Direito Interncional - Responsabilidade Internacional

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53 R. CEJ, Brasília, n. 29, p. 53-63, abr./jun. 2005 RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO POR VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS André de Carvalho Ramos DIREITO INTERNACIONAL RESUMO Analisa os avanços da responsabilidade internacional do Estado por violações de direitos humanos, na teoria e prática. Para tanto, descreve os elementos caracterizadores de tais violações, bem como as formas de reparação e sanção possíveis. Alega que, no Brasil, o tema passou a constar da agenda nacional após o reconhecimento da jurisdição obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Assim, afirma ser urgente a conscientização de todos os agentes públicos acerca da necessidade de cumprimento dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e da adoção de medidas para prevenir novas violações e reparar os danos causados às vítimas. PALAVRAS-CHAVE Direito Internacional; Estado; responsabilidade; Corte Interamericana de Direitos Humanos; Convenção Americana de Direitos Humanos; direitos humanos; sanção; reparação.

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53R. CEJ, Brasília, n. 29, p. 53-63, abr./jun. 2005

RESPONSABILIDADEINTERNACIONAL DO

ESTADO PORVIOLAÇÃO DE

DIREITOS HUMANOSAndré de Carvalho Ramos

DIREITO INTERNACIONAL

RESUMO

Analisa os avanços da responsabilidade internacional do Estado por violações de direitos humanos, na teoria e prática. Para tanto, descreve oselementos caracterizadores de tais violações, bem como as formas de reparação e sanção possíveis.Alega que, no Brasil, o tema passou a constar da agenda nacional após o reconhecimento da jurisdição obrigatória da Corte Interamericana de DireitosHumanos. Assim, afirma ser urgente a conscientização de todos os agentes públicos acerca da necessidade de cumprimento dos compromissosinternacionais assumidos pelo Brasil e da adoção de medidas para prevenir novas violações e reparar os danos causados às vítimas.

PALAVRAS-CHAVEDireito Internacional; Estado; responsabilidade; Corte Interamericana de Direitos Humanos; Convenção Americana de Direitos Humanos; direitoshumanos; sanção; reparação.

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1 INTRODUÇÃO:RESPONSABILIDADE

INTERNACIONAL E DIREITOSHUMANOS

Cumprir ou não suas obrigaçõesinternacionais? Em tese, há so-mente essas duas opções aos

Estados, mas vários deles aprovei-tam a inexistência de tribunais inter-nacionais de jurisdição obrigatória ecriam uma terceira: não cumprir, massustentar (perante o público interno eexterno) que cumprem! Essa mágicade ilusionista é possível por ser asociedade internacional paritária edescentralizada, na qual o Estado é,ao mesmo tempo, produtor, destina-tário e aplicador da norma, ou seja,seu intérprete pode descumprir umaobrigação internacional, mas afirmarque, sob sua ótica peculiar, está cum-prindo-a fielmente. Ocorre que talilusionismo já é velho, e o truque, co-nhecido. Para combatê-lo, há um an-tídoto eficaz: a criação de mecanis-mos jurisdicionais nos quais as con-dutas dos Estados serão avaliadaspor juízes neutros e imparciais, quepoderão verificar se o Estado cum-pre a obrigação previamente acorda-da. Assim, as interpretações unilate-rais dos Estados serão apresentadasaos juízes internacionais e, se des-cabidas, não serão aceitas, e o Esta-do será condenado por violação deseus compromissos internacionais.Por isso, vários Estados, inclusive omais poderoso na atualidade, de-monstram receio de aceitar qualquerjurisdição internacional obrigatória. Oprestidigitador odeia ver seu passede mágica revelado.

No entanto, esse ilusionismonão possui mais espaço no tocante aoBrasil e à Convenção Americana deDireitos Humanos. O Brasil, em 1998,reconheceu a jurisdição obrigatória daCorte Interamericana de Direitos Hu-manos, e, assim, submete-se a suassentenças. Já não há lugar para a tra-dicional postura do Estado na maté-ria: ratificar os tratados internacionaisde direitos humanos e continuar per-mitindo violações dos direitos prote-gidos em seu território ou, ainda, pos-tergar medidas duras de reforma delegislações e de instituições para pro-mover e garantir os direitos de suapopulação. Caso o Brasil mantenhauma conduta inerte, será condenadona Corte Interamericana e terá deimplementar as sentenças, que podemconter inclusive obrigações de refor-ma de nossa Constituição.

Assim sendo, a responsabili-dade internacional do Estado ganha

importância aos olhos dos estudio-sos, na exata medida da adesão amecanismos judiciais internacionaisde sua aferição, uma vez que os paí-ses, finalmente, responderão peloscompromissos internacionais válidos,mas violados, devendo reparar osdanos causados às vítimas ou sofrersanções de coerção.

Destarte, vê-se que a respon-sabilidade internacional do Estadoconsiste, para parte da doutrina, emuma obrigação internacional de repa-ração em face de violação prévia denorma internacional1. A responsabili-dade é característica essencial de umsistema jurídico, como pretende sero sistema internacional de regras deconduta2, tendo seu fundamento deDireito Internacional no princípio daigualdade soberana entre os Estados.Com efeito, todos os Estados reivin-dicam o cumprimento dos acordos etratados que os beneficiam e, porconseqüência, não podem recusar-sea cumprir os acordos e tratados, umavez que todos eles são iguais3. Sen-do assim, um Estado não pode rei-vindicar para si uma condição jurídi-ca que não reconhece a outro4.

Por seu turno, a jurisprudênciainternacional determinou que a respon-sabilidade internacional do Estado éum princípio geral do Direito Interna-cional. Para citar algumas decisõesjudiciais, vê-se que, no caso do S.S.Wimbledon, decidiu a então existen-te Corte Permanente de Justiça Inter-nacional que o descumprimento deuma obrigação internacional gerava aobrigação de efetuar reparação, oque, para a Corte, constituía-se emum princípio de Direito Internacional5.A Corte Permanente de Justiça In-ternacional consagrou esse princípiona análise dos fatos envolvendo aFábrica de Chorzów, determinandoque o Estado deve, na máxima ex-tensão possível, eliminar todas asconseqüências de um ato ilegal e res-tabelecer a situação que existiria, comtoda probabilidade, caso o citado atonão houvesse sido realizado6.

Observadas essas definiçõesdoutrinárias e jurisprudenciais, consi-deramos, em essência, que a respon-sabilidade internacional do Estado éuma reação jurídica, qualificada comosendo instituição, princípio geral dedireito, obrigação jurídica ou mesmosituação jurídica pela doutrina e juris-prudência, pela qual o Direito Inter-nacional justamente reage às viola-ções de suas normas, exigindo a pre-servação da ordem jurídica vigentepor meio da reparação aos danoscausados7.

No caso da proteção de direi-tos humanos, não mais se discute,na atualidade, a força vinculante doDireito Internacional dos Direitos Hu-manos. Esse ramo do Direito Interna-cional consiste no conjunto de direi-tos e faculdades previsto em normasinternacionais, que assegura a digni-dade da pessoa humana e beneficia-se de garantias internacionais institu-cionalizadas8. Sua evolução nessasúltimas décadas é impressionante:desde a Carta de São Francisco de1945 e a Declaração Universal dosDireitos Humanos de 1948, dezenasde tratados e convenções consagra-ram a preocupação internacional coma proteção de direitos de todos osindivíduos, sem distinção9. Com isso,consolidou-se no Direito Internacionalcontemporâneo um catálogo de direi-tos fundamentais da pessoa; tambémforam estabelecidos mecanismos desupervisão e controle do respeito,pelo Estado, desses mesmos direi-tos protegidos10. Ao Estado incumbe,então, respeitar e garantir os direitoselencados nas normas internacionais.Por outro lado, o problema grave denosso tempo, na leitura de Bobbio,não é mais declarar ou fundamentaros direitos humanos, mas sim prote-gê-los com efetividade, ou seja,implementá-los11. Nesse diapasão,podemos observar que, na Declara-ção e Programa de Ação da Confe-rência Mundial de Direitos Humanosde Viena de 1993, foi firmado o deverdos Estados de implementar os di-reitos previstos nos tratados e con-venções internacionais12. No Progra-ma de Ação de Viena há um capítulosobre “Métodos de implementação econtrole”, no qual constam diversasrecomendações para aumentar o graude aplicação das normas internacio-nais de proteção dos direitos huma-nos.

Porém, resta aberta a ferida,que é a contínua violação das normasinternacionais. Afinal, basta uma meralembrança das diversas situações dedesrespeito aos direitos humanos nomundo, para se constatar a amplitu-de da missão de implementação prá-tica dos direitos humanos.

Esse novo foco (implemen-tação dos direitos protegidos) da pro-teção internacional dos direitos huma-nos exige acurada análise da respon-sabilidade internacional do Estado. Égraças ao instituto da responsabili-dade internacional do Estado quepodemos observar como o Direito In-ternacional combate as violações asuas normas jurídicas e busca a re-paração do dano causado. Portanto,

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a internacionalização da temática dosdireitos humanos implicou a concor-dância com a responsabilização in-ternacional dos Estados faltosos.Caberia, logo, a implementação prá-tica dos citados direitos universais epositivados por meio da respon-sabilização do Estado infrator e desua condenação à reparação do dano.

Assim, o estudo da proteçãointernacional aos direitos humanosestá intimamente relacionado ao es-tudo da responsabilidade internacio-nal do Estado, pois tal responsa-bilização é essencial para reafirmar ajuridicidade das normas internacionaisde direitos humanos. Com efeito, anegação dessa responsabilidadeacarreta a negação do caráter jurídi-co da norma internacional13. Além dis-so, a existência de regras de respon-sabilização para o Estado infrator temo efeito de evitar novas violações denormas internacionais e, com isso,assegurar o desenvolvimento das re-lações entre Estados com base napaz e na segurança coletiva.

Destarte, o estudo da respon-sabilidade internacional do Estadotambém ganha importância na medi-da em que são justamente os meca-nismos de responsabilização do Es-tado que conferem uma carga deineditismo e relevância aos diplomasnormativos internacionais de direitoshumanos14. O Direito interno brasilei-ro já reproduz, em linhas gerais, o rolinternacional dos direitos humanosprotegidos, devendo agora o estudorecair sobre as fórmulas internacionaisque obrigam o Estado a proteger taisdireitos.

2 OS ELEMENTOS DARESPONSABILIDADE

INTERNACIONAL

De acordo com a prática inter-nacional, são três os elementos daresponsabilidade internacional doEstado. O primeiro deles é a existên-cia de um fato internacionalmente ilí-cito. O segundo elemento é o resul-tado lesivo. O terceiro é o nexocausal entre o fato e o resultado le-sivo. No caso da proteção internacio-nal dos direitos humanos, o fato inter-nacionalmente ilícito consiste nodescumprimento dos deveres bási-cos de garantia e respeito aos direi-tos fundamentais inseridos nas deze-nas de convenções internacionaisratificadas pelos Estados. Já o resul-tado lesivo é toda a gama de prejuí-zos materiais e morais causados àvítima e familiares e, quanto ao ter-ceiro elemento, observamos que a

imputabilidade consiste no vínculoentre a conduta do agente e o Esta-do responsável.

Com efeito, o Estado cometeatos violadores do Direito Internacio-nal por intermédio de pessoas e ésempre necessário avaliar quais atospor elas cometidos podem vincular oEstado15. Essa operação de discrimi-nação entre os diversos fatos domundo fenomênico é consubstan-ciada no conceito jurídico de imputa-ção, que, longe de ser uma mera ope-ração causal natural, é simplesmen-te o resultado de uma análise lógicaefetuada por uma regra de direito. Aimputação é um nexo jurídico e nãonatural entre determinado fato (açãoou omissão) e um Estado. Dessa for-ma, não há atividade própria de Es-tado, fruto da natureza das coisas.Pelo contrário, a imputação de certaconduta ao Estado é, antes de tudo,uma operação jurídica. Tal imputaçãoocasiona a responsabilidade do Es-tado por violação de direitos huma-nos, não importando a natureza ou otipo de ato. Conseqüentemente, mes-mo a decisão judicial transitada emjulgado ou a norma constitucionalpodem gerar a responsabilidade in-ternacional do Brasil. Conforme votodo Juiz Cançado Trindade, cualquieracto u omisión del Estado, por partede cualquier de los Poderes –Ejecutivo, Legislativo o Judicial – oagentes del Estado, independien-temente de su jerarquía, en violaciónde un tratado de derechos humanos,genera la responsabilidad internacio-nal del Estado Parte en cuestión16.Veremos a seguir de que forma osatos dos Poderes do Estado ensejama responsabilidade do Brasil.

3 ATOS OU OMISSÕES QUEACARRETAM A

RESPONSABILIZAÇÃOINTERNACIONAL DO ESTADO

3.1 RESPONSABILIDADEINTERNACIONAL PELA CONDUTA

DO PODER EXECUTIVO, COMENFOQUE ESPECIAL SOBRE OSATOS ULTRA VIRES E A OMISSÃO

EM FACE DE ATOS PARTICULARES

São os atos do Estado-Admi-nistrador, quer comissivos ou omis-sivos, que ensejam, em geral, a res-ponsabilidade internacional por viola-ção de direitos humanos, uma vez quecabe ao Estado respeitar e garantir taisdireitos. Essas duas obrigações bási-cas ensejam a responsabilização doEstado quando seus agentes violamdireitos humanos ou se omitem,

injustificadamente, na prevenção ourepressão de violações realizadas porparticulares17. Nesse sentido, estabe-leceu a Corte Interamericana de Direi-tos Humanos ser imputável ao Estadotoda violação de direitos reconhecidospela Convenção Americana de Direi-tos Humanos realizada por ato do Po-der Público ou por pessoas ocupan-tes de cargos oficiais18. Por outro lado,há dois aspectos críticos da respon-sabilidade internacional do Estado porato do Poder Executivo que merecematenção. O primeiro refere-se à con-duta de um agente público atuandode modo ultra vires; o segundo dizrespeito à ocorrência de um ato departicular, mas que é imputado ao Es-tado pela omissão injustificada dosagentes públicos.

O ato ultra vires de determina-do órgão estatal deve ser atribuídoao Estado em razão de sua própriaconduta, ao escolher agente que ul-trapassou as competências oficiaisdo órgão. Os funcionários exercem opoder somente porque estão a servi-ço do Estado, que deve, então, res-ponder pela escolha daqueles19. OEstado responde por ato ultra virescomo conseqüência de estar o atosob autoridade aparente do funcioná-

(...) o estudo da proteçãointernacional aos direitoshumanos está intimamenterelacionado ao estudo daresponsabilidade internacionaldo Estado, pois talresponsabilização é essencialpara reafirmar a juridicidadedas normas internacionais dedireitos humanos. Com efeito,a negação dessaresponsabilidade acarreta anegação do caráter jurídico danorma internacional.

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rio ou como conseqüência de ter sidopraticado o ato (apesar de clara faltade competência do agente para as-sim atuar) em virtude dos meiosdisponibilizados ao agente pelo Es-tado20. A leitura dos casos internacio-nais de violações de direitos huma-nos demonstra ser justamente a atua-ção ultra vires, abusiva e arbitrária,que acarreta, em geral, a responsa-bilidade internacional por violação dedireitos protegidos21.

No caso de atos de particula-res, observa-se que, em determina-das hipóteses, o ato de um mero par-ticular pode acarretar a responsabili-dade internacional do Estado. O pon-to relevante é a responsabilização doEstado quando seus órgãos são omis-sos quanto à realização dos atos departiculares. Essa omissão consisteno descumprimento de um de doisdeveres: dever de prevenção ou de-ver de punição. Foi o que decidiu aCorte Interamericana de Direitos Hu-manos no caso Godinez Cruz, inverbis: Com efeito, um fato inicialmen-te não é imputável diretamente a umEstado, por exemplo, por ser obra deum particular ..., pode acarretar a res-ponsabilidade internacional do Esta-do, não por esse fato em si mesmo,mas por falta da devida diligência paraprevenir a violação (...)22. Essa devi-da diligência constitui um agir razoá-vel para prevenir ou punir situaçõesde violação de direitos humanos23. Aprevenção consiste em medidas decaráter jurídico, político e administra-tivo, que promovam o respeito aosdireitos humanos e que sancionem oseventuais violadores24. Na falta des-se agir razoável de prevenir ou puniro infrator, o Estado deve reparar osdanos causados, podendo, é claro,cobrar regressivamente do particularque cometeu o ato. Um dos casosmais famosos contra o Brasil, nas ins-tâncias internacionais, o caso JoséPereira, é, na essência, de respon-sabilização internacional por ato departicular. O Brasil reconheceu suaresponsabilidade por ter-se omitidoem prevenir o trabalho escravo e pornão ter conseguido punir os respon-sáveis por essa prática odiosa, gra-ças à falência de nosso sistema dejustiça penal e do obsoletismo denossa estrutura legal de persecuçãopenal25.

3.2 RESPONSABILIDADEINTERNACIONAL PELA CONDUTA

DO PODER LEGISLATIVO: OCONTROLE DE

CONVENCIONALIDADE DE LEIS EDA CONSTITUIÇÃO

Nada impede que uma lei apro-vada pelo Parlamento local viole osdireitos humanos. Portanto, mesmo seas leis tiverem sido adotadas de acor-do com a Constituição, e em um Es-tado democrático, isso não as eximedo confronto com os dispositivos in-ternacionais de proteção aos direitoshumanos26. A razão de ser do DireitoInternacional dos Direitos Humanos éjustamente oferecer uma garantia sub-sidiária e mínima aos indivíduos, emespecial às minorias.

Forma-se, então, o chamado“controle de convencionalidade de leisperante o Direito Internacional dosDireitos Humanos”. Há o crivo diretode leis internas em face da norma-tividade internacional dos direitoshumanos, na medida em que suaaplicação possa constituir violação deum dos direitos assegurados pelostratados de direitos humanos27. Nocaso Suárez Rosero, a Corte Inter-americana de Direitos Humanos es-tabeleceu que o art. 114 do CódigoPenal equatoriano, ao privar os acu-sados de tráfico ilegal de entorpecen-tes ilegais da garantia judicial da du-ração razoável do processo, violou oart. 2º da Convenção Americana deDireitos Humanos. De modo inovador,a Corte Interamericana de DireitosHumanos decidiu que a violação daConvenção Americana de DireitosHumanos ocorre mesmo sem a apli-cação concreta do citado art. 114. Ouseja, a Corte proferiu uma decisãoanalisando, em abstrato, a compati-bilidade de determinado dispositivolegal com a Convenção Americana deDireitos Humanos28. O Estado é, as-sim, responsável pelos atos do legis-lador, mesmo quando não toma qual-quer medida concreta de aplicaçãoda citada norma. Basta a possibili-dade de aplicação da lei. E, no casode ausência desta, a responsabilida-de do Estado também é concretiza-da, tendo em vista o seu dever deassegurar os direitos humanos. Bus-ca-se, com isso, o aumento da prote-ção ao indivíduo, já que a mera edi-ção de lei (auto-aplicável ou não) de-monstra descumprimento da obriga-ção internacional de prevenção, nãodevendo ser esperada a concre-tização do dano ao particular29.

Como conseqüência do já ex-posto, mesmo normas constitucionaispodem ser sujeitas a um controle deconvencionalidade por parte de umainstância internacional de direitos hu-manos, como ocorreu no caso OpenDoor and Dublin Well Woman, da Cor-te Européia de Direitos Humanos30, ouno caso da censura ao filme A Última

Tentação de Cristo, no qual o Chilefoi condenado pela Corte Inter-americana de Direitos Humanos a al-terar o art. 19 de sua Constituição,que violava a liberdade de expressãogarantida na Convenção Americanade Direitos Humanos31. Assim, cami-nha-se para a mesma solução dadaao ato legislativo comum. As instân-cias internacionais apreendem as leisinternas, inclusive as normas consti-tucionais, como meros fatos, analisan-do se houve ou não violação das obri-gações internacionais assumidas peloEstado32.

3.3 RESPONSABILIDADEINTERNACIONAL PELA CONDUTA

DO PODER JUDICIÁRIO, COMENFOQUE ESPECIAL SOBRE A

IMPUNIDADE DOS VIOLADORESDOS DIREITOS

Para o Direito Internacional, oato judicial é um fato a ser analisadocomo qualquer outro33. A respon-sabilização internacional por violaçãode direitos humanos pela conduta doPoder Judiciário pode ocorrer emduas hipóteses: quando a decisãojudicial é tardia ou inexistente (nocaso da ausência de remédio judicial)ou quando a decisão judicial é tida,no seu mérito, como violadora de di-reito protegido34.

Na hipótese de decisão tardia,argumenta-se que a delonga impedeuma prestação jurisdicional útil e efi-caz. A doutrina consagrou a expres-são “denegação de justiça” (ou dénide justice), que engloba tanto ainexistência do remédio judicial (re-cusa de acesso ao Judiciário) comoas deficiências deste, o que ocorre,por exemplo, quando há demora naprolação do provimento judicial devi-do ou quando inexistem tribunais35.Um exemplo interessante de dene-gação de justiça analisado por órgãosinternacionais de direitos humanos foio caso Genie Lacayo, no qual a Nica-rágua foi acusada pela ComissãoInteramericana de Direitos Humanosde delonga injustificada na prolaçãode sentenças contra os responsáveispelo desaparecimento e morte deJean Paul Genie Lacayo36. A Corteconsiderou que a morosidade judicial(e conseqüente impunidade dos au-tores do delito) violava a ConvençãoAmericana de Direitos Humanos37.

Já a segunda hipótese de vio-lação de obrigação internacional porato judicial ocorre quando a decisãojudicial, em seu mérito, é injusta e vio-la direito internacionalmente protegi-do. A hipótese abre espaço para uma

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valoração internacional do litígio dife-rente da valoração interna.

Tal responsabilização do Esta-do por ato judicial sempre foi temaexplosivo e merecedor de críticas.Alega-se que não depende do PoderExecutivo a “aceleração” de proces-sos judiciais demorados (no caso dedelonga) ou a reforma de decisõesjudiciais consideradas “injustas”, emvirtude das normas constitucionaisinstituidoras da separação dos Pode-res. Tais alegações são encontradasem diversas passagens de manifes-tações de Estados, em especial nocampo ora em estudo, da responsa-bilidade internacional por violação dedireitos humanos. Por exemplo, nocaso Villagrán Morales (o caso dosmeninos de rua), a Guatemala, Esta-do-réu, alegou, em sua defesa quan-to à violação do art. 25 da Conven-ção Americana de Direitos Humanos(direito à proteção judicial), que talviolação fora ocasionada pelo PoderJudiciário, o qual seria “independen-te” do Poder Executivo. Todavia, nãoé o Poder Executivo o ente responsa-bilizado por descumprimento de obri-gação internacional, mas sim o Esta-do como um todo, no qual se inclui,por certo, também o Poder Judiciá-rio. Por sua vez, decidiu a CorteInteramericana de Direitos Humanosque es un principio básico delderecho de la responsabilidad inter-nacional del Estado, recogido por elDerecho Internacional de los DerechosHumanos, que todo Estado es inter-nacionalmente responsable por todoy cualquier acto u omisión decualesquiera de sus poderes uórganos en violación de los derechosinternacionalmente consagrados 38. Nomesmo sentido, sustentou o JuizCançado Trindade, em voto concor-rente, que la distr ibución decompetencias entre los poderes yórganos estatales, y el principio de laseparación de poderes, aunque seande la mayor relevancia en el ámbitodel derecho constitucional, nocondicionan la determinación de laresponsabilidad internacional de unEstado Parte en un tratado dederechos humanos 39.

Quanto ao caso da decisão ju-dicial injusta ou contrária aos direitoshumanos, é comum a alegação derespeito à coisa julgada como escu-sa à responsabilização do Estado porviolação de direitos humanos. Essaescusa baseia-se no caráter imutávelque adquire uma sentença judicialtransitada em julgado, insuscetível,por definição, de ser alterada por novaapreciação do caso. Todavia, é ne-

cessário que se assinale, de maneiraclara, que, para o Direito Internacio-nal, há a constatação da responsabi-lidade do Estado por violação de di-reitos humanos, em virtude de qual-quer fato a ele imputável, quer judi-cial ou não, devendo o Estadoimplementar a reparação porventuraacordada. Assim, o órgão internacio-nal que constata a responsabilidadeinternacional do Estado não possui ocaráter de um tribunal de apelação oucassação, contra o qual possa seroposta a exceção da coisa julgada 40.Logo, quando analisa a responsabili-dade internacional do Estado não ficasujeito às limitações de um tribunalnacional (que deve respeitar a coisajulgada local), mas somente àquelasimpostas pelo Direito Internacional41.

Afinal, uma análise mais acu-rada do instituto da coisa julgada, quefundamenta a pretensa imutabilidadedas decisões internas, demonstra aimpossibilidade de utilizarmos tal ins-tituto em sede internacional, já queseria necessária a identidade de par-tes, pedido e causa de pedir entre acausa local e a causa internacional, oque não ocorre. Na jurisdição interna-cional, as partes e o conteúdo da con-trovérsia são, por definição, distintosdos da jurisdição interna. Nesta, ana-lisa-se se determinado indivíduo vio-lou lei interna, por exemplo, cometen-do certo delito, enquanto na jurisdi-ção internacional discute-se a possí-vel conduta violadora do Estado dian-te de suas obrigações internacionais,tendo o Direito Internacional comonova causa de pedir, podendo gerardecisão internacional oposta à deci-são judicial interna.

Portanto, as instâncias interna-cionais não reformam a decisão inter-na, mas sim condenam o Estado in-frator a reparar o dano causado 42. Nocaso Cesti Hurtado, a Corte Inter-americana de Direitos Humanos refu-tou a exceção preliminar de coisajulgada apresentada pelo Estado pe-ruano. De fato, o Peru argumentou quea pena privativa de liberdade impos-ta ao senhor Cesti Hurtado revestia-se do manto da imutabilidade, já quea sentença penal condenatória tran-sitara em julgado. Considerou o Perutal sentença como irreversível, deven-do a Corte arquivar o caso. Entretan-to, a Corte reconheceu que, para oDireito Internacional dos Direitos Hu-manos, não há identidade de deman-das, como visto acima, sendo impos-sível a alegação de res judicata 43.

Com isso, a possibilidade deum Estado ser condenado internacio-nalmente a reparar violação de direi-

tos humanos perpetrada pelo PoderJudiciário deve ser aceita de maneiranatural, mesmo diante de eventuaisresistências internas.

Resta analisar o sensível temada impunidade, relacionado por cer-to com a atividade judicial criminal.Impunidade, conforme o conceito daCorte Interamericana de Direitos Hu-manos, é a falta, em seu conjunto, deinvestigação, persecução criminal,condenação e detenção dos respon-sáveis pelas violações de direitoshumanos44.

A Conferência Mundial de Di-reitos Humanos de Viena de 1993 dis-cutiu profundamente a impunidade,que serve como estímulo certo denovas violações. No § 60 do Progra-ma de Ação, ficou estipulado que osEstados devem ab-rogar leis con-ducentes à impunidade de pessoasresponsáveis por graves violações dedireitos humanos, como a tortura, epunir criminalmente essas violações,proporcionando, assim, uma basesólida para o Estado de Direito 45. Comisso, existe o dever do Estado de re-primir a impunidade por todos osmeios legais disponíveis, evitando arepetição crônica das violações dedireitos humanos. Para dissipar qual-

Para o Direito Internacional, oato judicial é um fato a seranalisado como qualqueroutro. A responsabilizaçãointernacional por violação dedireitos humanos pelaconduta do Poder Judiciáriopode ocorrer em duashipóteses: quando a decisãojudicial é tardia ou inexistente(no caso da ausência deremédio judicial) ou quando adecisão judicial é tida, no seumérito, como violadora dedireito protegido.

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quer dúvida, trago à colação impor-tante passagem de sentença da Cor-te Interamericana de Direitos Huma-nos, na qual foi realçado que o Esta-do tem a obrigação de combater talsituação [impunidade] por todos osmeios legais disponíveis, já que aimpunidade propicia a repetição crô-nica das violações de direitos huma-nos e a total falta de defesa das víti-mas e de seus familiares46.

Logo, talvez para espanto dealguns, a ação penal é consideradaum dever fundamental do Estado,especialmente necessário para a pre-venção de crimes contra os direitoshumanos, na medida em que seusvioladores não mais terão a certezada impunidade47. Desse modo, a in-vestigação de fatos e a persecuçãocriminal dos responsáveis por viola-ções de direitos humanos decorremda obrigação de assegurar o respei-to a esses direitos. No Brasil, FláviaPiovesan sustenta que, (...) em umEstado democrático de Direito, a víti-ma de um crime tem o direito funda-mental à proteção judicial, não poden-do a lei excluir da apreciação do Po-der Judiciário lesão ou ameaça a di-reito (como prevê a própria Constitui-ção, no artigo 5º, XXXV)48. Ensina,com a habitual maestria, a citada Pro-fessora: Ao princípio do livre acessoao Poder Judiciário conjuga-se o de-ver do Estado de investigar, proces-sar e punir aqueles que cometeramdelitos 49. Sendo assim, o Estadopode ser também responsabilizadopela omissão em punir, o que carac-terizaria denegação de justiça, como nascimento da sua responsa-bilização internacional. A ausência depunição aos agressores geraria, nomínimo, um dano moral à vítima ou aseus familiares 50. Nesse diapasão, aCorte Interamericana de Direitos Hu-manos já decidiu que a ausência deinvestigação por parte das autorida-des públicas gera um sentimento deinsegurança, frustração e impotência,o que concretiza o dano moral51.

É necessário mencionar que aobrigação de investigar e punir é umaobrigação de meio e não de resulta-do, conforme já reconheceu reitera-damente a Corte Interamericana deDireitos Humanos. Assim, provadoque o Estado brasileiro, por meio doMinistério Público, desempenhou acontento seu mister, mesmo com o fra-casso das investigações, o Estado nãoserá responsabilizado por isso52.

4 A REPARAÇÃO4.1 CONCEITO E RESTITUIÇÃO NA

ÍNTEGRA

A reparação é conseqüênciamaior do descumprimento de umaobrigação internacional. Logo, aque-le Estado que descumpriu obrigaçãointernacional prévia deve reparar osdanos causados53.

Por reparação entenda-se todae qualquer conduta do Estado infra-tor para eliminar as conseqüências dofato internacionalmente ilícito, o quecompreende uma série de atos, inclu-sive as garantias de não-repetição.Com isso, o retorno ao status quo anteé a essência da reparação, mas nãoexclui outras fórmulas de reparaçãodo dano causado.

A necessidade de reparação foiamplamente mencionada em diversostextos internacionais de direitos hu-manos. Com efeito, a Declaração Uni-versal de Direitos Humanos, peça-chave no arcabouço internacional pro-tetor dos direitos humanos, estabele-ce que toda pessoa vítima de viola-ção de sua esfera juridicamente pro-tegida tem direito a um recurso efeti-vo perante os tribunais nacionais, paraa obtenção de reparação. No seio daOrganização das Nações Unidas,cite-se o trabalho desenvolvido porTheo Van Boven, relator especial daComissão de Direitos Humanos paraa redação de resolução contendo osPrincípios Básicos do Direito à Repa-ração das Vítimas de Violações deDireitos Humanos e do Direito Inter-nacional Humanitário54.

Inicialmente, a vítima tem o di-reito de exigir do autor do ato interna-cionalmente ilícito a restitutio inintegrum, ou seja, o retorno ao statusquo ante. Essa forma de reparação éconsiderada pela doutrina e jurispru-dência internacional a melhor fórmulana defesa das normas internacionais,já que permite a completa eliminaçãoda conduta violadora e de seus efei-tos. Busca-se, prioritariamente, pormeio dos mecanismos da responsa-bilidade internacional do Estado, oretorno à situação internacional ante-rior à violação constatada55. No casode violações de direitos humanos, aprimazia do retorno ao status quo anteé de grande importância, já que osdireitos protegidos referem-se, pordefinição, a valores fundamentais àdignidade humana, sendo difícil apreservação desses valores pelo usode fórmulas de equivalência pecu-niária. Tais fórmulas, então, só devemser utilizadas como ultima ratio, quan-do o retorno ao statu quo ante for im-possível.

A eliminação de todos os efei-tos da violação é uma tarefa hercúlea,que leva à reparação do dano emer-

gente e dos lucros cessantes. Atual-mente, discute-se uma nova concep-ção de lucros cessantes e danosemergentes, que seria mais adequa-da à dimensão da proteção internacio-nal dos direitos humanos. Essa novaconcepção denomina-se “projeto devida” e vem a ser o conjunto de op-ções que pode ter o indivíduo paraconduzir sua vida e alcançar o desti-no a que se propõe56. Esse conceitoé distinto do conceito de dano emer-gente, já que não corresponde à le-são patrimonial derivada imediata ediretamente dos fatos. Quanto aoslucros cessantes, observamos queestes se referem à perda de ingres-sos econômicos futuros, o que é pos-sível quantificar a partir de certos in-dicadores objetivos. Já o projeto devida diz respeito a toda realização deum indivíduo, considerando-se, alémdos futuros ingressos econômicos,todas as variáveis subjetivas, comovocação, aptidão, potencialidades easpirações diversas, que permitemrazoavelmente determinar as expec-tativas de alcançar o projeto em si.

Assim, as violações de direi-tos humanos interrompem o previsí-vel desenvolvimento do indivíduo,mudando drasticamente o curso desua vida, impondo muitas vezes cir-cunstâncias adversas que impedema concretização de planos que alguémformula e almeja realizar. A existên-cia de uma pessoa vê-se alteradapor fatores estranhos a sua vontade,que lhe são impostos de modo arbi-trário, muitas vezes violento, e invaria-velmente injusto, com violação deseus direitos protegidos e quebra daconfiança que todos possuem no Es-tado (agora violador de direitos hu-manos), criado justamente para abusca do bem comum.

Por outro lado, o Direito Inter-nacional não aceita a impossibilida-de do Direito interno como justificati-va para o não-cumprimento da repa-ração. Pelo contrário, exige-se a adap-tação do Direito interno e a elimina-ção das barreiras normativas nacio-nais com vistas à plena execução dareparação exigida. No sistema inter-americano de proteção dos direitoshumanos, o Juiz Cançado Trindadedeclarou em voto concorrente que noexiste obstáculo o imposibilidad jurí-dica alguna a que se apliquendirectamente en el plano de Derechointerno las normas internacionales deprotección, sino lo que se requiere esla voluntad (animus) del poder públi-co (sobretodo el judicial) de aplicarlas,en medio a la comprensión de quede ese modo se estará dando expre-

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sión concreta a valores comunes su-periores, consustanciados en lasalvaguardia eficaz de los derechoshumanos 57.

4.2 A CESSAÇÃO DO ILÍCITO

O Estado violador de obriga-ção internacional deve interromperimediatamente sua conduta ilícita,sem prejuízo de outras formas de re-paração. A cessação da condutavioladora do Direito Internacional éconsiderada exigência básica paraa completa eliminação das conse-qüências do fato ilícito internacional,podendo servir como preservação docomando da norma primária median-te a utilização das normas secun-dárias da responsabilidade internacio-nal do Estado58.

Com efeito, a violação de nor-ma de Direito Internacional podeensejar, se aceita pelo Estado lesa-do e pelos Estados da comunidadeinternacional, uma modificação dopróprio Direito Internacional. Nessesentido, a cessação da conduta ilí-cita interessa a todos os Estados quenão desejem a alteração da normainternacional para o sentido obtidopela violação. Assim, em termos teó-ricos, a cessação da conduta ilícitaestá na encruzilhada entre as normasprimárias e as normas secundáriasde responsabilidade internacional doEstado.

No caso de violações de direi-tos humanos, como o de detençãoarbitrária ou ilegal, é certo que o tem-po de prisão influenciará na repara-ção dos danos materiais e moraissofridos pelo detento. Como exemplode reparação mediante a cessaçãodo ilícito, cite-se o caso LoayzaTamayo, no qual a Corte Interame-ricana de Direitos Humanos decidiupela libertação da Sra. Maria ElenaLoayza Tamayo em um prazo razoá-vel. A Corte prolatou sua decisão em17 de setembro de 1997, atestando ailegalidade da detenção da Sra.Tamayo, e, em 16 de outubro de 1997,o Estado peruano cumpriu tal deci-são, libertando a vítima59.

4.3 SATISFAÇÃO

A satisfação é consideradacomo um conjunto de medidas,aferidas historicamente, capazes defornecer fórmulas extremamente fle-xíveis de reparação a serem esco-lhidas, em face dos casos concre-tos, pelo juiz internacional. Então, asatisfação não é definida somentepelas formas de dano que visa repa-

rar, mas também pelas formas tradi-cionais que assume60.

Logo, podemos citar três mo-dalidades distintas de satisfação ad-mitidas na prática histórica do DireitoInternacional.

A primeira é relativa à declara-ção da infração cometida e possíveldemonstração de pesar pelo fato.Nessa categoria incluem-se as obri-gações do Estado violador de reco-nhecer a ilegalidade do fato e decla-rar seu pesar quanto ao ocorrido.

A segunda modalidade consis-te na fixação de somas nominais eindenização punitiva, os chamados“punitive damages”, nos casos desérias violações de obrigação inter-nacional. O valor a ser pago, então,seria proporcional à gravidade daofensa. No caso das violações de di-reitos humanos, cabe aqui a ressalvade que toda a quantia apurada deveser revertida à vítima.

A terceira modalidade refere-seàs diversas obrigações de fazer, nãoinclusas nas categorias acima men-cionadas, que permitem um amploleque de escolha ao juiz internacio-nal, como veremos a seguir61.

De fato, há uma série de obri-gações de fazer que servem para re-parar adequadamente as vítimas deviolações de direitos humanos, sen-do abarcadas pelo elástico conceitode satisfação visto acima.

A primeira delas é a reabili-tação, que vem a ser o apoio médi-co e psicológico necessário às víti-mas de violações de direitos huma-nos. A reabilitação pode ser feitamediante reinserção da vítima nomeio social, através do retorno a seutrabalho, com a anulação de todos osregistros desabonadores oriundos daviolação constatada de seus direitos.No caso Loayza Tamayo, a vítimasolicitou que a Corte Interamericanade Direitos Humanos ordenasse suareincorporação a todas as atividadesdocentes de caráter público que exer-cia antes de sua detenção ilegal. ACorte decidiu, então, que o Peru estáobrigado a realizar todas as gestõesnecessárias para reincorporar a víti-ma a suas atividades docentes ante-riores à detenção. Também ordenoua anulação de quaisquer anteceden-tes penais da vítima, estabelecendo,além disso, que nenhum efeito nega-tivo poderia ser-lhe oposto em virtu-de de sua detenção62.

A segunda espécie de obriga-ção de fazer vista na prática interna-cional é o estabelecimento de datascomemorativas em homenagem àsvítimas. Finalmente, é possível pre-

ver a obrigação de incluir em manuaisescolares textos relatando as viola-ções de direitos humanos. Por seuturno, a preocupação com a educa-ção e a saúde dos filhos das vítimastem gerado interessantes obrigaçõesde fazer, tais quais as observadas nocaso Aloeboetoe, no qual a CorteInteramericana de Direitos Humanosdeterminou a abertura de um postomédico e escolar na comunidade in-dígena à qual pertenciam as vítimas63.

4.4 INDENIZAÇÃO

No caso de a violação não po-der ser completamente eliminada peloretorno ao status quo ante, deve oEstado violador indenizar pecuniaria-mente a vítima pelos danos causados.

A indenização tem-se mostra-do como a forma corrente de repara-ção de violação de direitos humanos,porque possibilita reparar a lesão pormeio do pagamento de valorespecuniários64.

A indenização deve ser utiliza-da como forma complementar à resti-tuição na íntegra, se esta última forinsuficiente para reparar os danosconstatados. Como já vimos, a inde-nização só deve ser aplicada como

Com efeito, a violação denorma de Direito Internacionalpode ensejar, se aceita peloEstado lesado e pelos Estadosda comunidade internacional,uma modificação do próprioDireito Internacional. Nessesentido, a cessação da condutailícita interessa a todos osEstados que não desejem aalteração da normainternacional para o sentidoobtido pela violação.

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forma de reparação caso seja cons-tatada a impossibilidade material doretorno ao status quo ante. Somentequando for impossível o gozo do di-reito ou liberdade violados, deve aindenização ser o conteúdo da repa-ração devida65.

No caso Suárez Rosero, porexemplo, a Corte Interamericana deDireitos Humanos decidiu ser impos-sível o retorno ao estado anterior, vis-to ser a demanda relativa ao direito àliberdade e a um processo de dura-ção razoável. Logo, a violação de taisdireitos foi reparada, no entender daCorte, pelo pagamento de uma justaindenização. Segundo aquele órgão,es evidente que en el presente casola Corte no puede disponer que segarantice al lesionado en el goce desu derecho o libertad conculcados.En cambio, es procedente la repara-ción de las consecuencias de lasituación que ha configurado laviolación de los derechos específicosen este caso, que debe comprenderuna justa indemnización y el resar-cimiento de los gastos en que lavictima o sus familiares hubieranincurrido en las gestiones relaciona-das con este proceso 66.

Essa impossibilidade materialexiste também no tocante à repara-ção dos danos morais. Na clássicadecisão do caso Lusitânia, a decisãofinal sustentou a existência de danosmorais, salientando que o fato de se-rem difíceis de mesurar em termosmonetários não os tornam menosreais e nem proporcionam uma razãopela qual a vítima ou seus familiaresnão possam ser compensados, aomenos financeiramente67.

4.5 AS GARANTIAS DE NÃO-REPETIÇÃO

As garantias de não-repetiçãoconsistem na obtenção de salvaguar-das contra a reiteração da condutavioladora de obrigação internacio-nal. Sendo assim, as garantias denão-repetição não são aplicáveis atodo fato internacionalmente ilícito, so-mente quando existe a possibilidadeda repetição da conduta.

É importante ainda ressaltarque todas as outras formas de repa-ração também possuem, de maneirareflexa, um aspecto preventivo. Ocaráter autônomo dessa forma de re-paração repousa na sua natureza ex-clusivamente preventiva de novoscomportamentos ilícitos, sendo, poroutro lado, uma verdadeira forma dereparação, pois exige uma prévia vi-olação de obrigação internacional68.

No tocante ao tema em estu-do, vê-se que, diante da gravidadedas condutas de violação de direitoshumanos, pode ser fixado o dever doEstado de investigar e punir os res-ponsáveis pelas violações, de modoa evitar a impunidade e prevenir aocorrência de novas violações. Talobjetivo de prevenção da ocorrênciade novas violações insere o chama-do “dever de investigar, processar epunir” como forma de garantia de não-repetição.

A Corte Interamericana de Di-reitos Humanos, no célebre casoVelásquez Rodriguez, sustentou quetal dever de investigar, processar epunir é fruto do disposto no art. 1.1da Convenção Americana de DireitosHumanos69. Ora, tal artigo impõe aosEstados a obrigação de garantir o res-peito aos direitos protegidos pelaConvenção, o que significa dizer quecabe aos Estados prevenir a ocorrên-cia de novas violações.

Assim, o “dever de investigar,processar e punir” imposto corriquei-ramente aos Estados contratantes daConvenção pela Corte Interamericanade Direitos Humanos, desde os cha-mados casos hondurenhos, é moda-lidade de “garantia de não-repetição”.

Conforme já expus em livroanterior, a questão da investigação epunição enquanto reparação especí-fica de violação de direitos humanosaponta para a necessidade de pre-venção de futuros abusos. Como sesabe, uma sociedade que esquecesuas violações presentes e passadasde direitos humanos está fadada arepeti-las70. Para Jete Jane Fiorati, aCorte demonstrou, assim, que é de-ver dos Estados prevenir, investigare punir as violações dos direitos con-sagrados na Convenção71.

5 AS SANÇÕES

A comunidade internacionalpode lançar mão de sanções paracoagir o Estado a respeitar os direi-tos humanos, alçados agora ao statusde obrigação internacional.

A sanção unilateral ou contra-medida é conduta de um Estado, que,se não fosse justificada como reaçãoà prévia violação de obrigação inter-nacional por parte de outro Estado,seria, por seu turno, ilícita em face doDireito Internacional 72. O uso decontramedidas na defesa de direitoshumanos é polêmico e questionável,pois surge o perigo do abuso depoder por parte de Estados mais for-tes, redundando em seletividade edouble standard. Tal risco de mani-

pulação da defesa dos direitos huma-nos pode erodir a legitimidade dotema no cenário internacional73.

Por outro lado, as sanções co-letivas são aquelas oriundas de or-ganizações internacionais e visamcoagir os Estados infratores a cum-prir obrigações internacionais viola-das. Cabe a cada organização inter-nacional identificar a violação da obri-gação internacional pelo Estado infra-tor e adotar as medidas de reação esuas formas de implementação74. Porsanções das organizações internacio-nais entenda-se toda medida adota-da em reação à violação prévia deobrigação internacional, quer tenhaa medida caráter de mera retorsão(ou seja, danosa aos interesses doEstado infrator, porém lícita aos olhosdo Direito Internacional) ou de repre-sálias (medida que seria ilícita, casonão houvesse sido tomada em rea-ção ao comportamento ilícito anteriordo Estado infrator)75.

No caso interamericano, queinteressa ao Brasil, cabe lembrar queo golpe haitiano foi o impulso finalpara a redação do Protocolo deWashington de 14 de dezembro de1992, que reformou a Carta da OEA.Graças a esse Protocolo, deu-se novaredação ao art. 9º da Carta, permitin-do suspender qualquer Estado mem-bro cujo governo tenha sido destituí-do pela força, por maioria de dois ter-ços76.

No Direito Internacional dosDireitos Humanos, o termo “sanção”é aplicado também à chamada “pres-são moral ou social” (mobilisation dela honte), tanto por parte de Estadosquanto por parte da denominada “opi-nião pública mundial”. Tal sançãosocial, usando a expressão deLattanzi, consiste na pressão moralou política de grupos de Estados, emface de outros Estados77 em que pesenão ser vinculante, pode ser útil paraconvencer o Estado infrator a adotarmedidas reparadoras de violação dosdireitos humanos.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A responsabilidade internacio-nal do Estado brasileiro por violaçãode direitos humanos deixou de ser umtema para “iniciados” e passou aconstar da agenda nacional, em es-pecial após o reconhecimento da ju-risdição obrigatória da Corte Inter-americana de Direitos Humanos.Urge, assim, a conscientização detodos os agentes públicos, e, entreeles, os magistrados, da necessida-de de cumprimento dos compromis-

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sos internacionais assumidos peloBrasil, especialmente a ConvençãoAmericana de Direitos Humanos, demodo a evitar futuras condenações daCorte Interamericana de Direitos Hu-manos. Os mais de cem casos con-tra o Brasil perante a ComissãoInteramericana de Direitos Humanosmostram a necessidade da adoçãode medidas imediatas voltadas a pre-venir novas violações e a reparar osdanos causados às vítimas.

1 É o que expõe Combacau, afirmando queLa responsabilité, en droit international,comme ailleurs, consiste dans la mise à lacharge d’un sujet d’une obligation deréparer les conséquences d’un dommage.COMBACAU, Jean; SUR, Serge. DroitInternational Public. 2. ed. Paris:Montchrestien, 1995. p. 673.

2 RAMOS, André de Carvalho. Respon-sabilidade internacional por violação dedireitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar,2004.

3 Para Cohn, Un État ne peut pas avoir ledroit d’accomplir envers d’autres un actequ’il ne veut pas tolérer de leur part. Cefait implique un élement purement logique,qui peut être très utile pour la constatationde la responsabilité internationale. COHN,M.G. La théorie de la responsabilitéinternationale, 68 Recueil des Cours del’Académie de Droit Internationale de laHaye (1939), p. 270.

4 De acordo com Dupuy, C´est précisementparce que tous jouissent formellementd´une égale souveraineté que chacun ale droit de demander à l´autre de “répondre”de ses actes, c´est-à-dire d´êtreresponsable. DUPUY, Pierre-Marie. Laresponsabilité internationale des États, 188Recueil des Cours de l´Academie de DroitInternational de La Haye (1984), p.109.

5 Corte Permanente de Justiça Interna-cional, caso S.S. Wimbledon, P.C.I.J SeriesA, n. 1, 1923, p.15.

6 Corte Permanente de Justiça Interna-cional, case concerning the factory atChorzów (Jurisdiction), sentença de 26 dejul. de 1927, P.C.I.J. Series A, n. 9, p. 21, eCorte Permanente de Justiça Interna-cional, case concerning the factory atChorzów (Merits), julgamento de 13 deSet. de 1928, P.C.I.J. Series A, n. 17, p.29.

7 RAMOS, op. cit., p. 74.8 RAMOS, André de Carvalho. Processo

internacional de direitos humanos –análise dos sistemas de apuração deviolações dos direitos humanos e aimplementação das decisões no Brasil.Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 25.

9 Para Cançado Trindade, o desenvol-vimento histórico da proteção interna-cional dos direitos humanos gradualmentesuperou barreiras do passado: compreen-deu-se, pouco a pouco, que a proteçãodos direitos básicos da pessoa humananão se esgota, como não poderia esgotar-se, na atuação do Estado, na pretensa e

indemonstrável ‘competência nacionalexclusiva’.(TRINDADE, Antônio Augusto Cançado.A proteção internacional dos direitoshumanos: Fundamentos e instrumentosbásicos. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 3).

10 Sobre o processo de internacionalizaçãodo tema de direitos humanos, verTRINDADE, Antônio Augusto Cançado.Tratado de Direito Internacional dos direitoshumanos. V. 1. Porto Alegre: SérgioAntônio Fabris, 1997. RAMOS, André deCarvalho. Teoria geral dos direitoshumanos na ordem internacional. Rio deJaneiro: Renovar, 2005 (no prelo).

11 De acordo com Bobbio, não se trata desaber quais e quantos são esses direitos,qual é sua natureza e seu fundamento,se são direitos naturais ou históricos,absolutos ou relativos, mas sim qual é omodo mais seguro para garanti-los, paraimpedir que, apesar das solenes decla-rações, eles sejam continuamenteviolados. (BOBBIO, Norberto. A era dosdireitos. Trad. de Carlos Nelson Coutinho.Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 25)

12 Consta do §13 da Declaração de Viena:Os Estados e as organizações interna-cionais, em regime de cooperação comas organizações não-governamentais,devem criar condições favoráveis nosníveis nacional, regional e internacionalpara garantir o pleno e efetivo exercíciodos direitos humanos. Os Estados devemeliminar todas as violações de direitoshumanos e suas causas, bem como osobstáculos à realização desses direitos.

13 No mesmo sentido expõe enfaticamenteEustathiades: On n’a jamais songé à niercette responsabilité sans nier en mêmetemps le caractère obligatoire du d.i”(EUSTATHIADES, Constantin T. Les sujetsdu Droit International et la responsabilitéinternationale: nouvelles tendances, 84Recueil des Cours de l’Académie de DroitInternational de La Haye (1953), p. 403).Por sua vez, Max Huber estabeleceu, emseu laudo arbitral no caso das reclama-ções britânicas no atual Marrocos, que:La responsabilité est le corollaire nécessairedu droit. Touts droits d’ordre internationalont pour conséquence une responsabilitéinternationale. Ver Affaire des biensbritanniques au Maroc espagnol . In:Recueil des Sentences Arbitrales, publi-cação da Organização das NaçõesUnidas, vol. 2. p. 641.

14 RAMOS. Responsabilidade internacio-nal..., op. cit., p. 20.

15 SHAW, Malcolm. International Law. 3rd. ed.Cambridge: Grotius Publications /Cambridge University Press, 1995. p. 488.

16 Corte Interamericana de Direitos Huma-nos, caso La Última tentación de Cristo,voto concorrente do Juiz CançadoTrindade, sentença de mérito de 5 de fev.de 2001, Série C, n. 73, § 40.

17 De fato, conforme já reconheceu a CorteInteramericana de Direitos Humanos, aobrigação de garantir o livre e plenoexercício dos direitos humanos não seesgota na existência de uma ordemnormativa teórica, mas sim abrangetambém a necessidade de uma condutagovernamental que assegure a existência,na realidade, de uma eficaz garantia do

livre e pleno exercício dos direitos huma-nos. (Corte Interamericana de DireitosHumanos, caso Godinez Cruz - Mérito,sentença de 20 de jan. de 1989, Série C,n. 5, § 176, tradução livre. Ver oscomentários aos casos contenciosos econsultivos da Corte Interamericana deDireitos Humanos. In: RAMOS, André deCarvalho. Direitos humanos em juízo. SãoPaulo: Max Limonad, 2001).

18 Para a Corte Interamericana de DireitosHumanos, es, pues, claro que, enprincipio, es imputable al Estado todaviolación a los derechos reconocidos porla Convención cumplida por un acto delpoder público o de personas que actúanprevalidas de los poderes que ostentanpor su carácter oficial. In Corte Interame-ricana de Direitos Humanos, casoVelasquez Rodriguez, sentença de 29 dejul. de 1988, Série C, n. 4, § 172, p. 70.

19 ANZILOTTI, Dionisio. Cours de DroitInternational. Trad. de Gilbert Gidel. Paris :Sirey, 1929. p.75.

20 Sobre o ato ultra vires , ver RAMOS,Responsabilidade internacional... op. cit.,p.159 e ss.

21 A Corte Interamericana de DireitosHumanos considerou ser um princípio doDireito Internacional a responsabilizaçãodo Estado pelos atos ultra vires de seusagentes. Segundo a Corte, (...) é umprincípio de Direito Internacional que oEstado responde pelos atos de seusagentes realizados amparados por suasfunções oficiais e pelas omissões dosmesmos, mesmo se atuaram fora doslimites de suas competências ou emviolação ao Direito interno. Corte Inter-americana de Direitos Humanos, casoVelasquez Rodriguez, sentença de 29 dejul. de 1988. Série C, n.4, § 170, p. 70,tradução livre.

22 Corte Interamericana de Direitos Huma-nos, caso Godinez Cruz, sentença de 20de jan. de 1989. Série C, n. 5, § 182, p.74, tradução livre.

23 Este é o ensinamento mencionado no votodissidente conjunto de Cançado Trindade,Aguiar-Aranguren e Picado Sotela, paraos quais, a devida diligência impõe aosEstados o dever de prevenção razoávelnaquelas situações – como agora subjudice – que podem redundar, inclusivepor omissão, na supressão da inviola-bilidade do direito à vida. (Corte Inter-americana de Direitos Humanos, casoGangaram Panday, sentença de 21 dejan. de 1994, Série C, n. 16, voto dissidenteconjunto dos juízes Antônio AugustoCançado Trindade, Asdrúbal Aguiar-Aranguren e Sonia Picado Sotela, p. 35,tradução livre).

24 Nesse diapasão, cite-se que, no casoVelasquez Rodriguez, decidiu a CorteInteramericana de Direitos Humanos queel deber de prevencion abarca todasaquellas medidas de carácter jurídico,político, administrativo y cultural quepromevan la salvaguarda de los derechoshumanaos y que aseguren que laseventuales violaciones a los mismos seanefectivamente considereadas y tratadascomo un hecho ilicito que, como tal, essusceptible de acarrear sanciones paraquien las cometa, asi como la obligación

REFERÊNCIAS

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de indemnizar a las víctimas por susconsecuencias perjudiciales (...). (CorteInteramericana de Direitos Humanos,Caso Velasquez Rodriguez, sentença de29 de jul. de 1988, Série C, n. 4, § 175,p.71).

25 Ver o caso José Pereira, envolvendo aomissão em investigar e punir os respon-sáveis pela submissão de trabalhador àcondição análoga de escravo. No mêsde outubro de 2003, em audiência emWashington, o Brasil ratificou perante aComissão Interamericana de DireitosHumanos da Organização dos EstadosAmericanos (OEA) os termos do Acordode Solução Amistosa alcançado no casoJosé Pereira vs. Brasil. No acordocelebrado pelo Brasil com os repre-sentantes da vítima, ficou reconhecida aresponsabilidade estatal pela violação dedireitos reconhecidos em tratados interna-cionais de direitos humanos dos quaisBrasil é parte, tendo sido tambémassumidos compromissos de combate aotrabalho escravo e concessão de inde-nização à vítima em tela. Foi editada, naesteira do acordo, a Lei n. 10.706/2003,cujo art. 1º dispõe: Art. 1o Fica a Uniãoautorizada a conceder indenização de R$52.000,00 a José Pereira Ferreira, portadorda carteira de identidade RG no 4.895.783e inscrito no CPF sob o n. 779.604.242-68, por haver sido submetido à condiçãoanáloga à de escravo e haver sofridolesões corporais, na fazenda denominadaEspírito Santo, localizada no Sul do Estadodo Pará, em setembro de 1989.

26 Para a Corte, então, poderiam sermencionadas situações históricas nasquais alguns Estados promulgaram leis deconformidade com sua estrutura jurídica,mas que não ofereceram garantiasadequadas para o exercício dos direitoshumanos, impondo restrições inacei-táveis, ou simplesmente desconside-rando-os. (Corte Interamericana deDireitos Humanos Parecer Consultivosobre certas atribuições da ComissãoInteramericana de Direitos Humanos –arts. 41, 42, 44, 46, 47, 50 e 51 –, Parecern. 13/94, de 16 de jul. de 1994, Série A, n.13, § 28, p. 13, tradução livre. Ver maioranálise sobre esse Parecer. In: RAMOS,Direitos humanos em juízo..., op. cit., p.430 e ss).

27 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado(Org.). A incorporação das normasinternacionais de proteção dos direitoshumanos no Direito brasileiro. Brasília/SãoJosé : IIDH, 1996. p. 216.

28 O § 98 da sentença da Corte Interame-ricana de Direitos Humanos é reveladordesta tendência: 98 (...) A Corte observa,ademais, que, a seu juízo, essa normaper se viola o artigo 2 da ConvençãoAmericana, independentemente de quetenha sido aplicada ao presente caso.(Corte Interamericana de Direitos Huma-nos, caso Suárez Rosero, sentença de12 de nov. de 1997, § 98, p. 30, traduçãolivre).

29 Não podemos deixar de mencionar queCançado Trindade considera esse casocomo uma cause célèbre do sistemainteramericano, pois concretiza o deverde prevenção constante nos arts. 1º e

2º da Convenção Americana de DireitosHumanos. (TRINDADE, Antônio AugustoCançado. Thoughts on recentdevelopments in the case-law of the Inter-American Court of Human Rights:selected aspects. In: American Societyof International Law - Proceedings of the92nd Annual Meeting, Abr. - 1998, p. 200).

30 Corte Européia de Direitos Humanos, casoOpen Door and Dublin Well Woman versusIrlanda, julgamento de 29 de out. de 1992,Série A, n. 246, § 80.

31 Corte Interamericana de DireitosHumanos, caso La Última Tentación deCristo, sentença de mérito de 5 de fev. de2001, Série C, n. 73, § 40.

32 Nesse sentido, a Corte Interamericana deDireitos Humanos estabeleceu que noâmbito internacional, o que interessadeterminar é se uma lei viola as obrigaçõesinternacionais assumidas por um Estadoem virtude de um tratado. (Corte Intera-mericana de Direitos Humanos, ParecerConsultivo sobre certas atribuições daComissão Interamericana de DireitosHumanos – arts. 41, 42, 44, 46, 47, 50 e51, Parecer n. 13/94, de 16 de jul. de1994, Série A, n. 13, § 30, p. 14).

33 No sentido do texto, ver VERDROSS,Alfred. Derecho Internacional Público.Trad. de A. Truyol y Serra, Madrid: Aguilar,1957. p. 281.

34 Para Cançado Trindade, é possível queos órgãos de supervisão venham aocupar-se, no exame dos casos con-cretos, e.g., de erros de fato ou de direitocometidos pelos tribunais internos, namedida em que tais erros pareçam terresultado em violação de um dos direitosassegurados pelos tratados de direitoshumanos. (TRINDADE, A incorporação..,op. cit., p. 216).

35 No mesmo sentido, De Vissher prelecionaque le déni de justice, stricto sensu, estconstitué par le refus d’accès auxtribunaux ou par les retards ou entravesinjustifiés opposés au plaideur étranger.(DE VISSHER, Charles, Le déni de justiceen droit international, 52 Recueil des Coursde l’Academie de Droit International de LaHaye, 1935, p. 388).

36 Corte Interamericana de Direitos Huma-nos, caso Genie Lacayo, sentença de 29de jan. de 1997, § 80, p.23.

37 Para a Corte, até a atualidade em que,todavia, não foi pronunciada sentençafinal, transcorreram-se mais de cinco anosde processo, lapso que esta Corteconsidera que ultrapassa os limites derazoabilidade previstos no artigo 8.1 daConvenção. (Corte Interamericana deDireitos Humanos, caso Genie Lacayo,sentença de 29 de jan. de 1997, § 81, p.23, tradução livre). Ver mais sobre o caso.In: RAMOS, Direitos humanos em juízo...,op. cit., p. 237 e ss.

38 Para a Corte Interamericana de DireitosHumanos, de lo expuesto se colige queGuatemala no puede excusarse de laresponsabilidad relacionada con los actosu omisiones de sus autoridades judiciales,ya que tal actitud resultaría contraria a lodispuesto por el artículo 1.1 en conexióncon los artículos 25 y 8 de la Convención.(Corte Interamericana de Direitos Huma-nos, caso Villagrán Morales y otros,

sentença de mérito, sentença de 19 denov. de 1999, § 221).

39 Corte Interamericana de DireitosHumanos, caso La Última Tentación deCristo, voto concorrente do Juiz CançadoTrindade, sentença de mérito de 5 de fev.de 2001, Série C, n. 73, § 40.

40 RAMOS, Responsabilidade internacionalpor violação..., op. cit., p.181.

41 Como exemplo, há a possibilidade dealegação da exceção de coisa julgadainternacional, quando o caso concreto deviolação de direitos humanos já tiver sidoapreciado em outra instância interna-cional, como abordado em obra anteriorsobre mecanismos coletivos de averi-guação da responsabilidade internacionaldo Estado por violação de direitoshumanos. (RAMOS, Processo interna-cional de direitos humanos..., op. cit.,p.275 e ss).

42 RAMOS, Responsabilidade internacionalpor violação..., op. cit., p. 182-183.

43 Corte Interamericana de Direitos Huma-nos, caso Cesti Hurtado, Exceçõespreliminares, sentença de 26 de jan. de1999, Série C, n. 49, § 47.

44 Corte Interamericana de Direitos Huma-nos, caso Paniagua Morales y otros,sentença de 8 de março de 1998, SérieC, n. 37, § 173.

45 No § 91 do Programa de Ação de Viena,estabeleceu-se que a ConferênciaMundial sobre Direitos Humanos vê compreocupação a questão da impunidadedos autores de violações de direitoshumanos e apoia os esforços empre-endidos pela Comissão de DireitosHumanos e pela Comissão de Prevençãoda Discriminação e Proteção de Minorias,no sentido de examinar todos os aspectosda questão.

46 Corte Interamericana de Direitos Huma-nos, caso Paniagua Morales y otros,sentença de 8 de mar. de 1998, Série C,n. 37, § 173.

47 No sentido do texto, já apontava o mestreAccioly, em clássico estudo da décadade 50, a possibilidade da responsa-bilização internacional do Estado porausência de diligência na busca pelapunição do indivíduo culpado. Segundo ojurista brasileiro, L’État pourra êtreresponsable aussi du manque de diligenceen ce qui concerne la punition de l’individucoulpable. (ACCIOLY, Hildebrando.Principes généraux de la responsabilitéinternationale d’après la doctrine et lajurisprudence, 96 Recueil des Cours del’Académie de Droit International de LaHaye (1959). p. 405).

48 PIOVESAN, Flávia. Imunidade parla-mentar: prerrogativa ou privilégio, Folhade São Paulo, p. A3, 4 de jul. de 2001.Nesse artigo, Piovesan combate aexistência da imunidade processualparlamentar para crime comum, modi-ficada pela Emenda Constitucional n. 35.

49 Idem.50 RAMOS, Responsabilidade internacional

por violação..., op. cit., p.191.51 Na sentença de reparação do caso de

Nicholas Blake (jornalista norte-americanovítima de desaparecimento forçado naGuatemala), a Corte Interamericana deDireitos Humanos considerou que a

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63R. CEJ, Brasília, n. 29, p. 53-63, abr./jun. 2005

omissão na investigação e puniçãoacarreta dano moral. (Corte Interame-ricana de Direitos Humanos, caso Blake,Reparações, sentença de 22 de jan. de1999, Série C, n. 48, § 57. Ver maiscomentários sobre esse caso em RAMOS,Direitos humanos em juízo..., op. cit.).

52 Ramos, Responsabilidade internacionalpor violação..., op. cit., p.192.

53 Nesse sentido, a Corte Permanente deJustiça Internacional decidiu que aresponsabilidade internacional do Estadoacarreta a reparação do dano sofrido.Para a Corte, i t is a principle ofinternational law that the breach of anengagement involves an obligation tomake reparation in an adequate form.(Corte Permanente de Justiça Inter-nacional, Case concerning the factoryat Chorzów, Publications P.C.I.J., SérieA, n. 17, julgamento de 13 set. de 1928.p. 47).

54 Texto original E/CN.4/Sub.2/1993/8,denominado “Basic principles andguidelines on the right to reparation forvictims of [Gross] violations of humanrights and international humanitarianLaw”. Texto revisado E/CN.4/1997/104.Cabe salientar que a Subcomissão dePrevenção de Discriminação e Proteçãode Minorias decidiu, em sua Resolução1996/28, enviar o texto revisado doprojeto de resolução de Theo Van Bovenà Comissão de Direitos Humanos parasua consideração. A Comissão, por seuturno, pediu comentários aos Estados,tendo sido publicado o conjunto delesno documento E/CN.4/1998/34.

55 RAMOS, Responsabilidade internacionalpor violação ..., op. cit., p. 252 e ss.

56 A Corte Interamericana de DireitosHumanos reconheceu esse conceito de“projeto de vida” em sua recente sentençade reparação no caso Loayza Tamayo.(Corte Interamericana de Direitos Huma-nos, caso Loayza Tamayo, Reparações,sentença de 27 de nov. de 1998, SérieC, n. 42, §§ 144-154).

57 Corte Interamericana de Directos Huma-nos, caso La Última Tentación de Cristo,voto concorrente do Juiz CançadoTrindade, sentença de mérito de 5 defev. de 2001, Série C, n. 73, § 40.

58 RAMOS, Responsabilidade internacionalpor violação..., op. cit., p. 267.

59 Nessa recente sentença de 17 desetembro de 1997, a Corte constatou aviolação dos direitos estabelecidos nosarts 5º, 7º, 8.1, 8.2, 8.4 e 25, combinadoscom o art. 1.1 da Convenção. (CorteInteramericana de Direitos Humanos,caso Loayza Tamayo, sentença de 17de set. de 1997).

60 RAMOS, Responsabilidade internacionalpor violação..., op. cit., p. 270 e ss.

61 Corte Interamericana de Direitos Huma-nos, caso Aloeboetoe e outros- Repa-rações, sentença de 10 de set. de 1993,Série C, n. 15.

62 Para a Corte, (...) o Peru está obrigado aadotar todas as medidas de direito internoque sejam oriundas da declaração deque o segundo processo ao qual foisubmetida a vítima foi violatório daConvenção. Por esse motivo, nenhumaresolução adversa emitida neste

processo deve produzir efeito legalalgum, do qual emerge a anulação detodos os antecedentes respectivos.(Corte Interamericana de DireitosHumanos, caso Loayza Tamayo ,Reparações, sentença de 27 de nov. de1998, Série C, n. 42, § 122, traduçãolivre. Ver mais comentários sobre essecaso em RAMOS, direitos humanos emjuízo..., op. cit.).

63 Corte Interamericana de Direitos Huma-nos, caso Aloeboetoe y otros -Reparações, sentença de 10 de set. de1993, Série C, n. 15, § 96. p. 39. Vermais comentários sobre esse casoRAMOS, Direitos humanos em juízo...,op. cit.

64 RAMOS, Responsabilidade internacionalpor violação..., op. cit., p. 285 e ss.

65 No caso, foi presumida a morte doestudante Manfredo Velasquez. (CorteInteramericana de Direitos Humanos,caso Velasquez Rodriguez, sentençade 28 de jul. de 1988. Série C, n.4, §189, p. 78).

66 Corte Interamericana de Direitos Huma-nos, caso Suáres Rosero, sentença de12 de nov. de 1997, § 108, p. 31-32.

67 Reports of International Arbitral Awards -RIAA, The Lusitania - United States AndGermany Mixed Claims Commission, v.7, p. 35 e ss.

68 RAMOS, Responsabilidade internacionalpor violação... op. cit., p. 290 e ss.

69 Artigo 1º - Obrigação de respeitar osdireitos. 1. Os Estados-partes nestaConvenção comprometem-se a respeitaros direitos e liberdades nela reconhecidose a garantir seu livre e pleno exercício atoda pessoa que esteja sujeita à suajurisdição, sem discriminação alguma, pormotivo de raça, cor, sexo, idioma, religião,opiniões polít icas ou de qualquernatureza, origem nacional ou social,posição econômica, nascimento ouqualquer outra condição social.

70 RAMOS, Direitos humanos em juízo, op.cit., p. 145.

71 FIORATI, Jete Jane. A evolução jurispru-dencial dos sistemas regionais interna-cionais de proteção aos direitoshumanos. Revista dos Tribunais, v. 84, p.20, dez. 1995.

72 RAMOS, Responsabilidade internacionalpor violação..., p. 327 e ss.

73 Remiro-Brotóns ensina que, (...) sinavances institucionales, cuya progresiónes mucho más dificultosa (...) podríanaparecer cabalgando falsos llanerossolitarios – un papel al alcance sólo delos Estados mas fuertes – ocultando enla silla, con la envoltura de principiossuperiores, intereses particulares.REMIRO-BROTONS, Antonio. DerechoInternational Público. Principiosfundamentales. Madrid: Tecnos, 1982. p.64.

74 RAMOS, Responsabilidade internacionalpor violação..., op. cit., p. 316.

75 Idem, p. 394.76 Idem, p. 397.77 LATTANZI, Flavia. Garanzie dei diritti dell’

uomo nel diritto internazionale generale.Milano: Giuffrè , 1983. p. 61.

Artigo recebido em 16/1/2005.

ABSTRACT

André de Carvalho Ramos é ProcuradorRegional da República e Professor doCurso de Mestrado da UniversidadeBandeirante, em São Paulo-SP.

The author analyses the advances ofthe State international liability for violations ofhuman rights, both in theory and practice. Inorder to achieve that, he describes thecharacteristic elements of such violations, aswell as possible forms of recovery andpunishment.

He affirms that, in Brazil, the matterwas inserted into the national agenda after theacknowledgment of the mandatory jurisdictionof the Inter-American Court of Human Rights.Hence, the author states to be urgent all publicagents’ awareness of the need to fulfill theinternational commitments taken over by Braziland the adoption of measures in order toprevent new violations as well as repair damagesto the victims.

KEYWORDS – International Law; State;liability; Inter-American Court of Human Rights;American Convention of Human Rights; humanrights; sanction; repair.