Direito Internacional Privado - Aulas Teórico Práticas

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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page1 14de Fevereiro – Aula 1 (Prof. Fernando Ferreira Pinto) Apresentação. Bibliografia. Programação. Introdução Teoria Geral dos Conflitos de Lei: primeira matéria a ser leccionada. O DIP visa estabelecer princípios e regras para as questões suscitadas na vida jurídico privada internacional. O DIP é fundamentalmente um direito de reconhecimento. Matérias/Problemas de DIP: Problema de Jurisdições Problema da Determinação da Lei Aplicável/Conflitos de Leis Problema do Reconhecimento das Sentenças Estrangeiras Programação das Aulas Introdução Geral (objecto e princípios fundamentais) Situações Jurídicas absolutamente internacionais, relativamente internacionais e puramente internas Competência Reconhecimento das Sentenças Estrangeiras Âmbito do DIP Valores do DIP Fontes do DIP Regras de Conflitos A base do DIP é o reconhecimento das situações constituídas nas outras ordens jurídicas. Próxima Aula: João Baptista Machado: 9 – 28; 44 a 51 Ferrer Correia: 11 – 44; 62 – 70 AULAS TEÓRICO-PRÁTICAS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A PROF. FERNANDO FERREIRA PINTO & PROF. LUÍS BARRETO XAVIER 2012/2013

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14de Fevereiro – Aula 1 (Prof. Fernando Ferreira Pinto)

Apresentação. Bibliografia. Programação. Introdução

Teoria Geral dos Conflitos de Lei: primeira matéria a ser leccionada.

O DIP visa estabelecer princípios e regras para as questões suscitadas na vida jurídico

privada internacional. O DIP é fundamentalmente um direito de reconhecimento.

Matérias/Problemas de DIP:

Problema de Jurisdições

Problema da Determinação da Lei Aplicável/Conflitos de Leis

Problema do Reconhecimento das Sentenças Estrangeiras

Programação das Aulas

Introdução Geral (objecto e princípios fundamentais)

Situações Jurídicas absolutamente internacionais, relativamente internacionais

e puramente internas

Competência

Reconhecimento das Sentenças Estrangeiras

Âmbito do DIP

Valores do DIP

Fontes do DIP

Regras de Conflitos

A base do DIP é o reconhecimento das situações constituídas nas outras ordens

jurídicas.

Próxima Aula:

João Baptista Machado: 9 – 28; 44 a 51

Ferrer Correia: 11 – 44; 62 – 70

AULAS TEÓRICO-PRÁTICAS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A

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SITUAÇÃO1: SITUAÇÃO RELATIVAMENTE INTERNACIONAL

O Senhor A, francês, casa com a Senhora B, francesa. O casamento realiza-se em

França e eles ficam lá a morar. Para Portugal tal é uma situação

estrangeira/internacional, mas para França tal é uma situação interna. Não se trata de

situação absolutamente internacional, uma vez que apenas para Portugal é que tal

situação consubstância uma situação internacional.

SITUAÇÃO2: SITUAÇÃO PURAMENTE INTERNA

Em Portugal, C casa com D, sendo ambos portugueses. Tal é uma situação puramente

interna.

SITUAÇÃO3: SITUAÇÃO ABSOLUTAMENTE INTERNACIONAL

O Senhor E, português, casa com a Senhora F, francesa, em Espanha. Tal

consubstancia uma situação absolutamente internacional, pois à partida é uma

situação plurilocalizada: desde do primeiro momento, tal situação não está

relacionada/conexada com uma única ordem jurídica.

O DIP na forma de conflitos é essencialmente um direito de localização.

As leis, as regras jurídicas, procuram ser regras de conduta. A regra jurídica procura

corresponder aquilo que se espera que as pessoas façam espontaneamente.

Naturalmente que as pessoas contam com a aplicabilidade das leis que estão em

vigor no momento em que elas praticam os actos, não devendo ter, em princípio, a lei

natureza retroactiva. O DIP é primo do direito intertemporal que procura estabelecer

qual a lei que se aplica no tempo. Um contrato que foi celebrado há 20 anos poderá

ser regulado por uma lei que entra agora em vigor? Depende: quanto à constituição

não, mas quanto aos efeitos sim. A constituição de uma situação jurídica é um

primeiro momento e o seu conteúdo e efeitos um segundo momento.

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O DIP parte do pressuposto que as leis basicamente são as regras de conduta. Ou

seja, no DIP temos o problema da aplicação das leis no tempo. Por exemplo: uma

situação jurídica foi constituída no dia 1.1.1990 e em 1.1.2000 surge uma nova lei. Nesta

situação, para salvaguardar a expectativa das pessoas e assegurar a segurança

jurídica aplica-se o Princípio da Não Retroactividade das Leis. Isto é, o direito

intertemporal.

No DIP o Princípio básico, paralelo a este, é o da Não Transactividade das Leis. A regra

básica do DIP, antes de qualquer regra de conflito, assenta em que uma lei só pode

ter a pretensão de aplicar-se a factos que no momento em que são praticados têm

alguma conexão de natureza espacial com essa lei.

As situações, pela diversidade dos seus elementos, em DIP, podem entrar em contacto

com várias leis.

Uma lei não deve ter a pretensão, se quiser continuar a ser um padrão de conduta

para as pessoas, de se aplicar a situações com as quais não tenha qualquer conexão

espacial. A ordem jurídica se não quiser ser uma ordem de coacção terá de ser uma

ordem de prescrição de uma determinada conduta: as pessoas têm a expectativa de

uma situação jurídica validamente constituída não o deixe de ser pelo facto de surgir

uma posterior lei que altere tal.

São exemplos de Factores de Conexão a nacionalidade, a habitação, a verificação

do facto ilícito, etc.

A Delimitação do âmbito de eficácia possível de uma determinada lei assenta no

âmbito espacial em que ela pode ter a pretensão de se aplicar.

O âmbito de eficácia possível de uma lei portuguesa assenta em que ela não pode ter

pretensão de aplicar-se a situações internacionais de outras ordens jurídicas com as

quais não tenha qualquer elemento de conexão.

O problema são as situações puramente internacionais. A solução mais comum

assenta na aplicação de uma regra de conflito, ou seja na determinação de qual

daquelas leis têm o título mais forte para intervir. À partida apenas se deve aplicar

uma lei, para não existirem conflitos. As regras de conflito delimitam o âmbito de

competência da lei, restringem a sua aplicação em função do âmbito de

competência.

A responsabilidade extracontratual é regulada pela lei do Estado em que ocorreu a

principal actividade causadora de prejuízo. Esta é uma regra de conflito: de entre as

duas leis possíveis abstractamente aplicáveis ela selecciona em função de dois

critérios (1) elemento de conexão abstracto (2) conceito quadro (é um conceito

técnico jurídico, sendo contrario ao comum das situações que descrevem situações

de facto).

Quanto aos instrumentos de uniformização podem-se salientar quer os regulamentos

comunitários quer as convenções internacionais.

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18 de Fevereiro – Aula 2 (Prof. Fernando Ferreira Pinto)

No âmbito de aplicação do DIP existe o problema de conflitos de leis no espaço (não

existe harmonia entre as diversas leis no espaço para a resolução dos mesmos

problemas jurídicas), problema de jurisdição, problema do reconhecimento das

sentenças estrangeiras ou o reconhecimento e execução das sentenças estrangeiras

e é discutível que caiba o direito de nacionalidade e dos estrangeiros. Tudo depende

de critérios adoptados.

Quer o conflito de leis no espaço, o problema de jurisdição e o problema do

reconhecimento e execução das sentenças estrangeiras constituem problemas

colocados pela plurilocalização das situações jurídicas, sendo que os fundamentos e

princípios pelo que se regem estas três áreas temáticas são fundamentalmente os

mesmos.

O DIP utiliza a técnica da Regra de Conflitos, sendo esta diferente das regras de Direito

Material.

LEX FORI: designa a lei do tribunal que está a resolver um litígio internacional. A lei do

foro é a lei daquele país, é o direito interno, o direito estadual, a que pertence o

tribunal que vai resolver um determinado litigio. O direito interno tem duas camadas

(1) camada de direito material (normas jurídicas que resolvem os problemas

concretos, os problemas substancias que as pessoas têm no seu dia-a-dia); (2)

camada de direito de conflitos (normas de segundo grau, normas sobre normas, tendo

como objecto outras normas; as regras de conflito não procuram dar a solução para

os problemas do dia-a-dia, indicando apenas a lei a que se vai buscar aquela

solução).O Direito de Conflitos, as suas normas, que são um dos instrumentos básicos

da resolução de problemas de conflitos das leis no espaço, têm uma estrutura

diferente das das leis no espaço. A regra de conflitos é uma regra de segundo grau,

porque não dá a solução para os problemas que as pessoas têm, sendo que elas só

resolvem o problema sabendo a lei à luz da qual consagra-se a solução. As normas de

conflitos são regras sobre regras, tem por objecto outras regras jurídicas. Aquilo que há

de comum entre os ordenamentos jurídicos são os problemas, as questões. Da

desarmonia entre os ordenamentos existe a necessidade de encontrar a lei que vai

dar a solução para o problema. As regras de conflitos enunciam problemas.

Análise do Código Civil: parte de DIP

Nos termos do art. 14º consagra-se o Direito dos Estrangeiros que se refere

praticamente a um problema de capacidade.

Nos termos do art. 15º ao art. 24º existem regras metodológicas (isto não deveria

constar do código civil, mas sim da ciência do direito).

A partir do art. 25º consagram-se as normas de conflitos, nomeadamente o estatuto

pessoal sendo que a referida norma consagra qual o seu âmbito. Estatuto significa

basicamente lei ou o conjunto de direitos de que beneficia uma pessoa porque é

residente ou nacional (etc.) de determinado Estado. O ESTATUTO PESSOAL é o

conjunto de matérias mais intimamente ligadas à pessoa. Existe uma lei que é

conhecida por ser a lei pessoal.

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O art. 25º é uma norma incompleta porque não indica qual a lei pessoal do indivíduo,

sendo que tal encontra-se consagrado no art. 31º.

Um Estado normalmente de grande emigração é normalmente um estado que rege o

estatuto pessoal dos seus cidadãos através da sua nacionalidade. Exemplo: um

português que reside em França continua a ter como lei pessoal a do estado

português mas posteriormente podem existir problemas de conflitos de leis.

As regras de conflitos muitas vezes vão seccionando as situações jurídicas

internacionais privadas, sendo que as regras de conflitos como que copiam a nossa

ordenação jurídica.

Ou seja, a função primordial da regra de conflitos é indicar a lei que se vai aplicar

para os problemas da vida jurídica internacional privada. Note-se que nada disto é

pacífico. O que é universalmente aceite é que todos os Estados têm de reconhecer

conteúdos estrangeiros, ou seja não pode vigorar o Princípio da Territorialidade

Absoluta. A função primordial do DIP é salvaguardar a expectativa e continuidade

das relações jurídica da vida internacional privada a fim que as pessoas tenham

segurança e estabilidade na sua vida.

O PROF. BAPTISTA MACHADO procede logo à distinção entre situações puramente

internas, relativamente internacionais e absolutamente internacionais.

O Direito de Conflitos, de leis no espaço, tem como função localizar a situação num

determinado espaço jurídico para mandar aplicar a lei que vigora em tal.

IDEIAS FUNDAMENTAIS:

Não há nenhum Estado do Mundo que não reconheça conteúdo estrangeiro.

A lei de cada Estado não pode ter uma pretensão de aplicação absoluta. As

leis têm limitesao seu âmbito de aplicação no espaço:

Uma lei tal não pode ter pretensão de se aplicar a situações com as

quais não tinha nenhum contacto no momento da sua constituição; os

efeitos já produzidos são intocáveis.

Uma lei não pode ter a pretensão de se aplicar a situações com as

quais não tenha qualquer contacto espacial. Uma lei só se pode

aplicar a factos com a qual tenha qualquer ligação: os elementos que

prendem uma lei com uma situação podem ser variados:

nacionalidade (elemento jurídico de conexão para a resolução de

conflitos na lei do espaço, mas pode não o ser para aferir a

competência dos tribunais portugueses).

NO DIP distinguem-se, quanto a um determinado facto, dois momentos: o momento

da constituição do facto e o momento da produção dos seus efeitos.

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SITUAÇÕES INTERNAS E RELATIVAMENTE INTERNACIONAIS: Resolve-se por aplicação da

regra básica de que uma lei só se pode aplicar a uma situação com a qual tenha

algum elemento de contacto. São a mesma coisa, mas são vistas de pontos de vista

diferente.

SITUAÇÃO ABSOLUTAMENTE INTERNACIONAIS/SITUAÇÕES PLURILOCALIZADAS:Situações

que têm conexão com mais de uma lei, pelo que não se resolve na totalidade de

acordo com a regra básica anterior, dizendo apenas qual são as leis que podem ter

vocação para regular aquela situação (PRINCÍPIO DA NÃO TRANSACTIVIDADE DAS

LEIS). A regra básica diz imediatamente quais são as leis que podem ter a pretensão

de regular aquela situação. É necessário fazer intervir a Regra de Conflitos.

O DIP é um direito de reconhecimento do conteúdo jurídico estrangeiro pois admite-se

que uma situação relativamente internacional que se passou em França tem de ser

reconhecida quanto à constituição em Portugal, por exemplo.

Nos termos do art. 49º, o casamento produz relações jurídicas duradouras. Enquanto a

obrigação instantânea, é uma obrigação que nasce para morrer logo de seguida; é

aquela obrigação que não tem por vocação perdurar (contrato de compra e venda

de um livro: a obrigação extingue-se com o cumprimento), o conteúdo da obrigação,

a prestação, não é determinada em função do tempo; nas obrigações duradouras, o

tempo define o conteúdo da prestação, ou seja elas não se extinguem pelo

cumprimento uma vez que visam a satisfação de interesses periódicos (o

arrendamento).

O casamento é uma obrigação duradoura, uma vez que as obrigações dos cônjuges

mantém-se continuadamente enquanto o casamento durar. O dever de respeito é

uma obrigação contínua e não periódica. Nos termos do art. 49º e ss, desmonta-se o

casamento em peças: (1) capacidade para contrair casamento (se um português

casar com uma francesa a capacidade relativamente ao português afere-se de

acordo com a lei portuguesa, mas a capacidade relativamente à francesa afere-se

de acordo com a lei francesa), (2) forma do casamento (se casarem em França a

determinação da forma válida para o casamento é a lei francesa), (3) relações entre

os cônjuges (no casamento entre o português e a francesa, as relações entre os

cônjuges, afere-se pela lei nacional comum por força do princípio da igualdade de

dignidade (antigamente, aferia-se pela lei nacional do marido), mas como são de

nacionalidades diferentes aplica-se o nº2 do art. 52º que consagra o critério da

residência habitual comum).

O Princípio da Não Transactividade delimita o âmbito de eficácia possível de uma lei.

Questão diversa é de saber de entre duas leis que tem a pretensão de se aplicar

aquela questão qual será a aplicada. Tal apura-se através da regra de conflitos,

localizando-se a situação. A regra de conflitos localiza a situação num determinado

espaço jurídico, ou seja atribui competência ou reconhece a competência de uma

das leis para regular aquela situação. Note-se que a regra de conflitos é uma regra de

conexão ou de localização, isto é indica qual a lei em que se encontra resposta para

aquele problema.

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O DIP procura para cada matéria encontrar a conexão mais estreita, mais próxima

daquela situação. Relativamente a cada problema jurídico procura determinar qual é

o elemento mais forte.

Toda a aplicação da lei estrangeira implica um salto para o desconhecido (nunca se

sabe o que a lei estrangeira diz e tal pode chocar a nossa consciência jurídica), mas

existe um paraquedas que é a cláusula do ordenamento. À partida o DIP é um direito

de reconhecimento e a perspectiva de cada legislador é aceitar conteúdo jurídico

estrangeiro uma vez que as pessoas estão à espera que se apliquem tais leis e até

para salvaguardar as expectativas válidas criadas por essas pessoas.

Perante as divergências que existem entre as diferentes ordens jurídicos, a forma de

resolver o problema assenta, sem prejuízo de certas leis de uniformização (lei uniforme

das letras e livranças e lei uniforme dos cheques), em tentar encontrar para cada

matéria a conexão mais forte porque presuntivamente é com a aplicação dessa lei

que as pessoas contam. Se assim não se conseguir resolver ainda problema existem

ainda outras formas de conseguir alcançar a situação.

Problema do reconhecimento da validade da situação jurídica constituída à luz de

uma lei estrangeira:

Para a Escola Nova a Regra de Conflitos é a solução para qualquer problema

de DIP

PROF. BAPTISTA MACHADO: Há problemas de DIP que podem ser resolvidos sem

recurso à regra de conflitos, como por exemplo as situações puramente

internas. Há que distinguir dois problemas: (1) o âmbito de eficácia de uma lei;

(2) o âmbito de uma competência da lei. Na origem da resolução de todos os

problemas de DIP não está a regra de conflitos. O autor indica o elemento de

conexão como sendo essencial. O problema das qualificações só se percebe

se interpretarmos que o art. 15º consagra que antes da intervenção da Regra

de Conflitos é necessário fazer intervir o Princípio da Não Transactividade da

Lei.

Se a situação é puramente interna só se trata de reconhecer tal, mas se uma situação

jurídica se constituir num país estrangeiro à luz de uma lei que nós não consideramos

competente para tal como se resolve tal situação? Está-se face a um problema de

reconhecimento de direitos adquiridos.

CONFLITO DE JURISDIÇÃO: relaciona-se com o tribunal que está melhor

colocado/posicionado para resolver um litígio. As regras de conflito de jurisdição são

as regras que delimitam a competência dos tribunais portugueses para apreciar um

litigio.

CONFLITO DE LEIS: descobrir a lei que tem o melhor título para intervir, sendo que à

partida será a que terá a conexão mais significativa.

Quanto às decisões que os tribunais estrangeiros adoptem, pode haver necessidade

de reconhecimento destas noutros ordenamentos jurídicos. O processo de admissão

designa-se como reconhecimento da sentença estrangeira.

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Os estados normalmente não recusam o reconhecimento das sentenças estrangeiras,

mas sujeitam-no a um processo especial. Em Portugal, tal processo de reconhecimento

encontra-se consagrado no art. 1994 e ss CPC, mas a tal sobrepõe-se o Regulamento

de Bruxelas I.

Reconhecer uma sentença estrangeira não implica necessariamente que (1) o juiz

tenha aplicado a mesma lei que a nossa (2) não depende da competência

internacional directa.

As regras de conflitos de leis no nosso CC são quase todas regras bilaterais (exemplo:

‘’ao casamento aplica-se a lei de nacionalidade dos cônjuges’’, ou seja pode ser

qualquer lei do mundo).

Note-se que a primeira questão que se tem que resolver quando existe um litigio

internacional é a de saber qual o tribunal competente e só posteriormente coloca-se

a questão de saber qual a lei aplicável.

O reconhecimento das sentenças estrangeira sé autónomo uma vez que se pode

aplicar sentenças que apliquem leis diferentes daquelas (já existiu um acto jurídico

com força e convicção completamente diferente). O reconhecimento de uma

sentença estrangeiro não implica que o tribunal que a proferiu seja competente

faceaquilo que nós entendemos.

O DIP é um direito Estadual e pelo objecto é normalmente direito privado

(indirectamente, refere-se à delimitação da competência das regras de direito

privado).

A Justiça do DIP é essencialmente uma justiça formal, não estando preocupada com

a validade ou legitimidade substancial das decisões do caso concreto; não está

preocupado com a justiça do caso concreto, mas sim com a segurança deste. O

Princípio básico do DIP é o da Harmonia Jurídica Internacional (nós devemos dar uma

solução a um caso que seja reconhecida como válida em todos os países do mundo;

que seja a mesma a solução dada ao caso em todos os países do mundo). Ou seja o

Princípio da Harmonia Jurídica Internacional tem a pretensão que a solução dada ao

caso seja universal e tal consegue-se com os vários Estados a adoptarem regras de

conflitos próximas. Mesmo se divergirem as regras de conflitos ainda há outras formas

de resolver o litígio. Note-se que este princípio tem influência não apenas na escolha

da lei mas também no reconhecimento das sentenças estrangeiras.

Existe ainda o problema da harmonia material. Embora o DIP trabalhe com a

desarticulação das situações jurídicas, tal não impede que ocorra uma desarmonia

entre as desarticulações. Existindo desarmonia material, as diferentes leis dão soluções

que não se harmonizam entre si.

Um outro princípio que se formulou e daria azo à criação de normas é o Princípio da

Maior Proximidade, mas em bom rigor a regra de conflitos deve procurar escolher a lei

mais próxima daquela situação. Mas não é neste sentido que se fala naquele

princípio.

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O Princípio da Maior Proximidade relaciona-se com a Eficácia das Sentenças (Princípio

da Efectividade das Sentenças Judiciais). Por exemplo, atende-se ao art. 62º: a lei

pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste.

Determina-se a aplicação de uma lei e o seu reconhecimento no país em que importa

que ela produza efeitos. Por exemplo, no caso dos bens imóveis vigora a lei que existe

no local onde ele se situa, ou seja onde a sentença terá de produzir efeitos.

O Princípio da Boa Administração da Justiça significa que naturalmente um juiz

português sabe de direito português, pelo que as vezes é muito complicado aplicar o

direito estrangeiro. Ou seja, à partida deveria aplicar-se a lei que é mais próxima ao

juiz, sendo que neste caso seria a lei do seu país. Este princípio só em raras situações

deve ser aplicado, sob pena de por em causa a finalidade e o objecto do DIP.

O Princípio da Paridade da Igualdade de Tratamento das Diferentes Leis assenta na

criação de um sistema de aplicação de leis que deve ser igual em todos os estados,

sendo que a diferenciação assenta na localização. Relaciona-se com o elemento de

conexão. Todas as leis devem ser colocadas em pé de igualdade, tendo todas a

mesma oportunidade de intervenção, decidindo-se de acordo com o elemento de

conexão de localização.

INTERESSES DO DIP (que por ele devem ser prosseguidos)

Interesses Individuais: interesses de sujeitos de direito privado (singulares ou

colectivos).

Em matéria de estatuto pessoal, deverá ser aplicada uma lei que tenha

em consideração os interesses individuais do sujeito em concreto

envolvido. Nas sociedades comerciais a lei pessoal será aquela onde

ela terá a sua sede efectiva.

Interesse do Indivíduo na Escolha da lei que que ele ache preferível: em

matéria de contratos, vigora o princípio da autonomia da vontade

quanto à escolha da lei aplicável

À transmissão dos imóveis aplica-se normalmente à lei da situação das

coisas

À responsabilidade extracontratual aplica-se a lei onde se produziu o

facto ilícito

Ordem Pública Internacional (art. 22º): existe uma prevenção geral que assenta

em que se a aplicação concreta da lei for chocante para a ordem jurídica

portuguesa não se reconhece aquele efeito. Existe uma interferência entre o

direito de conflitos e o direito material.

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Note-se que existem regras de conflitos que orientam a conexão com base no efeito

que decorre da aplicação de uma determinada lei. Há leis de conflitos que

estabelecem uma série de conexões opcionais que conduzem, por exemplo, à

validade do negócio. Neste caso, já se está face a interesses de justiça material

(normas de conexão substancial)

Próxima Aula:

Vias Possíveis e Alternativas de Resolução dos Conflitos de Leis

Estrutura e Tipos das Regras de Conflitos

Normas de Aplicação Necessária ou Imediata (Relatório de Mestrado do

Professor)

21 deFevereiro– Aula 3 (Prof. Fernando Ferreira Pinto)

LEX FORI vs LEX CAUSAE: enquanto a lexfori é a lei do tribunal que é chamado a

resolver um litigio (pode aplicar a sua própria lei ou pode aplicar uma lei estrangeira –

no primeiro caso a lexfori coincide com a lexcausae, no segundo causo já não).

A utilização da regra de conflitos como solução para os problemas de litígios na lei do

espaço, não é a única solução possível. O método conflitual, proposto de certa forma

por Savigny, traduz-se geralmente na criação de regras de conflitos bilaterais.

Existem várias alternativas à Regra de Conflitos, nomeadamente:

Criação de um direito especial para as situações da vida privada

internacional: tinha-se um código civil para as situações puramente internas e

outro código civil para as situações relativamente/absolutamente

internacionais.

LexMercatoria: no fundo, seria o direito desenvolvido na própria actividade

internacional comercial composto por um conjunto de usos ou costumes, que

correspondia as praticas regulares dos comerciantes. Tal seria composto, por

exemplo, pelo facto de nas relações comercias internacionais muitas vezes

utilizarem-se contratos standarzidos; termos utilizados no comércio jurídico

internacional, etc. em bom rigor a lex mercatória, hoje ainda não pode ser

considerada como fonte de direito.

Os autores americanos defendiam que devia se encontrar a melhor lei

adaptada ao caso concreto – lei substancialmente mais adequada para a

resolução do caso – etc.

Mas o método da Regra de Conflitos é o mais adequado e o que conduz a uma

melhor resolução e eficácia dos litígios internacionais. O resto é história, e não vingou.

O método conflitual passa pela criação das regras de conflitos, sendo que estas não

são todas iguais. As mais comuns são as bilaterais: o bilateral é uma designação que

se usa muito mas que não significa literalmente o que se pensa.

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REGRA DE CONFLITO BILATERAL: é uma regra de conflitos que determinada qual lei

aplicável podendo essa ler a lei do foro ou qualquer outra. No fundo, é uma regra

multilateral: se pode desencadear a aplicação da lei do foro ou a aplicação de

qualquer lei de um estado do mundo é multilateral. Normalmente é uma regra de

conexão múltipla, que só escolhe uma conexão para aplicação da lei ao caso

concreto.

REGRAS DE CONFLITO UNILATERAIS: apenas delimitam o âmbito de competência da lei

do foro; dizem apenas quando o direito português é aplicável. Segundo a corrente do

unilateralista cada estado apenas pode dizer quando a sua lei é aplicável, mas não

tem competência para dizer quando é que a lei dos outros estados é aplicável.

Envolve de alguma forma a soberania de cada estado, sendo esta corrente. Mas tal

esta errada: se em Portugal se manda aplicar a lei francesa não é a soberania do

estado francês que esta a ser manifestada, mas sim a soberania do estado português

devido ao facto de achar que aquela deve ser a lei aplicável devido as expectativas

dos sujeitos. Havia ainda quem defendesse que o unilateralismo era a melhor forma de

manter a harmonia internacional: a melhor forma de resolver os litígios é cada estado

dizer quando quer aplicar à sua lei. Esta segunda teoria gera situações de vácuo

(imagine-se uma situação em que nenhum estado quer aplicar a sua lei, nestes casos

tal conduz a um conflito negativo, uma situação de vácuo: aquela situação/litigio não

tem resolução). O biliteralismo evita situações de vácuo, mas pode multiplicar

situações de cúmulo.

A regra de conflitos padrão é a regra de conflitos bilateral. As modernas leis de direitos

de conflitos são todas construídas de acordo com regras de conflitos bilaterais. É de

alguma forma universal: a regra de conflitos pode determinar a aplicação de

qualquer lei de qualquer estado.

REGRAS DE CONFLITOS IMPERFEITAMENTE BILATERAIS: prevêem a aplicação tanto da lei

do foro como da lei de qualquer outro estado mas só para alguns casos. Isto passou-se

no art. 51º do CC até 2007, quanto ao casamento uma vez que não previa a forma do

casamento de dois estrangeiros no estrangeiro.

Note-se que tal não significa que nos não usemos regras de direito material no direito

português. Por exemplo, atente-se o art. 2223º: o nosso legislador consagra que,

embora a regra geral sobre a forma do testamento vigora o art. 65º, mas quanto aos

portugueses pode-se fazer exigências suplementares. Isto é, aceita-se que o

testamento possa ser feito no estrangeiro mas não em qualquer parte do mundo. Nos

termos do art. 65º/1 I parte facilita-se a vida das pessoas e potencia-se a validade do

negócios que se faz. Se estiverem envolvidos cidadãos portugueses, de acordo com o

art. 65º, o testamento seria válido independentemente de onde fosse celebrado.

Contudo, existe o art. 2223º: embora não deixe de ser aplicável a lei estrangeira

competente, o testamento terá sempre de observar uma forma solene para produzir

efeitos em Portugal.

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ESTRUTURA DA REGRA DE CONFLITOS BILATERAL

Elemento1 (elemento estruturante) – Elemento de Conexão: é uma

circunstancia da vida que se relacione com os factos e que tem aptidão para

estabelecer a ligação entre essa situação da vida e uma determinada lei.

Pode ser delimitado através de conceitos normativos ou conceitos puramente

descritivos da situação de facto (lugar da situação de uma coisa). Exemplos:

nacionalidade, sendo uma realidade normativa (art. 25º, 26º, 27º, 30º e 31º), a

residência habitual, sendo um conceito descritivo de uma realidade de facto

sendo que é onde tem o seu centro de vida (art. 31º/2, 35º/3), sede da pessoa

colectiva, sendo um elemento atribuído na sua constituição podendo existir

uma sede estatutária embora se atende à sede efectiva, a situação de uma

coisa, lugar da pratica de um acto e a conexão voluntária (as pessoas querem

que se aplique uma determinada lei). Por diversos elementos, uma situação da

vida pode estar em contacto com diversas leis. Em suma, o elemento de

conexão é um elemento da factualidade que o legislador utiliza na regra de

conflitos, escolhendo um deles, para ser o elemento designativo da lei

competente. Exemplo: situação X está em contacto com a Lei A (lei da

nacionalidade do comprador), com a Lei B (nacionalidade do vendedor), com

a Lei C (local da celebração do negócio) e com a Lei D (domicilio de ambos)

a situação está no âmbito de eficácia de todas as referidas leis. Decide-se

de acordo com o seguinte: qual o elemento de conexão relevante, qual é o

escolhido pela regra de conflitos, etc. todas as leis são competentes mas são

competentes para que? Aqui surge o objecto da conexão.

Elemento2 (elemento estruturante) – Objecto de Conexão: é geralmente

definido através do conceito quadro, ou seja este conceito quadro serve para

delimitar a competência atribuída aquela lei. O conceito quadro é um

conceito questão, coloca um problema, refere-se a um problema ou a

conjunto de problemas jurídicas, refere-se a uma matéria ou um perfil. É um

conceito que se refere a uma questão jurídica, que indirectamente esta a

responder as normas a que se referem aquelas questões jurídicas. Enquanto o

elemento de conexão diz qual a lei competente, o conceito quadro diz quais

as matérias que são reguladas por aquela lei.

Elemento3 – Consequência Jurídica da Regra de Conflitos (corresponde à

estatuição das normas): atribuição ou reconhecimento da competência

atribuída a uma determinada lei. A lei que estiver conectada com os factos de

acordo com o elemento de conexão, será a lei competente para regular a

questão regulada pelo conceito quadro.

▲ Nas regras de conflitos subsume-se um conjunto de normas jurídicas num conceito

quadro

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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page13

Note-se que há REGRAS DE CONFLITOS COM CONEXÃO MULTIPLICA, podendo ser:

ALTERNATIVA: exemplo, o negócio jurídico é valido se X ou Y ou Z. Possível de

aplicação é qualquer lei visando potenciar a validade do negócio. Visa-se

favorecer uma determinada situação, uma determinada pessoa ou um

determinado interesse. Atente-se ao art. 36º do CC. Por vezes este tipo de

normas não tem em vista apenas facilitar o comércio internacional, mas

também aplicar a lei mais favorável a uma determinada pessoa. Por vezes, são

regras que decidem a lei aplicável não em função de elementos puramente

conflituais mas sim em função do resultado que se ira obter (têm um conteúdo

substancial). São regras de conflitos que visam resultados de natureza material.

CUMULATIVA: São Regras de conflitos que mandam aplicar mais do que uma

lei a um mesmo litígio. Sujeita-se a validade ou eficácia de um acto à

prescrição conjunta de duas leis. São casos raros, uma vez que criam uma

enorme dificuldade. Estas regras prometem mais do que aquilo que dão:

prometem aplicar duas leis, mas no fundo só se aplica a norma mais rigorosa.

Atente-se ao art. 60º: só pode ser validamente constituída uma relação de

filiação adoptiva se a lei pessoal do adoptante o permitir e se a lei que regula

a relação entre o adoptante e os progenitores naturais o permitir.

DESTRIBUTIVA:a regra de conflitos distribui entre leis diferentes aspectos da

mesma questão jurídica (por exemplo, a capacidade matrimonial).

SUBSIDIÁRIA: muitas vezes visa resolver problemas que são criados pela própria

regra de conflitos que adopta uma conexão, que facilmente pode não existir.

Atente-se ao art. 52º: às relações pessoais entre os cônjuges aplica-se a lei da

nacionalidade comum, mas se eles não tiverem nacionalidade comum aplica-

se a lei da residência habitual comum. E se não residirem juntas? O legislador

desistiu de resolver: antes de 77 aplicava-se a lei da nacionalidade do marido,

mas agora estabelece que quem vai decidir será o juíz quando estiver a

apreciar o caso concreto (‘’a lei do país com o qual a vida familiar se ache

mais estreitamente conexa’’). Visa resolver situações de impasse.

CONDICIONAIS: A competência atribuída a uma lei é sujeita a uma condição,

que pode ser a de essa mesma lei ser aplicável. Atente-se ao art. 28º: a lei

parte do princípio que a lei competente para aferir a capacidade negocial

daquele individuo não era a lei portuguesa (em principio, a lei competente

seria a lei da sua nacionalidade). Visa a protecção do comércio jurídico local.

Faz depender a competência de uma regra estrangeira ela ter regras

semelhantes às constantes do art. em análise. De alguma forma, biliteraliza o

nº3: existe uma remissão para uma lei condicionada, que assenta no facto de

ela se querer ou não aplicar. Depende de uma condição. Acontece muitas

vezes quando ao se distinguir os bens móveis e imóveis, em que para os

primeiros se aplica a lei da nacionalidade e aos segundos a lei do local onde

eles se encontram.

▲CONFLITO DO MÓVEL: a mãe do professor, brasileira, quando se casou com o pai do

professor, português, perdeu a nacionalidade brasileira e agora é portuguesa.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page14

NORMAS DE APLICAÇÃO IMEDIATA OU NECESSÁRIA

Houve sempre uma tentação que assentava no regresso aos estatutários. Note-se que

os romanos tinham uma lei para eles e uma lei para os estrangeiros. O Direito de

Conflitos começa a nascer na Idade Média. Na escola estatutária analisavam-se os

estatutos e tentava apurar-se o seu âmbito de eficácia.

Com o direito dos conflitos procura-se localizar as situações num espaço jurídico,

através de uma regra de conflitos. De acordo com a paridade e a igualdade de

intervenção entre todas as leis do mundo, existia contudo um salto de paraquedas:

resultados insatisfatórios/Inadmissíveis a que conduz a lei de um estado pode chocar o

nosso ordenamento jurídico.a ordem publica intervém depois de se usar a regra de

conflitos, esta dizer qual a lei aplicável, verificar-se as consequências da aplicação

dessa lei.

Nos países de índole romana defendia-se que algumas materias pela sua sensibilidade

não aceitavam a aplicação de leis estrangeiras aplicando-se a lei nacional. Note-se

que ainda hoje no direito público aplica-se a nossa lei e nada mais.

FRANCESCAKIS: veio com a história das leis de aplicação necessária ou imediata e

afirmava que a prática dos tribunais franceses muitas vezes antes de ver se é aplicável

uma lei estrangeira era verificar a aplicabilidade do seu direito. Quando as leis

estrangeiras se quiserem aplicar aplicam-se imediatamente sem passar por uma regra

de conflitos: normas de aplicação necessária ou imediata, sendo que nem sempre são

de aplicação imediata porque necessitam sempre, por exemplo, de um elemento de

conexão.

REGRAS DE APLICAÇÃO NECESSÁRIA OU IMEDIATA: São regras que pelas finalidades

que visam prosseguir não se satisfazem, não aceitam, o âmbito de competência que

é atribuído à sua própria lei, querendo aplicar-se a mais casos, estendendo o seu

âmbito de competência que lhe era conferido pelas regras de conflitos gerais do

sistema. As regras de aplicação necessária ou imediata, implicitamente ou expressa,

têm uma regra de conflitos que delimitam o seu âmbito de competência. O âmbito

de aplicação de uma lei é delimitado pela sua previsão e estatuição. Ou seja, são

regras de direito material que expresso ou implicitamente estabelecem uma conexão

especial que representa uma extensão relativamente ao âmbito de competência do

sistema jurídica em que essa lei se insere. Por exemplo: quando estiver envolvido um

português, o legislador exige que o testador tenha feito o testamento com forma

solene ampliando o âmbito de competência da lei portuguesa nos termos do art.

2223º (vsart. 65º). Em suma é uma regra que pelos fins que prossegue que são de tal

forma importantes, ela não se satisfaz com o âmbito de competência que é definido

pela regra de conflitos geral (nos termos do art. 65º, o direito português só era

competente se o testamento tivesse sido realizado em Portugal, mas no art. 2223º o

legislador ampliou o âmbito de competência da lei portuguesa).

Na Lei do Contrato de Agência, nos termos do art. 38º, aos contratos de agência que

se desenvolva exclusivamente ou preponderantemente em território português, só não

se aplica a legislação portuguesa, quanto à cessação, se tal for mais benéfico para o

agente.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page15

Tal resulta de uma directiva comunitária. Em matéria de contratos, a regra básica é

que a lei aplicável será aquela que as partes escolhem. O problema é que há quem

defenda que nestes casos existe ‘’a lei do mais forte’’.

Contudo, é natural que quando o legislador diz que a lei aplicável é aquela que as

partes escolham, é necessário atender às regras internacionalmente imperativas. O

regime da cessão do contrato de agência está, mal feito, pensado para proteger o

agente, enquanto sendo a parte mais fraca. A lei portuguesa à partida só deveria ser

aplicada se fosse aquela escolhida pelas partes, mas o art. 38º consagra algo

diferente estendendo a competência da lei portuguesa de forma imperativa.

O art. 38º não é uma regra de aplicação necessária ou imediata, mas apenas

consagra que se aquilo assim não fosse como seria. No fundo, a regra do art. 38º só

torna as coisas mais claras: em muitas regras de aplicação necessária ou imediata

começa-se por adivinhar as coisas, aqui não. O art. 38º é uma regra de conflitos

unilaterais, em que as regras de cessação no contrato de agência aplicam-se a mais

casos do que aqueles que a priori se aplicariam pelas regras de direitos de conflitos

gerais.

A definição das regras de aplicação necessária ou imediata encontram-se

consagradas no art. 9º no Regulamento de Roma I.

Existe um outro tipo de regras no direito que também utiliza elementos de conexão,

expressa ou implicitamente, que se designam como NORMAS MATERIAIS

ESPACIALMENTE LIMITADAS.

25 de Fevereiro – Aula 4 (Prof. Luís Barreto Xavier)

NORMAS DE APLICAÇÃO IMEDIATA OU NECESSÁRIA (continuação)

Estas normas surgem não só pela existência de interesses relevantes que merecem

protecção, mas também pelo facto de se uma determinada norma material do

estado de foro não se impusesse como obrigatória mesmo nesse estado, as soluções

que poderiam surgir de ordenamentos estrangeiros poderiam vir a ser afastadas pela

clausula geral da ordem de jurídica, que afasta as soluções estrangeiras que chocam

com a lei do foro.

A bilateralidade das regras de conflitos assenta numa certa fungibilidade das

soluções, ou seja assenta na ideia de que há mais justiça no mundo para la daquela

que cabe na filosofia adoptada no território português. Um sistema bilateral é aquele

se entende que a norma portuguesa não é a única detentora de valores e princípios

que são admissíveis, sendo apenas uma concretização possível do ideal de justiça e

dos valores.

Se não for aplicada a lei portuguesa numa determinada solução será aplicada uma

lei estrangeira que à partida será constituída por valores e princípios dignos de

protecção. O pano de fundo em que surgem as normas imediatas assenta em saber

se que existe a aplicação de uma determinada lei, a do nosso ordenamento jurídico

ou internacional.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page16

Existe uma ideia de igualdade e de fungibilidade entre sistemas que assenta no facto

de cada ordenamento jurídico ter títulos de aplicabilidade semelhantes aos demais

ordenamentos.

PRINCÍPIO DA HARMONIA JURÍDICA INTERNACIONAL: contribui para a estabilidade das

situações jurídicas, para que as soluções jurídicas de natureza privada consagrada

num determinado ordenamento jurídico seja considerada valida noutro ordenamento

jurídico.

PRINCÍPIO DA PARIDADE: não tenta aplicar a lei portuguesa a todas as situações. Este

princípio determina que as razoes que devem levar à aplicação do direito português

devem ser as mesmas que mandam aplicar as leis estrangeiras. RATIO: Este princípio

articula-se com outros princípios, nomeadamente com o princípio da conexão mais

estreita e com o da harmonia para tutela das expectativas das partes, para tutela

da sua confiança, é que se traça/determina a lei aplicável com independência de

essa ser a lei estrangeira ou a lei do foro.

Tendo em consideração o que foi exposto, à primeira vista, pode parecer que as

normas de aplicação imediata estão a contrariar o Princípio da Paridade. O que

justifica tal? Há autores que definem estas normas de acordo com o interesse estadual

que elas tutelasPROF. LUÍS BARRETO XAVIER discorda: os interesses públicos podem

ser defendidos através de diversas técnicas, desde as normas de aplicação imediata

como através da norma de clausula de ordem publica (art. 22) e ate podem ser

defendidas através de outros vias (o regulamento de ROMA I estabelece uma forma

de tutela para certos interesses, que é uma tutela através de standards mínimos de

aplicação.

RAZÕES: prendem-se com a evolução socio jurídica dos tempos em que se ultrapassou

o paradigma liberal em que o estado não intervém nas relações jurídicas privadas,

passando a ser um estado intervencionista. A técnica das normas de aplicação

imediata surge numa época de intervenção dos poderes estaduais na vida privada

jurídica, intervindo para restabelecer/reparar desequilíbrios à partida e para prosseguir

determinados tipos de interesses estaduais de particular relevância (domínio

económico e social nas relações privadas).

Deste modo, uma das vias possíveis para prosseguir os referidos fins é através de

normas de aplicação imediata.

Normas de Aplicação Imediata vsNormas Espacialmente limitadas

NORMAS DE APLICAÇÃO IMEDIATA: normas materiais cuja aplicabilidade não

depende das regras de conflitos, mas de uma vontade própria de aplicação

traduzida através de um elemento técnico é que a norma de conflitos ad hoc.

Como é que se sabe que uma norma material é de aplicabilidade imediata ou

necessária?

Existe um mecanismo aparentemente simples: olha-se para a norma e vê-se se essas

normas materiais estão ou não cupuladas uma norma de conflitos unilateral ad hoc.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page17

REGRA DE CONFLITOS UNILATERAL AD HOC: essa regra de conflitos que delimita apena

o âmbito de aplicação do foro, não delimita todo o direito de aplicação do foro, mas

apenas indica o seu próprio âmbito de aplicação dessa norma material. ANÁLISE DO

ART. 2223º:

PREVISÃO MATERIAL: celebração de um testamento fora de Portugal

ESTATUIÇÃO MATERIAL: obrigatoriedade de observância de uma forma solene,

ou na feitura do testamento ou na sua aprovação

REGRA DE CONFLITOS AD HOC: nacionalidade do testador

Ou seja, segundo o art. 2223º não apenas se está a descrever uma situação de facto

(previsão) que leva a desencadear uma determinada consequência (estatuição),

como se pressupõe ainda um elemento essencial de conexão com o ordenamento

jurídico português (regra de conflitos ad hoc). Resulta desta norma a existência de

uma regra de conflitos unilateral ad hoc: se o testador for português, mesmo que

celebre o testamento fora de Portugal, a forma desse testamento não vai seguir

literalmente a regra de conflitos o art. 65º uma vez que existe uma exigência mínima

que terá sempre de ser respeitada (forma solene). Sempre que se verifique o elemento

ad hoc, faz-se prevalecer a estatuição sobre a regra geral de conflitos do art. 65º.

NORMAS ESPACIALMENTE (AUTO) LIMITADAS: Note-se que as normas de aplicação

imediata impõe a adopção de uma determinada solução sempre que se verifique

uma determinada conexão. Todavia, existem outras normas materiais que fazem o

oposto do que foi referido, no sentido de em vez de dizerem que tais normas são

aplicáveis sempre que se verifique uma determinada conexão ad hoc consagram-se

que não serão aplicáveis nos casos que não estiverem consagrados na sua previsão.

Ou seja, estas normas afastam a sua própria aplicação quando faltar tal conexão por

elas próprias estabelecidas. Exemplo: suponha-se que existe uma determinada norma

que estabelece limites em matéria de contratos que se relaciona com factos que

ocorram em território português. Independentemente de ser aplicação imediata ela

será espacialmente limitada se não fizer sentido aplicar a situações fora de Portugal.

Há certas normas em que a sua aplicação só faz sentido se tiver ocorrido em território

português. Por exemplo, uma colisão entre veículos entre um português e um britânico.

Embora na Grã Bretanha se conduza pelo lado esquerdo, uma vez que o acidente

ocorreu em Portugal não faz sentido aplicar a lei de lá, mas sim a lei de Portugal. Ou

seja, está em causa a ideia de que certas normas materiais têm na sua natureza um

elemento que as liga necessariamente a um determinado espaço, tendo por isso

hostilidade a ser aplicado para la desse mesmo estado.

É ou não possível que uma norma material seja simultaneamente de aplicação

imediata e espacialmente auto limitada?

Sim. Por exemplo, norma com uma previsão e estatuição material + obrigatoriedade

de aplicação quando os sujeitos sejam residentes habituais em Portugal (norma de

aplicação imediata) + Apenas se aplica se os sujeitos forem residentes habituais

(norma espacialmente auto limitada) Em compra e venda de bens de consumo, o

consumidor tem a possibilidade de em 8 dias pedir a resolução do contrato, sem

penalização, desde que devolva o bem adquirido em impecáveis condições.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page18

Este regime é aplicável sempre que a compra tenha lugar num estabelecimento

comercial situado em Portugal. Esta norma não se aplica a compras realizadas em

estabelecimentos comerciais situados fora de Portugal.

APLICAÇÃO NOS CASOS CONCRETOS DAS NORMAS DE APLICAÇÃO IMEDIATA

Primeiro, em vez de se verificar se existe uma norma de conflito geral verifica-se se

existe uma norma de aplicação imediata, uma vez que estas segundas prevalecem

sobre a primeira devido à restrição que consagram faceaquelas.

Admitindo Que uma dada norma material não tem expressa no respectivo teor ou em

disposição acessória não contem de forma aparente uma norma de conflitos

unilateral ad hoc. Ou seja trata-se de uma norma material mas ela não aparece

munida da norma de conflitos unilateral ad hoc. Tal apontaria para ser uma norma

material comum. Mas da ratioleges, da razão de ser da norma e dos fins que

prossegue, decorre necessariamente que ela deve aplicar-se sempre que se verifique

uma determinada ligação ao ordenamento jurídico do foro. Ou seja, todas as normas

têm de ser interpretadas, não havendo nenhuma norma que por mais que o sentido

pareça evidente não necessite de ser interpretada, e interpretada chega-se à

conclusão que o âmbito de aplicação e os fins só serão alcançados se a norma se

aplicar a factos ligados com a ordem jurídica portuguesa (aplicação da norma a

todos os cidadãos portugueses ou a todos os residentes habituais em Portugal).

A doutrina diverge:

Há quem entenda que é possível extrair por interpretação do conteúdo da

norma e dos seus fins uma vontade de aplicação da norma que leva a que se

descubra uma norma de aplicação imediata, sob pena do seu fim não ser

atingido oPROF. LUÍS BARRETO XAVIER concorda com esta posição: se o

intérprete tem de o interpretar as diferentes normas isso vale quer para a

previsão material quer para a intervenção espacial. Contudo, o caracter d

interpretação das normas de aplicação das normas imediatas não deve ser a

regra, não podendo o intérprete sempre que lhe dá jeito dizer que é uma

norma de aplicação imediata. É necessário rigor. Na CRP existe uma norma de

proibição dos despedimentos sem justa causa, sendo que parte da doutrina e

a jurisprudência entendem que se trata de uma norma de aplicação imediata

servindo esta norma de base para o afastamento de normas estrangeiras e

para a aplicação directa da norma portuguesa que proíbe os despedimentos

sem justa causa desde que se verifique uma das seguintes conexões (1)

contrato de trabalho executado em Portugal, e (2) sempre que o trabalhador

tenha nacionalidade portuguesa o elemento de conexão ad hoc será o

lugar de execução do trabalho, tendo o prof. dúvidas quando à aplicação

desta norma a trabalhadores não portugueses.

Há quem entenda que o interprete não tem a liberdade suficiente no nosso

sistema de fontes o caracter de aplicação imediato de uma norma posição

do PROF. LIMA PINHEIRO

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page19

Admitindo que se trata de uma norma de aplicação imediata (independentemente

que tal resulte da interpretação ou da própria norma), essas normas serão aplicadas

com prevalência sobre as regras gerais de conflitos.

Imagine-se que se na lexcausea se depara com uma norma de aplicação imediata.

Quidiures? Tal não tem qualquer problema, aplicando-se essa norma por tal integrar a

lexcausae e não por ser uma norma de aplicação imediata, a não ser que tal viole a

nossa ordem jurídica ou a não ser que existisse uma norma de aplicação imediata

portuguesa e tiver vontade de aplicação ao caso concreto. Para além do que foi

referido, a norma de aplicação imediata estrangeira não seria aplicável se fosse

espacialmente auto limitada. Ou seja, a lei estrangeira de aplicação imediata da

lexcausae (que integra o âmbito de aplicação do direito estrangeiro) também não

será aplicável se for espacialmente auto limitada, e sendo-o não se verifique no caso

concreto o elemento de conexão para que ela própria se considere aplicável. Não

sendo tal norma aplicável, e tendo em consideração que a regra de conflitos manda

aplicar o direito estrangeiro, é necessário encontrar nesse quadro a norma aplicável.

Neste caso, pode suceder que existam normas que estabeleçam que só tem

aplicabilidade se verificar a existência de um elemento de conexão, mas não impõe a

sua aplicação sempre que se verifique o elemento de conexão trata-se de hipóteses

em que é competente uma lei estrangeira e dentro desta existem normas

espacialmente auto limitadas.

QUESTÃO MAIS COMPLICADA: qual a relevância das normas de aplicação imediata

quando elas pertencem a um terceiro ordenamento jurídico (não é o ordenamento

jurídico do foro mas também não é o ordenamento jurídico cujas leis a regra de

conflitos manda aplicar)? Existem três hipóteses:

Ignora-se a existência da norma de aplicação imediata: não pertencendo ao

direito do foro nem ao direito que o foro manda aplicar, esta seria a hipótese

mais provável. Mas este não é o caminho hoje dominante na doutrina.

Toma-se em consideração e eventualmente aplica-se

Diz-se que sim, desde que haja titulo expresso de atendibilidade dessas normas

O que justifica a aplicação de uma norma de aplicação imediata de um terceiro

ordenamento?

Segundo alguns dos autores alemães tal deve-se àTeoria da ConexãoEspecial,

ou seja dentro da regra geral de conflitos seria necessário encontrar certos

sectores dentro dos quais faria sentido aplicar-se a solução especial.

Princípio da Harmonia Jurídica: a terceira legislação pode ser um ordenamento

jurídico também conectado com a situação (conexão estreita).

Princípio da Efectividade das Decisões/Exequibilidade das Decisões: deve-se

respeitar uma norma de aplicação imediata de um terceiro estado como

forma de admitir que a sentença na lei do foro possa ser valida nesse terceiro

estado.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page20

Exemplo: Suponha-se que uma empresa/sociedade comercial celebra um contrato

de fornecimento de mercadorias com outra sociedade comercial. As mercadorias

seriam aplicadas num país estrangeiro, mas a lei aplicável não é a desse país mas

outra. Se no estado em que se deve entregar os bens existir uma lei que proíba a

importação desses bens, tal norma de aplicação imediata deve ser tomada em conta

porque aquele contrato nunca será valido nesse país. Deve-se atender a tal norma de

aplicação imediata, porque é uma norma que pertence ao país da execução do

contrato e consideraria a execução ilegal.

Segundo o art. 9º do Regulamento de Roma I: nos termos do nº3 quando se fala em

‘’consequências’’ está se a referir a saber se a decisão será ou não exequível, se

decorre ou não um desequilíbrio da harmonia internacional, etc.

No campo de aplicação dos contratos internacionais aos quais é aplicável o

Regulamento de Roma I existe o art. 9º/3 que consagra uma solução? E quanto aos

casos em que não exista uma solução expressa? se não existir um titulo expresso de

atendibilidade pode-se afirmar a existência de duas soluções: (1) não aplicação em

caso algum; (2) aplica-se mas tem de existir um qualquer fundamento para tal.

Nos termos do art. 65º/2 existe um título de atendibilidade de normas de aplicação

imediata: ‘’ainda que o acto seja praticado no estrangeiro’’, ou seja é necessário que

essa norma tenha sido desenhada para ser aplicada independentemente da regra

geral de conflitos; é necessário que a norma tenha vontade de aplicação. Trata-se do

estado da lei pessoa do autor da herança no momento da celebração do

testamento.

Nos termos do art. 11º/5 do Regulamento de Roma I trata-se de uma disposição que

surge numa norma de conflitos: se a lei do lugar em que se situa o bem imóvel que é

objecto do contrato exigir uma determinada forma independentemente do lugar de

celebração do contrato, essa forma prevista pelo pais da situação do imóvel ira

prevalecer. Institui-se o titulo de atendibilidade da norma de aplicação imediata.

Nos termos do art. 875º, trata de uma norma de aplicação imediata sendo-o

ponderada a razão de ser da norma e as implicações de segurança jurídica que lhe

estão subjacente. Quanto aos imóveis situados em Portugal a forma de celebração

tem de ser a que a lei portuguesa consagra, independentemente de o contrato ser

celebrado no Estado Y em que se exige apenas a forma verbal.

E se não existissem normas expressas, ou seja nenhum título expresso? É possível

atender a uma norma de aplicação imediata que surja num terceiro estado? O

interprete pode encontrar os títulos de atendibilidade não em normas, mas sim em

princípios? Como por exemplo, o Princípio da Efectividade das Sentenças?

A solução não é ilíquida, não podendo a solução servir para questionar tudo. Existem

evidentemente riscos para a sobreveção de um sistema de regras bilaterais através de

elementos quase unilateralistas, mas evidentemente que se deve ser cauteloso e só se

pode considerar uma norma de aplicação imediata cujo seu caracter não esteja

consagrado na norma depois de uma rigorosa interpretação e se tal consubstanciar

uma solução clarissimamente exigida de acordo com os princípios de DIP.

Page 21: Direito Internacional Privado - Aulas Teórico Práticas

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page21

Próxima Aula:

Análise das Normas Materiais de DIP

Regras de Conflitos, Normas de Aplicação Imediata e Normas Materiais de DIP

Problemas de aplicação das normas de conflitos

Qualificação das normas de conflitos

28 de Fevereiro – Aula 5 (Prof. Luís Barreto Xavier)

NORMAS MATERIAS DE DIP

Existe uma semelhança com as normas de aplicação imediata, que assenta no facto

de se tratar de normas materiais, mas depois existe um critério de delimitação

conceptual um pouco diferente. As normas materiais de DIP tem como

particularidade a circunstância de se aplicarem e apenas se aplicarem a situações

privadas internacionais, isto é, as normas materiais de DIP não se aplicam a situações

puramente internas, relativamente internacionais e só se aplicam a situações

absolutamente internacionais. Deste modo, estas normas contem uma disciplina

jurídica substantiva que visa abarcar dentro das situações de natureza privada

aquelas que tem contacto com mais de uma ordem jurídica.

ORIGEM DAS NORMAS MATERIAIS DE DIP: de um modo geral, olha-se para o direito

privado de um determinado estado encontra-se predominantemente normas

materiais que são normas materiais comuns. Por exemplo, o art. 685º/1 do CC é

aplicável a uma dada situação de natureza privada independentemente de tal

situação ter caracter puramente interno, relativamente internacional ou

absolutamente internacional, ou seja o seu conteúdo convive bem com situações que

estão dentro do âmbito do DIP como do ordenamento jurídico local. Nos termos do

art. 1862º esta norma poderá ser aplicada a (todas as) situações internacionais? A

situações puramente internas, não existe qualquer dúvida que se aplique. Quanto a

situações relativamente internacionais também se poderá aplicar. E a situações

absolutamente internacionais? A única dúvida que poderá surgir assenta no facto de

nós temos muitas vezes de ter presente que é necessário distinguir matérias de

natureza substantiva e natureza processual. Em matéria de natureza processual, em

regra, aplica-se a lei do foro. Estaria fora de questão que o tribunal cível X fosse aplicar

o CPC espanhol. Esta também fora de questão que um tribunal com competência em

matéria penal vá aplicar um código penal estrangeiro. Ou seja, as normas de conflitos,

e o problema de saber qual o direito aplicável, vale para o direito substantivo e não

para o direito processual. O que é relevante é que estas normas são feitas com

independência de saber se a situação em que vão ser aplicadas é uma situação ou

não de natureza internacional; elas são construídas sem ter em consideração o

caracter ou não internacional. Deste modo coloca-se a questão de saber o porque

da existência de normas materiais de DIP?

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page22

As normas materiais unificadas de DIP podem ser:

Aquelas que de alguma forma se substituem aos direitos nacionais, o que

significa que se aplicam quer a situações puramente internas quem a situações

absolutamente internacionais. Trata-se no fundo de substituir direitos nacionais

por um direito que se for convencional será um direito supranacional. Por

exemplo: a lei uniforme sobre as letras e livranças e lei uniforme do cheque

convenções internacionais que estabelecem um regime unificado que se

aplica quer a situações puramente internas quer a situações absolutamente

internacionais. Mas tal regime, por não ser totalmente completo, não resolve

todos os problemas. Mas tal não afasta a questão de saber qual a lei aplicável

porque nem todos os estados são partes nessas convenções.

Normas que são aplicáveis exclusivamente a situações internacionais, que

procedem à regulamentação de situações internacionais. Por exemplo, a

Convenção de Viena de 1980 sobre a compra e venda internacional de

mercadorias contém um corpo de regras aplicáveis à compra e venda

internacional de mercadoria; são normas materiais que resultam de uma

convenção internacional e são exclusivamente aplicáveis a compras e vendas

internacionais (caracter exclusivo internacional).

Exemplo: Tratados celebrados entre Portugal e o Brasil quanto a impostos delimitam

espacialmente o âmbito do direito público, e não de DIP.

Para se ser normas materiais de DIP é necessário que tenham (1) caracter

internacional e sejam (2) normas materiais.

As normas materiais não têm de resultar apenas de convenções, podendo também

resultar de legislação nacional. Tome-se em atenção o art. 2223º: é uma norma

material de DIP? Além de ser uma norma de aplicação imediata é também uma

norma material de DIP: ‘’cidadão português em país estrangeiro’’ – esta norma só se

aplica a situações estrangeiras, uma vez que tem conexão com mais de uma ordem

jurídica (a ordem jurídica portuguesa e a ordem jurídica do país (estrangeiro) em que

foi celebrado o testamento).

Quanto às normas materiais que cada estado edita como regulamentação geral são

normas adequadas para regular situações internacionais? Ou visam apenas as

situações puramente internas?

Na verdade trata-se de saber se existe uma diferença substancial entre as situações

puramente internas e absolutamente internacionais. Existe uma diferença que justifica

um regime específico para as situações puramente internas e absolutamente

internacionais? Pensando nas situações mais comuns, por exemplo no Direito da

Família, o casamento entre duas pessoas portugueses que residem habitualmente em

Portugal merece um tratamento diferente do casamento celebrado entre um

português e um espanhol? Exceptuando as diferenças entre os sistemas (poligamia,

regime de bens, etc.), não se justifica um regime diferente quando os nubentes são

apenas de nacionalidade diferente. Por via de regra, as normas editadas para as

situações puramente internas são também adequadas para as situações

absolutamente internacionais.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page23

Mas nem sempre é assim: caso de adopção transnacional justificam-se ou não

regras especificas quando a adopção implique a transferência da criança de um pais

para o outro? Claro que sim. No comércio internacional (sentido amplo: transferências

internacionais de bens e serviços; operações financeiras e bancárias internacionais)

parece evidente que existem problemas específicos, sendo que muitas situações

privadas exigem um regime especifico daquele que resulta do direito interno de cada

estado. Muitas vezes o regime assenta em normas resultantes dos usos e dos costumes

(lexmercatorie)trata-se de normas que diariamente são observadas e que resultam

de acordos mais ou menos implícitos, regras técnicas resultantes de certas praticas e

de costumes desde há muito seguidos.

Existe um conjunto de regras, de princípios, de criação não estadual e que tem por

objecto a regulamentação de situações do comércio internacional no sentido amplo

do termo que podem reconduzir-se à categoria de lexmercatorie e susceptíveis de

aproximação às normas materiais de DIP

As normas sobre o direito dos estrangeiros são normas materiais de DIP porque

respeitam a determinados direitos e deveres atribuídos a um estrangeiro num país

local.

As normas materiais de DIP são normas que sendo substantiva, sendo materiais,

resolvendo directamente o conflito de interesses em causas se aplicam directamente

quando a situação é internacional (conexão com pelo menos duas ordens jurídicas).

Note-se que o art. 2223º é uma norma de aplicação imediata mas é simultaneamente

uma norma material de DIP, o que significa é que essa norma é autosubsistente. Mas

nem todas as normas matérias de DIP são normas de aplicação imediata, ou seja nem

todas contem elementos sobre a sua aplicação no espaço o que conduz a que elas

sejam aplicáveis por força das regras gerais de conflitos, não se substituindo ao direito

de conflitos. Deste modo, se o direito português contiver uma norma material de DIP

essa norma será aplicável se o direito de conflitos remeter para o direito português.

Em suma, o DIP contemporâneo é um DIP multiforme, ou seja muito diversificado nas

suas fontes (fontes internas, fontes internacionais (convenções internacionais e outras

regras de organização internacional), fontes de DUE, etc.), nos métodos de solução de

DIP (utiliza o método conflitual (normas de conflitos de leis que naturalmente estão

ligadas a certos princípios que lhes a informam – Princípio da Não Transactividade das

Leis), e outras vias alternativas (parte dessas vias são as normas de aplicação imediata

e as normas materiais de DIP). Note-se que as normas de aplicação imediata e as

normas matérias de DIP têm subjacente a si elaborações teóricas que podem ser

reconduzidas a duas categorias/concepções:

CONCEPÇÃO DO INTERESSE ESTADUAL:A que indica como essencial na

resolução das situações de DIP a análise do interesse do estado ou do

governo, ou seja para se saber qual a lei aplicável é necessário olhar para o

interesse estadual face a essa situação. Evidentemente que se começava pela

analise do interesse do foro na aplicação das suas normas, e se não existisse

averiguar-se-ia o interesse estadual dos estados estrangeiros. Para estes autores

que defendem os interesses do estado, vem aquilo a que chama-se normas de

aplicação imediato vêm isso como uma forma de tutela dos interesses

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page24

estaduais. Cada norma de aplicação imediata esta a exprimir um interesse

estadual para que aquela norma se estenda sempre que exista uma

determinada conexão com o estado do foro. Trata-se de uma generalização

deste tipo de raciocínio. Dever-se-ia olhar para as normas e ver qual asuaratio

sendo que esta depende do interesse estadual.

CONCEPÇÃO SUBSTANCIALISTAS: estes autores defendem que as situações

internacionais têm uma natureza distinta das situações puramente internas,

merecendo um regime diferenciado. Trata-se de encontrar soluções que sejam

mais adequadas para as situações de DIP do que aquelas que resultam dos

interesses estaduais. Alguns defendem sobretudo soluções que resultam da

própria actividade dos operados na vida económica internacional enquanto

outros defendem a actividade do estado para encontrar regimes aceites e

específicos.

O DIP actual é um direito no qual estas ideias têm alguma expressão, mas não

suficiente para afastar o regime regra dos conflitos de leis que assenta na regra de

conflitos de leis, apesar de por seu turno esta já não ser a que inicialmente concebida

por Savigny era uma regra rígida, indiferente ao conteúdo material das normas, etc.

hoje a regra de conflitos é flexível, dando espaço ao juiz para encontrar a lei mais

adequada/justa, a lei que melhor prossegue o Princípio da Harmonia Internacional

Jurídica, etc.

Por fim, o que acontece quando há um conflito entre duas normas de aplicação

imediata?

Pertencendo ao mesmo sistema não pode existir um conflito entre duas normas

de aplicação imediata até por força do Princípio de Harmonia Internacional.

Se as normas pertencem a sistemas/ordenamentos jurídicos diferentes:

Se um dos sistemas é o do direito do foro, aplica-se a norma de

aplicação imediata do foro

Se uma das normas integrar a lexcausae, em principio não existe

qualquer problema. Contudo, pode eventualmente colocar-se se existir

um titulo de atendibilidade de um terceiro estado (art. 9º/3 e 11º/5 do

Regulamento de Roma e art. 875º CC)

Se ambas as normas pertencerem a países terceiros, ou há titulo de

atendibilidade ou não há. Existindo titulo de atendibilidade será o

ordenamento jurídico no qual existe; não existindo cabe ao interprete

analisar caso a caso se existe algum titulo de atendibilidade implícito

(principio), sendo que tal depende de uma analise que toma em

consideração diversos factores à qual tem de presidir um juízo da

própria justiça global.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page25

QUALIFICAÇÃO EM DIP

QUALIFICAÇÃO: olhar para uma dada realidade e ver se essa realidade tem ou não

as características necessárias para poder ser reconduzida a um determinado conceito

jurídico. Ou seja, qualificação significa olhar para uma certa situação/facto e ver se tal

reproduz ou não as características que estão indicadas numa dada previsão

normativa.

Exemplo: António agride Bento com um soco causando ferimentos este facto pode

ser qualificado como crime de ofensa à integridade física? Apenas se for um facto

típico, ilícito, culposo e punível e se não existir qualquer causa de justificação e/ou

exculpação. Se todavia estivermos a pensar neste mesmo facto e se quisermos saber

se este facto é gerador de responsabilidade civil é necessário ver se o facto é típico,

ilícito, culposo e possui um nexo de causalidade. Poder-se-á ainda pensar nesse facto

como gerador de outro tipo de consequências jurídicas, nomeadamente quando a

questões resultantes de direito do trabalho podendo originar o fundamento de

despedimento com justa causa; disciplinar no caso do exército e na função pública;

se fosse filho e tivesse morto o pai poderia ser fundamento de incapacidade

sucessória; quanto a seguros de responsabilidade civil, etc.

Se o facto se encontra conectado com mais de uma ordem jurídica, em que por

exemplo o Bento é residente em Espanha e o António reside em Portugaltal facto

pode ser valorado de forma diferente no direito espanhol, uma vez que este não é

semelhante ao direito português. O problema que se coloca não é directamente de

saber se o facto deve ou não ser qualificado como um facto gerador de

responsabilidade civil, mas sim a que normas de conflitos se irá recorrer para solucionar

o conflito de leis em causa. Existem muitos casos em que é a própria qualificação

jurídica do facto que é diferente: aquele facto que num estado merece um

enquadramento num determinado tipo de normas, noutro estado merece um

enquadramento num instituto completamente diferente:

Exemplo1: Em direitos reais, a transmissão da propriedade ocorre por mera celebração

do contrato. O mesmo facto material de celebração de um contrato de compra e

venda se for celebrado entre uma sociedade comercial com sede em Portugal e uma

sociedade comercial com sede na Alemanha de um bem imóvel não se sabe se o

direito real de transmitiu por mero efeito do contrato ou se só se transmitiu através de

um acto posterior destinado a esse efeito.

Exemplo2: Suponha-se que duas pessoas celebram, num determinado país perante o

conservador de registo civil, um casamento sendo do mesmo sexo. No país de A o

casamento homossexual é admitido mas no país de B não. A mesma realidade

fáctica, acompanhada ou não de actos jurídicos, pode ser qualificada de forma

distinta por sistemas jurídicos diferentes.

Perante uma situação internacional o principal problema que existe para determinar a

lei aplicável é saber qual é a norma de conflitos a que se vai recorrer para dirimir o

conflito de leis. Não é obvio qual é essa norma de conflitos, uma vez que só seria obvia

se existisse uma pre compreensão directa do próprio caso que permitisse qualificar os

casos independentemente do sistema com o qual ele esta conectado; ora esses

factos vão ter a relevância jurídica que lhes for dada pelos sistemas com o qual

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eleesta em contacto, não existindo nada na sua natureza que os obrigue a qualificar

de determinada maneira. Deste modo, só tendo conhecimento dos sistemas que

estão em contacto com a situação é possível saber qual a regra de conflitos a que se

ira recorrer para resolver o problema. Tal traduz a primeira especificidade do assunto.

INTERPRETAÇÃO DOS CONCEITOS QUE NA NORMA DE CONFLITOS DELIMITAM O

RESPECTIVO OBJECTO/CONCEITO – QUADRO: a norma de conflitos tem uma estrutura

triangular: elemento de conexão, conceito quadro e consequência jurídica. O

conceito quadro tem como função delimitar o âmbito dentro do qual a norma de

conflitos vai operar. O elemento de conexão serve para seleccionar dentro dos

elementos da situação aquele que sera decisivo para determinar a lei aplicável. A

consequência jurídica traduz-se em determinar a aplicabilidade da lei que resulta do

elemento de conexão; reconhecimento de competência a uma determinada lei para

resolver uma determinada questão e dentro do âmbito circunscrito pelo conceito

quadro. Quando se olha para conceitos que surgem nas normas de conflito, por

exemplo o casamento para efeitos do art. 49º a 55º, o casamento será o mesmo que

em Direito Da Família? Nos termos do art. 46º, este conceito quadro tem que alcance?

Posse, propriedade e demais direitos reais no art. 46º é o mesmo que surge no livro de

direitos reais? O que é o casamento, a posse, a propriedade e demais direitos reais

para efeitos da regra de conflitos? Existem duas alternativas para a interpretação dos

conceitos quadro:

ALTERNATIVA1: Realidade do direito substantivo/interno português – as normas

de conflitos são integrantes do direito interno português e portanto, ate por

força da ideia de unidade do sistema jurídica, elas não podem deixar de ter o

mesmo sentido e alcance que tem o direito português.

É necessariamente assim? Um mesmo conceito tem de valer de forma idêntica

para os diferentes ramos de direito? Ou o Direito pode apropriar-se de

realidades distintas sem que isso ponha em causa a realidade jurídica?

O conceito de empresa tem um sentido diferente para o CIRE, para o Código

Comercial, etc. Um conceito de transmissão para efeitos fiscais pode ser

diferente do conceito de transmissão para o direito civil. A realidade pode ser

a mesma, mas os efeitos jurídicos são diferentes. Não existe uma necessidade

lógico nem uma necessidade ligada à unidade do sistema jurídica que os

conceitos quadros das regras de conflitos sejam interpretados de forma

idêntica aos conceitos das normas substantivas. Mas essa coincidência existe

ou não existe? para responder a tal é necessário saber se é adequado ou não

interpreta-los à luz do direito material do foro. Exemplo: dois sujeitos nacionais

de um país europeu que litigam em Portugal relativamente a um bem imóvel

situado num país estrangeiro da sua nacionalidade, sendo residentes habituais

em Portugal. Se nesse ordenamento jurídico existir um direito que tem um traço

comum com os nossos direitos reais mas em tudo o resto é diferente, quidiuris?

Se fosse enquadrado no direito português seria um direito real mas não tem

qualquer semelhança global com os nossos direitos reais. A regra de conflitos

adequada para dirimir este litigio será a relativa ao direito das obrigações ou

aos direitos reais? Trata-se no fundo de saber qual é a função do conceito

quadro e da própria norma de conflitos.

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Regressando um pouco atrás: a determinação/interpretação de uma norma

jurídica passa pela analise da previsão e estatuição. Como se analisa a

previsão? Por exemplo, o art. 877º visa impedir que o pai ou o avô em conluio

em conflito com o filho ou neto simule uma compra e venda como forma de

beneficiar um dos filhos ou dos netos, em prejuízo dos outros. Se tiver sido feita

uma compra e venda de um bisavó ao bisneto pela ratio do art. 877º tal é

proibido. Toda a razão de tutela da norma vale para bisavós e bisnetos.

Interpreta-se extensivamente a previsão da norma em razão da ratioleges. A

previsão da norma é constituída em função da estatuição.

Deste modo é necessário saber qual a razão de ser das normas de conflitos.

Nos termos do art. 46º, a razão de ser assenta na efectividade das decisões, ou

seja a escolha do lugar da situação do bem como elemento de conexão

resulta de vários factores e do facto de essa ser a lei mais adequada para

reger os problemas jurídicas para os quais os direitos inerentes as coisas foram

pensados. O que o art. 46º trás é um regime diferente da lei aplicável às

obrigações. Por exemplo, um contrato de compra e venda de um imóvel

segue diferentes regimes quanto a diversos aspectos desse contrato

(depesage). Existe uma depesage da situação por efeito da qual podem ser

aplicadas diferentes leis a diferentes aspectos. Qual a razão da depesage?

Alguns autores entendem que utilizar a depesage compara-se a construir uma

bicicleta com peças de marcas diferentes: é difícil fazer a bicicleta andar.

De acordo com o sistema da depesage é necessário distinguir aquilo que é

direito real do direito obrigacional: o tal direito que se qualificava como real

face ao sistema jurídico estrangeiro, de acordo com o art. 46º é um direito

obrigacional ou real? Este direito tem características semelhantes às dos nossos

direitos reais mas não estão no catalogo do nosso direito real. Aplica-se o art.

46º ou não?

Sendo normas de conflitos bilaterais destinam-se a determinar quando é que as

normas portuguesas e estrangeiras se aplicam, sempre tomando em

consideração o Princípio da Paridade. Se nós tivermos necessariamente a

reconduzir ao direito material os conceitos quadros estaremos a desrespeitar o

princípio da paridade, uma vez que um direito estrangeiro não ira concorrer

em igualdade de circunstâncias com o nosso direito, nomeadamente quando

o direito estrangeiro tiver um instituído não previsto no nosso ordenamento

jurídico. Analisemos as restantes alternativas.

ALTERNATIVA2: recorre-se ao direito comparado. Os conceitos quadros

deveriam ser entendidos tendo em conta uma análise comparativo dos

diferentes ordenamentos tentando encontrar um dominador comum entre os

ordenamentos. Deixará sempre de fora aspectos que por exemplo só estão

previstos num ordenamento jurídico. Não é viável.

ALTERNATIVA3: recorrer à lexcausae (direito para o qual remete a lei de

conflitos). Se o imóvel estivesse situado na Eslovénia recorria-se ao direito de lá

e verifica-se se tal consubstanciava ou não um direito real.

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Todas as alternativas analisadas até agora fazem esquecer o momento central da

interpretação de uma norma: a ratio. Deste modo, estamo nos a esquecer qual a ratio

de cada norma de conflitos. A ratio do art. 46º por exemplo visa a efectividade das

decisões, encontrar a lei mais conectada com a situação, encontrar uma lei que

tutele as expectativas das partes, etc. quer dizer as normas de conflitos têm uma ratio

que esta precipitada num determinado elemento de conexão. Cada norma de

conflitos resulta de uma dialética entre o elemento de conexão e o conceito quadro.

Tal no art. 877º, o direito de impugnar a venda (consequência jurídica) resultava de

uma determinada ratio resultante da previsão, nestes casos o elemento de conexão

deriva da ratio. Isto é, se se escolhe o elemento de conexão nacionalidade para

determinar a lei aplicável ao casamento significa para todos os casos de contrato

celebrado entre duas pessoas que visam constituir familiar independentemente de tal

compreender ou não ao âmbito material das normas de direito da família. O conceito

de casamento para efeitos do art. 49º e ss pode abranger realidades que não tem

directa expressão no nosso direito material.

4 de Março – Aula 6 (Prof. Luís Barreto Xavier)

INTREPRETAÇÃO DOS CONCEITOS QUADRO DAS NORMAS DE CONFLITOS

(CONTINUAÇÃO)

Os conceitos quadro são conceitos juridicamente, e mais concretamente técnico

jurídicos no sentido em que não são meros conceitos jurídicos porque o Direito pode

apropriar-se de meros conceitos fácticos. Todos os conceitos quadros não podem ser

delimitados exclusivamente em conceitos factuais pois merecem uma valoração

jurídica e operações mais ou menos complexa para apurar o respectivo sentido. A

resposta para esta magna questão terá que assentar em que estes conceitos,

integrando-se cada um deles numa determinada norma jurídica, hão-de ser

interpretados de acordo com o respectivo fim da norma de conflitos (interpretação

teleológica). A interpretação dos conceitos quadros vai depender do juízo valorativo

que esta inerente à norma de conflitos. Qual a razão de ser da própria norma de

conflitos? Tal irá apurar-se tendo em conta o sistema em que a norma se integra: se a

norma é uma norma de conflitos do CC, o seu alcance e inerentemente o alcance do

próprio conceito quadro, irá resultar do juízo valorativo da própria norma que se insere

no CC. Se a norma de conflitos integrar um regulamento da UE, é necessário

interpretar o seu juízo valorativo à luz do regulamento e no âmbito de inserção de tal

regulamento no seio da UE. Deste modo, o conceito quadro de casamento, contrato,

compra e venda, etc irá ganhar alguma autonomia relativamente ao direito material

do foro. Tal autonomia viola a ideia de unidade do sistema jurídico? O facto do

conceito de casamento do art. 49º e ss ser diferente ou não necessariamente

coincidente com o conceito de casamento do Livro da Família lesa o sistema jurídico?

Não, desde que as consequências jurídicas dessas normas não sejam contraditórias, o

direito pode servir-se dos conceitos atribuindo-lhe um sentido diferente daquele que é

dado noutro ramo do direito, para outros fins e para resolver outro tipo de questões.

Se um conceito quadro estiver conceito numa norma de conflitos do CC é irrelevante

o que estiver consagrado no direito material português? Não, é necessário existir

pontos comuns sendo necessário olhar para o direito material como um ponto de

partida e não como ponto de chegada. O essencial é analisar autonomamente a

norma de conflitos para procurar encontrar o seu sentido.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page29

Partindo do direito material com o objectivo de encontrar um sentido autónomo para

as regras de conflitos é necessário saber como reconstruir o juízo valorativo de cada

norma de conflitos. Exemplo: o conceito quadro do art. 52º assenta nas relações entre

os cônjuges. Para encontrar o seu juízo valorativo o ponto de partida será recorrer ao

direito material, ou seja ir aos artigos no livro da família que regulam as relações entre

os cônjuges. Poder-se-ia recorrer ao direito comparado mas tal não seria decisivo

embora relembre que a função das normas de conflitos é determinar qual é a lei

competente, ou seja determinando o direito competente independentemente desse

direito ser o do foro ou estrangeiro. O conceito quadro há-de ser suficientemente

amplo para que nele possam caber realidades normativas de muito diferente

configuração. O recurso ao direito comparado será necessário para apurar quais os

tipos de realidade que temos de encarar como possíveis de aplicação. Contudo, o

direito comparado não resolve na pratica o problema: é impossível a partir do direito

comparado encontrar um conceito comum e alem disso remeter exclusivamente para

o direito comparado seria deixar nas mãos de um direito de comparação algo que

tem de caber ao direito do foro (a norma de conflitos pertente ao direito do foro e

este é que terá determinar o seu alcance). O critério de interpretação das normas de

conflitos há-de ter como aspecto basilar a circunstancias de que essa interpretação é

autónoma fase ao direito material mas não o será face à luz do direito do foro. É em

função da razão de ser das normas de conflitos que tal se apura. As normas de

conflitos ao determinarem a lei aplicável fazem-no escolhendo o elemento de

conexão. Aqui está precipitada a ideia valorativa de que alguma maneira justifica

uma dada solução, ou seja a norma de conflitos resulta conjugação funcional entre

um dado elemento de conexão e um conceito quadro que define o âmbito dentro

do qual o elemento de conexão vai actuar. O juiz valorativo que temos de descobrir é

se o legislador escolheu para a matéria da relação entre os cônjuges aquele

elemento de conexão, se tal faz sentido para as relações entre os cônjuges, para que

tipo de normas esta solução conflitual deste elemento de conexão escolhido faz

sentido. Deste modo, analisemos o art. 52º que consubstancia uma regra de conflitos

múltipla subsidiária (‘’na falta desta’’). As relações entre os cônjuges são reguladas de

acordo com uma das três leis hierarquicamente consagradas. É necessário ao

interpretar o art. 52º ter em consideração a norma especial do art. 53º: neste artigo

temos uma norma especial face à norma do art. 52º, isto é se não existisse esta norma

do art. 53º o conjunto de relações entre os cônjuges consagrados no art. 53º seriam

regulados pelo art. 52º. O legislador excluiu algumas situações do art. 52º escolhendo

um elemento de conexão diferente no art. 53º ambos têm como elemento de

conexão a nacionalidade comum mas no art. 53º fixa-se o momento em que este

elemento é relevante (‘’ao tempo da celebração do casamento’’), sendo que para o

art. 52º o momento relevante será o actual fazendo uma interpretação sistemática. Na

matéria do regime dos bens e das convenções entendeu-se que não deveria ocorrer

a mutabilidade da lei aplicável quanto a essas matérias: tal deve-se à expectativa

que as partes têm no momento em que celebram o casamento, ou seja conta-se que

se irá aplicar aquela lei e não que esta seja susceptível de se vir a alterar

posteriormente. Não faria sentido, até para tutela de terceiros, deixar que as

mudanças nas matérias do art. 52º pudessem alterar-se com as mudanças dos

elementos de conexão.

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A que matérias faz sentido aplicar-se um elemento de conexão variável sendo que

nestes casos tal deve-se reconduzir ao art. 52º e por outro lado quais os casos em que

é razoável aplicar-se um elemento de conexão estabilizado sendo que nestes casos

aplica-se o art. 53º?

O conceito quadro da norma de conflitos interpreta-se à luz da teleologia própria da

respectiva norma em que se insere tendo em conta o próprio sistema de normas de

conflitos em que tal se encontra inserida. Para se encontrar a teleologia da norma é

essencial perceber o que é que esteve na base do elemento de conexão que foi

adoptado.

O que se procura na interpretação de cada norma de conflitos, em concreto do

conceito quadro, é reconstruir o juízo valorativo que esteve na sua base. Cada norma

de conflitos encontra-se inserida num direito de conflitos mas tal não chega, sendo

necessário acrescentar o seguinte: quando se aplica uma regra de conflitos por

exemplo do Regulamento de Roma I é necessário também interpretar o seu conceito

quadro. O que será contrato para efeitos do Regulamento de Roma I? Recorre-se ao

sistema em que está integrado o conceito: no fundo quando se diz que a

interpretação dos conceitos quadros é feita com autonomia e de acordo com o DIP

do foro é necessário ler que quando as normas de conflitos pertencem ao direito

interno do foro é necessário integrar os conceitos quadros de acordo com o DIP de

fonte interna do foro; mas se a regra de conflitos pertencer a um regulamento do UE

tal deriva do próprio espirito do Regulamento.

O art. 877º encontra-se inserido no Livro II nos Contratos em Especial. Interpretando

sistematicamente ela deveria ser integrada no Regulamento de Roma I. Será que faz

sentido o art. 877º ver a sua aplicabilidade dependente do Regulamento de Roma I?

O art. 877º tem na sua ratio questões de direito da família e mais concretamente de

sucessões (igualação de partilha e legítima). Na verdade está em causa uma tutela

de cariz sucessório. O art. 877º deve ser qualificado como norma relativa às sucessões

por morte, norma cuja aplicabilidade deve estar dependente da sucessão por morte

(POSIÇÃO DO PROF. LUÍS BARRETO XAVIERvsPROF. LIMA PINHEIRO: devia aplicar-se a

norma de conflitos do art. 57º). Se esta norma se destina a evitar que o autor do

património disponha de tal dissimulando através de uma compra e venda aparente

uma verdadeira liberalidade e com isso prejudicando outros herdeiros, tudo o que

aqui esta previsto não remete para a matéria sucessória? Sim: o art. 877º deve ser

interpretada em sede sucessória, o que faz sentido até em termos sistemáticos. A

norma que fixa a lei aplicável à sucessão faz sentido aplicar-se a estas hipóteses. O

único contra argumento existente é que no momento em que o contrato é celebrado

não esta em causa a sucessão, ou seja o autor da sucessão ainda não morreu pelo

como se aplica a nacionalidade do autor da sucessão como elemento de conexão?

Tal não impede a aplicação da lei se se presumir que ele ira manter a mesma

nacionalidade e ele não impede que outras normas sucessórias sejam aplicáveis por

força do art. 62º, normas sucessórias aplicáveis antes do falecimento do de cuius.

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Em suma/conclusões:

Mesmo relativamente ao direito material português, o seu papel é relevante

mas não é decisivo: no conceito quadro contratos não cabe por exemplo o

art. 877º que está integrado no contrato de compra e venda mas tem uma

ratio sucessória.

Entre a interpretação dos conceitos quadro e a sua aplicação a dadas normas

não há uma verdadeira clivagem/cisão entre dois momentos ontologicamente

diferentes: há uma certa continuidade resultante de uma relação circular entre

interpretação e aplicação.

HIPÓTESE PRÁTICA

A, de nacionalidade portuguesa, casado com B, de nacionalidade brasileira, residem

habitualmente em Portugal para onde se deslocaram há quatro anos. Anteriormente e

desde a celebração do casamento residiam habitualmente no Brasil, em São Paulo. A

decide vender o imóvel em que habitam e que lhe pertence por inteiro. B impugna

esta venda alegando falta de consentimento. Quidiuris?

DADOS ADICIONAIS RELEVANTES PARA A RESOLUÇÃO

Celebração do Casamento: República Dominicana

Lei Aplicável ao Regime de Bens: art. 53º/2 II parte (não se aplica o nº1 porque

não tem nacionalidade comum nem a I parte do nº2 porque como o caso

nada nos indica em contrario presume-se que a data do casamento A residia

em Portugal e B no Brasil) primeira residência conjugal: lei brasileira

Regime de Bens: comunhão de adquiridos

APLICAÇÃO DO ART. 1682º-A/2 como fundamento de impugnação por parte

de B? Só se a lei portuguesa fosse aplicável. E é? O art. 1682º-A/2 é uma norma

relativa às relações entre os cônjuges? Ou seja aplica-se o art. 52º/2? Uma vez

que se trata da casa da morada de família estamos face a uma tutela familiar.

O art. 1682º-A/2 pode reconduzir-se ao conceito quadro do art. 52º/2. Mas é

aplicável ou não? Qual o elemento de conexão que o art. 52º/2 estabelece?

O art. 1682º-A/2 só se irá aplicar se o art. 52º/2 determinar a aplicação da lei

portuguesa. O art. 52º/2 respeita à residência habitual comum no momento

actual. Como no momento actual eles residem em Portugal a lei portuguesa

seria aplicável e aplicava-se o art. 1682º-A/2 pelo que seria necessário o

consentimento de B.

Seria necessário ainda saber se a lei brasileira consagra solução idêntica à

nossa ou não devido ao Princípio da Paridade de Tratamento.

Se fosse semelhante à nossa seria qualificável nos termos do art. 52º em

relações entre os cônjuges e não seria aplicável a lei brasileira uma vez

que o nº2 do art. 52º remete para a lei portuguesa.

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Supondo agora que existiam as seguintes alterações (1) o imóvel em

causa não seria a casa de morada de família, mas outro imóvel

pertencente a A e (2) no direito brasileiro vigora uma norma material

que consagra o seguinte: ‘’a alienação de imóveis próprios de um

cônjuge nunca carece de consentimento do outro cônjuge’’.

DIREITO MATERIAL: no direito português, se a lei portuguesa fosse

aplicável, estaríamos no âmbito do art. 1682º-A/1 al. a): seria necessário

consentimento salvo se o regime adoptado for o da separação de

bens. Uma vez que A e B se encontram casados em regime de

comunhão de adquiridos, se a lei portuguesa fosse a aplicável seria

necessário consentimento. E neste caso aplicar-se-ia o art. 52º ou 53º?

Enquanto na hipótese anterior estava em causa a morada de família,

neste caso no nº1 do art. 1682º-A existe um regime estabelecido cujo

conteúdo vai depender do regime de bens adoptados: se o regime de

bens for da separação não será necessário consentimento, mas se for

de comunhão será consentimento esta norma esta agregada aos

regimes de comunhão, ou seja o legislador português veio estabelecer

uma disciplina normativa que agregou funcionalmente aos regimes de

comunhão estando a sua aplicabilidade dependente do regime de

bens adoptado pelo que estará a sua aplicabilidade dependente da

norma de conflitos do art. 53º e não do art. 52º. Deste modo, a norma

do art. 1682º-A/1 al. a) será aplicável ou não? Uma vez que o art. 53º

indica como elemento de conexão ‘’a lei da sua residência habitual

comum à data do casamento’’ a norma portuguesa não seria

aplicável. Aplica-se então a norma brasileira que indica que nunca será

necessário o consentimento? O tribunal português que esta a julgar o

litigio irá aplicar a regra de conflitos do direito português. A lei brasileira

só será aplicável se entendermos que irá funcionar o instituto do

reenvio. Ou seja, a norma material brasileira consagra que nunca será

necessário o consentimento pelo que a sua aplicabilidade depende de

que regra de conflitos? Art. 52º ou 53º? Uma vez que o conteúdo da lei

brasileira prescinde do consentimento do outro cônjuge

independentemente do regime de bens não se irá aplicar o art. 53º mas

sim o 52º, porque integra a disciplina geral das relações entre os

cônjuges. Deste modo, a lei brasileira será aplicável? Uma vez que o art.

52º remete para a lei portuguesa (‘’lei da sua residência habitual

comum’’ actual) a lei brasileira não será aplicável.

A lei portuguesa não seria aplicável devido ao art. 53º que através do

seu elemento de conexão não considerava competente o direito

português e a lei brasileira também não seria aplicável devido ao art.

52º. Qual a lei aplicável? Duas soluções:

Vácuo jurídico/conflito negativo de jurisdições

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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page33

OPINIÃO DO PROF. LUÍS BARRETO XAVIER: tendo em

consideração que a aplicação da lei portuguesa (art. 1682º-A/1

al. a) não é aplicável por força do art. 53º) e da lei brasileira (a

norma que dispensa sempre o consentimento não é aplicável

por força do art. 53º) conduziam a soluções diferentes, não se

olhava para o Direito da Família e o contrato de compra e

venda era válido com base no princípio de liberdade que existe

no direito privado.

Suponha-se agora que a norma brasileira determina que a alienação de imóveis

próprios de um dos cônjuges carece sempre do consentimento do outro cônjuge.

Quidiuris?

A norma brasileira não dependendo do regime de bens faz com que a lei brasileira

também não seja aplicável por força do art. 52º. A lei portuguesa também não seria

aplicável por força do art. 53º. Neste caso seria necessário o consentimento uma vez

que apesar de nem a lei portuguesa nem a lei brasileira serem aplicadas ambas

exigem o consentimento. Aqui existe um conflito negativo de qualificações/vácuo

jurídico, ou seja uma hipótese em que por força do jogo normas das regras de conflitos

não se encontra uma solução que valorativamente seja aceite por nenhum dos

ordenamentos jurídicos em contacto com a situação.

Esta hipótese antecipou, de forma implícita, segunda grande questão da

qualificação: o objecto.

OBJECTO DA QUALIFICAÇÃO

A doutrina diverge quanto ao objecto da qualificação: para uns são factos ou

situações da vida e para outras normas materiais. Se fossem factos da vida nós

teríamos de ir perguntar as normas materiais dos diferentes ordenamentos jurídicos

qual o seu conteúdo antes de ir as normas de conflitos? Os factos não são suficientes

para os qualificar, para os tornar objecto da qualificação sem mais. Primeiro é

necessário analisar as normas em cada ordenamento jurídico que dão resposta à

questão/situação a regular. É evidente, contudo, que estes factos são relevantes: as

normas objecto da qualificação são aplicáveis aquele facto concreto, não sendo

tomadas em abstracto.

Em suma: quando nos deparamos com uma dada situação internacional que requer

uma solução jurídica não se sabe a priori a solução a dar a essa questão: não se sabe

se é um problema contratual, familiar, sucessório, etc. A situação em causa tem de ser

olhada à luz das pretensões nela envolvida; posteriormente tem de convocar os

ordenamentos jurídicos que estao em contacto com a situação e de seguida

averigua-se aquele que será aplicada. Contudo, primeiro é necessário ver em cada

ordenamento jurídico quais as normas que dão resposta a esse caso se esse

ordenamento jurídico for aplicado.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page34

7 de Março - Aula 7 (Prof. Fernando Ferreira Pinto)SINTESE DAS ÚLTIMAS AULAS

As normas de direito material dão a solução para problemas de vida. As regras de

conflitos indicam dentro de um conflito de leis qual será a lei aplicável, mas não indica

qual a solução aplicável ao caso concreto. Uma lei só se pode aplicar a factos com

os quais tenha uma determinada conexão espacial. O âmbito de competência, mais

restrito do que o âmbito de eficácia, sendo determinado por uma regra de conflitos

sendo que esta só vai dirimir o conflito sobre as leis potencialmente aplicáveis.

ÂMBITO DA APLICAÇÃO DA NORMA:Uma norma só se pode aplicar fora do seu âmbito

de aplicação se se fizer uma interpretação extensiva ou aplicação analógica: a

norma descreve em geral e abstracto uma situação da vida e no caso concreto

verificamos se corresponde aquilo que a norma prevê ou não. Não se pode forçar a

aplicação de uma norma há situações em que ela não se quer aplicar a menos que a

situação se encaixe no âmbito ou no espirito da norma.

NORMA ESPACIALMENTE AUTO LIMITADA

A norma espacialmente auto limitada é uma norma que delimita o seu âmbito de

aplicação também em função da localização dos factos no espaço. Elas

expressamente ou implicitamente só se querem aplicar a factos que se localizem num

determinado âmbito territorial/aplicação.

Uma norma espacialmente auto limitada é um problema de aplicação de lei mas em

nada se relaciona com os problemas de DIP!! É uma norma material que delimita o seu

âmbito de aplicação no espaço tendo em consideração a localização dos factos.

Esta norma na sua aplicação concreta depende de um duplo requisito:

A lei a quem ela pertence tem de ser considerada competente pela regra de

conflitos aplicável

Os Factos localizados no espaço se encontrem na forma que ela impõe (não é

um elemento de conexão relevante para efeitos de DIP, servindo apenas para

delimitar o seu âmbito de aplicação no espaço)

NORMA DE APLICAÇÃO IMEDIATA OU NECESSÁRIA

São normas de direito material que não se delimitam a sê-lo, tendo expressa ou

implicitamente uma regra de conflitos. Ou seja, é uma norma de direito material que

se quer aplicar a mais casos do que aqueles que é aplicável a lei em que ela se

integra. O seu elemento de conexão tem relevância conflitual. Têm uma vocação

expansiva. Enquanto no caso da norma espacialmente auto limitada o problema é de

aplicação da norma, neste caso é um problema de âmbito de competência a que

ela pertence. A norma de aplicação imediata quer se aplicar a mais situações do que

aquela que o ordenamento jurídico se aplica se acordo com a regra de conflitos

geral. As normas sobre a cessação do contrato de agência são de aplicação

imediata ou necessária. A indemnização de clientela é um instituto imperativamente

internacional.

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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page35

Podem existir regras que sejam simultaneamente de aplicação imediata ou necessária

e de espacialmente auto limitada. Mas não é comum. A regra pode dizer que quer

aplicar para alem do seu âmbito de competência mas só a certos factos que se

encontrem localizados num dado local.

QUALIFICAÇÃO

Art. 15º CC:‘ ’norma mais genial do direito português’’ que resolve um problema

metodológica da aplicação da regra de conflitos. Resolve um problema que desde

de 1891 atormenta os juristas: problema de qualificação.

Uma regra de conflitos tem dois elementos estruturais (elemento de conexão e

objecto da conexão) e a outro elemento consequência dos anteriores (consequência

jurídica – reconhecimento da competência de uma lei).

QUALIFICAR: algo possui determinadas características que em geral corresponde

aquilo. Reconhecer numa realidade os atributos que o conceito qualificante tem.

Qualifica-se algo porque reconhece-se nessa coisa as características do conceito

qualificante. Qualificar é no fundo o processo inverso na subsunção. É aquilo que nós

quando aplicamos normas jurídicas a realidades de facto qualificamos juridicamente

essas realidades de facto. enquanto numa norma jurídica de direito material lidamos

com um conceito descritivo de uma realidade de facto, no caso do DIP estamos face

a uma norma sobre norma (uma regra de conflitos é uma regra sobre regra, regra essa

que pretende dirimir/resolver os conflitos entre as leis). Se a regra de conflitos resolve

conflitos entre as leis ela tem de se referir a essas leis. O que é complicado na

qualificação de DIP é que estamos a qualificar normas e não realidades de facto. A

consequência jurídica da regra de conflitos é consequência da operação do

elemento de conexão: ao localizar-se o elemento de conexão nos sabemos qual é a

lei competente. Mas a lei é competente para que? A lei é competente para intervir

através da determinação do conceito quadro. O direito de conflitos opera a lei

aplicável, não em função do que ela dispõe, mas em função da conexão dela com

os factos: se for a conexão mais estreita é com a aplicação dessa lei que as pessoas

contam. O conceito quadro delimita a matéria para a qual a lei seleccionada é

competente. Ou seja, quais são as normas da lei competente que vão intervir?

Segundo o art. 15º só vão intervir as regras que subsumam-se do conceito quadro da

regra de conflitos.

Análise do art 15º (muito importante!)

A competência atribuída a uma leio factor que desencadeia a

competência de uma lei é a localização do elemento de conexão

Abrange somente as normas que, pelo seu conteúdo e pela função que têm

nessa lei dessa lei

Integram o regime do instituto visado na regra de conflitossubsumem-se ao

conceito quadro da regra de conflitos que mandou aplicar essa lei

Qual é verdadeiramente o objecto da qualificação de DIP? Qualificam-se normas

jurídicas! Aquilo que se conexiona são normas jurídicas.

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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page36

CONCEITO QUADRO: é um conceito de questão.

A qualificação pressupõe que se tenha interpretado as normas regras de conflitos

(elemento de conexão e conceito quadro) e em segundo lugar que se tenha

aplicado.

Relações entre os Cônjuges: art. 52º e 53º

O art. 52º refere-se ao momento actualcabem as relações pessoais e as

relações patrimoniais que não dependam do regime de bens.

O art. 53º refere-se ao momento da celebração do casamentoexiste uma

manifestação de vontade das partes quando se casam (tanto quando

escolhem um determinado regime de bens ou quando não o escolhem e

aplica-se supletivamente, sendo mesmo assim uma manifestação de vontade);

existe uma expectativa dos nubentes em ser aquele o regime de bens desde

que se casam e que não venha a sofrer alterações. Aplica-se apenas às

relações patrimoniais entre os cônjuges que dependam do regime de bens

escolhido expressamente ou supletivamente.

As regras de conflitos são interpretadas à luz da nossa lei portuguesa, qualquer

conceito deve ser interpretada de acordo com o sistema em que se integra.

Quando no art. 52º o legislador consagra ‘’as relações entre os cônjuges são

reguladas pela lei nacional comum’’ o que é que ele pretende de facto dizer? Os

conceitos utilizados pelas regras de conflito interpretam-se autonomamente aos

conceitos das restantes normas materiais. Por exemplo, o casamento consagrado no

art. 52º, embora não seja muito relevante, não corresponde ao mesmo que se

consagra quanto ao casamento no Livro da Família. Um conceito utilizado por uma

regra de conflitos não tem necessariamente o mesmo sentido que tem o conceito

equivalente no direito material do foro.

A doutrina estrangeira costuma distinguir a qualificação em primária e secundária

dando origem à TEORIA DA DUPLA QUALIFICAÇÃO

QUALIFICAÇÃO PRIMÁRIA/COMPETÊNCIA(1)DIREITO MATERIAL + (2) REGRA DE

CONFLITOS + (3) LEI COMPETENTE: perante uma qualquer situação da vida jurídica

privada internacional a primeira coisa a fazer é determinar o problema jurídico

concreto e não em abstracto. Em direito português, no caso de uma prestação de

alimentos por exemplo, tal insere-se no art. 52º que manda aplicar a lei nacional

comum. O que foi relevante foi a qualificação de acordo com o nosso direito material.

Ou seja, a primeira coisa a fazer é fazer uma qualificação para saber qual a lei

competente. Por exemplo: ‘isto no caso é um problema de alimentos é consiste de

acordo com o direito material (LIVRO DA FAMÍLIA) num problema de relação entre os

cônjuges. Só depois disto é que se vai ver qual a regra de conflitos eu regula as

relações entre os cônjuges.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page37

PROF. FERNANDO FERREIRA PINTO: A qualificação (primária) não é um passo

necessário para se determinar qual a lei aplicável. Parte-se da regra básica da Não

Transactividade: a situação x está em contacto com que leis? Por exemplo com a lei

da nacionalidade do cônjuge A, com a lei da nacionalidade do cônjuge B, com a lei

da residência habitual comum e com a lei do país com o qual a vida familiar se ache

mais estreitamente conexa. Todas estas leis podem vir a regular o caso e todas elas

são competentes.

NOTA;O instrumento da qualificação é o conceito quadro.

11 de Março – Aula 8 (Prof. Fernando Ferreira Pinto)

Já vimos que a norma de conflitos tem dois elementos estruturais: o elemento de

conexão e o conceito quadro que determina o elemento da conexão. O elemento

de conexão conexa um facto com uma lei com o objectivo de reconhecer

competênciaaquela lei, mas essa lei só será competente dentro de um determinado

âmbito de competência sendo este delimitado pelo conceito quadro.

TAREFAS INTERPRETATIVAS: como as regras de conflitos na nossa lei estão organizadas

não por elementos de conexão mas por conceitos quadro, é necessário saber

delimitar os conceitos quadros relativamente aos outros conceitos quadros, e tal faz-se

por interpretação da regra de conflitos. Aquilo que é casamento para um a norma de

conflitos não é necessariamente aquilo que se entende por casamento no Livro da

Família. A regra de conflitos como parte que é do direito do foro tem de ser

interpretada à luz do direito do foro, à lei da lei portuguesa tentando reconstruir o

pensamento do legislador que está na base da regra de conflitos. No art. 52º

mobilizou-se a conexão, ficando a conexão adstrita a um determinado momento

histórica (celebração do casamento) enquanto no art. 53º é uma conexão móvel.

Enquanto no art. 53º fixou-se temporalmente a conexão devido ao facto de as

pessoas terem escolhido aquele regime jurídico de bens: se fosse variável estar-se-ia a

frustrar as expectativas/confiança que as partes depositaram no regime jurídico

escolhido. Chegamos à conclusão que no art. 53º só cabem as matérias que

dependam exclusivamente do regime de bens escolhidos; todas

asrelaçõespatrimoniais que não dependam do regime de bens escolhidos pelos

cônjuges aplica-se o regime do art. 52º.

QUALIFICAÇÃO: Analisamos anteriormente que o conceito-quadro refere-se a normas

jurídicas de outros sistemas, que até pode ser o nosso. Aquilo que se conecta são

normas. Como se interpretam as normas de direito material? De acordo com o sistema

em que elas se integram. Naturalmente, as regras de direito material de um

determinado sistema jurídico tem de ser interpretadas de acordo com esse sistema

jurídico. Na aplicação do direito estrangeiro é necessário ser cauteloso, aplicando tal

como ele é aplicado no sistema jurídico em que ele faz parte. A regra de conflitos

determina a competência de uma lei estrangeira que será chamada a resolver uma

questão jurídica delimitada por um conceito-quadro. A qualificação traduz-se numa

perspestiva subsumir normas materiais de um direito estrangeiro ou do direito do foro,

ou seja o material que será qualificado ou subsumi-lo num conceito-quadro. Como é

que se la chega para se encontrar o material que será classificado? Os defensores da

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page38

dupla classificação argumentam no sentido de qualificar normas de uma

determinada lei mas como não se sabe qual a lei é preciso fazer uma primeira

qualificação.

Exemplo: Existindo uma determinada situação da vida (X) está conectada com a lei 1

e a com a lei 2. A lei 1 é a lei da nacionalidade comum dos cônjuges ao tempo da

celebração do casamento. A lei 2 é a lei da nacionalidade comum actual. Só existem

duas leis em contacto com a situação só podendo ser uma delas chamada a resolver

aquela situação. Parte-se do princípio que estas duas leis são competentes mas para

coisas diferentes. A lei 2 é competente para resolver todas as questões jurídicas que

não dependam do regime de bens escolhidos pelos cônjuges, enquanto a lei 1 resolve

as questões que dependem do regime de bens escolhidos pelo casamento. Na

prática existem duas leis em contacto com a situação e uma situação de facto a ser

regulado. Por hipótese a Lei 1 diz que aplica-se para a resolução do caso a norma X, Y

e Z enquanto a Lei 2 diz que aplica-se a norma A, B e C. Para que a norma X,Y e Z

serem aplicadas é preciso que sejam que a Lei 1 as considere competentes e depois é

ainda necessário que se subsumem no conceito-quadro.

ANÁLISE DO ART. 877º: esta regra resolve um problema de compra e venda? Se esta

regra vier a aplica-se numa regra de conflitos em que qual dos conceitos quadro se

insere? Qual o conceito quadro da nossa regra de conflitos que respeita a esta

norma? Art. 41º (esquecendo a existência do DUE)? Esta regra subsume-se ao conceito

quadro do art. 41º? Ou esta norma diz respeito a problemas de direito da família?

Procura-se o conceito quadro da regra de conflitos onde esta regra se subsume. É

necessário classifica-la na perspectiva do DIP, de acordo com as Regras de Conflitos.

A finalidade do art. 877º assenta em proteger quem? A regra destina-se claramente a

que um dos ascendentes não beneficie um dos descendentes prejudicando os

restantes descendentes. O ordenamento a que se vai buscar uma regra deste tipo

deve ser em função dos elementos de conexão dos contratos ou das relações

familiares? Claramente a segunda hipótese. O titulo porque ela intervém diz tudo.

A qualificação primária serve para encontrar a regra de conflitos que indica qual a lei

competente. Em Portugal não se faz a qualificação primária. A norma que aquele

ordenamento jurídica que se pretende aplicar ao caso tem que subsumir-se ao

conceito quadro de uma regra de conflitos cujo elemento de conexão manda aplicar

essa lei cujo essa regra de conflitos se insere.

ANÁLISE DO ART. 2133º/3: matéria sucessória ou de divórcio? O Sr. A (português) morre

e a Sra. B (alemã) vem reclamar uma parte da herança. Alguém bem dizer que a Sra.

B não herda porque nesse momento já estava separada judicialmente de pessoas e

bens. Eles residiam habitualmente em França. Quidiuris? Existem três leis

potencialmente aplicáveis: francesa, portuguesa e alemã:

Para o Sr. A aplica-se o art. 62º sendo a lei portuguesa a aplicável

Como eles residiam habitualmente em França aplicar-se-ia o art. 52º e 55º

Qual a lei competente neste caso? O entendimento geral é o seguinte: estando em

causa a regra do art. 2133º/3, fazendo parte da lei portuguesa, nos termos do art. 62º

manda-se aplicar a lei portuguesa. A lei sucessória é aquela que diz quem são os

herdeiros.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page39

HÍPOTESE PRÁTICA

DADOS DO CASO

ABEL – Português

BERTA – Francesa

Residiam em França (celebração do casamento)

Residem agora em Portugal

LEI FRANCESA

Lei Nacional da Mulher

Lei da Residência Habitual Comum ao tempo da celebração do casamento

LEI PORTUGUESA

Lei Nacional do Marido

Lei da Residência Habitual Comum Actual

Abel vendeu a casa de morada de família, sem o consentimento da esposa e a Berta

impugna a venda com fundamento no art. 1682º-A/2. Quidiures?

O art. 1682º-A/2 subsume-se ao conceito quadro do art. 52º ou do art. 53º? Neste caso,

quem se casar e contar com a aplicação da lei portuguesa sabe que não pode

escapar a isto, ou seja não há aqui a protecção de qualquer expectativa. Deste

modo, aplica-se o art. 52º.

Uma vez que a casa de morada de família em que eles é a residência habitual

comum aplica-se, de acordo com o art. 52º/2, a lei portuguesa.

Imagine-se agora que eles residiam habitualmente comum em Portugal, mas agora

residem em França.

Neste caso, de acordo com o art. 52º/2 seria aplicável a lei francesa, não se

aplicando o art. 1682º-A/2.

NOTA: O elemento de conexão determina qual a lei competente e o conceito-quadro

determina a competência dessa lei.

(?)O art. 1682º-A/2 é uma norma de aplicação imediata ou necessária?Se sim, e se os

sujeitos em questão fossem ambos franceses, apesar de se aplicar o art. 52º/1 o que

em princípio implicaria aplicar a lei francesa e pressupondo que no ordenamento

francês não exista nenhuma norma de cariz semelhante ao art. 1682º-A/2 sendo o art.

1682º-A/2 uma norma de aplicação imediata ou necessária que visa proteger todos os

núcleos familiares que tenham residência habitual comum em Portugal seria aplicada

esta norma.

Para se saber se o art. 1682º-A/2 é uma norma de aplicação imediata ou necessária é

necessário questionar se esta norma aceita ser só aplicada quando a lei portuguesa é

competente ou aplica-se independentemente de tal só pelo facto da casa de

morada de família se situar em Portugal?

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page40

ANÁLISE DO ART. 1766º/1 AL. C): esta norma subsume-se a que regra de conflitos? É

uma consequência sancionatória do divórcio? As doações entre casados são

limitadas (por exemplo, caducam por morte do doador). Este artigo indica que a

doação entre casados caduca por divórcio ou separação judicial de pessoas e bens

por culpa do donatário. Como se qualifica esta regra? Qual o estatuto a que

compete definir a perda dos apelidos pelo divórcio? À partida será ao estatuto

pessoal de cada um dos cônjuges. Contudo, a parte final do art. aponta para uma

consequência sancionatória do divórcio. Aplica-se o art. 55º que remete para o art.

52º.

CONFLITO DE QUALIFICAÇÕES (não será muito aprofundado nas aulas)

Uma situação X está em contacto com a Lei 1 e com a Lei 2. Querendo aplicar-se a

norma A tal cabe na regra de conflitos X que cabe na Lei 1. Querendo aplicar-se a

norma B tal cabe na regra de conflitos Y que cabe na Lei 2. Tal dá origem a um

conflito positivo de jurisdições? E agora? Agora é casuístico. A regra de conflitos não

conseguiu resolver o conflito. Mas também pode acontecer uma situação de vácuo

jurídico: a norma X manda aplicar a Lei 2 e a norma Y manda aplicar a Lei 1.

CONFLITO DE SISTEMAS

Ocorre quando o elemento de conexão base para uma lei (por exemplo, em Portugal

é a nacionalidade) não é o mesmo que em outra lei (por exemplo, no Brasil é a

residência habitual comum).

Os conflitos de sistemas podem ser resolvidos através das seguintes formas: questão

prévia, princípio da maior proximidade, princípio dos direitos adquiridos e reenvio.

REFERÊNCIA MATERIAL: regra de conflitos faz a uma referência material a uma lei

estrangeira. Princípio Geral consagrado no art. 16º. A referência material abrange

apenas as regras materiais dessa lei e não as regras de conflitos.

REFERÊNCIA GLOBAL: quando a regra de conflitos faz uma referência a uma

estrangeira a referência abrange as regras materiais e as regras de conflitos.

De acordo com o Princípio da Harmonia Jurídica Internacional quando se surge algo

tal deve ir ao encontro dos princípios e valores dos diversos ordenamentos jurídicos.

Quando as regras de conflitos portuguesas se referem a leis estrangeiras referem-se

apenas as regras de direito material da lei estrangeira (‘’direito interno dessa lei’’

leia-se direito material e exclui-se o direito de conflitos! Advertência feita devido ao

facto de o direito de conflitos também ser direito interno!).

▲ Existiram vários autores que pretenderam resolver os problemas de conflitos

negativos de DIP. As soluções dadas são insuficientes mas a sua leitura e

conhecimento é importante pelo que se remete para as Lições de Direito

Internacional Privado do Prof. Ferrer Correia.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page41

A regra de conflitos é uma regra de decisão, não de conduta, pelo que não existe

qualquer razão para se determinar a sua aplicação no espaço, tempo, etc.

14 de Março - Aula 9 (Prof. Fernando Ferreira Pinto)

REENVIO (art. 17º, 18º e 19º) Regula os Conflitos Negativos de DIP

Os conflitos negativos ocorrem quando nenhum ordenamento jurídico, devido às

divergências das regras de conflitos, nenhum se considera competente.

ATITUDES PERANTE O REENVIO:

RECUSA TOTAL DO REENVIO: a função da regra de conflitos é apenas indicar

qual a lei que deverá ser aplicável, não em remeter a competência para outro

estado. São os defensores que quando uma regra de conflitos refere uma lei

estrangeira refere-se apenas ao seu direito material.

ATITUDES FAVORÁVEIS À ACEITAÇÃO DO REENVIO:

FRANÇA: a referência da sua lei a uma lei estrangeira é uma referência

global. Se a Lei 1 devolver a competência ao direito francês aplica-se o

direito francês; se a Lei 1 remeter a competência a uma Lei 2 aplica-se

a lei2. Mas só se aceita um reenvio, pelo que se a Lei 2 remeter a uma

Lei 3 aplica-se à mesma a lei 2.Atitude favorável ao reenvio, adoptada

pelos tribunais franceses nomeadamente. Em 1882, Forgo era um

bávaro, que vivia habitualmente em França, e que faleceu deixando

parentes afastados como sucessíveis. Esses herdeiros herdavam

segundo a ser bávara mas não segundo a lei francesa. A lei francesa

mandava aplicar ao caso a lei bávara e esta por sua vez mandava

aplicar a lei francesa. Os tribunais franceses acharam que devia

aplicar-se a lei francesa porque (1) era a lei mandada aplicar pela lei

bávara e (2) quem herdava era o Estado. Embora os tribunais franceses

sejam favoráveis quando ao reenvio, não aceitavam todo e qualquer

reenvio: só aceitavam o reenvio de 1º grau/devolução simples

TEORIA DO DUPLO REENVIO (TOTAL): o tribunal inglês diz que aplica a mesma lei

que o tribunal francês aplicaria. A regra de conflitos inglesa quando faz

referencia a uma lei estrangeira faz referencia a essa lei estrangeira a nível

material, a nível de regra de conflitos e a perspectiva dessa lei sobre o reenvio

(Lei Inglesa - - - > Lei Francesa; Lei Francesa Lei Inglesa (referencia global); Lei

Francesa Lei Inglesa; Lei inglesa Lei Francesa). Exemplo: os franceses

partem do princípio que existe uma referência global mas aceitam apenas o

primeiro reenvio. A lei francesa manda aplicar a lei espanhola e interpretam

sempre a segunda referência da lei espanhola como sendo material

independentemente de ser global ou não. Se a lei francesa mandar aplicar a

lei espanhola, e a lei espanhola mandar aplicar a lei brasileira e a lei brasileira

mandar aplicar a lei dinamarquesa. Os tribunais franceses aceitam o primeiro

reenvio pelo que se aplicava a lei brasileira; os tribunais espanhóis aplicavam a

lei dinamarquesa, a lei brasileira também aplicava a dinamarquesa tal como a

lei dinamarquesa que aplicava a sua lei. Lei inglesa --- > lei francesa (quando

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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page42

na lei inglesa manda a competência para a lei francesa diz que vai resolver oi

caso como a lei francesa resolveria; a lei francesa manda aplicar a lei inglesa

que manda aplicar a francesa pelo que se aplica a lei francesa). A lei inglesa

manda aplicar a lei brasileira e esta manda aplicar a lei inglesa. A lei brasileira

não aceita o reenvio. Aplica-se a lei inglesa, não havendo duplo reenvio. Lei

inglesa -- > lei francesa lei espanhola (duplo reenvio) lei francesa. A lei

inglesa aplicava a lei que a lei francesa mandava aplicar. A lei francesa

mandava aplicar a lei espanhola que por sua vez mandava aplicar a lei

francesa pelo que os tribunais ingleses iriam aplicar a lei francesa.

MODALIDADES DE REENVIO

REENVIO de 2º GRAU OU REENVIO PARA A FRENTE (art. 17º):Lei do Foromanda

aplicar a Lei 1 que manda aplicar a Lei 2. As ‘’’’ referem-se a elementos de

conexão.

DEVOLUÇÃO, RETORNO, REENVIO DE 1º GRAU OU REENVIO PARA TRÁS (art. 18º):

Lei do Foro Lei 1

REENVIO EM CADEIA: Lei do Foro Lei 1 Lei 2 Lei 3 Lei 4 Lei 5

RETORNO INDIRECTO (indirectamente encontra-se no art. 18º): Lei do Foro Lei

1 Lei 2 Lei do Foro (tanto a Lei do Foro como qualquer das Leis utilizam

elementos de conexão diferentes)

PRINIPIO DO RECONHECIMENTO DAS SENTENÇAS ESTRANGEIROS: reconhece-se que

certos conteúdos jurídicos são válidos de acordo com uma lei que não é aquela que

nós consideramos competente.

O reenvio nem sempre foi unanimemente aceite, nomeadamente em Itália e no Brasil.

O reenvio procura ver se existe possibilidade de harmonizar as diferentes leis que s

encontram dentro da cadeia.

SISTEMA DE REENVIO PORTUGUÊS

Utilização do reenvio como um expediente pratico para atingir finalidades de DIP. O

reenvio não tem de ser aceite como regra nem ser excluído como regra. É um

problema de interpretação do direito de conflitos. O reenvio não deve ser rejeitado a

partida nem aceite sem limitações: só deve ser aceite nos casos em que vá ao

encontro dos valores de DIP. Apesar de o art. 16º referir o principio da referencia

material é preciso acautelar do ponto de vista pratico. O reenvio é justificado pelo

principio da harmonia jurídica internacional (art. 16º e 18º), o reconhecimento dos

direitos adquiridos (art. 31/2 interpretado extensiva e analogicamente), o principio da

maior proximidade (art. 17º/3) e o principio do favor negoti (art. 36º/2 e 65º/1).

Análise do art. 16º: regra prática que está aqui para ajudar um tribunal estrangeiro:

eles sabem que o nosso ponto de partida é aplicar o direito material estrangeiro.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page43

Análise do art. 17: regula a transmissão de competência.

Nº1: decorre do principio geral de DIP, ou seja a harmonia jurídica

internacional, deve-se aceitar o reenvio quando conduza à concretização do

principio; pode haver reenvio se a lei portuguesa enviar a competência para

uma lei que manda para uma terceira lei e esta se considera competente.

Exemplo art. 17º/1: LEI PORTUGUESA - - - > LEI FRANCESA - - - > LEI BRASILEIRA =

LEI BRASILEIRA considera-se a si própria competente e os tribunais portugueses

aplicam a lei brasileira. Ou seja, nos termos do art. 17º/1 deve-se admitir o

reenvio quando seja o expediente adequado para atingir a harmonia jurídica

internacional (não é verdadeiramente uma excepção face ao art. 16º).

Nº2: esta construído como uma excepção face ao nº1. Refere-se ao reenvio

em matéria de estatuto pessoal não admitindo tal. O nosso legislador considera

que em matéria de estatuto pessoal à partida há apenas duas leis com

legitimidade para regular essa matéria: lei da nacionalidade e lei do

domicilio/residência habitual. Só se admite a aplicação de uma lei diferente

das referidas se elas estiverem de acordo quanto à aplicação dessa outra lei.

Em matéria de estatuto pessoal o que interessa não é uma harmonia entre

quaisquer leis, mas sim uma harmonia entre a lei da nacionalidade e a lei do

domicilio. Lei portuguesa (lei domicilio) --- > lei francesa (lei da nacionalidade)

Lexloci - não se admite o reenvio porque a lei do domicilio e a lei da

nacionalidade não estão de acordo. Mesmo que o domicilio seja num terceiro

estado que mande aplicar a lei da nacionalidade não existe reenvio.

Nº3: mesmo que se verifique a excepção do nº2 pode haver reenvio.

Manifestação indirecta do Princípio da Maior Proximidade/Principio da Eficácia

e Reconhecimento das sentenças. Numa situação como a anterior existe

reenvio se a lei que a francesa manda aplicar for a lei da situação dos bens

imoveis e esta se considere competente.

Análise do art. 18º

Nº1: regra básica em matéria de retorno. Lei portuguesa - - - > L1 (remete para

a LP) só nesta situação o reenvio é um mecanismo essencial para atingir a

harmonia jurídica. Se o DIP da L1 devolver para a LP é este o direito aplicável.

Lei portuguesa - - -> lei inglesa (remete para a LP). Tribunais ingleses aplicam a

mesma lei que a LP. Sendo o nosso principio básico o do art. 16º os tribunais

ingleses aplicavam a sua lei.

Nº2: regula o retorno em matéria de estatuto pessoal. Interpretação extensiva

admite o retorno para a nossa lei. LP --- > LF - Lei Brasileira (remete para LP). A

lei francesa indirectamente remete para o direito material português. Ao

contrario do art. 17º/2, refere-se ao reenvio na modalidade do retorno: LP

(domicilio) --- > LN (remete para a LP). Só deve aplicar-se uma lei diferente da

nacionalidade ou do domicilio, se a lei da nacionalidade ou do domicilio

estiver de acordo quanto à aplicação dessa lei.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page44

Art. 17º/2 vs art.18º/2

Ambos consagram que só pode ser aplicada outra lei quando a lei do domicilio e a lei

da nacionalidade estiverem de acordo.

O art. 18º/2 é mais rigoroso a admitir o retorno para a lei portuguesa, do que o art.

17º/2 ao admitir a atribuição de competência em matéria de estatuto pessoal

Se ambos se inspiram na ideia comum que assenta no acordo ente a lei do domicilio a

lei da nacionalidade, há situações em que deve haver reenvio na forma de

transmissão de competente mesmo que a terceira lei não se repercute competente.

Exemplo: LP - - - > LN - - - > (referencia material) L3 - - -> L4; LD L3. Nesta situação

deve ou não haver reenvio?

Violando o disposto no art. 17º/1, deve haver reenvio uma vez que a LN e a LD estão

de acordo quanto à aplicação da L3. Deste modo aplica-se a L3.

Análise do art. 31º/2: manifestação clara de um principio de favorecimento de

validade do negocio inspirado no reconhecimento de situações constituídas em pais

estrangeiro. Se a situação já se constitui em pais estrangeira e estava em condições

de produzir ai os seus efeitos, nos não devemos negar o reconhecimento a essas

situações. O que o legislador consagra é que a lei da residência habitacional é uma

lei que tem um peso próximo da conexão nacionalidade. Admite-se a aplicação

alternativa da lei da residência habitual as matérias de estatuto pessoal (art. 25º - art.

31º/1). PROF. FERRER CORREIRA & PROF. BAPTISTA MACHADO: interpretação extensiva

do art. 31º/2. O que é relevante é que é o negocio tenha sido celebrado de acordo

com a lei do domicilio e esteja em condições de ai produzir os seus efeitos uteis

normais? Mas porquê a lei do domicilio? O que importas em bom rigor é que o

negocio jurídico esteja em condições de produzir os seus efeitos no estado do

domicilio. LP LD L2 L3 = lei 2 competente se o negocio tiver que produzir efeitos

do LD que manda aplicar a L2. Trata de saber qual a LD considera competente.

Requisitos do art. 31º/2:

Negocio celebrado no estado da residência habitual

Negocio celebrado de acordo com a lei da residência habitual

Lei da residência habitual se considere competente

Não interessa nada onde o negócio é celebrado, interessa sim saber se o negocio

esta em condição de produzir efeitos no estado do domicilio.

A restrição analógica do art. 31º/2 conduz a uma restrição analógica do art. 17º/2

quanto às situações a constituir. Deste modo, nas situações em que o art. 17º/2

considerava não existir reenvio passa a existir.

LP --- > L NACIONALIDADE L3 (considera-se competente). LD remete para a LN. De

acordo com o art. 17º era a L3 mas de acordo com a LD era a LN. Contudo, como se

trata de uma situação de reconhecimento aplicar-se-ia a L3.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page45

CONEXÕES HOSTIS AO REENVIO

Há conexões que pela sua razão de ser não admitem o reenvio. A grande maioria das

convenções internacionais indica expressamente que o direito mandado aplicar por

essas normas é apenas o direito material.

CONEXÃO VOLUNTÁRIA: a lei aplicável é escolhida pelas partes livremente. Por

exemplo, o art. 41º. É uma conexão hostil ao reenvio também.

CONEXÃO LOCAL DA CELEBRAÇÃO DO NEGÓCIO EM MATÉRIA DE VALIDADE FORMAL

DOS NEGÓCIOS:Porque é a lexloci que deve vigorar quanto à forma? Para facilitar a

vida às partes. Se a ideia é facilitar a vida as pessoas, a conexão local da celebração

para efeitos de forma externa do negocio é uma conexão que a partida não deve

admitir o reenvio, excepto quando este seja a única forma de salvar a validade do

negocio: art. 36º/2 e art. 65º/1.

Análise do art. 19º/1: princípio do favor negoti como obstáculo ao reenvio. Quando a

aceitação do reenvio conduzir a invalidade do negocio jurídico ou a ilegitimidade de

um estado que seria legitimo por uma lei que nos consideramos competente, não se

admite o reenvio. LP - - -> LN L3 (considera-se competente) = sendo o negocio

valido à luz da lei da nacionalidade mas invalido à luz da l3, aplica-se a LN e não há

reenvio.

PROF. FERRER CORREIA E PROF. BAPTISTA MACHADO (PROF. FERNANDO FERREIRA PINTO

NÃO CONCORDA E ACHA DISCUTIVEL): interpretação restritiva do art. 19º/1. Este artigo

fica sujeito a dois pressupostos: só se deve obstar ao reenvio se se tratar de uma

situação a reconhecer (e não a constituir) e se a lei portuguesa era uma lei que no

momento em que se constitui estava em contacto com essa situação. Se a lei

portuguesa não tinha nenhum contacto com a situação então porque é a LN seria a

competente se as partes não tinham nenhuma expectativa visto que a LN só é

competente devido à LP. Mas as partes podiam confiar na LN independentemente da

LP. Se a ideia é salvar a validade do negocio então salva-se independentemente de a

LP ter algum contacto com a situação.

18 de Março – Aula 10 (Prof. Luís Barreto Xavier)

CONFLITO DE SISTEMAS: divergência entre sistemas de regras de conflitos, entre

sistemas de DIP

ATITUDES FACE AO REENVIO ENQUANTO SOLUÇÃO DE CONFLITOS NEGATIVOS DE

SISTEMAS

TESES QUE REJEITAM O REENVIO: adoptam uma referência material para a lei

estrangeira

TESES QUE ACEITAM DE FORMA SISTEMÁTICA O REENVIO: adoptam uma

referência global para a lei estrangeira

TESES QUE NÃO ACEITANDO O REENVIO COMO SOLUÇÃO TAMBÉM NÃO O

REJEITAM A PRIORI: utilizam-no como fim para atingir determinados objectivos,

tal como sucede com o sistema Português.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page46

Os regulamentos europeus têm criando normas/regras de conflitos unificadas,

excluindo deste modo a importância do reenvio

TESES CLÁSSICAS PARA OS SISTEMAS QUE ACEITAM O REENVIO

DEVOLUÇÃO SIMPLES: L1 L2 L3 --> L2 (referência global; -- > remete). L1

só toma em consideração as regras de conflitos de L2 e não as regras de

reenvio. Aplica-se a Lei3 (aceita-se o primeiro reenvio). L2 aplica L2 porque

embora remeta para L3 aceita o reenvio de L3 para L2. Este sistema não

contribui de forma minimamente relevante para se atingir a harmonia jurídica

internacional. Este sistema surge sobretudo para aumentar a aplicação da lei

do foro nos países em que ele foi adoptado. Ele é sobretudo adoptado em

caso de retorno.

DUPLA DEVOLUÇÃO: L1 _-_-_-> L2 L3 - - >L2. Quem pratique dupla devolução

vai aplicar a lei que seria aplicável no sistema para o qual se remete. L1 ao

remeter para L2 irá aplicar a lei que os tribunais de L2 aplicariam, neste caso

aplicavam-se as suas normas materiais uma vez que existe o reenvio de L3 para

L2. L1 aplica L2, L2 aplica L2 e L3 aplica L3 pelo que não existe uma harmonia

entre os sistemas. Contudo, neste sistema consegue-se harmonia entre dois

sistemas, neste caso entre o sistema de L1 e L2. L1 _-_-_-> L2 _-_-_-> L1 = ciclo

vicioso (L1 aplica a lei que L2 aplicar e L2 aplica a lei que L2 aplicar).

HIPÓTESE PRÁTICA

Suponha-se que numa determinada matéria a lei portuguesa manda aplicar a lei

nacional dos indivíduos, que por seu turno remete para uma terceira legislação. Tendo

em conta que a lei nacional pratica o sistema da referência material e a terceira

legislação adopta a Teoria da Dupla Devolução remetendo para L2 coloca-se a

questão de saber qual a lei aplicável.

Lei Portuguesa -,-> L2 (lei da nacionalidade) --> L3 -_-_-> L2

LEGENDA

-,->sistema português

-_-_->sistema da dupla devolução

-->referência material

referência global

L2, além de remeter para L3, aplica L3. L3 remete para L2 e aplica aquilo que os

tribunais de L2 vão aplicar. Deste modo, L3 aplica L3 (aplica a sua lei material) uma

vez que L2 aplica L3 (art. 17º/3). Existe harmonia jurídica internacional.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page47

Supondo agora que a lei portuguesa remete para a lei nacional que remete para a

terceira legislação através do sistema de devolução simples e L3 remete para L2

também com o sistema da devolução simples. Quidiuris?

Quando o art. 17º/1 consagra ‘’remeter para outra legislação’’ em bom rigor não é a

norma de conflitos de direito material de L2 a ter em conta apenas: é também

necessário considerar as regras de conflitos de L2. Quando se diz remeter deve-se ler

aplicar. Não basta que L2 remeta para L3: é necessário que L2 aplique L3.

Uma vez que L2 apenas remete para L3 e não a aplica, aplica-se L2 porque é a lei que

a norma de conflitos do art. 16º manda aplicar.

E se os interessados residirem habitualmente em Portugal e a lei referida pela norma

de conflitos for a lei pessoal?

Aplica-se o art. 17º/2: não existe reenvio e aplica-se a L2 (lei da nacionalidade).

E se a Lei da Residência Habitual for uma quarta lei e esta remeter para a L2, ou seja

para a lei da nacionalidade?

A lei nacional manda aplicar a L3 e a lei da residência habitual manda aplicar a lei da

nacionalidade. A lei 3 aplica a lei que a lei da nacionalidade aplica pelo que se

aplica a lei 3. Deste modo, temos a L2 a aplicar a Lei 3 e a Lei da Residência Habitual

Comum a mandar aplicar a lei da nacionalidade. Tanto a Lei da Residência Habitual

como a Lei da Nacional encontram-se fortemente ligadas ao individuo. Embora haja

uma harmonia jurídica internacional entre a L2 e a L3, a circunstância de que a Lei da

Residência Habitual considera competente a lei nacional introduz um factor de

perturbação que conduz a que não se deve prescindir de aplicar a lei da

nacionalidade quando a lei da residência habitual comum a mandar aplicar.

Suponha-se agora que a Lei da Residência Habitual considera-se a si própria

competente?

Aplicando o art. 17º/1 seria a Lei 3 a aplicável por ser a lei considerada competente

pela lei nacional.

Imagine-se agora que a Lei3 era a lei da situação dos imóveis. Quidiuris?

Aplicando o art. 17º/3 a lei aplicável seria a lei da situação dos imóveis (L3 aplica a lei

que a lei da nacionalidade considera competente, sendo que a lei da nacionalidade

considera competente a lei da situação dos imóveis).

RATIO DO ART. 17º/3 – IDEIA DE EFECTIVIDADE DAS DECISÕES JUDICIAIS: ao aplicar-se a

lei da situação dos imóveis está se a contribuir para que a decisão judicial produzida

em Portugal possa ser executada no país de situação dos imóveis. Subjacente a esta

ideia está a assunção do pressuposto de que no país da situação dos imóveis só se vai

reconhecer a sentença se essa tiver feito aplicação da lei desse estado.

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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page48

ANÁLISE DO PRINCÍPIO DA MAIOR PROXIMIDADE

Hoje ainda faz sentido? A resposta prende-se com o problema de reconhecimento e

execução de sentenças estrangeiras. Ou seja, trata-se de saber se os sistemas de

reconhecimento de sentenças estrangeiras fazem depender esse reconhecimento da

aplicação do seu direito material, ou seja este sistema faz sentido se tiver em vigor na

maior parte dos estados um sistema de revisão de mérito das sentenças estrangeiras,

ou seja um sistema que promova o controlo da lei aplicável no estado em que a

sentença deve produzir efeitos. Actualmente, cada vez menos se procede ao controlo

da lei aplicável quer por força do DUE quer por força do sistema comum português

(art. 1094º e ss CPC). Deste modo o art. 17º/3 e o art. 47º têm uma razão de ser

bastante limitada.

Admita-se que a agora a Lei Nacional remete para a Lei Portuguesa, sendo que a Lei

da Situação dos Bens se considera competente. Note-se ainda que a Lei da

Residência Habitual remete para a Lei Nacional.

Lei1 (Portuguesa) –‘-> LN (Lei2) --> Lei 1 LRH --> LN LSI = considera-se competente

Nos termos do art. 18º/1, a lei aplicável seria a lei portuguesa.

Enquanto o art. 17º/2 prevê casos que quando verificados neutraliza casos que seriam

passíveis de reenvio, o art. 18º/2 consagra os casos em que existe reenvio não sendo

uma excepção ao nº1 mas um conjunto de requisitos para que se possa verificar o

reenvio. Uma vez que tais requisitos não se encontram verificados não poderá existir

reenvio.

E se a lei da residência habitual em vez de remeter para a lei da nacionalidade

remeter para si própria?

Aplica-se L2 (lei da nacionalidade), não existindo reenvio.

E se LN remetesse para a lei da situação dos imóveis, enquanto a lei da residência

habitual remetesse para si própria?

Uma vez que a lei da residência habitual não remete para a lei da nacionalidade,

aplicava-se a lei que a lei da nacionalidade considerasse competente: aplicava.se a

lei da situação dos imóveis. Neste caso, toma-se em consideração que a lei

considerada competente pela lei da nacionalidade também se considera

competente.

Imagine-se agora que L1 –‘-> L2 -_-_-> L1 (lei portuguesa). Quidiuris?

Quando L2 olha-se para o sistema português olha tanto para as normas materiais,

normas de conflitos e normas de reenvio. Deste modo, não podemos a partir do

sistema de referencia adoptado pela Lei 2 partir do pressuposto que eles fazem uma

referencia material ao nosso direito. Deste modo, adopta-se a regra geral do art. 16º.

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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page49

PROF. BAPTISTA MACHADO (maioria da doutrina discorda): se o julgador português

aceita-se o reenvio o que faria o julgaria do país que adopta a dupla devolução? Do

ponto de vista da harmonia jurídica internacional qualquer que seja a orientação que

os tribunais portugueses adoptem quando ao reenvio tal irá alcançar-se, uma vez que

qualquer que seja a atitude tomada em Portugal será reproduzida pelos tribunais

britânicos (sistema da dupla devolução). Deste modo, mais vale aplicar a lei

portuguesa que é a lei do foro e que o juiz melhor conhece (manifestação do princípio

da boa administração da justiça).

Se o sistema que pratica dupla devolução remete para o direito português, não se

pode nunca concluir que esta a remeter para o direito material apenas que é

pressuposto da aplicabilidade do art. 18º/1 (só se aplica este artigo quando for feita

uma referência material ao direito português). Deste modo, aplica-se o art. 16º pelo

que a melhor solução assenta em não existir reenvio.

Imagine-se agora a seguinte hipótese: L1 –‘-> L2 _-_-_-> L3 --> L1. Quidiuris?

Uma vez que a lei 2 irá aplicar a lei que os tribunais da L3 aplicarem é necessário

começar por analisar o que a L3 faz.

Art. 18º/1: se a L3 designada pela L2 devolver para o L1, é este o direito aplicável. L2

considera indirectamente competentes os tribunais portugueses uma vez que remete

para a L3 que faz uma referencia material para L1.

Tomando como base o exemplo anterior, imagine-se agora que L3 faz uma referência

global (e já não material) para L1?

L1 remete para L2. L2 utilizando o sistema de dupla devolução coloca-se na mesma

situação que os tribunais de L3 e aplicam a lei que os tribunais de L3 considerem

competentes. Por sua vez, L3 irá aplicar a lei que os tribunais de L1 apliquem. Trata-se

de um ciclo vicioso. Segundo a generalidade da doutrina, não existe razão legal nem

racional para aceitar o reenvio, aplicando-se a regra geral do art. 16º.

Suponha-se agora que LP –‘-> L2 L3 LP

L2 pratica devolução simples, pelo que remete para L3 e aplica L1 porque aceita um

reenvio. L3 irá aplicar a L2. E LP? Faz-se depender a aplicação do art. 18º/1 de uma

harmonia de todas as leis da cadeia ou exige-se essa harmonia? Para o PROF. LUÍS

BARRETO XAVIER é relevante uma harmonia relacionada com a nossa norma de

conflitos (L2).

Suponha-se que LP –‘-> L2 -_--> L3 L4 LP

Neste caso, L2 aplica o que L3 aplicar e este pratica devolução simples pelo que

aplica a lei portuguesa. L4 aplica a Lei 2.

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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page50

Imaginando-se que aceita-se agora o reenvio, sendo que sem reenvio tinha-se o

negócio válido e com reenvio já não.Quidiuris?

Nos termos do art. 19º/1 não se poderá aplicar o reenvio: princípio do favorecimento

do negócio. Trata-se de tutelar as expectativas das partes. Deste modo, é necessário

entender de forma cautelosa o art. 19º/1 uma vez que ela pressupõe algo que não se

encontra nela expresso: a norma refere-se apenas aos negócios jurídicos já celebrados

e não a celebrar. Não existem expectativas a tutelar pelas partes nos casos em que o

negócio ainda não foi celebrado. É uma interpretação restritiva do art. 19º/1, ou seja

interpretação que conduz a que a norma se aplique apenas a situações já

constituídas.

QUESTÃO DUVIDOSA – SEGUNDA RESTRIÇÃO, PROF. A. FERRER CORREIA: O art. 19º/1 só

se aplicaria se as partes não pudessem ter tido a expectativa de se aplicarem as

regras de conflitos portuguesas. Ou seja, só seria de esperar que as partes se

orientassem pela lei designada pelas nossas normas de conflitos se as partes tivessem

no momento da celebração do negócio algum contacto com a ordem jurídica

portuguesa.

PROF. LUÍS BARRETO XAVIER: esta questão prende-se com a função das normas de

conflitos. Existem duas grandes concepções que se opõem sobre a função das regras

de conflitos.

CONCEPÇÃO1: As normas de conflitos são meramente regras de decisão para

os aplicadores de direito, dirigindo-se a dirimir conflitos de leis e não se dirigindo

às partes mas sim exclusivamente aos aplicadores de direito. As regras de

conflitos são regras dirigidas aos aplicadores de direito quanto ao caminho a

tomar para dirimir os litígios resultantes da colisão de direitos, não sendo regras

de conduta

CONCEPÇÃO2 – POSIÇÃO DO PROF. A. FERRER CORREIA: As regras de conflitos

alem de se dirigirem ao tribunal e a outros órgãos de aplicação de direito

também se dirigem as partes uma vez que estas vão dirigir a sua actividade

com base naquilo que seja previsível da solução que venha se a adoptar. As

regras de conflitos também são regras de conduta. Note-se que o PROF.

FERRER CORREIA só considera que as regras de conflitos são regras de conduta

também quando se trata de defender a segunda interpretação restrita do art.

19º/1: quanto aos demais casos defende que as regras de conflito são regras

de decisão e não regras de conduta.

Considerando que as Regras de Conduta são regras de conduta, o mesmo também

se terá de defender para o reenvio. Deste modo, as partes não podiam legitimamente

contar com a aplicação da lei designada pelas nossas normas de conflitos sem contar

com a aplicação das normas de reenvio pelo que não seria legitima a expectativa.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page51

Deste modo, o PROF. LUÍS BARRETO XAVIER defende que a expectativa das partes

relaciona-se além de se dever com a remissão da regra de conflitos para a lei da

nacionalidade, por exemplo, ainda com o facto de ser a lei nacional do sujeito. As

pessoas confiam na aplicação da sua lei nacional (‘’se se perguntar na rua o que são

regras de conflitos ninguém sabe; se se perguntar na rua qual a sua lei nacional todos

sabem’’).

21 de Março – Aula 11 (Prof. Luís Barreto Xavier)

HIPÓTESE PRÁTICA

Suponha-se que num contrato internacional as partes escolhem a lei de Marrocos

como lei aplicável a esse negócio. A lei de Marrocos não se considera competente e

remete para a lei portuguesa que é a lei da residência habitual comum dos

contraentes. Quidiuris?

Sendo a lei de Marrocos designada pelas partes, é necessário questionar se tal

designação era permitida? Em princípio sim, pelo que a consequência nos termos do

art. 19º/2 seria a aplicação da lei de Marrocos (lei escolhida pelas partes) não se

admitindo reenvio.

Ratio do art. 19º/2: Tutela da Autonomia Privada/Vontade em DIP, ou seja a partir do

momento em que as partes escolheram determinada lei, podendo fazê-lo, tal escolha

deve ser respeitada.

Se as partes tivessem mandado aplicar a lei de um determinado país (lei marroquina),

mas se se conseguisse por interpretação chegar à conclusão que as partes queriam

mandar aplicar a lei que a lei desse país considerasse competente (lei portuguesa),

nesse caso qual a lei que deveria ser aplicável?

Neste caso, deveria ser aplicada a lei portuguesa. Mas isso não contraria o art. 19º/2?

A lei escolhida pelas partes era a lei considerada competente pelo direito marroquino,

ou seja a lei portuguesa. Trata-se de proceder a uma designação indirecta da lei

competente, pelo que as regras de conflitos da lei escolhida são meramente

instrumentais face à autonomia privada.

Ou seja, o que está em caso no art. 19º/2 não é consagrar o afastamento do reenvio

em todas as situações, mas sim a expressão da autonomia da vontade que não pode

ser afastada pelo reenvio quando já se encontrava consagrada.

Contudo, as partes poderiam ou não ter escolhido a lei marroquina?

Nos termos do art. 3º/1 do Regulamento de Roma I as partes podem escolher a lei

aplicável.

Mas as partes podem escolher a lei aplicável numa situação puramente interna?

A única coisa que podem fazer é integrar o contrato com recurso a disposições

materiais capturadas num determinado sistema jurídico estrangeiro, mas tal não

significa utilizar essa lei estrangeira.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page52

Quando as partes num contrato puramente interno remetem para a lei inglesa, as

disposições imperativas da lei portuguesa terão sempre de ser respeitadas, apenas se

aplicando a lei inglesa às regras supletivas, ou seja ao espaço vazio deixado pela lei

portuguesa onde as partes podem aplicar disposições materiais de outro sistema

jurídico estrangeiro.

Deste modo, só se poderia aplicar a lei marroquina no seu todo ao contrato se tal não

se inserisse numa situação puramente interna, teria de ter qualquer elemento que o

permitisse inserir numa situação internacional.

Nesta hipótese aplicava-se mesmo o art. 19º/2?

Não, na nossa hipótese o art. 19º/2 seria aplicável se a autonomia da vontade

estivesse a ser exercida ao abrigo das regras de DIP de fonte interna portuguesa,

nomeadamente do art. 41º CC. Mas não é isso que sucede: a aplicação do art. 41º

em matéria contratual é afastada pelo Regulamento de Roma I.

A razão pelo que no caso não existe reenvio não se prende com o art. 19º/2 CC mas

sim com o art. 20º do Regulamento de Roma I: no âmbito de aplicação do

Regulamento de Roma I, tal como sucege na generalidade dos regulamentos da UE,

existe uma directriz que afasta o reenvio.

Comparando o art. 20º do Regulamento de Roma I com o art. 19º/2 resulta que no

âmbito de aplicação do Regulamento de Roma I o reenvio é sempre afastado, quer

as partes tenham ou não escolhido a lei aplicável, ao contrário do que sucede no art.

19º/2 em que o reenvio só é afastado quando as partes tenham

HIPÓTESE PRÁTICA

Suponha-se que o Gustavo celebra uma convenção antenupcial com a Mary

(britânica) na República Dominicana perante dois amigos. Admitindo que este

contrato foi celebrado verbalmente na presença de estas duas testemunhas, forma

esta que é admitida face ao direito da República Dominicana e admitindo por outro

lado que este contrato é formalmente invalido quer pela lei inglesa quer pela lei

portuguesa coloca-se a questão de saber se em Portugal esta convenção antenupcial

deve ou não produzir efeitos.

TEMA: forma da declaração negocial/forma da convenção antenupcial

LEIS POTENCIALMENTE APLICÁVEIS: lei portuguesa, lei inglesa e lei da república

dominicana

QUALIFICAÇÃO: Existem três ordenamentos jurídicos potencialmente aplicáveis é

necessário localizar as normas materiais de cada Estado, ou seja as normas materiais

que nos indicam se tal convenção pode ou não produzir efeitos devido à forma como

que foi celebrada. Procura-se as normas materiais que dêem uma solução jurídica ao

problema em causa; identificar em cada um dos ordenamentos potencialmente

aplicàveis as normas que dão resposta ao problema suscitado.

Norma de Direito Material da República Dominicana: uma celebração da

convenção antenupcial verbal é valida desde que seja celebrada perante

duas testemunhas

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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page53

Norma de Direito Material do Direito Português: art. 1710º CC (forma da

convenção antenupcial: declaração prestada perante funcionário do registo

civil ou por escritura pública)

Norma de Direito Material do Direito Inglês: norma igual à do art. 1710º CC

As normas materiais que em cada um destes ordenamentos jurídicos nos indicam se

uma convenção antenupcial pode ser celebrada verbalmente com testemunhas ou

deve ser celebrada perante um funcionário do registo civil ou perante escritura

pública, estas normas em concretas onde podem ser subsumidas? Serão normas

relativas à capacidade das partes (art. 25º e 49º)? Não. São normas relativas às

convenções antenupciais (art. 53º)? Não. E o art. 50º? Não, diz respeito à forma do

casamento. Deste modo aplica-se a regra geral sobre a forma da declaração que é o

art. 36º.

O art. 36º é uma regra de conflitos de conexão múltipla alternativa, uma vez que a

aplicação da lei vai depender da obtenção de um determinado resultado sendo que

esta pode ser alcançada através de varias leis em alternativa, ou seja aplicando a lei

que conduza à validade formal do contrato. Aplica-se a lei que entre as

alternativamente aplicáveis aquela que conduzir à validade do negócio.

O art. 36º concretiza um título de atendibilidade de normas de aplicação imediata de

um terceiro estado.

Neste caso, a lei aplicável à substância deste negócio seria aplicando o art. 53º/2

(uma vez que a lei nacional dos nubentes não era a mesma) ou a residência habitual

comum ou a lei da primeira residência conjugal. Imaginando que tanto para a

residência habitual comum ou a lei da primeira residência conjugal era a lei

portuguesa qual seria a lei portuguesa: a portuguesa ou a de república dominicana?

Nos termos do art. 36º/1 in fine (‘’ainda que o negócio seja celebrado no estrangeiro)

seria a lei portuguesa a aplicável mas nos atendendo ao art. 1710º colocar-se-ia a

questão de saber se tal consubstancia uma norma de aplicação imediata ou

necessária. Deste modo, seria a lei da república dominicana aplicável e a convenção

antenupcial seria válida.

Admita-se agora que a lei da República Dominicana também exige escritura pública

para a convenção antenupcial, mas a sua norma de conflitos remete para a lei da

residência habitual da noiva. Quidiuris?

Tendo como base o facto da noiva ser inglesa, residir habitualmente em Londres e a lei

inglesa admite a celebração de uma convenção antenupcial verbalmente com a

presença de duas testemunhas estamos face a um caso especial de reenvio cujo

fundamento é o princípio do favor negotti. Em lugar de se aplicar a lei designada pela

nossa norma de conflitos (lei da República Dominicana) aplicamos a lei inglesa porque

assim se permite a validade formal do negócio. Para se aceitar este reenvio é

necessário que a lei inglesa se considere competente? Se a ratio do art. 36º/2 assenta

em usar o reenvio como forma de conduzir ao favor negotti, não se exige a

concordância da lei designada pela lei local (ou seja, não se aplica o art. 17º/1).

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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page54

Neste caso estamos próximos da dupla devolução: suponha-se ate que a lei local

remete para uma outra legislação mas aceita o reenvio para um outro país. A razão

de ser do art. 36º/2 é aceitar que um negócio considerado validos pelas regras de

conflitos da lei local seja considerado valido pela lei portuguesa.

HIPÓTESE PRÁTICA

Rita celebra um testamento em França deixando todo o seu vasto património à Green

Peace fazendo-o através de um escrito particular que dobra dentro de um envelope

lacrado e que envia por carta registada coma aviso de recepção para a

conservatória do registo civil de Lisboa. Admitindo que a lei francesa permite esta

forma de celebração do testamento, deve ele ser considerado válido e eficaz em

Portugal?

QUALIFICAÇÃO:os ordenamentos potencialmente aplicáveis neste caso é o

ordenamento francês (norma francesa permite a celebração válida deste

testamento) e o ordenamento português (art. 2204º a 2206º CC: faltaria a aprovação

notarial para este testamento ser válido, ou seja face ao direito material português o

testamento em causa seria nulo).

Estas normas matérias subsumem-se ao conceito quadro de testamento pelo que se

recorre ao art. 65º. Trata-se de uma norma conexão múltipla alternativa pelo que se

aplica a lei que entre as varias leis potencialmente aplicáveis era conduzir à validade

do testamento, pelo que se aplicaria a lei francesa. Contudo é necessário conjugar o

art. 65º/2 (regra de conflitos) com o art. 2223º (norma de aplicação imediata ou

necessária). Deste modo, aplicando o art. 2223º não tendo sido observada uma forma

solene na sua feitura ou aprovação este testamento seria nulo.

Tendo em consideração que o art. 2223º é uma norma de aplicação imediata da lei

do foro, enquanto o art. 65º/2 só é relevante para normas de aplicação imediata de

um país estrangeiro: as normas de aplicação imediata do foro impõem-se com

independência das regras gerais de conflitos, tendo sempre de observadas. Se fosse

uma norma de aplicação imediata de um terceiro estado e se não existisse o nº2 do

art. 65º não teria de ser respeitada.

HIPÓTESE PRÁTICA

Suponha-se que dois portugueses, o Leandro e a Cleide, há muito emigrados no Brasil,

decidem casar em Cancun fazendo-o através de uma cerimónia de troca de anéis

presenciada por dois padrinhos. Admitindo que a Cleide tem 15 anos de idade e de

acordo com o direito mexicano pode celebrar o casamento e pode faze-lo

validamente através da cerimónia descrita anteriormente. Considerando que o direito

brasileiro permite a celebração do casamento aos 16 anos exigindo a presença de

um oficial público para a sua celebração diga se este casamento deve ser

considerado válido.

ORDENAMENTOS JURÍDICOS POTENCIALMENTE APLICÁVEIS: Portugal, México e Brasil

QUALIFICAÇÃO

Direito Material Português: art. 1602º, 1602º, 1604º e 1615º

Direito Material Mexicano: idade de 15 anos para celebrar casamento

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page55

Direito Material Brasileiro: idade de 16 anos para celebrar casamento

O problema da validade do casamento irá depender da existência de duas questões:

da validade formal, por um lado, e da validade substancial, por outro.

VALIDADE SUBSTANCIAL DO CASAMENTO: As normas relativas à idade para celebrar

casamento subsume-se no conceito quadro do art. 49º pelo que esta norma se refere

à lei pessoal pelo que seria aplicável a lei portuguesa. Note-se que o art. 49º

consubstancia uma regra de conflitos de conexão múltipla distributiva. Sendo a lei

competente a portuguesa, o casamento seria inválido uma vez que Cleide tinha

apenas 15 anos.

VALIDADE FORMAL DO CASAMENTO: nos termos do art. 50º, a forma do casamento é

regulado pela lei do Estado em que este é celebrado. Se o direito mexicano

considerar aquela forma de casamento válida então o casamento assim o será.

Admita-se que de acordo com o direito brasileiro, a lei aplicável à forma e à

capacidade matrimonial é a lei do local da celebração do casamento, pelo que o

casamento é considerado válido (a lei brasileira considera a lei mexicana válida quer

em matéria de forma (cerimónia de troca de anéis) quer em matéria de substância

(idade de 15anos para celebrar o casamento).Quidiuris?

Embora eles sejam ambos portugueses, não faz sentido neste caso sentido a lei

portuguesa interferir uma vez que a residência habitual de Leandro e de Cleide é no

Brasil e à face da lei deste país o casamento é valido.

Análise do art. 31º/2: embora no nº1 se indique a lei pessoal é a lei da nacionalidade, o

nº2 consagra um desvio ao nº1 que se deve à tutela da expectativa das partes, mas

mais concretamente o art. 31º/2 orienta-se na direcção de atribuir relevância à

residência habitual, ou seja o negócio que seja celebrado no pais da residência

habitual que seja considerado valido à luz dessa lei e considerando-se competente tal

lei (ou seja o negócio considerado valido pela lei da residência habitual e ai sendo

efectivo, leia-se produzindo efeitos), tal conduz a que embora haja uma orientação a

favor da nacionalidade no DIP português existe uma possibilidade de se afastar dessa

orientação para acolher-se a lei da residência habitual nos termos consagrados no

nº2.

Sendo assim, o nosso caso obedece à descrição do nº2 do art. 32º? Não: não foi

celebrado no Brasil nem de acordo com o direito material brasileiro. Deste modo, o

casamento não seria válido. Mas isto não faz sentido. O negócio produz os efeitos

normais no Brasil, sendo reconhecido para todos os efeitos como casamento válido e

eficaz no Brasil. Deste modo, este casamento também devera ser considerado valido

em Portugal fazendo-se para tal uma INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO ART. 31º/2: este

artigo consagrou apenas os casos mais típicos, mas as considerações que levam a

que o negocio seja considerado valido em Portugal conduz à tutela das expectativas

das partes, ou seja tutela da confiança que as partes depositaram no direito da

residência habitual. Em suma, dever-se-á considerar valido este negocio mesmo

celebrado num pais que não é o da residência habitual à luz do direito de um terceiro

país.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page56

É necessária uma harmonia jurídica internacional entre o direito desse terceiro país e o

direito da residência habitual? Tudo depende da razão de ser do art. 31º/2: se a razão

de ser for dar relevância à produção dos efeitos jurídicos no país da residência

habitual então não será necessária. O importante é que o negócio produza os seus

efeitos normais no país na residência habitual.

HIPÓTESE PRÁTICA

Suponha-se que um contrato de compra e venda é celebrado por um português de 17

anos. O contrato é celebrado na Arábia Saudita e respeita à alienação de um imóvel

de que ele é proprietário nesse país. Admitindo que este negócio é válido face ao

direito da Arábia Saudita quidiuris?

QUALIFICAÇÃO:

DIREITO MATERIAL PORTUGUÊS: art. 123º e art. 127º

DIREITO MATERIAL DA ARÁBIA SAUDITA: negócio válido

Face ao direito português, não se inserindo em nenhuma das excepções do art. 127º,

ele seria incapaz.

SE TODAVIA FACE À LEI DA ARÁBIA SAUDITA ELE FOSSE CONSIDERADO COMO CAPAZ

ESTE NEGÓCIO PODERIA SER CONSIDERADO VALIDO EM PORTUGAL?

Atendendo à lógica do art. 31º/2 a resposta seria afirmativa, uma vez que a

capacidade surge aqui associada à lei pessoal. Deste modo, apesar de não se tratar

de um negócio jurídico que se relaciona ao estatuto pessoal, o problema resultante

deste negócio a conexão relevante da lei pessoal deixa de ser através da lei da

nacionalidade e passa a ser da residência habitual se estiverem verificados os

pressupostos.

HIPÓTESE PRÁTICA

Eric, britânico, morre, sem deixar testamento mas deixou património imobiliário (Hotel)

situado em Portugal. Não tem familiares directos nem na linha recta nem na linha

colateral. Admita que de acordo com o direito britânico (comum aos diferentes

ordenamentos locais que integram o Reino Unido) quando uma pessoa falece sem

deixar testamento e sem deixar familiares directos o seu património imobiliário pode

ser objecto de uma apropriação pela coroa britânica (Teoria do Domínio Iminente do

Príncipe: monarca tem direito de apropriação de todos os bens deixados sem dono).

QUALIFICAÇÃO:

DIREITO MATERIAL PORTUGUÊS: art. 2133º/1 al. e), ou seja chamamento do

Estado

DIREITO MATERIAL BRITÂNICO: apropriação pelo Monarca

O art. 2133º/1 al. e) para se aplicar depende da regra de conflitos constante do art.

62º. Nos termos do art. 62º o direito material português só seria aplicável se o de cuius

tivesse nacionalidade portuguesa.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page57

Quanto à norma britânica é uma norma não escrita, ou seja consuetudinária que

consagra a Teoria do Domínio Iminente do Príncipe. Tal enquadra-se com a regra de

conflitos de direitos reais, e em nada se relaciona com o direito sucessório. Nos termos

do art. 46º/1 seria aplicável a lei portuguesa.

Deste modo, estamos face a um conflito negativo de qualificações: as normas

materiais do direito português encontram-se a ser qualificadas na regra de conflitos do

art. 62º e as normas materiais britânicas a ser qualificadas na regra de conflitos do art.

46º/1.

Note-se que esta norma britânica não se aplica independentemente do local onde se

encontram os bens: o direito de apropriação só tem expressão no Reino Unido, pelo

que estanorma consubstancia uma norma espacialmente auto limitada (aplicação

da norma depende de uma conexão com o Reino Unido, ou seja os bens estarem

situados em território britânico). Deste modo, não existe uma pretensão da coroa

britânica a este imóvel pelo que se irá aplicar a lei portuguesa e será o Estado a

herdar.

▲ PROF. BAPTISTA MACHADO: Nas regras de conflitos não existem lacunas, uma vez

que a própria aplicação das regras de conflitos já envolve uma operação analógica.

Imagine-se agora que o de cuius tinha nacionalidade portuguesa e o Hotel

encontrava-se situado no Reino Unido. Quidiuris?

Tendo por base a qualificação que foi realizada anterior coloca-se a questão de saber

se a lei portuguesa será aplicável.

Nos termos do art. 62º será aplicável a lei pessoal do autor pelo que a lei portuguesa

seria aplicável.

A lei britânica mesmo que seja uma norma também de aplicação imediata seria

estrangeira, pelo que seria sempre subsumível no art. 46º e de acordo com esta norma

a lei britânica seria aplicável.

No presente caso estamos face a um concurso de normas aplicáveis/conflito positivo.

Coloca-se agora a questão de saber como se resolve esta questão. Em muitos casos,

existindo duas leis aplicáveis por força de regras de conflitos diferentes e de

qualificações diferenciadas a solução passará pela hierarquização: ou seja qual

prevalece? A regra de conflitos de direitos reais prevalecem sobre a regra de conflitos

de direito sucessório? Ou é o contrário?

A FAVOR DA QUALIFICAÇÃO REAL: Princípio da Eficácia das Situações

A FAVOR DA QUALIFICAÇÃO SUCESSÓRIA: direito institucional, que oferece um

certo grau de especialização.

A solução, embora sujeita a discussão, deveria passar pela qualificação sucessória,

com excepção dos casos em que se não se aplicar a qualificação real tal conduzirá a

resultados sem sentido.

No caso teríamos de aplicar a qualificação real, porque se se aplicasse a qualificação

sucessória tal não iria produzir efeitos no Reino Unido.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page58

NOTAS FINAIS

Quanto ao Reenvio, o sistema português parte da referência material, mas aceita o

reenvio com um limitado alcance para tutela de certos princípios, nomeadamente o

Princípio da Harmonia Jurídica Internacional, Princípio da Eficácia das Sentenças,

Princípio dos Direitos Adquirido, Princípio do Favor Negotii e Princípio da Maior

Proximidade.

4 de Abril - Aula 12 (Prof. Luís Barreto Xavier)

HIPÓTESE PRÁTICA

António e Maria, portugueses, residentes habitualmente no Luxemburgo, celebram

uma convenção antenupcial na qual escolhem o regime de comunhão geral de bens.

Admitindo que este regime não é admitido pelo direito do Luxemburgo e que este

direito remete nestas matérias para a lei da residência habitual diga qual é o regime

de bens adoptado.

QUALIFICAÇÃO

No presente caso, a situação evidencia conexões com mais de um ordenamento

jurídico pelo que se trata de uma situação absolutamente internacional. Sendo assim,

e carecendo de uma solução quanto à ordem jurídica aplicável, começaremos por

localizar as normas materiais potencialmente aplicáveis.

DIREITO PORTUGUÊS: art. 1698º consagra a liberdade e consequente validade da

escolha do regime de bens; se a lei portuguesa for aplicável esta escolha pelo regime

da comunhão geral será válida.

O conceito quadro em que esta norma se subsume será no art. 53º. No presente caso,

como está em causa a substância do regime de bens, que irá variar conforme o

regime escolhido, por isso naturalmente o art. 1698º tem as características,

corresponde ao instituto visado pela regra de conflitos do art. 53º. A aplicabilidade do

art. 1698º está dependente de ser a lei portuguesa aplicável nos termos do art. 53º. O

art. 53º remete para o direito português (‘’lei nacional dos nubentes ao tempo da

celebração do casamento’’) uma vez que tanto Maria como António são

portugueses.

DIREITO DO LUXEMBURGO: a norma material do direito do Luxemburgo também se irá

subsumir ao conceito quadro do art. 53º, uma vez que o problema tem a mesma

natureza, ou seja continua a ser um problema inerente à substancia das convenções

antenupciais e do regime de bens que se irá aplicar. Neste caso, tendo em

consideração o nº1 do art. 53º (‘’lei nacional dos nubentes ao tempo da celebração

do casamento’’) aplicar-se-ia a lei portuguesa uma vez que tanto Maria como

António são portugueses. Note-se que se houvesse aplicabilidade da lei do

Luxemburgo por outro outra regra de conflitos ter-se-ia um conflito positivo de

qualificações, mas tal não é o caso.

NOTA1: a resolução dos casos práticos em DIP parte do pressuposto que os litígios em

análise encontram-se a ser julgados em Portugal.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page59

NOTA2: No presente caso existe um conflito positivo de sistemas, na medida em que

nos termos do art. 53º o direito português considera-se competente e quanto ao

Luxemburgo este considera-se também competente na medida em que considera

competente a lei da residência habitual comum e António e Maria residiam no

Luxemburgo. Como se resolve tal situação? Se a questão for colocada face a um

tribunal português, prevalece, não o direito material do foro, mas o direito

internacional privado do foro, ou seja a regra de conflitos do art. 53º. Mas se

colocarmo-nos num plano estrangeiro as partes terão a liberdade de escolher qual a

lei que será aplicável (fórum shopping), de acordo com aquela que lhes for mais

favorável, desde que exista o pressuposto da competência internacional de ambos os

tribunais para resolver o litígio. O autor só pode optar entre propor a acção em

Portugal ou no Luxemburgo, se os tribunais de ambos os países se considerarem

internacionalmente competentes. Só existirá a admissibilidade por parte do autor em

escolher a lei aplicável se os tribunais dos ordenamentos com os quais a situação se

encontra em contacto se considerarem internacionalmente competentes. No caso,

não existindo nenhuma razão do ponto de vista dos direitos adquiridos, da maior

proximidade ou de harmonia material das decisões, ou seja não existindo qualquer

fundamento que nos faça desviar da aplicação do direito internacional do foro, será

este a ser aplicado.

NOTA3: no confronto entre a aplicação da lei material do foro considerada

competente pela regra de conflitos do foro e uma norma de aplicação imediata

necessária do outro ordenamento jurídico esta última seria a necessariamente

aplicável? Não: a vontade de aplicação da norma de aplicação necessária não

basta, seria necessário a existência do título de atendibilidade. A norma de aplicação

imediata ou necessária apenas tem relevância prática dentro do ordenamento

jurídico que é considerado competente. Uma norma de aplicação imediata

estrangeira deve ser e só nessa situação aplicada se existir um título de atendibilidade

(expresso ou pode decorrer dos princípios gerais, nomeadamente o princípio da

efectividade das decisões?).

Suponha-se que, por qualquer razão, a convenção antenupcial, em vez ser uma

escolha do regime de bens, tinha uma solução contrária a normas imperativas

portuguesas, nomeadamente o princípio da igualdade entre os cônjuges. Por

exemplo, existe um regime de bens em que existe um claro favorecimento da esposa:

um bem que seja adquirido, na constância do casamento, pelo marido será um bem

comum, mas se for adquirido pela mulher será um bem próprio. O direito material

português considera esta convenção parcialmente inválida mas pelo direito do

Luxemburgo será considerada válida. Quidiuris?

No caso, continua a existir um conflito de sistemas pelo que novamente seria

necessário proceder à qualificação e chegar-se-ia à conclusão que o direito

português seria aplicável nos termos do art. 53º e considerar-se-ia a convenção

antenupcial inválida. Contudo, é necessário atender ao art. 31º/2: existe um conflito

positivo de sistemas cuja solução estabelecida por este artigo através de um desvio à

regra do art. 31º/1. Deste modo, é afastada a aplicação do art. 31º/1 e 53º nos casos

em que os sujeitos residem habitualmente num determinado país (que não Portugal,

neste caso) e pratiquem lá um determinado acto considerado por essa lei

competente, tais negócios serão reconhecidos em Portugal.

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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page60

RATIO DO ART. 31º/2: nestas matérias, em negócios do estatuto pessoal, as conexões

consideradas relevantes são a nacionalidade e a residência habitual comum; embora

o legislador português tenha considerada a nacionalidade como a conexão mais

estreita com o sujeito não deixa de considerar relevante a residência habitual comum

através de diferentes vias, nomeadamente nos casos do art. 31º/2. O mais relevante é

que o negócio tenha produzido os seus efeitos nesse país: trata-se de reconhecer

direitos efectivamente adquiridos à luz de um ordenamento jurídico que não Portugal.

No caso, esta convenção será ou não reconhecida em Portugal tendo em conta o

exposto anterior? No caso estamos face a uma disposição claramente discriminatória.

Aplica-se o art. 31º/2 ou a cláusula aberta da ordem pública prevalece? Se a questão

colocada ao juiz português for a de saber se um bem adquirido pela mulher se

transmite pela comunhão ao marido parece que sim tendo em consideração o

princípio constitucional de igualdade ente os cônjuges.

Imagine-se que no regime de bens analisado na primeira hipótese existem

estipulações referentes ao património imobiliário dos nubentes: cláusulas da

convenção antenupcial relativas a património imobiliário que quer o nubente homem

quer a nubente mulher são titulares em território luxemburguês. Note-se que a

convenção antenupcial estabelece que os bens imoveis pertencentes a cada um dos

nubentes prevalece a cada um, mas é constituído um usufruto ou um direito de uso a

favor do outro nubente. De acordo com o direito português esta situação seria valida

mas o direito luxemburguês considerava tal situação invalida.Nesta hipótese, qual

seria a solução?

Estamos novamente face a uma situação plurilocalizada para a qual é necessária

encontrar a lei aplicável de forma a dirimir tal conflito.

O próprio regime de bens contem normas que afectam a aquisição de direitos reais

que podem ser sobre moveis ou imoveis. A diferença desta hipótese face à outra

anterior do ponto de vista da subsunção ao conceito quadro do art. 53º não existe.

outra coisa é saber se o exercício desses direitos obedece ao estatuto do regime de

bens ou ao regime dos direitos reais. Será um misto de ambos.

DIREITO PORTUGUÊS: norma de direito material seria aplicável o art, 1698º que permitia

a celebração dessa convenção.

DIREITO LUXEMBURGUÊS: norma de direito material que proibia tal convenção, uma vez

que este direito, por exemplo, estabelece um regime de separação de bens puro

sendo qualquer outro regime considerado inválido.

Ambas as normas de direito material, quer de direito português, quer de direito

luxemburguês, nos termos do art. 53º/1, seria aplicada a lei portuguesa.

O principio da efectividade das decisões encontra-se consagrado, no nosso sistema,

no art. 17º/3 e no art. 47º:

ART. 17º/3: estabelece uma excepção ao nº2 que por sua vez também é uma

excepção face ao nº1. Nas matérias que estão em causa, e que têm em

comum o facto de serem matérias do estatuto pessoal, mais concretamente

situações nas quais pode ter muita relevância bens imóveis, as decisões a

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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page61

proferir podem ter de ser reconhecidas e executadas no pais da situação dos

imoveis sendo o reconhecimento essencial para que possa ocorrer a produção

de efeitos. Embora em termos limitados e indirectos (é apenas através do

mecanismo do reenvio que este principio toma expressão) alia-se a harmonia

jurídica internacional à ideia de efectividade das decisões/princípio da maior

proximidade faz-se prevalecer a lei da situação dos imoveis sobre aquela que

iria ser aplicada porque isso conduz a que possa ocorrer a produção de

efeitos. No caso, este artigo é aplicável? Embora se fale nas relações pessoais

entre os cônjuges, o nº3 só se pode aplicar se o nº2 fosse aplicado e neste caso

o nº2 não é aplicado pelo que este artigo pressupõe um conflito diferente

daquele que se encontra no caso: no caso existe um conflito positivo de

sistemas enquanto no art. 17º existe um conflito negativo de sistemas.

ART. 47º: a matéria em causa neste artigo refere-se à capacidade para

constituir direitos reais ou para dispor neles, sendo um estatuto pessoal

reportado a um problema especifico ou seja a capacidade para constituir ou

dispor sobre direitos reais sobre imoveis. A estatuição deste preceito, a sua

solução, assenta na aplicação da lei da situação da coisa desde que essa lei

se considere competente. O regime regra deste artigo é aplicação da lei

pessoal, sendo a excepção o afastamento da lei pessoal em prol da lei da

situação da coisa quando esta se considerar competente. A ratio desta norma

é que se pode afastar a aplicação da lei pessoal em principio competente

quando tal seja um meio adequado a tornar a decisão eficaz no pais em que

ela deve produzir os seus efeitos. O art. 47º consagra uma manifestação do

principio da maior proximidade, que leva a afastar a regra do art. 25º que

estabelece a aplicação da lei pessoal nas matérias ai indicadas

nomeadamente em matéria de capacidade quando se estiver a falar na

capacidade para constituir ou dispor de direitos reais. Existe um conflito de

sistemas: a lei pessoal a considerar-se competente e a lei da situação dos

imoveis, em vários casos, a considerar-se também competente. Nestes casos,

considera-se competente a lei da situação dos imoveis.

Nos anos 60’ era muito mais frequente um controlo das sentenças estrangeiras no

momento em que seriam reconhecidas: existia um controlo prévio e da lei aplicável

ao conhecimento da causa. Quando se ganha uma sentença e pega-se na sentença

e pretende-se fazer vale-la no pais em que o imóvel se situa, o que acontecia no

passado era a existência de um controlo prévio (procedimento destinado a

reconhecer essa sentença e a torna-se executória; a atribuir-lhe força executiva).

Alem disso esse procedimento implicava um controlo da lei aplicável pelo juiz, de

modo a averiguar se tinha sido aplicada a lei competente no pais em que se

pretende reconhecer a sentença.

Evolução a que se assistiu desde dos Anos 60’

Actualmente, recusa-se em via de regra o controlo da lei aplicável ao fundo

da causa, ou seja recusa-se a revisão do fundo da sentença: não se verifica se

a causa foi bem ou julgada, se a lei aplicada era ou não competente,

procedendo-se apenas a uma analise formal.

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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page62

Abandonou-se ainda a necessidade do próprio reconhecimento das

sentenças, passando o reconhecimento destas a ser de pleno direito: uma

sentença proferida em Portugal será automaticamente reconhecida no

espaço da união europeia.

Neste momento, está a caminhar-se a eliminação de uma decisão ainda que

simplificada para tornar executória a sentença, ou seja uma sentença

proferida com forma executória em Portugal passa a ter força executória em

todo o espaço europeu.

Existe uma tendência para a eliminação do controlo do reconhecimento da

sentença, mas mesmo assim ainda é útil aplicar-se a lei da situação dos imoveis para o

reconhecimento e efectividade das sentenças.

Quando o art. 47º foi redigido pelo PROF. FERRER CORREIA e pelo PROF. BAPTISTA

MACHADOeles propuseram uma redacção diferente da que se encontra em vigor: a

aplicação da lei da situação dos imóveis deveria aceitar-se se ela fosse condição

necessária mas também suficiente para garantir a exequibilidade das decisões. Tal

fazia mais sentido antigamente como faz mais sentido hoje. Contudo, mesmo que o

sistema estrangeiro se considere competente ele pode fazer uma de duas coisas: (1)

nalguns casos ate pode considerar os tribunais locais como exclusivamente

competentes sobre o assunto; se tiverem mesmo que o tribunal português aplique a lei

desse estado a sentença proferida em Portugal não vai ser reconhecida; (2) noutros

casos não é condição necessária desde que não haja controlo da lei aplicável ao

fundo da causa. Em suma: estas normas hoje têm um alcance útil bastante limitado e

portando a sua possibilidade da sua extrapolação, ou seja a extracção de um

princípio que leve à sua aplicação fora destes casos, é mais difícil.

No caso, o art. 47º não tem aplicação porque as normas materiais dos ordenamentos

potencialmente aplicáveis que dariam resposta a este litigio não se referem a

capacidade mas sim a regime de bens. Como o art. 47º não é aplicável, a resposta

regra seria considerar a convenção antenupcial valida à luz do direito português. Só

não o seria, se a aplicação da lei da situação da coisa fosse condição necessária mas

também suficiente para garantir a exequibilidade da decisão. Tal ocorre pela

extracção da ratioleges da aplicação analógica e da razão de ser que esteve na

base do art. 47º.

Quanto aos conflitos negativos de sistemas a solução regra é a que decorre do art.

16º: aplicação do direito material que decorre das nossas regras de conflitos.

Os art. 17º e ss do CC são soluções especiais, não sendo regras verdadeiramente

excepcionais: são subsistemas dentro do sistema de referencia à lei estrangeira.

O princípio da harmonia internacional encontra-se consagrado no art. 17º/1, 18º/1 e

ainda que de modo complementado com outro princípio no art. 17º/3.

O princípio dos direitos adquiridos encontra-se consagrado no art. 31º/2 mas não na

sua aplicação directa mas através da sua interpretação extensiva e também da sua

aplicação analógica, ou seja sempre que do espirito deste artigo decorra a aplicação

do direito material não da residência habitual mas de um direito considerado

competente pelo direito da residência habitual.

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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page63

O principio do favor negotti tem expressão no art. 19º/1, 36º/2 e 65º/1.

O regime do reenvio tem actualmente uma eficácia potencialmente limitada, uma

vez que alem das convenções, também pelo facto de os regulamentos da união

europeia excluem o reenvio e adoptam o sistema da referencia material à lei

estrangeira.

Quanto aos conflitos positivos de sistemas a regra geral não se encontra escrita, sendo

a regra geral não escrita a aplicação do DIP do foro; aplicação das regras de conflito

do foro.

HIPÓTESE PRÁTICA

Suponha-se que existe um súbito da Arábia Saudita que repudia a terceira esposa

através do modo de dissolução do casamento islâmico que consiste no ‘’TALAK’’ em

Portugal nas férias. Este cidadão da Arábia Saudita reside habitualmente em Espanha,

bem como a mulher repudiada. A esposa coloca em Portugal uma acção em que

pretende que o tribunal se pronuncie sobre a invalidade do modo de dissolução do

casamento usado pelo seu esposo. Tendo em consideração que o direito espanhol

tem um conteúdo semelhante ao português nessa matéria, quidiuris?

DIREITO ISLÂMICO: norma de direito material islâmico prevê a dissolução do

casamento através do Talak.

DIREITO ESPANHOL e DIREITO PORTUGUÊS: a norma de direito material consta do art.

1773º sendo que subsume ao art. 55º.

Quando se realiza as operações necessárias à qualificação é necessário analisar as

normas materiais dos ordenamentos que estão em contacto com a situação e

interpreta-las no sistema em que se inserem nos termos do art. 15º. Deste modo, o Talak

tem como conteúdo o facto de ser um instituto através do qual se extingue o

casamento com recurso ao repúdio unilateral pelo marido face à mulher e como

função a dissolução do casamento. Deste modo, o Talak tem a mesma função que o

divórcio em direito português pelo que também se subsume no conceito quadro do

art. 55º. A solução conflitual naturalmente tem como momento essencial a escolha do

elemento de conexão, ou seja formula-se através da lei aplicável por intermédio de

um elemento de conexão. Nos termos do art. 55º, com remissão para o art. 52º, o

elemento de conexão é a lei nacional comum. Deste modo, faz todo sentido

qualificar como divorcio nos termos do art. 55º algo que não o é no nosso direito

material. Trata-se da expressão que os conceitos quadro tem de ser aplicados de

acordo com uma interpretação lata dos mesmos.

Deste modo, a lei aplicável seria a islâmica mas aceitar a produção de efeitos em

Portugal do Talak seria violador da nossa ordem pública.

Ocorrendo a produção de efeitos do Talak, a mulher repudiada fica em Portugal e

quer se casar com um português. Quidiuris?

No nosso ordenamento jurídico afasta-se o repudio como forma de dissolução do

casamento devido a duas razões: descriminação entre os cônjuges e o facto de ser

uma manifestação unilateral apenas pelo cônjuge masculino.

Page 64: Direito Internacional Privado - Aulas Teórico Práticas

DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page64

Sendo a própria (ex) esposa a invocar o facto de não estar casada por ter sido

repudiada e tendo-o marido realizado qual a diferença de tal face ao divórcio por

mutuo consentimento?

Uma coisa é a produção de um efeito jurídico novo em Portugal com base ou não nos

órgãos judiciais portugueses, em que em Portugal não é permitida a celebração de

um casamento poligâmico, assim como não vai ser admitido em Portugal

directamente um repúdio unilateral e com oposição da mulher. Outra coisa é um

facto que já produziu efeitos à luz da lei considerada por nós como competente e que

gerará um efeito jurídico novo.

8 de Abril – Aula 13 (Prof. Luís Barreto Xavier)

Atente-se as seguintes hipóteses práticas em que cada uma tem em comum o facto

de existir a intenção das partes de verem a sua situação regulada por uma

determinada ordem jurídica, quer através de uma escolha, quer através de uma

determinada actuação jurídica que pode ser susceptível de conduzir a tal escolha. Em

todas coloca-se o problema da fraude à lei.

HIPÓTESE PRÁTICA

Dois comerciantes, portugueses, com estabelecimento comercial em Lisboa, decidem

escolher a lei boliviana para regular um contrato de compra e venda de mercadorias

que devem ser entregues no porto de Leixões.

Poder-se-ia colocar em causa a aplicação do art. 41º. O PROF. LUÍS BARRETO XAVIER

defende a não aplicação de tal norma, devido, fundamentalmente, a duas razões:

i. Este artigo em matéria contratual é afastado pelo Regulamento de Roma I

relativamente às obrigações contratuais;

ii. Esta situação é puramente interna (dois comerciantes portugueses com

estabelecimento comercial em Lisboa), pelo que esta escolha da lei pelas

partes, tendo por base o Princípio da Não Transactividade que indica que a lei

aplicável seria a lei portuguesa, nem seria uma tentativa de

internacionalização da situação, estando a tentar regular uma situação

puramente interna através de uma lei estrangeira. O alcance possível desta

escolha é limitado pelo direito imperativo português. O direito imperativo

português é aplicável. O que as partes podem fazer ao abrigo da sua

autonomia privada no direito material português é consagrar soluções que se

diferenciam das disposições supletivas portuguesas. As partes podem de

acordo com a sua autonomia privada podem regular os aspectos deixado livre

pelo direito imperativo português; podem moldar o contrato à imagem do

direito da Bolívia; as partes incorporam no contrato disposições que tem a sua

fonte em direito estrangeiro: clausulas contratuais.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page65

Em suma: a escolha da lei da Bolívia enquanto tal não é valida, não afastando a

aplicação da única lei com a qual a situação tem contacto (lei portuguesa), mas tem

um efeito limitado: permite a incorporação no contrato de disposições que tem

origem no direito da Bolívia que vão se inserir no contrato a titulo de clausulas

contratuais, tendo como condição tal incorporação ser compatível com o direito

imperativo português, não existindo no caso qualquer fraude à lei.

HIPÓTESE PRÁTICA

António, produtor de vinhos no Douro, contrata com uma distribuidora internacional

com sede em França escolhendo a lei australiana para regular o contrato.

Este caso suscita a aplicação do Regulamento de Roma I: nos termos do art. 3º, as

partes podem escolher a lei aplicável ao contrato não estabelecendo qualquer

limitação como a que se verifica nos termos do art. 41º/2 (‘a lei cuja aplicabilidade

corresponda a um interesse sério dos declarantes ou esteja em conexão com alguma

dos elementos do negócio jurídico’’). Deste modo, a escolha da lei australiana será

considerada válida, não existindo qualquer fraude à lei, sendo tal permitido pelo

Regulamento. O próprio Regulamento não deixa de prever que a aplicação de uma

lei estrangeira não pode prejudicar as normas de aplicação imediata do país do foro,

estando estas sempre salvaguardas nos termos deste Regulamento.

HIPÓTESE PRÁTICA

Dois irlandeses, Xon e John, residentes habitualmente em Dublin, deslocam-se a

Portugal com o fim de celebrarem casamento civil perante o conservador do registo

civil.

Nos termos do art. 49º, não poderiam celebrar casamento uma vez que ‘’A

capacidade para contrair casamento (…) é regulada (…) pela respectiva lei pessoa l’,

ou seja, sendo ambos irlandeses e não admitindo a Irlanda o casamento homossexual

eles não poderiam casar em Portugal.

Atenção que a solução a ir ser dada pelo nosso conservador não seria essa: existe um

despacho que admite o casamento entre pessoas do mesmo sexo por estrangeiros

independente do que regula a respectiva lei pessoal. Deste modo, o conservador do

registo civil português iria admitir a celebração do casamento em Portugal. Questão

diferente assenta em saber se tal despacho é ou válido. A ordem jurídica portuguesa é

a ordem mais liberal no sentido de admitir o casamento homossexual entre

estrangeiros como norma de aplicação imediata ou necessária

PROF. LUÍS BARRETO XAVIER: não é um despacho nem nada semelhante que pode

derrogar uma norma de conflitos prevista no CC (art. 49º). Há todavia tentativas de

justificação desta directriz com base numa ideia de que tal corresponde a uma

manifestação do princípio da igualdade entre cidadãos europeus. Mas o professor

não concorda, pelo que a solução correcta passaria pelo facto de os irlandeses não

podem celebrar em Portugal o casamento porque a lei aplicável ao problema de

capacidade é a lei pessoal dos nubentes, pelo que seria essa a lei aplicável e a lei

irlandesa não admite o casamento homossexual.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page66

Em todo o caso, quer a solução fosse positiva, quer fosse negativa, não existia

qualquer fraude à lei.

HIPÓTESE PRÁTICA

João, casado com Maria, naturaliza-se cidadão do Kuwait, com a finalidade de casar

novamente com Amina e com Bela.

João pretende adquirir a nacionalidade do Kuwait para poder casar novamente, e

desta vez com duas mulheres.

Neste caso ‘’jogam-se’’ coisas importantes, nomeadamente o sentido e função das

normas de conflitos: quando o legislador do foro consagra que a capacidade se afere

pela lei pessoal (art. 49º) e sendo esta a da nacionalidade (art. 31º/1), quidiuris?

Qual o sentido das normas de conflitos? Trata-se de meras regras técnicas ou existem

opções valorativas que são relevantes quando se escolhe a lei aplicável? É indiferente

aplicar a lei nacional ou a lei do lugar da celebração? Não, uma vez que de um

modo geral as normas de conflito do nosso sistema concretizam uma ideia de

conexão mais estreita, uma ideia de ligação mais forte entre um determinado sistema

e uma situação. A justiça conflitual exprime-se em aplicar a uma determinada

situação a lei com a qual tenha uma relação mais forte. A norma do art. 49º

conjugada com o art. 31º consagra a aplicação da lei mais estreita com a situação.

No caso, a mudança de nacionalidade com o único fim de poder casar com mais

mulheres o que vai provocar? O João não foi para o Kuwait não porque se sente um

desraizado em Portugal, mas sim porque quer estar casado com três mulheres ao

mesmo tempo. Daqui se conclui que a lei mais estritamente ligada à situação, apesar

da mudança de nacionalidade, é a lei portuguesa.

HIPÓTESE PRÁTICA

Jogador de Futebol coloca um anúncio no jornal em que diz ‘’procura-se senhora com

o fim de casar’’. O jogador de futebol queria adquirir a nacionalidade portuguesa.

NOTA; actualmente a nacionalidade portuguesa já é possível sem ser pelo casamento.

Neste caso, desde logo, existia um problema de simulação, pelo que o casamento

seria nulo. Contudo, na maioria das vezes, a simulação é muito difícil de provar.

Admitindo, contudo, que não existia um caso de simulação, ou seja, o acto em si

mesmo, o casamento celebrado, era apto à partida a produzir o efeito pretendido

coloca-se a questão de saber se mesmo assim existia fraude à lei. A criação artificial

de uma ligação com uma determinada ordem jurídica pode ser facilmente

acompanhada de uma grande possibilidade de manipulação. Não se pode dar por

adquirido que quando as partes se colocam sob a alçada de uma determinada lei

que remete para outra lei tal lei é a que se encontra mais estritamente ligada com a

situação.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page67

Pensado agora no extremo oposto: todos os casos em que as partes quiseram afastar

as disposições imperativas da lei que seria aplicada, colocando-se ao abrigo da

aplicação de outra lei, integrando-se nessa (outra) ordem jurídica de modo pleno:

passar a viver no Kuwait, aprender o árabe, etc.

Nos termos do art. 21º, pode-se pensar em fraude à lei como instituto ligado à tutela

do próprio direito do foro ou ligado à defesa do direito competente. O direito tenta

proteger a aplicação da lei considerada competente face aos diversos problemas da

vida jurídica privada internacional.

DOUTRINA: a fraude à lei fica sanada quando as partes tiveram um intuito fraudulento

mas depois ficaram ‘’submersos’’ na vida do país do qual são agora nacionais; a

norma de conflitos não está a ser afectada. Nos casos em que apurado em abstracto

a conexão mais estreita está é a do país da nova nacionalidade, não existe fraude à

lei.

Em suma, a fraude à lei tutela o direito de conflitos, mas isso não significa que ela

possa actuar sempre e em todas as circunstâncias.

INSTRUMENTOS QUE O DIP UTILIZA PARA DELIMITAR O INSTITUTO DE FRAUDE À LEI

O primeiro assenta na consagração da liberdade de escolha da lei pelas partes: o

legislador de DIP esta a reduzir ou circunscrever o espaço de actuação deste instituto.

Tal também sucede nos casos em que o legislador de DIP consagra uma conexão

temporalmente situada, na qual alterações posteriores não sejam relevantes: nos

termos do art. 53º mesmo que as partes alterem a nacionalidade em momento

posterior à celebração do casamento essa alteração posterior é irrelevante na

medida em que aquilo que é decisivo é o momento da celebração do casamento.

Noutros casos a lei estabelece um critério de determinação da lei competente que

não passa tecnicamente por um elemento de conexão propriamente dito, mas de

ideia à conexão mais estreita. Nesses casos, é possível manipular com êxito esse

elemento? Não, porque se as partes actuaram em termos tais que conseguiram criar

uma conexão mais estreita com um determinado sistema, a lei de tal sistema é que

deve ser aplicada porque exprime a conexão mais estreita. Por exemplo, nos termos

do art. 51º a terceira opção é a lei com a qual a vida familiar se encontra mais

conexa.

Por último, a ideia de sanação da fraude nos casos em que as partes acabam por ter

um comportamento que se conforma com a ratio leges, ou seja, criaram

artificialmente uma conexão mas tal posteriormente encontra-se associada a outras

conexões com a lei do país em que a lei começou a ser aplicável, justificando a não

aplicação da lei, inicialmente, considerada competente.

CONSTRUÇÃO DO INSTITUTO DE FRAUDE À LEI

A maioria da doutrina, incluindo o PROF. LUÍS BARRETO XAVIER, considera que este

instituto corresponde à Teoria Geral do Direito, mais concretamente, o objecto da

fraude à lei é a norma de conflitos que determina como aplicável um determinado

ordenamento jurídico.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page68

Pensando na Teoria Geral do Direito, as pessoas para afastarem uma determina

proibição legal irão utilizar um qualquer instrumento que lhes permite ‘’escapar’’ da

previsão da norma, colocando-se sob o domínio de outra norma, porventura uma

norma permitida (‘’fecha-se a porta, sai-se pela janela). No DIP as partes querem

afastar a aplicação da norma de conflitos que consagra competente uma

determinada lei, colocando-se ao abrigo da mesma norma de conflitos com a

referência a outra lei. Para que um instituto possa ser relevante é necessário que a

actividade fraudulenta incida sobre um elemento de conexão relevante (por

exemplo, na hipótese anterior, a simples vinda dos irlandeses para Portugal era

manipulada pela simples vinda para Portugal, ou seja pelo local, e não pela

nacionalidade).

CONSEQUÊNCIA DA FRAUDE À LEI, DESDE QUE ESTA TENHA SIDO DETECTADA E

PROVADA: irrelevância das situações criadas à luz da instituição fraudulenta. Num

caso de mudança de nacionalidade (caso Kuwait) tal não significa que ele deixe de

ser nacional do Kuwait, mas na aplicação de uma norma de conflitos ele continua a

ser cidadão português.

ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL

Num sistema de DIP, em que existe uma certa fungibilidade quando à lei aplicável,

cada sistema tem de ter um certo ‘’paraquedas’’ quanto ao salto para o

desconhecido, ou seja uma remissão para o direito estrangeiro. A ordem pública

internacional pode servir como forma de salvaguardar a intervenção do direito

estrangeiro quando tal remissão conduza a consequências inadmissíveis para a

unidade material do direito do foro.

A ordem pública internacional é composta por um conjunto de normas e princípios

que se impõe a priori, ou seja é um conceito de conteúdo ou é um conceito

funcional?

A ordem pública internacional é algo que pertence ao estado do foro ou é algo

verdadeiramente internacional?

Note-se que quanto à ordem pública a nível de direito europeu, tendo em

consideração que há regulamentos que remetem para os conceitos de ordem

pública nos diferentes estados membros, há quem defenda um conceito de ordem

público comum aos diferentes estados-membros.

Por exemplo no caso do Talak ou do casamento polígamo, embora incompatíveis

com a nossa ordem publica, se o que estiver a ser invocado não for em concreto

nenhuma das situações anteriores mas sim a produção de certos efeitos posteriores e

que esses efeitos em nada colidem com os nossos valores e com a nossa ordem

publica, nada justificaria uma resposta negativa às pretensões invocadas.

Note-se que a ordem pública actua não só pelo juiz mas também por qualquer outra

autoridade que tenha como função aplicar normas de direito privado.

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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page69

A clausula de ordem publica encontra-se também consagrada no reconhecimento e

execução de sentenças estrangeiras, tendo neste caso um alcance de rejeição da

sentença estrangeira por incompatibilidade do seu reconhecimento com a ordem

publica portuguesa do estado português.

HIPÓTESE PRÁTICA

Se por hipótese uma sentença estrangeira estabelece a título de condenação o

pagamento de 1 milhão de euros a um determinado sujeito. Tendo em consideração

que a sentença provém do espaço não união europeia ou não se enquadra em

nenhuma situação consagrada nos regulamentos, aplicando-se o regime regra

constante do CC, o que deverá fazer o juiz da causa para saber se existe violação da

ordem jurídica portuguesa?Quidiuris?

O que fazer em primeiro lugar?

?: é necessário avaliar quer a compatibilidade dos fundamentos quer a

compatibilidade da parte decisória com a ordem pública, ambos de forma

autónoma.

PROF. FERRER CORREIA: Na incompatibilidade com a ordem pública apenas se avalia

não os fundamentos da condenação, mas apenas a parte decisória da sentença.

PROF. LUÍS BARRETO XAVIER: Não há um confronto directo dos fundamentos com a

ordem público, o confronto é entre a parte decisória e a ordem pública, mas os

fundamentos também terão de ser tomados em consideração.

Analisa-se a consequência que advém da aplicação da norma, e não a norma em

sim mesmo.

Como se reduz a margem de indeterminação da ordem pública internacional?

No limite a apreciação terá de ser casuística, ou seja do caso concreto. Mas como se

reduz a margem de discricionariedade deste conceito? Para a apurar a

compatibilidade com a nossa ordem pública será sempre necessário recorrer à

constituição, sendo esta para alguns autores tão relevante, que deve assumir-se como

limite autónomo à aplicação do direito estrangeiro: devia estabelecer-se um

confronto directo da norma estrangeira com a constituição POSIÇÃO DO PROF.

JORGE MIRANDA(PROF. LUÍS BARRETO XAVIER NÃO CONCORDA!).

Por exemplo, o conjunto das normas de aplicação imediata pode demonstrar aquilo

que o legislador considera importante na nossa ordem jurídica: ao olhar para a ordem

publica internacional toma-se pelo menos em consideração certo tipo e fontes e

certos tipos de vectores que integram a ordem jurídica portuguesa.

A função da ordem publica internacional assenta em evitar a importação de

conteúdo jurídico cuja a aplicação envolvesse uma ofensa manifesta à nossa ordem

jurídica, que coloquem em causa a unidade valorativa do nosso sistema; a

intervenção desta clausula deve ser excepcional sendo a regra que podem entrar

conteúdos jurídicos diferentes dos nossos.

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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page70

O juiz ao analisar as consequências da aplicação da norma estrangeira se apurar que

da sua aplicação ocorre uma violação da ordem pública portuguesa não poderá

aplicar a norma. É necessário distinguir duas situações:

RECONHECIMENTO DE UMA SENTENÇA ESTRANGEIRA: a consequência assenta

no não reconhecimento de tal.

APLICAÇÃO DE UMA LEI ESTRANGEIRA: tendo em consideração o Princípio de

Não Negação de Justiça, a não aplicação da lei estrangeira, quando não

exista uma solução a dar ao caso, tal podia ocasionar uma lacuna. Atente-se

ao art. 22º/2: procura-se uma solução na lei estrangeira competente e se não

existir, subsidiariamente, aplica-se o direito interno português.

ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL E NORMAS DE APLICAÇÃO IMEDIATA: ambas

funcionam como cláusulas de salvaguarda sendo que as normas de aplicação

imediata funcionam a priori e a ordem pública a posteriori.

11 de Abril – Aula 14 (Prof. Fernando Ferreira Pinto)

HIPÓTESE PRÁTICA

Discute-se em tribunais portugueses a sucessão imobiliária de um argentino que

morreu com o último domicilio em França, deixando bens imóveis no Paraguai. A

norma de conflitos portuguesa (art. 62º e 31º/1, ambos do CC) remete para a lei

argentina. O DIP argentino bem como o do Paraguai submetem a sucessão à lei do

último domicilio do de cuius. O Direito de Conflitos Francês regula a sucessão

imobiliária pela lex rei sitaer.Os tribunais argentinos, franceses e paraguais praticam a

devolução simples. Quidiuris? Qual a lei que se aplica à sucessão imobiliária que

morreu com domicilio em França deixando bens imóveis no Paraguais?

DADOS DO CASO

Sujeito: nacionalidade Argentina

Último Domicílio: França

Bens Imóveis deixados: situados no Paraguai

Art. 31º/1 e art. 62º: remissão para a lei pessoal do autor, neste caso para a lei

argentina

DIP Argentino e Paraguai: lei Francesa (lei do último domicilio)

Direito de Conflitos Francês: lex rei sitae

Tribunais Argentinos, Franceses e do Paraguai: Devolução Simples

Lei Portuguesa (lei do foro) -_-_-> (referencia material – art. 16º) Lei Argentina (lei da

nacionalidade) - - > (devolução simples) Lei Francesa (lei do domicilio) - - - >Lei do

Paraguai (lex rei sitae) --> (remete) Lei Francesa

Lei Francesa considera competente a lei francesa

Lei Argentina considera competente a lei do Paraguai

Lei do Paraguai considera ‘’competente’’ a lei do Paraguai (porque considera

competente aquilo que a lei francesa considerar competente).

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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page71

No caso existem duas hipóteses: a lei francesa considera-se competente, mas a lei

argentina não considera competente a lei francesa, considerando competente a lei

do Paraguai.

Analisando o caso não existe harmonia jurídica internacional, sendo a única lei que se

considera competente a si própria competente é a lei francesa, sendo que todas as

outras consideram competente a lei do Paraguai.

Nos termos do art. 17º/2, a discordância da lei do domicílio é irrelevante desde que

não remeta para o direito interno do estado da nacionalidade.

Aplica-se a lei indicada pelo art. 17º/1, sendo que a lei da situação dos imóveis

considera-se a si própria competente.

O reenvio não é física quântica nem uma logica puramente formal, sendo uma logica

material. É necessário ter em consideração os valores fundamentais do DIP e no caso,

não existindo acordo, aplica-se a lei da situação dos imoveis nos termos do art. 17º/1:

‘’O DIP da lei referida pela norma de conflitos portuguesa’’ – Lei Argentina

‘’remeter para outra legislação’’ – lei portuguesa remete para a lei do

Paraguai

‘’e esta se considerar competente’’ – lei do Paraguai considera competente a

lei que os tribunais franceses considerarem competentes, e neste caso eles

(tribunais franceses) consideram competente a lei do Paraguai.

HIPÓTESE PRÁTICA

Discute-se em tribunais portugueses a sucessão imobiliária de um brasileiro, que

morreu com o último domicilio em França, deixando bens imóveis na Argentina. A

norma de conflitos portuguesa (art. 31º/1 e 62º) remete para a lei brasileira. O DIP

brasileiro, bem como o argentino, submetem a sucessão à lei do último domicilio do

de cuius. O Direito de Conflitos Francês regula a sucessão imobiliária pela lei ex rei

sitae. O direito de conflitos brasileiro não aceita a devolução, e os tribunais argentinos

e franceses praticam a devolução simples.

Lei Portuguesa (lei do foro/lexfori) - _-_-> (referência material – art. 16º) Lei Brasileira (lei

da nacionalidade) - ->Lei Francesa (lexdomicilii) (referência global) Lei Argentina (lei

da localização do imóvel)Lei Francesa

Lei Brasileira considera competente a Lei Francesa

Lei Francesa irá aplicar-se a si própria (só aceita a primeiro reenvio)

Lei Argentina irá aplicar-se a si própria (só aceita o primeiro reenvio)

Neste caso não existe harmonia jurídica internacional. Coloca-se a questão de saber

se se aplica o art. 17º/3, sendo que nesse caso a lei portuguesa irá aplicar a lei da

argentina:

‘’se a lei nacional indicada pela norma de conflitos’’ – lei brasileira

‘’devolver para a lei da situação dos bens imóveis’’ – lei argentina

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page72

‘’e esta se considerar competente’’ – lei argentina considera competente a lei

que os tribunais franceses considerarem competentes.

Contudo, o art. 17º/3 é uma excepção ao nº2 e este é uma excepção ao nº1.

Nos termos do art. 17º/1 aplica-se lei francesa, uma vez que esta se considera

competente!!

Nos termos do art. 17º/2 não se impedia o reenvio, pelo que não era necessário ir ao

art. 17º/3. Os franceses indirectamente consideram-se competentes, pelo que nos

termos do art. 17º/1 iria aplicar-se a lei francesa. Tanto a lei francesa (lei do domicilio)

como a lei brasileira (lei da nacionalidade) consideram competente a lei francesa.

HIPÓTESE PRÁTICA

Em Fevereiro de 1990, João, cidadão brasileiro, domiciliado em Inglaterra, perfilhou

Luís, seu compatriota, igualmente domiciliado neste país, por declaração prestada em

França perante um agente consular brasileiro. Em Janeiro do corrente ano (1991)

encontrando-se já a residir em Portugal, Luís decide impugnar judicialmente a

validade daquela perfilhação. Que lei deverá um juiz português aplicar ao fundo da

causa, sabendo que na matéria em questão:

a) O direito português considera aplicável a lei da nacionalidade de João.

b) A lei brasileira reputa competente a lei do domicílio do perfilhante fazendo-lhe

referência material

c) O direito inglês defere a regulamentação do caso à lei do local da celebração

do acto, sendo que os tribunais ingleses adoptam a teoria do reenvio total.

d) A lei francesa considera competente a lei da nacionalidade do perfilhante e os

tribunais franceses praticam a devolução simples.

Lei Portuguesa (lexfori)- ->Lei Brasileira (lexpatriae)Lei UK (lexdomicili) -_-_-_>Lei

Francesa (lexloci)lei brasileira

Lei Brasileira considera competente a Lei do UK

Lei do UK considera-se competente

Lai Francesa considera competente a Lei do UK

Deste modo, aplica-se o art. 17º/1 e o art. 17º/2, como é matéria de estatuto pessoal,

pela negativa (o art. 17º/2 não impedia o reenvio porque no caso concreto nem a lei

do domicilio mandava aplicar a lei da nacionalidade nem o sujeito residia

habitualmente em Portugal.

Page 73: Direito Internacional Privado - Aulas Teórico Práticas

DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page73

DA QUESTÃO PRÉVIA

O problema da questão prévia em DIP começou por ser configurado como um

conflito de sistemas, uma vez que se tratava de um conflito entre dois sistemas de

regras jurídicas para aplicar à questão prejudicial.

Existe um problema de questão previa (situação condicionante) quando exista uma

situação de prejudicialidade ou é necessária uma solução para resolver uma questão

principal (situação condicionada).

PRESSUPOSTOS DA QUESTÃO PRÉVIA NO DIP

À situação principal tinha que ser aplicada uma lei estrangeira

Situação de prejudicialidade; nexo de prejudicialidade

O direito do foro conectar/atribuir autonomia à questão principal e à questão

prévia: uma regra de conflitos diferente para a questão principal e outra para

a questão prévia (a lei do foro manda aplicar à questão principal a lei A; a lei

do foro manda aplicar à questão prévia a lei B o problema é que a lei A

pode mandar aplicar à questão prévia a lei C. Pede-se a resposta à lei B ou à

lei C? Existe um conflito de sistemas entre a lei do foro e a lexcausae)

Um exemplo de QUESTÕES PREJUDICIAL: se um dos cônjuges propõe uma acção a

exigir do outro a obrigação de alimentos questão principal: obrigação de alimentos;

questão prévia: o casamento era válido e existente?

O problema da questão prévia foi discutido durante muito tempo: quando se aplica a

lexcausae estamos face à teoria da conexão subordinada; quando se aplica a lei do

foro estamos face à teoria da questão autónoma.

As questões prévias em geral podem suscitar ainda o problema da equivalência de

conteúdos ou da substituição, que é um problema de direito material. Este problema

assenta em saber se um conceito jurídico utilizado numa norma que vai resolver a

questão principal, essa norma refere-se a um outro pressuposto normativo, se se pode

preencher o conceito jurídico através de conteúdo jurídicos estrangeiros (ver exemplo

constante no PROF. FERRER CORREIA sobre o filho adoptivo que reivindica a herança

deixada pelo pai adoptante).

DOUTRINA TRADICIONAL – distinção dois problemas:

QUESTÃO PRÉVIA: problema de conflitos de sistemas

PROBLEMA DA EQUIVALÊNCIA DE CONTEÚDOS OU DA SUBSTITUIÇÃO (não é um

problema de conflitos de sistemas)

Exemplo: questão principal: herança; questão prévia: eram casados validamente?

A lei do foro manda aplicar a L1 (problema sucessória; a lei do foro manda aplicar a l3

quanto à validade do casamento. Contudo a L1 manda aplicar a L2 quando

à validade do casamento. Problema: se a L2 considera o casamento inválido e a L3

considera o casamento válido

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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page74

ARGUMENTO À TEORIA DA CONEXÃO SUBORDINADA: Harmonia Jurídica Internacional,

uma vez que esta refere-se à própria solução da questão principal. Isto é, aplicando-

se a lexcausae existe uma verdadeira e própria harmonia jurídica internacional.

Chega-se à mesma conclusão que se chega no tribunal da lexcausae. Mas tal pode

gerar um problema em que a harmonia interna vem a ser prejudicada.

PROF. FERRER CORREIA: à partida existem situações em que se sabe que nunca se irá

seguir a Teoria da Conexão Subordinada. Sendo a L1 aplicada quando ela não se

quer aplicar que tipo de harmonia se quer alcançar se ela própria já não se quer

aplicar? Tambem não se deve seguir tal teoria quando a decisão que venha a ser

proferida pelo tribunal faça caso julgado quanto à decisão condicionante (só pode

fazer caso julgado quanto à situação condicionada). Sempre que se a situação

condicionada ou principal se referir ao conteúdo ou a um efeito necessário da

situação condicionante não se deve recorrer à Teoria da Conexão Subordinada.

Passa-se a exemplificar casos em que não pode ser aplicada tal teoria:

Se a situação condicionada é um divórcio, a situação condicionante assenta

na validade do casamento;

Se o que se está a discutir é o facto de um filho vir exigir alimentos de um pai, o

que se está a discutir é se ele é pai. Quem é pai tem deveres de alimentos. O

dever de alimentos é uma consequência necessária da valida constituição de

uma situação de filiação. Não se pode recorrer aquela teoria porque não

pode existir uma situação de incerteza quanto ao ser-se ou não pai.

Agora se estivermos face a uma situação de sucessão esta teoria já poderá ser

aplicada, porque as leis são diferentes, consoante o ordenamento jurídico em que se

inserem, quanto a matérias de cariz sucessório.

Só se pode recorrer à Teoria da Conexão Subordinada quando esteja em causa um

efeito jurídico ulterior de uma relação jurídica condicionante.

PROF. BAPTISTA MACHADO: Em bom rigor o único problema que merece atenção é a

interpretação do direito material, nem sendo um problema de direito de conflitos. O

que é que se ganha ao dizer-se que existe um efeito jurídico ulterior? Não existe

verdadeiramente uma situação de questão prévia, mas sim uma questão unitária. O

problema é sempre de resolver quanto as regras de conflitos do foro. Por exemplo, o

dever de alimentos faz parte do conteúdo de uma relação cujo pressuposto é a

constituição de uma validade relação de filiação. Não faz sentido resolver a questão

prévia como problema de conflito de sistemas. O verdadeiro problema da questão

prévia é o problema da substituição, sendo este um problema de direito material, e tal

só ocorre quando exista uma referênciapressuponente (quando uma norma jurídica

faz referencia a um pressuposto de uma situação jurídica condicionante tomando

esse pressuposto como sendo de facto: é ele que tem de dizer se aquela situação de

facto reúne os pressupostos que caracterizam aquela situação de facto).

NOTA: em França, até à década de 80, quando não se sabia quem era o pai e a mãe

da criança tinha estado com vários homens durante o período de concepção, todos

(os homens) eram obrigados ao dever de alimentos relação fundada unicamente

no dever de alimentos.

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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page75

15 de Abril – Aula 15 (Prof. Fernando Ferreira Pinto)

O PROBLEMA DA REFERÊNCIA AO ORDENAMENTO PLURILEGISLATIVO OU COMPLEXO

Nos termos do art. 20º, encontra-se consagrado a norma acerca dos ordenamentos

jurídicos.

Há estados soberanos que têm diversos sistemas jurídicos para diferentes partes

jurídicos do seu território ou para diferentes categorias jurídicas. Deste modo, os

ordenamentos jurídicos plurilegislativos podem ser de:

BASE TERRITORIAL: há aqueles que têm um DIP unificado (Suíça) ou um sistema

de conflitos interlocal (Espanha), e outros casos existem situações de

diversidade no direito material e outras são diversas quanto ao DIP

EUA – conjuga-se a competência legislativa do estado federal com a

competência legislativa de cada um dos estados federados, sendo raro

o caso da competência estar centrada no estado federado.

UK – têm três sistemas jurídicos diferentes: sistema jurídico inglês, sistema

jurídico da escócia e sistema jurídico da irlanda do norte (não há

propriamente um estado federal, mas há uma soberania concentrada).

BASE PESSOAL: existem nos países em que existem várias categorias de pessoas

de acordo com a sua religião, de acordo com a casta, de acordo com a

etnia, etc. Exemplo de sistemas com base pessoal é por exemplo o Líbano, a

India, etc.

PT: as nossas regiões autónomas têm alguma competência legislativa atribuída pelos

seus estatutos, pelo que em Portugal também é de certa forma um ordenamento

jurídico plurilegislativos.

Quando se designa de acordo com a regra de conflitos qual a lei aplicável é

necessário ver em que tipo de ordenamento tal se insere.

ANÁLISE DO ART. 20º/1

‘’em razão da nacionalidade de certa pessoa’’: elemento de conexão; o art.

20º está criado com base neste elemento. E quando forem outros elementos

de conexão a designar um ordenamento jurídico plurilegislativos? A história do

direito português leva a concluir que a solução que a lei portuguesa visou

consagrar assenta em que quando o elemento de conexão aponte para um

ordenamento jurídico complexo, não sendo o elemento de conexão a

nacionalidade, aplica-se a lei competente que o elemento de conexão

considere competente. Mas há quem entenda que mesmo nas situações em

que o elemento de conexão permite localizar a competência numa área

delimitada o problema deve ser resolvido pelo direito de conflitos interlocal e

não pelo nosso direito de conflitos.

Page 76: Direito Internacional Privado - Aulas Teórico Práticas

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page76

PROF. FERNANDO FERREIRA PINTO: o nosso legislador só permite a

intervenção do direito interlocal quando o elemento de conexão é a

nacionalidade.

PROF. ISABEL MENEZES COLAÇO e PROF. LIMA PINHEIRO: existe uma

lacuna, porque a lei não diz como é que o problema se resolve quando

o elemento de conexão não seja a nacionalidade. Recorre-se ao

direito de conflitos interlocal que indica qual a lei aplicável que pode

não corresponder aos critérios por nós usados.

‘’for competente a lei e um Estado em que coexistam diferentes sistemas

legislativos locais, é o direito interno desse Estado que fixa em cada caso o

sistema aplicável’’: Compete à lei do próprio pais designado através do

elemento de conexão (nacionalidade) dizer qual das leis que vigora no nosso

território que será aplicada; é o direito do estado da nacionalidade que indica

qual a lei aplicável através do direito interlocal. Existindo um direito de conflitos

interlocal unificado será este a decidir qual a lei aplicável e na falta deste?

Recorre às regras de dip desse estado!

ANÁLISE DO ART. 20º/2

Presume-se que os conflitos interlocais se resolvem com recurso ao DIP desse estado. E

se não existir nem uma coisa nem outra (não existe DIP unificado ou solução que os

diferentes sistemas dão para o mesmo problema são diferentes), como se determina a

lei aplicável ao cidadão britânico ou americano?

Actualmente: deixa de ser relevante a nacionalidade (quase que se torna apátrida) e

toma-se em atenção a lei da sua residência habitual. Se a lei da nacionalidade não

permite identificar concretamente qual a lei aplicável aplica-se a lei da residência

habitual o que tem uma certa lógica: manda-se aplicar a lei da nacionalidade

porque se presume que o individuo acha que aquela lei é a mais próxima; se esta não

for suficiente nada lhe é mais próximo que a lei da residência habitual esta solução

gerou controvérsia!

Havia quem entendesse que em vez de se ir para a residência

habitual, devia-se primeiro ir ao vínculo de subnacionalidade.

Só deverá valer a residência habitual se tal corresponder a uma

das áreas territoriais em que o cidadão tem a sua

nacionalidade.

ANÁLISE DO ART. 20º/3: a solução encontrar-se de forma bastante fácil quando não

existam relações mistas.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page77

APLICAÇÃO DO DIREITO ESTRANGEIRO – ART. 23º

NOTA: O art. 23º não se aplica à resolução de problemas de reenvio!!

PRINCÍPIO DA EFECTIVIDADE: O direito estrangeiro aplicável é aquele que se aplica na

circunscrição territorial cuja lei é mandada aplicar de acordo com a regra de conflitos

portuguesa.

Só se pode aplicar leis que pertençam a estados soberanos internacionalmente

reconhecidos? Se a lei que vigora naquela área territorial, ainda que sobre ocupação,

deve-se aplicar a lei que efectivamente se aplica naquela circunscrição territorial. Se

existe uma lei que vigora naquela lei, ainda que não seja a lei reconhecida por quem

administra aquela zona, deve ser essa a lei aplicada pelo juiz português.

INTERPRETAÇÃO DA LEI: o CC procurou estabelecer a metodologia adequada à

interpretação de leis. Compete ao legislador decidir qual a melhor forma de

interpretar uma lei? Não. Por exemplo a regra que diz que não se pode proceder a

analogia das regras excepcionais é uma regra muito controversa actualmente. O

legislador apenas permite a analogia de situações excepcionais a situações tão

excepcionais como ela (a razão de ser tem de ser a mesma!).

Nos termos do art. 23º/1, a lei estrangeira deve ser interpretada dentro do sistema a

que pertence e de acordo com as regras interpretativas nele fixadas(‘’quando se

aplica o nosso direito interno somos arquitectos; quanto se aplica o direito estrangeiro

somos fotógrafos’’ quando se aplica o direito estrangeiro deve seguir-se a

interpretação da norma de acordo com os critérios da doutrina e da jurisprudência

desse país (não do nosso)).

O art. 23º/2 levanta vários problemas:

i. A quem compete averiguar o conteúdo da lei estrangeira aplicável?art. 348º

CC: organiza um sistema de colaboração entre as partes e o juíz (o direito

estrangeiro, para nós, é tratado como direito e não como um facto).

ii. Quando é que existe impossibilidade de determinar o conteúdo da lei

estrangeira aplicável? O juiz deve procurar determinar o conteúdo com um

certo grau de certeza, não pode à primeira dificuldade dizer que não

consegue. Há quem defenda que se deve fazer funcionar algumas

presunções: direito (não efectivamente) provavelmente aplicável.

iii. Conjugação do art. 23º/2 (recorrer-se-á à lei que for subsidiariamente

competente) vs art. 348º/3 (recorrerá às regras do direito comum português/

lexfori): em primeiro lugar recorre-se à lei que for subsidiariamente aplicável de

acordo com a nossa regra de conflitos, não sendo mesmo assim possível

determinar o conteúdo segue-se a solução do art. 348º/3.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page78

iv. Enuncia a regra que será aplicável caso não seja possível determinar os

elementos de facto ou de direito de que dependa a designação da lei

aplicável: não faz sentido tratar como apátrida alguém em que não se sabe

qual a nacionalidade, apenas porque ainda não se sabe tal. Vai-se pela

probabilidade. Em última análise segue-se a parte final do art. 23º/2 (aplica-se

a lei subsidiária e se tal não for possível aplica-se o direito interno português)

Um juiz português pode fazer o controlo da constitucionalidade da lei estrangeira?

O problema da constitucionalidade das leis estrangeiras faz-se sobretudo através da

ordem pública internacional.

Mas a questão em análise é outra: um juiz português pode controlar a

constitucionalidade da lei alemã de acordoessa lei?

Se for um sistema de controlo difuso e não concertado da constitucionalidade sim,

mas deve fazê-lo? O juiz português deve comportar-se como o juíz estrangeiro!

Existe uma série de regulamentos comunitários que foram retirando conteúdo ao

direito português. Por exemplo, tendo em consideração o Regulamento de Roma I

para que é que fica a servir o art. 41º?

ENUNCIAÇÃO E BREVE ANÁLISE DOS REGULAMENTOS COMUNITÁRIOS

Regulamento de Roma I (substituiu a Convenção de Roma): art. 22º

Regulamento vs art. 41º o elemento de conexão do regulamento vai apontar

para cada uma das unidades territoriais, não orientando a competência para

o estado como tal.

Regulamento de Roma II (obrigações extra contratuais)

Regulamento quanto à matéria de divórcio e de separação judicial – art. 14º e

15º

Regulamento 650/2012 – competência (…) de decisões (…) – art. 36º e 37º

COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DIRECTA& RECONHECIMENTO DE SENTENÇAS

ESTRANGEIRAS

As regras quanto à competência internacional directa antigamente eramdefinidas por

cada estado, o que originava graves problemas de conflitos positivos e negativos.

Até há muito pouco tempo, quem resolvia estes problemas através de Regulamentos,

nomeadamente através da Conferência de Haia. Esta conferência fez na década de

60 uma convenção (que terminou em 1970) sobre o reconhecimento de sentenças

estrangeiras. A UE substituiu-se quer aos estados quer as conferências internacionais,

criando regras de uniformização.

VER – COMENTÁRIO QUANTO À COMPETÊNCIA DA AUTORIA DO PROF. FERNANDO

FERREIRA PINTO E DO PROF. FERRER CORREIA!

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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page79

REGULAMENTOS:

Regulamento de Bruxelas I (44/2001, de 22 de Dezembro de 2000) – aplicável

sempre que o requerido tenha domicilio num Estado Membro da U.E

regulamento mais geral

Regulamento e Bruxelas II Bis (2201/2003)

Regulamento 1346/2000 problemas de insolvência

Regulamento 4/2009 matéria de obrigações alimentares

Regulamento 650/2012 matéria de sucessões

Regulamento 1215/2012 vai substituir o Regulamento de Roma I a partir de

2014 e 2015

CONVENÇÕES

Convenção de Nova Iorque de 1958 reconhecimento e execução de

sentenças arbitrais estrangeiras

Convenção do Ugano de 1988 (versão inicial)/2007 (actual)

Acordo (2005) entre o Reino da Dinamarca

PROCESSO DE RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE SENTENÇAS: há 30 anos atrás

existiam estados que não reconheciam sentenças estrangeiras; havia outros que

faziam uma revisão material e outrosuma revisão formal (caso de Portugal), em que o

juiz tinha que dar o executato (ordem de execução). Actualmente, as coisas são de

modo diferente, havendo certas situações em que o juiz tem dar ordem de execução.

Com a revisão do regulamento de Roma, qualquer decisão proferida num estado

membro da UE no âmbito do Regulamento de Roma I poderá ser executada em

Portugal, sem qualquer reserva, a não ser que alguém se oponha. Este sistema é uma

evolução que parte do pressuposto da confiança nos tribunais de estados

estrangeiros.

22 de Abril – Aula 16 (PROF. FERNANDO FERREIRA PINTO)

REGULAMENTO DE BRUXELAS I (44/2001)

Importa esclarecer que a partir de 10 de Janeiro de 2015 passa-se a aplicar o

Regulamento de Bruxelas Reformulado (Regulamento 1215/2012) integralmente, com

excepção do art. 75º e 76º que começa a aplicar-se a partir de 10 de Janeiro de 2014.

Aquilo que não se admite na ordem interna muitas vezes admite-se quando é imposto

pela ordem internacional. Nos termos do art. 267º do Tratado da União Europeia o

regulamento é interpretado pelo Tribunal de Justiça: se os tribunais portugueses

tiverem uma duvida relativamente a um regulamento procedem ao reenvio

prejudicial, sendo que só o podem fazer de acordo com certas

limitações/circunstâncias (ver esta matéria na disciplina de DUE).

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page80

O tribunal que suscita a intervenção do tribunal de justiça através do reenvio em

principio deve seguir a sua orientação, sendo que se o não fizer não existe, contudo,

qualquer sanção para tal.

ANÁLISE DO REGULAMENTO DE BRUXELAS I

O regulamento está divido em sete capítulos,

CAPÍTULO I: respeita ao âmbito de aplicação material do regulamento

CAPÍTULO II: respeita à competência internacional dos tribunais (regras que

resolvem os conflitos de jurisdição)

CAPÍTULO III: respeita ao reconhecimento e execução de sentenças

estrangeiras

CAPÍTULO IV: (…)

CAPÍTULO V: (…)

CAPÍTULO VI: (…)

CAPÍITULO VII: (…)

CAPÍTULO VIII: (…)

CAPÍTULO I – ÂMBITO DE APLICAÇÃO

O âmbito de aplicação material corresponde ao conjunto de materiais que se

pretendeu uniformizar nos tribunais dos estados membros da união europeia e o

reconhecimento de sentenças proferidas por aqueles. Permite delimitar a execução

de sentenças..em que matérias?

Este regulamento já não se aplica quanto à matéria das obrigações de alimentos que

passaram a ser regulamentos pelo Regulamento 4/2009

Nos termos do art. 1º é necessário distinguir duas vertentes quanto ao ÂMBITO

MATERIAL:

VERTENTE POSITIVA (‘’aplica-se em matéria civil e comercial’’: quando se diz

que a aplicação as matérias civis e comerciais é independente da natureza

da jurisdição tal significa que é indiferente a natureza dos sujeitos processuais

desde que o objecto do litigio não tenha conexão com poderes da

autoridade e se trate de matérias civis e comerciais, sendo ainda indiferente a

natureza dos órgãos de decisão.

VERTENTE NEGATIVA (‘’não abrange (…) matérias fiscais, aduaneiras e

administrativas): só ficam excluídas do regulamento as situações em que os

órgãos públicos aparecem a exercer prorrogativas de autoridade, ou seja,

poderes de autoridade. Quanto às matérias administrativas importa dizer que

esta exclusão não significa que se exclua uma acção que foi proposta pela

segurança social contra alguém pedindo a devolução de uma quantia que

adiantou a título de obrigação de alimentos fica sujeito às regras deste

regulamento. Será necessário ainda atender ao nº2 do art. 1º - basicamente

exclui-se tudo aquilo que consta do art. 25º CC (art. 1º/2 al. a)). Note-se que o

regulamento aplica-se às doações, desde que não o sejam por morte, nem por

cônjuges, etc. Existindo uma convenção de arbitragem se um dos tribunais dos

estados membros ignorá-la e considerar-se (sobrepondo-se à convenção)

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page81

competente. O regulamento é aplicável ao reconhecimento e execução da

sentença que esse tribunal (incompetente porque preteriu o tribunal arbitral)

proferiu? A maior parte da doutrina entende que se o tribunal se considerou

competente e emitiu essa sentença tal deve ser considerada válida. O PROF.

FERNANDO FERREIRA PINTO discorda totalmente desta solução. Note-se ainda

que de acordo com o art. 22º quando se fala em competência exclusiva tal

não significa que não possam ser estas matérias reguladas pela arbitragem.

ÂMBITO ESPACIAL DO REGULAMENTO: nos termos do art. 1º/3 consagram-se os estados

membros com excepção da Dinamarca (que naquela altura não quis aderir a este

regulamento). Em 2005 a Dinamarca resolveu aceitar a aplicação deste regulamento,

mas não integralmente. Hoje em dia, ao regime que vigora entre os estados membros

e a Dinamarca, aplica-se o Regulamento com ligeiríssimas alterações. Como se trata

de um Regulamento que pretendeu uniformizar as decisões dos tribunais é pressuposto

que se trate de um litígio que tenha conexão juridicamente relevante com mais de um

Estado.

O regulamento possui dois tipos de regras:

REGRAS LEGAIS: é pressuposto geral da aplicação das regras de competência

legal que o reu se encontre domiciliado num dos estados membros da união

europeia. Note-se que as regras de competência exclusiva prescindem da

circunstancia de o reu se encontrar domiciliado num estado membro, devido à

sua razão de ser: estas regras apenas são atribuídas aos estados que possuem

com o litigio uma relação tão estreita e restrita que leva a que se prescinda de

qualquer outro factor.

NOTA: nos termos do art. 22º/1 fala-se em ‘’arrendamento de imóveis’’ mas se

não fosse de imóveis não seria arrendamento, obviamente!

REGRAS CONVENCIONAIS (PACTO ATRIBUTIVO DE JURISDIÇÃO)

EFEITO ATRIBUTIVO DE COMPETÊNCIA: passa a ser competente o tribunal

de um estado que se não fosse esse pacto não teria competência para

regular aquele litigio;

EFEITO PRIVATIVO DE COMPETÊNCIA: passa a não ser competente o

tribunal de um estado que se não fosse este pacto teria competência

para regular aquele litigio.

Nos termos do art. 2º/1, os estrangeiros domiciliados no estado membro ficam sujeitos

às regras desse estado nos mesmos termos que os seus nacionais.

Qual é a especificação do art. 2º/2 face ao art. 2º/1? Tem-se interpretado no sentido

em que as pessoas que não sejam nacionais daquele Estado membro podem invocar

as mesmas regras nacionais que são atribuídas aos nacionais desse estado membro.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page82

Nos termos do art. 3º/1, terá de ser o regulamento a determinar essa competência

exclusiva ou alternativa. Nos termos do art. 3º/2, o anexo I (alterado recentemente)

indica quais são as regras de competência nacionais exorbitantes, ou seja, cada

estado muitas vezes era levado a estender a competência internacional dos seus

tribunais para além aquilo que era aceitável, aceitando tal competência nos casos

em que nem existia uma conexão aceitável entre os tribunais desse estado e os litígios.

ÂMBITO TEMPORAL: encontra-se consagrado no art. 76º, sendo ainda necessário

atender ao art. 66º.

Nos termos do art. 67º e ss. não se diz uma coisa que é evidente: este regulamento

prevalece sobre as regras nos estados membros quanto às regras de competência

internacional e de reconhecimento das sentenças, resultando tal do art. 8º/4 CRP.

Há uma série de convenções internacionais que foram derrogadas por este

regulamento. De acordo com os novos tratados europeus compete à própria UE

negociar tratados, sendo que os estados membros não devem-se fazer parte de

qualquer convenção que possa conflituar com esta competência.

CAPÍTULO II - COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS

CRITÉRIO GERAL: o autor deve propor a acção no tribunal dodomicilio do reu – art. 2º

CRITÉRIOS ESPECIAIS DE COMPETÊNCIA LEGAL: secção 2 a 7. Estes critérios especiais

não derrogam a competência geral, apenas estando previstos para casos especiais.

Existe uma competência alternativa.

CRITÉRIOS DE PROTECÇÃO:Competência em matérias de seguros, em contratos de

trabalho e relativas ao consumidor (art. 8º a 21º) estas normas definem sem

necessidade de recorrer a qualquer outras regras a competência. Trata-se de

estabelecer um foro quanto a certas pessoas carentes de protecção (trabalhadores,

segurados e consumidores). Estas regras além de estabelecer conexões que visam

proteger as partes que carecem de maior protecção, também se estabelecem

limitações aos pactos de jurisdições nestas matérias.

Existem ainda critérios de competência exclusiva (art. 22º), critério de competência

convencional e critérios de verificação da competência, litispendência e conexão e

regras especiais de medidas de protecção.

Como se afere o domicilio de uma pessoa?

O próprio regulamento remete para a lexcausae: deve-se aplicar o direito

internacional do estado em que esta pessoa se encontra presuntivamente domiciliada

(art. 59º).

À partida, de acordo com o CC, domicilio coincide com residência familiar; onde a

pessoa tem o seu centro de vida.

E quanto às pessoas colectivas?

Neste caso é necessário atender ao art. 60º, sendo que o nº1 indica três critérios.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page83

Se a pessoa esta domiciliada num Estado membro ainda assim poderá ser

demandada nos tribunais de outro estado membro ANÁLISE DO ART. 5º (Regras de

Competência Legal Especiais)

1.

a. Caracter um tanto ou quanto indefinido desta regra; uma pessoa pode ser

demandada, em matéria contratual, no lugar onde foi ou devia ser cumprida

a obrigação em questão. Mas qual é a obrigação em questão? Atendendo ao

Regulamento de Roma I será a obrigação que serve de base/fundamento ao

processo. O regulamento decompõe o contrato num número indefinido de

obrigações que ele pode conter: uma obrigação duradoura pode dar lugar a

‘n’ numero de obrigações, sendo que a competência respeita a cada

obrigação. Não faz muito sentido relativamente a uma obrigação que ainda

tem de ser cumprida (quando ainda não haja incumprimento) estar a prever a

sua competência (apenas faz sentido nas medidas cautelares).

b. O próprio regulamento define onde deve ser proposta a acção através da

determinação de qual o lugar para o cumprimento da obrigação: no caso de

um contrato de compra e venda ou de prestação de serviços, seja qual for a

obrigação que sirva de base a acção o que releva, no primeiro caso, é o lugar

onde os bens deveriam ser entregas, e no segundo caso, é o lugar onde os

serviços deveriam ser prestados.

c. Se não se aplicar a al. b) aplica-se a al. a): em todos os casos não previstos na

al. b) aplica-se a al. a), sendo que nesta se atende ao lugar em que deve ser

cumprida a obrigação em questão.

3. A grande dificuldade assenta em saber onde acaba o art. 1º al. a) e onde

começa o nº3: por exemplo, a responsabilidade pré contratual situa-se onde?

PROF. ALMEIDA COSTA: prevalece a responsabilidade contratual ≠ PROF.

FERNANRDO FERREIRA PINTO.TRIBUNAL DE JUSTIÇA: Sempre que haja violação

de uma obrigação concretamente assumida no processo de pendência do

contrato (fase prévia à vinculação), trata-se de uma situação de

responsabilidade contratual; mas se se basear na pura e simples violação de

um dever legal de conduta (por exemplo: dever legal de conduta segundo os

ditames da boa fé) estamos face a um caso de responsabilidade

extracontratual.

29 de Abril – Aula 17 (Prof. Luís Barreto Xavier)

ANÁLISE DO REGULAMENTO DE BRUXELAS I

A competência deste regulamento assenta concretamente em contratos celebrados

por consumidores, em contratos individuais de trabalho e em contratos de seguro.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page84

Nos termos do art. 15º/1 al. c) consagram-se as regrais gerais para que haja uma tutela

do consumidor, sendo necessário que a outra parte esteja no domicilio do consumidor.

O nº2 da norma em análise alarga o conceito de conceito e de tutela do consumidor.

O elemento de conexão é o domicilio do consumidor.

Nos EUA não existe uma tutela do trabalhador, tal como não existe na UE

relativamente ao despedimento com justa causa.

Nos termos do art. 25º consagram-se os pactos de jurisdição, sendo que pelo menos

uma das partes tem de ter domicilio num dos Estados Membros. Os pactos de

jurisdição expressam a autonomia da vontade. Nos pactos de jurisdição não se sabe à

partida quem é o autor e o réu: não faz sentido que a aplicabilidade deste

requerimento esteja sujeito a isso.

Exemplo

Imagine-se uma situação em que o domicilio de um determinado individuo é em

Espanha; estamos no âmbito de matéria contratual (contrato de compra e venda); a

coisa vendida foi entregue em França; o réu não pagou o preço e o demandado

encontra-se em Portugal.

Quando ao âmbito de aplicação, a nível espacial atende-se ao domicilio do reu e a

nível material atende-se ao facto de se tratar de matéria contratual.

Nos termos do art. 5º/1 al. a) o que é relevante não é a obrigação, mas sim a entrega

da coisa (art. 5º/1 al. b), pelo que o tribunal francês deveria ser o tribunal competente.

Os tribunais Portugueses não são internacionalmente competentes se existir um pacto

de jurisdição ou se se aplicar o art. 24º: se o reu aparece em litigio perante o tribunal

português e não contesta a competência (pacto de jurisdição implícito).

2 de Maio – Aula 18 (Prof. Luís Barreto Xavier)

HIPÓTESE PRÁTICA

António, português, celebra um contrato de compra e venda de um imóvel situado na

Alemanha por escrito particular assinado em Marrocos. O vendedor é uma sociedade

de mediação imobiliária com sede na Alemanha. António transfere o montante

correspondente ao preço para uma conta da referida sociedade, mas descobre que o

imóvel não tinha as características pretendidas. Que problemas do DIP podem emergir

desta hipótese? Resolva-os.

Trata-se de um problema de DIP, na medida em que a situação se encontra em

contacto com mais de um ordenamento jurídico (Alemanha, Portugal e Marrocos) –

situação absolutamente internacional.

Os problemas que se levantam nesta questão respeitam (1) à lei aplicável e (2)

competência internacional.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page85

Coloca-se a questão de saber que meios o português possui para tutelar os seus

direitos? O interesse de António assenta na dissolução do contrato com a

recuperação do dinheiro, ou seja António irá intentar uma acção de resolução do

contrato por incumprimento defeituoso.

COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DO TRIBUNAL

Qual o instrumento jurídico ao qual vamos recorrer para resolver esta questão? Será o

Regulamento de Bruxelas I na medida em que o seu âmbito material de aplicação

encontra-se preenchido nos termos do seu art. 1º; o seu âmbito espacial também se

encontra preenchido nos termos do art. 2º e do art. 60º/1 al. a) (a sociedade tem a

sua sede na Alemanha) e o seu âmbito temporal também se encontra preenchido nos

termos do art. 66º. Aplicando o Regulamento de Bruxelas I afastam-se as regras de

direito interno português.

Onde poderá António demandar o vendedor? No caso está em causa uma acção de

resolução do contrato, independentemente do seu fundamento, não se poderia

aplicar o art. 22º porque o problema não tem o cerne em matéria de direitos reais:

trata-se de um deficiente cumprimento do contrato, pelo que se irá aplicar o art. 5º/1

al. a) que se refere a matérias contratuais em conjugação com o art. 2º.

Deste modo, o autor poderá propor a acção no tribunal alemão, quer por força do

art. 2º, quer por força do art. 5º/1 al. a).

LEI APLICÁVEL

Aplicação do Regulamento de Roma I – existe um conflito de leis? Sim.

Lei aplicável ao conteúdo do contrato: segundo o Regulamento de Roma I

será a lei escolhida pelas partes, sendo que na falta de tal escolha existem

regras supletivas nomeadamente a que aponta para a localização do imóvel

sendo neste caso, em principio, aplicável a lei alemã.

Lei aplicável à forma do contrato

Lei aplicável à transmissão do contrato

Neste caso saber qual a lei aplicável a cada um destes aspectos nem se colocava

uma vez que o que António quer é a resolução do contrato.

Suponha-se que a acção é proposta na Alemanha e um tribunal alemão profere uma

sentença em que afirma que não pode ocorrer a resolução do contrato porque de

acordo com o direito alemão, o comprador tinha um ónus de se informar sobre as

características do objecto do contrato, condenando ainda António como litigante de

má fé e a indemnizar danos não patrimoniais relativos à agencia de mediação

imobiliária. Esta decisão pode ser reconhecida em Portugal? Se sim, em que termos?

À questão do reconhecimento de sentenças aplica-se o Regulamento de Bruxelas I,

sendo a regra a do reconhecimento automático. Neste caso, seria necessário atender

ao art. 33º e ss. Não se aplicando nem o art. 34º nem o art. 35º, iria se aplicar o art.

33º/1 a sentença seria automaticamente reconhecida.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page86

O processo executivo pode ser proposto com base no título executivo que é a

sentença alemã?

Atendendo ao art. 38º e ss é necessário declarar a exequibilidade da decisão (tal

deixará de ser com o (novo) Regulamento de Bruxelas I que entra em vigor em 2015:

não será necessária um procedimento simplificada para declarar a exequibilidade da

decisão, ou seja sendo a decisão exequível no pais em que é proferida, também será

nos demais), através de um requerimento. Será necessário ainda atender ao art. 41º.

Nesta fase não há possibilidade de o tribunal verificar estes motivos de não

exequibilidade da sentença, previstos no art. 34º e 35º. Mas a parte que gostaria de se

opor à execução fica sem tutela, não sendo previamente ouvida antes de ser

declarada a exequibilidade? Não, poderá sempre recorrer e só em sede de recurso o

tribunal pode e deve verificar se estão ou não reunidas as condições para o

reconhecimento e execução da decisão.

Em matéria de competência internacional do tribunal de origem o que poderá servir

de fundamento para não reconhecer ou para não declarar executória uma

sentença?

Nos termos do art. 34º estabelecem-se os casos em que uma decisão não será

reconhecida, mas tal não responde à pergunta.

A resposta encontra-se nos casos previstos no art. 35º. E se forem violadas

competências fora dos casos do art. 35º? Atendendo ao art. 35º/3 não poderá

proceder-se ao controlo da competência dos tribunais do EM de origem: mesmo que

o tribunal do EM da origem tinha proferido uma sentença que viola o Regulamento

fora dos casos previstos no art. 35º/1 essa violação não é relevante para fundamento

de recusa e reconhecimento da sentença. Mas porque é assim, ou seja porque é que

a violação da regra do art. 2º por exemplo não serve de fundamento à recusa do

reconhecimento? De um lado existe a ideia de facilitar o reconhecimento das

sentenças estrangeiras que está na base de toda a arquitectura das regras de

competência, estabelecendo a possibilidade de ‘’circulação das sentenças’’, não

criando barreiras jurídicas em excesso pelo que o sistema de reconhecimento seja

fortemente facilitado através do reconhecimento automático e da fixação minimalista

de condições para esse mesmo reconhecimento em sede de competência. A ideia

que é cada pais confia no sistema jurisdicional dos diferentes estados membros, sendo

que só verifica a violação de regras de competência no caso dessas regras terem

caracter imperativo, visando-se tutelar valores mais elevados.

Todavia não se percebe muito bem a solução consagrada no art. 35º/1 quanto aos

contratos individuais de trabalho. Na opinião do PROF. LUÍS BARRETO XAVIER existe um

lapso do legislador: este regulamento de Bruxelas veio substituir a convenção de

Bruxelas, sendo que esta não tinha um capítulo dedicado aos contratos individuais de

trabalho. Quando a convenção foi reformulada para ser assumida como

regulamento, o legislador ao elaborar um capítulo autónomo sobre o contrato

individual de contrato não foi cuidadoso no momento do reconhecimento de

sentenças. Tal desarmonia é agora resolvida com a reformulação do regulamento de

Bruxelas.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page87

RESOLUÇÃO DO CASO: António apenas poderá recorrer através de recurso da

sentença executória. Em sede de recurso a solução tomada pelo juíz português será a

que consta do art. 45º, ou seja só tratando de um dos casos do art. 34º ou 35º é que

será recusada ou revogada a declaração. O caso enquadra-se no art. 34 ou 35º? Os

factores analisados são apenas os referidos no art. 34º e 35º, ou seja violação da

ordem pública, violação de certas regras de competência, violação dos direitos de

defesa e violações de decisões contrariadas anteriormente. O caso não se enquadra

em nenhum dos casos do art. 34º e 35º. A sentença em principio seria susceptível de

ser reconhecida, pelo que o tribunal de recurso não irá dar provimento ao recurso

intentado por António.

Note-se que com a entrada em vigor do novo regulamento de Bruxelas em 2015 não

seria necessário uma sentença de exequibilidade, mas António poderia recorrer de

acordo com as regras neste constante (art. 46º)

Suponha-se agora que em vez de ter existindo um cumprimento defeituoso do

contrato, a sociedade que celebrou o contrato de compra e venda com António

celebrou de seguida outro contrato de compra e venda, sobre o mesmo objecto, com

Alif, turco. O imóvel é entregue a Alif que fica muito contente com as características

do mesmo. Antonio pretende reivindicar a propriedade do imóvel.

Estamos face a uma situação plurilocalizada pelo que tal coloca problemas de DIP. O

cerne do problema encontra-se na reivindicação do imóvel o que consubstancia

TRIBUNAL INTERNACIONALMENTE COMPETENTE

Neste caso aplica-se o art. 22º/1 pelo que estamos face a um caso de competência

exclusiva dos tribunais alemães.

LEI APLICÁVEL

É necessário ter em consideração que as normas de conflitos não resolvem todos os

problemas jurídicas, sendo que as regras irão respeitar a determinado instituto/matéria,

pelo que para termos a solução global é necessário recorrer a diferentes normas de

conflitos – mecanismo da dépesage.

O Regulamento de Roma I aplica-se aos casos em que tem por objecto direitos reais,

nos termos do art. 1º e 4º. Daqui resulta que a lei aplicável ao contrato, não havendo

escolha, é a lei alemã porque tal é a lei do estado em que se encontra situado o

imóvel que é o objecto do contrato.

Contudo no caso está em causa o reconhecimento do direito de António, pelo que tal

pretensão resolve-se de que maneira?

Quer o problema seja colocado em Portugal, quer seja colocado na Alemanha, a

solução, de acordo com o Regulamento de Roma I será semelhante. Mas o problema

de saber a quem pertence a titularidade do objecto depende do Regulamento de

Roma I?

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page88

Aos aspectos contratuais desta questão aplica-se o Regulamento de Roma I, mas aos

aspectos não contratuais, nomeadamente relacionados a direitos reais, tal problema

não depende do disposto do Regulamento de Roma I sendo deixado à regra de

conflitos, que no nosso ordenamento jurídico é o 46º e à regra de conflitos do direito

alemão, sendo que a propriedade se transfere por mero efeito do contrato (art. 408º e

art. 879º a))

No direito alemão, sistema paradigmaticamente diferente do nosso, a propriedade

não se transmite por mero efeito do contrato de compra e venda. Da compra e

venda resulta a obrigação de transmitir a propriedade da coisa.

Deste modo, uma vez que o tribunal competente seria o tribunal alemão nos termos

do art. 22º do Regulamento de Bruxelas, António não adquiriu a propriedade da coisa,

podendo a sociedade celebrar o novo contrato de compra e venda sendo

proprietário Alief.

António possui uma pretensão contratual com a sociedade, tendo um direito de

indemnização sofrido pela não transmissão da propriedade a que a sociedade estava

obrigada pela celebração do contrato.

Suponha-se que António alega incapacidade para celebrar aquele contrato

(arrependeu-se) e quer anula-lo. Quidiuris?

TRIBUNAL COMPETENTE INTERNACIONALMENTE

Não se aplicava o Regulamento de Bruxelas I nos termos do art. 1º/2 al. a) (exclui-se a

capacidade quando tal seja a questão essencial do caso); o caso não se encontra

abrangido dentro do âmbito material deste regulamento.

Seria necessário analisar se existia outro Regulamento da UE aplicava ao caso e na sua

falta se existia alguma convenção. Como não existia recorrer-se-ia ao direito comum

português, ou seja ao CPC. Nos termos do art. 65º CPC houve uma redução dos

factores de competência internacional através da eliminação de dois princípios que

anteriormente vigoravam, existindo agora o Princípio da Coincidência (art. 65º/1 al. b))

e Princípio da Necessidade (art. 65º/1 al. d)). Seria necessário saber se existia um

tribunal português territorialmente competente para esta questão sendo necessário

recorrer ao art. 85º regra geral conjugado com o art. 86º/2 (não existia qualquer regra

especifica quando à capacidade). Deste modo, aplicando o art. 86º/2 não se poderia

aplicar o Princípio da Coincidência. Deste modo se os tribunais alemães não se

considerassem competentes aplicava-se o art. 86º/2 conjugado com o art. 65º/1 al. d).

Admita-se agora que a sociedade tinha em Portugal uma agência e era demandada

em Portugal.

Fazendo o mesmo caminho anterior, a solução obtém-se pelo DIP de fonte

portuguesa, ou seja através do CC.

Era necessário proceder à qualificação de acordo com o direito interno português.

Admitindo que de acordo com o direito português o contrato era anulável, de acordo

com o direito marroquino e alemão o contrato era valido.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page89

No caso estamos a analisar a capacidade da pessoa singular e não a da pessoa

colectiva, sendo que se fosse este segundo o caso aplicava-se o art. 33º. Deste modo

as normas relevantes são o art. 25º, o art. 31º, nomeadamente o art. 47º.

Nos termos do art. 47º existem duas previsões e duas estatuições

Previsão1: se em matéria de capacidade para (…) a lei da situação dos

imóveis se considerar competente

Estatuição1: a lei aplicável é a da situação dos bens

Previsão 2: se em matéria de capacidade para (…) a lei da situação (…) não

se considerar competente

Estatuição2: a lei aplicável é a lei pessoal

No plano estrito do art. 47º era necessário saber a lei alemã se considera competente

ou não, sendo necessário recorrer as regras de conflitos alemã. Tal levanta a questão

interessante de por força do mecanismo da depesage a lei aplicável ser a lei alemã e

não se constituindo o direito real por mero efeito do contrato não se aplicaria o art. 47º

porque se trata da capacidade para celebrar o contrato de compra e venda do qual

nasce apenas a obrigação de transmitir o direito real. Se assim for, se o imóvel estiver

situado na Alemanha, não se aplicada o art. 47º. Se o imóvel estiver situado noutro

pais a situação seria outra aplicando-se o art. 25º e não o art. 47º. Deste modo

aplicava-se a lei da nacionalidade sem desvios, ou seja a lei portuguesa. Se assim é

necessário saber se existe qualquer outro desvio.

Sendo aplicável a lei portuguesa o contrato era anulável.

Mas é necessário ver se se aplica o desvio constante do Regulamento de Roma I no

art. 13º: depende das circunstancias concretas (o caso não nos fornece elementos

quando a este aspecto).

Podia-se aplicar o art. 28º CC? Podia-se se aplicar o seu nº2, a não ser que se

entendesse que não existia uma verdadeira disposição de imóveis.

Podia-se aplicar o art. 31º/2 tendo em consideração agora que António residia em

Marrocos? Era necessário saber o que dizia a lei marroquina quanto às regras da

competência. Entendendo que esta mandava atender à lei do local da celebração.

Deste modo nos termos do art. 31º/2 seria aplicável a lei portuguesa.

Esta sentença pode ser reconhecida em Marrocos e na Alemanha?

Depende das regras de competência de reconhecimento de estrangeiras

reconhecido no direito marroquino e alemão.

Imagine-se agora que António casado com Fátima, marroquina, quer propor uma

acção de divórcio em Portugal. Pode faze-lo?

Não se pode aplicar o Regulamento de Bruxelas I porque tal consubstancia uma

excepção ao seu âmbito material.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page90

Deve-se atender ao Regulamento 2201/2003. Este regulamento visou afastar

obstáculos de natureza pessoal à livre circulação de pessoas no espaço europeu, ou

seja quis se afastar o risco de atravessando-se as fronteiras tais alterassem sem mais o

estado civil, etc.

TRIBUNAL COMPETENTE

Sendo ele Português, ela marroquina e residem habitualmente em Marrocos. Tendo

em consideração que o regulamento não vincula Marrocos a questão assenta em

saber se os tribunais portugueses são competentes internacionalmente.

Atendendo ao art. 3º uma vez que a situação não se enquadra em nenhuma dessas

hipóteses não se aplica o regulamento.

Não sendo isto excluído pelo art. 6º recorre-se nos termos do art. 7º e sendo a

competência regulada pela lei desse EM recorrem-se às regras de processo civil.

Atendendo ao art. 65º al. b) e ao art. 75º os tribunais portugueses não seriam

competentes; só seriam competentes se se aplicasse a al. d) do art. 65º se os tribunais

marroquinos não se considerassem competentes o que seria difícil uma vez que

Marrocos é o local onde eles residem e a nacionalidade da esposa.

Suponha-se agora que a sentença proferida pelos tribunais marroquinos que profere o

divórcio é reconhecida em Portugal?

Não se pode aplicar o Regulamento de Bruxelas II bis porque o âmbito espacial destes

reconhecimentos em sede de decisões estrangeiros é necessário quer o estado de

origem da sentença quer o estado em que se visa o reconhecimento serem EM, o que

não é o caso (Marrocos). Deste modo seria necessário atender ao art. 1094º e ss CPC:

nos termos do nº1 deste artigo existe um controlo prévio que incide sobre que tipo de

factores? Nos termos do art. 1096º será meramente formal.

6 de Maio – Aula 19 (Prof. Luís Barreto Xavier)

HIPÓTESE PRÁTICA

Suponha-se que foi decidido num tribunal brasileiro decretar o divórcio entre dois

portugueses, residentes habitualmente no Rio de Janeiro. Esta sentença pode ser

reconhecida em Portugal? Se sim, em que termos.

Não se poderia aplicar o Regulamento de Bruxelas II bis uma vez que a situação não

se encontra no seu âmbito de aplicação: o Brasil não é um estado membro. Deste

modo é necessário atender ao art. 1094º e ss CPC.

Nos termos do art. 1094º é necessário que a sentença, para ser reconhecida em

Portugal, seja confirmada, estando os requisitos desta constantes no art. 1096º.

E se esta sentença de divórcio foi proferida contra um dos cônjuges com base no

direito material brasileiro, isto é, um tribunal brasileiro aplicou quanto a essa matéria a

lei brasileira, sendo que se tivesse aplicado a lei portuguesa o conteúdo da decisão

teria sido bem diferente e não seria desfavorável à parte vencida nessa acção,

nomeadamente em matéria de partilha dos bens comuns do casal.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page91

Tal em principio não seria relevante uma vez que não há revisão do mérito da decisão,

ou seja, não se analisa o conteúdo da decisão, se a lei foi bem ou mal aplicada ou se

a lei aplicada foi a indicada pela norma de conflitos. Em suma, não se analisa se a

decisão substancialmente foi ou não correcta na perspectiva do direito do foro. Este

princípio é aceite hoje em Portugal.

No caso nada parece indicar que possamos estar face à excepção constante no art.

1096º al. f), mas é necessário atender ao art. 1100º/2 que consubstancia um caso de

revisão de mérito – pressupostos:

Sentença proferida contra português

Direito português aplicável (art. 53º CC)

Deste modo, uma vez que se aplica o art. 1100º/2 esta sentença não poderia ser

reconhecida em Portugal. O art. 1100º visa tutelar o cidadão português, na medida

em que a sentença é proferida contra um português. O que está em causa é uma

tutela do cidadão português nos estritos casos em que um cidadão português seria

prejudicado pela não aplicação da lei portuguesa, quando essa seria a lei aplicável

pelo direito de conflitos. É uma tutela do cidadão português e não uma tutela do

direito português quando aplicável.

Admita-se que a sentença em causa não era uma sentença de divórcio, mas era uma

sentença que reconhecia a validade de uma convenção antenupcial celebrada no

Brasil. Admitindo que esta convenção era nula perante a lei portuguesa, a parte contra

quem a decisão foi proferida pode opor-se nos termos do art. 1100º/2 CPC?

Atendendo ao art. 53º/1 ‘’lei nacional dos nubentes ao tempo da celebração do

casamento’’ a lei aplicável seria a portuguesa (se a questão fosse colocada diante de

um tribunal português) e a convenção seria nula.

Contudo é necessário atender ao art. 31º/2: no caso a lei brasileira considerava-se

competente (os tribunais aplicaram a lei brasileira e eles residiam habitualmente no

Brasil). Então e o art. 1110º/2 pode ou não ser aplicado? Não, falta a aplicabilidade do

direito português ao caso de acordo com o nosso direito conflitos apesar do art. 53º

CC mandar em principio aplicar a lei nacional, o art. 31º/2 estabelece um desvio à

regra em matéria de estatuto pessoal, visando a situação dos direitos adquiridos

considerando esta sentença valida na medida em que é proferida pelos tribunais

brasileiros que se consideram competentes.

HIPÓTESE PRÁTICA

Suponha-se que um litigio entre uma sociedade comercial com sede em Portugal e

uma sociedade comercial com sede no Brasil é decidido através da arbitragem em

Nova Iorque. Podia sê-lo? Se sim, em que termos é que esta decisão arbitral pode vir a

ser reconhecida em Portugal.

Convenção de Nova Iorque de 1958 – reconhecimento de sentenças arbitrais

Se a arbitragem tivesse ocorrido, por exemplo, em Luanda, aplicava-se a Nova Lei da

Arbitragem.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page92

A relevância da arbitragem assenta em ser um mecanismo alternativo à via judicial,

podendo ser adoptado quando exista uma convenção de arbitragem e desde que

seja uma matéria susceptível de ser objecto de arbitragem (existem várias matérias

que pela sua natureza pessoal não são susceptíveis de ser resolvidas pela via arbitral,

nomeadamente o casamento e a adopção).

Nas relações comerciais internacionais, do ponto de vista estatístico, é o regime regra

da resolução de litígios internacionais. Sobretudo nas transacções de determinada

dimensão, o recurso aos tribunais judiciais é excepcional. Tal deve-se ao facto de

existir uma potencial maior celeridade na arbitragem e de os árbitros possuírem uma

maior especialização sobre aquela matéria ao contrário do que sucede nos tribunais

judiciais em que o nível de especialização não é tão superior. Justifica-se ainda o

recurso à arbitragem pelo seu caracter não publico das decisões (exemplo: discute-se

a formula da coca cola – é preferível resolver esse assunto num tribunal arbitral em que

existe confidencialidade do que num tribunal judicial em que tal não existe).

PLANO DO DIREITO APLICÁVEL

A opção pela arbitragem tem consequências no plano do direito aplicável ou não? O

direito de conflitos aplicado quando as pessoas recorrem a um tribunal judicial é

diferente de quando se recorre à arbitragem. Existem dois níveis de abordagem:

i. Existem regulamentações nacionais da arbitragem

ii. Existe a realidade mais ou menos desregulada da arbitragem

O que sucede se três árbitros decidem sobre um litigio entre uma sociedade comercial

com sede num determinado pais e outra sociedade com sede noutro pais, sem os

árbitros se encontrarem pessoal (cada um localizado no seu pais de origem sendo que

nenhum coincide com o pais em que se encontra a sede da sociedade). Qual o valor

da decisão arbitral? A decisão arbitral torna-se vinculativa para as partes? Quer

através de arbitragens ad hoc quer através de arbitragem institucionais tais instituições

funcionam independente do que qualquer pais diga sobre o que elas devem fazer?

Em Portugal existe a (nova) lei de arbitragem voluntária, mas o que sucede se as

partes a ignorarem e se desenvolver uma arbitragem à margem desta lei? Na prática

o que se passa é que as partes acatam as decisões arbitrais, acabando estas por

serem eficazes, sendo os meios de as atacar por via judicial são limitados, nem tendo

os estados sentidos em criar grandes entraves à efectivação destas decisões arbitrais.

Daqui resulta que há quem entenda que ao lado das regulamentações nacionais, ao

lado dos direitos estaduais, existem uma ordem transnacional na qual tem

acolhimento a instituição arbitral que vivem à margem das regulamentações

estaduais. Nesse sentido, em que medida estes árbitros devem pautar a sua conduta

de acordo com os interesses estaduais? Devem pensar um bocadinho no país em que

a decisão arbitral irá produzir efeitos.

Embora os legisladores nacionais em vestes de todo o optimismo antropológico

pensem que conseguem regular a arbitragem, na verdade só conseguem regular

certos aspectos desta. A arbitragem é uma ordem que vive com uma certa

autonomia face às demais.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page93

Nos termos do art. 49º e ss da Nova Lei de Arbitragem consagra-se o conceito de

arbitragem internacional.

Nos termos do art. 52º decorre a diferença entre a aplicação deste regime e o regime

que resultaria do direito de conflitos. Consagram-se regras conflituais próprias que tem

a característica de serem mais flexíveis.

Existem regras diferentes em função do recurso à via judicial (recorre-se ao direito de

conflitos vigente: regulamentos e CC) e o recurso à via arbitral, justificando-se tal pelo

facto de existir uma tutela da autonomia da vontade.

RECONHECIMENTO DAS DECISÕES ARBITRAIS

Dos art. 55º e ss da NLAV resulta um sistema de controlo prévio das decisões, sendo um

controlo meramente formal

NOTA: Existem os chamados regulamentos duplos que englobam a competência

internacional, o direito aplicável e o reconhecimento de decisões.

OUTROS INSTRUMENTOS EUROPEUS

O Regulamento de Titulo Executivo Europeu, o Regulamento de Injunção de

pagamento e o Regulamento relativo a acções de pequeno montante visaram

facilitar o reconhecimento através de atribuição de força executiva a estes sem

qualquer necessidade de controlo prévio.

HIPÓTESE PRÁTICA

Suponha-se que são procurados por um cliente vosso que se prepara para celebrar

uma grande transacção com uma empresa russa relativamente a um investimento a

ter lugar em Moçambique. Quais são os cuidados a aconselhar ao cliente?

Sendo as partes a escolher a lei A ou B, ou seja escolher qual a lei aplicável o

elemento de conexão é a vontade.

Além de verificar se existia alguma espécie de arbitragem era necessário saber se se

vai celebrar ou não um pacto de jurisdição e em causo afirmativo analisar qual seriam

os tribunais competentes e qual a lei aplicável.

Pensando em probabilidades, há sistemas judiciais que se encontram melhor

preparados para certo tipo de opções e para certos tipos de litígios.

HIPÓTESE PRÁTICA

Suponha-se que um cliente nosso manda um email a dizer ‘’estou a beira da

bancarrota, preciso de por o meu património a salvo!! O que é que eu faço?’’. O

cliente é ucraniano. O cliente quer deslocar tudo para Marrocos. Quidiuris?

Aqui seria necessário analisar o Regulamento sobre a insolvência

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page94

Poder-se-ia aconselhar a deslocação da sede para Marrocos e para este mesmo país

a transferência de todo o seu património? Das duas uma: ou vai a tempo ou não vai a

tempo. Obviamente existem actos que poderão ser atacados através de certos meios

de que o credor dispõe para proteger a sua pretensão (declaração de nulidade,

impugnação pauliana, arresto, etc.), mas pode haver prova em contrário no sentido

de que a sede estatutária não corresponde à sede efectiva.

9 de Maio – Aula 20 (Prof. Fernando Ferreira Pinto)

MATÉRIA DO ESTATUTO PESSOAL

Quando em DIP se utiliza o termo estatuto tal consubstancia uma manifestação

periférica do método estatutário que era o método da Idade Média (‘’os romanos

estavam nas tintas para o DIP, pois aplicavam o direito romano aos romanos e aos

estrangeiros’’). Quando se atende ao estatuto pessoal está-se a falar na lei pessoal do

individuo. Nos termos do art. 25º consagram-se as matérias do estatuto pessoal. Qual a

lei pessoal do individuo? Não é o artigo 25º que o diz, mas sim o art. 31º/1 que

consagra que a lei pessoal é a lei da nacionalidade do individuo. Contudo, nos termos

do art. 31º/2 permite-se que sejam reconhecidos em Portugal os negócios jurídicos

celebrados no país da residência habitual – a lei da residência habitual apresenta-se

quase como uma competência alternativa, mas apenas quase uma vez que ela não

é paralela à lei da nacionalidade. O art. 31º/2 é uma disposição que diz francamente

menos do que aquilo que esta no seu espirito devendo ser interpretado

extensivamente: o que é importante é que esse individuo se tenha colocado sobre a

sombra da lei da sua residência habitual para celebração do negócio, Bastando que

a lei à luz da qual foi celebrado o negócio seja considerada competente pela lei da

residência habitual do individuo. Se no entanto o individuo tiver pautado a sua

conduta à luz da lei da residência habitual tal será reconhecido em Portugal, desde

que seja matéria de estatuto pessoal obviamente. O art. 28º é bastante importante na

medida que estabelece alguns desvios à capacidade do individuo: para protecção

do comércio jurídico local, do comercio jurídico que se faz no pais em que o negocio

é celebrado, admite que um individuo que não é capaz face à luz da sua lei nacional,

mas se é capaz à luz do pais onde celebra o negocio, também será capaz em

Portugal. O art. 28º/1 consagra uma regra de conflitos unilateral consagrando-se a

aplicação imediata. No nº3 existe uma bilateralização dessa regra: se o negócio for

celebrado em pais estrangeiro deve ser observada essa regra.

No que respeite às pessoas colectivas elas também têm uma lei pessoal que rege os

aspectos essenciais da sua vida, ficcionando-se até que tenham uma lei pessoal. A

pessoa colectiva tem como lei pessoal a lei do estado em que ela tem a sede

efectiva da sua administração (no caso das sociedades comerciais é necessário

atender ao art. 3º/1 I parte que consagra uma regra paralela à do art. 31º/2).

Cabe no conceito quadro do art. 52º todas as normas da lei portuguesa ou

estrangeira que se refiram às leis pessoais do cônjuge desde que não se referiam ao

regime dos bens que é matéria do art. 53º.

Até 1977 onde agora o art. 52º fala em ‘’lei do país com o qual a vida familiar se ache

mais estreitamente conexa’’ falava-se em lei da nacionalidade do marido. Mas tal

acabou devido ao Princípio da Igual Dignidade entre os Cônjuges.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page95

Níveis de Constitucionalidade quanto às Regras de Conflitos

As regras de conflitos estão sujeitas a juízos de constitucionalidade? A regra de

conflitos estabelece uma solução que ofende o Princípio da Igual Dignidade

entre os Cônjuges

A lei que a nossa regra de conflitos manda aplicar é uma lei estrangeira. Pode-

se fazer a fiscalização da constitucionalidade da lei estrangeira à luz da nossa

constituição? Não faz sentido.

Pode um juiz português fazer a constitucionalidade de uma lei alemã em face

da constituição alemã? Só nos mesmos termos em que o poderá fazer um juiz

alemã, e desde que lá vigore um sistema de constitucionalidade difusa.

Nos termos do Regulamento de Roma III (regulamento 1259/2010) que trata da

situação do divórcio considera como lei aplicável a lei que os cônjuges escolherem

nos termos do art. 5º/1. Se as partes não escolherem a lei competente atende-se ao

art. 8º.

REGULAMENTO DE ROMA I

O Regulamento de Roma I veio substituir a Convenção de Roma.

O Regulamento de Roma I substitui a nossa regra de conflitos interna consagrada no

art. 41º. Contudo, as nossas normas de conflitos podem ainda ser aplicadas a relações

contratuais constituídas antes da entrada em vigor do Regulamento de Roma I e em

casos de obrigações contratuais unilaterais.

Nos termos do art. 1º consagra-se o âmbito de aplicação material do regulamento de

Roma I, sendo que quando se fala em ‘’conflito de leis’’ poder-se-ia pensar que só se

aplica a situações plurilocalizadas mas não é bem assim, sendo necessário conjugar o

art. 1ª/1 com o art. 3º.

O regulamento de Roma I consagra regras gerais e especiais, a fim de tutelar as partes

mais débeis. A regra geral é o da autonomia da vontade, ou seja os interessados

escolhem a lei que querem que seja aplicada aos seus contratos.

As partes só podem escolher a lei de um estado ou podem por exemplo escolher a

lexmercatorie se é que isto existe? Entende-se por lexmercatorie as regras seguidas no

comércio internacional. À partida o regulamento não parece prescindir que seja

indicado uma lei pertencente a uma ordem internacional concreta. Depois há uma

série de matérias que apesar de serem contratuais são excluídas. Note-se que quando

o art. 1º al. g) fala em agente trata-se de toda a pessoa que prossegue interesses

alheios.

Antigamente, atendendo ao art. 41º CC a escolha pelas partes encontrava-se sujeito

a certos limites. Tal implicava um controlo da própria designação.

É necessário proceder a uma análise de cada um dos números do art. 3º.

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O regulamento permite a depesage do contrato, ou seja decompõe-se o contrato e

aplica-se a diferentes partes destes diferentes leis: permite-se a decomposição do

contrato mas têm que ser aplicados regimes coerentes

Quando as partes não escolhem a lei aplicável é necessário atender ao art. 4º. Note-

se que o nº3 do art. 4º consubstancia uma cláusula de desvio ou de excepção, sendo

de perguntar o que o legislador entendeu por conexão mais estreita? Tendo em

consideração o conjunto de circunstancias do caso qual a lei com a qual ele possui a

conexão mais especifica.

Em suma: a regra é a escolha das partes, mas se elas não tiverem escolhido ou tiverem

escolhido varias leis que não se harmonizam entre si atende-se aos vários números do

art. 4º, começando sempre pelo nº1.

REGULAMENTO DE ROMA II – ANÁLISE

13 de Maio – Aula 21 (Prof. Fernando Ferreira Pinto)

HIPÓTESE PRÁTICA

António, cidadão venezuelano, e Maria, cidadã portuguesa, conheceram-se em

Caracas e contraíram casamento em Janeiro de 2006, tendo fixado a residência

conjugal na cidade do México. Em Dezembro de 2006, o casal transferiu a sua

residência para Londres, onde nasceram os seus dois filhos e onde se mantiveram até

que em Janeiro do corrente ano António abandona o lar conjugal voltando à

Venezuela. Maria, que entretanto regressa também a Portugal, acompanhada dos dois

filhos do casal, propõe em tribunal português a acção de divórcio contra António com

fundamento no aludido abandono. Admitindo que:

a) A lei inglesa considera aplicável ao divórcio a lei da primeira residência

conjugal e os tribunais ingleses praticam a teoria da devolução dupla;

b) A lei mexicana reputa competente na mesma matéria a lei do local da

celebração do casamento aceitando a teoria da devolução simples;

c) A lei venezuelana faz referência material à lei da primeira residência conjugal;

d) A lei mexicana não admite o divórcio com fundamento no simples abandono

do lar conjugal, ao passo que a lei portuguesa, venezuelana e inglesa o

admitem.

Responda às questões seguintes:

1. Em face do direito vigente no nosso país, os tribunais portugueses seriam

competentes para apreciar a acção de divórcio em causa?

No presente caso estamos face a um problema de DIP, na medida em que estamos

face a uma situação plurilocalizada.

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Em primeiro lugar é necessário atender ao Regulamento de Bruxelas II (bis): atendendo

ao âmbito material (art. 1º), ao âmbito temporal (art. 64º) e ao âmbito espacial

parece não existir qualquer problema. Contudo é necessário atender ao art. 3º al. a)

ultima situação: sendo Maria de nacionalidade portuguesa os tribunais portugueses

seriam competentes à luz deste regulamento apenas se ela já residisse em Portugal há

mais de 6 meses. Contudo, tal não é o caso. É ainda necessário atender ao art. 7º.

Não sendo aplicável o Regulamento de Bruxelas II (bis) é necessário recorrer ao

Código de Processo Civil. Conjugando o art. 65º al. b) com o art. 75º, pelo que

residindo Maria em Portugal os tribunais portugueses seriam competentes.

2. Que lei aplicariam neste caso os tribunais ingleses, mexicanos e venezuelanos

se se reputassem competentes para o apreciar?

Analisemos de seguida qual a lei que seria aplicável pelos tribunais em causa:

Tribunais Ingleses: lei mexicana

Tribunais Mexicanos: lei mexicana

Tribunais venezuelanos: lei mexicana

Lei Portuguesa - - -> Lei Inglesa ---> Lei Mexicana Lei Venezuelana -> Lei Mexicana

Neste regulamento não existe reenvio nos termos do art. 11º. Porque é que não há

reenvio no âmbito deste regulamento? De acordo com este regulamento a lei que se

aplica ao divórcio é aquela que as partes tiverem escolhido no âmbito do art. 5º,

sendo que se nada escolher atende-se ao art. 8º. Neste artigo a intenção do legislador

assenta em que nele existe uma conexão subsidiária de DIP, que conjugada com o

art. 5º leva a uma conexão múltipla alternativa para favorecimento. Há partida quase

que se aceita tudo. Se não existisse este regulamento aplicava-se o art. 55º CC e na

falta deste o art. 52º CC sendo que aplicando esta última norma seria aplicável a lei

inglesa.

Se não existisse regulamento – aplicação do art. 17º/1 e seria aplicável a lei mexicana,

mas neste pais não se admite divorcio. E agora? A harmonia jurídica gira em torno de

aceitar o divórcio – art. 22º

3. Que lei deverá aplicar o tribunal português por hipótese competente?

Neste caso é necessário atender ao Regulamento 1259/2010 e ao seu artigo 8º: não se

enquadrando a situação em nenhuma alínea anterior, aplicar-se-ia al. d) pelo que os

tribunais portugueses iriam aplicar a lei portuguesa (a acção foi intentada em

Portugal).

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HIPÓTESE PRÁTICA

Em Agosto de 1990, António, nacional da Guatemala, com residência habitual em

Portugal, e Beatriz, portuguesa, também residente em Portugal, casaram-se em Las

Vegas, para ocasião de uma viagem de férias aos EUA. O casamento foi celebrado

perante um reverendo protestante que se prontificou a oficiar o casamento não

obstante nenhum dos nubentes ter apresentado o certificado de capacidade

matrimonial. Após o casamento e sem que o tenham feito transcrever no registo civil

português, o casal estabelece residência na Argentina adquirindo um apartamento

em Buenos Aires. Passados dois anos, ai vem a nascer o primeiro filho de ambos,

Carlos, e decidem regressar a Portugal estabelecendo residência em Cascais. Em

Outubro de 2008, o casal separa-se e António vai viver para a Guatemala. Neste país,

António vende a Carlos o apartamento que possuía na Argentina. Beatriz, ao tomar

conhecimento da venda, intenta nos tribunais portugueses uma acção de anulação

desse contrato de compra e venda, tanto em seu nome pessoal como em nome do

outro filho do casal, Daniel, ainda menor. A acção é proposta contra António e Carlos

e para fundamentar a sua pretensão Beatriz alega que

1. é casada com António, tendo já feito transcrever o seu casamento em

Portugal;

2. de acordo com o art. 1682º-A do CC português, a alienação carecia do

consentimento de ambos os cônjuges;

3. também de acordo com o art. 877º do referido código Daniel deveria ter dado

o seu consentimento à venda o que não aconteceu.

António e Carlos defendessem alegando que:

1. os tribunais portugueses são incompetentes para conhecer da acção de

anulação, pois António está domiciliado na Guatemala, Carlos é cidadão

argentino e o apartamento em causa situa-se na Argentina;

2. mesmo que Beatriz já tenha feito transcrever o seu casamento, certo é que o

apartamento alienado foi adquirido antes de tal transcrição, estando inscrito no

Registo Predial Argentino em nome de António;

3. além disso, o casamento entre António e Beatriz já se encontra dissolvido por

sentença proferida por um tribunal na Guatemala, em Janeiro do presente ano,

no termo de uma acção que foi intentada por António em Janeiro de 2011 e na

qual Beatriz, embora devidamente citada, optou por não se defender;

4. António e Carlos submeteram o contrato que celebraram à lei argentina, pelo

que o art. 877º CC não é em caso algum aplicável.

Aos fundamentos de defesa apresentados Beatriz contrapõe que:

1. para efeitos de competência internacional dos tribunais portuguesas é

suficiente a circunstância de Carlos se encontrar domiciliado em Portugal;

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2. a transcrição do casamento tem efeitos retroactivos à data da celebração

deste;

3. a sentença do divórcio proferida na Guatemala não está reconhecida em

Portugal nem poderá nunca vir a sê-lo, dado que ela, Beatriz, intentou a acção

de divórcio contra António em Junho de 2009, acção que ainda se encontra

pendente junto dos tribunais portugueses.

Pondere os argumentos apresentados pelas partes e responda às seguintes questões:

a) Qual a fonte das regras de conflitos de jurisdição porque o tribunal português

deverá aferir se tem competência internacional para conhecer da acção

intentada por Beatriz.

Aplicação do Bruxelas I: a matéria que está em causa é um contrato de compra e

venda, mais concretamente a sua anulação.

b) De acordo com o conjunto de regras que considerou aplicável, os nossos

tribunais têm ou não competência para resolver o caso?

No caso concreto, António não se encontra domiciliado num Estado Membro

(Guatemala), ao passou que Carlos encontra-se (Portugal). Aplicação do art. 6º/1 que

consubstancia um caso de conexão? O problema é que António não tem domicílio

num Estado Membro. Mas não é necessário que ambos se encontrarem domiciliados

em Estado Membro: basta que um se encontre domiciliado num Estado Membro e as

acções se encontrem conexas. De qualquer forma, neste caso, a acção tinha de ser

proposta contra os dois, ou seja contra o comprador e contra o devedor sob pena de

não se fazer caso julgado.

Os tribunais portugueses tinham competência neste caso? Há uma parte da doutrina,

com a qual o PROF. FERNANDO FERREIRA PINTO concorda, que defende que tratando-

se de uma acção de nulidade ou de anulação não se pode aplicar o art. 5º porque

tal respeita ao cumprimento de uma obrigação; há quem entenda que as acções de

invalidade aplica-se o art. 5º porque nesse caso atende-se ao lugar em que devia ser

cumprida a obrigação.

Não se podendo aplicar o art. 5º poderia ser aplicável o art. 22º? Não, não se trata de

matéria de direitos reais.

c) Tendo em atenção as categorias de normas materiais que assumem relevância

para o DIP como se caracteriza o art. 1682º-A do CC?

No presente caso não estamos face à casa de morada de família, uma vez que eles

habitavam em Cascais e já não em Buenos Aires, pelo que não estamos face a uma

questão do art. 1682º-A/2 (norma de aplicação imediata ou necessária para os casos

em que a casa de morada de família se encontra situada em Portugal).

Nos termos do art. 1682º-A/1 quanto muito colocava-se em causa um problema de

qualificação, ou seja se cabe no art. 52º ou 53º.

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d) A citada disposição do nosso CC é aplicável à hipótese em questão?

O art. 1682º-A/2 não é aplicável, porque a casa de morada de família situava-se em

Cascais e já não em Buenos Aires. Quanto ao nº1 este subsume-se ao art. 53º. Estamos

face a um problema de qualificação. O art. 1682º-A/1 faz depender o consentimento

do regime de bens. Subsumindo-se ao art. 53º o elemento de conexão aponta para a

lei portuguesa.

e) Que problema metodológico fundamental suscita a controvérsia entre as

partes a respeito da aplicabilidade do art. 877º do CC.

Trata-se de qualificar a norma: contratos, família ou sucessões? Nos termos do art. 15º

CC a qualificação faz-se de acordo com o sistema de conflitos do foro. O material a

qualificar pode-se ir buscar a uma lei estrangeira, mas depois a qualificação faz de

acordo com o nosso sistema de regras de conflitos.

f) O mencionar do art. 877º do CC pode ser efectivamente aplicado ao caso

descrito?

De acordo com o sistema de regras de conflitos portuguesa o art. 877º seria aplicável

ao caso? O direito português não foi o direito escolhido pelas partes portanto exclui-se

a parte contratual. Deste modo, o art. 877º enquanto norma que atende às relações

entre pais e filhos, aplicando a lei pessoal do filho, seria aplicável a lei argentina nos

termos do art. 57º; enquanto norma que atende ao cariz sucessório nos termos do art.

62º seria aplicável a lei pessoal do autor que neste caso seria a de Guatemala pelo

que o art. 877º não seria aplicável.

g) A circunstância de a sentença de divórcio proferida pelos tribunais

guatemaltecos não se encontrar revista e confirmada em tribunal impede que

a mesma produza quaisquer efeitos no nosso país? Em caso de resposta

negativo indique que efeitos podiam ter relevância para a resolução da

hipótese.

Uma sentença estrangeira proferida por um tribunal guatemalteco produz algum

efeito em Portugal, ou seja está sujeito a algum processo de revisão em Portugal?

Ao reconhecimento daquela situação nunca seria aplicável o Regulamento de

Bruxelas I nem II (bis). Não existe qualquer convenção celebrada entre Portugal e

Guatemala, pelo que é necessário atender ao art. 1094º e ss CPC. Uma sentença

estrangeira, mesmo que não esteja revista e confirmada em Portugal, pode produzir

efeitos, mas não são os seus efeitos directos, são por exemplo efeitos probatórios e

efeitos sucessórios – problema da questão prévia.

h) Caso António venha a requerer o reconhecimento em Portugal da aludida

sentença de divórcio, que normas serão aplicáveis à apreciação do pedido de

reconhecimento?

Neste caso seria necessário aplicar o art. 1094º e ss do Código de Processo Civil,

nomeadamente os requisitos do art. 1096º do mesmo código.

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i) Tem Beatriz razão quando alega que essa sentença não poderá nunca ser

reconhecida no nosso país?

Nos termos do art. 1096º consagram-se os requisitos essenciais para a confirmação.

Nos termos do art. 1100º consagram-se os fundamentos de impugnação. Nem todos os

requisitos do art. 1096º são de conhecimento oficioso, mas a Beatriz pode-se a opor a

qualquer uma e ainda poderá impugnar com fundamento nos termos do art. 771º al.

a) c) e f).

Análise do art. 1096º CPC:

a) Se existirem dúvidas pede-se a legalização do documento – art. 540º CPC;

b) É preciso que se trate de uma decisão definitiva, sem possibilidade de recurso;

c) Consagração do princípio da unilateralidade da competência internacional

indirecta;

d) Primeira questão: a litispendência estrangeira entre nós é relevante? Qual é a

ratio desta norma? Esta norma consagra um critério de prevenção da

jurisdição: a acção foi interposta primeiro num tribunal estrangeiro. A

litispendência estrangeira é irrelevante nos termos do art. 447º/3.

No caso estamos face a uma questão que se insere no art. 1096º al. d), ou seja quem

preveniu a jurisdição foi Portugal, pelo que Beatriz tinha razão. É necessário ainda

atender ao art. 1096º/2.

20 de Maio – Aula 22 (Prof. Luís Barreto Xavier)

HIPÓTESE PRÁTICA

Erica e Ulfe, nacionais da Suécia, casados, resolvem fixar residência em Portugal. No

ano seguinte, Erica falece em Lisboa deixando testamento a favor de Lisa, italiana,

filha de anterior casamento com Francesco. Responda autonomamente a cada uma

das seguintes questões:

a) Admita que o direito sueco não atribua ao cônjuge sobrevivo a qualidade de

herdeiro forçoso;

b) O direito sueco rege a sucessão por morte pela lei da última residência

habitual do autor da sucessão acolhendo a teoria da referência material.

Diga se Ulfe pode invocar a lei portuguesa para reclamar a tutela sucessória que lhe é

negada pela lei sueca?

Trata-se de uma situação plurilocalizada, absolutamente internacional, que convoca,

por isso, questões de DIP, sendo o problema colocado quanto à lei aplicada. Porque

regras de conflitos iremos resolver este problema? Será necessário proceder à

qualificação para com isso escolher a regra de conflitos competentes a fim de dirimir

o conflito de leis potencialmente aplicáveis:

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Lei sueca – resolve este problema não reconhecendo o titulo de herdeiro

forçoso/legitimário ao cônjuge sobrevivo, isto é, a Ulfe.

Lei portuguesa – testamento não pode afectar a quota legitimária do cônjuge

sobrevivo.

Em primeiro lugar é necessário se existe algum instrumento de DIP que resolva a

questão. No caso existe um regulamento da União Europeia em matéria sucessória,

mas que ainda não entrou em vigor pelo que se recorre ao CC, nomeadamente ao

art. 62º: será aplicável a lei pessoal do autor da sucessão ao momento da abertura da

sucessão, neste caso a lei sueca. Aplica-se sem mais o direito material sueco? Uma vez

apurada a lei aplicável através do art. 62º o passo seguinte passa por olhar para a

regra de conflitos da lei estrangeira ou para o reenvio? Em primeiro lugar analisa-se a

regra de conflitos: se esta mandar aplicar o direito sueco não seria necessário analisar

o sistema de conflitos. Primeiro analisa-se então a regra de conflitos sueca a fim de

saber se esta se considera competente: a lei sueca manda atender à última

residência do autor da sucessão, sendo que este vivia em Portugal à data da sua

morte, a lei sueca manda aplicar a lei portuguesa.

De seguida iremos ver se se aceita o reenvio no seu modo de retorno. Deste modo é

necessário ver qual o sentido reenvio da lei sueca: esta faz referencia material ou seja

remete/devolve para o direito interno português.

No caso aplica-se o art. 18º/1 pelo que o direito português é aplicável: tal situação

encontra-se de acordo com o DIP uma vez que assim se consegue a harmonia

internacional.

Uma vez que estamos no âmbito do estatuto pessoal (art. 25º) é necessário ainda

passar este retorno pelo crive do art. 18º/2: tal encontra-se preenchido, na medida em

que o interessado tinha residência habitual em Portugal, pelo que se aplica a lei

portuguesa.

Admita agora que a lei sueca consagra a tese da dupla devolução. A sua resposta

seria a mesma?

Dá-se por resolvido todo o problema até ao momento em que a lei sueca remete num

sistema de dupla devolução para a lei portuguesa e vamos resolver a partir daqui o

problema.

Aqui é importante antes de se dar a resposta, dar-se espaço para a solução, ou seja

começa-se pela fundamentação e não pela solução final.

Não se pode partir do pressuposto que a lei sueca remete para o nosso direito

material, não podemos dar por assente que a lei que pratica dupla devolução está a

remeter para o nosso direito material, uma vez que faz uma referência global para o

direito português.

Segundo o PROF. BAPTISTA MACHADO não obstante o que se acabou de ver, devia-se

aceitar aqui o reenvio por esta razão: qualquer que fosse a posição a adoptar pelo

julgador português por esta questão, tal posição seria reproduzida necessariamente

pelo tribunal que praticasse dupla devolução, ou seja, qualquer que fosse a solução

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(aceitar o reenvio ou não) tal seria sempre objecto de adesão pela lei que remete

para a lei portuguesa. Aplicando a lei portuguesa, os outros tribunais também

aplicariam a lei portuguesa; se aplicássemos a lei inglesa os tribunais ingleses também

aplicariam tal lei. Deste modo, mais valia aplicar a lei portuguesa porque é a lei que os

tribunais portugueses melhor conhece.

Há autores que entendem que aqui não deve haver reenvio, e depois há o PROF.

BAPTISTA MACHADO que entende que devia ser aplicado.

O problema aqui coloca-se no plano dos princípios: nós, em Portugal, temos um

princípio de boa administração que fundamenta a aplicação da lei portuguesa

relativamente a leis estrangeiras em igualdade de circunstância, ou temos em vigor

um Princípio da Paridade de Tratamento inerente às regras de conflitos.

Suponha que o património de Erica era constituído por imóveis situados em Itália. O

direito italiano prevê a legitima do cônjuge sobrevivo, ao contrário do direito sueco.

c) O direito sueco remete em matéria de sucessão imobiliária para a lei da

situação dos imoveis sendo contrário ao reenvio.

d) O direito italiano remete para a lei da nacionalidade do autor da sucessão

acolhendo a sucessão simples

Diga se Ulfe tem direitos hereditários.

Trata-se de uma situação absolutamente internacional, com conexão com três ordens

jurídicas. Atende-se quanto à qualificação ao art. 62º e à remissão para a lei da

nacionalidade, sendo que a lei portuguesa remete para a lei sueca.

Lei Portuguesa -,-,-> Lei Sueca -->(devolução simples) Lei Italiana Lei Sueca

No caso estamos face a uma questão de transmissão, de reenvio de 2º grau, pelo que

se aplica o art. 17º. É necessário analisar se os pressupostos do art. 17º/1 se encontram

verificados:

Lei para a qual a nossa regra de conflitos remete para outra legislação: lei

sueca (para a qual a lei portuguesa remete) remete para a lei italiana (remeter

enquanto a lei sueca mandar aplicar a lei italiana)

Lei que é mandada aplicar pela lei referida pela nossa norma de conflitos se

considere competente: lei italiana pelo facto de só aceitar o primeiro reenvio

considera-se competente de forma indirecta (tal encontra-se de acordo com

a ratio leges, isto é, com a harmonia jurídica).

Contudo, o problema não se resolve apenas com a verificação dos pressupostos do

art. 17º/1. É necessário analisar a (in)existência de obstáculos no art. 17º/2: encontram-

se preenchidos os seus pressupostos pelo que cessa o reenvio. Deste modo, cessa o

reenvio pelo que de acordo com o art. 17º/2 aplica-se a regra geral do art. 16º e

manda-se aplicar a lei material sueca.

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Contudo, há uma excepção à excepção constante no art. 17º/3 que significa a

efectividade das decisões judiciais de acordo com o princípio da maior proximidade.

Existe uma conjugação entre o principio da maior proximidade e o principio da

harmonia internacional pelo que neste caso seria aplicável a lei italiana.

No caso é necessário ainda atender ao art. 19º: o testamento seria parcialmente

ineficaz com o reenvio; sem reenvio seria válido e eficaz (aplicava-se a lei sueca).

Dê um exemplo de norma de aplicação imediata e explique o seu campo de

aplicação no confronto com as regras gerais de conflitos.

Por exemplo o art. 2223º é uma norma de aplicação imediata face ao art. 65º que é a

regra geral de conflitos. Qual o campo de aplicação do art. 2223º? O campo de

aplicação da norma de aplicação imediata coincide ou não com aquilo que iria

decorrer das normas de conflitos? Não.

Se o art. 2223º não fosse uma norma de aplicação imediata, a sua aplicabilidade no

espaço estaria depende do art. 65º, uma vez que aquela norma material subsume-se

na regra de conflitos quanto à forma da declaração da disposição por morte, que

manda, em alternativa, aplicar várias leis (existiam 4 leis potencialmente aplicáveis,

sendo a selecção entre elas feita através do critério da validade formal do negócio).

Deste modo, se a norma do art. 2223º não fosse uma norma de aplicação imediata

seria afastada por alguma das 4 leis consagradas no art. 65º desde que uma destas

considerasse o testamento válido.

Deste modo, o campo de aplicação do art. 2223º assenta no testamento celebrado

no estrangeiro por nacional português (conexão: nacionalidade). Existe o tal elemento

de conexão ad hoc (nacionalidade) que leva a aplicar a norma de aplicação

imediata em vez da norma geral do art. 65º.

Note-se que quanto ao art. 65º/2 quando se diz ‘’ainda que o acto seja praticado no

estrangeiro’’ tal integra a previsão da norma, respeitando a normas de aplicação

imediata ou necessária: não basta que a norma relativa a forma estabeleça um

regime imperativo, é necessário que esse regime tenha um caracter de aplicação

imediata (queira aplicar-se mesmo que o acto seja praticado no estrangeiro).

Por exemplo, o Regulamento de Roma I no seu artigo 11º/5 al. a) tem uma disposição

de cariz semelhante ao art. 65º/2.

A partir da interpretação do art. 19º, a conclusão quer porque o negócio já estava

constituído, quer ate pela interpretação do Prof. Ferrer Correia (expectativas das

partes), cessa o reenvio e o testamento seria plenamente vago e eficaz. Deste modo,

Ullfe ficava sem tutela sucessória.

Mesmo que se entenda que a tutela do cônjuge sobrevivo é um vector muito

importante, ou seja, um principio a que se deve relevância central na ordem jurídica

portuguesa, nomeadamente no domínio da sucessão, ter-se-ia sempre de lidar com a

ordem publica internacional que é a solução do caso concreto, ou seja aquilo que

viola a ordem publica é a existência de consequências inadmissíveis para a unidade

do nosso ordenamento jurídico. Para se apurar tal violação da unidade essencial do

ordenamento jurídico é necessário tomar em consideração vários factores.

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Admitindo que existia violação da nossa ordem pública a consequência seria a não

aplicação da norma em análise lei sueca nos termos do art. 16º/2, mas iria ser

necessário analisar se existiam outras normas quanto a este aspecto na lei sueca. Se

tal não fosse possível, aplicar-se-ia a lei portuguesa de acordo com a parte final do

nº2? Sim, mas a titulo de lei subsidiária competente de acordo com as nossas regras de

conflitos.

Analisemos agora o confronto entre o art. 23º e o art. 348º: existe alguma (aparente)

contradição? O art. 348º só se aplica quando exista um direito subsidiariamente

competente, uma vez que este é ainda competente. Nos termos do art. 23º/2 aplica-

se o direito subsidiariamente competente e só na falta deste é que se aplica o art.

348º/3 – a aplicação do direito português é uma aplicação de última ratio.

HIPÓTESE PRÁTICA

Victor, famoso jogador de futebol, português, e Helena, espanhola, casaram em 2005

em Portugal. Dois anos depois, Victor foi ‘’emprestado’’ a um clube russo pelo Benfica.

Como o empréstimo só tinha a duração de um ano, Helena e o filho de ambos

continuaram a residir em Lisboa. Sabendo que o seu novo treinador, Vladimir, era

apreciador de tapetes persas, Victor, doou-lhe, na Rússia, o tapete que tinha na sua

sala de casa em Lisboa e prometeu enviar-lho quando regressasse a Portugal. A

doação nunca foi reduzida a escrito. Tendo tomado conhecimento da disposição feita

pelo marido a favor de Vladimir, Helena pede num tribunal português a declaração de

nulidade do contrato com fundamento no art. 947º/2. Helena acrescenta que não

consentiu na doação e encontrando-se o tapete na casa de morada de família esta

doação sempre seria anulável por força do art. 1682º/3 al. a). Sabendo que a lei russa

não contém normas semelhantes à dos artigos referidos no CC pronuncie-se sobre a

validade formal e substancial da doação feita por Victor a Vladimir.

No presente caso, estamos face a uma situação plurilocalizada, absolutamente

internacional, uma vez que a situação encontra-se conectada com mais de um

ordenamento jurídico (Portugal, Espanha e Rússia).

Quanto à qualificação, esta assenta na qualificação das normas materiais dos

ordenamentos que estão em contacto com a situação. A lei portuguesa é uma das

leis potencialmente aplicáveis pelo que vamos a analisar de seguida.

Atendendo ao art. 52º/2 não tendo os nubentes a mesma nacionalidade iria-se

atender à lei da sua residência habitual comum à data do casamento pelo que deste

modo a lei portuguesa seria competente. Atendendo ao art. 1682º/3 al. a) se o direito

português for aplicável este contrato é anulável nos termos do art. 1687º/1. A norma

do art. 1682º/3 al. a) subsume-se no art. 52º, uma vez que não depende do regime de

bens que vigora entre os cônjuges.

O art. 52º ao estabelecer a solução conflitual para os problemas de relações entre os

cônjuges é uma norma geral, sendo o art. 53º uma norma especial; por esta via o art.

53º irá aplicar-se a todos os casos de relações entre os cônjuges no qual esteja

implícito um problema de regime de bens.

No caso, o art. 1682º/3 al. a aplica-se independentemente do regime de bens

adoptado, pelo que não sendo um regime especifico, é um regime comum aos

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diversos regimes de bens, não havendo razão para a sua aplicabilidade estar

dependente do regime de bens, pelo que a regra de conflitos aplicável será do art.

52º de acordo com a qual o elemento de conexão é a lei nacional comum que como

neste caso não existia seria a lei da residência habitual comum mas como neste

momento não existia seria a lei mais conexa com a vida familiar que neste caso seria

portuguesa. Deste modo, a doação seria anulável.

Seria ainda necessário qualificar a lei russa. Mas como esta não tem nenhuma

disposição correspondente, não existe qualquer problema pelo que a doação seria

válida.

Imaginando, contudo, que o direito russo tinha uma disposição em que dispensava o

consentimento da esposa para a doação tinha de se analisar se tal estava

dependente do regime de bens, pelo que se não tivesse iria subsumir-se também do

art. 52º e também não seria aplicável porque esta norma não considera competente

o direito russo, mas sim o direito português.

Em suma, a lei portuguesa seria aplicável a questão da validade substancial nos

termos do art. 52º pelo que a doação seria anulável.

Quanto à validade formal, de acordo com o direito material português (art. 947º) esta

disposição não seria valida. Será necessário atender ao Regulamento de Roma I:

quanto ao seu âmbito espacial será universal nos termos do art. 2º. Nos estados

membros da união europeia o regulamento de Roma I será aplicável a um estado

membro que tenha conexão com outro estado, independentemente de tal ser estado

membro ou não. No caso seria aplicável o art. 11º do Regulamento Roma I.

Note-se que aplicamos o Regulamento de Roma I qualificando a doação como um

contrato bilateral, mas nem em todos os ordenamentos tal é qualificada como

bilateral. Como se resolve tal?

Pelo menos existe um negócio jurídico cuja qualificação vai depender do direito ao

qual vamos estar ligados. Seria necessário ver se para o direito russo a doação

também é um contrato.

Deste modo, aplicando o art. 11º/1 poderia ser regulado pela lei reguladora de

substância, ou seja, a circunstancia de o contrato poder ser anulável pela falta de

consentimento era o único aspecto que se levantava aqui quanto à validade

substancial. Mas existem mais aspectos substanciais. Quanto à validade substancial

atende-se ao Regulamento de Roma I ao seu art. 3º e ss. Como nada se diz quanto à

escolha da lei aplicável seria necessário recorrer ao art. 4º de acordo com o qual a lei

aplicável sendo a prestação característica a entrega da coisa pelo que o doador se

encontrava obrigado à entrega, sendo a sua residência habitual actualmente em

Rússia pelo que a lei aplicável à substancia seria a lei russa nos termos do art. 4º/2.

Quanto à lei aplicável a forma seria a lei aplicável à substância ou a lei onde o

contrato foi celebrado sendo que em ambos os casos seria competente a lei russa.