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    C a mp in as , 2 8 d e ma r o a 3 d e a br il d e 2 0 1 1 A NO XX V N 4 8 8 | E X P E DI E NTE | A S S INE O JU |

    A poesia e o 'discurso da crise'

    LVARO KASSAB

    A ce ntralidad e do disc urso da crise na poe sia mode rna oc upa boa parte dos

    ensaios do livro Poesia e Crise (Editora da Unicamp), que o poeta, tradutor e

    professo r Marco s Siscar lana no prximo dia 29, a partir das 11 horas, na Livraria

    do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). As leituras que fiz, ao longo da ltima

    dcada, me permitiram constatar que os poetas, nos seus poemas ou na sua

    crtica, tm apontado periodicamente a falncia ou o desaparecimento do gnero

    po tico , diante da eme rgnc ia de valo res que lhe s parec e inco ncil ive l co m aatitude artstica. A palavra crise no demorou muito a se impor, graas no

    apenas a seu uso obsessivo pelo jornalismo, mas tambm porque uma palavra de

    rica tradio sob a pena dos poetas, revela Siscar. Os textos reunidos na obra

    abrangem perodo que vai da segunda metade do sculo XIX ao final do sculo XX

    dos franceses Baudelaire, Mallarm e Valry, entre outros, a poetas brasileiros

    contemporneos. Na entrevista que segue, o coordenador do programa de ps-

    graduao em Teoria e Histria Literria do IEL fala sobre o livro e analisa o papel

    e o lugar da crtica, da poesia e do ensino de literatura hoje.

    Jornal da Unicamp O que sr. destacaria no eixo temtico de Poesia e Crise? O que

    o motivou a eleg-lo e em que

    medida as reflexes contidas na

    obra podem, em sua opinio, lanar

    luz sobre os debates acerca da

    literatura hoje produzida no pas?

    Marcos Siscar J h algum temposenti a necessidade de organizar umlivro de ensaios, a fim de interromper ofluxo de artigos soltos e dar forma scoisas que vinha pensando. A Editorada Unicamp me deu a oportunidade defazer isso com esse Poesia e Crise.Reuni nele vrios ensaios originados emleituras e cursos sobre crtica e poesiabrasileira do concretismo at opresente , bem como em projetossobre poesia francesa, em especial[Charles] Baudelaire [1821-1867] e[Stphane] Mallarm [1842-1898],

    duas das referncias mais renomadas e, de certo modo, mais gastas damodernidade em poesia.

    A ideia do livro nasceu quando essasduas vertentes do trabalho aexegese dos primrdios da poesiamoderna e a reflexo sobre o estado contemporneo da poesia, especialmente no Brasil

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    acabaram convergindo. A meus olhos, passaram a convergir quando percebi quedeterminadas consideraes feitas sobre o presente da poesia, hoje, curiosamente eramas mesmas que encontrava em textos escritos h mais de um sculo.

    A constatao me levou a pensar que estava diante, no apenas de meras coincidncias,mas de um trao constitutivo do discurso potico, que reconheo como raiz de umavertente cultural da poesia, historicamente atenta e crtica.As leituras que fiz, ao longo da ltima dcada, me permitiram constatar que os poetas,nos seus poemas ou na sua crtica, tm apontado periodicamente a falncia ou odesaparecimento do gnero potico, diante da emergncia de valores inconciliveis com aatitude artstica. A palavra crise no demorou muito a se impor, graas no apenas aseu uso obsessivo pelo jornalismo, mas tambm porque uma palavra de rica tradio sob

    a pena dos poetas.O resultado dessa observao que, dos ps-romnticos aos decadentes, dasvanguardas e seus diversos espasmos discusso contempornea, cada gerao atualizaa seu modo a ideia de que a poesia estivesse acabando ali. Como se cada geraotivesse a necessidade de reconhecer sua prpria experincia como experincia de crise o que tambm um modo de apontar um novo comeo. Claro, as situaes so bemdistintas e tm que ser analisadas caso a caso, mas me pareceu que a descrio desse

    discurso da crise poderia ser oportuna para o debate contemporneo, uma vez queoferece um contraponto a uma discusso s vezes vaga, ou imediatista, ainda quebaseada sobre os fatos da dita falncia, em srias constataes sociolgicas, histricasou estatsticas do fim da poesia ou da literatura.

    Parece que uma espcie de desejo de escrever as novas pginas da histria nos leva comcerta facilidade a constatar rupturas, crises, movimentos de poca cada vez maisrpidos, como se a histria estivesse sempre acabando ou recomeando. O que mepareceu importante acrescentar que o debate sobre a literatura, e em especial sobre apoesia, hoje, herdeiro desses paradigmas. Como no chegamos a reconhecer o que estem jogo na atualizao do procedimento, o risco acabarmos ficando refns do discursodos fatos, que alis varia bastante de contedo, dependendo das filiaes e dosinteresses das fontes.

    JU Na apresentao do livro, o sr. assinala que o discurso potico aquele que

    no apenas sente o impacto dessa crise, no apenas deixa ler em seu corpo as

    marcas da violncia caracterstica da poca, mas que, a partir dessas marcas,

    nomeia a crise a indica, a dramatiza como sentido do contemporneo. Quais

    so os efeitos mais deletrios dessa mimetizao?

    Siscar No quero negar que existe uma crise, pois assim que, muitas vezes, osartistas e os observadores do contemporneo sentem a situao dita moderna. Essesentimento mesmo, mais do que admissvel, crucial para entender o sentido de nossaarte e de nossa literatura. Mas achar que a arte e a literatura so apenas expresso

    desse mal-estar ignorar fundamentalmente sua prpria constituio. Eu chegaria a dizerque a poesia, gnero ao qual me refiro, uma das grandes responsveis pelacaracterizao, pela explicao e pela formalizao desse sentimento de crise, que temverses conhecidas na filosofia, na psicanlise, na economia poltica. Essa caracterizaoocorre no apenas nos poemas, mas nos ensaios, nas correspondncias, nas entrevistas,nos artigos, enfim, em todo esse material de pensamento e de criao que faz parte davida literria, num determinado perodo.

    No caso especfico do texto potico, no se trata de ver o poema apenas como vtimapassiva ou iludida de uma crise que est fora dele, uma crise de ordem histrica esocial, como se afirmou com muita frequncia, inclusive na crtica literria. Parte dahistria literria do sculo XX nos acostumou a enxergar a poesia e a arte, de modogeral como sintoma de problemas cujo esclarecimento estaria a cargo de outros saberessobre o homem. O resultado negativo desse procedimento, sem dvida coerente com oaparato crtico das cincias humanas, um certo silenciamento do saber formulado nasobras literrias, que se manifesta pela amputao de partes do corpus potico ou at

    pela recusa em considerar as convenes internas do gnero, a fim de enquadr-lo emdeterminadas situaes discursivas.

    No nego o interesse e a necessidade dessa leitura a contrapelo, segundo a expresso deum crtico conhecido, mas acho importante lembrar os pontos obscurecidos pelo hbito.Em especial que, alm de ser contempornea da dita crise, a poesia tambm a nomeia,isto , tambm a descreve, e por isso mesmo a constitui: d corpo, nome e existncia aalgo desse tipo. O microscpio crtico aqui tem que estar ajustado linguagem dognero, ou seja, ao modo pelo qual este gera sentido. Noto que o que h de nocivohistoricamente no desajuste entre os valores humanos e a crescente racionalizao davida, entre o discurso da pluralidade e a fora da excluso, faz apario na poesia no nomodo da expresso (como quem recolheria em sua linguagem aquilo que j teve lugar naordem histrica), tampouco necessariamente como quem o deixa ler sob seus maldisfarados subterfgios. Creio que a poesia dispe-se a chamar a ateno, de modosvariados, para as contradies de que participamos, histricas ou afetivas no s no asevita, como faz dessas contradies um drama, agravando na ordem do sensvel, do

    afetivo, aquilo que aparentemente nos rodeia.

    JU As distores do jornalismo, entre as quais a generalizao, as abordagens

    ligeiras, a queda por nmeros e planilhas e o discurso recorrente sobre o

    anacronismo e a morte da poesia e, em ltima instncia, da literatura so

    analisados em parte da sua obra. Em que medida esses componentes afetam a

    difuso da literatura e alimentam uma percepo equivocada do que produzido?

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    Siscar importante dizer, de incio, que a difuso da literatura sempre dependeu dasmdias, quaisquer que fossem, desde as mais rudimentares. uma iluso tpica dedcadas passadas (por exemplo, das contestaes antissistema da poesia marginal)considerar que se pode romper com os atravessadores, se entendermos essa instnciade modo amplo como o conjunto dos meios que permitem o contato com a informao esua difuso. Mas o sentido desses processos tem consequncias muito diferentes, decaso a caso, que preciso analisar. No retomo a questo, na sua abrangncia, mas,como voc percebeu, chamo a ateno, no livro, para alguns aspectos que se comunicamcom meu interesse principal.

    O caso do jornalismo, em especfico, dos mais instigantes, por vrias razes. Emprimeiro lugar, porque o jornal impresso ou on-line continua a ser um elemento

    importante do nosso espao pblico o que atendia por esse nome, ou o que sobroudele. O jornal continua sendo um espao onde se constroem e onde se destroemreputaes. Mas relevante, tambm, porque os jornalistas constituem, hoje, uma dasclasses profissionais mais envolvidas na produo da literatura, como j foi o caso nopassado dos bacharis ou dos funcionrios pblicos. Isso apenas refora a constataomais geral de que no so apenas testemunhas neutras e desinteressadas da vidaliterria.

    Num dos textos do livro, abordo episdios recentes e mais delicados envolvendo a poesia.Sugiro que o discurso jornalstico tem passado pelo processo de construo de umaautoimagem heroica que, para ganhar legitimidade, precisa de vtimas substitutivas, comoa poesia, a serem acusadas de anacronismo. At que ponto estamos diante deinformaes e de fatos, quando abrimos ou acessamos um jornal? O prprio usogeneralizado e inconsistente de estatsticas para comprovar os abalos da leitura e daliteratura, mostra que a questo est longe de ser apenas a da informao. Ou seja, huma questo de pauta jornalstica que to importante quanto os acontecimentos da

    vida cultural.Mas, embora eu exprima reservas sobre o modo como os jornais recortam, justificam eopiniam sobre a situao atual da poesia, acho que a discusso sobre literatura no podeprescindir desse espao e dos desafios que ele coloca. O tratamento da informao fazparte da construo do sentido do contemporneo, inclusive do contemporneo dapoesia. H, claro, outras redes de difuso de informaes, que esto em plenaemergncia, hoje, o que pode vir a transformar os dados. Mas elas no mudamessencialmente o que est em jogo.

    Continua nas pginas 6 e 7

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