo sem resolução de mérito, com fundamento no art. 267, IV e VI, do CPC, uma vez que os atos supostamente praticados por agentes dos Estados Unidos, in casu, carac-terizar-se-iam em “atos de império”, alcançados, portanto, pela imunidade do Estado estrangeiro à jurisdição brasileira (fl s. 1.004/1.006).

Os autores, ora recorrentes, sob o fundamento, em síntese, de que os atos praticados pelos agentes dos Estados Unidos da América caracterizar-se-iam em “atos de gestão” e não “de império” e que, por isso, não haveria imuni-dade à jurisdição brasileira, interpuseram recurso de apelação ao TRF da 2.ª Região, que declinou de sua competência, nos termos do art. 105, II, “c”, da Constituição Federal e remeteu os autos ao STJ (fl s. 1.110/1.114), sendo aqui a apelação re-autuada como recurso ordinário (cfr. art. 13, II, do RIS-TJ).

Remetidos os autos ao necessário parecer do Ministério Público Federal, entendeu o i. Subprocurador-Geral da República, Durval Tadeu Guimarães, pela impossibilidade jurídica do pedido (fl s. 1.125).

É o relatório.

VOTOA EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

O presente recurso objetiva a impugnação de sentença que indeferiu a petição inicial e extinguiu o processo sem resolução de mérito, na forma do art. 267, IV e VI do CPC, uma vez que os atos supostamente praticados por agentes dos Estados Unidos da América caracterizar-se-iam em “atos de império”, alcançados, portanto, pela imunidade do Estado estrangeiro à ju-risdição brasileira.

A imunidade de jurisdição, no entender de Octavio Bueno Magano, “con-siste na isenção de certas entidades de, sem prévio consentimento, submete-

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rem-se aos efeitos do referido poder.....Baseia-se ela na idéia de que a inde-pendência e a igualdade dos Estados impede que qualquer deles se erija em juiz do outro, conceito que se expressa na parêmia “par in parem nom habet judicium”.” (Cfr. Imunidade de Jurisdição, in Trabalho & Doutrina: proces-so jurisprudência. São Paulo, n.º 8, março de 1996, p. 20). Dessa exposição introdutória, infere-se que o acatamento ao “princípio” da imunidade de ju-risdição é condição indispensável à garantia de que os Estados soberanos, em suas relações internacionais, preservem o seu poder de auto-determinação e reajam a toda e qualquer interferência externa indesejada nos assuntos emi-nentemente domésticos.

Ocorre que com o avanço da ordem internacional, impulsionado por fato-res econômico-comerciais que tornaram mais complexas e predatórias as rela-ções fi rmadas entre “organismos internacionais”, o entendimento corrente de imunidade de jurisdição sofreu certa dose de abrandamento com o intuito de possibilitar a submissão de determinados atos praticados por Estado estran-geiro à jurisdição local. Nesse sentido, pondera Francisco Rezek:

“A idéia da imunidade absoluta do Estado estrangeiro à jurisdição local começou a desgastar-se, já pela segunda metade deste século, nos grandes centros internacionais de negócios, onde era natural que as autoridades rea-gissem à presença cada vez mais intensa de agentes de soberanias estrangeiras atuando não em funções diplomáticas ou consulares, mas no mercado, nos investimentos, não raro na especulação. Não havia por que estranhar que ingleses, suíços e norte-americanos, entre outros, hesitassem em reconhecer imunidade ao Estado estrangeiro envolvido, nos seus territórios, em ativida-des de todo estranhas à diplomacia estrita e ao serviço consular, e adotassem assim um entendimento restritivo do privilégio, à base da distinção entre atos estatais “ iure imperii” e “ iure gestionis”.” (Cfr. Imunidade de jurisdição — No entendimento atual da Justiça do Brasil, in Notícia do Direito Brasileiro. Brasília, set. 1996, p. 44.)

Independentemente do conhecimento das razões determinantes da rela-tivização do conceito de imunidade de jurisdição, fato é que, em maio de 1989, o Supremo Tribunal Federal, em histórica decisão proferida por una-nimidade na ApCiv 9.696-3-SP, de 31.5.1989, — na qual o relator, o i. Min. Sidney Sanches, adotou os fundamentos do voto do Min. Francisco Rezek —, fi rmou o entendimento que o Estado estrangeiro não tem imunidade em causa relativa a contrato de trabalho celebrado no Brasil, inclusive em ações indenizatórias resultantes da responsabilidade civil (Sobre a questão cfr. Ag. de Inst. n.º 36.493-2-DF e Apel. Cível n.º 14-2 — DF, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, 2a. Turma, DJ 19.09.1994; RO n.º 33 — RJ, de minha

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relatoria, DJ 20.06.2005), fulminando a norma costumeira que dantes pres-crevia a imunidade absoluta, nos seguintes termos:

“Textualmente, a Convenção Européia de 1972 diz que não opera a imu-nidade no caso de uma demanda trabalhista ajuizada por súdito local, ou pes-soa residente no território local, contra representação diplomática estrangeira (artigo 5); assim como não opera a imunidade no caso de ação indenizatória resultante do descumprimento de contrato comum (artigo 4) (Cf. “Interna-tional Legal Materials”, vol. XI, 1972, pp. 470-472).

Não bastasse a Convenção Européia, vem depois o legislador norte-ame-ricano e edita, em 21 de outubro de 1976, o “Foreign Sovereign Immunities Act”, lei minuciosa naquilo que dispõe, e que assume a mesma diretriz da convenção. Seu texto é também casuístico, e menciona expressamente, entre as causas não alcançadas pela imunidade, aquelas pertinentes à responsabili-dade civil (§ 1605, 2 e 5) (Cf. “International Legal Materials”, vol. XV, 1976, pp. 1388-1389).

Em 1978, no Reino Unido, promulga-se o “State Immunity Act”. Esse texto, inspirado ao legislador britânico pela Convenção Européia e pela lei norte-americana, diz, naquilo que operacionalmente nos interessa, a mesma coisa: a imunidade não é mais absoluta. Não são alcançados pela imunidade os desdobramentos de toda espécie de interação contratual, de natureza tra-balhista entre a missão diplomática ou consular e pessoas recrutadas in loco, bem assim as ações indenizatórias resultantes da responsabilidade civil (arts. 4 e 5) (Cf. “International Legal Materials”, vol. XVII, 1978, pp. 1123-1125).

Em 1986, na Academia de Direito Internacional de Haia, o Professor Peter Troobof, de Nova York, dava um curso sobre esse exato tema: o aparecimen-to fi nal de um consenso sobre os princípios relacionados com a imunidade do Estado. E deixava claro que o princípio da imunidade absoluta não mais prevalece (P.D. Troobof, “Foreign State Immunity: Emerging Consensus on Principles, Recueil des Cours”, vol. 200, 1986, pp. 235 e s.).

Independentemente da questão de saber se há hoje maioria numérica de países adotantes da regra da imunidade absoluta, ou daquela da imunidade li-mitada — que prevalece na Europa ocidental e que já tem fustigado, ali, algu-mas representações brasileiras —, uma coisa é certíssima: não podemos mais, neste Plenário, dizer que há uma sólida regra de direito internacional costu-meiro, a partir do momento em que desertam dessa regra os Estados Unidos da América, a Grã-Bretanha e tantos outros países do hemisfério norte.

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Portanto, o único fundamento que tínhamos — já que as convenções de Viena não nos socorrem a tal propósito — para proclamar a imunidade do Estado estrangeiro em nossa tradicional jurisprudência, desapareceu: podia dar-se por raquítico ao fi nal da década de setenta, e hoje não há mais como invocá-lo” (grifei).

Evitando-se uma repetição enfadonha e desnecessária, tem-se, por fi m, a jurisprudência do STJ consolidando vigorosamente a superação do conceito de imunidade absoluta. In verbis:

“No caso ‘sub judice’ o agente diplomático agiu como órgão e represen-tante do Estado Estrangeiro. A responsabilidade é do Estado e não do di-plomata. A imunidade de jurisdição a ser examinada não é a diplomática e sim a do Estado Estrangeiro. Esta já foi absoluta, mas hoje é relativa. A imunidade absoluta de jurisdição do Estado Estrangeiro só foi admitida até o século passado. Ela só fi caria bem mesmo para o feudalismo, para o tempo das Cruzadas, da Guerra dos Cem anos, quando o comércio era local e as sociedades eram isoladas, fechadas e praticamente não existia comércio ex-terior. Acontece que nos últimos cem anos o mundo sofreu transformações profundas. Mudaram-se os fatos, modifi caram-se as idéias. A teoria Clássica da imunidade absoluta do Estado Estrangeiro foi ultrapassada pelo tempo e já não passa de peça de Museu” — RO n.º 6/RJ, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 10.05.1999).

Como anteriormente escandido, a idéia de imunidade absoluta do Estado estrangeiro à jurisdição local começou a desgastar-se a partir da adoção de um entendimento restritivo de privilégio, à base da distinção entre atos estatais iure imperii e iure gestionis “criada na Bélgica e Itália e logo adotada por outros países: atos de império, que gozariam de isenção do exame pelo judi-ciário de outros Estados e atos de gestão privada, suscetíveis da apreciação por tribunais estrangeiros ” (Cfr. Guido Fernando Silva Soares. Das imunidades de jurisdição e de execução. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1984, p. 117)

Tem-se, portanto, o surgimento do moderno conceito de imunidade re-lativa ou estrita do Estado estrangeiro, segundo o qual, somente podem ser submetidas à jurisdição brasileira as demandas contra Estado estrangeiro cuja causa de pedir envolva apenas atos de gestão. Nessa linha de entendimento, qualquer discussão sobre eventual responsabilidade civil de Estado estran-geiro por ato ilícito deve passar, primeiro, pela análise da natureza do ato praticado por esse Estado, tendo em vista que se se tratar de atos de império, o Estado estrangeiro tem imunidade à jurisdição brasileira.

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Sobre a diferenciação entre atos de império (“acta jure imperii ”) e atos de gestão (“acta jure gestionis ”), a doutrina classifi ca os primeiros como atos que envolvem “diretamente matéria de soberania” e os segundos, atos pelos quais “o Estado se conduz no uso das prerrogativas comuns às de todos os cidadãos.” (Cfr. Luís Roberto Barroso e Carmen Tiburcio. Imunidade de jurisdição: o Estado Federal e os Estados membros. In Direito internacio-nal contemporâneo: estudos em homenagem ao professor Jacob Dolinger / Carmen Tiburcio, Luís Roberto Barroso, organizadores; Rio de Janeiro: Re-novar, 2006, p. 152). São exemplos de atos de império: “a) atos legislativos; b) atos concernentes à atividade diplomática; c) os relativos às forças arma-das; d) atos da administração interna dos Estados; e) empréstimos públicos contraídos no estrangeiro.” (Idem, ibidem). Já os atos de gestão podem ser caracterizados quando o Estado estrangeiro “procede, no campo de outro Es-tado, como titular de direito privado desse Estado” (Cfr. Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo II, 3.ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 209).

Portanto, todo ato praticado em nome da soberania do Estado estrangei-ro, na qualidade de agente diplomático em outro país, bem como aqueles decorrentes de contratos públicos fi rmados em outro Estado em nome do próprio Estado estrangeiro são atos de império desse. Por outro lado, os atos de gestão são aqueles nos quais o Estado estrangeiro age em outro Estado como particular em atividades tipicamente negociais, privadas, que não têm relação direta com a soberania do Estado estrangeiro, nem com as suas ativi-dades estritamente diplomáticas ou consulares; ou seja, “quando um estado exerce atividade que, por natureza, se acha aberta a todos [os particulares do outro Estado]” (Cfr. Mello Bolson, A imunidade de Jurisdição do Estado, in Revista LTr, n.º 35, São Paulo: LTr, p. 600).

Na espécie, segundo os contornos delineados na petição de fl s. 02/99, os atos praticados pelo Estado estrangeiro consistiram na participação de seus agentes diplomáticos, militares e do serviço de inteligência no movimento que resultou na implantação da ditadura militar em 1964, que depôs o ex-Presidente João Goulart.

Contudo, não se pode sequer inferir dos autos, — pelo menos no estado em que se encontram, se a prática (suposta) de tais atos foram aprovados ou não pelo senado norte-americano, já que atentavam contra a soberania do Estado brasileiro, ou se se tratavam de “ações extra-ofi ciais” determinadas e executadas pelo governo da época.

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Força é convir, ao ensejo, que essas e outras informações complementares não são despiciendas à formação de um juízo decisório, haja vista a celeu-ma em torno da classifi cação dos atos supostamente praticados pelos agentes estadunidenses no território nacional nessa ação supostamente subversiva. Ademais, “por mais destra que seja a distinção [entre atos de império e atos de gestão], ela esbarra com uma contradição lógica insuperável. Para qualifi car os atos de um Estado estrangeiro, deve o juiz poder conhecer o litígio, sendo exatamente a possibilidade de tal conhecimento, a matéria questionada.(...)”. (Cfr. Guido Fernando Silva Soares. Op. Cit., p. 118) (grifei).

Portanto, diante da complexidade que o tema encerra, qualquer classifi -cação que se pretenda realizar dos atos apontados na exordial, no estado em que o processo se encontra, sem que se oportunize a manifestação formal dos Estados Unidos da América do Norte a esse respeito, revela-se precipitada e perfunctória, em nada contribuindo ao desenvolvimento do conceito hodier-no de imunidade relativa ou estrita de jurisdição. Nesse sentido, sustentando a indispensabilidade de citação de Estado estrangeiro para a defi nição dos contornos de uma controvérsia, tem-se o RO n.º 41 — RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, 2a. Turma, DJ 28.02.2005, assim redigido:

“A imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros comporta algumas exceções, havendo, outrossim, divergência jurisprudencial, nessa Corte, a respeito dos seus limites, conforme se observa das decisões havidas nos jul-gamentos proferidos nos Recursos Ordinários 6/RJ, 7/RJ, 35/RJ e 36/RJ. Portanto, denotou-se precipitado o indeferimento da inicial da presente exe-cução fi scal sem que fosse citada a República Italiana, a fi m de que fi cassem delineados os contornos da lide. Com essas considerações, dou parcial pro-vimento ao recurso ordinário, para afastar o indeferimento da inicial, deter-minando a continuidade da execução, com a citação da executada.” (grifei).

Quanto, ainda, à imprescindibilidade de citação do Estado estrangeiro quando é demandado, considerando-se que “nenhum Estado soberano pode ser submetido, contra sua vontade, à condição de parte perante foro domés-tico ” (grifei) (Francisco Rezek, Direito Internacional Público, São Paulo: Ed. Saraiva, 1991, p. 175), não se pode deixar de ventilar a possibilidade, mesmo que remota, de os Estados Unidos da América renunciarem à (em tese) imu-nidade, consentindo no exercício da jurisdição local e, conseqüentemente, no prosseguimento da ação indenizatória, sem que se faça necessário qualifi car os atos, supostamente, praticados pelos agentes da C.I.A. como atos de impé-rio ou atos de gestão. Oportunamente, como se infere das decisões proferidas no RO n.º 39, Rel. Min. Jorge Scartezzini, 4a. Turma, DJ 06.03.2006, em que um paranormal mineiro pleiteava o pagamento de recompensa dos Esta-

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dos Unidos da América por ter informado o local do esconderijo de Saddam Hussein, ex-presidente do Iraque, mesmo antes de ser defl agrada a Guerra do Iraque, e RO n.º 13, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4a. Turma, em que quatro brasileiros negros pleiteiam da República de Portugal ressarcimen-to pelos danos materiais e morais experimentados em razão de tratamento, em tese, ríspido e preconceituoso dispensado por inspetores da imigração portuguesa, o entendimento pela citação/notifi cação do Estado estrangeiro demandado para que se manifeste sobre uma eventual renúncia à imunidade de jurisdição vem se consolidando neste C. Tribunal.

Ademais, colocada a sentença proferida neste contexto, mesmo que se ad-mita que os Estados Unidos da América do Norte são imunes à jurisdição brasileira, não decorre obrigatoriamente daí a conclusão de que o pleito in-denizatório formulado pelos ora recorrentes seja juridicamente impossível. Sobre a questão, esclarece Antenor Pereira Madruga Filho que:

“(...). O fato de o réu ser imune à jurisdição não signifi ca que o pedido é juridicamente impossível. Um pedido é juridicamente impossível, como explicam Cintra, Grinover e Dinamarco, “quando não tem a menor con-dição de ser apreciado pelo Poder Judiciário sem qualquer consideração das peculiaridades do caso concreto”. A impossibilidade jurídica do pedido não permite o prosseguimento da ação ainda que o réu consinta no exercício da jurisdição, pois a possibilidade de prestação jurisdicional estaria excluída pelo ordenamento jurídico. O exemplo clássico é a ação de divórcio nos países em que o casamento é indissolúvel. Situação completamente diferente é a ação contra Estado Estrangeiro que, mesmo nas situações em que a análise do caso concreto indique haver imunidade de jurisdição, a prestação jurisdicional será ainda possível se houver renúncia à prerrogativa.” (A Renúncia à Imuni-dade de Jurisdição pelo Estado Brasileiro e o novo Direito da Imunidade de Jurisdição, Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2003, p. 237/238).

Corroborando esse entendimento, José Ignácio Botelho de Mesquita pondera:

“Sob essa perspectiva, a existência da competência internacional constitui uma condição da ação. Que condição seria essa? Obviamente não se cuida de falta de interesse processual, nem de legitimação para a causa, nem de possibilidade jurídica. Aliás a exclusão da hipótese de se tratar de falta de possibilidade jurídica foi muito bem demonstrada pelo Prof. ANTENOR MADRUGA na sua tese de concurso. Suposto que, perante o órgão inter-nacionalmente incompetente, seja proposta uma ação para condenação do devedor ao pagamento de quantia certa, fi ca perfeitamente claro que o defei-to aí existente não é de impossibilidade jurídica do pedido, pois nada é mais

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comum do que uma ação como essa” (Questões procedimentais das ações contra Estados e organizações internacionais, in A imunidade de jurisdição e o Judiciário brasileiro/ coordenação por Antenor Pereira Madruga Filho e Márcio Garcia. Brasília: CEDI, 2002, p.216/217).

Forte em tais razões, DOU PROVIMENTO ao presente recurso ordi-nário, para afastar o indeferimento da inicial e a extinção do processo sem resolução do mérito, na forma do art. 267, IV e VI, determinando a con-tinuidade da ação de conhecimento, com a citação dos Estados Unidos da América do Norte na pessoa de seu Chefe da Missão Diplomática no Brasil.

ESCLARECIMENTOSO SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Sr. Presidente,

ouvi com a maior atenção o belo voto da eminente Ministra Nancy Andrighi, mas, na verdade, a minha posição se me afi gura diversa.

Em primeiro, parece-me ser plenamente possível a identifi cação, no caso, da natureza do ato praticado. Ato de império, e não de gestão.

Tivemos dois precedentes: o Recurso Ordinário nº 39, de que foi Relator o eminente Ministro Jorge Scartezzini, e a questão era interessante. Tratava-se de um vidente do Estado de Minas Gerais, que, antes da Guerra do Iraque, previu onde Saddam Hussein se esconderia, e, efetivamente, enviou cartas à Embaixada Americana, à Casa Branca, cartas registradas com data etc. — an-tes da guerra do Iraque —, prevendo, realmente, que em uma determinada cidade nos arredores, quer dizer, não distante de Bagdá, seria ele encontrado em um buraco, com a descrição do local etc., e, como isso aconteceu, ingres-sou com uma ação pedindo a recompensa oferecida pelo Governo America-no, que era, salvo engano, de vinte e cinco milhões de dólares.

O entendimento da Quarta Turma foi no sentido de que havia imunidade de jurisdição, mas poderia ser contornada, se, porventura, o Estado estrangei-ro voluntariamente decidisse se submeter à jurisdição nacional. Como havia sido julgado extinto o processo — a mesma situação daqui —, determinou-se que o processo fosse revitalizado, mas apenas para que houvesse a intimação dos Estados Unidos com esse propósito específi co, ou seja, já reconhecido que ele tem imunidade de jurisdição, que ele, efetivamente, se pronunciasse se renunciava ou não à sua imunidade, para que pudesse ser processado pe-rante a Justiça brasileira.

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Depois, seguiu-se um outro precedente, de que sou Relator e ainda não foi publicado, o Recurso Ordinário nº 13, contra a República de Portugal, que envolvia quatro brasileiros, que alegavam tratamento discriminatório pela imigração daquele país, seguida de deportação.

A SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (RELATORA): Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior, cito esses dois casos, detalhadamente, no meu voto: eram quatro brasileiros negros que pleiteavam, da República de Portugal, o ressarcimento por danos morais, experimentados em razão do tratamento ríspido ou preconceituoso que lhes tinha sido dispensado por um inspetor na alfândega da imigração portuguesa.

O SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: E como eles fo-ram repatriados para o Brasil — não puderam entrar no território português —, ingressaram com a ação. O juiz, da mesma forma, julgou o processo ex-tinto por impossibilidade jurídica, e a determinação da Turma foi no sentido, também, de que houvesse a manifestação da República Portuguesa sobre a renúncia à imunidade de jurisdição, porque, também naquele caso se carac-terizava ato de império. E a eminente Ministra Relatora distinguiu bem, pelo conceito doutrinário, o que seria ato de império e ato de gestão.

No caso dos autos, parece-me que já posso concluir que se cuida de ato de império pela natureza. Nessas circunstâncias, reconheço a imunidade de jurisdição.

Efetivamente, tem havido uma relativização da imunidade, mas não ainda nessa extensão. Parece-me que fazer a citação dos Estados Unidos tão-somen-te para defesa, sem que se já reconheça que ele tem imunidade — porque o caso é de ato de Estado mesmo — já implica em submeter um país estran-geiro à nossa jurisdição. E tanto é assim, que na citação, pura e simples, já se adverte sobre a pena de revelia, etc.

De modo que as conseqüências de uma e outra posição são diferentes. Não se pode promover citação, com os efeitos do art. 219 do CPC, o que propõe a ilustre relatora, a quem, salvo anuência expressa e prévia, não está subordinado à jurisdição nacional.

Parece-me, eminente Relatora, que, na situação, talvez até com maior clareza ainda que nos outros dois precedentes que enfrentamos na Quarta Turma, haveria imunidade de jurisdição — não consigo verifi car como se pudesse passar adiante.

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A SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (RELATORA): Pelo o que entendi do voto do Sr. Ministro Jorge Scartezzini e do de V. Exa., não me pareceu e, agora estou entendendo melhor, pela explicação de V. Exa., que V. Exas. tenham dito “é ato de gestão ou é ato de império e cite-se para ele exercitar o direito de não se submeter à jurisdição”.

Ora, penso que é imprescindível a citação, porque ele pode dizer que não aceita a jurisdição, e essa família terá que procurar outros caminhos. O que não concordo é dizer que o pedido é juridicamente impossível e, no caso concreto, foi dito isso. O pedido não é juridicamente impossível.

Em segundo lugar, o direito de se instalar a jurisdição, porque, quem sabe, por um milagre, os Estados Unidos resolvam responder por que atracaram esse navio em águas brasileiras — não se sabe.

O que penso é que não precisa caracterizar, dizer se, efetivamente, é ato de gestão ou ato de império; basta mandar citá-lo e ele que exercite o seu direito. O que não pode passar, no meu entendimento, e pareceu a mim que V. Exas., na Quarta Turma, também fi zeram isso, é que o Estado venha a alegar a sua imunidade. Nesse caso, respeitaremos. Mas, por hora, o nosso jurisdicionado tem o direito de ajuizar uma ação e de pretender que a nação norte-americana até diga por que fez isso e por que, tantos anos depois, um membro diplomático vá contar essa história.

Confesso, Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior, que eu tinha entendido equivocadamente, tanto que me supedaneei nesses dois votos, um de V. Exa. e outro do Sr. Ministro Jorge Scartezzini, para sustentar o dever que temos, primeiro afastando a impossibilidade jurídica do pedido, porque esta não existe e, segundo, porque, com a citação, o Estado Norte-Americano terá o direito de dizer que não aceita a jurisdição.

VOTOO SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: É exatamente

nesse ponto que reside a minha divergência.

Entendo que, se não for feita a ressalva, ao determinar a citação do Estado estrangeiro, já o estarei submetendo, automaticamente, à nossa jurisdição. E, na verdade, já estarei reconhecendo aqui que, se ele não abrir mão da sua imunidade, de acordo, pelo menos, com os nossos precedentes, sequer posso dar o andamento, quer dizer, é condição sine qua non que o Estado estran-geiro concorde em se submeter. É alguma coisa prévia à citação, porque, com

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a citação, já estou automaticamente reconhecendo a possibilidade jurídica do pedido, independentemente de o suplicado — os Estados Unidos — ma-nifestarem ou não. Confesso a V. Exa. que se fosse outra situação, um ato negocial do Governo Norte-Americano, uma relação de contrato — e isso já está, inclusive, superado pela jurisprudência —, sem dúvida, acompanharia V. Exa.; mas, nesse caso, ao determinar a citação sem fazer essa ressalva já es-taria, automaticamente, impondo uma defesa ao Governo Norte-Americano e ressalvo que não estou entrando no mérito do que aconteceu. Penso que tudo isso que a Sra. Ministra Nancy Andrighi declarou está correto em re-lação à expectativa de se ter até uma outra visão histórica do que ocorreu, o respeito à família. Não estou discutindo isso, em absoluto; apenas que aqui é uma questão de se entender até onde a jurisdição brasileira pode ir. Então, o que extraio dos nossos precedentes é isso: que não se determina a citação para defesa. Já se reconhece a imunidade de jurisdição e se oportuniza ao outro país aceitar ou não a jurisdição nacional. Só aí, então, se ele concordar, é que se promove a citação para os efeitos da lei processual.

A minha divergência é em função apenas disso.

ESCLARECIMENTOSA SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (RELATORA): Sr. Presiden-

te, só fazendo uma pequena observação: citar, nessa hipótese específi ca, é diferente; o efeito citatório, quando está em jogo a questão de imunidade de jurisdição, do efeito de citação de uma ação comum, normal, um acidente de trânsito.

Quando sou citada para responder uma ação indenizatória de acidente de trânsito, sei que tenho que me defender, mas, neste caso, existe a singularida-de da ação. E ele exercita o seu direito de imunidade simplesmente dizendo que não aceita a jurisdição brasileira.

Então, parece-me que não é uma capitis diminutio ao Governo Norte-Americano, à Nação Norte-Americana, receber essa citação porque ela pode-rá, simplesmente, em uma frase, dizer que não aceita. Penso que é diferente o efeito citatório das ações correntes desta, especifi camente.

O SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: O juiz extinguiu por entender que se trata de ato de império. Então, a questão, num ponto, está hoje centrada nisso. De fato, no meu entendimento, é ato de império, não é de gestão, isso está claríssimo na inicial, pela descrição dos fatos: po-sicionar navio de guerra em águas territoriais brasileiras, fi nanciamentos a candidatos opositores ao regime Jango Goulart, apoio logístico da CIA, etc.

(...)

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VOTOO SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (PRESI-

DENTE): Srs. Ministros, o que me parece é que a citação, na verdade, é um simples chamamento do réu. Ela pode ser respondida com a contestação, pode ser respondida com a exceção de incompetência, que haveria, seria uma espécie de exceção de incompetência com a resposta: “Não me submeto”. E, nessa circunstância, pedirei vênia ao eminente Ministro Aldir Passarinho Junior para acompanhar a eminente Ministra Relatora, evidentemente.

ESCLARECIMENTOSA SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (RELATORA): Sr. Presiden-

te, V. Exa. usará o dispositivo do § 3º do art. 181 do Regimento Interno para chamar outro Ministro? Porque, daí computamos esses votos.

O dispositivo diz o seguinte:

“Art. 181. A decisão da Turma será tomada pelo voto da maioria absoluta dos seus membros.

§ 1º (...)§ 2º. (...)§ 3º. Persistindo a ausência, ou havendo vaga, impedimento ou licença,

por mais de um mês, convocar-se-á Ministro de outra Turma (art. 55).”

Então, fi cam tomados esses votos.

VOTO-VISTAO EXMO. SR. MINISTRO SIDNEI BENETI:

1.— Meu voto negava provimento ao Recurso Ordinário, com funda-mento na imunidade jurisdicional do Estado estrangeiro acionado, man-tida a sentença de extinção do processo, com cancelamento, contudo, de um de seus fundamentos. Orientou-se, meu voto, por sentido diverso do sentido dos votos da E. Ministra NANCY ANDRIGHI, Relatora, acom-panhado pelo voto do E. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, os quais determinavam a citação do acionado para responder à ação, e dos votos do E. Min. ALDIR PASSARINHO, acompanhado pelo voto do E. Min. ARI PARGENDLER, que determinavam a prévia ouvida do acionado para manifestar-se a respeito de renúncia à imunidade, de modo que, pelo meu voto, reconhecida a imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro acionado e mantinha o indeferimento da petição inicial.

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Os autores, viúva e fi lhos do Ex-Presidente da República João Goulart, moveram, no dia 25.06.2003 (distribuição, fl s. 2), ação de indenização, por danos morais e patrimoniais, contra os ESTADOS UNIDOS DA AMÉRI-CA DO NORTE, expondo, como consta da precisa síntese da E. Relatora, Min. NANCY ANDRIGHI: “Como causa de pedir, alegam os ora recorren-tes que, na qualidade, respectivamente, de viúva e fi lhos do ex-Presidente da República, João Goulart, tiveram prejuízos pessoais e fi nanceiros em razão da deposição do ex-Presidente João Goulart pelo movimento que resultou na implantação da ditadura militar em 1964 e que, em 2002, o ex-embaixador dos Estados Unidos da América, Lincoln Gordon, teria confessado, em seu livro, a participação daquele país na deposição do ex Presidente João Gou-lart; o que seria corroborado por telegrama datado de 30 de março de 1964, enviado pelo Departamento de Estado daquele país à sua Embaixada no Bra-sil, inclusive “com fi nanciamento a candidatos congressistas opositores ao ex-Presidente João Goulart, apoio logístico da “CIA” (‘Central Intelligence Agency” — Agência Central de Inteligência do Governo norte-americano); o que ensejou a perseguição dos autores pelos militares brasileiros, sofrimento de constantes ameaças de morte, bomba, de seqüestro e a completa ruína fi nanceira (fl s. 02/99).”

2.— A petição inicial foi indeferida por sentença proferida pelo Juiz Fe-deral FERNANDO CÉSAR BAPTISTA DE MATTOS no dia 10.11.2003 (Vol. 5, fl s. 1004/1006), com fundamento no art. 267, IV e VI, do Cód. de Proc. Civil, com base na imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro, acionado, fazendo-o, a sentença, sob motivação cujo núcleo é o seguinte: “A imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro tem sido relativizada pela doutrina, pela legislação e pela jurisprudência dos diversos países, nos lití-gios versando sobre matéria trabalhista e mesmo de responsabilidade civil, hipóteses em que o Estado estrangeiro, em verdade, está praticando atos de gestão, os quais não se confundem com os atos de império ”, sendo que “des-tes últimos precisamente cuida a hipótese analisada, já que os atos alegados teriam sido praticados por agentes dos Estados Unidos da América, quando em serviço no país”. A sentença cita precedente do C. Supremo Tribunal Fe-deral, AI 139671-Agr-DF, Rel. o E. Min. CELSO DE MELLO (1ª. Turma, j. 29.03.1996, p. 9348).

3.— Os autores apelaram para o E. Tribunal Regional Federal da 2ª Re-gião (fl s. 1011/1097). A D. Procuradoria Regional da República — 2ª Re-gião, manifestando-se por intermédio do E. Procurador Regional da Repú-blica ROGÉRIO DE PAIVA NAVARRO, opinou pelo improvimento do recurso (fl s. 1096/1107). Decisão monocrática proferida pelo E. Des. Federal BENEDITO GONÇALVES no dia 28.2.2007, declinou da competência

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para este Tribunal, com fundamento no art. 105, II, “c”, da Constituição Federal de 1988 (fl s. 1110/1114)

4.— Recebidos os autos neste Tribunal como Recurso Ordinário, a D. Procuradoria Geral da República, manifestando-se por intermédio do E. Subprocurador-Geral da República DURVAL TADEU GUIMARÃES, opi-nou pelo não provimento do Recurso (fl s. 1120/1125)

5.— O voto da E. Relatora, Min. NANCY ANDRIGHI, e o voto do E. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS dão provimento ao recurso, afastando o indeferimento da inicial e a extinção do processo por impossi-bilidade jurídica do pedido, bem como deferindo a citação do acionado, ao passo que o voto do E. Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR determina a manifestação do acionado a respeito de aceitar, ou não, a jurisdição brasileira, já reconhecido, contudo, o direito à imunidade jurisdicional.

É o relatório.

6.— Preliminares.— As considerações que norteiam o presente voto são eminentemente jurídicas, fundadas exclusivamente no sistema jurídico nacional e internacional. Não se consideram os diversos aspectos de outra natureza dos fatos ocorridos no país, os quais resultaram na destituição do E. Presidente da República João Goulart e no extremo sofrimento pelo qual passaram seus familiares, ora autores.

Impossível, contudo, omitir o registro da emoção em examinar os relatos e documentos dos autos e em ouvir as sustentações orais, uma das quais rea-lizada por neto do E. Presidente da República, revivendo a história do país, a que todos pertencem.

Permita-se manifestar à memória do E. Presidente da República e aos seus familiares profunda consideração pessoal.

7.— Imunidade jurisdicional.— O caso é de evidente imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro acionado.

A jurisdição, poder de dizer o Direito, deriva da soberania nacional e é, em regra, exercida nos limites territoriais desta, restando os Estados estrangeiros imunes a essa jurisdição porque, de sua parte, exercem igualmente a própria jurisdição, respeitando a imunidade jurisdicional dos demais Estados. As-sim escreve MATHIAS HERDEGEN: “As regras da imunidade do Estado limitam a submissão de um Estado à jurisdição de outro Estado. Como base

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subjacente ao raciocínio jurídico, situa se ao fundo da imunidade estatal a manifestação da igualdade soberana dos Estados, a saber, a máxima “par in parem non habet imperium ”. (MATHIAS HERDEGEN, “Volkerrecht”, München. Verlag C. H. Beck, 7. Aufl . 2008, p. 253.).

HAROLDO VALLADÃO leciona: “Imunidade internacional de jurisdi-ção é a isenção para certas pessoas, da jurisdição civil, penal e administrativa, por força de normas jurídicas internacionais, originalmente costumeiras, pra-xe, doutrina, jurisprudência, ultimamente convencionais, constantes de tra-tados e convenções”. (HAROLDO VALADÃO, ‚Direito Internacional Pri-vado — Parte Especial‘, v. III, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1978, p. 145.).

LUIZ CARLOS STURZENEGGER: “Como entes soberanos, desfrutam os Estados, no plano internacional, de certas imunidades. Quando na prática de atos protegidos por imunidade, o primeiro direito que se lhes reconhece é o de não se submeterem à jurisdição de outro Estado soberano. A esse privilé-gio dá-se o nome de ‚imunidade de jurisdição”. (LUIZ CARLOS STURZE-NEGGER, Imunidades de jurisdição e de execução dos Estados: proteção a bens de bancos centrais, in ‚Revista de Direito Administrativo‘ v. 174, Rio de Janeiro, Ed. Fundação Getúlio Vargas, out.-dez./1988, pp. 19/20.)

8.— Imunidade relativa.— É pacífi co que a imunidade jurisdicional não é mais absoluta, referentemente a todos os atos praticados pelo Estado estran-geiro e por seus representantes, contra os quais se pretenda exercer a jurisdi-ção nacional. A imunidade, efetivamente, vem sendo relativizada, de acordo com a natureza do ato praticado pelo Estado estrangeiro, determinadora da natureza da relação jurídica de direito material trazida a juízo.

FRANCISCO REZEK explica que “a idéia da imunidade absoluta do Estado estrangeiro à jurisdição local começou a desgastar-se já pela segunda metade do século XX nos grandes centros internacionais de negócios, onde era natural que as autoridades reagissem à presença cada vez mais intensa de agentes de soberanias estrangeiras atuando não em funções diplomáticas ou consulares, mas no mercado, nos investimentos, não raro na especulação”, e “uma Convenção Européia sobre Imunidade do Estado, concluída em Basi-léia em 1972, exclui do âmbito da imunidade as ações decorrentes de contra-tos celebrados e exeqüendos in loco.

Dispositivo semelhante apareceria no State Immunity Act, que se editou na Grã-Bretanha em 1978.

Lei norte-americana anterior — o Foreign Sovereign Immunities Act, de 1976 — não chegara a esse ponto, mas abolira a imunidade nos feitos relacio-

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nados com danos (ferimentos ou morte) produzidos pelo Estado estrangeiro no território local”. (FRANCISCO REZEK, Direito Internacional Público, São Paulo, Saraiva, 11a ed., 2008, p. 175 e 177).

E CELSO D. DE ALBUQUERQUE MELLO, por sua vez, assinala:

“Entretanto, tudo indica que a idéia de uma imunidade relativa parece ter surgido na Bélgica e na Itália, sendo que a Bélgica o faz desde 1840 e existe uma decisão de 1903 em que se consagra a distinção entre atos públicos e privados”. (CELSO DUVIVIER DE ALBUQUERQUE MELLO, “Direito Constitucional Internacional”, Rio de Janeiro, ed. Renovar, 2a ed., 2000, p. 351.)

9.— Atos de império e de gestão.— A distinção entre os atos do Estado estrangeiro protegidos pela imunidade de jurisdição e os em que esta não abroquela a ação judicial contra ele traçou-se, doutrinária e jurisdicionalmen-te, segundo “um entendimento restritivo do privilégio, à base da distinção entre atos estatais jure imperii e jure gestionis ” (FRANCISCO REZEK, ob. cit., p. 175.).

A mesma distinção apresenta-se sob outras nomenclaturas, como a de o Estado estrangeiro em um caso agir como poder público e em outro atuar como simples particular (Código Bustamante, de 1928, art. 333), ou em consideração a o ato haver sido praticado segundo a fi nalidade —— ato de serviço público ou ato de comércio (BOUREL, apud CELSO DUVIVIER DE ALBUQUERQUE MELLO, “Direito Constitucional Internacional”, Rio de Janeiro, ed. Renovar, 2a ed., 2000, p. 353.) — nomenclaturas que, a rigor, voltam à distinção entre atos de império e atos de gestão (CELSO DUVIVIER DE ALBUQUERQUE MELLO, “Direito Constitucional In-ternacional”, Rio de Janeiro, ed. Renovar, 2a ed., 2000, p. 353). A distinção prossegue sendo utilizada sob a opinião comum, contudo, de que “se deve levar em consideração o caso concreto”, fato que “decorre, entre outras ra-zões, do aspecto marcadamente político das relações internacionais” (CELSO DUVIVIER DE ALBUQUERQUE MELLO, “Direito Constitucional In-ternacional”, Rio de Janeiro, ed. Renovar, 2a ed., 2000, p. 353.)

Atos de império, nas palavras de J. F. LALIVE, “podem ser considerados como sendo os seguintes: a) atos legislativos; b) atos concernentes à ativida-de diplomática; c) os relativos às forças armadas; d) atos da administração interna dos Estados; e) empréstimos públicos cobrados no estrangeiro. (J. F. LALIVRE, “L’immunité de jurisdiction des etats et des organizations inter-nationales”, in Recueil des Cours de l’Académie de Droit International de la Haye, 1953, vol. III, t. 84, págs. 285 e 286, ª W. Sijthoff , Leyde, apud CEL-

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SO DUVIVIER DE ALBUQUERQUE MELLO, “Direito Constitucional Internacional”, Rio de Janeiro, ed. Renovar, 2a ed., 2000, p. 353 e 363).

JOSÉ CARLOS DE MAGALHÃES assinala: “O Estado, que se manti-nha afastado das atividades próprias e típicas da comunidade, adotou, pro-gressivamente, postura diversa. De fato, com a intervenção dos Estados na economia, alterou-se o quadro em que se moldou o princípio da imunidade de jurisdição. O Estado deixou de ser apenas a entidade organizada da comu-nidade nacional destinada a representá-la na ordem internacional e a exercer funções políticas próprias e características, para ser, também, promotor do desenvolvimento nacional, infl uindo no processo econômico ativamente, ce-lebrando contratos comerciais e agindo como pessoa jurídica interessada em resultados econômicos. O princípio da imunidade de jurisdição, por isso, foi adaptando-se a essa realidade, preservando o seu fundamento: o Estado é imune à jurisdição de outro somente quando atua em sua qualidade específi ca e própria e no exercício de sua competência política. Já nos atos em que parti-cipa objetivando um resultado econômico, a imunidade de jurisdição passou a ser questionada e deixou de ser aceita pacifi camente”. (JOSÉ CARLOS DE MAGALHÃES, “Da imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro perante a Justiça brasileira, in JACOB DOLINGER (coord.), ‘A Nova Constituição e o Direito Internacional’, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1987, p. 210.)

O Professor MARCO GERARDO MONROY CABRA, com acuidade, classifi cou essas diferentes situações, da seguinte forma: “La teoria de la in-munidad absoluta evolucionó hacia la teoria de la inmunidad restringida que distingue cuando el Estado actúa como poder público en cuyo caso hay in-munidad y cuando actúa como persona de derecho privado en que no hay inmunidad. La teoría de los actos “iure gestionis” abarca los actos civiles y comerciales. Se admite por esta teoría que el Estado puede consentir en ser sometido a juicio ante un tribunal extranjero. Goldschmidt (GODSCHMI-DT, WERNER. “Sometimiento y sumisión de Estados a extraña jurisdic-ción, en La Ley, Tomo 156, página 1327, Buenos Aires, 14 de octubre de 1974) distingue dos casos: 1. El “Sometimiento”, que tiene lugar cuando el Estado extranjero se encuentra forzosamente sometido a los tribunales ex-tranjeros; y 2. La “Sumisión”, que acontece cuando se somete a ellos por un acto de su libre voluntad. La sumisión puede ser expresa si ha sido estipulada en el contrato o, en caso de haberse previsto arbitraje en el convenio arbi-tral. El consentimiento puede ser tácito cuando el Estado extranjero inicia acciones como demandante en cuyo caso no puede alegar inmunidad si es reconvenido. Igualmente, se entiende la aceptación de la jurisdicción de los tribunales extranjeros si el Estado contesta la demanda que se le hubiere ins-taurado, sin cuestionar la competencia. Si el Estado extranjero no renuncia a

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su inmunidad pero accede a una demanda arbitral se tiene por entendida la renuncia a la inmunidad. La inmunidad de jurisdicción puede ser renunciada por via convencional. Un ejemplo son los tratados de inversiones extranje-ras celebrados en los últimos tiempos ”. (MARCO GERARDO MONROY CABRA. “Derecho procesal civil internacional”, Santafé de Bogotá, Colom-bia, Ediciones Librería del Profesional, 1a ed., 2000, p. 14-15).

De qualquer forma, a imunidade é a regra, porque o agir do Estado em princípio situa-se na sua atividade política, regida pelo Direito Internacional e sujeita aos regramentos e sanções desse direito, no concerto das relações internacionais. A ausência de imunidade, decorrente da relativização desta, é a exceção, surgindo no tocante as atividades concretas do Estado estrangeiro, das quais surjam obrigações do tipo internacionalmente reconhecido como passíveis de acionamento segundo as regras judiciárias do Direito nacional do Estado em que se acionem. Como explica RENZO PROVINCIALI: “pela relação pertencente ao ordenamento jurídico internacional, a jurisdição do Estado não pode ser submetida à jurisdição de outros Estados. Por conse-qüência, o problema da imunidade jurisdicional dos Estados estrangeiros põe-se sobretudo relativamente às relações que incidam no âmbito do orde-namento interno pelas relações em que o Estado estrangeiro é parte no pró-prio ordenamento como sujeito de direito privado” (RENZO PROVINCIA-LI, “L’Immunità Giurisdizionale deggli Satti stranieri”, Milano, CEDAM, 1933, p. 4.)

Nesse contexto, no exemplo de GAETANO MORELLI, incluem-se como atos de gestão os praticados no caso de navios pertencentes a Estado estrangeiro, destinados ao comércio, os quais estão sujeitos às regras ordi-nárias de direito processual. (GAETANO MORELLI, Diritto processuale civile internazionale, pp. 151-152, apud AMILCAR DE CASTRO, “Direito Internacional Privado”, Rio de Janeiro, Forense, 6a ed., 2008.)

HILDEBRANDO ACIOLLI, fazendo coro com pacífi ca doutrina, realça: “Como quer que seja, já se nota forte tendência contra a manutenção da dou-trina da absoluta imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros. Onde, porém, a mesma prevalece, tem-se admitido, em geral que o princípio só não é aplicável quando o próprio Estado renuncia à dita imunidade expressa ou tacitamente” (HILDEBRANDO ACCIOLY, “Manual de Direito Interna-cional Público”, rev. Nascimento e Silva, São Paulo, Saraiva, 13ª edição)

A evolução histórica internacional no sentido da relativização da imunida-de de jurisdição foi também assinalada, entre outros, por GUIDO SOARES, em obra clássica: “A partir de meados do século passado, em especial na Bél-gica, Itália e Egito, foi a jurisprudência abrandando os princípios da imuni-

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dade absoluta do Estado, através de engenhosas construções jurídicas, que J. F. LALIVE agrupa em três tipos principais: a) interpretação extensiva da idéia de renúncia; b) noção de que uma entidade juridicamente distinta do Estado é sujeita ao direito comum, ainda que o Estado seja seu proprietário, gerente ou administrador; c) distinção entre acta jure imperii de um lado, e de outro acta jure gestionis (também denominados acta jure negotii), distinção essa que pode tomar outras formas de oposição dualista: atos praticados enquanto poder público ou atos de natureza privada” (GUIDO FERNANDO SILVA SOARES, “Das Imunidades de Jurisdição e de Execução”, Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 117.).

10.— Casos de imunidade relativa.— A orientação do C. Supremo Tri-bunal Federal e, agora, deste Superior Tribunal de Justiça, tem, realmente, evoluído no sentido da relativização da imunidade de jurisdição em casos determinados, registrando-se, entre outros, os seguintes casos:

1) Causas trabalhistas: STF-31.05.1989 — AC nº 9.696-3, Rel. Min. SYDNEI SANCHES — Geny de Oliveira x República Democrática Ale-mã; STJ-Apel. 02/DF, Rel. Min. BARROS MONTEIRO — Paulo da Silva Valente x Estados Unidos da América; STJ-Agr. Inst. 230.684, Rel. Min. BARROS MONTEIRO — Paulo da Silva Valente x Estados Unidos da América do Norte; STJ-RO 23, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR — Anna Sara dos Anjos Meira x Consulado Geral do Japão; STF — Agr. Instr. 139.671-8, Rel. Min. CELSO DE MELO — Paulo da Silva Valente e outro x Estados Unidos; STJ-RO 01, Rel. Min. CLAUDIO DOS SANTOS — Alfredo Dias de Dios x Consulado Geral da Venezuela.

2) Cobrança de débitos contratuais: STJ-Apel. 07/BA, Rel. Min. EDU-ARDO RIBEIRO — Manoel Alves de Souza x Consulado de Portugal; STJ — Agr. Instr. 757, Vitral Vidros Planos Ltda x República Socialista da Tche-coslováquia — Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO;

3) Indenização por acidente de veículo: STJ — Agr. Instr. 36493-2, Rel. Min. ANTONIO DE PÁDUA RIBEIRO, Neusa Rigo e outro x Reino Uni-do da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte;

4) Cobrança de impostos e taxas em decorrência de serviços específi cos: STJ— RO 6, Rel. Min. GARCIA VIEIRA — Município do Rio de Janeiro x Consulado do Japão; STJ-RO 41, Rel. Min. ELIANA CALMON — Mu-nicípio do Rio de Janeiro x República Italiana;

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5) Cobrança de promessa de recompensa: STJ-RO 39, Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI — Jucelino Nóbrega da Luz x Estados Unidos da América;

6) Indenização por danos sofridos devido a perseguição política: RO 64, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, Salomon Simon Fryman x República Fe-deral da Alemanha, reformulando anterior orientação do RE 436711, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS — Hirsch Zamel x República Federal da Alemanha;

7) Indenização devido à recusa de ingresso por agentes de imigração: RO 13, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR — Giovane José Alves Pe-reira e outros x República de Portugal e RO 70, Rel. Min. NANCY ANDRI-GHI, Gabriel Diniz da Costa x Nova Zelândia.

11.— Conseqüências processuais.— Diante da imunidade do Estado estrangeiro à jurisdição nacional, evidente a inviabilidade do ajuizamento contra ele realizado. Se o Estado estrangeiro é imune ao alcance da jurisdição nacional, não há juridicamente como submetê-lo a ação ou a processo.

Delicada a qualifi cação jurídico-processual do provimento do Juízo, que, re-conhecendo a imunidade, julga extinto o processo sem julgamento do mérito.

Em muitos sistemas jurídicos, em que a alternativa para o Juízo se limita à constatação de existência de obstáculo de julgamento do mérito, extinguin-do-se o processo no caso de ausência de algum requisito que o impeça — sem necessidade de apontar a falta de condição da ação ou de pressuposto pro-cessual, essa seria uma falsa questão. No sistema processual brasileiro, contu-do, em que, nas origens do pensamento de CHIOVENDA e LIEBMAN, se distinguem pressupostos processuais e condições da ação, apresenta-se a sutil distinção, que se tem de realizar.

Diante da imunidade jurisdicional do Estado estrangeiro, ao processo fal-taria condição da ação (CPC, art. 267, VI) ou pressuposto processual (CPC, art. 267, IV)? Relembre-se que a sentença do caso, não entrando nas dis-tinções que a matéria enseja, simplesmente indeferiu a petição inicial, com fundamento no art. 267, IV e VI, do Cód. de Proc. Civil, isto é, por falta de pressuposto processual e de condição da ação, não especifi cando, contudo, qual dos pressupostos e qual das condições ausentes.

12.— Ausência de condição da ação.— Não se está diante de impossi-bilidade jurídica do pedido. Impossibilidade jurídica do pedido é a inade-quação da pretensão em tese ao ordenamento jurídico vigente. A pretensão

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é indenizatória, o que é inquestionavelmente cabível de acordo com o or-denamento jurídico nacional., seja à luz do Código Civil de 1916, vigente à época do fato e à época do ajuizamento da ação (CC/1916, art. 159), seja do Código Civil de 2002 (CC/2002, art. 186 e 927), ora vigente, os quais unissonamente proclamam que quem por ação ou omissão provoca dano a outrem é obrigado a indenizar.

Com a precisão técnica que lhe é característica, JOSÉ IGNACIO BOTE-LHO DE MESQUITA ensina que a existência de imunidade, salvo renúncia, não caracteriza falta de pressuposto processual atinente ao órgão jurisdicio-nal, mas falta de condição da ação: “A falta de competência interna confi gu-ra falta de um pressuposto processual. A falta de competência internacional constitui um defeito muito mais grave, pois importa falta absoluta de poder jurisdicional, repercutindo no plano da ação e não mais do processo, apenas. A ação, como se sabe, é o direito de exigir do Estado a prestação da atividade jurisdicional, a que corresponde o dever do Estado de prestá-la. Se o Estado não tem o dever de prestar, por não ter jurisdição, deixa de existir o corres-pondente direito de ação. Assim, diferentemente da falta de competência interna, a falta de competência importa a falta do direito de ação, ou até mesmo a extinção desse direito se acaso existisse anteriormente” (JOSÉ IG-NACIO BOTELHO DE MESQUITA. Questões procedimentais das ações contra Estados e organizações internacionais. Em: A imunidade de jurisdição e o Judiciário brasileiro. Coordenadores MÁRIO GARCIA e ANTENOR PEREIRA MADRUGA FILHO, ed. CEDI, Brasília, 2002, p. 216).

Sem dúvida que adequado o enfoque. Diante da imunidade, a própria ação, isto é o agir do autor, não pode alcançar o Estado estrangeiro, de modo que da existência de imunidade decorre a falta de condição da ação.

13.— Opções processuais diante da inicial.— Firmado que o Estado estrangeiro será imune à jurisdição nacional no caso de prática de ato de im-pério (jus imperii), e que será sujeito à jurisdição nacional no caso de ato de gestão (jus gestionis), devem ser examinadas as opções que se abrem ao Juízo ao exame da petição inicial. A matéria é regida estritamente pelo Direito Pro-cessual nacional — em caso em que nem mesmo se acena com a interferência de tratado, convenção ou costume internacionais.

Na lição de JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, “Distribuída a pe-tição inicial, ou apresentada diretamente ao juiz, tem este dever de proferir o despacho liminar, no qual decidirá se o réu há de ser ou não citado. Por intui-tivas razões de economia processual, que impõem negar seguimento ao feito quando manifestamente inviável — ou seja, quando logo se puder perceber

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a impossibilidade de chegar-se ao julgamento de mérito —-, determina a lei que o órgão judicial, desde esse primeiro contato com a postulação do autor, efetue o controle da regularidade formal do processo e da admissibilidade da ação” (JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, “O Novo Processo Civil Brasileiro”, Rio de Janeiro, 1991, p. 27.)

Diante de toda petição inicial, segundo HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, abrem-se ao Juízo três opções, a saber: a) de deferimento da cita-ção: se a petição estiver em termos, o juiz a despachará, ordenando a citação do réu para responder (art. 285). É o chamado despacho positivo (...); b) de saneamento da petição: quando a petição inicial apresentar-se com lacunas, imperfeições ou omissões, mas esses vícios forem sanáveis, o juiz não a inde-ferirá de plano. Determinará que o autor a emende, ou a complete, no prazo de 10 dias” (...); c) de indeferimento da petição: do exame da inicial, ou do não cumprimento da diligencia saneadora de suas defi ciências pelo autor, pode o juiz ser levado a proferir uma decisão de caráter negativo, que é o indeferimento da inicial” (HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, “Curso de Direito Processual Civil, Vol. I, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2006, p. 394-395.).

NELTON DOS SANTOS, explicita a ausência de condições da ação como causa do indeferimento: “Indefere-se a petição inicial inepta, bem as-sim a que evidenciar a ausência de qualquer das condições da ação”(...) e, “se-gundo o par. 3º do artigo em análise, o juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos incisos IV, V e VI” (NELTON DOS SANTOS, in “Código de Processo Civil Interpretado”, Coord. Antonio Carlos Marcato, S. Paulo, Ed. Atlas, 2004, págs. 769 e 776.).

Finalmente, JOSÉ FREDERICO MARQUES é incisivo: “Verifi cando ictu oculi a inviabilidade manifesta do pedido de tutela jurisdicional, o juiz proferirá sentença de indeferimento” (JOSÉ FREDERICO MARQUES, “Manual de Direito Processual Civil”, 2º vol., S. Paulo, 19974, p. 43.)

14.— Exame da inicial no acionamento de Estado estrangeiro.-Diante do acionamento do Estado do estrangeiro, surgem as mesmas mo-

dalidades de enfoque da petição inicial. O juízo determinará a citação, caso a petição inicial preencha todos os seus requisitos legais; determinará o sanea-mento, se apresentar defeitos sanáveis; ou indeferirá a inicial, caso evidente a inviabilidade do acionamento.

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A peculiaridade estará apenas no caso de deferimento da citação, em que, devido à possibilidade de confi guração de imunidade de jurisdição, o Juí-zo deverá fazer constar do instrumento de citação que eventual alegação de imunidade deverá ser apresentada como preliminar de contestação (arcando o Estado estrangeiro acionado com os riscos de eventualmente limitar sua resposta à alegação de imunidade), para que ulteriormente o Juízo julgue a matéria preliminar, acolhendo, ou não, a imunidade e, em consequência, extinguindo, ou não, o processo.

Quanto ao indeferimento da petição inicial no caso de fl agrante inviabili-dade do acionamento, o acionamento de Estado estrangeiro não se diferencia do acionamento comum. Faltando condição da ação, a inicial será indeferida, julgado extinto o processo sem o julgamento do mérito. A imunidade ca-racteriza falta de condição da ação, mais grave do que a falta de pressuposto processual, como se viu na lição do Prof. JOSÉ IGNÁCIO BOTELHO DE MESQUIA. No caso de ato de império, haverá imunidade. Se esta se exte-rioriza à só leitura da petição da inicial, de rigor o indeferimento da inicial e a extinção do processo sem julgamento do mérito, por falta de condição da ação.

15.— Confi guração de ato de império no caso.— A petição inicial do caso expõe atividade do Estado estrangeiro acionado, que não pode ser ca-racterizada como ato de gestão, evidenciando-se, ictu oculi ao só exame da petição inicial, a ocorrência de ato decorrente de jus imperii do Estado es-trangeiro — de modo que não é o caso de deferimento do processamento inicial do ajuizamento, com a citação, nem mesmo de citação com efeitos condicionados à aceitação dessa mesma jurisdição nacional, só restando, o indeferimento de plano da petição inicial, exatamente como decidiu o Juízo Federal ora recorrido, devido a falta de condição da ação, mas suprimida a referência à ausência de pressupostos processuais (n. 12, supra).

Com efeito, a inicial expõe, na narração da causa de pedir, a atuação do Estado estrangeiro norteada por sua política externa, esclarecida na obra pu-blicada por um de seus então agentes diplomáticos, e a telegrama, reportan-do-se a ação estatal estrangeira a apoio estratégico e militar às forças que se aglutinaram no golpe de Estado de destituição do Presidente da República do Brasil. Não se trata de questões contratuais a envolver o Estado estran-geiro; não se cuida de descumprimento de obrigações de natureza pública ou particular assumidas pelo Estado estrangeiro — como ocorre nos casos trazidos nos precedentes, em que teria havido o não pagamento de débitos trabalhistas, o inadimplemento de contratos, a negação de relação jurídica decorrente de promessa de recompensa, a rejeição de ingresso de quem havia

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atado relação jurídica ao receber visto, pagando seus custos, de quem tivesse em seu prol relação jurídica direta e determinada, decorrente de ato ilícito concreto e individualizado, como o decorrente de danos conseqüentes a aci-dente de veículo ou de ofensa a direito fundamental assegurado pela própria legislação estrangeira.

16.— Indeferimento da petição inicial.— No caso concreto em exame e nas condições em que proferida a sentença ora sob recurso, era, realmente, de ser indeferida a petição inicial, como, repita-se, decidiu a sentença e como opina a D. Procuradoria Geral da República.

Com efeito, a imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro acionado evidencia-se de imediato, à pura leitura da exposição da petição inicial, em que se vê claramente a atribuição da prática de ato político por parte do estado estrangeiro acionado, não havendo nada que possa dar suporte à con-fi guração de ato de gestão.

Como a inicial patenteia a imunidade jurisdicional, não há como dar iní-cio ao processo. O processamento seria ilusório e apenas prolongaria o desfe-cho do caso, alimentando, quiçá, ilusão de viabilidade de ação que, desde o início, já se mostra infrutífera.

O indeferimento da inicial no caso de petição inicial que tenha, contra seu conteúdo, obstáculo jurídico intransponível — como ocorre, no caso, ante a imunidade absoluta do Estado estrangeiro acionado — é consequência que se impõe, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, que não autoriza o prosperar de ação contra Estado estrangeiro que, segundo o ordenamento jurídico brasileiro, tenha agido em decorrência de sua política externa,.

17.— Impossibilidade de citação diante da inviabilidade da ação.-Sem dúvida correta em tese, mas inaplicável ao caso concreto, que é de

evidente falta de condição da ação, a exposição de ANTENOR MADRUGA FILHO, que preconiza o deferimento, sempre, da citação, nestes termos: “Promovida uma ação contra Estado soberano estrangeiro, poder-se-ia ques-tionar a necessidade de ordenar a citação nas situações em que, de plano, pode o juiz constatar a imunidade de jurisdição. Esse indeferimento liminar seria indicado caso se considerasse inepta a petição inicial, o que somente poderia ocorrer se fosse válido o entendimento de que a ação contra Estado imune à jurisdição é juridicamente impossível.(...) Entretanto, a imunidade de jurisdição não signifi ca impossibilidade jurídica do pedido (...). Não se pode considerar inepta a petição inicial, pois ele mesmo nos casos em que se confi gura a imunidade, deve provocar o chamamento a juízo do Estado-réu.

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É verdade que o Estado estrangeiro pode, querendo, declinar o foro, se, pe-las circunstâncias concretas do litígio, fi zer jus à prerrogativa de imunidade. Todavia, diante da possibilidade de não exercício do direito à imunidade (renúncia) ou mesmo de sua não caracterização, é preciso sempre chamar o Estado-réu a Juízo, o que se faz por meio da citação (CPC, art. 213). (...) Chamado a Juízo, ou seja, ameaçado pela jurisdição estrangeira, é que o Es-tado soberano poderá exercer — ou não — o direito de a ela não se sub-meter, caso, repita-se, as circunstâncias fáticas consubstanciarem a hipótese normativa do direito internacional público consuetudinário, que estipula, de modo não absoluto, a imunidade de jurisdição. O Juiz deve sempre, por-tanto, determinar a citação do Estado estrangeiro” (ANTENOR PEREIRA MADRUGA FILHO, “A Renúncia à Imunidade de Jurisdição pelo Estado Brasileiro e o Novo Direito da Imunidade de Jurisdição”. Rio de Janeiro. Ed. Renovar, 2003, p. 209-210.)

Sobre o instrumento de defesa do Estado estrangeiro, isto é, a alegação preliminar em contestação, é a conclusão de JOSÉ IGNACIO BOTELHO DE MESQUITA: “a imunidade de jurisdição deve ser alegada como preli-minar de contestação, com fundamento no art. 301-X do CPC, que dispõe sobre a alegação de carência de ação. E não como exceção” (JOSÉ IGNACIO BOTELHO DE MESQUITA. Questões procedimentais das ações contra Estados e organizaçòes internacionais. Em: A imunidade de jurisdição e o Judiciário brasileiro. Coordenadores MÁRIO GARCIA e ANTENOR PE-REIRA MADRUGA FILHO, ed. CEDI, Brasília, 2002, p. 218.).

Diante dessas análises, poderia parecer que a citação devesse ser deferida em todo e qualquer caso, para que posteriormente o Estado estrangeiro ale-gasse a imunidade ou a ela renunciasse. Mas a orientação é adequada apenas a casos em que se anteveja ao menos a plausibilidade de sucesso da pretensão trazida pela petição inicial, hipóteses antes referidas como as duas primeiras opções (letras a e b do n. 15, supra) que se abrem ao Juízo ao exame da peti-ção inicial, ou seja, deferimento da instauração do processo ou saneamento inicial deste, não a hipóteses de evidente imunidade jurisdicional do Estado estrangeiro (letra c do n. 15, supra), como a que ocorre no presente caso, que é de a prática de atos do Estado estrangeiro, qualifi cados juridicamente como atos jure imperii e não jure gestionis (n. 15, supra), tornando-se claramente presente a imunidade e, portanto, a inviabilidade da ação.

18.— Prévia manifestação ou citação.— Nessa linha de considerações, não se deve nem mesmo determinar a notifi cação do Estado estrangeiro acio-nado para que manifeste eventual renúncia à imunidade jurisdicional.

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A rigor, não se ignorando, embora, evidentemente, o peso da orientação anteriormente mantida pelo C. Supremo Tribunal Federal e seguida por este Tribunal em precedentes acima referidos, fi rmando a necessidade de notifi -cação consultiva do Estado estrangeiro acionado, para ensejar a renúncia à imunidade, a rigor, repita-se, se não se evidenciasse ictu oculi a imunidade jurisdicional do Estado acionado, dever-se-ia determinar diretamente a ci-tação, podendo o Estado estrangeiro argüir a imunidade como preliminar de contestação, não havendo razão para cindir a comunicação processual ao Estado acionado em dois atos, o de notifi cação prévia e o da citação.

A economia processual recomenda o não seccionamento do processamen-to da petição inicial em dois atos — a comunicação e, posteriormente, a cita-ção, quando, na prática, apenas um deles é mais que sufi ciente, preservando, igualmente, os direitos do Estado estrangeiro acionado — relembrando-se que não seria a pura ausência de manifestação que desencadearia efeitos de revelia, pois esses efeitos lidam exclusivamente com matéria fática posta pela petição inicial (CPC, art. 302, caput, parte fi nal)e não com suas conseqüên-cias jurídicas, de maneira que sempre seria possível ao Juiz examinar a ques-tão de imunidade ulteriormente, ainda que o Estado estrangeiro citado se mantivesse silente ou, manifestando-se, não a tivesse alegado — ressalvada, é evidente, a renúncia expressa.

No sentido do deferimento da citação direta, quando for o caso, sem pré-via notifi cação consultiva, relembre que é o que resulta das exposições de ANTENOR PEREIRA MADRUGA FILHO e JOSÉ IGNACIO BOTE-LHO DE MESQUITA. (ANTENOR PEREIRA MADRUGA FILHO, ob. loc. cit; JOSÉ IGNACIO BOTELHO DE MESQUITA, ob. loc. cit.)

19.— Voto-vista do caso.— Voltando ao caso em julgamento, tem-se que a divergência sustentada pelo E. Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR é apenas parcial, isto é, o voto de S. Exa., acompanhando os votos da E. Min. NANCY ANDRIGHI, Relatora, e HUMBERTO GOMES DE BARROS, dá provimento ao recurso, para afastar a extinção do processo, mas, dife-rentemente dos votos da Relatora e do voto que o acompanhou, não defere a citação, mas determina que o Estado acionado se manifeste a respeito da imunidade de jurisdição, reservando, conseqüentemente, a determinação de citação apenas para o caso de essa imunidade não vir a ser invocada pelo Es-tado acionado.

O presente voto, contudo, não segue nenhum dos votos anteriores, nos estritos termos em que manifestado mas, simplesmente, nega provimento ao Recurso Ordinário, mantendo a sentença que indeferiu a petição inicial

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e julgou extinto o processo sem julgamento do mérito, apenas corrigido o fundamento, para limitar-se à fato de condição da ação.

20.— Dispositivo do voto.— Pelo exposto, meu voto nega provimento ao Recurso Ordinário, mantida a sentença que julgou extinto o processo sem julgamento de mérito, por falta de condição da ação (CPC, art. 267, VI), cancelada, contudo, a referência à ausência de pressuposto processual (CPC, art. 267, IV), que constou da sentença.

Ministro SIDNEI BENETI

VOTOEXMO. SR. MINISTRO ARI PARGENDLER:Sr. Presidente, na época dos fatos sub judice, eu estava iniciando a Facul-

dade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Turma de 1964 — e minha preparação para os estudos universitários havia se dado no Colégio Estadual Júlio de Castilhos, colégio público, à época o melhor colégio do Rio Grande do Sul, considerados os demais colégios públicos e também os particulares. Lá já se destacava como tribuno o estudante Trajano Ribeiro, hoje eminente advogado, que acaba de fazer uma brilhante sustenta-ção oral, sendo posteriormente também meu colega na Faculdade de Direito. Testemunhei, portanto, os fatos que então aconteceram, que repercutiram mais intensamente no Rio Grande do Sul, e que se refl etem agora neste pro-cesso. Não obstante a grande personalidade que foi o Presidente João Gou-lart, querido até por seus adversários políticos porque era um homem afável e cordial, e que por isso mesmo merece o respeito do Tribunal, não obstante as agruras e dissabores que ele e sua família sofreram, o tema suscitado nestes autos só pode ser resolvido de modo técnico, porque a natureza da questão é de ordem técnica. E toda ela consiste em saber se a imunidade de jurisdição de um Estado estrangeiro deve ser reconhecida pelo juiz a primo oculi, ou pode ele, atentando para os novos ares que inspiram a ordem jurídica inter-nacional, intimar previamente o Estado estrangeiro a modo de ensejar-lhe a oportunidade de renunciar à imunidade de jurisdição. Sem embargo de reconhecer que os autos descrevem ato de império praticado por Estado so-berano, parece-me razoável dar-lhe a oportunidade para essa renúncia, e por isso faço por seguir o voto do Ministro Aldir Passarinho Júnior.

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115 Portal “Conjur”, notícia de 3 de fe-

vereiro de 2012, disponível em http://

www.conjur.com.br/2012-fev-03/

pais-nao-reu-judiciario-outro-decide-

corte-haia, acesso em 18.06.2012.

CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA: CASO ENVOLVENDO IMUNIDADE JURISDICIONAL DO ESTADO (ALEMANHA VS. ITÁLIA) 115

Um país não pode ser julgado por outro, diz Corte de Haia

Por Aline Pinheiro

A Corte Internacional de Justiça (CIJ), também conhecida como Corte de Haia, anunciou nesta sexta-feira (3/2) a decisão que reafi rma a imunidade de jurisdição das nações. O tribunal decidiu que, mesmo em casos de violações graves aos direitos humanos, um país não pode ser julgado pelo Judiciário de outro. Ainda nestes casos, a imunidade dos Estados prevalece.

A decisão foi lida no Palácio da Paz, a sede da corte na cidade holandesa de Haia. A Corte Internacional de Justiça, órgão da ONU, foi chamada a arbitrar confl ito entre a Alemanha e a Itália. O Judiciário italiano havia con-denado os alemães a indenizarem vítimas do nazismo e já tinha até expedido ordem de penhora de propriedade alemã em território italiano. O país tam-bém havia reconhecido a validade de decisões da Justiça grega que condena-vam a Alemanha também por danos causados pelo regime nazista.

Para a CIJ, a Itália atropelou as regras do Direito Internacional ao não respeitar a imunidade do Estado alemão. Os juízes consideraram, por ampla maioria, que nem a gravidade dos crimes e nem qualquer difi culdade para conseguir indenização direto na Justiça alemã justifi cam o afastamento dessa imunidade. A corte ordenou que a Itália torne sem efeito as decisões judiciais contra a Alemanha.

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Caso FerriniO imbróglio jurídico internacional começou em 2004, quando a Corte

Suprema de Cassação da Itália decidiu que a Justiça italiana tinha competên-cia jurisdicional para julgar pedido de indenização de Luigi Ferrini contra a Alemanha.

O processo começou a tramitar em setembro de 1998 no Tribunal de Arezzo. Ferrini pedia indenização por danos materiais e morais da Alemanha por ter sido capturado pelo Exército alemão em agosto de 1944, durante a 2ª Guerra Mundial, e submetido a trabalho forçado no país então sob regime nazista. Tanto o Tribunal de Arezzo como a Corte de Apelação de Florença negaram o pedido de Ferrini por considerar que não podiam colocar um país estrangeiro no banco dos réus. Uma vez na Corte Suprema de Cassação, a sorte de Ferrini mudou e o processo foi aceito (clique aqui para ler a decisão em italiano).

Com o precedente aberto, centenas de processos contra a Alemanha foram parar no Judiciário italiano. Em pelo menos duas ocasiões, a Corte Suprema de Cassação da Itália confi rmou o precedente. Uma propriedade alemã em território italiano chegou a ser hipotecada para pagar indenização para víti-mas do nazismo, já que o país não cumpriu a decisão da Justiça da Itália.

A Alemanha levou a questão para o governo italiano, que tentou resolver junto com o seu Judiciário. Mas, frente à independência da Justiça e da ma-nutenção do entendimento jurídico, nada pode fazer. Sobrou à Alemanha, então, levar o caso para Haia  (clique  aqui  para ler em inglês). Uma crise diplomática, no entanto, foi evitada. A Itália declarou respeitar a decisão da Alemanha de bater às portas de Haia e as duas aguardaram o julgamento da Corte Internacional de Justiça, concluído nesta sexta.

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116 Notícia publicada pelo Ministério

das Relações Exteriores em 26 de

agosto de 2010. Disponível em http://

w w w.itamarat y.gov.br/sala- de -

imprensa/selecao-diaria-de-noticias/

midias-nacionais/brasil/jornal-de-

brasilia/2010/08/26/brasil-rejeita-as-

farc/?searchterm=FARC, acesso em

14.06.2012.

22ª AULA: SOLUÇÃO PACÍFICA DE CONTROVÉRSIAS

EMENTA:

Solução pacífi ca de controvérsias. Diplomacia e meios diplomáticos: ne-gociação, bons ofícios, mediação, inquérito ou procedimento investigatório e conciliação. Métodos jurisdicionais: arbitragem e adjudicação (solução ju-diciária). CIJ.

LEITURA PARA A AULA:

REZEK, J. F. Direito Internacional Público. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. (Parte IV. Confl itos Internacionais. Capítulo 1).

SUGESTÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR:

1) AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao Direito Interna-cional Público. São Paulo: Atlas, 2008, capítulo 6.

2) SOARES, Guido Fernando S. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas, 2004, capítulo 8.

3) DINH, Nguyen Quoc. Direito Internacional Público. 2ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, pp. 753 a 775 e 843 a 878.

BRASIL REJEITA AS FARC116

Governo não acha apropriado que Unasul receba guerrilheiros para conversar

O assessor da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Gar-cia, declarou que o governo brasileiro “não considera apropriado” que a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) atenda o pedido das Forças Armadas Re-volucionárias da Colômbia (Farc) de serem recebidas na organização para dar sua “visão” do confl ito colombiano. “O problema (do confl ito) tem que ser resolvido no âmbito da Colômbia” e a Unasul somente “pode intervir para ajudar” quando solicitada pelo governo da Colômbia, afi rmou Garcia aos jor-nalistas. Na segunda-feira, o grupo guerrilheiro divulgou uma carta na qual pedem para expor no bloco sul-americano sua “visão” do confl ito e reiterou sua

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117 Notícia publicada pela “Agência Bra-

sil” em 02 de abril de 2012. Disponível

em http://agenciabrasil.ebc.com.br/

noticia/2012-04-02/colombia-brasil-

e-cruz-vermelha-iniciam-resgate-de-

refens-das-farc, acesso em 14.06.2012.

vontade de buscar uma “saída política”. A solicitação foi imediatamente rejei-tada pelo governo da Colômbia, cujo vice-presidente, Angelino Garzón, exigiu das Farc que “sejam capazes de dizer ao povo colombiano que a violência não faz sentido”. Garzón voltou a exigir que a guerrilha abandone os sequestros e o terrorismo como condição prévia para conversar e reiterou que só o presidente Juan Manuel Santos pode autorizar negociações de paz. O Brasil já prestou ajuda logística em diversas ocasiões para o resgate de reféns sequestrados pe-las Farc e se mostrou disposto a fazê-lo novamente, mas sob a premissa de que toda colaboração será em resposta a um pedido expresso do governo colombia-no. O presidente Santos deve fazer sua primeira visita ofi cial ao Brasil no dia 1º, quando será recebido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Brasília.

Colômbia, Brasil e Cruz Vermelha iniciam resgate de reféns das Farc117

Renata GiraldiRepórter da Agência Brasil

Brasília — As operações de resgate de dez militares, mantidos sob poder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) começam hoje (2) e acabam no dia 4. Haverá apenas um dia de interrupção entre uma etapa e outra. O Brasil participa dos resgates, assim como integrantes do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), do governo colombiano e de orga-nizações não governamentais (ONGs).

A equipe, formada por 22 especialistas brasileiros, em duas aeronaves, e mais três integrantes da Cruz Vermelha, está em alerta desde sexta-feira (30). Os nomes dos reféns que serão liberados só vão ser anunciados momentos antes das operações, segundo os organizadores dos resgates.

A porta-voz da CICV no Brasil, Sandra Lefcovich, lembrou que é a quarta vez que brasileiros participam dos resgates. Segundo ela, o Brasil dá o apoio logístico e técnico nas operações. De acordo com Lefcovich, as operações são complexas e delicadas.

Nas duas etadas da operação, dez reféns serão resgatados. Essas pessoas estão em poder das Farc há quase 14 anos, algumas foram capturadas em 1998 e outras em 1999. São quatro militares e seis policiais. O comando da guerrilha informou que são os últimos reféns em poder do grupo armado.

Do Brasil, serão utilizados dois helicópteros Cougar, do 4º Batalhão de Aviação do Exército, de Manaus, e equipes de apoio. O local de referência é Villavicencio, na Colômbia, de onde as equipes aguardam as orientações para partir em direção às áreas dos resgates. Da Colômbia, participarão dois inte-grantes da organização Colombianos e Colombianas pela Paz — um deles é a ex-senadora Piedad Córdoba.

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118 Notícia publicada no portal UOL, em

22.11.2007.

No último dia 12, os governos do Brasil e da Colômbia, além do CICV, fi rmaram um protocolo de segurança e coordenação, defi nindo a suspensão e o cancelamento de atividades militares na área da missão humanitária.

Edição: Graça Adjuto

Colômbia suspende mediação de Chávez com as Farc118

Por Luis Jaime Acosta

BOGOTÁ (Reuters) — A Colômbia suspendeu na quarta-feira a mediação do presidente da Venezuela com o maior grupo guerrilheiro de esquerda colom-biano, por meio da qual se pretendia avançar para a libertação de um grupo de reféns sequestrados, que inclui a ex-candidata presidencial Ingrid Betancourt.

A decisão do governo do presidente Alvaro Uribe abalou as esperanças dos familiares de 49 reféns que estão no poder da Forças Armadas Revolucioná-rias da Colômbia (Farc), que acreditavam que a mediação de Chávez seria bem-sucedida nas negociações.

Algumas dessas pessoas estão perto de completar 10 anos de cativeiro em acampamentos no meio da selva.

A suspensão da mediação, segundo analistas, também pode provocar ten-sões entre Venezuela e o governo colombiano, que autorizou em agosto que o presidente Chávez agisse como mediador.

“O presidente da República dá por encerrada a participação da senadora Piedad Córdoba e a mediação do presidente Hugo Chávez, aos quais agrade-ce a ajuda que estavam prestando”, disse um comunicado do governo.

A decisão foi tomada depois que Chávez, por intermédio da senadora Córdoba, se comunicou por telefone com o comandante do Exército da Co-lômbia, general Mario Montoya, ao qual fez perguntas sobre os sequestrados em poder das Farc.

Uribe e Chávez tinham acertado recentemente em Santiago, durante a Cúpula Ibero-Americana, que a questão dos reféns seria tratada pessoalmente e sem utilizar outros canais de comunicação, explicou o governo colombiano.

Além de Ingrid Betancourt, as Farc mantêm sequestrados três norte-ame-ricanos, cinco ex-congressistas, um ex-governador e vários integrantes das Forças Armadas.

As Farc pretendem trocar esses reféns por 500 guerrilheiros detidos nas su-perlotadas prisões do país, mas as posições radicais das partes tem impedido qualquer acordo.

O pai do subofi cial do Exército Pablo Emilio Moncayo, um dos reféns que as Farc tentam trocar, lamentou a decisão do governo de Uribe e disse que isso demonstra mais uma vez que o presidente não tem interesse em conse-guir a libertação dos reféns.

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119 Do portal G1, notícia de 2 de

fevereiro de 2007. Disponível em

h t t p : / / g 1 . g l o b o. c o m / N o t i c i a s /

Mundo/0,,AA1443783-5602,00.html

“São momentos tão difíceis que estamos vivendo. Infelizmente temos que seguir recebendo golpes após golpes”, afi rmou o professor Gustavo Moncayo.

Chávez recebeu representantes das Farc na Venezuela como parte de sua mediação, e na terça-feira se reuniu em Paris com o presidente da França, Nicolas Sarkozy, que também apóia o acordo humanitário pela libertação da franco-colombiana Betancourt e dos demais reféns.

O presidente venezuelano, por quem as Farc admitem simpatia e admira-ção, pediu ao principal líder da guerrilha, Manuel Marulanda, que liberasse unilateralmente um grupo de reféns.

ARGENTINA E URUGUAI ACEITAM INICIAR “DIÁLOGO DIRETO” COM APOIO DA ESPANHA119

Madri, 2 fev (EFE).— O ministro de Assuntos Exteriores da Espanha, Miguel Ángel Moratinos, anunciou hoje que a Argentina e o Uruguai che-garam a um “entendimento para iniciar um diálogo direto”, com o apoio da Espanha, sobre os problemas gerados pela instalação de fábricas de celulose na fronteira entre os dois países.

Em declarações à Efe, Moratinos explicou que os representantes pessoais dos presidentes da Argentina e do Uruguai aceitaram ter uma reunião na Espanha “para abordar todos os aspectos da questão” que opõe os dois países.

“Este encontro deixaria o caminho livre para uma negociação, quando houver as condições oportunas”, assinalou Moratinos, que lembrou o papel de “facilitador” assumido pelo rei Juan Carlos na Cúpula Ibero-Americana, realizada no Uruguai em novembro.

O ministro disse que o “entendimento” obtido hoje é “fruto do trabalho de facilitação dentro da missão de bons ofícios” que o Rei Juan Carlos aceitou a pedido do presidente da Argentina, Néstor Kirchner.

O Rei da Espanha nomeou para esta tarefa o embaixador espanhol nas Nações Unidas, Juan Antonio Yáñez-Barnuevo, que realizou três rodadas de contatos com ambas as partes até conseguir o “entendimento”.

O primeiro “diálogo direto” entre Argentina e Uruguai sobre a questão acontecerá “em território espanhol”, em uma data ainda não determinada, acrescentou o ministro.

Argentina e Uruguai se enfrentam há dois anos por causa da construção de uma fábrica de celulose em território uruguaio, na fronteira com a Argentina e que, segundo o Governo de Buenos Aires, pode afetar o meio ambiente de ambos os países.

Em protesto, os cidadãos de Gualeyguachu, na fronteira argentina, blo-queiam intermitentemente há um ano e ininterruptamente desde novembro, uma das três pontes sobre o rio Uruguai, fronteira natural entre as nações.

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120 Da “Agência Brasil” em 22 de junho

de 2011. Disponível em http://agencia-

brasil.ebc.com.br/noticia/2011-06-22/

entenda-caso-battisti, acesso em

14.06.2012.

Os habitantes das cidades argentinas de Colón e Concórdia também fa-zem bloqueios parciais, fechando assim todos os acessos entre os dois países.

O ministro de Educação da Argentina, Daniel Filmus, assegurou hoje em Madri que “foi feito um avanço substancial (...) Certamente não há outra forma de resolvê-lo”, acrescentou em alusão ao diálogo, em declarações feitas a um grupo de jornalistas.

Os Governos do Uruguai e da Argentina não tinham conseguido dialogar para resolver o confl ito provocado pela construção de uma fábrica de celulose da empresa fi nlandesa Botnia no município uruguaio de Fray Bentos, em frente à costa argentina.

A empresa espanhola Ence também pretendia construir uma fábrica de celulose em Fray Bentos, mas fi nalmente decidiu fazê-lo em outro ponto do litoral uruguaio, no Rio da Prata, onde a distância entre as duas margens é dez vezes maior.

A Argentina denunciou o Uruguai na Corte Internacional de Justiça de Haia pela suposta violação do Tratado do Rio Uruguai, por haver autorizado a construção da fábrica sem prévio acordo.

Posteriormente, a Argentina pediu à Corte que impedisse cautelarmente a construção da fábrica, solicitação que foi negada.

Além disso, o Uruguai pediu ao alto tribunal que exigisse que a Argentina evitasse os bloqueios de estradas, solicitação que também foi rejeitada. EFE

Entenda o caso Battisti120

Renata GiraldiRepórter da Agência Brasil

Nos anos 70, na Itália — Integrante do grupo guerrilheiro Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), Cesare Battisti, de 56 anos, é considerado culpado pelo assassinato de quatro pessoas (um joalheiro, um policial, um carcereiro e um militante) e condenado à prisão perpétua pela Justiça italiana.

Em 1979, Battisti segue para a França — O ex-ativista foge da Itália, escapando da prisão, e segue para a França onde o governo francês decide extraditá-lo;

Em 1988, a Justiça de Milão condena o ex-ativista — À revelia, Battisti é condenado à prisão perpétua na Itália. O ex-ativista nega todas as acusações;

Em 2004, a chegada ao Brasil — Battisti sai da Itália e foge para o Brasil, depois de viver por mais de dez anos na França;

Em 2007, a prisão preventiva — O ex-ativista é preso no Rio de Janeiro e transferido para a Penitenciária da Papuda, em Brasília, onde está detido preventivamente. Ele tem reconhecida, pelo Ministério da Justiça, a condição de refugiado político;

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Em 2010, no Supremo Tribunal Federal (STF) — A Suprema Corte apro-va o parecer do relator, ministro Gilmar Mendes, favorável à extradição de Battisti, mas há a recomendação de decisão fi nal do presidente da República;

Em 31 de dezembro de 2010, no Palácio do Planalto — Depois de sete meses, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva acata parecer da Advoca-cia-Geral da União (AGU) e nega a extradição. Para Lula, o retorno de Bat-tisti à Itália pode agravar a situação do italiano e gerar perseguição política;

Em janeiro de 2011 — A defesa do italiano pede a imediata soltura de Battisti. Ao mesmo tempo, o governo italiano contesta decisão do governo brasileiro e apela para que a presidenta Dilma Rousseff reveja a medida. Há protestos nas principais cidades italianas e ameaças das autoridades de retalia-ção ao Brasil. O processo de Battisti é desarquivado pelo Supremo, com base em dois documentos: o pedido de liberdade feito pela defesa e a contestação da decisão de Lula. O primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi, pede que o tema seja discutido em uma sessão da União Europeia, em Bruxelas, na Bélgica. Ele promete levar o assunto também à Corte Internacional de Haia, na Holanda. A Itália insiste na extradição;

No fi nalde janeiro de 2011 — A posição do Brasil sobre o caso Battisti foi discutida em sessão da União Europeia. A maior parte dos representantes dos 27 países que integram o bloco defenderam a extradição;

Em fevereiro de 2011 — Com o fi m do recesso do Judiciário brasileiro, o STF voltou a discutir o caso. Mas o relator do processo, ministro Gilmar Mendes, pediu tempo para apreciação. O Supremo analisou os argumentos usados por Lula para manter Battisti no Brasil. Também avaliou a argumen-tação do próprio Ministério da Justiça de conceder refúgio político ao italia-no. Essa decisão foi considerada ilegal pelo STF;

Ameaças nas relações Brasil e Itália — Autoridades italianas ameaçam retaliar o governo brasileiro, caso seja mantida a decisão de não extraditar Battisti. Entre as medidas estão a imposição de regras para a entrada de turis-tas brasileiros na Itália e o adiamento da conclusão de um acordo envolvendo 5 bilhões de euros de material militar dos italianos para o Brasil;

16 de maio de 2011 — O relator do processo no Supremo, ministro Gilmar Mendes, negou pedido de soltura de Battisti. A defesa do ex-ativista entrou com pedido de relaxamento de prisão no Supremo. Como Mendes estava viajando, o pedido foi encaminhado equivocadamente ao ministro Marco Aurélio Mello. Desfeito o engano, a ação foi enviada ao ministro Joa-quim Barbosa, que decidiu esperar o retorno do relator do caso. A defesa do governo da Itália considerou o pedido de soltura “oportunista”;

23 de maio de 2011 — O ministro relator do caso, Gilmar Mendes, libe-ra o processo de extradição do ex-ativista para julgamento em defi nitivo pelo plenário da Suprema Corte. O presidente do Supremo, Cezar Peluso, recebe e marca a data do julgamento para junho;

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8 de junho de 2011 — Em um longo e tenso julgamento, o Supremo Tribunal Federal rejeita o pedido de extradição de Battisti e, por 6 votos a 3, decide por sua libertação. A decisão gera reações imediatas de autoridades e da sociedade italiana;

9 de junho de 2011 — De madrugada, Battisti deixa a Penitenciária da Papuda, em Brasília, onde estava desde 2007. De dentro do carro que o transporta até um hotel na cidade, ele sorri e faz um aceno para os jornalistas. A imagem é reproduzida pelos principais jornais da Itália. Advogados do ex-ativista informam que ele permanecerá no Brasil onde pretende reconstruir sua vida e seguir carreira como escritor;

Reações na Itália — O presidente da Itália, Giorgio Napolitano, o pri-meiro-ministro do país, Silvio Berlusconi, e os ministérios da Justiça e das Relações Exteriores repudiam a decisão da Suprema Corte do Brasil. Para as autoridades italianas, houve desrespeito ao tratado de extradição existente en-tre os dois países e às premissas do direito internacional. Os italianos afi rmam que vão recorrer da decisão do STF na Corte de Haia. Parentes e amigos das vítimas cobram do governo da Itália retaliação ao Brasil, como não participar da Copa do Mundo de Futebol de 2014;

Reações do Brasil — O ministro das Relações Exteriores, Antonio Pa-triota, nega crise entre Brasil e Itália e diz que as relações bilaterais estão mantidas. O assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, diz que a decisão da Suprema Corte não afeta o rela-cionamento com a Itália, pois está limitada ao campo jurídico;

10 de junho de 2011 — O ministro das Relações Exteriores da Itália, Franco Frattini, convoca o embaixador italiano no Brasil, Gherardo La Fran-cesca, para consultas em Roma. Em comunicado, o ministério informa que a atitude foi tomada devido à decisão da Corte brasileira em rejeitar a ex-tradição e libertar Battisti. No Itamaraty, em Brasília, a convocação não foi ofi cializada.

22 de junho de 2011 — O Ministério do Trabalho, por meio do Conse-lho Nacional de Imigração, concede autorização de permanência a Battisti. A autorização será submetida ao Ministério da Justiça a quem compete emitir o visto permanente. A análise costuma ser rápida, mas não há prazo defi nido.

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121 Do “Estado de São Paulo”, notícia de

14 de setembro de 2011. Disponível em

http://www.estadao.com.br/noticias/

nacional,brasil-manobra-mas-haia-

julga-caso-battisti,772688,0.htm,

acesso em 14.06.2012.

Brasil manobra, mas Haia julga caso Battisti121

Governo deixa de indicar nome para comissão de conciliação, como havia sido proposto pela Itália, e considera inevitável que corte avalie situação

Felipe Recondo e Lisandra Paraguassu, de O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA — O governo brasileiro adotou uma manobra diplomática para retardar um julgamento pela Corte Internacional de Justiça, com sede em Haia (Holanda), e reduzir o impacto de uma eventual condenação por decidir não extraditar o ex-ativista Cesare Battisti, condenado à prisão perpé-tua por quatro assassinatos na Itália.

O Brasil rejeitou a proposta da Itália de criar uma comissão de conciliação para se chegar a uma “solução jurídica amigável”. Com isso, o governo tenta manter o assunto no âmbito quase sigiloso dos despachos diplomáticos e evita os holofotes de um tribunal internacional.

A Itália havia pedido ao Brasil que indicasse até esta quinta-feira, 15, um representante para a Comissão Permanente de Conciliação, prevista na Con-venção sobre Conciliação e Solução Judiciária, assinada pelos dois países em 1954. Assim, conforme o texto da Convenção, daria por encerradas as tra-tativas sobre o caso pela via diplomática. Um árbitro neutro, provavelmente indicado pela Corte de Haia, estaria incumbido de propor um acordo entre as partes. O prazo estipulado pela Itália não está expresso na convenção e, por isso, o Brasil não trabalhava com esse limite.

Impasse. Independentemente disso, já havia um entendimento de que o Brasil não indicaria seu representante nessa comissão. A avaliação do Itama-raty é que não há possibilidade de acordo no caso. A única resposta aceitável para a Itália é que Battisti seja extraditado; o Brasil insiste que uma decisão soberana foi tomada pelo Estado brasileiro e recusa-se a entregá-lo.

Assessores jurídicos da Presidência da República e do Itamaraty enfatizam que o caso, de qualquer maneira, chegará à Corte de Haia. Por isso, não veem razão para instalar a comissão.

Rejeitar a interferência dessa comissão teria uma consequência adicional con-siderada relevante pelo governo brasileiro. A avaliação de assessores jurídicos é de que evitar essa comissão restringe os efeitos e a legitimidade de uma eventual decisão da Corte de Haia contrária à permanência de Battisti no Brasil.

Se aceitasse essa comissão, o Brasil estaria admitindo o julgamento pela Corte de Haia. O texto da convenção estabelece que a falta de acordo entre as partes leva automaticamente o caso para uma decisão fi nal da Corte. Mes-mo que a decisão seja contrária ao Brasil, ela tem, na avaliação de diplomatas brasileiros, só efeito moral — que seria amenizado pelo fato de o País não ter reconhecido a ação de uma comissão de conciliação. Não há nada que obri-gue o Brasil a acatar qualquer decisão de Haia.

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Diplomacia. Na próxima semana, o chanceler brasileiro, Antonio Patrio-ta, deve encontrar o ministro das Relações Exteriores da Itália, Franco Fratti-ni, em Nova York. Um dos temas a serem tratados é justamente a situação de Battisti. Ao longo dos últimos meses, o embaixador da Itália no Brasil, Ghe-rardo La Francesca, tem-se encontrado com o secretário-geral do Itamaraty, embaixador Ruy Nogueira. As conversas, no entanto, não levam a nenhuma conclusão.

Diplomatas ouvidos pelo Estado  afi rmam que o governo brasileiro en-tende a pressão italiana como um caso de política interna muito sensível. Nem por isso poderá ceder, já que o asilo político já foi concedido a Battisti. Quando o caso chegar a Haia, o Brasil contratará um advogado para fazer sua defesa. Antes disso, nada será feito.

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122 Disponível, em português, em

h t t p : / / a d vo n l i n e. i n f o / v a d e m e -

cum/2008/HTMS/PDFS/INTER/PRO-

JETO_COMISS_O_DIREITO_IN.PDF,

acesso em 14.06.2012. O original em

inglês pode ser encontrado em http://

untreaty.un.org/ilc/texts/instruments/

english/draft%20articles/9_6_2001.

pdf, acesso em 14.06.2012.

23ª AULA: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL

EMENTA:

Responsabilidade Internacional. Responsabilidade dos Estados por atos ilícitos dos seus agentes. Proteção diplomática. Consequências da responsa-bilidade internacional. Retorsões, contramedidas, sanções.

LEITURA PARA A AULA:

REZEK, J. F. Direito Internacional Público. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008 (Parte II, Personalidade Internacional, capítulo III).

SUGESTÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR:

1) AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao Direito Interna-cional Público. São Paulo: Atlas, 2008, capítulos 8 e 7.

2) SOARES, Guido Fernando S. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas, 2004, capítulo 9.

3) DINH, Nguyen Quoc. Direito Internacional Público. 2ª ed. Lis-boa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 776 a 836 e 719 a 744.

PROJETO DA COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE RESPONSABILIDADE

INTERNACIONAL DOS ESTADOS122

Parte I — O Ato Internacionalmente Ilícito de um EstadoCapítulo IPRINCÍPIOS GERAIS

Art. 1º A responsabilidade do Estado por seus atos internacionalmen-te ilícitos

Todo ato internacionalmente ilícito de um Estado acarreta sua responsa-bilidade internacional.

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Art. 2º Elementos de um ato internacionalmente ilícito do EstadoHá um ato internacionalmente ilícito do Estado quando a conduta con-

sistindo de uma ação ou omissão:a) é atribuível ao Estado consoante o Direito Internacional; eb) constitui uma violação de uma obrigação internacional do Estado.

Art. 3º Caracterização de um ato de um Estado como internacional-mente ilícito

A caracterização de um ato de um Estado como internacionalmente ilícito é regida pelo Direito Internacional. Tal caracterização não é afetada pela ca-racterização do mesmo ato como lícito pelo direito interno.

Capítulo IIATRIBUIÇÃO DA CONDUTA A UM ESTADO

Art. 4º Conduta dos órgãos de um Estado1. Considerar-se-á ato do Estado segundo o Direito Internacional a con-

duta de qualquer órgão do Estado que exerça função legislativa, executiva, judicial ou outra, qualquer que seja sua posição na organização do Estado, e independentemente de se tratar de órgão do governo central ou de unidade territorial do Estado.

2. Incluir-se-á como órgão qualquer pessoa ou entidade que tenha tal sta-tus de acordo com o direito interno do Estado.

Art. 5º Conduta de pessoas ou entidades exercendo atribuições do po-der público

Considerar-se-á ato do Estado segundo o Direito Internacional a condu-ta de uma pessoa ou entidade que não seja um órgão do Estado consoante o artigo 4º, que de acordo com a legislação daquele Estado, possa exercer atribuições do poder público, sempre que a pessoa ou entidade esteja agindo naquela qualidade na situação particular.

Art. 6º Conduta de órgãos colocados à disposição de um Estado por outro Estado

Considerar-se-á ato do Estado segundo o Direito Internacional a conduta de um órgão posto à disposição de um Estado por outro, sempre que o órgão estiver exercendo atribuições do poder público do Estado a cuja disposição ele fora colocado.

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Art. 7º Excesso de autoridade ou contravenção de instruçõesA conduta de um órgão do Estado, pessoa ou entidade destinada a exercer

atribuições do poder público será considerada um ato do Estado consoante o Direito Internacional se o órgão, pessoa ou entidade age naquela capacidade, mesmo que ele exceda sua autoridade ou viole instruções.

Art. 8º Conduta dirigida ou controlada por um EstadoConsiderar-se-á ato do Estado segundo o Direito Internacional a conduta

de uma pessoa ou grupo de pessoas se esta pessoa ou grupo de pessoas estiver de fato agindo por instrução ou sob a direção ou controle daquele Estado, ao executar a conduta.

Art. 9º Conduta realizada na falta ou ausência de autoridades ofi ciaisConsiderar-se-á ato do Estado segundo o Direito Internacional a conduta

de uma pessoa ou grupo de pessoas se a pessoa ou grupo de pessoas estiver de fato exercendo atribuições do poder público na falta ou ausência de auto-ridades ofi ciais e em circunstâncias tais que requeiram o exercício daquelas atribuições.

Art. 10. Conduta de um movimento de insurreição ou outro1. Considerar-se-á ato do Estado segundo o Direito Internacional a con-

duta de um movimento de insurreição que se torne o novo governo daquele Estado.

2. A conduta de um movimento de insurreição ou outro que for bem su-cedido em estabelecer um novo Estado em parte do território de um Estado pré-existente ou em um território sob sua administração será considerado um ato do novo Estado, de acordo com o Direito Internacional.

3. Este artigo não é prejudicado pela atribuição a um Estado de qualquer conduta, qualquer que seja sua relação com aquela do movimento em ques-tão, que deva ser considerada um ato daquele Estado em virtude dos artigos 4º ao 9º.

Art. 11. Conduta reconhecida e adotada por um Estado como sua própriaUma conduta que não seja atribuível a um Estado de acordo com os arti-

gos antecedentes, todavia, será conside rada um ato daquele Estado, de acor-do com o Direito Internacional se e na medida que aquele Estado reconheça e adote a conduta em questão como sua própria.

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Capítulo IIIVIOLAÇÃO DE UMA OBRIGAÇÃO INTERNACIONAL

Art. 12. Existência de uma violação de uma obrigação internacionalHá uma violação de uma obrigação internacional por um Estado quando

um ato daquele Estado não está em confor midade com o que é requerido dele por aquela obrigação, seja qual for a origem ou natureza da obrigação.

Art. 13. Obrigação internacional em vigor para um EstadoUm ato de um Estado não constitui uma violação de uma obrigação, a

menos que o Estado esteja vinculado pela obrigação em questão no momento em que o ato ocorre.

Art. 14. Extensão no tempo de uma violação de uma obrigação inter-nacional

1. A violação de uma obrigação por um ato de um Estado que não tenha caráter contínuo ocorre no momento em que o ato é realizado, mesmo que seus efeitos perdurem.

2. A violação de uma obrigação internacional por um ato de um Estado que tenha caráter contínuo se estende por todo o período durante o qual o ato continua e permanece em desacordo com a obrigação internacional.

3. A violação de uma obrigação internacional que exija do Estado a pre-venção de um certo acontecimento se produzirá no momento em que co-meça esse acontecimento e se estende por todo o período em que o evento continua e permanece em desacordo com aquela obrigação.

Art. 15. Violação consistindo de um ato composto1. A violação de uma obrigação internacional por um Estado por meio de

uma série de ações ou omissões defi nidas em conjunto como ilícitas, ocorre quando a ação ou omissão que, tomada com as outras ações ou omissões, é sufi ciente para constituir o ato ilícito.

2. Em tal caso, a violação se estende por todo o período começando com a primeira das ações ou omissões da série e se prolonga enquanto as ações ou omissões forem repetidas e permanecerem em desacordo com a obrigação internacional.

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Capítulo IVRESPONSABILIDADE DE UM ESTADO EM CONEXÃO COM

UM ATO DE OUTRO ESTADO

Art. 16. Auxílio ou assistência no cometimento de um ato internacio-nalmente ilícito

Um Estado que auxilia ou assiste outro Estado a cometer um ato interna-cionalmente ilícito é internacionalmente responsável por prestar este auxílio ou assistência se:

a) aquele Estado assim o fez conhecendo as circunstâncias do ato interna-cionalmente ilícito; e

b) o ato seria internacionalmente ilícito se cometido por aquele Estado.

Art. 17. Direção e controle exercido ao cometer um ato internacional-mente ilícito

Um Estado que dirige e controla outro Estado no cometimento de um ato internacionalmente ilícito é respon sável internacionalmente por aquele ato se:

a) aquele Estado assim o faz com o conhecimento das circunstâncias do ato internacionalmente ilícito; e

b) o ato seria internacionalmente ilícito se cometido pelo Estado que di-rige e controla.

Art. 18. Coação de outro EstadoUm Estado que coage outro Estado a cometer um ato é internacionalmen-

te responsável por aquele ato se:a) o ato seria, se não tivesse ocorrido coação, um ato internacionalmente

ilícito do Estado coagido; eb) o Estado que coage o faz conhecendo as circunstâncias do ato.

Art. 19. Efeito deste CapítuloEste capítulo não prejudica a responsabilidade internacional, em outras

previsões destes artigos, do Estado que comete o ato em questão, ou qualquer outro Estado.

Capítulo VEXCLUDENTES DE ILICITUDE

Art. 20. ConsentimentoUm consentimento válido de um Estado à comissão de um determinado

ato por outro Estado exclui a ilicitude daquele ato em relação ao primeiro

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Estado na medida em que o ato permanece dentro dos limites do menciona-do consentimento.

Art. 21. Legítima defesaA ilicitude de um ato de um Estado é excluída se o ato constitui uma

medida lícita de legítima defesa tomada em conformidade com a Carta das Nações Unidas.

Art. 22. Contra-medidas em relação a um ato internacionalmente ilícitoA ilicitude de um ato de um Estado em desacordo com uma obrigação

internacional em relação a um outro Estado será excluída se e na medida em que o ato constitua uma contra-medida tomada contra o último Estado em conformidade com o Capítulo II da Parte Três.

Art. 23. Força maior1. A ilicitude de um ato de um Estado em desacordo com uma obrigação

internacional daquele Estado será excluída se o ato é devido à força maior, entendida como a ocorrência de uma força irresistível ou de um aconteci-mento imprevisível, além do controle do Estado, tornando materialmente impossível, nesta circunstância, a realização da obrigação.

2. O parágrafo 1º não se aplica se:a) a situação de força maior é devida, por si só ou em combinação com

outros fatores, à conduta do Estado que a invoca; oub) o Estado assumiu o risco daquela situação ocorrida.

Art. 24. Perigo extremo1. A ilicitude de um ato de um Estado em desacordo com uma obrigação

internacional daquele Estado se extingue se o autor do ato em questão não tem nenhum outro modo razoável, em uma situação de perigo extremo, de salvar a vida do autor ou vidas de outras pessoas confi adas aos cuidados do autor.

2. O parágrafo 1º não se aplica se:a) a situação de perigo extremo é devida unicamente ou em combinação

com outros fatores, à conduta do Estado que a invoque; oub) for provável que o ato em questão crie um perigo comparável ou maior.

Art. 25. Estado de necessidade1. Nenhum Estado pode invocar o estado de necessidade como causa de

exclusão de ilicitude de um ato em de sacordo com uma obrigação internacio-nal daquele Estado, a menos que o ato:

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a) seja o único modo para o Estado preservar um interesse essencial contra um perigo grave e iminente; e

b) não afete gravemente a um interesse essencial do Estado ou Estados em relação aos quais exista a obrigação, ou da comunidade internacional como um todo.

2. Em nenhum caso pode o Estado invocar o estado de necessidade como causa de exclusão de ilicitude se:

a) a obrigação internacional em questão exclui a possibilidade de invocar a necessidade, ou

b) o Estado contribuiu para a ocorrência do estado de necessidade.

Art. 26. Cumprimento de normas imperativasNada neste Capítulo exclui a ilicitude de qualquer ato de um Estado que

não esteja em conformidade com uma obrigação que surja de uma norma imperativa de Direito Internacional geral.

Art. 27. Conseqüências de invocação de uma circunstância extinguin-do a ilicitude

A invocação de uma circunstância que exclua a ilicitude, de acordo com este Capítulo, não prejudica:

a) o cumprimento da obrigação em questão, se e na medida que a circuns-tância excludente da ilicitude não mais exista;

b) a questão da indenização por qualquer perda material causada pelo ato em questão.

Parte II — O Conteúdo da Responsabilidade Internacional de EstadoCapítulo IPRINCÍPIOS GERAIS

Art. 28. Conseqüências jurídicas de um ato internacionalmente ilícitoA responsabilidade internacional de um Estado, que, em conformidade

com as provisões da Parte Um, nasce de um fato internacional ilícito, produz as conseqüências jurídicas que se enunciam nesta Parte.

Art. 29. Continuidade do dever de cumprir a obrigaçãoAs conseqüências jurídicas de um ato internacionalmente ilícito de acordo

com esta Parte não afetam a continui dade do dever do Estado responsável de cumprir a obrigação violada.

Art. 30. Cessação ou não repetiçãoO Estado responsável pelo ato internacionalmente ilícito tem a obrigação de:

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a) cessar aquele ato, se ele continua;b) oferecer segurança e garantias apropriadas de não-repetição, se as cir-

cunstâncias o exigirem.

Art. 31. Reparação1. O Estado responsável tem uma obrigação de reparar integralmente o

prejuízo causado pelo ato internacional mente ilícito.

2. O prejuízo compreende qualquer dano, quer material ou moral, causa-do pelo ato internacionalmente ilícito de um Estado.

Art. 32. Irrelevância da lei internaO Estado responsável não pode invocar as disposições de seu direito in-

terno como justifi cativa pela falha em cumprir com as obrigações que lhe incumbe de acordo com esta Parte.

Art. 33. Abrangências das obrigações internacionais enunciadas nesta Parte

1. As obrigações do Estado responsável enunciadas nesta Parte podem existir em relação a outro Estado, a vários Estados ou à comunidade interna-cional como um todo, dependendo, particularmente, da natureza e conteúdo da obrigação internacional e das circunstâncias da violação.

2. Esta parte não prejudica qualquer direito que a responsabilidade in-ternacional de um Estado possa gerar dire tamente em benefício de qualquer pessoa ou entidade distinta de um Estado.

Capítulo IIREPARAÇÃO PELO PREJUÍZO

Art. 34. Formas de reparaçãoA reparação integral do prejuízo causado pelo ato internacionalmente ilí-

cito deverá ser em forma de restituição, indenização e satisfação, individual-mente ou em combinação, de acordo com as previsões deste Capítulo.

Art. 35. RestituiçãoUm Estado responsável por um ato internacionalmente ilícito tem a obri-

gação de restituir, ou seja, de re-estabelecer a situação que existia antes que o ato ilícito fosse cometido, desde que e na medida que a restituição:

a) não seja materialmente impossível;b) não acarrete um ônus totalmente desproporcional com relação ao bene-

fício que derivaria de restituição ao invés da indenização.

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Art. 36. Indenização1. O Estado responsável por um ato internacionalmente ilícito tem uma

obrigação de indenizar pelo dano causado por este, desde que tal dano não seja reparado pela restituição.

2. A indenização deverá cobrir qualquer dano susceptível de mensuração fi nanceira, incluindo lucros cessantes, na medida de sua comprovação.

Art. 37. Satisfação1. O Estado responsável por um ato internacionalmente ilícito tem a obri-

gação de dar satisfação pelo prejuízo causado por aquele ato desde que ele não possa ser reparado pela restituição ou indenização.

2. A satisfação pode consistir em um reconhecimento da violação, uma expressão de arrependimento, uma des culpa formal ou outra modalidade apropriada.

3. A satisfação não deverá ser desproporcional ao prejuízo e não pode ser humilhante para o Estado responsá vel.

Art. 38. Juros1. Pagar-se-ão juros sobre alguma soma principal devida em virtude deste

Capítulo, na medida necessária para assegurar a reparação integral. A taxa de juros e o modo de cálculo deverão ser fi xados de maneira que se alcance este resultado.

2. Os juros são computados desde a data em que a soma principal deveria ter sido paga até que a obrigação seja com pletamente quitada.

Art. 39. Contribuição para o prejuízoNa determinação da reparação, deve ser levada em conta a contribuição

para o prejuízo por ação ou omissão, intencio nal ou negligente, do Estado le-sado ou de qualquer pessoa ou entidade em relação a qual se busca a reparação.

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Capítulo IIIVIOLAÇÕES GRAVES DE OBRIGAÇÕES DECORRENTES DE

NORMAS IMPERATIVAS DE DIREITO INTERNACIONAL GERAL

Art. 40. Aplicação deste Capítulo1. Este Capítulo se aplica à responsabilidade que é acarretada por uma

violação grave por um Estado de uma obri gação decorrente de uma norma imperativa de Direito Internacional geral.

2. Uma violação de tal obrigação é grave se envolve o descumprimento fl agrante ou sistemático da obrigação pelo Estado responsável.

Art. 41. Conseqüências particulares da violação grave de uma obriga-ção consoante este Capítulo

1. Os Estados deverão cooperar para pôr fi m, através de meios legais, a toda violação grave no sentido atribuído no artigo 40.

2. Nenhum Estado reconhecerá como lícita uma situação criada por uma violação grave no sentido atribuído no artigo 40, nem prestará auxílio ou assistência para manutenção daquela situação.

3. Este artigo não prejudica as demais conseqüências referidas nesta Parte bem como outras conseqüências que uma violação a qual se aplique este Ca-pítulo possa acarretar, de acordo com o Direito Internacional.

Parte III — Implementação da Responsabilidade Internacional de um Estado

Capítulo IINVOCAÇÃO DA REPONSABILIDADE DE UM ESTADO

Art. 42. Invocação da responsabilidade por um Estado lesadoUm Estado terá o direito, como Estado lesado, de invocar a responsabili-

dade de outro Estado se a obrigação violada existe:a) em relação a este Estado individualmente; oub) em relação a um grupo de Estados, do qual este Estado faça parte, ou a

comunidade internacional como um todo, e a violação da obrigação:i. especialmente afeta este Estado; ouii. for de tal natureza que modifi que

radicalmente a situação de todos os outros Estados em relação aos quais exista a obrigação de ulterior cumprimento.

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Art. 43. Notifi cação de uma reclamação por um Estado lesado1. Um Estado lesado que invoca a responsabilidade de outro Estado deve-

rá notifi cá-lo da reclamação.

2. O Estado lesado poderá especifi car, particularmente:a) A conduta que o Estado responsável deveria observar para cessar o ato

ilícito, se ele continua;b) a forma de reparação que deveria tomar de acordo com as disposições

da Parte Dois.

Art. 44. Admissibilidade de reclamaçõesA responsabilidade de um Estado não poderá ser invocada se:a) a reclamação não é apresentada de acordo com as normas aplicáveis em

relação à nacionalidade das reclama ções;b) a reclamação se sujeita a norma de esgotamento dos recursos internos e

qualquer remédio local e efi caz dispo nível não foi exaurido.

Art. 45. Perda do direito de invocar a responsabilidadeA responsabilidade de um Estado não pode ser invocada se:a) O Estado lesado validamente renunciou a reclamação;b) Em razão da conduta do Estado lesado, dever se entender que este vali-

damente aquiesceu quanto à extinção da reclamação.

Art. 46. Pluralidade de Estados lesadosQuando vários Estados são lesados pelo mesmo ato internacionalmente

ilícito, cada Estado lesado pode, separa damente, invocar a responsabilidade do Estado que cometeu o ato internacionalmente ilícito.

Art. 47. Pluralidade de Estados responsáveis1. Quando vários Estados são responsáveis pelo mesmo ato internacio-

nalmente ilícito, a responsabilidade de cada Estado poderá ser invocada em relação àquele ato.

2. Parágrafo 1:a) não é permitido a qualquer Estado lesado receber indenização superior

ao dano que sofreu;b) não há prejuízo de qualquer direito de recurso contra os outros Estados

responsáveis.

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Art. 48. Invocação de responsabilidade por um Estado que não seja o lesado:

1. Qualquer Estado, além do lesado, pode invocar a responsabilidade de outro Estado de acordo com o parágrafo 2 se:

a) a obrigação violada existe em relação a um grupo de Estados incluindo aquele Estado, e está estabelecida para a pro teção de um interesse coletivo do grupo; ou

b) a obrigação violada existe em relação à comunidade internacional como um todo.

2. Qualquer Estado apto a invocar a responsabilidade de acordo com o parágrafo 1º pode reclamar ao Estado responsável:

a) a cessação do ato internacionalmente ilícito, e seguranças e garantias de não repetição consoante o artigo 30; e

b) o cumprimento da obrigação de reparação de acordo com os artigos prece-dentes, no interesse do Estado lesado ou dos benefi ciários da obrigação violada.

3. Os requisitos para a invocação da responsabilidade por um Estado lesa-do consoante os artigos 43, 44 e 45 se aplicam a uma invocação de responsa-bilidade por Estado apto a fazê-lo de acordo com o parágrafo 1.

Capítulo IICONTRA-MEDIDAS

Art. 49. Objeto e limites das contra-medidas

1. Um Estado lesado somente pode adotar contra-medidas contra um Estado que seja responsável por um ato internacionalmente ilícito com o objetivo de induzi-lo a cumprir com suas respectivas obrigações dispostas na Parte Dois.

2. As contra-medidas são limitadas ao não cumprimento temporal de obrigações internacionais do Estado que adota as medidas em relação ao Es-tado responsável.

3. As contra-medidas deverão, na medida do possível, ser tomadas de tal modo a permitir a retomada da realiza ção das obrigações em questão.

Art. 50. Obrigações não afetadas pelas contramedidas1. As contra-medidas não deverão afetar:a) a obrigação de abster-se da ameaça ou uso de força como disposto na

Carta da ONU;

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DIREITO GLOBAL I

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b) obrigações estabelecidas para a proteção de direitos humanos funda-mentais;

c) obrigações de caráter humanitário proibindo represálias;d) outras obrigações consoante as normas imperativas de Direito Interna-

cional geral.

2. Um Estado que realize as contra-medidas não está isento de cumprir com suas obrigações:

a) de acordo com qualquer procedimento de solução de controvérsias apli-cável a ele e ao Estado responsável;

b) de respeitar a inviolabilidade de agentes diplomáticos e consulares, lo-cais, arquivos e documentos.

Art. 51. ProporcionalidadeAs contra-medidas devem ser estabelecidas de acordo com o prejuízo so-

frido, levando em consideração a gravidade do ato internacionalmente ilícito e os direitos em questão.

Art. 52. Condições relativas a recorrer a contra-medidas1. Antes de tomar as contra-medidas, um Estado lesado deverá:a) requerer ao Estado responsável, de acordo com o artigo 43, que cumpra

com suas obrigações em conformi dade com a Parte Dois;b) notifi car o Estado responsável de qualquer decisão para tomar as con-

tra-medidas e oferecer para negociar com aquele Estado.

2. Sem desconsiderar o 1(b), o Estado lesado pode tomar contra-medidas urgentes que sejam necessárias para pre servar seus direitos.

3. As contra-medidas não podem ser tomadas, e se já tomadas devem ser suspensas sem atraso injustifi cado se:

a) o ato internacionalmente ilícito cessou, eb) a disputa está pendente perante uma Corte ou tribunal que tenha a

autoridade para proferir decisões vincu lantes para as partes.4. O parágrafo 3º não se aplicará se o Estado responsável falhar ao imple-

mentar os procedimentos de solução da controvérsia de boa-fé.

Art. 53. Término das contra-medidasAs contra-medidas deverão cessar tão logo o Estado responsável cumpra

com suas obrigações em relação ao ato internacionalmente ilícito consoante a Parte Dois.

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Art. 54. Medidas tomadas pelos Estados que não sejam o lesadoEste Capítulo não prejudica o direito de qualquer Estado, apto, de acordo

com o art. 48, parágrafo 1º, de invocar a responsabilidade de outro Esta-do para tomar medidas lícitas contra o Estado para assegurar a cessação da violação e a reparação no interesse do Estado lesado ou dos benefi ciários da obrigação violada.

Parte IV — Provisões Gerais

Art. 55. Lex specialisEstes artigos não se aplicam se e na medida que as condições de existência

de um ato internacionalmente ilícito, o conteúdo ou a implementação da res-ponsabilidade internacional de um Estado são regidas por normas especiais de Direito Internacional.

Art. 56. Questões de responsabilidade do Estado não reguladas por estes artigos

As normas aplicáveis de Direito Internacional continuam a reger as ques-tões concernentes à responsabilidade de um Estado por ato internacional-mente ilícito na medida em que tais questões não são reguladas por estes artigos.

Art. 57. Responsabilidade de uma organização internacionalEstes artigos não prejudicam qualquer questão de responsabilidade, de

acordo com o Direito Internacional, de uma organização internacional, ou de qualquer Estado, pela conduta de uma organização internacional.

Art. 58. Responsabilidade individualEstes artigos não prejudicam a responsabilidade individual consoante o

Direito Internacional de qualquer pessoa agindo em nome de um Estado.

Art. 59. Carta das Nações UnidasEstes artigos não prejudicam o disposto na Carta das Nações Unidas.

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PARTE 4 — OS INDIVÍDUOS QUE ATUAM NO MUNDO

24ª AULA: O NACIONAL

EMENTA:

O indivíduo e sua nacionalidade. A nacionalidade em direito internacio-nal. A nacionalidade brasileira. O estatudo de igualdade.

LEITURA PARA A AULA:

1) Caso Nottebohm, CIJ, abril 1955 (material didático).

SUGESTÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR:

1) REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 185-192 (“A nacionalidade brasileira” e “O estatuto de igualdade”).

2) SEITENFUS, Ricardo. Relações Internacionais. Barueri, SP: Mano-le, 2004, p. 114 a 171.

3) AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao Direito Interna-cional Público. São Paulo: Atlas, 2008, capítulo 3.4.

4) SOARES, Guido Fernando S. Curso de Direito Internacional Pú-blico. São Paulo: Atlas, 2004, capítulos 7.3 e 7.4.

5) DINH, Nguyen Quoc. Direito Internacional Público. 2ª ed. Lis-boa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 659 a 718.

WEBSITE

Site do Ministério da Justiçahttp://www.mj.gov.br/data/Pages/MJ7787753DITEMIDCD-

B411202E224C8E84103801EA04A92FPTBRIE.htm

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CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, DE 1988

Nacionalidade

Art. 12. São brasileiros:I — natos:

a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;

b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe bra-sileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa d o Brasil;

c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãebra-sileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira com-petente ou venh am a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira;II — natur alizados:

a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasilei-ra, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;

b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininter-ruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a naciona-lidade brasileira.

§ 1º Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasi l eiros, serão atribuídos os direitos ine-rentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição.

§ 2º — A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição.

§ 3º — São privativos de brasileiro nato os cargos:I — de Presidente e Vice-Presidente da República;II — de Presidente da Câmara dos Deputados;III — de Presidente do Sen ado Federal;IV — de Ministro do Supremo Tribunal Federal;V — da carreira diplomática;VI — de ofi cial das Forças Armadas.VII — de Ministr o de Estado da Defesa�

§ 4º — Será declarada a perda da n acionalidade do brasileiro que:I — tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em

vi rtude de atividade nociva ao interesse na cional;

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II — adquirir outra nacionalidade, sal vo no casos:a) de reconheciment o de nacionalidade originária pela lei es-

trangeirab) de imposição de natural ização, pela norma estrangeira, ao

brasileiro residente em estado estran geiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis

Art. 5º: XLVII — não haver á penas: (...)d) de banimento;LI — nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado,

em caso de crime comum, prat icado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfi co ilícito de entorpecentes e dro-gas afi ns, na forma da lei.Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou sus-

pensão só se dará nos casos de:I — cancelamento d a naturalização por sentença transitada em

julgado.

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25ª AULA: O ESTRANGEIRO

EMENTA:

O estrangeiro. Imigração. Condição jurídica do estrangeiro. Deportação, expulsão e extradição.

LEITURA PARA A AULA:

1) Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 94.896-1 de 18/11/2008 (material didático);

2) Supremo Tribu nal Federal. Extradição 1.120-1. República Federal da Alemanha (material didático).

SUGESTÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR:

1) AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao Direito Interna-cional Público. São Paulo: Atlas, 2008, capítulo 12.4.

2) REZEK, J. F. Direito Internacional Público. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. (Parte II, Capítulo 1, Seção 4).

3) DINH, Nguyen Quoc. Direito Internacional Público. 2ª ed. Lis-boa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 672 a 718.

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CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, DE 1988

Condição jurídica do estrangeiro

Art. 5º:XV — é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz,

podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.

XXXI — a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será re-gulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos fi lhos brasilei-ros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do “de cujus”.

LII — não será concedida extradição de estrangeiro por crime polí-tico ou de opinião.

Art. 14, § 2º — Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros [...]

§ 3º — São condições de elegibilidade, na forma da lei:I — a nacionalidade brasileira.

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e obser-vados os seguintes preceitos:

I — caráter nacional.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da Un ião, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos p rincípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e efi ciência e, também, ao seguinte:

I — os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei.

Art. 176, § 1º: A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aprovei-tamento dos potenciais a que se refere o “caput” deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específi cas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.

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Art. 199, § 3º — É vedada a participação direta ou indireta de em-presas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.

Art. 207, § 1º: É facultado às universidades admitir professores, téc-nicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei.

Art. 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturali-zados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País.

§ 1º Em qualquer caso, pelo menos setenta por cento do capital total e do capital votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, que exercerão obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação.

Art. 227, § 5º — A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HABEAS CORPUS 94.8961 DE 18/11/2008

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26ª AULA: O REFUGIADO

EMENTA:

O refugiado. Estatuto jurídico do refugiado. Asilo Diplomático. O apátrida.

LEITURA PARA A AULA:

Caso Cesare Battisti (material didático)

SUGESTÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR:

1) JUBILUT, Liliana Lyra. O Direito Internacional dos Refugiados e sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro. São Paulo: Mé-todo, 2007.

2) AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao Direito Interna-cional Público. São Paulo: Atlas, 2008, capítulo 16.7.

3) DINH, Nguyen Quoc. Direito Internacional Público. 2ª ed. Lis-boa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 691 a 693.

LEGISLAÇÃO PERTINENTE:

1) Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, de 1954.2) Lei 9.474 de 22 de julho de 1997

CASO: CESARE BATTISTI

Tarso comunica ao STF que ex-militante italiano já é refugiadoPublicada em 15/01/2009 às 18h17m

“Senhor Ministro,

1. Dirijo-me a Vossa Excelência para comunicar-lhe que em 13 de janeiro de 2009 dei provimento ao recurso interposto por Cesare Battisti contra a de-cisão do Comitê Nacional para os Refugiados — CONARE, para reconhecer

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a condição de refugiado ao referido cidadão, nos termos do art. 1°, inc. I da Lei 9.474 de 22 de julho de 1997, pelas razões que anexo ao presente.

Atenciosamente,Tarso GenroMinistro de Estado da Justiça”.

Íntegra da decisão do Ministro Tarso Genro

Referência: Processo nº. 08000.011373/ 2008-83Procedência: ConareAssunto: Recurso. Negativa. Condição de Refugiado. Carência de Pressu-

postos.Interessado: CESARE BATTISTI

I. Relatório

1. Cuida-se de recurso interposto em favor do nacional italiano CESARE BATTISTI, com fulcro no art. 29, da Lei nº. 9.474/97, em face da Decisão proferida pelo Comitê Nacional para os Refugiados — CONARE, que lhe negou o reconhecimento da condição de refugiado ante a carência das hipó-teses previstas no art. 1º do mesmo permissivo legal.

2. Alega o Recorrente, em apertada síntese, que integrou Organização político-partidá ria na Itália durante os chamados “anos de chumbo”, e que é perseguido pelas autoridades daquele país em razão das opiniões políticas disseminadas à época, as quais fundamentaram, inclusive, pedido de extradi-ção em seu desfavor para que seja submetido ao cumprimento de sentenças proferidas em processos que julga eivados de ilegalidade e que resultaram em condenação a prisão perpétua por crimes que assegura não ter cometido.

3. Junta documentos.

4. É o relatório, passo à decisão.

II. Decisão

5. O pedido de reconsideração é tempestivo.

6. Compulsando os documentos constantes dos autos, restou verifi cado constar processo de extradição passiva executória em trâmite perante o Su-premo Tribunal Federal, por meio do qual o Governo da República da Itália

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colima a entrega do Recorrente para cumprimento de pena perpétua decor-rente de duas sentenças criminais naquele país, o qual se encontra suspenso na forma da Lei até fi nal decisão deste processo.

7. A lei nº. 9.474/97, que defi ne mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, dispõe em seu art. 1º acerca das condições em que poderá ser reconhecida a condição de refugiado a um cidadão estran-geiro, verbis:

Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:I — devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião,

nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;

II — não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua resi-dência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circuns-tâncias descritas no inciso anterior;

III — devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país. (grifei)

8. Por sua vez, o Estado requerente não ofereceu oposição à alegada co-notação política aventada quanto aos fatos pelos quais seu nacional é recla-mado. Ao contrário, consignou expressamente em sentença que, nos diversos crimes listados, agiu o Recorrente “com a fi nalidade de subverter a ordem do Estado”, afi rmando ainda que os panfl etos e as ações criminosas de sua lavra objetivavam “subverter as instituições e a fazer com que o proletariado tomasse o poder” (grifei).

9. Vê-se, portanto, que no caso ora em análise impõe-se uma inquietante e crucial questão central: o Recorrente possui fundado temor de perseguição por suas opiniões políticas? Teria o Recorrente, ademais, cometido crimes políticos, ou sofrido perseguição política que resultasse na constatação de ilícitos criminais por ele não perpetrados?

10. Há que se defi nir os elementos subjetivo e objetivo do temor a que alude o art. 1º, I, da Lei nº. 9.474/97, o primeiro relativo ao foro íntimo do Recorrente e o segundo relacionado com as razões concretas que justifi quem aquele temor.

11. Para que sejam verifi cados esses elementos, é necessário, em primeiro lugar, tomar como referência o contexto de turbulência política à época dos supostos delitos em que o Recorrente teria incorrido.

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123 OUTHWAITE, William; et.al. Dicio-

nário Pensamento Social do Século XX

: Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 1996. p.

59 relata: “mais bem-sucedido de de-

senvolvimento econômico capitalista,

nos anos 50 e 60, esteve associado a

uma grande expansão das atividades

econômicas do estado, envolvendo em

muitos países a ampliação da proprie-

dade pública e do planejamento econô-

mico, visando mitigar as conseqüências

danosas – tanto econômicas quanto

sociais – de uma economia de livre

empresa e livre mercado inadequada-

mente regulamentada. “

124 “Mas a crise da lei depende também

de outras razões, mais estreitamente

jurídicas. A primeira delas, o nasci-

mento das constituições rígidas, das

constituições como leis não modifi cá-

veis. Uma lei superior, portanto, que

as leis comuns devem juridicamente

respeitar. Decorre daí um controle de

constitucionalidade sobre o conteúdo

da demais leis, o que explicita ainda

mais a garantia da superioridade da

constituição. A lei perde, assim, o pri-

mado político no sistema, a despeito

de que se mantém ainda como o ato

normativo politicamente central para

o desenvolvimento do ordenamento. E

as constituições confi am às leis outros

atos garantias democráticas sem que o

regime democrático seja colocado em

dúvida. Norberto Bobbio reportou-se

a esta situação em texto clássico: “nor-

mativos igualmente primários: atos do

governo, atos dos entes autônomos,

atos de competência reservada, dentre

outros”. BILANCIA, Francesco. In LEAL,

Rogério Gesta. Administração Pública

Compartida no Brasil e na Itália: Refl e-

xões Preliminares. Santa Cruz do Sul:

EDUNISC, 2008, p. 75. HABERMAS, Jür-

gen. Era das Transições. Rio de Janeiro:

Tempo Brasileiro, 2003, esp. p.153 ss.,

quando o autor discute a questão do

Estado Democrático de Direito.

125 BOBBIO, Norberto. O Futuro da De-

mocracia: Uma defesa das regras do

jogo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989,

p. 104.

12. A repressão legítima, pelo Estado italiano, à militância de esquerda, que pretendeu, pelas armas, derrubar o regime durante os chamados “anos de chumbo” das décadas de 1970 e 1980, traduz-se por fatos públicos e no-tórios, sobre os quais não existe qualquer contencioso. É de acentuada con-vulsão social o momento histórico no qual o recorrente foi condenado pela Justiça italiana, como autor e co-autor de homicídios ocorridos entre junho de 1978 e abril de 1979.

13. Durante esse período, a sociedade italiana e o Estado de Direito na Itália foram assediados por um conjunto de movimentos políticos, ações ar-madas e mobilizações sociais que pretendiam, alguns deles, a instalação de um novo regime político-social. Na esteira do desmantelamento das políticas da era social-democrata então em declínio123, formaram-se organizações re-volucionárias de ação direta que operavam em zonas “cinzentas”, na estreita faixa entre a ação política insurrecional de caráter armado e a ação marginal do “banditismo social”.

14. Como é possível e necessário nos Estados Democráticos de Direito, o Estado italiano reagiu. E o fez não só aplicando normas jurídicas em vigor à época, mas também criando “exceções”, por meio de leis de defesa do Estado, que reduziram prerrogativas de defesa dos acusados de subversão e/ou ações violentas, inclusive com a instituição da delação premiada, da qual se serviu o principal denunciante do Recorrente.

15. Nos momentos de extrema tensão social e política é comum e previsí-vel que passem a funcionar, mesmo no Estado de Direito, aparatos ilegais e/ou paralelos do Estado, comandados por pessoas que se erigem à condição de justiceiros “de fato”, como se representassem o bem público, o que por vezes confi gura uma forte crise de legalidade: “a lei perde (...) o primado políti-co no sistema”124. Nesses casos, a judicialização da política, paradoxalmente, atinge [...] “Chamo de “criptogoverno” o conjunto das ações realizadas por forças políticas eversivas que agem na sombra em articulação com os serviços secretos, ou com parte deles, ou pelo menos por eles não obstaculizadas. O primeiro episódio deste gênero na recente história da Itália foi inegavelmente o massacre da Praça Fontana. Não obstante o longo processo judiciário em várias fases e em várias direções, o mistério não foi revelado, a verdade não foi descoberta, as trevas não foram dissipadas. Apesar disto, não nos encon-tramos na esfera do inconhecível; embora não saibamos quem foi, sabemos com certeza que alguém foi. Não faço conjecturas, não avanço nenhuma hipótese.”125

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DIREITO GLOBAL I

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126 Cf. DWORKIN, Ronald, Taking rights

seriously, Cambridge: Harvard Univer-

sity Press, 1977, p. 205: “The institution

of rights is therefore crucial, because it

represents the majority?s promise to

the minorities that their dignity and

equality will be respected. When the

divisions among the groups are most

violent, then this gesture, if law is to

work, must be most sincere”.

127 MUCCHIELLI, Jacques. “Article 41-

bis et prisons italiennes”. In ARTIÈRES,

Philippi, LASCOUMES, Pierre (org.),

Gouverner, enfermer - la prison, un

modèle indépassable? Paris: Presses de

Sciences Po, 2004, p. 246. Tradução livre

de “La magistrature italienne s’est ainsi

dotée de tout un arsenal de pouvoirs de

police et de lois d’excepcion: invention

de nouveaux délits telle l’association

criminelle terroriste et de subversion

da l’ordre constitutionnel? (article 270

bis du Códe pénal) venant s’ajouter et

redoubler les nombreuses infractions

déjà existantes  : «  association subver-

sive », « bande armée », « insurrection

armée contre les pouvoirs de l’État  »,

etc. Cette dilatation de la qualifi cation

pénale des faits assure alors tout une

stratégie de « rafl e judiciaire » permet-

tant d’incarcérer sur la base de simples

hypothèses, et ce pour une detention

préventive, permise par l’article 10 du

décret-loi du 15 septembre 1979, d’une

durée maximale de’dix ans et huit

mois.” Na seqüência, o autor apresenta

exemplo extremamente’semelhante

ao que se passou com o Recorrente:

“Un exemple typique de ces’pratiques

est l’inculpation conjointe pour bande

armée et pour le port des armes cen-

sées appartenir, par une déduction tout

particulière, à la dite «  bande  » ou les

inculpations pour «  concours psychi-

que » ou « moral ».”

128 BOBBIO, Norberto; VIROLI, Maurizio,

Direitos e deveres na República: os

grandes temas da política e da cida-

dania. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007,

p. 105.

129 BOBBIO, Norberto. Op. cit. (nota 3).

p. 105.

16. Situações de emergência como a italiana — no caso, a luta contra a fúria assassina que redundou no assassinato de Aldo Moro — motivam uma preocupação candente com o funcionamento dos aparatos repressivos. É fundamental, porém, que jamais seja aceita a derrogação dos fundamentos jurídicos que socorrem os direitos humanos.126 No caso italiano, as possibili-dades para que os abusos ocorressem estavam dadas pelo próprio ordenamen-to jurídico forjado nos “anos de chumbo”:

“A magistratura italiana foi então dotada de todo um arsenal de poderes de polícia e de leis de exceção: a invenção de novos delitos como a “associação criminal terrorista e de subversão da ordem constitucional” (artigo 270 bis do Código Penal) veio se somar e redobrar as numerosas infrações já existentes: “as-sociação subversiva”, “quadrilha armada”, “insurreição armada contra os poderes do Estado” etc. Ora, esta dilatação da qualifi cação penal dos fatos garantia toda uma estratégia de “arrastão judiciário” a permitir o encarceramento com base em simples hipóteses, e isto para detenções preventivas, permitidas pelo artigo 10 do decreto-lei de 15 de setembro de 1979 por uma duração máxima de dez anos e oito meses.”127

17. É público e incontroverso, igualmente, que os mecanismos de funcio-namento da exceção operaram, na Itália, também fora das regras da própria excepcionalidade prevista em lei. Tragicamente, também no Estado reque-rente, no período dos fatos pertinentes para a consideração da condição de refugiado, ocorreram aqueles momentos da História em que o “poder oculto” aparece nas sombras e nos porões, e então supera e excede a própria exceção legal. Nessas situações, é possível verifi car fl agrantes ilegitimidades em casos concretos, pois a emergência de um poder escondido “é tanto mais potente quanto menos se deixa ver”128.

18. Isso é professado em nome da preservação do Estado contra os insur-gentes, que não é menos ilegítima do que as ações sanguinárias dos insurgen-tes contra a ordem. Também me valho da lição de Bobbio:

“Quem decidiu ingressar num grupo terrorista é obrigado a cair na clandesti-nidade, coloca o disfarce e pratica a mesma arte da falsidade tantas vezes descrita como uma das estratagemas do príncipe. Mesmo ele respeita escrupulosamente a máxima segundo a qual o poder é tanto mais efi caz quanto mais sabe, vê e conhece sem se deixar ver.”129

19. Por outro lado, entre os teóricos do Direito que não crêem na de-mocracia liberal, Carl Schmitt, afi rma: “Na necessidade suprema o direito supremo prova o seu valor [bewährt sich] e manifesta-se o grau mais elevado

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DIREITO GLOBAL I

FGV DIREITO RIO 301

130 SCHMITT, Carl. O führer protege o

Direito. In MACEDO JÚNIOR, Ronaldo

Porto. Carl Schmitt e a fundamentação

do Direito. São Paulo: Max Limonad,

2001, p. 221.

131 Cf. documentos da Anistia Interna-

cional constantes das fl s. 88-91 dos

autos de solicitação de refúgio.

132 Cf. CPT/Inf (2007) 26. Rapport au

Gouvernement de l’Italie relatif à la vi-

site eff ectuée en Italie par le Comité eu-

ropéen pour la prévention de la torture

et des peines ou traitements inhumains

ou dégradants (CPT) du 16 au 23 juin

2006. Estrasburgo: Conselho da Europa,

2007, disponível em .

133 voto condutor da decisão apresenta

a constatação límpida de que houve no

caso crime político: “não há dúvida de

que se tratava de insubmissão à ordem

econômica e social do Estado italiano,

por razões políticas, inspiradas na mi-

litância do paciente e de seu grupo.”

Voto do relator, Min. Sidney Sanches, p.

35 (item 21).

134 “A necessidade, a razoabilidade,

a proporcionalidade a proibição do

excesso e do abuso devem servir de es-

cudo para limitar o absolutismo, como

se vê na atual legislação pátria sobre

a custódia cautelar em casos de extra-

dição” (MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco

Antonio Marques da (coord.), Tratado

luso-brasileiro da dignidade humana,

São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 573).

“A proporcionalidade consiste em uma

estrutura formal de relação meio-fi m, a

razoabilidade traduz uma condição ma-

terial para aplicação individual da jus-

tiça. Daí porque a doutrina alemã, em

especial, atribui signifi cado normativo

autônomo ao dever de razoabilidade.

IN: ALBRECHT, apud BARROS, Suzana de

Toledo. O principio da proporcionalida-

de e o controle de constitucionalidade

das leis restritivas de direitos funda-

mentais. Brasília, Jurídica, 1996. p. 69”.

135 DWORKIN, Ronald, Taking rights se-

riously, Cambridge: Harvard University

Press, 1977, p. 222: “The simple Draco-

nian propositions, that crime must be

punished, and that he who misjudges

the law must take the consequences,

have an extraordinary hold on the

professional as well as the popular

imagination. But the rule of law is more

complex and more intelligent than that

and it is important that it survive.”

da realização judicantemente vingativa desse direito. Todo o direito tem a sua origem no direito do povo à vida. Toda a lei do Estado, toda a sentença judicial contém apenas tanto direito quanto lhe afl ui dessa fonte. O resto não é direito, mas um “tecido de normas positivas coercitivas”, do qual um criminoso hábil zomba”130. Ou seja, para Schmitt, as conquistas jurídicas humanistas das luzes não valem, porque delas o delinqüente inteligente pode zombar. Para Bobbio, no entanto, quanto mais exceção, menos Democracia e menos Direito.

20. Determinadas medidas de exceção adotadas pela Itália nos “anos de chumbo”, por sinal, ressoam ainda hoje nas organizações internacionais que lidam com direitos humanos. A condenação a determinados procedimentos e penas motivou, de um lado, relatórios da Anistia Internacional131 e do Co-mitê europeu para a prevenção da tortura e das penas ou tratamentos desu-manos ou degradantes132 e, de outro, a concessão de asilo político a ativistas italianos em diversos países, inclusive não europeus.

21. Outros evadidos da Itália por motivos políticos vinculados à situação do país na década de 1970 e início dos anos 1980, mesmo período da fuga do Recorrente, não foram extraditados para o país pelo Supremo Tribunal Federal. Note-se, nesse sentido, a Extradição nº 694, na qual a condenação italiana, como no caso do Recorrente, apontava o objetivo do extraditando de “subverter violentamente a ordem econômico e social do Estado italiano, de promover uma insurreição armada e suscitar a guerra civil no território do estado, de atentar contra a vida e a incolumidade das pessoas para fi ns de terrorismo e de eversão da ordem democrática.”133

22. A preocupação com os limites do poder de “exceção” deve ocorrer? mesmo nos seus momentos mais duros? tanto no que se refere às normas de ordem material, como naquelas de ordem processual. Todas as normas, sejam excepcionais ou não, carregam, no sistema de direito orgânico à democracia, o permanente apelo à “razoabilidade” e à “proporcionalidade”134. É funda-mental, portanto, que aos que desobedecem a lei sejam estendidas todas as garantias da ordem jurídica democrática135.

23. O Recorrente sentiu diretamente os efeitos da legislação de exceção italiana. As acusações sobrepostas a que respondeu foram possibilitadas pelos procedimentos e tipos penais singulares desenvolvidos pelo Estado requeren-te, em grande parte aplicáveis por força do envolvimento do Recorrente no grupo conhecido como PAC (Proletários Armados para o Comunismo).

24. Após fugir da Itália em 1981, o Recorrente foi condenado pela Justiça do país, como autor e co-autor de homicídios ocorridos entre junho de 1978

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DIREITO GLOBAL I

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136 A esse respeito convém trazer à baila

que “O asilo territorial, que não deve ser

confundido com o diplomático, pode

ser defi nido como a proteção dada por

um Estado, em seu território, a uma

pessoa cuja vida ou liberdade se acha

ameaçada pelas autoridades de seu

país por estar sendo acusada de haver

violado a sua lei penal, ou, o que é mais

freqüente, tê-lo deixado para se livrar

de perseguição política.” (grifei), SILVA,

G.E. do Nascimento e, Manual de Direi-

to Internacional, Editora Saraiva, 15ª

Edição, 2002, p. 376.

137 Primeiro Tribunal do Júri de Ape-

lação de Milão. Sentença 17/90, nº

86/89 e 50/85 do Registro Geral, de

13/12/1988. Item 49 (antes 50). Ex-

pressão idêntica à sublinhada acima

encontra-se no item 114 (antes 123)

dos mesmos autos.

138 Cossiga, porém, foi ignorado, mes-

mo quando exerceu a presidência do

Conselho italiano, ao alertar para os

perigos da manutenção destas medi-

das e defender uma anistia ampla para

os perseguidos nos “anos de chumbo”.

Cf. MUCCHIELLI, Jacques. “Article 41-

bis et prisons italiennes”. In ARTIÈRES,

Philippi, LASCOUMES, Pierre (org.),

Gouverner, enfermer - la prison, un

modèle indépassable? Paris: Presses de

Sciences Po, 2004, p. 247.

e abril de 1979. Vislumbra o Recorrente, no caso, falta de oportunidades para que desenvolvesse sua ampla defesa. Nesse sentido, é de se notar que as acusações não buscam esteio em provas periciais, fundamentando— se pre-cipuamente em uma testemunha de acusação implicada pelos próprios fatos delituosos, qual seja, o delator premiado Pietro Mutti.

25. Poderia argüir-se que as acusações que pesam sobre o Recorrente di-zem respeito à violação da lei penal comum, não fosse o fato de que tais acusações constituem, em alguns casos, a “justifi cativa” jurídica do Estado requerente, sem a qual as chances de entrega do nacional requerido fi caram indubitavelmente prejudicadas136.

26. É sintomático, nesse sentido, que as decisões condenatórias, ao arrolar os tipos penais que o Recorrente teria praticado, apontem serem todas inte-grantes de “um só projeto criminoso, instigado publicamente para a prática dos crimes de associação subversiva constituída em quadrilha armada, de in-surreição armada contra os poderes do Estado, de guerra civil e de qualquer maneira, por terem feito propaganda no território nacional para a subversão violenta do sistema econômico e social do próprio País”137 (grifei)

27. Segundo o Recorrente, a natureza política de seus crimes é não ape-nas evidente como confi rmada pela maneira de o Estado requerente haver conduzido os processos criminais e os pedidos de extradição. Corroboram essa perspectiva as qualifi cações dadas a seus atos pelos processos de conde-nação em primeira instância e o fato de ser preso na Divisione investigazioni generali operazioni speciali, onde se lotavam os presos políticos dos “anos de chumbo”.

28. O Recorrente junta aos autos carta de Francesco Cossiga, infl uente político italiano nos anos 1970, que participou ativamente da elaboração das leis de emergência italianas138. Hoje Senador da República italiana, Cossiga atesta que os “subversivos de esquerda” passaram a ser tratados, na Itália dos “anos de chumbo”, como “simples terroristas e talvez absolutamente como ‘criminosos comuns’.” O missivista assevera, contudo, a impropriedade desta classifi cação impingida ao Recorrente:

“Vocês todos, de esquerda e de direita eram ‘revolucionários impotentes’: em particular vocês subversivos de esquerda que acreditavam com actos de terro-rismo, não certamente de poder ‘fazer’, mas pelo menos ‘escorvar’ a revolução, conforme os ensinamentos de Lenin, que condenava em via de princípio o “ter-rorismo”, mas que justifi cava ou melhor achava útil e “legítimos”.

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139 Carta vertida para o português, cons-

tante da fl s. 55 dos autos de solicitação

de refúgio.

140 BOBBIO, Norberto et.al, Dicionário

de Política, Brasília: Editora Universida-

de de Brasília, 2ª edição, 1986, p. 1185:

“Na prática, por um lado, o moderno

Estado de direito procurou sempre limi-

tar ao máximo, quando não eliminar, a

possibilidade da existência de alguém

que decida acerca do Estado de exceção

e que possua poderes excepcionais (a

moderna fi gura do estado de sítio é

uma ditadura confi ada, isto é, um po-

der constituído), enquanto, por outro

lado, historicamente, o Estado de exce-

ção tem sido proclamado por quem não

possuía habilitação para tanto, e que se

tornou soberano somente na medida

em que conseguiu restabelecer a uni-

dade e a coesão política.”

141 ARENDT, Hannah, Entre o passado e

o futuro. 2a ed. São Paulo: Perspectiva,

1972, p. 34.

Dum ponto de vista do marxismo-lenininsmo, os atos de terrorismo só se “propedêuticos” a revolução e capazes de conduzi-la. Os crimes que a subver-são de esquerda e a eversão de direita cumpriram, são certamente crimes, mas não certamente “crimes comuns”, porém “crimes políticos”?139

29. A respeito da criminalidade política e de sua caracterização em face dos instrumentos de cooperação internacional, observe-se o ensinamento de Francisco Rezek, Direito Internacional Público, 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 214-215:

“Asilo político é o acolhimento, pelo Estado, de estrangeiro perseguido alhu-res — geralmente, mas não necessariamente, em seu próprio país patrial — por causa de dissidência política, de delitos de opinião, ou por crime que, relacio-nados com a segurança do Estado, não confi guram quebra do direito penal co-mum. Sabemos que no domínio da criminalidade comum — isto é, no quadro dos atos humanos que parecem reprováveis em toda parte, independentemente da diversidade de regimes políticos — os estados se ajudam mutuamente, e a extradição é um dos instrumentos desse esforço cooperativo. Tal regra não vale no caso da criminalidade política, onde o objetivo da afronta não é um bem jurídico universalmente reconhecido, mas uma forma de autoridade assentada sobre ideologia ou metodologia capaz de suscitar confronto além dos limites da oposição regular num Estado democrático.” (grifei).

30. Não resta a menor dúvida, independentemente da avaliação de que os crimes imputados ao recorrente sejam considerados de caráter político ou não — aliás inaceitáveis, em qualquer hipótese, do ponto de vista do humanismo democrático — de que é fato irrefutável a participação política do recorrente, o seu envolvimento político insurrecional e a pretensão, sua e de seu grupo, de instituir um poder soberano “fora do ordenamento”140. Ou seja, de constituí-lo pela via revolucionária através da afronta política e militar ao Estado de Direito

31. Aspecto muito importante aqui, para examinar a pertinência de conces-são do refúgio, é que o Recorrente esteve abrigado em solo francês por razões políticas aceitas por decisão soberana do chefe de Estado daquele país. Aliás, na oportunidade o presidente François Mitterrand acolheu os “subversivos” sob a condição categórica de que fi zessem a renúncia formal à luta armada.

32. Não é singelo o fato de que o Recorrente tenha feito expressa opção por renunciar aos meios não pacífi cos de manifestação política. Hannah Arendt alerta que “se a mente é incapaz de fazer a paz e de induzir a reconciliação, ela se vê de imediato empenhada no tipo de combate que lhe é próprio”141 e por

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142 VERDÚ, Pablo Lucas, La Constitución

Abierta y sus «enemigos», Madrid: Be-

ramar, 1993, p. 91: “De todo lo expuesto

cabe deducir que la apertura impregna

a casi todos textos constitucionales de-

mocráticos. A mi italiano, aliás, motivos

estes que levaram o presidente Mitter-

rand a acolher o recorrente e vários mi-

litantes da extrema esquerda italianos

na mesma situação.

isso mesmo a autora ressalta a dimensão política dos juízos retrospectivos. Entre o passado e o futuro, o homem conta apenas com si mesmo para ceder ou resistir aos impulsos de amor e ódio, fúria ou compaixão, impulsos que se confundem quando destino e motivações, desejos e princípios são mesclados.

33. Após a renúncia à luta armada, o Recorrente permaneceu na França, por um período de mais de uma década. Constituiu família, casando-se e tendo duas fi lhas, vivendo pacifi camente como zelador e escritor. O Recor-rente, em suas próprias palavras, teria permanecido na França se pudesse, onde inclusive formulou pedido de naturalização e gozava de um asilo polí-tico informal.

34. A situação do Recorrente foi alterada durante o governo do presidente Jacques Chirac. O abrigo do recorrente, no território francês, foi desconstitu-ído e então anulado por razões eminentemente políticas. A mudança de posi-ção do Estado francês, que havia lhe conferido guarida como militante políti-co de extrema esquerda, foi o motor único de seu deslocamento para o Brasil. A extradição do Recorrente à Itália, que primeiro havia sido negada na França por razões políticas, foi posteriormente concedida pelas mesmas razões.

35. O Brasil, em vista desses acontecimentos políticos (mormente a mu-dança de governo na França), passou a ser “depositário” de um cidadão, de fato expulso de um território por decisão política, que se contrapôs à decisão anterior, a qual havia o reconhecido como perseguido político142.

“Entender esto signifi ca varias cosas a) La apertura constitucional evidencia que una Constitución no está sola porque la interdependencia internacional se ha incrementado notablemente, en los últimos tiempos aunque debe incremen-tarse. La recepción de contenidos internacionales en los documentos fundamen-tales; la referencia a los mismos para la interpretació n de los derechos humanos (art. 10,2 C.E.); la incorporación Del derecho comunitario en los ordenamien-tos europeos, lo corroboran. Ya no cabe hablar de soledad de la Constitución, y considerarla como un Universo cerrado y excluyente sino de un pluriverso basado en el pluralismo interno, internacional y comunitario.”

36. Por motivos políticos o Recorrente envolveu-se em organizações ile-gais criminalmente perseguidas no Estado requerente. Por motivos políticos foi abrigado na França e também por motivos políticos, originários de deci-são política do Estado Francês, decidiu, mais tarde, voltar a fugir. Enxergou o Recorrente, ainda, razões políticas para os reiterados pedidos de extradição Itália-França, bem como para a concessão da extradição, que, conforme o Re-corrente, estariam vinculadas à situação eleitoral francesa. O elemento subje-

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tivo do “fundado temor de perseguição” necessário para o reconhecimento da condição de refugiado está, portanto, claramente confi gurado.

37. À luz do que foi brevemente relatado, percebe-se do conteúdo das acu-sações de violação da ordem jurídica italiana e das movimentações políticas que ora deram estabilidade, ora movimentação e preocupação ao Recorrente, o elemento subjetivo, baseado em fatos objetivos, do “fundado temor de per-seguição”, necessário para o reconhecimento da condição de refugiado.

38. A título de esclarecimento, aponta-se a qualidade política da decisão sobre o refúgio. Segundo Francisco Rezek, Direto Internacional Público, São Paulo: Renovar, 2º vol., 15ª ed. 2004, verbis:

“A qualifi cação de tais indivíduos como refugiados, isto é, pessoas que não são criminosos comuns, é ato soberano do Estado que concede o asilo. Cabe somente a ele a qualifi cação. É com ela que terá início ou não o asilo.”

39. É bom que reste claro que o caráter humanitário, que também é prin-cípio da proteção internacional da pessoa humana, perpassa o refúgio, impli-cando o princípio in dubio pro reo: na dúvida, a decisão de reconhecimento deverá inclinar-se a favor do solicitante do refúgio.

40. Nesse diapasão, a Constituição Federal de 1988 estabelece em seu art. 4º a política de relações internacionais a ser observada no País:

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: (...)

X — Concessão de asilo político.

41. As normas internacionais que o Brasil está obrigado a observar con-signam, ainda, no capítulo da proteção da pessoa humana, que o pedido de refúgio deve ser julgado pela Autoridade com atenção detida e serena ao cará-ter protetivo da medida. Nesse contexto, transcrevo o art. XIV da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que inspirou os princípios das conven-ções supervenientes, bem como a Declaração sobre asilo territorial aprovada pela Assembléia da ONU, respectivamente:

Todo homem, vítima de perseguição, tem o direito de procurar gozar asilo em outros países. Toda pessoa vítima de perseguição tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.

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42. Por fi m, assinala-se que não há impedimentos jurídicos para o re-conhecimento do caráter de refugiado do Recorrente. Embora se reporte a diversos ilícitos que teriam sido praticados pelo Recorrente, em nenhum mo-mento o Estado requerente noticia a condenação do mesmo por crimes im-peditivos do reconhecimento da condição de refugiado, estabelecidos no art. 3º, inc. III, da Lei nº. 9.474/97, o que importa no afastamento das vedações estabelecidas no citado comando legal:

Art. 3º Não se benefi ciarão da condição de refugiado os indivíduos que: (...)III — tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra

a humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfi co de drogas;

43. Concluo entendendo, também, que o contexto em que ocorreram os delitos de homicídio imputados ao recorrente, as condições nas quais se desenrolaram os seus processos, a sua potencial impossibilidade de ampla de-fesa face à radicalização da situação política na Itália, no mínimo, geram uma profunda dúvida sobre se o recorrente teve direito ao devido processo legal.

44. Por conseqüência, há duvida razoável sobre os fatos que, segundo o Recorrente, fundamentam seu temor de perseguição.

45. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso para reconhecer a condição de REFUGIADO a CESARE BATTISTI, nos termos do art. 1º, inc. I, da Lei nº. 9.474/97.

46. Notifi que-se ao CONARE, para ciência do solicitante, ao Departa-mento de Polícia Federal e à Secretaria Nacional de Justiça, para as provi-dências devidas, bem assim ao Egrégio Supremo Tribunal Federal, para as providências cabíveis.

Brasília 13 de janeiro de 2009.

TARSO GENROMinistro de Estado da Justiça

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27ª AULA: O DIPLOMATA

EMENTA:

O diplomata. Imunidade diplomática. Convenção de Viena de 1961 so-bre Relações Diplomáticas. Funções da missão diplomática. Imunidades e privilégios.

LEITURA PARA A AULA:

Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 34.029 — Distrito Federal. (Material Didático).

SUGESTÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR:

1) AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao Direito Interna-cional Público. São Paulo: Atlas, 2008, capítulos 9.1 e 9.2.

2) REZEK, J. F. Direito Internacional Público. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, tópicos 92 a 95 da Seção II, do capítulo 1 da Parte II).

3) SOARES, Guido Fernando S. Curso de Direito Internacional Pú-blico. São Paulo: Atlas, 2004, p. 259 a 290.

4) DINH, Nguyen Quoc. Direito Internacional Público. 2ª ed. Lis-boa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 753 a 770.

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HABEAS CORPUS N. 34.029 DISTRITO FEDERAL.

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28ª AULA: O CÔNSUL

EMENTA:

O cônsul. Imunidade consular. Convenção de Viena de 1963 sobre Rela-ções Consulares. Funções Consulares. Imunidades e privilégios.

LEITURA PARA A AULA:

Supremo Tribunal Federal. Apelação Cível, n. 9.701-3 de 22/10/87 (ma-terial didático).

SUGESTÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR:

1) AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao Direito Interna-cional Público. São Paulo: Atlas, 2008, capítulos 9.1 e 9.2.

2) REZEK, J. F. Direito Internacional Público. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, tópicos 92 a 95.

3) SOARES, Guido Fernando S. Curso de Direito Internacional Pú-blico. São Paulo: Atlas, 2004, p. 259 a 290.

4) DINH, Nguyen Quoc. Direito Internacional Público. 2ª ed. Lis-boa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 771 a 775.

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. APELAÇÃO CÍVEL N. 9.7013.

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29ª AULA: AVALIAÇÃO E 30ª AULA: SEGUNDA CHAMADA E VISTA DE PROVA

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EVANDRO MENEZES DE CARVALHODoutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP). Mes-tre em Integração Latino — Americana pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Vice-Diretor de Graduação e professor da disciplina Direito Global I.

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FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

FGV DIREITO RIO

Joaquim FalcãoDIRETOR

Sérgio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO, PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUAÇÃO

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE METODOLOGIA E MATERIAL DIDÁTICO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS

Andre Pacheco MendesCOORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

Thais Maria L. S. AzevedoCOORDENADORA DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Márcia BarrosoNÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA — PLACEMENT

Diogo PinheiroCOORDENADOR DE FINANÇAS

Milena BrantCOORDENADORA DE MARKETING ESTRATÉGICO E PLANEJAMENTO