Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação...

79
Discussões jurídicas contemporâneas .......................................................................... - 1 - A A r r l l e e m m A A l l m m e e i i d d a a D D u u a a r r t t e e d d e e S S o o u u s s a a   n n g g e e l l a a F F e e r r r r e e i i r r a a d d a a S S i i l l v v a a W W i i l l s s o o n n M M e e d d e e i i r r o o s s P P e e r r e e i i r r a a O O r r g g a a n n i i z z a a d d o o r r e e s s Discussões jurídicas contemporâneas. Coletânea de estudos 1 VirtualB B B Books Editor Discussões jurídicas contemporâneas .......................................................................... - 2 - © Copyright 2015, organizadores e autores. 1ª edição 1ª impressão (publicado em junho de 2015) Todos os direitos reservados, protegidos pela Lei 9.610/98. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou reproduzida, em qualquer meio ou forma, nem apropriada e estocada sem a expressa autorização dos organizadores e autores. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA DE ESTUDOS 1 Arlem Almeida Duarte de Sousa, Ângela Ferreira da Silva, Wilson Medeiros Pereira Organizadores. Pará de Minas, MG: VirtualBooks Editora, Publicação 2015.14x20 cm. 154p. ISBN 978-85-434-0582-7 1. Direito. Brasil. Título. CDD- 340 _______________ Livro editado pela VIRTUALBOOKS EDITORA E LIVRARIA LTDA. Rua Porciúncula,118 - São Francisco Pará de Minas - MG - CEP 35661-177 - Tel.: (37) 32316653 - e-mail: [email protected] http://www.virtualbooks.com.br

Transcript of Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação...

Page 1: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 1 -

AArrlleemm AAllmmeeiiddaa DDuuaarrttee ddee SSoouussaa ÂÂnnggeellaa FFeerrrreeiirraa ddaa SSiillvvaa WWiillssoonn MMeeddeeiirrooss PPeerreeiirraa

OOrrggaanniizzaaddoorreess

Discussões jurídicas

contemporâneas. Coletânea de estudos 1

VirtualBBBBooks Editor

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 2 -

© Copyright 2015, organizadores e autores.

1ª edição

1ª impressão

(publicado em junho de 2015)

Todos os direitos reservados, protegidos pela Lei 9.610/98. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou reproduzida, em qualquer meio ou forma, nem apropriada e estocada sem a expressa autorização dos organizadores e autores. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA DE ESTUDOS 1 Arlem Almeida Duarte de Sousa, Ângela Ferreira da Silva, Wilson Medeiros Pereira Organizadores. Pará de Minas, MG: VirtualBooks Editora, Publicação 2015.14x20 cm. 154p. ISBN 978-85-434-0582-7 1. Direito. Brasil. Título. CDD- 340

_______________ Livro editado pela VIRTUALBOOKS EDITORA E LIVRARIA LTDA. Rua Porciúncula,118 - São Francisco Pará de Minas - MG - CEP 35661-177 - Tel.: (37) 32316653 - e-mail: [email protected] http://www.virtualbooks.com.br

Page 2: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 3 -

ORGANIZADORES

Ângela Ferreira da Silva Pedagoga. Graduada em Normal Superior Anos Iniciais/Educação Infantil e em Pedagogia Licenciatura - Faculdades Integradas do Norte de Minas.

Especialista em Pedagogia nos Espaços não Escolares, Supervisão e Inspeção Escolar. Atualmente é Assistente Administrativo Pedagógico – Funorte. Tem experiência na área da Educação, com ênfase em Educação

nas séries iniciais e Secretaria Acadêmica.

Árlen Almeida Duarte de Sousa

Professor do curso de Graduação em Direito das Faculdades Integradas do Norte de Minas.

Coordenador de Pesquisa do Curso de Graduação em Direito. Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Estadual de Montes Claros –

Unimontes. Doutorando em Ciências da Saúde pela Unimontes.

Wilson Medeiros Pereira Mestre em Direito Público e Evolução Social pela Universidade

Estácio de Sá/ Rio de Janeiro. Juiz Federal (TRF1ª Região). Especialista em Direito Econômico e Empresarial e em Direito Público.

Professor e Coordenador do Curso de Direito da Funorte.

REVISORA

Cássia Maria Aquino Suzart. Graduada em Letras Português/Francês e suas literaturas pela Universidade

Estadual de Montes Claros _ FUNM / UNIMONTES. Especialista em Linguística Aplicada- Leitura e Produção Textual. Possui experiência em

docência em cursos médio e superior, cursos preparatórios, pré-vestibulares, consultorias e na coordenadoria da Educação a Distância/Polo

(EAD) Norte de Minas. Sócia- proprietária, coordenadora e docente no Logos Sociedade Educacional Montes Claros-MG, área de Português.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 4 -

CONSELHO EDITORIAL

Jaime Mendonça editor

Evane Machado Assistente editorial

Lívia Machado Revisora

Fabrício Caetano Rios Preparador de texto

Marcus Vinicius Marinho designer

Adriano Correa Barros Marcos Otávio Leite Impressores

Page 3: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 5 -

APRESENTAÇÃO

A Instituição de Ensino Superior é considerada a maior ferramenta utilizada na construção e disseminação do conhecimento científico, pois proporciona aos estudantes e docentes um ambiente de reflexão. Dentro desse contexto, percebe-se que a produção científica se tornou parte essencial no crescimento profissional do estudante da área do Direito.

Uma Instituição de Ensino estabelece laços perenes com seus estudantes, devendo acompanhar e estimular a inserção deles no mercado de trabalho. Pensando nisso, o Curso de Direito da Funorte colocou em execução um projetor desafiador com seus acadêmicos e egressos. Com fincas ao estímulo e desenvolvimento da pesquisa científica, os melhores trabalhos de conclusão de curso serão publicados em livro ou revista de alcance nacional.

A presente obra é a primeira publicação advinda desse projeto. Após uma percuciente análise, foram escolhidos onze trabalhos de conclusão de curso, os quais dispõem sobre variados temas e que provocam grandes debates no mundo jurídico. Indubitavelmente, não se propõe estancar as discussões tratadas, mas fornecer e/ou sugerir aos leitores possíveis e novas perspectivas dos temas abordados.

Os organizadores.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 6 -

PREFÁCIO

Ainda me pergunto o que levou aos organizadores

desta prestigiada obra a me escolherem para prefaciar esse

livro. A tarefa a mim confiada deixou-me extremamente

honrada, mas também preocupada de não conseguir levar a

cabo tão importante tarefa.

Preocupei-me de não ser capaz de demonstrar, em

poucas linhas, a importância da obra e o orgulho de participar

dessa equipe. Entretanto, após a leitura dos artigos, que trazem

temas tão relevantes e contemporâneos, percebi, expostas em

cada capítulo, a dedicação, a inteligência, a eloqüência e a

riqueza de conhecimentos de seus autores.

Sinto-me honrada por ser colega de academia dos

professores e por ter participado da formação de tão brilhantes

profissionais – alunos formados em nossa Instituição.

Além da excelente formação profissional promovida

pelo Curso de Direito da Funorte, o despertar para a pesquisa

científica, desenvolvida pelos profissionais que nele atuam,

carreia para o Curso mais um diferencial. A publicação de

livros é fruto dessa alvissareira estratégia.

Montes Claros e todo o acervo jurídico nacional

ganham uma brilhante obra, publicada por mestres e

aprendizes do curso de Direito das Faculdades Integradas do

Norte de Minas.

Page 4: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 7 -

O que mais dizer? Aproveitem a leitura e enriqueçam

seus conhecimentos!

Cinara de Jesus Fagundes Silva

Advogada, formada em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas, Pós-Graduada em Ciências Penais pela Unimontes, Diretora do Campus São Norberto da Funorte, Secretária-Geral da Funorte-Fasi.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 8 -

SUMÁRIO

Apresentação / 00

MANIFESTAÇÕES POPULARES: PONDERAÇÕES ACERCA DA VEDAÇÃO AO ANONIMATO / 00 Ana Maria Monção Medeiros

Maria Letícia da Costa Leal Teixeira

A (IN) DISPENSABILIDADE DA ASSISTÊNCIA DO ADVOGADO NOS PROCEDIMENTOS DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ESTADUAIS: UMA ANÁLISE EM FACE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO / 00 Danielle Souza Gomes

Ana Lúcia Ribeiro Mól

A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL NOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE INTELECTUAL / 00 Giuseppe Angeli Neto

Givago Prandini Maia

POSSIBLIDADE DO USO DE PROVAS ILÍCITAS COMO ÚNICO MEIO DE CONDENAÇÃO / 00 Jéssica Augusta Alves de Melo Erika Daniella Rodrigues Oliveira Rabelo

A EXIGÊNCIA DE REGULARIDADE FISCAL PARA INCLUSÃO DE MICRO EMPRESA E EMPRESA DE PEQUENO PORTE NO SIMPLES FRENTE O PRINCÍPIO DA ISONOMIA / 00 Lílian Madureira Mota Leite

Page 5: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 9 -

Antônio Luiz Nunes Salgado AFETO COMO PRINCÍPIO JURÍDICO / 00 Maria Clara Fernandes Muniz

Luciano Soares Maia

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 10 -

MANIFESTAÇÕES POPULARES: PONDERAÇÕES ACERCA DA VEDAÇÃO AO ANONIMATO

Ana Maria Monção Medeiros

*

Maria Letícia da Costa Leal Teixeira **

Introdução

O presente artigo tem como proposta, fazer

ponderações acerca da medida governamental proibitiva do uso de máscaras, em manifestações populares, tendo como fundamento para tal restrição, a vedação constitucional ao anonimato.

A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º inciso IV diz que: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Desta forma, assegurado esse direito, o indivíduo poderá exteriorizá-lo por diversos meios, sejam eles escritos, gestuais, falados, ou ainda, por meio da imprensa, rádio, televisão e até mesmo reuniões populares.

Recentemente, o Brasil vivenciou o ápice desses direitos. Jovens, adultos, Idosos e, inclusive, crianças foram às ruas para expressarem seus descontentamentos com a política nacional. Essas reuniões mobilizaram milhares de pessoas em torno de alguns ideais, que iam da redução da tarifa de transporte público, até melhorias na saúde, educação, combate à corrupção, dentre outros.

* Bacharel em direito pelas Faculdades Integradas do Norte de Minas – FUNORTE. Advogada. Email: [email protected] ** Professora e integrante do Centro de Pesquisa das Faculdades Integradas do Norte de Minas - FUNORTE. Mestre em Hermenêutica e Direitos Fundamentais. Universidade Presidente Antônio Carlos. Email: [email protected]

Page 6: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 11 -

Analisando a história do Brasil, percebe-se a atuação de um Estado que buscou inibir a liberdade de expressão e suas várias formas de manifestação.

A Carta de 1988 instituiu o Estado Democrático de Direito e, com esse veio, a limitação do Estado quanto à represaria ao exercício do direito de expressão. Com isso, o exercício da liberdade tornou-se fundamental para a garantia dos direitos dos cidadãos, podendo, assim, manifestá-la para defender seus interesses perante a ordem estatal.

Contudo, o exercício dos direitos garantidos pela Constituição encontra limites, pois não se pode praticar todo e qualquer ato com pretexto de que está se valendo de um direito constitucional.

Entende-se, então, não serem absolutos os direitos fundamentais, pois o seu limite está na mera existência de outro direito fundamental. Os limites existem para garantir que a existência de um não possa neutralizar o outro.

Todavia há quem pense que as medidas proibitivas do uso de máscaras ocorridas no Brasil, de certa forma, foi uma restrição ao direito de liberdade; porém elas surgiram para inibir as práticas violentas que estavam manchando o caráter pacífico das manifestações que se iniciaram na metade do ano de 2013. Alguns pequenos grupos específicos valeram-se das aglomerações de pessoas para cometeram atos ilícitos contra o patrimônio público e particular, como, também, contra os cidadãos que estavam ali para exercem um direito fundamental constitucional. Percebeu-se, então, que os integrantes desses grupos ocultavam suas identidades com o uso de máscaras ou qualquer outro objeto que desempenhasse o mesmo papel.

A providência supramencionada, inicialmente, foi tomada pela Secretaria de Defesa Social de Pernambuco, a qual foi aprovada, em forma de lei, pela Assembleia

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 12 -

Legislativa do Rio de Janeiro (Lei nº 6.528/2013) e reproduzida, em proposições, na Câmara de Porto Alegre e na Assembleia de Mato Grosso. Tramita, ainda, na Câmara dos Deputados Projeto de Lei nº 6198/2013 do Deputado Jorge Tadeu Mudalen, visando a incluir o art. 40-A à Lei nº 3688/1941 que dispõem a cerca das Contravenções Penais para proibir o uso de máscaras ou qualquer outro objeto que possa esconder o rosto em manifestações populares, tendo como intuito a perturbação da paz pública.

Grandes polêmicas nortearam essa decisão, pois para algumas pessoas, a solução encontrada, para coibir as frequentes práticas criminosas, trata-se de limitação não exatamente à expressão individual, mas de toda a coletividade, haja vista que a proibição se estende a todas as reuniões em espaço público, sem sequer observar a natureza pacífica.

Desta feita, verifica-se um conflito de direitos, pois, de um lado, o Estado busca a garantia da segurança pública; do outro lado, os cidadãos são protegidos por uma Lei Maior.

Diante desse conflito, a solução mais plausível se dá com a aplicação do princípio da proporcionalidade, deve- se analisar o caso concreto_ qual dos direitos, em conflito, tem maior peso, de modo que somente um deverá prevalecer.

Por fim, após uma análise crítica da questão e feitas as devidas ponderações acerca da vedação ao anonimato em manifestações populares, verificar-se-á que a limitação imposta ao direito de expressão, justifica-se em nome da segurança pública.

1 Breve histórico sobre a liberdade de expressão

No primeiro semestre de 2013, eclodiram movimentos populares no Brasil, atraindo muitas pessoas que foram às ruas sob vários tipos de protestos, dentre os quais se

Page 7: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 13 -

destacaram o aumento da tarifa de ônibus, os gastos com a copa, reforma política, entre outros. As frequentes manifestações e a ocorrência de atos violentos de depredações, por diversas vezes, atribuídas ao grupo black bloc levantaram um panorama de debates sobre a proibição do uso de máscaras nesses eventos_ se violariam os direitos dos cidadãos ou seria uma medida plausível para a inibição dos atos apartados de violência em reivindicações.Sanson e Junqueira, (2013).

Para maior compreensão dessa questão, é necessária uma análise histórica da presença do direito à liberdade de expressão e manifestação no contexto brasileiro.

Basicamente, todas as constituições brasileiras traziam esse direito em seu escopo, contudo inexistia regulamentação e, além disto, uma intensa repressão por parte dos governantes. A primeira Constituição de 1824 tratou da inviolabilidade dos direitos políticos e civis dos cidadãos brasileiros. Essa constituição trouxe o direito à liberdade de expressão, contudo destacou a possibilidade de se responder por todo excesso que venha a prejudicar o direito alheio.

Na Constituição da República de 1891, houve o reconhecimento do direito de todos à manifestação de pensamento e a opiniões, vedado o anonimato. Novamente o texto constitucional traz a possibilidade de responsabilização pelo excesso cometido ao exercer seu direito à liberdade de expressão, mas essa constituição inova ao vedar o anonimato, sendo essa uma forma de punir o verdadeiro responsável pelo exagero cometido.

A Constituição de 1934, devido ao momento ideológico mundial entre o capitalismo e comunismo, manteve os direitos individuais garantidos anteriormente, contudo, acrescentou outros direitos.

Na Constituição de 1937, o Brasil vivenciou umas das maiores formas atentatórias contra a liberdade de

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 14 -

expressão. Basicamente, toda e qualquer forma de liberdade foi suprimida.

Sobre esse assunto destaca Nosso que:

Em 10 de novembro de 1937 o presidente Getúlio Vargas revoga a Constituição de 1934 e outorga um novo texto constitucional. Esse documento tem por finalidade, em última instância, institucionalizar um governo autoritário. Instalou-se, portanto, uma verdadeira ditadura, em que o Poder Executivo era centralizado e demasiado forte - tudo isso em nome da paz, da ordem e da segurança pública. Em conseqüência disso, a liberdade de expressão sofreu severas limitações (NOSO, 2011, p. 16).

A ditadura militar foi, historicamente, atentatória contra a liberdade de expressão. O Estado, como forma de garantir seu poder, inibia qualquer forma de expressão, de opinião, de manifestação, punindo severamente quem cometesse tais atos. O país vivenciou anos de chumbo, sem democracia, com restrição quase que absoluta dos direitos, principalmente os que poderiam, de alguma forma, ameaçar o poder dos militares.

A partir de então, travou-se uma luta incessante pelo reestabelecimento das liberdades aos cidadãos, o que só veio acontecer com a promulgação da Constituição de 1946. Essa, por sua vez, veio toda embasada na liberdade, expressa em vários artigos. O art. 114, § 5º da Constituição ainda previa a manifestação de pensamento, sendo proibido o anonimato e garantiu, ainda, o direito de respostas, que consiste no direito de se defender de críticas públicas no mesmo meio em que foram publicadas, a ser esse direito proporcional ao seu

Page 8: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 15 -

agravo. Mais adiante, em seu art. 173, previa a liberdade de ciências, letras e artes.

Com um golpe de Estado, o General Castelo Branco assumiu o Brasil em 1964, a partir de então, iniciou-se o Regime Militar, que se caracterizou pela repressão a trabalhadores, dirigentes, dentre outros. Na Constituição de 1967, dedicou-se um capítulo para tratar dos direitos e das garantias individuais, contudo, na prática, era bem diferente Garbossa,(2011). Em 13 de dezembro de 1968, fora editado o AI – 5, extremamente autoritário, por dar ao Presidente da República o poder de restringir os direitos dos cidadãos, o que diminuiu, substancialmente, os direitos e garantias individuais conferidos pela constituição de 1967. Noso (2011). Seguiu essa mesma linha a Constituição de 1969.

O mesmo autor ainda acrescenta que:

A Emenda Constitucional no. 1 de 1969 veio a substituir a Constituição de 1967. Com ela, o Executivo tornou-se ainda mais poderoso, o que suscitou o problema da legitimidade constitucional. No que se refere à liberdade de expressão, apenas acrescentou o termo “as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes” ao rol de suas restrições (NOSO, 2011, p. 18).

Em 1982, nasce o “Movimento Diretas Já” impulsionado pelos partidos de oposição que mobilizaram a população para a volta do Estado Democrático de Direito. Em 15 de janeiro de 1985, é eleito para presidente Tancredo Neves, porém veio a falecer em 21 de abril do mesmo ano, assumindo, por cinco anos, o seu vice José Sarney que teve a gigantesca tarefa de reconstruir a democracia e solucionar a crise inflacionária pela qual passava o Brasil Tranquilim e Denny, (2003).

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 16 -

Para tanto surge a necessidade de promulgar uma nova Constituição, que veio em 1988. Nela, fora instituída o Estado Democrático de Direito, e com ele, todos os direitos e garantias atuais dos cidadãos, dentre os quais se destaca o direito à liberdade de expressão.

A respeito do tema, Noso acrescenta que:

A promulgação da Constituição de 1988 veio por restituir a ordem democrática no país. Após anos de autoritarismo e restrições aos direitos fundamentais, essa Carta tem por principal objetivo a plena realização da cidadania. Por isso, traz em seu corpo um extenso rol de direitos e garantias consideradas essenciais, sem as quais não se tem o exercício pleno da cidadania. É a chamada Constituição Cidadã (NOSO, 2011, p. 18).

A Constituição de 1988 é o espelho da democracia, da plenitude dos direitos fundamentais. O direito à liberdade de expressão está previsto em vários artigos da CF/1988, e imprime a eles um caráter fundamental. São eles o art. 220 _ que trata da liberdade de manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação _ o art. 221_ que trata da produção e a programação das emissoras de rádio e televisão , além desses destaca-se, também, o art, 5º, vejamos: “Art. 5º [...] IV _ é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” BRASIL(1988).

A atual Constituição da república buscou coibir qualquer tipo de censura ao direito à liberdade de expressão, tanto que privilegiou esse direito e suas mais variadas formas, no intuito de consolidar a democracia. Uma dessas formas verifica-se no art. 60, § 4º, IV da CF/1988 que consagra, como

Page 9: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 17 -

cláusula pétrea, esse direito e impede, assim, que o Estado o suprima ou viole.

Por fim, visto que a liberdade de expressão trata-se de um direito fundamental, vale ressaltar que ele não é absoluto, uma vez que possui certas restrições no intuito de não ser utilizado para justificar atos de violência, difamação, calúnia, entre outros. Para tanto, necessário se faz mecanismos limitadores para que esse direito não neutralize outros e que o seu desenvolvimento e o progresso estejam sempre ligados ao bom senso e à moderação.

1.1 Mecanismos Limitadores da Liberdade de Expressão e o Direito de Reunião

Como já afirmado, é garantido pela Constituição de

1988 a liberdade de se expressar, sendo esse um direito fundamental dos cidadãos.

Neste sentido assevera Noso:

A liberdade de expressão é um dos direitos mais importantes dos cidadãos. É um direito fundamental inerente ao ser humano e é através dele que se possibilita a participação do indivíduo na vida em sociedade e nas decisões do Estado, ou seja, ele é essencial para autodeterminação do indivíduo. Forma juntamente com outros princípios, tais como a dignidade da pessoa humana e a igualdade, um dos pilares do Estado Democrático (NOSO, 2011, p. 7).

Não há Estado Democrático de Direito sem o direito à liberdade de expressão, pois representa um dos pilares da

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 18 -

democracia, uma vez que possibilita que os cidadãos participem, de uma forma mais ativa, das decisões do Estado.

Contudo a própria constituição estabelece o direito à resposta e à indenização por danos morais e materiais ou à imagem. Desta forma, é garantido o direito de se expressar, sendo certo, contudo, que será vedado o anonimato. Em outras palavras, é possível expressar o que se pensa, desde que assuma a autoria daquilo que foi exteriorizado.

Diante do exposto, há que se dizer que os direitos fundamentais não são absolutos, uma vez que encontram limites justamente quando se confrontam como outros direitos fundamentais. Esses mecanismos limitadores servem para garantir que a existência de um direito não neutralize o outro. Assevera Yabuta, Ferraz e Tassi (2006, p.8) que “a liberdade de expressão é considerada um direito irrevogável no Brasil e em outras partes do mundo, mas apesar de ser um direito consolidado, encontra limitações ao se confrontar com outros direitos inerentes ao homem”.

Esses confrontos são bastante comuns, dessa forma os limites são essenciais para que o direito não seja aniquilado por outro, mas, sim, que exista uma razoabilidade e proporcionalidade na sua interpretação.

Garbossa acrescenta que:

[...] não faria sentido o Estado assegurar direitos fundamentais ao indivíduo, respeitando-os, se este mesmo indivíduo utilizasse tais direitos para práticas contrárias ao próprio direito, à moral, enfim, condutas que prejudicassem o bom funcionamento e andamento da ordem social. Perderia totalmente o sentido assegurarem-se tais direitos (GARBOSSA, 2011, p. 25).

Page 10: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 19 -

Os direitos existem justamente para garantir a ordem social, seria, portanto, ineficaz se esse fosse utilizado de maneira errônea, contrárias à moral, ao bons costumes, ao próprio direito, favorecendo, assim, a desordem social.

Nesse mesmo sentido lecionou Lazari (2010, p. 115): “[...] a própria Carta de 1988 previu mecanismos limitadores, como o direito de resposta e os parágrafos terceiro, quarto e quinto, do art. 220, da Constituição Federal, a título ilustrativo”.

Desta feita, analisando sob a ótica do direito à liberdade de expressão e manifestação de pensamento, a constituição impõem certos limites, e, sendo esses limites extrapolados, os culpados irão responder proporcionalmente à gravidade de sua conduta.

Garbossa destaca que:

[...] aquele que se expressa de forma errônea, injuriosa ou de qualquer outro modo ofende a honra de alguém ou expressa-se de forma abusiva, representando uma agressão ao Estado Democrático de Direito, deverá ser responsabilizado por aquilo que expressou. É justamente por essa razão, entendemos, que, ao assegurar a liberdade de manifestação do pensamento, a Constituição proíbe que a pessoa sirva-se do anonimato para se expressar (GARBOSSA, 2011, p. 31).

A título de exemplo, podemos citar o art. 5º, inciso IV, da CF/88, no qual estabelece que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (BRASIL, 1988). Como bem explicam Yabuta, Ferraz e Tassi:

Há nessa norma constitucional a garantia ao direito fundamental (liberdade de expressão) e também uma restrição (a vedação ao

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 20 -

anonimato), ou seja, só é protegida constitucionalmente a manifestação do pensamento desde que o emissor se identifique (YABUTA, FERRAZ E TASSI, 2006, p. 4).

Um dos instrumentos mais comuns e eficazes de se estabelecer limites à liberdade de expressão são as próprias leis vigentes nacionais e internacionais relacionadas ao tema.

Sobre esse assunto, ainda, acrescenta Yabuta, Ferraz e Tassi que:

A Constituição Federal de 1988 ao estabelecer a vedação ao anonimato (artigo 5°, IV), criou o limite fundamental para a liberdade de expressão. Com isso, todos os crimes ou infrações a direito de terceiros serão punidos de acordo com a legislação pertinente àquele direito que foi infringido por meio da manifestação do pensamento do infrator. Daí, a importância da vedação ao anonimato, pois identificado o emissor da opinião que utilizou-se da liberdade de expressão para prejudicar direito de terceiro ou cometer crime, este será punido de acordo com o que a lei estabelecer (YABUTA, FERRAZ E TASSI, 2006, p. 4).

O Estado é o responsável pelo controle da liberdade

de expressão ao estipular limites e imposição de penalidade, quando esse direito sofrer abuso.

Yabuta, Ferraz e Tassi assevera que:

O artigo 5º, incisos IV e V respectivamente nos diz que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” e que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. Dessa forma, a pessoa tem a liberdade de se expressar pela palavra, desde que se

Page 11: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 21 -

identifique e que tenha plena consciência de que a liberdade de falar o que lhe vem ao pensamento não significa ofender e maltratar verbalmente a outra pessoa, pois além de ter o dever de ouvir o que a outra pessoa pensa a respeito do que foi dito, você ainda corre o risco de ter que responder judicialmente (YABUTA, FERRAZ E TASSI, 2006, p. 2).

Como visto, a Constituição Federal enquadra a

liberdade de expressão como direito fundamental_ base do Estado Democrático de Direito. Sua importância se revela ao longo da história e foi consolidado como cláusula pétrea, impossibilitando, assim, a sua mutilação. Porém há de se notar que, por diversas vezes, foi necessário limitar esse direitos para afastar abusos e aniquilação de outro direito. A maneira mais eficaz é estabelecer esses limites e instituir penalidades para o seu descumprimento. Todavia, para que os infratores sejam penalmente responsabilizados, faz-se necessário o conhecimento da autoria de tais abusos e, para tanto, a própria constituição veda, expressamente, o anonimato.

Silva pondera que:

A liberdade de manifestação do pensamento tem seu ônus, tal como o de o manifestante identificar-se, assumir claramente a autoria do produto do pensamento manifestado, para, em sendo o caso, responder por eventuais danos a terceiros. Daí por que a Constituição veda o anonimato. A manifestação do pensamento não raro atinge situações jurídicas de outras pessoas a que socorre o direito, também fundamental individual, de resposta (SILVA apud GARBOSSA, 2011, p. 31).

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 22 -

A vedação ao anonimato serve justamente para que o culpado pelo dano causado pela exposição do pensamento seja responsabilizado.

Trata-se, pois de um direito que deve ultrapassar as fronteiras da psique, uma vez que o direito não deve intervir no íntimo, sem impacto social.

A liberdade de reunião, no Brasil, está prevista no art. 5º, inciso XVI da CF/88, e está protegido desde que observados determinados requisitos, quando em locais abertos ao público, quais seja pacífico, com prévio aviso às autoridades competentes, sem uso de armas e não pode coincidir com outra reunião convocada anteriormente para o mesmo local.

Sobre o direito à reunião, Sanson e Junqueira destacam que:

Os seus traços característicos são, por conseguinte: a) um encontro organizado de pessoas, que não se confunde com os aglomerados acidentais, indicando participantes sob o agir coletivo consciente; b) a temporariedade restrita, com eventos episódicos e duração limitada, distanciando-se da permanência e da continuidade das associações; c) objetivo próprio e imanente à sua razão de ser, sobre o qual versam trocas de ideias e tomadas de posições (interação); e d) locais abertos ou fechados ao público (SANSON e JUNQUEIRA, 2013, p. 171-172).

A questão perpassa em definir quais as restrições é cabível ao direito fundamental, sem que esse não seja aniquilado, mas somente seja garantida a liberdade de determinados indivíduos, sem, no entanto, ferir outro direito como o da segurança, da paz, da proteção, entre outros. Nesse sentido, Sanson e Junqueira (2013) recordam “que a vedação,

Page 12: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 23 -

pelo Decreto n.º 20.089/99, no Distrito Federal, a manifestações na Praça dos Três Poderes e na Esplanada dos Ministérios foi declarada inconstitucional”.

Por fim, cabe destacar que essa proteção dada ao direito de reunião não se estende a lugares considerados ilícitos, tendo em vista as condições de sua existência. 2 Análise da vedação do uso de máscaras em manifestações populares

Grandes debates foram travados sobre a questão de se proibir ou não máscaras em reuniões públicas. Em especial, esse assunto foi levantado, aqui, no Brasil, após as manifestações que ocorreram, no segundo semestre de 2013, e vêm acontecendo no país. As inúmeras defesas de posicionamentos prós e contras deverão ser examinadas pelo Supremo Tribunal Federal.

Durante as manifestações que ocorreram no cenário pátrio, alguns grupos arruaceiros infiltraram, em meio à multidão, para cometer atos de violência contra o patrimônio público e os cidadãos de bem. Esses pequenos grupos, devido às práticas criminosas, acabavam manchando o caráter pacífico das manifestações que embalaram o cenário brasileiro. Jovens, adultos, crianças e idosos foram às ruas, inconformados com a política nacional, protestarem por melhorias na saúde, segurança, educação, contra a corrupção e tantas outras questões sociais. Todo brasileiro foi contagiado pelo espírito patriota e, cada vez mais, se entusiasmava com aquele momento histórico pelo qual estava, oportunamente, vivenciando.

Contudo, cada vez mais, ficou comum essas reuniões terminarem em meio à violência, com o resultado da utilização de uma força repressiva do Estado que, por meio de

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 24 -

cassetetes, balas de borracha, bombas de efeito moral, entre outros, dissipavam a multidão, acabando àquele momento num verdadeiro cenário de guerra.

Na maioria das vezes, quem estava envolvido, nesses atos criminosos, fazia uso de máscaras, o que dificultava sua identificação e ficava cada vez mais difícil para a polícia controlar esses ataques.

Diante disso, surge uma grande questão para o Estado_ preservar o direito fundamental desses cidadãos de irem às ruas para expressarem seu descontentamento com a realidade social, por meio do exercício pleno da sua liberdade e democracia, ou garantir a segurança pública? A solução encontrada foi utilizar de mecanismos limitadores do direito fundamental para combater o excesso que gerou, nesse caso, a desordem pública.

A vedação ao uso de máscaras foi utilizada para que os criminosos fossem identificados e conduzidos à delegacia para as devidas providências. O amparo legal para tal proibição foi justamente o inciso IV do art. 5º da CF/88 que traz a liberdade de manifestação de pensamento, mas veda o anonimato. Assim expõe o artigo citado: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (BRASIL, 1988).

A providência supramencionada, inicialmente foi tomada pela Secretaria de Defesa Social de Pernambuco, a qual foi aprovada, em forma de lei, pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Lei nº 6.528/2013) e reproduzida em proposições na Câmara de Porto Alegre e na Assembleia de Mato Grosso Sanson e Junqueira (2013). Tramita, ainda, na Câmara dos Deputados Projeto de Lei nº 6198/2013 do Deputado Jorge Tadeu Mudalen, visando a incluir o art. 40-A a Lei nº 3688/1941, que dispõem a cerca das Contravenções Penais para proibir o uso de máscaras ou

Page 13: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 25 -

qualquer outro objeto que possa esconder o rosto, em manifestações populares, tendo como intuito a perturbação da paz pública.

Foi aprovada, também, em Minas Gerais a Lei 21.324/2014, em caráter de urgência. A Lei foi sancionada pelo Governo de Minas, um dia após o projeto passar pela Assembleia Legislativa, ela garante que as pessoas não se aproveitem do anonimato para prática de crimes em manifestações públicas.

Como dito, grandes polêmicas nortearam essas decisões, visto ser uma restrição generalizada a um direito consagrado como cláusula pétrea; desse ponto de vista, importantíssimo para o Estado Democrático de Direito. Para opiniões contrárias a essa restrição, muitas vezes as máscaras são utilizada como forma categórica de ideologia, crença, expressão. Seria cabível delimitar quem pode participar de reuniões públicas? Uma mulher islâmica, por exemplo, não poderia se expressar publicamente por ter seu rosto coberto em virtude da religião?

Além dessas, outras questões são discutidas ainda, como também o fato de algumas dessas normas terem, de certa forma, acrescentado ou reduzido alguns requisitos previstos na Constituição acerca da liberdade de manifestação e reunião. Nesse sentido leciona Sanson e Junqueira que:

[...] tornar defeso a utilização de máscaras, verificando-se o texto legal vigente no Rio de Janeiro, é uma decisão da autoridade que não afeta a liberdade de manifestação individual, posto que o óbice surgiria quando do exercício coletivo do direito de expressão, razão pela qual se poderia compreender que a norma local acresceu um novo requisito, não previsto na Constituição Federal, condicionador do direito de reunião, que é prerrogativa

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 26 -

indispensável aos cidadãos. Frise-se que os legisladores cariocas procederam, ainda, a um reducionismo, ao entenderem que o prévio aviso não seria à autoridade competente, mas, especificamente, à policial, isto é, à Delegacia em cuja circunscrição irá se realizar, ou se iniciar, o movimento (SANSON E JUNQUEIRA, 2013, p. 176).

Nesse sentido, ressalta o supracitado autor que essa

redução dos requisitos previstos, na constituição, está justamente no fato de o aviso prévio, exigido pelos legisladores cariocas, não serem a autoridade competente, mas, especificamente, à polícia; já em se tratando da condição estabelecida para o exercício do direito de reunião quando esse ocorre de forma coletiva, à norma do Rio de Janeiro acresceu um novo requisito.

Ainda sobre opiniões diversas à vedação ao uso de máscaras tem-se o posicionamento do Min. Celso de Mello:

[...] a reunião traduz meio vocacionado ao exercício do direito à livre expressão das ideias, configurando precioso instrumento de concretização da liberdade de manifestação do pensamento, nela incluído o direito de protestar, e o Estado, em uma sociedade democrática, tem o dever de respeitar tal liberdade, pois regimes despóticos e ditatoriais não hesitaram em tentar asfixiar os direitos de protesto, crítica e discordância (MELLO apud SANSON E JUNQUEIRA, 2013, p. 176).

O portal de notícias G1 de Pernambuco (globo

nordeste) divulgou, no dia 22/08/2013 uma matéria da jornalista Luna Markman sobre o uso de máscaras em manifestações com o seguinte título: “Restrições de máscaras em protestos no Recife divide opiniões de juristas”. Nessa

Page 14: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 27 -

mesma oportunidade, ela destaca a opinião da especialista em direito , Andrea Gorenstein, sobre a proibição do uso de máscaras em manifestações:

É vedado o anonimato em manifestação escrita do pensamento. A pessoa pode divulgar o que pensa, mas tem que responder por isso, ter um nome conhecido, [esse dispositivo] não cobre a cobertura facial. Ninguém pode ser constrangido a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de Lei, a isso se chama princípio da legalidade. Ele rege qualquer estado democrático de direito, e não há norma que proíba alguém de se manifestar com o rosto coberto, assim ninguém pode ser punido (GORESNSTEIN apud MARKMAN, 2013).

No mesmo documento, acerca dessa divergência de opiniões sobre essa vedação ao uso de máscaras em manifestações populares, Luna Markman destaca, ainda, o entendimento contrário do advogado criminalista Moacyr Veloso:

Embora não exista uma norma que proíba o uso de máscaras em manifestações de rua, a sua restrição poderia ser respaldada por uma aplicação análoga do artigo 5°, inciso IV da Constituição Federal”, explicou. "O que nós temos visto são vândalos mascarados cometendo crimes, e o governo não pode deixar brecha para que criminosos entrem no meio de pessoas de boa fé. A decisão [da SDS] é correta e justa do ponto de vista de política criminal de combate à delinquência. Acho justa para proteger o patrimônio público e privado e a integridade física da população (VELOSO apud MARKMAN, 2013).

A questão aqui, a ser enfrentada pelo Estado, é

garantir que as manifestações públicas ocorram sem que a

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 28 -

segurança pública seja comprometida, até mesmo para preservar o direito daqueles que estão pacificamente se expressando por meio dessas reuniões.

Diante desse empasse, necessário se faz aplicar o princípio da razoabilidade e proporcionalidade para verificar qual desses direitos tem o maior peso valorativo a prevalecer.

Como visto os direitos fundamentais não são absolutos, dessa forma, o seu limite surge quando se depara com outro direito. Isso ocorre para que um direito não neutralize outro mais relevante. No caso em apreço, existem dois interesses se contrapondo: de um lado o interesse público, do outro o privado. O interesse privado busca o exercício pleno da liberdade de expressão, sem qualquer restrição. Por sua vez, o interesse público entende a necessidade de restringir a liberdade de irem às ruas, para manifestarem seus pensamentos e descontentamentos sem, no entanto, a necessidade de se esconder com máscaras. O uso de máscaras, por sua vez, tem se tornado um instrumento utilizado para que os infratores cometam seus crimes sem que sejam repreendidos pela conduta ilegal. Desta forma, o que se busca é proteger os demais cidadãos desses pequenos grupos que possam vir a desviar o foco das reivindicações públicas por meio das manifestações que ocorrem no país.

As Leis supracitadas têm sido aplicadas no âmbito jurídico nacional e têm se mostrado eficientes no combate à violência nas reuniões públicas. As pessoas que forem flagradas usando máscaras serão abordadas pelos policiais e terão que se identificar, caso contrário, serão conduzidas à delegacia para as demais providências Sanson e Junqueira, (2013).

O dia 07 de Setembro de 2013 foi marcado por várias manifestações que percorreram o Brasil. Muitos Estados que adotaram a vedação ao uso de máscaras, colocaram, em

Page 15: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 29 -

prática, essa medida. Foi divulgado no portal G1 uma matéria feita pela BBC, no dia 07/09/2013, com o seguinte título: “Prisões e tumulto no Rio marcam protestos de 7 de Setembro”, nessa reportagem destaca-se o tumulto ocorrido por conta do grupo black bloc que, usando máscaras, tentou atrapalhar o desfile Cívico:

Em Brasília a Polícia Militar estimou em 3 mil o número de pessoas que marcharam rumo ao Congresso durante a manhã. A multidão se dispersou por volta do meio dia, mas, muitos permanecem no gramado do Congresso. O maior tumulto ocorreu no Rio, quando um grupo de manifestantes do grupo Black Bloc invadiu uma das faixas da avenida Presidente Vargas, onde ocorrem os desfiles cívicos, informa Júlia Carneiro, repórter da BBC Brasil que acompanha os protestos. Ela explica que a PM cobrou que os manifestantes retirassem as máscaras e que os policiais impediram o acesso do grupo à avenida ainda antes das 9h. Minutos depois os manifestantes deram a volta e conseguiram chegar ao local. Um grupo pequeno da tropa de choque, com cerca de 15 homens, chegou por trás dos manifestantes, sob aplausos de algumas das pessoas que assistiam ao desfile nas arquibancadas. Pouco depois os policiais lançaram bombas de gás lacrimogêneo para dispersar o grupo, atingindo também alguns dos espectadores (BBC, 2013).

Nessa mesma reportagem, a BBC ainda comenta acerca da preocupação prévia que os Estados teriam neste dia, justamente em relação aos mascarados que tumultuavam as manifestações. Ressalta, também, as formas em que os Estados decidiram enfrentar essa questão:

Previa-se que o uso de máscaras fosse um dos pontos polêmicos durante as manifestações.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 30 -

Diferentes Estados criaram regras distintas sobre o assunto. No Distrito Federal, manifestantes mascarados que não quiserem se identificar serão detidos. Pernambuco também proibiu que os manifestantes cubram o rosto. Já em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin disse que não há orientação nenhuma à Polícia Militar para abordar pessoas com máscaras.'Não tem nada que proíba o fato de a pessoa estar usando máscara ou não estar usando máscara. O que não pode é a depredação do patrimônio público ou privado', disse o governador na sexta-feira. No Rio de Janeiro, o governo voltou atrás e decidiu permitir o uso de máscaras, mas os policiais fluminenses poderão pedir às pessoas que descubram o rosto e se identifiquem (BBC, 2013).

Desde então, essa medida tem sido adotada pelos

Estados brasileiros, que, preocupados com a questão da violência e badernas que vêm acontecendo, em meios as aglomerações de pessoas, precisam punir os infratores e instaurar a paz e a segurança na sociedade. Proibir o uso de máscaras é a solução imediata encontrada para inibir esses criminosos, já que, de cara limpa, é possível sua identificação para que sejam tomadas as providencias necessárias.

3 Conclusão

O debate pretendido, no presente trabalho, versa sobre a questão de se proibir o uso de máscaras em reuniões públicas, tendo em vista as medidas tomadas por alguns Estados brasileiros, diante das frequentes manifestações populares que estavam ocorrendo no Brasil.

O objetivo pretendido foi tecer considerações acerca da possibilidade ou não dessa vedação, tendo-se em vista a colisão aparente de dois direitos, quais sejam, a segurança

Page 16: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 31 -

pública e a liberdade de expressão, decidindo-se pela observância do preceito constitucional da limitação à liberdade por meio da vedação ao anonimato ou pela impossibilidade de restringir o exercício de um direito fundamental.

A questão inicial passa pelo estudo do histórico da liberdade de expressão e manifestação de pensamento. A análise baseou-se com vista a diferentes momentos e evolução na história das constituições brasileiras até, finalmente, alcançar a constituição de 1988 e se tornar alicerce do Estado Democrático de Direito. Foi destacado o caráter não absoluto dos direitos fundamentais e, para tanto se instituiu alguns mecanismos limitadores para que um direito não neutralizasse outros, que o seu desenvolvimento e o progresso estivessem sempre ligados ao bom senso e à moderação.

Ao se tratar da liberdade de expressão e manifestação de pensamento, seu limite se revela através da vedação ao anonimato, limite esse estabelecido pela própria constituição para que aquele que prejudicasse outrem, pelo excesso do exercício desse direito, possa ser identificado e responsabilizado pelo Estado.

Por fim, a discussão direcionou-se para as recentes medidas proibitivas do uso de máscaras em manifestações populares no Brasil. Nesse ponto, foi analisado o contexto em que surgiu tal vedação, com foco nas primeiras manifestações que ocorreram no segundo semestre de 2013 e nas ocorrências de depredações, violências e agressões que marcaram essas reuniões. Ao perceber que a maioria desses infratores fazia uso de máscaras para dificultar sua identificação, alguns Estados decidiram proibir a sua utilização.

Contudo, como visto, essa medida divide opiniões e o presente trabalho traçou considerações acerca dos prós e

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 32 -

contras na aplicação desta restrição ao direito de reunião e manifestação.

Com base no estudo aqui realizado, verificou-se, portanto, que a limitação ao direito fundamental de liberdade de expressão em manifestações populares, justifica-se em prol da segurança pública.

4 Referências

BBC. Portal Globo de Notícias. Disponível em: <http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/09/prisoes-e-tumulto-no-rio-marcam-protestos-de-7-de-setembro-1.html.> Acesso em 28/10/2014.

BRASIL. Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. Lei nº

6.528/2013. Disponível em: < http://gov-rj.jusbrasil.com.br/legislacao/1036049/lei-6528-13> Acesso em: 09 de junho de 2014.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de lei nº 6198/2013. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=D08AE15878DAE55708104FC56803ED5B.proposicoesWeb1?codteor=1122397&filename=PL+6198/2013> Acesso em: 09 de junho de 2014.

BRASIL. Constituição (1824). Constituição política do

império do brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao24.htm> Acesso em 02/11/2014.

BRASIL. Constituição (1891). Constituição da república dos

estados unidos do brasil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao91.htm > Acesso em 02/10/2014.

Page 17: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 33 -

BRASIL. Constituição (1934). Constituição da república dos

estados unidos do brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao34.htm> Acesso em 02/10/2014.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] república

federativa do brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

FARIAS, Edilson. Liberdade de expressão e comunicação:

teoria e proteção constitucional. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2004.

FERREIRA, Pedro Luiz Bragança. O direito fundamental à

liberdade de expressão e o estudo do caso ellwanger. Centro Universitário de Brasília – UNICEUB, monografia, 2012. Disponível em: <http://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/235/4370/1/Pedro%20Luiz%20Bragan%C3%A7a%20Ferreira%20RA%2020828020.pdf > Acesso em 31/11/2014.

GARBOSSA, Daniella D’Arco. Liberdade de expressão e

símbolos nacionais. Revista FMU Direito, São Paulo, ano 25, n. 35, p. 23-41, 2011. JUNIOR, Aluizio Jacome de Moura. A liberdade de expressão

e a decisão do supremo tribunal federal na ADI n.

4.451/2010. Unoesc International Legal Seminar, Chapecó, v. 2, n. 1, p. 75-85, 2013. LAZARI, Rafael José Nadim de. Apontamentos sobre a

liberdade de expressão na constituição federal e na sociedade

brasileira. Org & Demo, Marília, v. 11, n. 2, p. 113-130, jul./dez., 2010. NOSO, Régis Tadao. A liberdade de expressão e o discurso

do ódio. Manakin, Curitiba, 2011.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 34 -

MARKMAN, Luma. Restrições de máscaras em protesto no

Recife divide opiniões de juristas. Portal G1 de notícias. Disponível em: <http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2013/08/restricao-de-mascaras-em-protestos-no-recife-divide-opiniao-de-juristas.html> Acesso em: 31/10/2014.

SANSON, Alexandre; JUNQUEIRA, Michelle Asato. Liberdade x segurança: ponderações acerca da vedação do

uso de máscaras em manifestações públicas. Amazônia em Foco. Ed. Especial: Temas Contemporâneos de Direitos Humanos, n. 2, p. 164-180, Nov., 2013. SILVA, Ilza Andrade Campos; OLIVEIRA, José Sebastião de. Direito à imagem e liberdade de expressão à luz dos

direitos da personalidade. Revista Jurídica Cesumar, v. 6, n.1, p. 395-420, 2006. TRANQUILIM, Cristiane. Liberdade de expressão:

perspectivas na história brasileira e sua (in) eficácia na

constituição de 1988. Cadernos Direito, v. 2, n. 4, 2003. YABUTA, Luciana Izumi. A liberdade de expressão na

sociedade contemporânea. ETIC – Encontro de Iniciação Científica, v.2, n.2, 2006.

Page 18: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 35 -

A (IN) DISPENSABILIDADE DA ASSISTÊNCIA DO ADVOGADO NOS PROCEDIMENTOS DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ESTADUAIS: UMA ANÁLISE EM

FACE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO

Danielle Souza Gomes*

Ana Lúcia Ribeiro Mól**

Introdução

É sabido que o convívio social impõe ao ser humano a manutenção de regras capazes de estabelecerem limites entre liberdades alheias, a fim de promover a ordem aos conviventes. Nesse sentido, o Direito surge como meio controlador dessas liberdades, por meio da implementação de instrumentos direcionados a ordenar as relações humanas, garantindo o equilíbrio da sociedade.

O Estado, nessa conjectura, tem o papel de tornar factível a aplicação do Direito, não somente pela exigência no cumprimento das normas jurídicas, mas também pela solução dos conflitos de interesses por meio do exercício da atividade jurisdicional.

* Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas do Norte de Minas (FUNORTE). Graduada em Letras/ Espanhol pala Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). ** Mestre em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós-graduada em Direito Econômico e Empresarial pela UNIMONTES. Professora e Pesquisadora PROIC-Universal das Faculdades Unidas do Norte de Minas. Procuradora Adjunta de Fazenda do Município de Montes Claros.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 36 -

Não obstante a relevância dessa atividade, há muito se constata visível insatisfação dos jurisdicionados com a atuação estatal nessa seara, especialmente em razão do formalismo dos procedimentos tendentes à formação do ato decisório final e das delongas constatadas em sua tramitação.

Diante dessas circunstâncias, o legislador houve por bem instituir os Juizados Especiais Cíveis, que se constituem como órgãos do Judiciário Brasileiro, nos quais se observa o denominado procedimento sumaríssimo. Os citados órgãos possuem sua descendência nos Juizados Especiais de Pequenas Causas, outrora instituídos pela Lei 7.244/84, que funcionavam com a finalidade de julgar e processar demandas cujo valor não ultrapassaria a ordem de 20 (vinte) salários mínimos. (CHIMENTI, 2009)

Pela imposição do art. 98, I da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, os Juizados Especiais adquiriram notoriedade constitucional, eis que foi prevista a criação desses instrumentos jurídicos a fim de ampararem os litígios de menor complexidade.

Mais tarde, pelo advento das Leis nº 9.099/95 e 10.259/01 foram constituídos os Juizados Especiais Criminais e Cíveis, além daqueles que atenderiam a órbita Federal, os chamados Juizados Especiais Federais, respectivamente. Apesar da relevância de ambas as leis, o estudo que ora se realiza terá por base apenas a normativa estabelecida pela primeira delas.

A partir dessa previsão constitucional e infraconstitucional, os Juizados Especiais se consolidaram no judiciário com o objetivo elementar de proporcionar a desburocratização desse sistema, permitindo o acesso simplificado à justiça por parte dos cidadãos, combatendo o formalismo, a morosidade e permitindo a redução de prazos e

Page 19: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 37 -

custos comuns às demandas sujeitas ao procedimento ordinário.

Assim é que as causas de menor complexidade, com valor condizente até 40 (quarenta) salários mínimos, passaram a ser processadas e julgadas por seus órgãos de uma maneira mais rápida e eficiente.

Em função dessas circunstâncias, verifica-se que os Juizados propõem a acessibilidade ao sistema jurisdicional, principalmente às camadas que não possuem poder aquisitivo. Tanto é assim que, para essas demandas, não há previsões de custas judiciais. Na lição de Miranda “O espírito dos juizados e do processo especialíssimo que nele tem lugar é diferenciado. Não se trata somente de um regramento procedimental simplificador, mas também da adoção implementada de um novo processo isto é, novo modo de tutelar direitos”. (2000, p.268)

O “novo processo” a que se refere o autor revela que os Juizados Especiais possuem proposições específicas no que tange a sua competência, composição, atos processuais, manifestação das partes, capacidade postulatória, dentre outros aspectos que poderão tornar mais atrativa a sua utilização pelas partes.

Especificadamente, quanto à capacidade postulatória, a legislação de regência desses órgãos prevê que, nas causas de até 20 (vinte) salários mínimos, é facultativa a presença do advogado, o que possibilita à parte atuar sem a presença de um procurador, valendo-se do chamado jus

postulandi. Ocorre que, como estabelece a própria

Constituição, o advogado avulta-se como sujeito essencial à administração da justiça (art. 133), razão pela qual se questiona, tendo como fundamento os princípios da ampla defesa (art. 5°, LIV, da Constituição Federal) e do acesso à

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 38 -

jurisdição (art. 5°, XXXV, da Constituição Federal), se a assistência conferida por esses profissionais é, de fato, indispensável ou não nos procedimentos que tramitam perante os Juizados Especiais, sendo este o objetivo principal do presente artigo.

Para tanto, serão expostas as posições antagônicas existentes sobre o tema, apontando-se o embasamento de uma e outra, no intuito de se verificar qual delas melhor se adequa à visão do processo no Estado Democrático de Direito. 1 Posição contrária à indispensabilidade do advogado nos procedimentos dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais

Para parte da doutrina brasileira, a dispensa do advogado, nos procedimentos que ora se analisa, é plenamente constitucional, pois garante às partes o irrestrito acesso ao judiciário, ainda que não possuam elas condições econômico-financeiras de arcar com os ônus processuais, em sentido lato

sensu. Na esteira desse pensamento, vê-se que a posição

contrária à indispensável presença do advogado, nas demandas de rito sumaríssimo, fundamenta-se, em primeiro lugar, na efetiva observância do princípio elencado no inciso XXXV, da Constituição Federal em vigor.

A expressão acesso à justiça permitiu, em sua concepção, o estabelecimento de dois sentidos. O primeiro atribui ao significante justiça o mesmo sentido e conteúdo que o de poder judiciário, tornando sinônimas as expressões acesso à justiça e acesso ao judiciário. Já o segundo, reconhece o acesso à justiça como o acesso a uma determinada ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano. (RODRIGUES, 1994 apud PORTANOVA, 2003).

Page 20: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 39 -

A segunda significação, mais adequada à doutrina que se examina, atribui ao princípio em análise um sentido de busca da efetividade dos direitos fundamentais, sendo necessária a sua garantia para que todos os indivíduos possam fazer valer os direitos que lhes são assegurados pelo ordenamento jurídico, tratando-se, por isso mesmo, de uma diretriz informativa tanto da ação, como da defesa. (PORTANOVA, 2003).

No entanto, não se mostra tão simples o cumprimento do inteiro teor do princípio do acesso à jurisdição, pois é possível identificar obstáculos que inviabilizam sua observância, especialmente sob a ótica das custas judiciais e da complexidade dos procedimentos. (CAPPELLETTI e GARTH, 1988).

Nessa órbita, a previsibilidade referente ao artigo 9º da Lei n° 9.099/95 pretende garantir o instituto constitucional do acesso à jurisdição, por via da universalização dessa função estatal.

O que pretende o Direito Processual Brasileiro, por influência da implantação do procedimento sumaríssimo, é que o jurisdicionado, consciente de seus direitos, seja capaz de exercê-los sem a necessidade de patrocínio de advogados.

Para defender essa ideia, o processualista Dinamarco (2003) admite que essa capacidade da parte manifestar-se em juízo, permite a efetividade do processo, ante ao instituto da instrumentalidade.

[...] A liberdade das formas, deixada ao juiz entre parâmetros razoavelmente definidos e mediante certas garantias fundamentais aos litigantes é que, hoje, caracteriza os procedimentos mais adiantados. Não é enrijecendo as exigências formais, num fetichismo à forma, que se asseguram direitos: ao contrário, o formalismo obcecado e

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 40 -

irracional é fator de empobrecimento do processo e cegueira para os seus fins. (DINAMARCO, 2003, p.155)

Comenta, ainda, o processualista que o princípio

do acesso à justiça deve ser compreendido com considerável amplitude, na medida em que simboliza a sintetização de todos os princípios e garantias do processo, para além das previsões constitucionais e infraconstitucionais, no âmbito legislativo, doutrinário e jurisprudencial. Daí a sua importância para se assegurar que o cidadão tenha os seus conflitos de interesses analisados pelo órgão judiciário, ainda que sem representação de um advogado.

Na esteira desse pensamento, expõe Barros que a presença do advogado é fator essencial à operacionalização da justiça. Entretanto, sua indispensabilidade no processo não poderá ser identificada como absoluta. Dessa forma, o papel desempenhado pelo advogado “[...] deve ser visto como um direito constitucional e não como uma limitação da cidadania excludente de outros princípios e garantias”. (2009, p.09)

Os defensores dessa opinião apontam, ainda, que o próprio Supremo Tribunal Federal já considerou a constitucionalidade do dispositivo previsto na Lei 9.099/95 que dispensa a presença do advogado nos procedimentos nela previstos.

De acordo com o posicionamento desse Tribunal, haverá possibilidade concreta da lei outorgar o jus postulandi a qualquer pessoa, como no habeas corpus e de igual maneira nos Juizados Especiais Cíveis.

Impõe-se, nessa seara, que as restrições dos procedimentos nos Juizados Especiais Cíveis, de maneira peculiar, no que tange à relativa imprescindibilidade do advogado nessas demandas, não podem ser óbice às garantias guarnecidas pela imposição de uma Lei Maior. Nessa

Page 21: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 41 -

perspectiva, a utilização da via judiciária definida por esses órgãos surge, de forma alternativa, em propor métodos eficazes em favor da redução da conflituosidade interna da sociedade, no que se refere ao acolhimento de demandas de menor complexidade, aliando necessidade-aplicação, como se identifica em parte da doutrina. O que significa que a solução apresentada às demandas relativas aos juizados é a condição especial da parte a um direito que exige uma proteção diferenciada, da mesma forma como se estabelece em outros processos como o de execução.

As conformações das garantias no rito do juizado especial visam, portanto, à adequação de todas elas (atinentes a ambas as partes do processo) às peculiaridades da específica situação conflituosa verificada. Ninguém diria que o processo de execução, ainda que obrigatório, é inconstitucional, porque lhe falta a garantia da ampla defesa. A lógica desse raciocínio se encontra precisamente em função da situação particular em que se encontra a lesão ao direito cuja solução se postula: é precisamente a condição especial do direito do autor (fundado em título líquido, certo e exigível) que lhe autoriza buscar a proteção em procedimento diferenciado. O mesmo raciocínio deve ser aqui utilizado: a situação particular do direito exige proteção diferenciada – e só por essa proteção específica pode ser ele adequadamente satisfeito -, razão pela qual as garantias que se atribuem ao réu (ampla defesa, contraditório etc.), compatibilizadas com o interesse de o autor obter uma tutela jurisdicional adequada (direito de ação), resultam no procedimento balanceado dos Juizados Especiais. (MARINONI; ARENHART, 2008, p.711)

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 42 -

Dessa forma, tratando-se de demanda que seja da competência dos Juizados Especiais, pela própria característica da causa e daqueles que buscam esse procedimento, deve ser concedido um rito diferenciado, mais ágil e simplificado, o que induz na ausência de efetiva necessidade da presença de um procurador.

Assim, manifestam-se ainda os autores acima referidos que a facultatividade na proposição das ações pelo procedimento sumaríssimo resulta na restrição aos jurisdicionados da possibilidade de que lhes sejam conferidas tutelas adequadas ao direito postulado. Dessa forma, é atribuída, inadequadamente, nesses Juizados, sua competência relativa, “[...] como se a instituição desse órgão e de seu procedimento não fosse antes de tudo, de interesse do próprio Estado”. (MARINONI; ARENHART, 2008, p.711).

O juizado especial não pode ser visto como um órgão de segunda categoria, reservado como simples alternativa para a parte. É ele órgão da jurisdição, caminho adequado para a solução dos conflitos de interesses de menor complexidade, e assim instituto adequado e devidamente instrumentalizado para tanto. Na realidade, o juizado especial é absolutamente fundamental para o Estado cumprir seu dever de propiciar aos cidadãos efetivo acesso à justiça. (MARINONI e ARENHART, 2008, p.711)

Soma-se a tal perspectiva que a predileção ao

procedimento sumaríssimo invocada por esse posicionamento figura-se como uma possibilidade de utilizar a justiça na resolução de seus litígios de forma eficaz. Por isso, as limitações atinentes a esse sistema jurisdicional revelam-se compatíveis aos objetivos almejados por tais órgãos, que se

Page 22: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 43 -

sintetiza na busca insistente, integral e irrestrita do acesso ao judiciário.

Ao que tudo indica, ao facultar a dispensabilidade de advogado em casos como o dos Juizados Especiais Cíveis, pretende-se nutrir uma sociedade orientada por um Estado Democrático, na procura constante pelo equilíbrio entre as partes, pela efetiva e rápida prestação jurisdicional e pela proteção dos interesses individuais e coletivos.

Impende ressaltar que a democratização das diversas instâncias judiciais, sob essa perspectiva, pretende garantir ao jurisdicionado o exercício de sua cidadania, ante aos princípios constitucionalmente guarnecidos como o da inafastabilidade do controle jurisdicional e o devido processo legal nos procedimento aplicáveis com base na Lei nº 9.099/95. Cabe, nesse sentido, enumerar que a acessibilidade ao órgão oficial ocorrerá como solução aos conflitos sociais, oriundos da desinformação e do preconceito que atingem, sobretudo, as camadas economicamente desfavorecidas.

Assim, e considerando o posicionamento ora em análise, na evolução de uma sociedade organizada, o processo se identifica como instrumento da jurisdição, capaz de potencializar os direitos dos cidadãos, ressaltando-se que a tendência pela sumarização das formas afigura-se como alternativa para realização da função jurisdicional do Estado de maneira ampla, no intuito de pôr fim a todos os conflitos de interesses que lhe são submetidos, dizendo o direito ao caso concreto. 2 Posição favorável à indispensabilidade do advogado nos procedimentos dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais

A partir do antagonismo doutrinário que se

materializa sob a temática da indispensabilidade dos

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 44 -

procuradores, nos procedimentos dos Juizados Cíveis Estaduais, será importante evidenciar, neste momento, outro posicionamento que se contrapõe àquele anteriormente exposto.

Referido entendimento tem como base o princípio da ampla defesa, constitucionalmente previsto no art.5º, LV, no trecho “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. (BRASIL, 1988)

Durante o exercício da jurisdição, deve ser resguardada ao cidadão a possibilidade de estar presente em todos os atos do processo, ao serem oferecidos a ele os mais variados meios necessários à efetivação de uma defesa concreta. No mesmo sentido, Leal (2001, apud ARAÚJO, 2003) identifica ser a ampla defesa um princípio fundamental ao processo. De igual maneira, Araújo (2003) esclarece que a concretização do princípio da ampla defesa não deve comprimir a possibilidade dada às partes de produzirem as suas alegações e provas durante o processo, de modo a transformar a sua participação processual em mera falácia. Ao contrário, deve-se assegurar, de toda forma, o debate e a discussão entre elas, por mais inovador que seja o processo.

Impende ressaltar que as limitações à defesa invocadas por um sistema novel, em que se privilegia a efetividade das formas, não permitirá ao Estado e aos cidadãos a manutenção de várias garantias processuais constitucionais.

O advogado será invocado, processualmente, como instrumento da manutenção da democracia, inclusive na estruturação dos procedimentos jurisdicionais, sejam eles ordinário, sumário, especial ou extravagante e por que não

Page 23: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 45 -

dizer, naqueles relativos aos Juizados Especiais Cíveis Estaduais. (SOARES, 2004)

Invoca-se, pois, sob o jugo do princípio do acesso à jurisdição, que a designação das partes, por seus representantes, representa óbice à celeridade invocada pelo texto constitucional, implementada pela Emenda Constitucional nº 45, que consagrou a duração razoável do processo como direito da pessoa humana (art. 5º inciso LXXVIII). De acordo com essa razão princípiológica, não serão permitidos excessos na atuação do Estado, que deverá oferecer respostas rápidas aos jurisdicionados, por via de decisões justas em tempo adequado.

Todavia, a efetividade dessa garantia constitucional, no âmbito dos procedimentos concernentes aos juizados, poderá implicar em violação ao devido processo legal pela imposição da rapidez a qualquer preço, ao tolher a atividade processual, minimizando o exercício de algumas prerrogativas de defesa, especialmente no que se refere à concretização de uma defesa técnica.

Nessa perspectiva, não se pode pretender, como assim desejava o legislador infraconstitucional, que a celeridade seja observada nos procedimentos perante os Juizados Especiais sem que haja a devida concretização dos demais princípios inerentes ao processo, como o necessário patrocínio por um advogado devidamente habilitado.

Dessa forma, a duração razoável do processo, pressuposto apregoado pela nova conjectura processualista, particularmente no que se refere aos tribunais especiais, não deve comprometer as garantias atinentes à legitimidade processual, que se pronuncia pelo devido processo legal e abarca o direito de ação, de defesa, do contraditório, da prova, da motivação das decisões, o que resultaria na imposição de

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 46 -

um processo autoritário “[...] culminado pelo alcance da justiça a qualquer custo” (SANTOS, 2008, p.566).

Portanto, é

[...] difícil pensar em razoabilidade do processo, em se tratando dos Juizados Especiais Federais, ainda mais quando o direito das partes não é tratado como um direito, mas visto, de uma forma assistencial, e dissociado das garantias constitucionais da ampla defesa, isonomia e contraditório, em oposição aos princípios apregoados pelo art.2º da Lei nº 9.099/95. (SANTOS, 2008, p.566)

Assim, a defesa da celeridade processual em face às garantias processuais é questionada como solução apresentada à crise ao judiciário. Por isso deve-se ter cuidado para que a simplificação, a partir da implantação dos Juizados Especiais, não seja capaz de mitigar o dever do Estado em prestar à sociedade tutela jurisdicional adequada.

Sob essa ótica, a sistematização dos procedimentos implementados pelos juizados, especialmente quando reduzem a participação do advogado em certas hipóteses, traduzem ao Estado uma falsa ideia de realização da justiça que se consolida pela facilidade ao acesso e pela aceleração processual.

A partir de então, não se pode dizer que a dispensa do advogado nos Juizados Especiais encontra-se em consonância com o princípio do amplo acesso à justiça, uma vez que pela incorporação do Estado Democrático de Direito permitiu-se que se agregasse um novo significado à questão do acesso ao judiciário, atribuindo-lhe uma definição em termos qualitativos, que conduz a um processo discursivo, com a ampliação das garantias do contraditório e da ampla defesa. Isso significa que o acesso ao judiciário, nessa visão,

Page 24: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 47 -

não se basta pela simples garantia de propositura da demanda, devendo, ainda, ser assegurada a possibilidade de debate entre as partes, com a assistência de um advogado.

Para além do exposto, ainda no intuito de permitir aos jurisdicionados a observância do princípio da ampla defesa, a atual Constituição Federal Brasileira trata, em seu artigo 133, sobre a essencialidade dos advogados na atividade judiciária ao expor que “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. (BRASIL, 1988)

Essa previsão constitucional permite ao Estado Democrático de Direito a construção de um espaço dialético, que garante legitimidade às decisões, por meio das garantias e direitos processuais atribuídos às partes, revelados, principalmente, pelos princípios do contraditório e da ampla defesa. (SOARES, 2004).

Por essa razão, expõe Câmara (2008) que não há constitucionalidade na norma que dispensa o patrocínio de procuradores nas causas dos Juizados Especiais Cíveis, em demandas cujo valor não exceder vinte salários mínimos (art.9º, da Lei 9.099/95). Para tanto, fundamenta seu posicionamento no art. 133, da Constituição Federal, demonstrando uma nítida incoerência entre o que pretende a Lei Maior e a norma instituidora dos Juizados Especiais Cíveis. Assim expõe:

Tal inconstitucionalidade decorre do fato de tal regra contrariar o disposto no art. 133 da Constituição da República em cujos termos o advogado é essencial ao exercício da função jurisdicional, na forma da lei. A meu sentir, a lei caberá regulamentar o exercício da atividade do advogado, mas sem jamais chegar ao ponto de tornar a presença do advogado

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 48 -

facultativa, pois assim estar-se-ia negando a sua atividade o caráter de função essencial. Isto porque, como sabido, essencial significa indispensável, necessário. Assim sendo, não se pode admitir que o advogado seja essencial, mas possa ser dispensado, sob pena de se incorrer em paradoxo gravíssimo. (CÂMARA, 2008, p.227)

O advogado, no paradigma contemporâneo,

possibilita a efetivação dos direitos fundamentais, tornando manifestadamente inadmissível a sua dispensabilidade.

Acrescenta-se, ademais, que a dispensa da postulação do advogado compromete o desenvolvimento da relação processual legítima, pois as partes, por si mesmas, não têm a capacidade de definir aquilo que se pleiteia em juízo. No que se refere à capacidade postulatória, a ausência do profissional do direito, por sua vez, traz obstáculos à própria atividade judiciária, uma vez que as partes, sem a devida representação, acabam buscando outros servidores como forma de superar tal ausência. O que se constata é uma transferência de encargo do advogado aos auxiliares da justiça. (SANTOS, 2008)

Se não bastassem os argumentos supra, cumpre invocar, ainda, que a própria legislação instituidora dos referidos órgãos especiais, a Lei nº 9.099/95, não obstante admitir o jus postulandi, nas causas com valor inferior a 20 (vinte) salários mínimos, determina que as partes, na postulação de recursos, devem estar obrigatoriamente assistidas por advogados, independentemente do valor da causa. Nesse ponto, identifica-se, na lei, nítida contradição na relação que se estabelece entre as partes e os seus procuradores, uma vez que, mesmo permitindo a facultatividade da representação por advogado nas hipóteses do art. 9º, da Lei 9.099/95, já na fase recursal, referida

Page 25: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 49 -

prerrogativa deixa de existir, tornando a presença dos procuradores, elemento essencial para o conhecimento do recurso. Dessa forma, demonstra-se que, para situações semelhantes, foram admitidas previsões díspares e incongruentes, que não se ajustam às prerrogativas de um sistema isonômico e igualitário.

Importante evidenciar, ainda, que, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, estabeleceu-se, no texto constitucional, a garantia de assistência judiciária integral e gratuita, por meio da Defensoria Pública, que se responsabiliza em promover a orientação e defesa de todos os cidadãos, especialmente daqueles que não possuem condições de contratarem advogados. Em virtude dessa circunstância, não existe a necessidade de se reduzir a possibilidade de representação em juízo, como forma de se assegurar o acesso ao judiciário, pois aquela pode ser plenamente efetivada pelos defensores públicos, na hipótese de hipossuficiência econômica das partes.

O advogado e o defensor público, na esteira desse pensamento, são imprescindíveis ao acesso à ordem jurídica, devendo haver a manutenção e a revisão permanente da estrutura técnica da advocacia particular e pública, aprimorando a infra-estrutura da administração da justiça a fim de impingir maior efetividade à jurisdição, adequando-se à necessidade invocada pelo crescimento populacional.

Dessa forma, ao mitigar a participação de procuradores nesses procedimentos judiciais, há de se elucidar que o Estado, como garantidor dos direitos de seus jurisdicionados, esquiva-se da responsabilidade de prestar-lhes assistência efetiva, já que as partes podem utilizar-se dos benefícios de uma assistência gratuita, ainda para as causas concernentes a 20 (vinte) salários mínimos, pois, de modo

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 50 -

contrário, atribuirá relevância aos fatos apenas pela conjectura econômica.

Nesse sentido, as preocupações com a redução do tempo, com os prazos e custos representam, de forma elementar, a preocupação do Estado com a minimização dos gastos e serviços jurisdicionais. Porém, tais condutas não podem retirar das partes a oportunidade de demonstrar os fatos que fundamentam sua pretensão e a garantia de lhes serem aplicados os direitos em sua plenitude. 3 Considerações finais

Face ao que se expôs no presente estudo, nota-se incontestável relevância dos Juizados Especiais Cíveis na conjectura do judiciário brasileiro, uma vez que um número significativo de pessoas destina a esses órgãos especiais a apreciação de seus interesses, manifestada, principalmente, pela facilidade e rapidez dos jurisdicionados em resolver seus conflitos, diante da simplificação das etapas e procedimentos impingidos a tais órgãos.

Apesar dos benefícios estabelecidos pelo chamado procedimento sumaríssimo, há grande debate, na doutrina, a respeito da participação dos advogados nas ações a ele referentes, principalmente para aquelas demandas cujo valor não ultrapassa a ordem de 20 (vinte) salários mínimos. Insta mencionar que, para essas demandas, não se perfaz compulsório o patrocínio de advogados, o que se revela nocivo aos interesses maiores que envolvem um processo dialético.

Diante da problemática, constatou-se a existência de dois posicionamentos doutrinários. O primeiro deles aponta para a possibilidade de dispensa dos procuradores nos juizados, o que se impõe em razão do princípio do acesso à

Page 26: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 51 -

jurisdição, ressaltando-se que somente dessa forma é que se alcançaria a simplificação desse sistema. Um segundo entendimento sustenta que a presença do advogado possibilita a manifestação concreta dos direitos fundamentais do jurisdicionado, na medida em que possibilita a aplicação plena do princípio da ampla defesa, especialmente no que se refere aos conhecimentos técnico-jurídicos.

Nesse contexto, verificou-se ser mais adequado o posicionamento que entende pela imprescindibilidade de um profissional habilitado nas demandas que tramitam em face dos Juizados Especiais. Tal predileção encontra fundamento no sistema democrático incrementado pela atual Constituição Federal (art. 5°, LIV, da Constituição Federal), uma vez que a atividade jurisdicional, exercida pelo Estado, deve preocupar-se em prestar uma tutela adequada aos cidadãos, que se opera pela condução de uma defesa legítima.

A presença do advogado, tecnicamente habilitado em garantir a legitimidade da defesa, é indispensável à administração da justiça como derroga o art. 133 da Lei Maior, não devendo encontrar óbice nos procedimentos dos Juizados Especiais Cíveis, como propõe o legislador da lei infraconstitucional, em razão de uma conjectura estritamente econômica, apenas facultando às partes a representação por procuradores.

Nessa linha de raciocínio, a acessibilidade almejada pelo judiciário não pode ser perquirida de forma a mitigar a diretriz princípiológica do devido processo legal, que abrange a amplitude da defesa, o contraditório, a isonomia e outras garantias guarnecidas constitucionalmente, diretriz essa válida em todas as vias judiciárias, inclusive no microssistema dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais.

Dessa feita, compreende-se que o acesso à jurisdição não se concretiza pela concepção de justiça a

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 52 -

qualquer custo, imposta pela forçosa democratização empreendida pelo dito princípio, mas pela ideia de acesso a um processo verdadeiramente participativo.

Assim, o que se espera de um sistema jurídico democratizante é que o advogado atue em todas as esferas do judiciário, seja ele no papel de um profissional autônomo ou defensor público, na hipótese de hipossuficiência econômica das partes.

Na esteira desse pensamento, a celeridade e a simplificação procedimental, que sintetizam uma tendência pela sumarização das formas, bem como o acesso à jurisdição, não devem minimizar as prerrogativas de defesa ou servirem de obstáculos para que sejam aplicados os direitos em sua plenitude. 4 Bibliografia BARROS, Janete Ricken Lopes. A representação em juízo

como barreira ao acesso à justiça. 2009. Disponível em: <https://www.portaltaldeperiodico.idp.edu.br>. Acesso em: 20 de Abril de 2011. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 640. Recurso extraordinário. Causas de alçada proferida por Juiz de primeiro grau. Turma recursal do juizado especial cível e criminal. Cabimento do extraordinário. Disponível em: <https://www.stf.gov.br>. Acesso em: 30 de Janeiro de 2011. BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.539-7. Requerente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Requerido: Presidente da República, Congresso Nacional. Relator

Page 27: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 53 -

Ministro Maurício Correia. Brasília, 05 de Dezembro de 2003. Disponível em: <https://www.stf.gov.br>. Acesso em: 23 de Março de 2011. BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.168-6. Requerente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Requerido: Presidente da República, Congresso Nacional. Relator Ministro Joaquim Barbosa. Brasília, 03 de Agosto de 2007. Disponível em: <https://www.stf.gov.br>. Acesso em: 23 de Março de 2011. BRÊTAS.C. DIAS, Ronaldo. Direito a jurisdição eficiente e garantia da razoável duração do processo no Estado Democrático de Direito. In: GALUPPO, Marcelo Campos (Org.). O Brasil que queremos – Reflexões sobre o Estado Democrático de Direito. BH: PUC Minas, 2006. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual

civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008. CHIMENTI, Ricardo Cunha. Teoria e prática dos juizados

especiais cíveis estaduais e federais. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. CUNHA DE ARAÚJO, Marcelo. O novo processo

constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil. 11. ed. Salvador: Jus Podivm, 2009. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do

processo. 11. ed. Malheiros Editores: São Paulo, 2003.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 54 -

DONIZETTI, Elpídeo. Curso de didático de direito

processual civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumem, 2010. GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo curso de direito

processual civil. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo curso de direito

processual civil. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2010. LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. LIMA, Vitor Juliano. Do princípio do devido processo legal. In: TAVARES, Fernando Horta (coord.). Constituição,

Direito e Processo. Curitiba: Juruá, 2008. MARINONI, Luiz Guilherme. Processo de conhecimento. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. vol. 1. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. vol.2. MIRANDA, Gilson Delgado. Procedimento sumário. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2000. NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Juizados especiais cíveis e

criminais. São Paulo: Saraiva, 1996. PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 5.ed. Porta Alegre: Livraria Dos Advogados, 2003.

Page 28: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 55 -

RODRGUES JÚNIOR, Walsir Edson. A prática da mediação

e o acesso à justiça. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. ROSAS, Roberto. Direito processual constitucional – Princípios Constitucionais do Processo Civil. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. SANTOS, Ernane Fidélis. Manual de direito processual civil. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. SANTOS, Jacqueline. Dos Juizados Especiais Cíveis e a Razoável Duração do Processo. In: CASTRO, João Antônio Lima (coord). Direito processual – Fundamentos Constitucionais. Belo Horizonte: PUC Minas, 2009. SANTOS, Marisa Ferreira; CHIMENTI, Ricardo Cunha. Juizados especiais cíveis e criminais. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. SILVEIRA, Heliane Helena. O devido Processo Legal e o Processo Constitucional no Estado Democrático de Direito. In: CASTRO, João Antonio Lima (coord.). Direito Processual. Uma análise critica no Estado Democrático de Direito. BH: PUC Minas, 2008. SOARES, Carlos Henrique. O advogado e o processo

constitucional. Belo Horizonte: Decálogo, 2004. TESHEINER, José Maria. Pressupostos processuais e a

nulidade de processo civil. São Paulo: Saraiva, 2000.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 56 -

TOLENTINO, Fernando Lage. Ampla defesa e direito do advogado – Da necessidade de participação do advogado para o livre e amplo exercício da defesa. In: TAVARES, Fernando Horta (coord.). Constituição, Direito e Processo. Curitiba: Juruá, 2008 WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso

avançado de processo civil. 11. ed. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2010.

Page 29: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 57 -

A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL NOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE

INTELECTUAL

Giuseppe Angeli Neto*

Givago Prandini Maia**

O Direito Autoral moderno é um instituto que surgiu na Inglaterra, com a intenção de conceder o monopólio dos frutos de seu poder criativo aos primeiros autores e editores para o uso a prensa móvel de Gutemberg. Esse ramo do Direito trata de uma ramificação da propriedade intelectual, que é uma reunião de diversos direitos relativos a obras artísticas, literárias, científicas, bem como à interpretação artística realizada por determinado indivíduo. Essa área do direito surgiu inicialmente com o intuito de permitir a existência de mecanismos para a proteção dos direitos dos autores de obras intelectuais.

Em seus primórdios, essa proteção abrangia a publicação de obras literárias e artísticas, mas, posteriormente, foi estendida para as transmissões e criações efetuadas através de meios radiofônicos e televisivos. Hodiernamente, essa tutela ocorre, adicionalmente, nas transmissões e criações publicadas por meio das redes de sistemas computacionais, tal como a Internet, ou de outros meios de acesso à informação, como os CDs e DVDs.

* Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas do Norte de Minas - FUNORTE. Advogado. ** Mestre em Sistema Constitucional de Garantias de Direitos. Professor Universitário e Advogado.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 58 -

Após breve análise histórica, é possível verificar que, após cada grande avanço tecnológico surgido, ao longo do tempo, o Direito teve que se reinventar para adaptar-se às mudanças sociais que surgem nesses momentos. Com a criação da tecnologia da prensa móvel, por Johannes Gutenberg, houve uma popularização de textos e livros como jamais havia se visto na história, tornando o conhecimento acessível e abrangente para uma parcela da população que, antes, jamais teria a possibilidade de ter qualquer acesso a essas manifestações de cultura, visto a dificuldade para a obtenção de obras literárias.

Assim como no período do Renascimento, novamente a humanidade passa por uma revolução cultural, sem paralelos em sua história, com o surgimento dos sistemas computacionais dos mais diversos tipos e, marcadamente, com o advento da internet e sua capacidade de ligar dois pontos distantes do globo de forma imediata e acessível, tornando possível a difusão de grandes quantidades de informação por todo o mundo, de forma quase instantânea.

Com a internet, surgiram as mais diversas formas de comunicação e, consequentemente, de compartilhamento de informações e arquivos. Tem-se então a concepção das redes peer-to-peer, que tornaram possível que um usuário enviasse arquivos para outro de forma descomplicada. Dessa forma, foi absolutamente natural que as pessoas começassem a compartilhar músicas, filmes, livros e programas de computador por meio da grande rede.

Após alguns anos da criação desse tipo de rede, surgem, também, diversos sites de compartilhamento de vídeos, dentre os quais o grande expoente YouTube. Os usuários desses sites podem, facilmente, enviar um vídeo para disponibilizá-los a milhares ou até mesmo milhões de pessoas interessadas no conteúdo oferecido. Entretanto, grande parte

Page 30: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 59 -

do conteúdo compartilhado acaba por ser obra de terceiros, cujos autores não costumam autorizar ou sequer ter qualquer conhecimento sobre esse comportamento.

Como diz Moore (2004, p. 1), em tradução livre, “as novas formas de acesso e controle de informação trouxeram mudanças profundas para cada um de nós – capazes de mudar o destino de vidas”.

1 Evolução histórica do conceito de propriedade

Dessa forma, para entender a aplicação do

supracitado princípio, faz-se necessária a análise sobre qual o conceito de propriedade na sociedade atual, bem como estudar sobre o desenvolvimento desta definição ao longo da história humana.

A ideia de que algo é próprio de um indivíduo, o conceito de propriedade em si, é algo que já era conhecido pelos romanos como meum esse e é a parte integrante do sistema jurídico de diversas sociedades antigas. Após breve análise dos resquícios deixados pelas sociedades pré-históricas, é possível inferir que, desde tempos imemoriais, já existiam conceitos rudimentares de propriedade que, em determinados casos, davam- se de maneira tão intensa que o “dono” daquele bem, frequentemente, era enterrado com eles.

Essa ligação existente entre o indivíduo e o objeto; contudo contava com uma significação bastante diversa das representações dadas às formas de propriedade criadas posteriormente.

O entendimento do que é propriedade, em uma acepção minimamente próxima àquela que existe atualmente, é um produto do progresso social. Entretanto, não se faz possível estabelecer o momento em que esse conceito inicialmente apareceu, mas não restam dúvidas quanto ao fato

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 60 -

de que, em determinado momento, ao homem tornou-se imprescindível preservar e passar adiante uma série de definições sobre o ter e o não ter.

Dessa forma, faz-se necessária a compreensão de que a propriedade desempenha o papel de um dos alicerces do Direito e, obviamente, de toda a sociedade humana atual. Porém, faz-se absolutamente imperioso o entendimento de que a sociedade é, igualmente, fruto da evolução. Portanto, o conceito de propriedade tende a ir modificando-se de acordo com as mudanças experimentadas pela coletividade.

Por conseguinte, é necessário conjecturar quanto a um possível elo entre a evolução do conceito de propriedade e os objetivos sociais, de modo que a propriedade é uma das bases que dão sustentação a esse sistema em constante mudança, relacionando-se com o desenvolvimento das formas como a sociedade evolui.

Conforme escreveu Giovanni Pellerino sobre o conceito de propriedade desenvolvido pelos romanos, temos que:

Em Roma, o regime de bens conhecia diversas formas de pertencimento. Àquela que só impropriamente podemos chamar de propriedade da gens, juntava-se o heredium, uma pequena quantidade de terra, geralmente contígua à habitação (...). Além disso, encontravam-se várias formas de condomínio e comunhão, como o consortium inter fratres. No que concerne à propriedade individual, distinta daquela do pater familias, (...) em princípio referindo-se apenas aos bens móveis. Também no que concerne às fontes jurídicas não existia um único modelo de dominium: a propriedade quiritária se distinguia da in bonis

habere e ambas se contrapunham à unum

Page 31: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 61 -

dominium que se aplicava aos peregrini nas periferias do império. (2005, p. 1)

Na Grécia antiga, igualmente existiam incontáveis

tipos de propriedade, que impossibilitavam a obtenção de um conceito uno sobre a mesma. Uma compreensão mais desenvolvida e concisa sobre o tema era igualmente desconhecida entre os povos germânicos durante o período medieval.

Conforme apontam Mendes e Branco:

O conceito de propriedade sofreu profunda alteração no século passado. A propriedade privada tradicional perdeu muito do seu significado como elemento fundamental destinado a assegurar a subsistência individual e o poder de autodeterminação como fator básico da ordem social. (2009, p. 467)

Assim, depreende-se que a época de maior

desenvolvimento do conceito de propriedade deu-se, precisamente, durante o século XX, período de desenvolvimento tecnológico sem precedentes na história da humanidade. 2 A visão do homem sobre a propriedade

Para uma maior compreensão da aplicação do princípio em questão na área dos Direitos Autorais, torna-se necessária uma análise a respeito da visão do homem sobre a propriedade. Assim, conforme ensina o professor Miguel Reale (2000, p. 435), “o conceito atual de propriedade não se confunde com o da propriedade quiritária do Direito Romano, nem com o consagrado pelos Códigos individualistas do século passado”. Isso ocorre, pois, à medida que são

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 62 -

concebidas novas tecnologias, mudam as formas de interação do homem com o mundo ao seu redor e, consequentemente, o modo com que o mesmo entende o que vem a ser propriedade.

Ao longo do desenvolvimento da sociedade, deixamos um conceito mais arcaico de propriedade, que abrangia basicamente o bem imóvel e semoventes para noções mais complexas, como o desenvolvimento do conceito de propriedade material em seu sentido mais amplo e o advento da propriedade imaterial que é um dos principais pontos focais do presente discurso. Assim, Tartuce (2011, p. 790), afirma que Beviláqua “conceitua a propriedade como sendo o poder assegurado pelo grupo social à utilização dos bens da vida física e moral”.

Através desse câmbio, no conceito de propriedade, desenvolveu-se, no ordenamento jurídico, um amplo sistema para salvaguardar e recompensar a criação intelectual, estimulando a criação de obras literárias, artísticas ou científicas. Ocorre, naturalmente, que, com o progresso tecnológico e social, os diversos métodos de proteção dos direitos autorais devem passar, constantemente, por mudanças, variando de acordo com o estágio de desenvolvimento da sociedade que se estuda.

Logo, o Direito Natural passa a acolher o aperfeiçoamento científico, juntamente com suas diversas transformações social, de modo a positivar as mudanças decorrentes desse processo. É dizer, o Direito Natural defende o desenvolvimento científico benéfico à humanidade como parte integrante dos direitos e garantias do Homem.

Como se nota, o Direito busca adequar-se ao desenvolvimento atrelado à conduta humana, ajustando-se às mudanças sociais e científicas que surgem, ao longo do tempo, para beneficiar o Homem. Em outras palavras, o Direito Natural sofre influência direta do progresso da ciência,

Page 32: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 63 -

validando-o por meio da positivação do mesmo no ordenamento jurídico ou aceitando-o no ambiente social.

Tem-se, portanto, a confirmação de que a ciência atua, indiretamente, na concretização do Direito Natural, pois o mesmo é um instituto absolutamente racional, uma vez que não admite que arbítrio de nenhuma sorte interfira em seus princípios e procedimentos. Como ensina Reale (2000, p. 97) “o Direito Natural é um direito inerente à razão, como conjunto de ‘princípios inatos’ em todos os homens”. A esse respeito, Bittar e Almeida complementam:

A ciência possui como pretensão fundamental a construção do saber adequado e certo, ou seja, dotado de validade universal (sem fronteiras espaciais) e eficácia definitiva (sem limites temporais), expressando-se inclusive de forma a alcançar definições universais e englobantes, tendo em vista que busca resultados que alcancem o maior número de pessoas no maior dilastério de tempo. (2004, p. 35)

Miguel Reale pactua deste posicionamento, ao defender a tese de que:

A Ciência do Direito, ou Jurisprudência - tomada esta palavra na sua acepção clássica -, tem por objeto o fenômeno jurídico tal como ele se se encontra historicamente realizado. Vejam bem a diferença. A Ciência do Direito estuda o fenômeno jurídico tal como ele se concretiza no espaço e no tempo, enquanto que a Filosofia do Direito indaga das condições mediante as quais essa concretização é possível. (2004, p. 16)

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 64 -

É possível inferir, desse modo, que o desenvolvimento científico é plenamente aceito pela sociedade humana, ao ponto de influenciar a direção em que a mesma segue e, consequentemente, atuar sobre as condutas vistas como aceitáveis ou não pela coletividade.

Como se nota, ao anuir e validar o desenvolvimento científico, a sociedade acaba por legitimar os institutos jurídicos decorrentes desse acontecimento, como a propriedade imaterial. Essa surge na dificuldade da definição dos bens intangíveis, como ocorreu com os direitos autorais, que não existem materialmente, mas são passíveis de aquisição e compartilhamento, sendo difícil restringir sua posse à moda dos direitos materiais, ao passo que existem como propriedade e podem ser alvos da posse. 3 A busca pelo acesso à cultura

Uma das principais características inerentes ao ser humano é a necessidade de conduzir sua vida na sociedade, pois é essencial para sua existência a interação com seus pares, compartilhando suas vivências e experiências. Através dessa necessidade de transmitir suas ideias a seus semelhantes, o homem precisou desenvolver formas de comunicação, para que pudesse passar, à frente, seu conhecimento e conseguir sobreviver no mundo que o cercava. Dentre alguns dos métodos produzidos pela vontade humana, está a linguagem de sinais, a fala e a escrita.

Logo, como ser imanentemente social, o homem necessita compartilhar aquilo que vive, para gerar, como resultado, uma série de criações materiais e imateriais que afetam seus iguais, chamadas genericamente de cultura. Nesse sentido, explica REALE (2000, p. 213) que “tudo aquilo que o

Page 33: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 65 -

espírito humano projeta fora de si, modelando a natureza à sua imagem, é que vem a formar paulatinamente o cabedal da cultura”.

Fica claro que a cultura é absolutamente necessária ao desenvolvimento do espírito humano, como um alimento é indispensável à subsistência do corpo material. Em vista disso, as criações culturais são o sustento necessário à manutenção do espírito humano. Exemplificando esta afirmação, REALE afirma:

Diremos, recorrendo a símile imperfeito, que a cultura está para o espírito como as águas de um rio estão para as fontes de que promanam. Não se pode compreender um curso fluvial sem suas nascentes, embora ele não se confunda com seus mananciais, e estes condicionem, em jacto perene, a perenidade do mesmo rio. (2000, p. 218)

Conforme vivencia as transformações culturais que se

sucedem em seu meio social, o ser humano desenvolve-se e acumula novas experiências através da assimilação das ideias transmitidas por seus congêneres, passando a ter um nível de consciência maior que anteriormente. Existe, portanto, uma clara relação entre a ligação ser humano com a cultura que o cerca e o aumento do seu nível de consciência.

Essa evolução do estágio da percepção humana, ocorrida por meio do intenso contato do homem com as criações ocorridas no âmbito de uma sociedade, é extremamente positiva para a transformação do status quo do corpo social, uma vez que influencia diretamente na modificação do que é percebido como desejo da coletividade. Isso significa que, por intermédio do desenvolvimento da cultura humana, ocorrem revoluções da vontade popular.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 66 -

Como se sabe, o Estado Democrático tem como fundamento o princípio da soberania da vontade popular, que é a manifestação de todos os integrantes de determinada sociedade no sistema decisório, uma vez que todos os cidadãos deverão participar desse processo, para que as escolhas gozem de legitimidade. Desnecessário lembrar que não se faz fundamental uma participação direta por parte do sujeito de direitos, uma vez que existem diversos meios de representação de sua vontade em um plano maior.

Dessa forma, com a vontade popular plenamente influenciada pelo desenvolvimento do nível da consciência humana, ocorrem mudanças diretamente no próprio Estado, o qual acaba por se adequar às transformações da cultura social e culmina no estabelecimento de uma democracia verdadeiramente instruída, capaz de efetivamente representar o povo, uma vez que ela não se deixa influenciar pelos interesses individuais, em desfavor dos interesses públicos.

Decerto, fica óbvia a conclusão de que na busca pelo acesso à cultura, o ser humano desenvolve-se de maneira bastante eficiente, aumentando seu nível de consciência e influenciando diretamente na vontade popular, que dá origem a uma democracia instruída, que beneficia a sociedade e, finalmente, intensifica a dignidade da pessoa humana. 4 A descriminalização dos crimes contra a propriedade intelectual

Não há do que se falar, entretanto as lesões praticadas contra a propriedade intelectual deverão ser amplamente ignoradas pelo Direito, mas somente no que se refere à proteção dessas garantias legais na esfera penal. A proteção contra as condutas lesivas ao patrimônio do autor será feita através do Direito Civil e do Direito Administrativo, de

Page 34: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 67 -

acordo com a peculiaridade da transgressão. Nesse sentido. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais assevera:

APELAÇÃO CRIMINAL - VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORIAL - ADEQUAÇÃO SOCIAL - CASO CONCRETO - ABSOLVIÇÃO - MEDIDA QUE SE IMPÕE. I - O Direito penal moderno não atua sobre todas as condutas moralmente reprováveis, mas seleciona aquelas que efetivamente ameaçam a convivência harmônica da sociedade para puni-las com a sanção mais grave do ordenamento jurídico que é - por enquanto - a sanção penal. II - O princípio da adequação social assevera que as condutas proibidas sob a ameaça de uma sanção penal não podem abraçar aquelas socialmente aceitas e consideradas adequadas pela sociedade." (Apelação Criminal 1.0325.08.009107-8/001, Relator para o acórdão: Des. Alexandre Victor de Carvalho, j.: 10/11/09).

Por meio desse raciocínio, alguns dos maiores

doutrinadores penalistas cunharam os princípios da adequação social, desenvolvido por Hans Welzel e o da insignificância, orientado por Claus Roxin, limitando o plano de atuação do Direito Penal. Esses princípios tratam de regras de interpretação de leis, conducentes a ensejar a exclusão da tipicidade de determinados atos lesivos praticados que, apesar de gozarem de tipicidade formal, não são alvo da desaprovação por parte da sociedade ou causam danos relevantes ao corpo social.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 68 -

5 O princípio da adequação social

O Princípio da adequação social trata-se, portanto, de um princípio geral de hermenêutica e surgiu do trabalho do jurista alemão Hans Welzel que tratou sobre o caráter social das normas penais, quando argumentou que se faz necessária uma adequação não só aos componentes normativos, objetivos e subjetivos da figura penal, existindo a necessidade da inclusão da "adequação social” do tipo penal. Nesse sentido, afirma Toledo:

(...) se o tipo delitivo é um modelo de conduta proibida, não é possível interpretá-lo, em certas situações aparentes, como se estivesse também alcançando condutas lícitas, isto é, socialmente aceitas e adequadas. (1994, p. 131)

Complementando suas afirmações anteriores,

assevera o ilustre criminalista:

(...) podem as condutas socialmente adequadas não serem modelares, de um ponto de vista ético. Delas se exige apenas que se situem dentro da moldura de comportamento socialmente permitido ou, na expressão textual de Welzel, dentro do quadro de liberdade de ação social (…), o que, em última análise, como observa Mir Puig, se reduz a essa afirmação apodítica: não se pode castigar aquilo que a sociedade considera correto. (1994, p. 132)

A adequação social, de certo modo, pauta na

interpretação dos tipos penais, uma vez que a mesma representa o plano habitual da liberdade de ação social, que

Page 35: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 69 -

lhes serve de base e por elas é aceita, ainda que tacitamente. Por este motivo, também ficam excluídas, da tipificação penal, as ações socialmente adequadas, ainda que pudessem ser interpretadas as regras punitivas de acordo com seu teor literal. Isso se dá, pois não é razoável punir a conduta considerada correta pela sociedade.

Ocorre que o tipo penal requer a execução de determinada conduta, bem como a prévia valoração da mesma no ordenamento jurídico. É verdade, entretanto, que determinadas condutas, a despeito de já serem previamente tipificadas, não possuem aplicabilidade real, pois são correntemente praticadas e aceitas pela sociedade como um todo.

Provavelmente uma das lições mais recorrente na doutrina, ao lidar com este tema, trata sobre o costume de furar a orelha de meninas para criar o orifício que permita o uso de brincos. Após simples análise do tipo penal referente à lesão corporal presente no Código Penal, em seu artigo 129, é facilmente constatável a tipificação sobre a conduta de ofender a integridade física ou à saúde de outrem.

Esse dispositivo, entretanto, não goza de aplicabilidade fática quando da situação narrada anteriormente, uma vez que se trata de conduta praticada habitualmente pela sociedade, e não goza de qualquer restrição moral ou causa qualquer afronta ao sentimento social de justiça.

Nota-se, portanto, a viabilidade da aplicação do Princípio da Adequação Social nas mais diversas áreas do Direito, uma vez que o mesmo é uma vertente do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e, assim, deve buscar exercer uma função não só limitadora como também interpretativa do Direito, visando sempre ao bem comum.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 70 -

6 Princípio da insignificância

Assim como o da adequação social, esse também se trata do princípio de hermenêutica. O princípio da insignificância tem uma origem que pode ser traçada até a Roma Antiga, e foi reincorporada, ao atual ordenamento jurídico, por meio do trabalho de Claus Roxin. Com fundamento na expressão latina minimis non curat praetor, ele fundamenta que, quando o ato lesivo é de pequena monta, não se faz necessária a aplicação da sanção penal, pois o fato tratado não é punível.

Segundo esse princípio, defende-se que o direito penal, gozando de natureza subsidiária, deve ir somente até onde for realmente necessário para salvaguardar o bem jurídico tutelado, não devendo ocupar-se de bagatelas. Este princípio tem ganhado aceitação, rapidamente, em vista do visível fracasso da aplicação das penas como forma de reeducação do réu que, após ser inserido no sistema carcerário, degenera-se e acaba com o propósito da ressocialização da pena.

Apesar de não existir, em nosso ordenamento jurídico, qualquer previsão sobre o crime de bagatela, como também é conhecido, ele é aplicado de forma cada vez mais frequente pelo judiciário, de acordo com o caso concreto, não se admitindo sua aplicação de maneira abstrata, uma vez que se faz necessária a avaliação das circunstâncias que resultaram na lesão realizada. Dessa forma, completa Bitencourt:

Assim, a irrelevância ou insignificância de determinada conduta deve ser aferida não apenas em relação à importância do bem juridicamente atingido, mas especialmente em relação ao grau de sua intensidade, isto é, pela extensão da lesão produzida, como, por exemplo, nas palavras de Roxin, "mau-trato

Page 36: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 71 -

não é qualquer tipo de lesão à integridade corporal, mas somente uma lesão relevante; uma forma delitiva de injúria é só a lesão grave a pretensão social de respeito. Como força deve ser considerada unicamente um obstáculo de certa importância, igualmente também a ameaça deve ser sensível para ultrapassar o umbral da criminalidade”. (2008, p. 21)

Assim, fica demonstrado que a insignificância do

dano causado acaba por afastar a tipicidade. Porém, ela só poderá ser aplicada através da ponderação da conduta de maneira global, ou seja, por meio de análise de todos os fatos que englobam o ato praticado e depois de verificada a insignificância da lesão causada. 7 O papel ético e social do direito penal

O Direito Penal tem como principal atribuição a proteção dos valores essenciais à continuidade da sociedade da forma que conhecemos, como os direitos à vida, à liberdade, à saúde, à propriedade e demais categorias. Essa tutela não ocorre somente por meio dos mecanismos de coerção nas mãos do Estado – daí o monismo estatal, atuando de forma preventiva _através da certeza da punição, o que provoca freios na conduta humana_ e repressiva do delito _que impõe a sanção, na tentativa de retornar o status quo ou como retribuição do mal provocado na sociedade_ responsáveis por causar nos possíveis infratores, o receio da aplicação da punição penal, mas, também, o convencimento do indivíduo de que o mesmo deve respeitar as normas como forma de auxiliar na aplicação da justiça e, diga-se de passagem, como forma de tranquilizar o ambiente social.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 72 -

A essência presente no Direito Penal das sociedades pode ser avaliada durante a análise da conduta. Qualquer comportamento humano se sujeita a dois enfoques valorativos. Primeiramente, existe o aspecto do dano resultante da ação do indivíduo (desvalor do resultado), enquanto existe, por outro lado, com relação à desaprovação do ato em si mesmo (desvalor da ação).

Qualquer dano causado aos bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal provoca consequências indesejadas, pois não são, de forma alguma, positivas ao ofensor, uma vez que a ofensa foi contra valores da coletividade. Entretanto, não há que se dizer que o ato que ocasionou a ofensa seja sempre censurável. Com efeito, apesar de existir a lesividade, resultante de determinado ato, nem sempre haverá reprovação dessa conduta, pois se faz necessária a contabilização de diversos fatores antes da aplicação penal, como o caso fortuito ou a força maior. A repreensão não depende somente do desvalor do evento, como também da conduta pautada pela consciência ou negligência, por parte do autor.

Ao dar excessiva importância ao ponto de vista pragmático, dando prioridade ao resultado, sem importar-se com a devida reprovação da conduta praticada, o Direito Penal deixa de defender os princípios básicos essenciais à convivência pacífica, entre os membros de uma sociedade, por tornar-se o portador do medo e da coação. Sobre esse assunto, nos ensina Fernando Capez:

A visão pretensamente utilitária do direito rompe os compromissos éticos assumidos com os cidadãos, tornando-os rivais e acarretando, com isso, ao contrário do que possa parecer, ineficácia no combate ao crime. Por essa razão, o desvalor material do resultado só pode ser coibido na medida em que evidenciado o desvalor da ação. (2011, p. 20)

Page 37: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 73 -

A esse respeito, é essencial citar a Teoria

Funcionalista de Roxin, que prega que o Direito Penal deve preocupar-se em proteger os bens jurídicos de maior relevância, retomando a importância do caráter positivo da pena, que é a importância da lei para a preservação de bens jurídicos e a prevenção geral, sendo esta a razão de existir da pena.

Assim, ao tipificar e punir quaisquer atentados às obrigações éticas e sociais, o Direito Penal influencia, em última instância, na formação da consciência das pessoas, que passam a ter os valores necessários ao convívio social melhor delineados. Entretanto, não é papel deste ramo do Direito criar uma tipificação excessiva, criminalizando toda e qualquer conduta minimamente lesiva à coletividade.

Na função dos tipos penais de expor a conduta proibida, é manifesto que as condutas apresentadas por eles têm, por um lado, um caráter social, ou seja, se referem à vida em sociedade; e por outro, são inadequadas a uma vida social ordenada. Deste modo, é possível deduzir que as condutas socialmente adequadas não são necessariamente exemplares, mas, sim, comportamentos que se mantêm, dentro dos limites aceitos pelo corpo social, não causando qualquer perigo ao equilíbrio e à paz social.

Como se nota, o Direito Penal hodierno torna necessária uma interpretação cuidadosa da norma penal, que deve ser excepcionalmente influenciada por conceitos de razoabilidade, proporcionalidade e, acima de tudo, de subsidiariedade.

8 Conclusão: a aceitação social dos meios de acesso à cultura

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 74 -

Como se nota, temos que o princípio da adequação social deve ser redimensionado em razão do avanço científico, que afeta o entendimento da sociedade sobre o que a cerca – a sociedade possui consciência: a consciência coletiva, que determina o nível de aceitabilidade e tolerância da conduta humana. Isso se dá, pois, esse nível de consciência social permite o acesso à cultura de forma mais efetiva, uma vez que se trata da manifestação dos diversos aspectos da mente humana e, portanto, é absolutamente essencial à evolução do homem – a consciência social tem consciência que a pirataria é salutar à aquisição de cultura pelas classes desfavorecidas. Temos, portanto, que, por meio desse raciocínio, houve aumento significativo no nível de instrução, o que afeta os destinos da democracia.

Em outras palavras, por dar ao espírito humano o fomento para o desenvolvimento de novas ideias e a transposição de barreiras, anteriormente impossíveis de ultrapassar, entende-se que a cultura é um patrimônio social, e acaba por influenciar diretamente na consecução de uma democracia verdadeiramente instruída, como pregava Niklas Luhmann.

Desta forma, ao compreender que o desenvolvimento científico afeta o conceito de propriedade e que o direito natural aceita o progresso da ciência que seja benéfico à humanidade, surge a ideia da propriedade imaterial e seus avanços.

Temos a cultura, dessa forma como propriedade imaterial de domínio social e sua busca como algo positivo para o aumento de consciência do ser humano, que influencia diretamente a vontade popular, acabando por criar no Estado novos paradigmas sociais, em benefício de toda a coletividade.

Page 38: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 75 -

Assim, é possível depreender que ocorre a adequação social nos crimes de contra a propriedade imaterial, como a pirataria, uma vez que a busca pela cultura trata-se, em última análise, de uma excludente supralegal de ilicitude, não havendo que se falar, portanto, que a procura do conhecimento, como fruto da criação humana, seja considerado crime.

É de essencial importância, entretanto, esclarecer que a Adequação Social, apesar de abranger, de maneira ampla, nosso ordenamento jurídico, não descriminaliza o tráfico de entorpecentes, pois esse é um crime contra a saúde pública, atingindo toda a sociedade com esta conduta.

No que se refere à pirataria cultural, entretanto, não há que se falar em criminalização desse delito, pois ela aplica, de maneira indireta, diversos princípios constitucionais, como o presente no Art. 23, inciso V, de nossa Carta Magna, que diz que “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência”.

Assim, ao consagrar diversos princípios constitucionais, permitindo o acesso à cultura a uma parcela da população que antes ficaria impossibilitada, por conta dos altos custos ou da dificuldade de obtenção de determinados produtos. Portanto, a adequação social da pirataria cultural trata de excludente supralegal de ilicitude.

9 Referências bibliográficas

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito

penal: volume I: parte geral. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

BITTAR, Eduardo Carlos Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis de. N. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 76 -

BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

DEGUCHI, Luís Gustavo Seki. Violações dos direitos

autorais na internet. Presidente Prudente: Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo, 2007.

GARMPI, Eva. Alternatives to copyright. Kent: University of Kent, 2006.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed.São Paulo: Saraiva, 2014.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica

constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2002.

MOORE, Adam D. Intellectual property and information

control. Washington: University of Washington, 2004.

MOREIRA, Sarah Tiburtino. Direito autoral na era digital. Nova Venécia: Faculdade Capixaba de Nova Venécia, 2010.

Page 39: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 77 -

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito

constitucional descomplicado. 7. ed. São Paulo: Método, 2011.

PELLERINO, Giovanni. Evolução do conceito de

propriedade: da “função social” à “função estrutural”. 2005. Disponível em: <http://www.domtotal.com/direito/pagina/detalhe/23727/evolucao-do-conceito-de-propriedade-da-funcao-social-a-funcao-estrutural>. Acesso em: 10 out. 2014.

REALE, Miguel. Filosofia do direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

ROXIN, Claus. Politica criminal y sistema delderecho

penal. 2. ed. Buenos Aires: Jose Luis Depalma, 2002.

SILVA, Roberto Baptista Dias da. Manual de direito

constitucional. 1. ed. Barueri: Manole, 2007.

STALLBERG, Christian. Towards a new paradigm in

justifying copyright: an universalistic-transcendental approach.fordham: Fordham Intellectual Property, Media and Entertainment Law Journal, 2007.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito

penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 78 -

WEBER, Max. Sociologia. 7. ed. São Paulo: Ática, 2003

WELZEL, Hans. Derecho Penal Parte General. 1. ed. Buenos Aires: Roque Depalma, 1956.

WELZEL, Hans. El nuevo sistema del derecho penal. 1. ed. Buenos Aires: Julio César Faria, 2004.

Page 40: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 79 -

POSSIBLIDADE DO USO DE PROVAS ILÍCITAS COMO ÚNICO MEIO DE CONDENAÇÃO

Jéssica Augusta Alves de Melo*

Erika Daniella Rodrigues Oliveira Rabelo 1**

Considerações iniciais Sob a ótica do Estado Democrático de Direito, o

ordenamento jurídico brasileiro assegura às partes o devido processo legal; por sua vez, o princípio do devido processo legal, assegura que as partes produzam todos os meios legais de provas, ou seja, aqueles não proibidos pelo Direito.

De um lado temos o réu, considerado a parte vulnerável da relação processual, que busca provar a sua inocência. Do outro lado, encontra-se o Estado-Acusação que, aponta elementos materiais da culpabilidade e, em posse de um vasto poder probatório, busca a condenação do réu. Para que o réu consiga provar sua inocência, ele tem assegurado pela Constituição Federal de 1988 os princípios do contraditório e a ampla defesa e pode produzir provas a seu favor a fim de garantir seu direito de liberdade.

No entanto, o direito assegurado às partes de produzir provas não é ilimitado, logo são vedadas as provas ilícitas de

* Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas do Norte de Minas (FUNORTE). 1 Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros/MG; especialista em Direito Civil pela FIJ/RJ; mestre em Direito Público e Evolução Social pela Universidade Estácio de Sá/RJ; advogada militante; assessora jurídica da Câmara Municipal de Capitão Enéas/MG; professora de Direito e orientadora/avaliadora do Núcleo de Pesquisa das Faculdades Integradas do Norte de Minas - FUNORTE/Montes Claros-MG. **

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 80 -

acordo com o art. 5º, inciso LVI do texto constitucional. Essa limitação também não pode ser entendida de forma absoluta, uma vez que, aplicado o princípio da proporcionalidade, é possível mitigar a restrição quanto à inadmissibilidade da utilização de provas ilícitas no processo penal, e tal princípio poderá ser invocado tanto pelo titular da ação penal quanto pelo denunciado.

Quando o uso da prova ilícita é a favor do réu, há uma aceitação maior pela doutrina; já em relação a sua utilização, em favor da sociedade e como forma de uma possível condenação penal, não existe um entendimento doutrinário pacífico. Nesse cenário, o presente estudo tem o propósito de demonstrar a possibilidade do uso da prova ilícita, quando esta for o único meio possível para a condenação. 1 Conceito de provas ilícitas e suas espécies

Entende-se, como prova, tudo aquilo que for

produzido pelas partes com o intuito de formar o convencimento do magistrado. Às partes, autor e réu, são assegurados todos os meios legais de provas como forma de demonstrar suas alegações. Desse modo, durante o processo, as partes poderão produzir provas para comprovar suas alegações, visando à obtenção de decisões judiciais que lhes sejam favoráveis. O juiz, ao acolher essas provas, busca sempre chegar a verdade real dos fatos. Nesse sentido, Pacelli (2014, p. 327):

A prova judiciária tem um objetivo claramente definido: a reconstrução dos fatos investigados no processo, buscando a maior coincidência

Page 41: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 81 -

possível com a realidade histórica, isto é, com a verdade dos fatos, tal como efetivamente ocorridos no espaço e no tempo. A tarefa, portanto, é das mais difíceis, quando não impossível: a reconstrução da verdade.

A Carta Magna, por meio do princípio do devido

processo legal, assegura às partes o direito de produzir provas. Mesmo encontrando fundamento constitucional, esse direito não é absoluto, pois não são admitidas, no ordenamento jurídico brasileiro, as provas ilícitas. O art. 5º, inciso LVI da Constituição Federal preceitua que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. O Código de Processo Penal também traz vedações quanto à admissibilidade dessa prova como se vê no art. 157 que diz: “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas_ assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”.

Segundo Fernandes (2014, p. 448), provas ilícitas são:

(1) provas ilícitas, que seriam aquelas obtidas mediante a violação de norma material, ou seja, contrariando o direito matéria (sejam normas de direito civil, ou mesmo princípios penais, etc). O instrumento de prova obtido por tal meio – como, por exemplo, confissão mediante tortura (Lei nº 9.455/97), gravação clandestina ou interceptação telefônica sem autorização judicial (Lei nº 9.296/96),

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 82 -

ou ainda a violação a um domicilio (art. 150 CP) – não pode adentrar ao universo processual, ou se já adentrada, deve ser imediatamente retirada dos autos assim que declarada como tal. Não há, portanto, qualquer possibilidade de convalidação da mesma.

Dentre os diversos tipos de provas ilícitas, destacam-

se aquelas obtidas com violação ao direito do sigilo das comunicações, especialmente a comunicação por carta telegráfica e comunicações telefônicas; violação ao direito, ao sigilo bancário e fiscal e às provas que desrespeitam o direito à inviolabilidade do domicílio.

Deste modo, a Constituição Federal de 1988, em seu o art. 5º, inciso XII que garante o sigilo das comunicações, dispõe que são invioláveis as comunicações telegráficas e telefônicas, podendo ser violadas em último caso, somente por ordem judicial e para fins de investigação criminal ou instrução penal na forma que a lei estabelecer.

O conceito de interceptação de correspondência abrange a violação por carta telegráfica, que é aquela que viola a comunicação realizada por meio escrito_ carta ou telegrama_ por exemplo. A interceptação não autorizada de correspondência é considerada ilícita por infringir o direito fundamental da privacidade do indivíduo. Mesmo que a Constituição Federal não apresente ressalva à hipótese de restrição ao direito de sigilo deste tipo de transmissão de mensagem, é importante ressaltar que inexiste garantia absoluta no nosso ordenamento jurídico. (Capez, 2013).

A Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1.984, que trata de execuções penais, em seu art. 41 parágrafo único, disciplina

Page 42: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 83 -

que as correspondências dos presos poderão ser violadas em ato motivado do diretor do estabelecimento prisional. É o que demonstra o seguinte Habeas Corpus 1.0000.13.095372-2/000 do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

EMENTA: HABEAS CORPUS. VIOLAÇÃO DE CORRESPONDÊNCIA. JUNTADA DE DOCUMENTO EM AUDIÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. MATÉRIA AINDA NÃO APRECIADA EM PRIMEIRO GRAU. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. FEITO DEVIDAMENTE MOTIVADO. 1. Não tendo sido pleiteado o desentranhamento dos documentos perante o Juízo de primeiro grau, não cabe a este Eg. Tribunal antecipar-se à decisão do magistrado singular, examinando-o, sob pena de supressão de instância. 2. Inexiste constrangimento ilegal na decisão que acolhe requisição ministerial, devidamente fundamentada, tomando-a como razão de decidir. 3. A própria administração penitenciaria pode proceder à interceptação da correspondência remetida pelos presos, desde que respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo único, da Lei n. 7.210/84.

No que se refere à quebra de sigilo telefônico, essa

prática foi regulamentada pela Lei n. 9.296, de 24 de julho de 1996. Segundo Capez (2013, p. 388):

Com a entrada em vigor da Lei n. 9.296, de 24 de julho de 1996 [...] o novo texto disciplinou a interceptação de conversas telefônicas. Agora, o juiz pode autorizar a quebra do sigilo de ofício ou a requerimento do membro do Ministério Público ou autoridade policial, mas somente quando presentes os seguintes

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 84 -

requisitos: a) indícios razoáveis de autoria e participação em infração penal; b) não houver outro meio de se produzir a mesma prova; e c) o fato for punido com pena de reclusão.

Quando a interceptação telefônica for feita, ao

contrario do que dispões a Lei n. 9.296/96 será considerada ilegal e não poderá ser usada no processo, uma vez que é uma prova ilícita.

Por outro lado, quando é o próprio interlocutor que grava a conversa, não há que se falar em interceptação, já que não há um terceiro na conversa. A prova será válida desde que presente a justa causa, ou seja, desde que a mesma seja imprescindível e que não exista outro meio de prova válido que comprove as alegações da pessoa que irá valer-se dessa prova.

Nesse sentido, há entendimento jurisprudencial afirmando que a gravação telefônica, realizada por um dos comunicadores, sem o prévio consentimento do outro, está fora do que disciplina a Lei. n. 9.296/96, bem como do alcance da vedação contida no do art. 5º, XII, da Constituição Federal, considerando-se como provas lícitas, podendo ser produzidas, em Juízo, sem prévia autorização judicial (Capez, 2013).

Em relação à quebra de sigilo bancário, ela é disciplinada pela Lei Complementar n. 105/2001. Essa lei preceitua que a quebra de sigilo bancário, autorizada pelo Poder Judiciário, deverá mostrar a existência do periculum in

mora e justa causa, bem como ser fruto de despacho fundamentado, dentre outros requisitos. Constitui crime a quebra do sigilo fiscal que não siga os ditames da LC n. 105/2001, conforme preceitua o art. 10 do referido diploma, não podendo ser utilizada como prova dentro de um processo.

Page 43: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 85 -

Vale ressaltar, que a todo cidadão brasileiro é assegurada a inviolabilidade do seu domicílio. É uma garantia fundamental prevista pela Carta de Direitos, conforme art. 5º, inciso XI, que diz que a casa do indivíduo é inviolável e somente será penetrada com seu consentimento, ou em caso de flagrante, ou para prestar socorro, ou por determinação judicial _durante o dia_ caso contrário será um crime como se vê no Recurso em Sentido Estrito de nº 00426036120128120001 do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul:

E M E N T A - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - POSSE DE ARMA DE FOGO - PROVA ILÍCITA - VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO - REJEIÇÃO DA DENÚNCIA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO MINISTERIAL IMPROVIDO. O flagrante delito justifica a violação do domicílio, conforme prevê a própria Constituição Federal, em seu art. 5º, XI, mas a violação do domicílio, sem mandado, consentimento do morador ou ciência anterior do delito não justifica o flagrante que só ocorreu após o vilipêndio de garantia fundamental constitucionalmente assegurada. É escorreita a rejeição da denúncia que se baseou em prova ilícita e, portanto, imprestável. Recurso não provido, contra o parecer.

A prova produzida, contrariando este dispositivo

constitucional, será considerada uma prova ilícita e imprestável para o processo.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 86 -

2 Provas ilícitas e ilegítimas: algumas diferenças A Constituição Federal não faz distinção entre provas

ilícitas e ilegítimas, tampouco o Código de Processo Penal que, mesmo após a Lei 11.690/08, não apresenta essa diferença. Registra-se que o art. 157do Código de Processo Penal define que são ilícitas aquelas provas cuja produção viola as normas constitucionais ou legais. Nesse sentido Távora; Alencar (2013, p. 393):

Alheia à classificação doutrinária, a Constituição Federal não fez referência distintiva entre provas ilícitas ou ilegítimas, e tão pouco seria papel do legislador constitucional fazê-lo, sendo que a Lei nº 11.690/2008, que imprimiu a reforma no sistema probatório brasileiro, também não fez qualquer diferenciação, reputando na nova redação dada ao art. 157, caput, como ilícitas aquelas provas obtidas em violação a normas de caráter constitucional ou infraconstitucional, que por consequência, devem ser desentranhadas dos autos.

Diante disso, a diferenciação entre provas ilícitas e

ilegítimas realiza-se pela doutrina da seguinte forma: provas ilícitas são aquelas provas que contrariam normas do direito material penal e as provas ilegítimas são aquelas que violam normas do direito processual penal.

3 Princípios constitucionais adstritos ao processo penal

A Carta de Direitos assegura a todos os cidadãos o

devido processo legal, princípio esse que se encontra fundamentado no art. 5º, LIV da Constituição Federal de

Page 44: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 87 -

1988: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

O princípio do devido processo legal surgiu com o objetivo de assegurar a todos os cidadãos um processo justo e preservar o princípio do contraditório e da ampla defesa _ postulados constitucionais que se fundamentam no art. 5º, LV_ como corolário do Estado Democrático de Direito. Tal princípio assegura ao indivíduo igualdade de condições frente ao Estado.

Em outro giro, entendem-se, como princípio da ampla defesa, todos os meios legais que são assegurados ao réu para que ele possa comprovar suas alegações. Já o princípio do contraditório permite ao réu contradizer tudo que for apresentado contra ele pelo órgão de acusação estatal, garantindo-lhe o direito de se defender. Nesse sentido, afirma Mendes; Branco (2014, p. 544):

É provável que a garantia do devido processo legal configure uma das mais amplas e relevantes garantias do direito constitucional, se considerarmos a sua aplicação nas relações de caráter material (princípio da proporcionalidade/direito substantivo). Todavia, no âmbito das garantias do processo é que o devido processo legal assume uma amplitude inigualável e um significado ímpar como postulado que traduz uma série de garantias hoje devidamente especificadas e especializadas nas várias ordens jurídicas. Assim, cogita-se de devido processo legal quando se fala de (1) direito ao contraditório e à ampla defesa, de (2) direito ao juiz natural, de (3) direito a não ser processado e condenado com base em prova ilícita, de (4) direito a não ser preso senão por determinação da autoridade competente e na forma estabelecida pela ordem jurídica.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 88 -

Como se observa, além dos princípios do

contraditório e da ampla defesa, o princípio do devido processo legal assegura muitos outros direitos; dentre eles, o direito a não ser processado e condenado com base em prova ilícita. No art. 5º, inciso LVI do texto constitucional encontra-se fundamento para esse direito “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.

Nesse sentido, infere-se que a Carta Magna resguarda o princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas. Porém, esse princípio não é absoluto, já que pode haver admissibilidade de provas ilícitas, no âmbito processual penal brasileiro, de forma excepcional. Para que tais provas sejam utilizadas, deve-se observar o caso concreto e a espécie de prova ilícita a ser produzida, sempre buscando ponderar os direitos a serem violados e o direito a que se busca tutelar.

Dessa forma, para que nenhum direito seja violado ou deixe de ser garantido, é utilizado o princípio da

proporcionalidade. Para Moraes (2013, p. 115):

Saliente-se, porém, que a doutrina constitucional passou a atenuar a vedação das provas ilícitas, visando corrigir distorções a que a rigidez da exclusão poderia levar em casos de excepcional gravidade. Esta atenuação prevê, com base no Princípio da Proporcionalidade, hipóteses em que as provas ilícitas, em caráter excepcional e em casos extremamente graves, poderão ser utilizadas, pois nenhuma liberdade pública é absoluta, havendo possibilidade, em casos delicados, em que se percebe que o direito tutelado é mais importante que o direito à intimidade, segredo, liberdade de comunicação, por exemplo de permitir sua utilização.

Page 45: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 89 -

A teoria da proporcionalidade ou razoabilidade tem o intuito de mediar possíveis conflitos acerca da possibilidade de utilização de uma prova ilícita. Segunda essa teoria, somente será usada a prova ilícita em casos graves e se existir equilíbrio entre os direitos a serem violados e a prova a ser usada. Nesta abordagem, Capez (2013, p. 379) afirma que:

Para esta teoria, a proibição das provas obtidas por meios ilícitos é um principio relativo, que, excepcionalmente, pode ser violado sempre que estiver em jogo um interesse de maior relevância ou outro direito fundamental com ele contrastante.

No texto constitucional brasileiro, não há previsão

expressa desse princípio, portanto é um pressuposto implícito que tem fundamento legal no princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV da CF/88). Dentre as possibilidades da aplicação de tal princípio, destaca-se a admissibilidade ou não de uma prova ilícita como único fundamento da condenação penal.

A doutrina ensina que o princípio da proporcionalidade é baseado em três subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. (Paulo; Alexandrino, 2014).

Sendo assim, o subprincípio da adequação defende que, para que uma prática seja usada, ela deve ter a possibilidade de atingir o fim a que se pretende. Já o subprincípio da necessidade preceitua que só se usará certo recurso _ que viola direitos fundamentais do indivíduo_ para alcançar o objetivo em último caso. Somente se não houver outros meios válidos para que se alcance tal objetivo e que esse objetivo seja imprescindível.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 90 -

E, finalmente, temos o terceiro subprincípio, o da proporcionalidade em sentido estrito. Segundo o qual somente após uma análise dos outros dois subprincípios e se os resultados positivos alcançados superarem os prejuízos decorrentes da restrição dos direitos atingidos (Paulo; Alexandrino, 2014).

Porém, quando o princípio da proporcionalidade é invocado para a utilização de provas ilícitas no âmbito do processo penal, há divergência na doutrina quanto ao seu uso. Grande parcela dos doutrinadores defende o seu uso somente em favor do réu e repudia a utilização das provas ilícitas em favor da sociedade. Sobre esse aspecto Távora; Alencar (2013,

p. 75) salienta que:

O princípio da proporcionalidade tem especial aplicação no direito processual penal, tal como se dá na disciplina legal da validade da prova. Se a utilização do princípio da proporcionalidade em favor do réu para o acatamento de prova que seria ilícita é pacífica, essa mesma utilização contra o réu para o fim de garantir valores como o da segurança coletiva é bastante controvertida no Brasil. Pode-se dizer que é minoritário o setor da doutrina e da jurisprudência que defende a aplicação excepcional do princípio da proporcionalidade contra o acusado, para satisfazer pretensões do “movimento da lei e da ordem”.

Como já mencionado, quando se trata da aplicação do

princípio da proporcionalidade, em relação à prova ilícita, ele é comumente utilizado pro reo. Segundo os defensores dessa teoria, não pode ser permitido que o cidadão inocente seja condenado, uma vez que, dentre os direitos fundamentais

Page 46: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 91 -

tutelados pela Constituição Federal, está o direito fundamental da liberdade. Segundo Bonfim (2010, p. 348):

[...] a proibição da prova ilícita é uma garantia individual contra o Estado, predomina o entendimento na doutrina de que seja possível a utilização de prova favorável ao acusado, ainda que colhida com infringência a direitos fundamentais seus ou de terceiros, e, quando produzida pelo próprio interessado (como a gravação de conversação telefônica em caso de extorsão, por exemplo), traduz hipótese de legítima defesa, que exclui a ilicitude.

Suponhamos que o réu está sendo acusado,

injustamente, do crime de homicídio e, objetivando provar sua inocência, ele recorre a uma prova obtida pelo meio ilícito da violação de correspondência. Nesse caso, existe um conflito de direitos, quais sejam o direito à liberdade e o direito à privacidade. Sendo assim, a doutrina majoritária entende que, pelo princípio da proporcionalidade, o réu pode e deve usar essa prova ilícita em seu favor.

Quando se fala na utilização da prova ilícita pro

societate, não há um entendimento doutrinário pacífico. Há aqueles que defendem a impossibilidade de utilização da prova ilícita pelo Estado e afirmam que esse, ao invocar tal espécie de prova, estaria ferindo direitos e garantias que ele tem o dever de tutelar. Além disso, o Estado, como órgão de acusação, tem, em suas mãos, todos os meios de produzir provas e, se fossem admitidas tais provas, o princípio da não admissibilidade das provas ilícitas poderia ser banalizado, e o Estado, independentemente do caso, valer-se dessas provas.

Entretanto, há os doutrinadores que defendem o uso dessas provas pro societate, e como já foi dito anteriormente, nenhum princípio ou direito é absoluto. Se em um processo o

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 92 -

Estado se deparar com um caso extremamente grave e o único meio de solucioná-lo é valorando a prova ilícita, há possibilidade de usá-la em razão do princípio da proporcionalidade. Na visão de Pacelli (2014, p. 376):

Mas, voltando à questão do aproveitamento da prova ilícita em favor da acusação, diríamos que o critério da proporcionalidade poderá validamente ser utilizado, nas hipóteses em que não estiver em risco a aplicabilidade potencial e finalística da norma da inadmissibilidade. Por aplicabilidade potencial e finalística estamos nos referindo à função de controle da atividade estatal (responsável pela produção da prova) que desempenha a norma do art. 5º, LVI, da CF. Assim, quando não se puder falar no incremento ou no estímulo de prática de ilegalidade pelos agentes produtores da prova, pensamos ser possível, em tese, a aplicação da regra da proporcionalidade.

Nesta mesma linha de raciocínio está Júnior (2013,

online) ao descrever que:

Apesar dessa tendência de não se aceitar a prova ilícita pro societate, cremos que, nos dias atuais, em razão da prática de crimes, em grande parte, oriunda de organizações criminosas altamente especializadas, não podemos adotar o posicionamento extremado de que o princípio da proporcionalidade incidiria, exclusivamente, em favor dos interesses do réu.

É notório que, somente em casos excepcionais, pode

ser aplicado o princípio da proporcionalidade em favor da sociedade. Devem-se levar, em consideração, quais direitos

Page 47: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 93 -

são mais importantes, se é a liberdade de um criminoso ou a segurança coletiva. Por exemplo, um criminoso que cometeu um crime bárbaro é inocentado por falta de fundamentação em uma prova legal para a sua condenação. A liberdade desse criminoso, além de provocar, na sociedade, influentes sensações de impunidade e de insegurança, ele, livre, poderia continuar cometendo crimes gravíssimos e a coletividade permaneceria em perigo. Assim, nesse caso, o mais importante será a segurança coletiva.

Nesta abordagem Lachi (2009, online) afirma que:

A admissibilidade em favor da sociedade, por fim, é a mais polêmica das hipóteses de exceção. De um lado, a sociedade tem seu direito à vida, à segurança e ao patrimônio. De outro, o acusado tem seu direito ao devido processo legal e à presunção de inocência. Apesar das divergências, a análise embasada na proporcionalidade permite constatar que, diante dessa forma de colisão, é admissível a prova ilícita em favor da sociedade, em casos extremos, quando os valores constitucionais que vem a ser preservados por essa admissibilidade forem de suma relevância e maiores que os demais.

A utilização da prova ilícita pro societate é uma

exceção e encontra limite na prática de um eventual crime de tortura, visto que, se o réu for exposto a situações degradantes e desumanas, a prova manterá seu caráter ilícito e não poderá ser admitida mesmo diante da aplicação do principio da proporcionalidade.

Sendo assim, quando se invoca o princípio da proporcionalidade, em relação ao uso das provas ilícitas pro

societate, o que o Estado visa é à inibição de crimes mais

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 94 -

graves, uma vez que ela só poderá ser usada nessa situação. Conforme Capez (2013, p. 379) diz:

No dilema entre não se admitir a prova ilícita e privar alguém de sua liberdade injustamente, por certo o sistema se harmonizaria no sentido de excepcionar a vedação da prova, para permitir a absolvição. Um outro caso seria o de uma organização criminosa que teve ilegalmente seu sigilo telefônico violado e descoberta toda a sua trama ilícita. O que seria mais benéfico para a sociedade: o desbaratamento do grupo ou a preservação do seu “direito à intimidade”? (Grifo nosso)

Dessa forma, o que se apura é que o uso das provas

ilícitas somente será possível em casos restritos e excepcionais, em que o Estado buscará sempre o bem da sociedade.

Vale ressaltar que o princípio da verdade real também merece destaque no estudo da possibilidade do uso da prova ilícita em favor da sociedade. Segundo esse princípio, no processo penal, o juiz deve sempre buscar o que aconteceu realmente e a verdade dos fatos, onde quer que esteja.

Diferentemente do processo civil, no processo penal, o juiz lida com situações muito mais relevantes. Em uma condenação injusta, por exemplo, pode a sentença retirar do réu um dos seus bens mais preciosos, que é a sua liberdade. No direito processual civil, o juiz busca a verdade formal ou instrumental diante das provas que lhes são apresentadas pelas partes. Já no processo penal, o juiz tem que buscar a verdade real, o que realmente aconteceu. Por isso é assegurado ao juiz produzir provas, de acordo com Filho (2012, p. 58):

[...] somente salientar que o ordenamento confere ao Juiz penal, mais que ao juiz não

Page 48: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 95 -

penal, poderes para coletar dados que lhe possibilitem, numa análise histórico-crítica, na medida do possível, restaurar aquele acontecimento pretérito que é o crime investigado, numa tarefa semelhante à do historiador.

No dizer de Bonfim (2010, p. 79-80):

Toda atividade processual, em especial a produção da prova, deve conduzir ao descobrimento dos fatos conforme se passaram na realidade. O conjunto instrutório deve refletir, no maior grau de fidelidade possível, os acontecimentos pertinentes ao fato investigado.

Nesse sentido, são assegurados às partes todos os

meios de provas. Porém como já mencionado, nenhum direito é absoluto. Esse direito encontra limite na legalidade, uma vez que o próprio texto constitucional veda as provas ilícitas no processo. Dessa forma, o magistrado não deve utilizar desse tipo de prova para fundamentar seu julgamento.

Porém, o uso das provas ilícitas tem sido admitido, como já visto. Ao utilizar essa espécie de prova, para fundamentar uma condenação penal, o juiz deve primar sempre pela aplicação do princípio da proporcionalidade, levando em consideração o equilíbrio entre os direitos que foram violados para a obtenção da prova ilícita e o direito tutelado pela sentença.

Sendo assim, o juiz criminal fica obrigado a buscar a verdade real dos fatos e pode se valer das provas ilícitas, porém estará, do mesmo modo, obrigado a aplicar o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 96 -

4 Teoria dos frutos da árvore envenenada e seus efeitos Segundo a teoria dos frutos da árvore envenenada,

mesmo a prova sendo lícita se ela derivar de uma prova ilícita, essa prova deve ser inutilizada e desentranhada do processo, conforme entendimento doutrinário, pois a segunda contamina todas as demais provas que dela se originam.

Esse entendimento, aceito pelos tribunais superiores e defendido pela doutrina, é adotado, no direito brasileiro, por meio da chamada teoria dos frutos da árvore envenenada, de origem americana, fruits of the poisonous tree, que reafirma a ideia de que a prova ilícita produzida _árvore_ tem o condão de contaminar as demais _frutos.

A reforma no Código de Processo Penal, feita pela Lei 11.690 de 2008, consolidou esse entendimento, no art. 157, §1º do referido diploma legal, como se vê:

Art. 157. § 1.º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

A teoria dos frutos da árvore envenenada não é

absoluta e possui várias exceções que também foram inspiradas na legislação norte-americana. Tais exceções são compreendidas pelas seguintes teorias: teoria da prova absolutamente independente; teoria da descoberta inevitável; teoria da contaminação expurgada ou conexão atenuada e teoria da boa-fé.

A teoria da prova absolutamente independente diz que, se, no processo penal, existirem outras provas que são independentes da prova ilícita que foi produzida e não existir

Page 49: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 97 -

nenhuma vinculação entre elas, não há que se falar que essa prova está contaminada. Nesse caso, não há aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada.

Entende-se que teoria da prova, absolutamente independente, não seria uma exceção à aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada, pois elas são totalmente independentes. De acordo com o art. 157, §2º do CPP, “Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os tramites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova”.

Conforme a teoria da descoberta inevitável, mesmo que a prova derivada da ilícita, fosse descoberta, de qualquer forma, por atos de investigação legal, poderá ser utilizada excluindo-se a ilicitude. De acordo com essa teoria, o nexo entre a prova ilícita e a prova a ser utilizada não é decisivo. O que se busca é impedir que a tal prova, que seria descoberta por outro meio legal, seja contaminada. Nesse sentido, Nestor, Távora (2013, p.398) destaca que:

O que se deseja é impedir a contaminação de provas decorrentes de uma ilícita, caso o seu descobrimento seja inevitável. É dizer, se uma determinada prova viria aos autos de qualquer maneira, mesmo que a ilicitude não tivesse acontecido, esta deve ser encarada como uma fatalidade, e o vinculo entre a prova originária e a derivada não deve levar a mácula desta última. (...) Na descoberta inevitável, o nexo existe, mas não é decisivo, pois a prova derivada, mesmo que a ilicitude não se operasse, ainda assim seria produzida dentro da lei. Era apenas uma questão de tempo.

Já a teoria da contaminação expurgada, ou conexão

atenuada defende a ideia de que, se o vínculo entre a prova

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 98 -

ilícita e a derivada for superficial ou tênue, não há contaminação dessa prova. Nesse caso, não há ausência de nexo entre as provas. O nexo é tão irrelevante que é desconsiderado e existe a possibilidade de se usar a prova.

E, finalmente, a teoria da boa-fé que tem como objetivo, evitar que uma prova, obtida por meios lícitos, seja reconhecida como ilícita. Nesse caso, a parte que conseguiu a prova o fez por meios lícitos, sem a intenção de infringir a lei, apenas agiu em uma situação de erro, como esclarece o exemplo de Távora, Alencar (2013, p. 399):

É o caso, por exemplo, da polícia que cumpre mandado de busca residencial para apreender animais silvestres mantidos irregularmente em cativeiro, mas acaba apreendendo computadores que poderiam revelar um esquema de sonegação fiscal. Os requisitos do mandado de busca e apreensão vêm previstos no art. 243 do CPP, definindo os limites intransponíveis da diligencia.

Dessa forma, se o agente agir de boa-fé, poderá

excluir a ilicitude da prova, contudo nem sempre será entendido dessa maneira, pois, além de se observar a ausência de dolo, também tem que analisar a boa fé subjetiva e objetiva do agente. 5 Considerações finais

Mesmo sendo assegurados às partes todos os meios

de provas, quando se constatar, no processo, provas ilícitas, elas devem ser inutilizadas e desentranhadas dos autos, exceto em casos excepcionais nos quais as provas ilícitas poderão ser utilizadas.

Page 50: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 99 -

Para que as provas ilícitas sejam utilizadas, é analisado o caso concreto sempre com base no princípio da proporcionalidade. Segundo o princípio, tal prova só poderá ser usada se o fim que ela pretende for proporcional ao direito que é violado para se obter a prova.

Em relação ao uso, em favor do réu, não há muita discussão, já que existente uma colisão entre o princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas e o da presunção de inocência,ao qual esse deve prevalecer.

Mas, quando invocamos essas provas pro societate,

não existe um entendimento consolidado. Segundo o que afirma grande parte da doutrina, o uso dessa prova viola direitos fundamentais assegurados a todos como o da intimidade, liberdade, o direito ao processo legal bem como a presunção de inocência.

Nesse caso, as ditas provas não devem ser excluídas por completo, já que o uso, nessa circunstância, é excepcional. O uso da prova ilícita, como fundamento de uma condenação, ocorreria, em último caso, quando não há outra prova cabível, dada a sua excepcionalidade.

Dessa forma, em determinados casos, onde o crime é extremamente grave e a não condenação do criminoso cause danos maiores à coletividade, poderá a condenação penal ser fundamentada em uma prova ilícita seguindo a aplicação do princípio da proporcionalidade em razão da segurança coletiva, visto que nenhum direito é absoluto. 6 Referências

BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Habeas

Corpus nº 1.0000.13.095372-2/000. Relatora: MARILAC,

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 100 -

Maria Luíza de. Disponível em: <http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?&numeroRegistro=1&totalLinhas=2&paginaNumero=1&linhasPorPagina=1&palavras=intercepta%E7ao%20correspondencia%20preso&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=1&referenciaLegislativa=Clique%20na%20lupa%20para%20pesquisar%20as%20refer%EAncias%20cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar&>. Acesso em: 23 de out. 2014.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. Recurso

em Sentido Estrito nº 00426036120128120001. Relator: FLORENCE, Celso Barbosa. Disponível em: <http://tj-ms.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/128128527/recurso-em-sentido-estrito-rse-426036120128120001-ms-0042603-6120128120001>. Acesso em: 23 de out. 2014.

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito

constitucional. 6. ed. Salvador: JusPODIVM, 2014.

FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Manual de processo

penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

JÚNIOR, José Hélio Marcelo. Estudo das provas ilícitas e o

critério da proporcionalidade no processo penal. 2013. Disponível em: <http://atualidadesdodireito.com.br/eduardocabette/2012/05/08/estudo-das-provas-ilicitas-e-o-criterio-da-proporcionalidade-no-processo-penal/>. Acesso em: 21 abr. 2014.

LACHI, Rômulo. Exceções à admissibilidade das provas

ilícitas no processo penal brasileiro. 2009. Disponível em: <http://www.unigran.br/revista_juridica/ed_anteriores/22/artigos/artigo07.pdf>. Acesso em: 06 mai. 2014.

Page 51: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 101 -

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 29. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito

constitucional descomplicado. 12. ed. São Paulo: Método, 2014.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de

direito processual penal. 8. ed. Salvador: JusPODIVM, 2013.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 102 -

A EXIGÊNCIA DE REGULARIDADE FISCAL PARA INCLUSÃO DE MICRO EMPRESA E EMPRESA DE

PEQUENO PORTE NO SIMPLES FRENTE O PRINCÍPIO DA ISONOMIA

Lílian Madureira Mota Leite*

Antônio Luiz Nunes Salgado**

Introdução

O presente trabalho tem por escopo a análise da vedação, para inclusão e manutenção de microempresas e empresas de pequeno porte, no simples nacional prevista no inciso V do artigo 17 da Lei Complementar 123/2006 frente ao Princípio da Isonomia.

O Supremo Tribunal Federal (2013) julgou o Recurso Extraordinário 627.543, negado provimento ao recurso de um contribuinte que questionava a exigência de regularidade fiscal para recolhimento de tributos pelo Simples.

O entendimento do relator foi que não há afronta ao princípio da isonomia, na exigência de regularidade fiscal, para o ingresso ou a manutenção do contribuinte no Simples Nacional, mormente, porque constitui condição imposta a

* Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas do Norte de Minas (FUNORTE). ** Bacharel em Direito e especialista em Gestão Contábil e Controladoria pela Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES; Advogado militante; Presidente do Conselho de Ética e Disciplina da 11ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil em Montes Claros/MG; Professor de Direito do Trabalho, Prática de Processo do Trabalho, Ética e Estatuto da OAB e Legislação Tributária nos cursos de Direito e Administração das Faculdades Integradas do Norte de Minas (FUNORTE).

Page 52: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 103 -

todos os contribuintes, conferindo tratamento desigual àqueles que se encontram em situações desiguais.

A votação, entretanto, não foi unânime, pois o ministro Marco Aurélio, em seu voto a dar provimento ao recurso, afirma que a regra rechaçada “estabelece um fator de discriminação socialmente inaceitável e contrário à Carta da República” (STF, 2013 d), e sustenta, ainda, que a micro e pequena empresa, já atravessa dificuldades e, ao contrário de ser socorrida, vira alvo de exclusão do regime mais benéfico.

Conforme pesquisa publicada pela Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas – CNDL (2013), segundo informações da Receita Federal, 110 mil empresas já foram excluídas do Simples Nacional por causa da inadimplência, o que reforça o entendimento do Ministro Marco Aurélio.

Destarte, nota-se que a matéria não se esgotou, pois houve divergência na decisão. Devem-se levar, pois, em conta, as particularidades do caso concreto que levaram o Supremo àquela decisão.

Desse modo, caso verificada a inconstitucionalidade da vedação em estudo, isso poderá proporcionar a recuperação das microempresas e empresas de pequeno porte em dificuldade, bem como a reinserção daquelas excluídas.

Assim, neste trabalho, reflete-se acerca da questão acima aventada, na busca de uma solução para a problemática.

Quanto à metodologia, foram abordados aspectos históricos, conceituais e normativos, por meio de investigações anteriores.

Foram selecionados artigos, em português, publicados entre 2006 e 2014, com bases de dados indexados, bem como livros que tratam sobre a temática abordada. Também foram realizadas pesquisas, em jurisprudências, diretamente dos sites dos Tribunais: Supremo Tribunal

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 104 -

Federal, Superior Tribunal de Justiça e Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

1 O simples nacional e a vedação prevista no artigo 17, inciso V, da Lei Complementar 123/2006

É cediço que o sistema tributário brasileiro

apresenta algumas complexidades, dentre elas, podemos citar a enorme quantidade de normas nessa matéria, bem como a constante mudança da legislação; os inúmeros tributos e os frequentes aumentos nas alíquotas de alguns deles, pesando essa complexidade especialmente para as microempresas e empresas de pequeno porte.

Ainda de acordo com o IBPT, da Constituição de 1988 para cá, foram editadas, em matéria tributária, 290.932 normas ou 33,2 por dia, mais de uma por hora, em todo o Brasil. De todas essas, 21.820 (7,5%) estavam em vigor em 5 de outubro do ano passado. Como a média das empresas não realiza negócios em todos os Estados, a estimativa de normas que cada uma deve seguir é de 3.507. (FILHO, 2013)

Reforça e completa essa ideia Campos (2009), o qual assevera que as pessoas físicas e, principalmente, as pessoas jurídicas têm que gerenciar uma vasta quantidade de tributos, e observar a data de vencimento de cada uma, assim como as respectivas obrigações acessórias que as empresas têm, obrigatoriamente, que cumprir. Ressalta-se que todas essas obrigações causam um custo tributário indireto _com pessoal, equipamentos, materiais_ para a preservação da adimplência com o fisco.

Ainda sobre esse aspecto, o autor salienta que se deve, também, levar em conta a guerra fiscal entre os entes

Page 53: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 105 -

tributantes pela busca de instalação de empresas, em seus territórios, por meio do incentivo; disputa essa que acaba por prejudicar o País, principalmente as pequenas e médias empresas que ficam em desvantagem em relação às grandes. Acrescenta, ainda, que tal prática não aumenta o investimento no País, apenas mudam-no de um Estado para outro.

Frente aos desafios impostos pela concorrência predatória, exacerbada burocracia, que impõe elevadas taxas, trâmites e barreiras acompanhadas de procedimentos confusos, demorados e dispendiosos, muitas microempresas e empresas de pequeno porte veem-se forçadas a permanecer na informalidade ou, quando tentam ingressar num mercado que não entende suas necessidades, são sucumbidas por todos os empecilhos e fecham suas portas antes mesmo de terem a chance de ingressarem no mercado. (MURICY; CHIESA, 2011, p.475-476)

De acordo com a Veja (2013), realizou-se uma

pesquisa inédita pela consultoria Deloitte a qual mostrou que empresas brasileiras de pequeno porte gastam, em média, 3,53% de seu faturamento com estrutura e funcionários encarregados do processo de apuração de impostos a serem recolhidos. Já entre as médias empresas, esse valor é de 0,48% e, entre as grandes, de 0,2%.

O responsável pela pesquisa, Marcelo Natale, ressalta, ainda, que:

O custo para manter uma equipe de profissionais na área consultiva tributária em pequenas empresas "equivale a recolher um tributo adicional". Só a participação do custo da área consultiva tributária sobre o faturamento desses grupos é de 1,81%, em

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 106 -

média. "O PIS, por exemplo, equivale a 1,65% do faturamento". O pessoal voltado para a área operacional custa mais 1,72% do faturamento. (VEJA, 2013)

A Notícia da InfoMoney, escrita por Felix (2012),

traz outro estudo de relevância, realizado pela Latin Business Chronicles’s em 2012, que elaborou um ranking que engloba 18 países da América Latina,em que o Brasil fica, na lanterna, pelo segundo ano consecutivo, e é considerado, entre estes, o pior lugar para empresas que precisam pagar impostos. O ranking leva em consideração quatro fatores que são: impostos corporativos, impostos com porcentagem de lucros e o maior número de horas gastas para pagamento anual de impostos.

A reportagem segue a noticiar que, conforme consultoria da KPMG,

As taxas de impostos corporativos no Brasil são de 34%, segunda mais alta depois da Argentina e de Honduras, com 35% e a mesma taxa da Venezuela. A média regional está em 28,2%. (FELIX, 2012)

Verificou-se, ainda, em levantamento do Banco Mundial, que a complexidade do sistema tributário brasileiro pode exigir dos contribuintes 2.600 horas, por ano, para pagar impostos, o que reafirma a dificuldade tributária por que passam as empresas brasileiras.

Segundo Olívia Tirello, quem mais sofre com a balbúrdia são as empresas menores. ‘As grandes contratam todos os profissionais necessários. E as pequenas? Como não têm condições para isso, acabam errando e tendo de arcar com todas as consequências deste erro. ’

Page 54: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 107 -

[...] ‘O que temos no Brasil é um enorme vai e vem tributário. Um dia determinado setor recebe uma desoneração, daí a mais um tempo é a vez de outro, depois tudo volta a ser como antes. As normas mudam o tempo todo. É o tipo de coisa difícil de entender, que incomoda e que impacta nos negócios. As empresas daqui precisam de uma estrutura de contabilidade cinco a seis vezes maior que as de fora’, critica o executivo José Armando Campos, conselheiro de diversas empresas e ex-presidente da ArcelorMittal Brasil. (FILHO, 2013)

Gomes e Guimarães (2012) fazem algumas considerações importantes para esclarecer que a formulação do Simples Nacional surgiu na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 41/2003, apresentada pelo então Presidente na época, Luís Inácio Lula da Silva, cujo cerce era a criação de uma legislação nacional para o ICMS, para substituir as 27 legislações estaduais, o que simplificaria a estrutura de alíquotas. Após cerca de oito meses de tramitação, a PEC foi aprovada e transformada na EC nº 42/2003, a qual criou a possibilidade de formação de um mecanismo de arrecadação de tributos e contribuições devidos, em todos os entes da federação, de forma unificada, gerando menores custos para as microempresas e empresas de pequeno porte.

Os autores acrescentam que, em 2004, foi apresentado pelo deputado Juthay Junior o projeto de lei complementar, PLC nº 123/2004 que tratava da regulamentação da EC nº 42/2003. Já em 2005, Paulo Okamoto, teve seu projeto de lei complementar sobre a Pré-Empresa apensado ao projeto da Lei Geral. Em abril, o projeto chegou à Comissão Especial da Microempresa, cujo relator era o deputado Luiz Carlos Hauly, cujos interesses

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 108 -

mobilizados, com trabalhos que incluíram análise de projetos apensados, audiências públicas, apresentação de emendas e, por fim, como resultado de todos esses debates, a elaboração de substitutivo.

Os mencionados autores esclarecem, ainda, que os debates e as propostas de projetos de lei apresentadas e apensadas ao PLC nº 123/2004 levaram o relator a optar pela fusão do PLC nº 210/2004 e do Projeto da Lei Geral da MPE, do Sebrae, num único texto. No Senado, o projeto da Lei Geral foi encaminhado para a Comissão de Assuntos Econômicos e foi aprovado. No entanto, a casa alterou a entrada em vigor do Simples, passando de 1º de janeiro para 1º de julho do ano seguinte. A matéria retorna à Câmara onde se deu a votação definitiva em 22 de novembro.

O Simples Nacional é um regime especial e unificado de tributação e arrecadação de impostos e contribuições federais, estaduais e municipais, idealizado pelo art. 146, III, “d” e § único da Constituição Federal e concretizado pela Lei Complementar no 123/2006, norma geral de Direito Tributário. Possui caráter facultativo e irretratável. Uma vez feita a opção, deve a pessoa jurídica enquadrada na condição de microempresa ou empresa de pequeno porte seguir as regras impostas no Estatuto e nos regulamentos editados pelo Comitê Gestor, não podendo alterar sua forma de tributação durante todo o ano-calendário. (SANTOS, 2012, p. 120)

Segundo a Lei Complementar 123/2006 (BRASIL,

2006), o Simples Nacional permite o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes tributos: Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ; Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI; Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL; Contribuição para o

Page 55: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 109 -

Financiamento da Seguridade Social – COFINS; Contribuição para o PIS/Pasep; Contribuição Patronal Previdenciária - CPP para a Seguridade Social; Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS; Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS.

O ingresso, no SIMPLES, não é automático, deve-se por isso observar se há o enquadramento na definição de microempresa ou de empresa de pequeno porte, para se cumprir dos requisitos legais e a formalização da opção na Secretaria da Receita Federal.

Conforme disposto na cartilha on-line do Simples Nacional – Tudo mais Simples, disponibilizada pela CONAMPE _Confederação Nacional das Micro e Pequenas Empresas e Empreendedores Individuais_ (2008) após a formalizada a opção, por meio do Portal do Simples Nacional, na internet, será disponibilizada pela Receita Federal do Brasil, aos Estados, Distrito Federal e Municípios a relação dos contribuintes para verificação da regularidade da inscrição municipal e estadual, quando exigível.

Os referidos entes deverão, no prazo estabelecido, comunicar à Receita Federal do Brasil acerca da regularidade da inscrição estadual ou municipal. Em seguida, havendo a confirmação dos dados ou ultrapassado o prazo sem manifestação por parte do ente, a opção pelo simples nacional será deferida, salvo se verificados outros fatores impeditivos.

O artigo 3º da Lei Complementar 123/2006 (BRASIL, 2006) traz a definição de microempresas ou empresas de pequeno porte, a considerar como tais a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 do Código Civil, devidamente registrados

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 110 -

no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas conforme o caso.

No caso da microempresa, a exigência é que aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais). Já no caso da empresa de pequeno porte que aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais).

A problemática aqui apresentada diz respeito à exigência de regularidade fiscal da microempresa e empresa de pequeno porte para o ingresso ao simples frente o princípio da isonomia, buscando verificar se tal determinação cumpre o objetivo idealizado pelo constituinte, qual seja a diminuição da carga tributária dessas empresas.

De acordo com o art. 179 da Carta Magna:

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei. (BRASIL, 1988)

Nota-se da norma constitucional que o legislador visava, além da desoneração de impostos, a facilitar o cumprimento das obrigações tributárias por parte das microempresas e empresas de pequeno porte.

O artigo 17 da Lei Complementar 123/2006 traz, em seu artigo 17 vedações ao ingresso no simples, sendo abordado, no presente estudo, aquela prevista no inciso V, a saber.

Page 56: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 111 -

Art. 17. Não poderão recolher os impostos e contribuições na forma do Simples Nacional a microempresa ou a empresa de pequeno porte: [...] V - que possua débito com o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, ou com as Fazendas Públicas Federal, Estadual ou Municipal, cuja exigibilidade não esteja suspensa; [...]. (BRASIL, 2006)

Santos (2012) traz mais detalhes ao mostrar que, de uma análise dos precedentes históricos, verifica-se que o Simples Federal, instituído pela revogada Lei nº 9.317/96 (BRASIL, 1996), já estabelecia restrição quanto à existência de débitos, pois era vedada a opção à pessoa jurídica que possuía débito inscrito em dívida ativa da União ou do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), cuja exigibilidade não estivesse suspensa (art. 9º, XV, da Lei nº 9.317/96).

A diferença entre o Simples Federal e o Simples Nacional é que neste, basta que exista o débito, independente de estar ou não inscrito em dívida ativa, para que se obste a adesão ao Simples, enquanto, naquele, apenas o débito inscrito, em dívida ativa, geraria referida consequência, observado em ambos os sistemas, se a exigibilidade do débito está suspensa.

A priori, essa vedação apresenta um critério objetivo de distinção: poderão optar pelo Simples Nacional as empresas que estejam em dia com suas obrigações fiscais. Aquelas que não estiverem financeiramente organizadas poderão parcelar os seus débitos nos moldes do art. 79 da Lei Complementar e assim ingressar no regime de tributação simplificado. (SANTOS, 2012, p. 130)

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 112 -

Campos (2009) explica que a vedação supracitada se refere, em todas as esferas de governo, a débitos inclusive não inscritos em dívida ativa, bastando, tão somente, que a exigibilidade do débito não esteja suspensa, nos termos do artigo 151 do Código Tributário Nacional, para que se verifique hipótese de vedação à opção pelo Simples Nacional.

Conforme apostila do Simples Nacional, elaborada pelo SEBRAE e FENACOM (2008), para regularizar os débitos, a microempresa ou a empresa de pequeno porte pode optar pelo pagamento integral ou o parcelamento da dívida. O parcelamento deve ser solicitado ao órgão competente pela administração do débito, haja vista as competências privativas de cada ente federativo.

No entanto, tal opção, assim como a moratória, prevista no artigo 151, I, do Código Tributário Nacional, geraria a necessidade de confissão de dívida de natureza irrevogável e irretratável, o que é feito, muitas vezes, por parte das microempresas e empresas de pequeno porte como uma forma de amenizar os possíveis prejuízos advindos em razão do débito e pelo receio da exclusão ou impossibilidade de inclusão no Simples, pois, por vezes, a discussão do débito ensejaria um tempo que o contribuinte não tem.

No tocante à suspensão da exigibilidade por meio das reclamações e recursos em processo tributário administrativo (art.151, inciso III, do CTN), podemos prever que tais medidas serão cabíveis ocasionalmente, deixando diversas empresas sem a possibilidade de suspender a exigibilidade por meio dessa medida, mesmo caso em que poderão ser enquadradas as eventuais concessões de medidas liminares (art.151, incisos IV e V, do CTN). (RAMOS, 2011, p. 32-33)

Page 57: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 113 -

Ressalte-se que, caso já tenha sido ajuizada execução fiscal em face do contribuinte, esse poderá garantir o juízo, por meio de penhora de bens, nos termos do artigo 11 da Lei 6.830/19802, o que também poderia gerar efeito suspensivo aos embargos por meio do poder geral de cautela previsto no artigo 739 – A, §1°, do CPC3. Outra possibilidade é o depósito integral previsto no artigo 151, II, do CTN4. Entretanto, ambas as possibilidades podem gerar prejuízos econômicos com a perda de capital do contribuinte.

A adesão ao Simples Nacional representa o ingresso em um regime favorecido, que poderá implicar a saída de eventuais situações de irregularidade fiscal, com vistas à continuidade da empresa. Impensável, portanto, que, para aderir a ele, a Lei Complementar n°.123/2006 possa exigir justamente que a empresa esteja em situação regular com o fisco ou quite e parcele todos os débitos, ou penhore bens. (RAMOS, 2011, p.33)

2 O princípio da isonomia no direito tributário

O capítulo IV do Código Tributário Nacional, que trata da interpretação e Integração da Legislação Tributária, traz, em seu artigo 108, que:

Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:

2 BRASIL, 1980. 3 BRASIL, 1973. 4 BRASIL, 1966.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 114 -

I - a analogia; II - os princípios gerais de direito tributário; III - os princípios gerais de direito público; IV - a equidade. (BRASIL, 1966)

Carlos Maximiliano conceitua Hermenêutica

como o “Estudo e sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito.”(apud BOLLMANN, 2005).

Segundo Amaro (2009), hermenêutica é a ciência da interpretação, sendo esta necessária para a aplicação da lei ao caso concreto. Assevera que todas as leis precisam de interpretação independentemente de haver ou não obscuridade. De outro lado, a integração é o processo pelo qual se objetiva preencher lacuna ou omissão da lei.

Daí se dizer que interpretar é construir a partir de algo, por isso, significa reconstruir: a uma, porque utiliza como ponto de partida os textos normativos, que oferecem limites à construção de sentidos; a duas, porque manipula a linguagem, à qual são incorporados núcleos de sentidos, que são, por assim dizer, constituídos pelo uso, e preexistem ao processo interpretativo individual. (ÁVILA, 2004, p.25 apud BOLLMANN, 2005)

“[...] princípio é começo, alicerce, ponto de partida. Pressupõe, sempre, a figura de um patamar privilegiado, que torna mais fácil a compreensão ou a demonstração de algo. Nesta medida, é, ainda, a pedra angular de qualquer sistema.” (CARRAZA, 2009, p. 42).

Morais (2009) diz que os princípios passaram a ser utilizados, nos Tribunais Brasileiros, como uma substituição das regras jurídicas, deixando clara a (in)compreensão acerca da função de cada uma das espécies normativas. Assevera que, na jurisprudência brasileira, tem-se utilizado do princípio

Page 58: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 115 -

como uma forma do jurista justificar o processo hermenêutico por ele desenvolvido. Assim, “os princípios jurídicos utilizados nas decisões judiciais acabam por servir de premissa maior para o caso concreto, cuja conclusão não é possível deduzir-se racionalmente sem uma detalhada explicitação dos caminhos desenvolvidos pelo julgador”. (MORAIS, 2009, p. 08).

Morais (2009) prossegue e salienta que os princípios jurídicos buscaram mudar a compreensão do direito e acabaram por reproduzir uma visão subjetivista e individualista, típica do modelo de aplicação das regras, ao colocar, na consciência do julgador, acepção normativa.

Atualmente a hermenêutica jurídica brasileira tem direcionado o seu interesse para o estudo das decisões jurídicas que privilegiam as especificidades do caso concreto, deixando de lado, muitas vezes, a necessidade de se estabelecer uma relação de coerência entre a decisão tomada no caso concreto com aquilo que a tradição jurídica vem consagrando como o conjunto de princípios que guiam a atividade jurisdicional. Um exemplo desse fato seria a utilização dos princípios. Ao invés deles serem utilizados como guias que direcionam a decisão judicial, vinculando-a a tradição jurídica, são utilizados como possibilidades retóricas para a fundamentação das decisões. [...]

A adoção dos princípios como regras formais, gerais e abstratas (aqui, principalmente, como regras que veiculam “conceitos indeterminados” ou “vagos”) são utilizados como invólucro para as concepções políticas e morais do decisor, deixando-se de lado a condição própria que o direito sempre buscou oferecer: regras claras sobre o jogo. Essas

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 116 -

regras são montadas com base num sistema jurídico, numa tradição, num conjunto de princípios. Por isso, sempre é importante perguntar se o sistema comporta a decisão tomada pelo juiz. Quer-se, então, denunciar a utilização dos princípios, das regras que utilizam “conceitos indeterminados” ou “vagos” como canais para que o juízo do intérprete deposite as suas concepções políticas e morais como alternativa à solução do caso concreto. (MORAIS, 2009, p. 10)

Amaro (2009, p. 110) entende que: o valor da justiça começa a concretizar-se por meio de um feixe de princípios (entre os quais o da igualdade), que, no estágio subsequente, vai desdobrar-se em normas que ampliam o grau de concretização do valor em causa, até que, na aplicação da norma aos fatos, se tenha a plena concretização do valor.

Os princípios tributários “não são, como dizíamos, meros enunciados gerais carentes de normatização posterior para acentuar sua concretitude; são já proposições que atingem um grau praticamente exaustivo de normatividade.” (AMARO, 2009, p. 110).

[...] o Sistema Tributário Nacional, que regula pormenorizadamente a matéria tributária, mantém relação com a Constituição toda, em especial com os princípios formais e materiais fundamentais – independentemente de estarem expressa ou implicitamente previstos – e com os direitos fundamentais, sobretudo com as garantias de propriedade e de liberdade; os ‘princípios sistematicamente fundamentais’(systemtragenden Prinzipien), que mantém vinculação com o poder de tributar e atribuem significado normativo a

Page 59: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 117 -

outros princípios, são o princípio republicano, o princípio federativo, o princípio da segurança jurídica e o princípio da igualdade. (ÁVILA, 2004, p. 21 apud CARRAZA, 2009, p. 60-61)

Além dos princípios supracitados, temos muitos outros aplicáveis ao direito tributário, como o princípio da legalidade, anterioridade, irretroatividade, vedação do tributo com efeito de confisco, capacidade contributiva, uniformidade geográfica, não cumulatividade, objetivando tais princípios para a proteção do contribuinte frente aos abusos do poder estatal.

O princípio da isonomia está prescrito, de forma genérica, no caput do art. 5º da Constitucional Federal, nos seguintes termos: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, [...].” (BRASIL, 1988).

Já o princípio da isonomia ou igualdade tributária está disposto no art. 150, II, da Constituição da República, preconizando que:

Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; [...]. (BRASIL, 1988)

Sabbag (2012) conclui que, no plano semântico, verifica-se que a referida norma se coloca como um

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 118 -

contraponto fiscal ao expresso de forma afirmativa, no art. 5º, caput, da Constituição da República. Assim, enquanto neste se busca afirmar, positivamente, uma realidade, dispondo-se que “todos são iguais perante a lei”; no dispositivo específico_ referente à isonomia tributária (art. 150, II, CF)_ visa, negativamente, a impedir uma determinada conduta, por meio da determinação “é vedado instituir tratamento desigual”.

Para Carraza (2012), a lei tributária deve ser aplicada com igualdade. Assim, quem está na mesma situação jurídica deve receber o mesmo tratamento tributário, sendo, portanto inconstitucional a lei tributária que faça distinções entre ocupantes de idêntica posição jurídica.

Nos dizeres de Silva (2012), em matéria fiscal, há relação entre o princípio da igualdade tributária e a justiça distributiva, que diz respeito à repartição do ônus fiscal de forma justa, pois, exceto isso, a igualdade será puramente formal. Assevera, também, que várias teorias foram construídas para explicar o princípio, por isso são divididas em objetivas e subjetivas.

As teorias subjetivas compreendem duas vertentes: a do princípio do benefício e a do princípio do sacrifício igual. O primeiro significa que a carga dos impostos deve ser distribuída entre os indivíduos de acordo com os benefícios que desfrutam da atividade governamental; conduz à exigência da tributação proporcional à propriedade ou à renda; propicia, em verdade, situações de real injustiça, na medida em que agrava ou apenas mantém as desigualdades existentes. O princípio do sacrifício ou do custo implica que, sempre que o governo incorre em custos em favor de indivíduos particulares, estes custos devem ser suportados por eles.

Page 60: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 119 -

(GANGEMI, vI/472 apud SILVA, 2012, p.223). As teorias objetivas convergem para o princípio da capacidade contributiva, expressamente adotada pela Constituição (art.145, § 1°), segundo o qual a carga tributária deve ser distribuída na medida da capacidade econômica dos contribuintes, critério que implica: (a) uma base impositiva que seja capaz de medir a capacidade; (b) alíquotas que igualem verdadeiramente essas cargas. (TAYLOR, p. 268; GANGEMINI, p. 479 apud SILVA, 2012, p.223)

Na visão de Mello (2009), o princípio da igualdade vislumbra duplo objetivo, quais sejam, propiciar garantia individual contra perseguições e tolher favoritismos.

Carvalho (2010) entende que o princípio da igualdade, previsto no artigo 5°, caput, da Constituição da República, reflete uma tendência axiológica de grande destaque, sendo tal princípio destinado ao legislador, entendido no seu significado mais amplo, ou seja, aos órgãos da atividade legislativa e a todos aqueles que promulgarem normas dotadas de judicialidade.

Francisco Campos (1956 apud MELLO, 2009, p. 09-10) reforça essa ideia ao dizer que não pode subsistir qualquer dúvida de que são o legislador e a legislação, consequentemente, os destinatários da cláusula constitucional da igualdade perante a lei, ressaltando que, por mais que possam ser discricionários os critérios da política legislativa, as suas limitações se encontram, fundamentalmente, no princípio da igualdade.

Machado (2009) explica que a complexidade relativa ao princípio da isonomia surge, quando se questiona se o legislador pode estabelecer hipóteses discriminatórias e

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 120 -

qual critério de discriminação pode utilizar de modo legítimo. Assevera que a lei, bem da verdade, sempre discrimina, tendo em vista que sua função essencial é justamente disciplinar as desigualdades naturais existentes entre as pessoas, ao concluir que é de suma importância, saber se essa discriminação é apropriada e ponderar quais critérios são aceitáveis e quais ferem o princípio da isonomia.

Há ofensa ao preceito constitucional da isonomia quando: I – A norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e indeterminada. II – A norma adota como critério discriminador, para fins de diferenciação de regimes, elemento não residente nos fatos, situações ou pessoas por tal modo desequiparadas. É o que ocorre quando pretende tomar o fator ‘tempo’- que não descansa no objeto – como critério diferencial. III – A norma atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção a fator de discrímen adotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência lógica com a disparidade de regimes outorgados. IV – A norma supõe relação de pertinência lógica existente em abstrato, mas o discrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer modo dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente. V – A interpretação da norma extrai dela distinções, discrimens, desequiparações que não foram professamente assumidos por ela de modo claro, ainda que por via implícita. (MELLO, 2009, pg. 46-47)

Mello (2009, p. 43) conclui que:

Page 61: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 121 -

[...] não basta a exigência de pressupostos fáticos diversos para que a lei distinga situações sem ofensa à isonomia. Também não é suficiente o poder-se arguir fundamento racional, pois não é qualquer fundamento lógico que autoriza desequiparar, mas tão-só aquele que se orienta na linha de interesses prestigiados na ordenação jurídica máxima. Fora daí ocorrerá incompatibilidade com o preceito igualitário.

Destarte, o princípio da isonomia é primordial para gerar as partes tratamento igual, por ser irrelevante a qualidade dessas, devendo-se observar, quando houver a discriminação, os critérios por ela utilizados para se aferir se há ou não ofensa ao princípio da isonomia.

3 A visão jurisprudencial do tema

O Recurso Extraordinário 627543, cujo recorrente era Lona Branca Coberturas e Materiais Ltda. e os recorridos no Município de Porto Alegre, Estado do Rio Grande do Sul e na União, teve como Relator o Ministro Dias Toffoli.

O cerne da questão foi a discussão acerca do tratamento jurídico diferenciado e favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, sobretudo no que diz respeito ao Simples Nacional de que trata a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006. O objetivo era verificar se seria constitucional a exigência contida no art. 17, V, da referida Lei Complementar.

O entendimento do relator foi de que não há afronta ao princípio da isonomia na, exigência de regularidade fiscal, para o ingresso ou a manutenção do contribuinte no Simples Nacional prevista no art. 17, inc. V da LC nº 123/06, mormente porque constitui condição imposta a todos os

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 122 -

contribuintes, por conferir tratamento desigual àqueles que se encontram em situações desiguais.

Salientou-se existir o princípio constitucional do tratamento favorecido para microempresas e empresas de pequeno porte, fundado em questões sociais e econômicas ligadas à necessidade de se conferirem condições justas e igualitárias de competição para essas empresas. (STF, 2013a)

Ressaltou-se a importância das microempresas e

empresas de pequeno porte na geração de emprego e renda no país, asseverando-se, ainda, que o segundo maior motivo para o encerramento dessas é a alta carga tributária.

O Relator, Ministro Dias Toffoli, em seu voto, entendeu que o Simples Nacional é um microssistema tributário próprio, aplicável às microempresas e empresas de pequeno porte, não sendo o regime um mero benefício fiscal.

Assim, ainda que a adesão seja facultativa e que as vedações ao ingresso, no regime, constem de forma expressa na lei, é imprescindível que os critérios da opção legislativa tenham compatibilidade com os ensinamentos constitucionais que regulam o tema.

No tocante aos critérios adotados pelo legislador, notou-se que, de forma precípua, teria se definido aqueles que seriam contemplados pela proteção constitucional, levando-se, em consideração, a receita bruta auferida pela pessoa jurídica, estabelecendo-se, também, requisitos e hipóteses de vedação baseadas em aspectos relacionados ao contribuinte e por fatores extrafiscais.

O Relator deu destaque ao fato de que o STF, no julgamento da ADI nº 1.643, da relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, DJ de 14/03/2003, firmou-se o entendimento de que não há:

Page 62: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 123 -

ofensa ao princípio da isonomia tributária se a lei, por motivos extrafiscais, imprime tratamento desigual a microempresas e empresas de pequeno porte de capacidade contributiva distinta, afastando do regime do SIMPLES aquelas cujos sócios têm condição de disputar o mercado de trabalho sem assistência do Estado. (STF, 2013b)

Quanto à vedação disposta no inciso V do artigo

17 da LC 123/2006, asseverou-se que, indiretamente, toda exigência de regularidade fiscal sempre teria a indução ao pagamento de tributos. Mesmo que efetuado o parcelamento, importante seria verificar se imporia a regra, de alguma forma, discriminação arbitrária, desarrazoada e incompatível com o princípio da isonomia.

O Relator afirmou que a instituição do Simples Nacional teria por objetivo a implementação da justiça tributária ao diferenciar microempresas e empresas de pequeno porte dos demais contribuintes, ao se levar, em conta, a capacidade contributiva presumidamente menor daqueles.

Notou-se, pois que o regime tributário favorecido foi de suma importância para a redução na carga tributária das empresas, o que tornou mais fácil o cumprimento das obrigações para com o Fisco.

Frisou-se, no voto, que a presunção de capacidade contributiva reduzida não seria válida aos inadimplentes, pois todos os contribuintes estariam submetidos ao pagamento de tributos.

Afirmou-se que não seria razoável favorecer aqueles em débito com o Fisco, que participariam do mercado com vantagem competitiva em relação aos adimplentes. Consignou-se, ainda, que nos termos da lei complementar, para que o empreendedor usufruísse de outras benesses do sistema,

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 124 -

como o acesso a crédito, dentre outros, também não poderia estar em débito com o Fisco e com o INSS. Salientou-se, ainda, que as micro e pequenas empresas teriam a prerrogativa de parcelamento de débitos dessa natureza, o que corroboraria a ideia de que o Simples Nacional estimularia o ingresso de contribuintes.(STF, 2013b)

Ponderou-se que não poderia ser dado tratamento

igual ao contribuinte inadimplente _ que sequer parcela o débito ou suspende o pagamento _ e o adimplente, pois isso seria o mesmo que comunicar ao adimplente que não seria conveniente a ele, ficar em dia com o fisco. Assim, ao se analisar por esse lado, a norma, em discussão, não afrontaria o princípio da isonomia, mas, sim, confirmaria que o adimplente e o inadimplente estariam em situações jurídicas diferentes.

Ressaltou-se que a imposição de confissão de dívida mediante parcelamento de débito para aderir ao regime não violaria o acesso à justiça, o contraditório e a ampla defesa, pois seria requisito exigido de todo contribuinte que pretendesse parcelar seu débito. Além disso, não haveria impedimento ao acesso ao Judiciário. (STF, 2013b)

No entanto a matéria não se esgotou, pois houve divergência na decisão, uma vez que o Ministro Marco Aurélio, em seu voto, deu provimento ao recurso; ademais, devem-se levar em conta as particularidades do caso concreto que levaram o Supremo àquela decisão.

O Ministro Marco Aurélio afirmou ao votar, que a regra rechaçada “estabelece um fator de discriminação socialmente inaceitável e contrário à Carta da República” (STF, 2013 d), e sustenta, ainda, que a micro e pequena

Page 63: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 125 -

empresa, ao estar em dificuldade, ao invés de ser socorrida, vira alvo de exclusão do regime mais benéfico.

Assevera que “trata-se de uma coação política potencializada. Dai ter como justificada a máxima que o estado não pode dar com uma das mãos e tirar com a outra contrariando o texto maior.” (STF, 2013c).

Aduz que teve a oportunidade de ler a sentença monocrática e a juíza a quo “ao sentenciar ela disse que resistiu o quanto pode à declaração de inconstitucionalidade, evoluiu no convencimento pretérito dando a mão à palmatória como convém a todo juiz que lida com a coisa alheia.” (STF, 2013c).

O STJ também entende que a vedação prevista no inciso V, da Lei Complementar 123/2006, não configura ofensa aos princípios constitucionais da isonomia, da livre iniciativa e da livre concorrência, nem caracteriza meio de coação ilícito a pagamento de tributo.Entre os acórdãos proferidos podemos citar:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. INGRESSO NO SIMPLES NACIONAL. EXIGÊNCIA DE REGULARIDADE FISCAL. ART. 17, V, DA LC 123/2006. CONSTITUCIONALIDADE. 1. A intervenção do Estado no domínio econômico resulta de poder conferido pela Carta Constitucional que autoriza o poder público a intervir como agente que o regula e o normatiza, a fim de fiscalizar e incentivar as atividades do setor privado. 2. As microempresas e as empresas de pequeno porte à luz do artigo 146, inciso III, letra d, e do art. 179, da Lei Maior, ostentam tratamento jurídico diferenciado voltado à simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias,

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 126 -

previdenciárias e creditícias. 3. O Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - Simples Nacional, instituído pela Lei Complementar nº 123, de 2006, estabelece tratamento tributário diferenciado e favorecido a empresas no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante regime único de arrecadação dos tributos. 4. O artigo 17, inciso V, do referido diploma legal, exige a regularidade fiscal da pessoa jurídica para os fins de aplicação do regime tributário sub judice, nos seguintes termos, in verbis: Art. 17. Não poderão recolher os impostos e contribuições na forma do Simples Nacional a microempresa ou a empresa de pequeno porte: (...) V – que possua débito com o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, ou com as Fazendas Públicas Federal, Estadual ou Municipal, cuja exigibilidade não esteja suspensa; 5. A inscrição no Simples Nacional submete-se à aferição quanto à inexistência de débitos com o Instituto Nacional do Seguro Social INSS, ou com as Fazendas Públicas Federal, Estadual ou Municipal, nos termos no inciso V, do art. 17, da LC 123/2006, sem que, para tanto, esteja configurada qualquer ofensa aos princípios da isonomia, da livre iniciativa e da livre concorrência. Precedentes do STJ: RMS 27376/SE, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/06/2009, DJe 15/06/2009; REsp 1115142/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/08/2009, DJe 19/08/2009. 6. É que o tratamento tributário diferenciado e privilegiado para as micro e pequenas empresas não as exonera do dever de cumprir

Page 64: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 127 -

as suas obrigações tributárias. A exigência de regularidade fiscal do interessado em optar pelo regime especial não encerra ato discriminatório, porquanto é imposto a todos os contribuintes, não somente às micro e pequenas empresas. Ademais, ao estabelecer tratamento diferenciado entre as empresas que possuem débitos fiscais e as que não possuem, vedando a inclusão das primeiras no sistema, o legislador não atenta contra o princípio da isonomia, porquanto concede tratamento diverso para situações desiguais. 7. O Simples Nacional é um benefício que está em consonância com as diretrizes traçadas pelos arts. 170, IX, e 179, da Constituição da República, e com o princípio da capacidade contributiva, porquanto favorece as microempresas e empresas de pequeno porte, de menor capacidade financeira e que não possuem os benefícios da produção em escala. 8. A adesão ao Simples Nacional é uma faculdade do contribuinte, que pode anuir ou não às condições estabelecidas, razão pela qual não há falar-se em coação. 9. In casu, a impetrante não preencheu o requisito relativo à regularidade fiscal, impossibilitando a concessão do benefício tributário. 10. Recurso ordinário desprovido. (BRASIL, 2010) TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. SIMPLES NACIONAL.PARCELAMENTO DE DÉBITO APURADO NO ÂMBITO DO SIMPLES NACIONAL.IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que as Leis10.522/2002 e 11.941/2009 não possibilitam o parcelamento de débitos apurados no âmbito do Simples Nacional. 2.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 128 -

Agravo regimental não provido. (BRASIL, 2013)

Nesse mesmo sentido, tem-se o entendimento do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, senão vejamos:

TRIBUTÁRIO. REINGRESSO NO SIMPLES NACIONAL. EXIGÊNCIA DE REGULARIDADE FISCAL. CONSTITUCIONALIDADE. ART. 17, V, DA LC 123/2006. PARCELAMENTO DE DÉBITO. IMPOSSIBILIDADE. 1. O tratamento tributário diferenciado conferido pela Constituição Federal/1988 às micro e pequenas empresas não as exonera do dever de cumprir as obrigações tributárias. 2. A exigência de regularidade fiscal imposta pelo art. 17, V, da LC 123/2006 não afronta os princípios da isonomia, da livre iniciativa e da livre concorrência. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (BRASIL, 2012)

TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA. RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXCLUSÃO DO SIMPLES NACIONAL. EXIGÊNCIA DE REGULARIDADE FISCAL. ART. 17, V, E § 2º DO ART. 31 DA LC 123/2006. 1. Embargos de declaração, opostos contra decisão monocrática, recebidos como agravo regimental. 2. O tratamento tributário diferenciado conferido pela Constituição Federal/1988 não exonera as micro e pequenas empresas do dever de cumprir suas obrigações tributárias. 3. A exigência de regularidade fiscal imposta pelo art. 17, V, da LC 123/2006

Page 65: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 129 -

não afronta os princípios da isonomia, da livre iniciativa e da livre concorrência. 4. Nos termos do § 2º do art. 31 da LC 123/2006, será permitida a permanência da pessoa jurídica como optante pelo Simples Nacional, na hipótese dos incisos V e XVI do caput do art. 17 da mesma lei, mediante a comprovação da regularização do débito ou do cadastro fiscal no prazo de até 30 dias contados a partir da ciência da comunicação da exclusão. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (BRASIL, 2012b)

4 Conclusão

O objetivo deste trabalho foi o de analisar o artigo 17, V, da Lei Complementar 123/2006 à luz do princípio da isonomia, previsto no caput do artigo 5° e artigo 150, II, da Constituição da República de 1988.

Para tanto, analisou-se a complexidade do sistema tributário brasileiro e os efeitos dessa às microempresas e empresas de pequeno porte e algumas considerações são feitas acerca da formulação e ingresso no Simples.

Em seguida, examinou-se a vedação prevista no artigo 17, V, da Lei Complementar 123/2006, verificando-se, ainda que, a exigência de regularidade fiscal já era prevista no Simples Federal. Observou-se detidamente a aplicabilidade do princípio da isonomia.

Ao final, efetuou-se um estudo do Recurso Extraordinário n° 627.543/RS, visando a identificar os argumentos utilizados nos votos, bem como as peculiaridades do caso concreto e, para isso foi feitas pesquisas a respeito do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Regional Federal da 1ª Região acerca do tema.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 130 -

Todo esse percurso gerou a conclusão que, apesar das dificuldades que grande parte das microempresas e empresas de pequeno porte passam, não é crível permitir acesso a um tratamento jurídico diferenciado a empresas que não cumprem com suas obrigações tributárias, pois seria dado tratamento igual a pessoas diferentes e estimulando o inadimplemento dos contribuintes.

Assim, não há, na vedação, violação ao princípio da isonomia.

A limitação de ingresso e manutenção no simples, no entanto, deve ser interpretada à luz da Constituição para que se possa cumprir o ideal constitucional previsto no artigo 179 da Constituição da República de 1988.

Ressalte-se que, após a inscrição do débito, em dívida ativa, deve-se observar o princípio do devido processo legal, já que oportunizaria o contraditório e a ampla defesa em procedimento administrativo e, só assim, quando não promovido o pagamento do débito e a suspensão da exigibilidade do crédito, pode o Fisco obstar o ingresso ou a manutenção do contribuinte no sistema.

5 Referências

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 15ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009.

BOLLMANN, Villian. Interpretação no direito tributário:

(re)constitucionalizando o art. 111 do CTN. Revista de Doutrina da 4ª Região. 16 set. 2005. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao008/villian_bollmann.htm>. Acesso em: 10 out. 2014.

Page 66: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 131 -

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Mandado de Segurança nº 30.777 – BA. Relator: Ministro Luiz Fux . Brasília, 16 nov. 2010. Disponível em: < http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/17678236/recurso-ordinario-em-mandado-de-seguranca-rms-30777-ba-2009-0209190-8/relatorio-e-voto-17678238>. Acesso em 19 out.2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.321.070 – RS. Relator: Ministro Mauro Campbell Marques. Brasília, 11 abr. 2013. Disponível em:< http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23104920/agravo-regimental-no-recurso-especial-agrg-no-resp-1321070-rs-2012-0087585-1-stj/relatorio-e-voto-23104922>. Acesso em: 16 out. 2014.

BRASIL. Tribunal Regional Federal (1. Região). Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. AGA35329 GO 0035329-25.2011.4.01.0000. Relatora: Maria do Carmo Cardoso. Brasília, 13 de abril de 2012. Disponível em: <http://trf-1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21613262/agravo-regimental-no-agravo-de-instrumento-aga-35329-go-0035329-2520114010000-trf1>. Acesso em: 16 out. 2014.

BRASIL. Tribunal Regional Federal (1. Região). Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. AGA: 18762 MG 0018762-16.2011.4.01.0000, Relator: Maria do Carmo Cardoso. Brasília, 30 de março de 2012. Disponível em:< http://trf-1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21613131/agravo-regimental-no-agravo-de-instrumento-aga-18762-mg-0018762-1620114010000-trf1>. Acesso em 16 out. 2014.

CAMPOS, Mario Hermes Soares. O “Simples Nacional”

como imposto único incidente sobre a renda e consumo das

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 132 -

microempresas e empresas de pequeno porte no Brasil. 2009, 120f. Dissertação (Mestrado em Direito Empresarial). Faculdade de Direito Milton Campos/FDMC, Nova Lima, 2009.

CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional

Tributário. 25ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

_______________________. Curso de Direito Constitucional Tributário. 28ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2012.

CARVALHO , Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22 ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010.

CNDL. Manutenção no Simples Nacional depende de regularidade fiscal. 2013. Disponível em: < http://www.cndl.org.br/mostra_capa.php?id=642>. Acesso em: 17 abr. 2014

CONAMPI. Cartilha on-line Simples Nacional – Tudo mais Simples, 2008. Disponível em: <http://www.conampi.com.br/simples.pdf>. Acesso em: 09 set. 2014.

FELIX, Edilaine. Empresas brasileiras gastam 2.600 horas por ano pagando impostos. Infomoney, 08 out. 2012. Disponível em:< http://www.infomoney.com.br/negocios/tributos-de-empresas/noticia/2579531/empresas-brasileiras-gastam-600-horas-por-ano-pagando-impostos>. Acesso em: 29 set. 2014.

FILHO, Abdo. No Tributário: uma regra por hora no Brasil. A Gazeta, 20 jan. 2013. Disponível em: < http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2013/01/noticias/din

Page 67: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 133 -

heiro/1391029-no-tributario-uma-regra-por-hora-no-brasil.html>. Acesso em: 29 set. 2014.

GOMES, Eduardo Rodrigues; GUIMARÃES, Fabrícia. A política de simplificação e renúncia fiscal para as micro e pequenas empresas no Brasil e o pacto federativo: uma análise do Simples Nacional. Teoria & Pesquisa Revista de Ciência Política, vol.21, n.2, p. 34-46, jul./dez., 2012.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 30ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3 ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

MORAIS, Fausto Santos de. O problema hermenêutico da compreensão dos princípios: como um caso concreto pode indicar o uso dos princípios de maneira discricionária e antidemocrática. Revista Sociologia Jurídica, n.8, p. , jan./jun., 2009. Disponível em: <http://www.sociologiajuridica.net.br/numero-8/205-o-problema-hermeneutico-da-compreensao-dos-principios-como-um-caso-concreto-pode-indicar-o-uso-dos-principios-de-maneira-discricionaria-e-antidemocratica>. Acesso em: 09 out. 2014.

RAMOS, Adriano Maia Gomes de Almeida. A (in)constitucionalidade do impedimento à adesão ao regime tributário do Simples Nacional de microempresas ou empresas de pequeno porte com pendências tributárias ou previdenciárias. 2011, 65 f. Monografia (Graduação em Direito). Universidade de Brasília – Faculdade de Direito, Brasília, 2011.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 134 -

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012.

SANTOS, Débora Couto Cançado. O princípio da igualdade e as limitações ao ingresso no

Simples Nacional. Revista de Direito da ADVOCEF, Porto Alegre, v.1, n.15, p. 119-145, 2012.

SEBRAE; FENACOM. Simples Nacional, Brasília, jan 2008. Disponível em: <http://www.apet.org.br/simplesnacional/ApostilaFenacon.pdf>. Acesso em: 17 set. 2014.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 36 ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2012.

STF. Informativo 726. 2013. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo726.htm#Simples Nacional: vedação e isonomia - 1>. Acesso em: 09 out. 2014

STF. Recurso Extraordinário n° 627543. Relator Ministro Dias Toffoli. 30 de outubro de 2013. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE_627543Simples.pdf>. Acesso em: 12 maio 2014.

STF. Plenárias - STF mantém exigência de regularidade fiscal para inclusão de empresa no Simples, 04 nov. 2013. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=sILzOaudSPk&list=PLippyY19Z47u_TVTIR_DHWspLrDIgrGhe >. Acesso em: 16 out. 2014.

Page 68: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 135 -

STF, STF mantém exigência de regularidade fiscal para inclusão de empresa no Simples. 2013. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=252363>. Acesso em: 17 abr. 2014.

VEJA. Pequenas empresas gastam 3,5% da receita para apurar impostos. 27 nov. 2013. Disponível em:< http://veja.abril.com.br/noticia/economia/empresas-gastam-35-da-receita-para-apurar-impostos>. Acesso em: 29 set. 2014.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 136 -

AFETO COMO PRINCÍPIO JURÍDICO

Maria Clara Fernandes Muniz*

Luciano Soares Maia**

Considerações iniciais O mundo do direito tem se estruturado, na atualidade,

com o comprometimento da aplicação de normas embasadas no respeito ao ser humano e sua dignidade, o que envolve a interpretação jurídica realizada com abrangência não apenas normativa, mas com inclusão dos princípios como fontes do direito.

A ciência do Direito_ como todas as demais_ deve amparar-se em juízos de fato, que apontam ao conhecimento da realidade e não em juízos de valor, que implicam em uma tomada de posição, diante da realidade, como ocorre no movimento jusnaturalista que tem sua crença no direito natural, na existência de valores e de pretensões humanas legítimas as quais não decorrem de uma norma emanada do Estado.

Entretanto o direito natural é impelido para a margem da história pela autoridade positivista no final do século XIX. O positivismo foi obra de uma crença acentuada no poder do conhecimento científico, que resultou na pretensão de se criar uma ciência jurídica com características equivalentes a

* Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas do Norte de Minas (FUNORTE). ** Mestre em Direito pelo Centro Universitário Fluminense - UNIFLU, professor do curso de Direito das Faculdades Integradas do Norte de Minas – FUNORTE, Coordenador do Grupo de Pesquisa em Direito Privado Constitucional.

Page 69: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 137 -

ciências exatas e naturais, ao buscar uma objetividade científica, com evidência na realidade observável e não na argumentação filosófica. Com isso, apartou o direito da moral e dos valores transcendentes por ser o direito norma, ato emanado do Estado com caráter imperativo e força coativa (BARROSO e BARCELOS, 2003).

Os princípios não são soluções únicas aos problemas, pois eles permitem uma adaptação do direito às constantes mudanças da sociedade. Principalmente com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, momento em que é implantada uma nova ordem constitucional no Direito, elevando os olhares a respeito das normas jurídicas, sobretudo as de estatura constitucional. Essa nova interpretação constitucional é fruto de uma evolução seletiva que mantém muitos dos conceitos tradicionais, aos quais agrega ideias que proclamam novos tempos e amparam a novas demandas como, por exemplo, a teoria da argumentação, ponderação de valores e a normatividade dos princípios (BRASIL, 1988).

“Os critérios para a aplicabilidade dos princípios requerem necessariamente uma correlação relevante entre os elementos e suas funções” (AVILA, 2011, p.194).

Sendo assim, Paulo Bonavides (2005, p. 289) por sua vez, compreende:

Os princípios corporificam, na ordem jurídica, os valores supremos ao redor dos quais gravitam os direitos, as garantias e as competências de uma sociedade constitucional, sendo, desta forma, enquanto valores, a pedra de toque ou o critério com que se aferem os conteúdos constitucionais em sua dimensão normativa mais elevada.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 138 -

Os princípios podem ser considerados como verdades objetivas, que nem sempre incumbe ao mundo do ser, senão do dever ser, na categoria de normas jurídicas, dotadas de vigência e validez. Eles gozam de vida própria e valor substantivo pelo mero fato de serem princípios por estarem ou não figurados nos códigos. Os princípios ganharam importante reconhecimentos quanto à sua força normativa e, inúmeras vezes, devem as questões serem solucionadas à luz da principiologia (BONAVIDES, 2005).

Os doutrinadores modernos esteiam o entendimento de que as normas, em geral, e as normas constitucionais, em particular, enquadram-se em duas grandes classes diversas: os princípios e as regras. As regras detêm relato mais prático, com incidência limitada às situações específicas às quais se conduzem. A aplicação de uma regra se enquadra na modalidade do tudo ou nada, ou regula a matéria, em sua íntegra, ou a infringem. Já os princípios têm maior preceito de abstração e sucedem sobre uma pluralidade de situações. Não especificam a conduta a ser seguida e se aplicam a um conjunto amplo, por vezes indeterminado. Não há hierarquia entre ambas as categorias, contudo, não impede que princípios e regras desempenhem funções diferentes dentro do ordenamento (BARROSO e BARCELLOS, 2003).

Reforçando e completando essa ideia afirma Ana Paula Barcellos (2005, p.183):

Tendo-se em conta a estrutura dos enunciados normativos, as regras não são concebidas para serem ponderadas, pois a ponderação significará no mais das vezes sua não aplicação, a negativa de sua vigência. Em geral, não é possível aplicar mais ou menos uma regra; ou seus efeitos determinados verificam-se ou não. Em contra partida, os princípios determinam que algo seja realizado

Page 70: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 139 -

na maior medida possível, admitindo uma aplicação mais ou menos ampla de acordo com as possibilidades físicas e jurídicas existentes.

Por conseguinte, diante de um conflito entre regras e

princípios, as regras têm preferência sobre os princípios, já que a estrutura daquelas não é adequada para sofrer ponderações. Seja porque essa é a consequência natural das diferenças estruturais entre princípios e regras, seja porque é considerado o contexto constitucional. Destarte, diante de uma colisão insuperável entre regra e princípio que impetre a ponderação dos enunciados em choque, a regra constitucional deve ser resguardada e o princípio, comprimido (BARCELLOS, 2003).

Os princípios constitucionais de solidariedade, igualdade, liberdade e dignidade influenciaram, fortemente, o direito de família, contribuindo para a construção de outro modelo, por muitos chamados de família constitucional. Esses princípios constitucionais sobrevieram no direito de família, permitindo a releitura de diferentes categorias jurídicas, muitas delas mais aptas às demandas da plural e fluida sociedade do presente.

O texto de 1988 não deixa dúvidas de que se trata de um novo modelo de família, totalmente diverso do que era tutelado pela codificação civil anterior, com preponderância do afeto, do respeito, da igualdade, da dignidade. A partir de uma hermenêutica civil-constitucional, é possível perceber outro direito de família desde então (CALDERON, 2011).

A centralidade atual concernente ao tema da afetividade é o seu reconhecimento -ou não- pelo direito e a possibilidade de sua inclusão na categoria de princípio. Esse debate traz, de maneira implícita, a própria visão de direito que se aceita; as formas de expressão em que se reconhece o

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 140 -

papel de princípio no sistema e, ainda, a preferência de alguns esclarecimentos hermenêuticos que são mostrados nesta análise. Todavia essas questões influenciam no modo como se apreende a relação na família, como manifestação social e o direito que pretende regulá-la (CALDERON, 2011).

O reconhecimento do princípio da afetividade compreenderá uma nova forma de ver o direito de família atual, cuja solução pode ser pertinente para diversas outras construções teórico-práticas. Logo a ideia da afetividade da família do presente está tão implexa que o seu não reconhecimento pelo Direito trará consequências de diversas ordens (CALDERON, 2011). 1 Da abordagem epistemológica do afeto

Hodiernamente, a família está vinculada ao elemento que explica sua função, o afeto. Quando esse for reconhecido como princípio, compreenderá, sobretudo, uma evolução do Direito, tornando-o aplicável a todas as formas de manifestação da família, tendo como premissa uma nova cultura jurídica que possa permitir a proteção a todas as entidades familiares, centrando-se no afeto como sua maior preocupação.

Afeto, segundo sua origem etimológica, é derivado do latim afficere, afectum, que significa produzir impressão e, também, do latim affectus, cuja denotação é tocar, comover o espírito, unir. Entretanto sua melhor definição liga-se à noção de afetividade, afecção, que deriva do latim afficere ad actio, no qual o sujeito se fixa ou onde o sujeito se liga (MALUF, 2012).

Conforme a filosofia, o afeto pode ser compreendido como as emoções positivas e suprimi o caráter exclusivista e dominante da paixão. Implica um conjunto de atitudes, como a bondade, a benevolência, a inclinação, a devoção, a proteção,

Page 71: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 141 -

o apego, a gratidão, a ternura etc., que, no seu todo, pode ser considerado como a situação em que uma pessoa preocupa-se com outra pessoa ou dela cuida e esta responde, positivamente, aos cuidados ou à preocupação de que foi objeto (CARDIN e FROSI, 2010).

Outros autores argumentam que a afetividade e o afeto têm definições diferentes. O afeto, para a psicologia, é um fato psicológico, um sentimento de afeição ou desafeição, que diz respeito às emoções. Já a afetividade, para o direito, é a maneira que se encontrou para suprir a carência que o afeto deixa, quando não está presente das relações interpessoais (TARUCE, 2013 apud SOUZA, 2013).

Para a doutrinadora Maria Berenice Dias (2010, p. 10) o afeto é:

Envolvimento emocional que subtrai um relacionamento do âmbito do direito obrigacional – cujo núcleo é à vontade – e o conduz para o direito das famílias, cujo elemento estruturante é o sentimento de amor, o elo afetivo que funde as almas e confunde patrimônios, fazendo gerar responsabilidades e comprometimentos mútuos.

Para que o afeto possa ser tratado juridicamente, impende lembrar que o que une a família não é um afeto qualquer; se fosse, uma simples amizade seria família, ainda que sem convívio e o conceito de família seria estendido com inadmissível elasticidade. Afeto familiar destaca-se como aquele que une, intimamente, duas ou mais pessoas para uma vida em comum (CARDIN e FROSI, 2010).

No Brasil, o precursor que atentou para tal questão foi João Baptista Vilella que, em estudo publicado, em 1979, tratou do tema da afetividade a partir da paternidade, no qual

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 142 -

sustentou, expressamente, que o parentesco não estava restrito a uma questão puramente biológica. Ressaltando Villela (1979, p.400) que “a paternidade em si mesma não é um fato da natureza, mas um fato cultural”.

Sua tese partia de uma constatação que poderia ser até conhecida em outras ciências, mas restava estranha aos juristas até aquele momento_ a distinção entre as figuras de genitor e pai, pois “uma coisa, com efeito, é a responsabilidade pelo ato da coabitação sexual, de que pode resultar a gravidez. Outra, bem diversa, é decorrente do estatuto da paternidade” (VILLELA, 1979, p.404). Essa percepção, que atualmente pode parecer singela, foi de grande valia para esclarecer as possibilidades jurídicas a partir daquele momento, uma vez que apresentava um novo caminho diverso do biologismo que prevalecia presunçoso até então (CALDERON, 2011).

Com base nessa distinção entre pai e genitor, João Baptista Villela esclarece o que determinaria, então, a paternidade, já que ela não restaria vinculada apenas ao critério biológico, momento no qual tornava palmar a vinculação entre paternidade e a noção de afetividade.

Essa argumentação, a mercê da desbiologização da

paternidade, é uma das precursoras na importância da afetividade, quando da análise das questões de parentesco. A consciência do autor da mudança de paradigma que se verificava, pode ser entendida pela extensão do critério afetivo para análise da família em geral, indo além das questões de parentesco. A suscetibilidade dessa análise percebia, já na década de 70 do século passado, o declínio do critério biológico e a crescente importância que era destinada ao critério afetivo (VILLELA, 1979).

A afetividade, que não era frequente entre os juristas até então, a partir dos estudos de João Baptista Villela e outros

Page 72: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 143 -

autores, passou, cada vez mais, a figurar com constância na análise jurídica do tema. Em paralelo, decrescia a relevância que era concedida à família legítima, sendo essa vinculada ao matrimônio, pois crescia o número de uniões que se apresentavam na sociedade mantidas apenas por laços afetivos (CALDERON, 2011).

Na concepção de Souza (2013, p. 12):

O afeto é o resultado de todas as mudanças e evoluções ocorridas nos últimos anos nas famílias brasileiras, tem como base muitos dos valores consagrados pela Constituição Federal de 1988 e acaba sempre balizando importantes doutrinas e jurisprudências do direito de família.

Assim sendo, o afeto acaba gerando formas diferentes de se pensar a família brasileira, pois ela constitui um código forte no Direito contemporâneo. A essência das relações familiares nunca foram as raízes genéticas e biológicas, mas, sim, baseadas no afeto (SOUZA, 2013).

A jurisprudência cumpriu um papel fundamental na consolidação da categoria jurídica da afetividade no sistema brasileiro, que, muito antes de qualquer dispositivo legislativo expresso, já reconhecia a afetividade em diversos casos. São inúmeras decisões que, mais incisivamente, a partir da última década, outorgaram efeitos jurídicos à afetividade em diferentes situações concretas. Desse modo, a morosa introdução da afetividade, nos textos de lei, conferiu maior relevância ao seu reconhecimento jurisprudencial.

Um caso marcante foi julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em 2001, no qual se discutia uma relação paterno-filial consolidada faticamente, mas que, no decorrer do litígio, se comprovou ausente o vínculo genético. Ao deliberar sobre o caso, o tribunal decidiu pela manutenção

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 144 -

do vínculo parental mesmo sem o vínculo biológico, declarando que reconhecia in casu uma paternidade socioafetiva.

NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. “ADOÇÃO À BRASILEIRA”. CONFRONTO ENTRE A VERDADE BIOLÓGICA E A SÓCIO-AFETIVA. TUTELA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PROCEDÊNCIA. DECISÃO REFORMADA. A ação negatória de paternidade é imprescritível, na esteira do entendimento consagrado na Súmula 149/STF, já que a demanda versa sobre o estado da pessoa, que é emanação do direito da personalidade. 2. No confronto entre a verdade biológica, atestada em exame de DNA, e a verdade sócio-afetiva, decorrente da denominada “adoção à brasileira” (isto é, da situação de um casal ter registrado, com outro nome, menor, como se deles filho fosse) e que perdura por quase quarenta anos, há de prevalecer a solução que melhor tutele a dignidade da pessoa humana. 3. A paternidade sócio-afetiva, estando baseada na tendência de personificação do direito civil, vê a família como instrumento de realização do ser humano; aniquilar a pessoa do apelante, apagando-lhe todo o histórico de vida e condição social, em razão de aspectos formais inerentes à irregular “adoção à brasileira”, não tutelaria a dignidade humana, nem faria justiça ao caso concreto, mas, ao contrário, por critérios meramente formais, proteger-se-iam as artimanhas, os ilícitos e as negligências utilizadas em benefício do próprio apelado.

Essa decisão distingue, expressamente, as figuras do

ascendente genético e do pai, ao reconhecer, no caso concreto,

Page 73: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 145 -

vínculo paterno-filial decorrente de uma relação socioafetiva construída, faticamente, na relação que restou conhecida como ‘adoção à brasileira’, ou seja, uma espécie de adoção informal com a criação do menor, como filho, sem as formalidades do processo judicial de adoção. O que merece destaque nessa decisão é que foi proferida ainda sob a égide do Código de 1916, que trazia uma racionalidade mais áspera para o acolhimento de situações subjetivas afetivas.

A jurisprudência ampliou o papel que primeiramente foi destinado à socioafetividade, aplicando-a em vários casos, não a restringindo à questão da paternidade, de tal sorte que é possível afirmar que a construção da afetividade, no sistema brasileiro, deve-se, em grande parte, ao esforço jurisprudencial.

Nessa abordagem Calderon (2011, p. 219) afirma que:

Essa sólida construção jurisprudencial foi edificada durante vários anos, com contribuições de diversos juízes e tribunais, a ponto de ser possível afirmar que há jurisprudência consolidada – inclusive no âmbito do STJ – que respalde o reconhecimento jurídico da afetividade (ainda que muitas vezes os tribunais não utilizem esta terminologia, mas com claro reconhecimento de que tratam de vínculos afetivos). Os tribunais têm procurado se aproximar das relações fáticas que são travadas na sociedade contemporânea, o que, inevitavelmente, os têm levado ao encontro da afetividade que é imanente a tais relações.

A valoração jurídica da afetividade também pode ser

uma participação para outras análises e demais construções jurídicas possíveis, que, alinhado aos demais princípios e

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 146 -

regras do ordenamento, pode auxiliar a viabilizar interessantes e possibilidades. Uma delas pode ser vista na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu as uniões homoafetivas como uniões estáveis_ ADI 4277 e ADPF 132/RJ726. Essa inovadora decisão atribuiu uma interpretação, conforme a Constituição do art. 1.723 do Código Civil5, de modo a tornar claro que o dispositivo inclui as relações homoafetivas nessa ADI 4277 na qual fizeram remissões expressas à questão do afeto e à afetividade, explicitando a contribuição que seu reconhecimento jurídico concedeu ao julgado (CALDERON, 2011).

A declaração de que a afetividade é a marca prevalecente das relações do século XXI, já é corrente em grande parte da doutrina e muitos julgados. Contudo, o fato desta constatação advir da Corte Suprema destaca a relevância da percepção e da transição paradigmática que se processa na família brasileira. O amparo da afetividade pela jurisprudência brasileira permite perceber sua ascendência como princípio implícito do direito de família, que se irradia, nas diversas relações familiares, sempre que presente, em determinada situação subjetiva. 2 A influência do afeto como princípio das novas instituições de família

Analisando a família como elemento que deve exercer a função afetiva, pode-se reconhecer o afeto como componente indispensável à formação das entidades familiares desde o final do século XX, ressaltando a tendência

5É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Page 74: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 147 -

contemporânea de ver a família na perspectiva das pessoas e não mais sob a ótica patrimonialista adotada por legislações passadas.

Compreende-se que as relações familiares não estão mais vinculadas somente aos liames biológicos. Hoje as relações de consanguinidade não são mais importantes do que as provenientes de laços de afetividade e convivência. A função básica da família atual caracteriza-se na realização pessoal em relação à afetividade e à dignidade humana e, principalmente, na busca da felicidade.

Nesta perspectiva Cabral (2009, p.15) afirma que:

A Família contemporânea, estruturada sobre a sólida base da afetividade, deixa de ser uma instituição que visa a proteger o grupo formado por seus membros para se tornar um ambiente propício às manifestações dos direitos inerentes à personalidade, ao desenvolvimento das potencialidades de cada um e às diferenças individuais. Ademais, ela promove um alargamento de possibilidades, sonhos e ideais de cada uma das pessoas que a integram e nela interagem.

No Brasil, a partir da primeira Constituição social em 1934 até a Constituição de 1988, a família é destinatária de normas progressivamente tutelares, que garantam a liberdade e a igualdade materiais, introduzindo-a no projeto da modernidade. Essa hodierna família parte de princípios básicos de conteúdo modificável, segundo as transformações históricas, culturais e políticas: a liberdade, a igualdade, a solidariedade e a afetividade. Sem eles, é impossível compreendê-la (LÔBO, 2012).

Reforçando e completando essa ideia, o autor Paulo Luiz Netto Lôbo (1989, p. 151) diz que:

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 148 -

A excessiva preocupação com os interesses patrimoniais que matizaram o direito de família tradicional não encontra eco na família atual, vincada por outros interesses de cunho pessoal ou humano, tipificados por um elemento aglutinador e nuclear distinto: a afetividade. Esse elemento nuclear define o suporte fático da família tutela pela Constituição, conduzindo ao fenômeno que denominamos repersonalização.

A restauração da prioridade da pessoa, nas relações

de família, na garantia da concretização da afetividade e de sua dignidade, é a condição primeira de adequação do direito à realidade. A mudança da família, como unidade econômica para uma inclusão igualitária, tendente a promover o desenvolvimento da personalidade de seus membros, reafirma uma nova aparência, agora fundada no afeto e no amor. Sua nova marcação evidencia um espaço privilegiado para que os seres humanos se complementem e se completem. E, sobretudo, as relações de consanguinidade, na prática social, são menos importantes que as provenientes de laços de afetividade e da convivência familiar. A entidade familiar passou por profundas mudanças na sua função, natureza, composição e, consequentemente, de concepção, principalmente após o começo do Estado social (ALMEIDA, 2008).

Compreendendo assim, Paulo Luiz Netto Lôbo (1989, p.153):

A família tradicional aparecia através do direito patrimonial e, após as codificações liberais, pela multiplicidade de laços individuais, como sujeitos atomizados. Agora, é fundada na solidariedade, na cooperação, no

Page 75: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 149 -

respeito à dignidade de cada um de seus membros, que se obrigam mutuamente em uma comunidade de vida. A família atual é apenas compreensível como espaço de realização pessoal afetiva, no qual os interesses patrimoniais perderam seu papel de principal protagonista. A repersonalização de suas relações revitaliza as entidades familiares, em seus variados tipos ou arranjos.

A instituição familiar, hoje, necessita ser percebida

como grupo social constituído, essencialmente, em laços de afetivos, pois a diversa conclusão não se pode atingir a luz da Lei Suprema, principalmente o Art.1º, III, que valoriza a dignidade da pessoa humana como principio condutor da República Federativa do Brasil e procura, também, sua assimilação na solidariedade_ Art. 3º, I, da Constituição Federal_ como um dos alicerces da afetividade. Ou seja, a concretização pessoal da afetividade e da dignidade humana, no ambiente de convivência e solidariedade, é um papel básico da família desta época. Por conseguinte, o afeto tornou-se reconhecido como princípio constitucional e tem sido de grande valor na formação da família (ALMEIDA, 2008).

A família contemporânea não se justifica sem que o afeto exista, pois este é elemento formador e estruturador da entidade familiar, fazendo com que a família seja uma relação que tem como pressuposto o afeto, devendo tudo o que for vinculado neste ter a proteção do Estado (LÔBO, Paulo, 2012, p. 69).

Mais adiante, Paulo Lôbo (2012, P.48-49) cita expressamente quais dispositivos constitucionais permitiriam a constatação da afetividade como princípio constitucional implícito:

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 150 -

O princípio da afetividade está implícito na Constituição. Encontram-se na Constituição os fundamentos essenciais do princípio da afetividade, constitutivos dessa aguda evolução social da família brasileira, além dos já referidos: a) todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227, § 6º); b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º); c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art. 226, § 4º); d) a convivência familiar (e não a origem biológica) é prioridade absoluta assegurada à criança a ao adolescente (art. 227).

A afetividade de fato não é tratada de forma

categórica como princípio pela nossa legislação expressa que, como visto, está implícita no texto constitucional e é citada, pontualmente, no texto codificado em vigor. O princípio da afetividade fundamenta as relações interpessoais e o direito de família nas relações socioafetivas de caráter patrimonial ou biológico e na comunhão de vida. Esse Princípio encontra alicerce nos princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Solidariedade e entrelaça-se com o princípio da Convivência Familiar (CABRAL, 2009):

O princípio da afetividade especializa, no âmbito familiar, os princípiosconstitucionais fundamentais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) eda solidariedade (art. 3º, I), e entrelaça-se com os princípios da convivênciafamiliar e da igualdade entre cônjuges, companheiros e filhos, queressaltam a natureza cultural e não exclusivamente

Page 76: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 151 -

biológica da família (LÔBO, Paulo, 2012, p. 69).

Destarte passa-se a demonstrar algumas novas

espécies de família baseadas no princípio da afetividade_ família monoparental, família anaparental, paternidade socioafetiva e união homoafetiva.

O liame afetivo encontra-se, atualmente, ocupando alta posição na hierarquia dos fatores que contribuem para que um grupo possa ser denominado “família”. A esse afeto, responsável e fundamental, justificador das relações familiares que se observam na sociedade contemporânea, tem-se atribuído o caráter de primazia do direito fundamental. A família contemporânea, estruturada sobre a sólida base da afetividade, deixa de ser uma instituição que visa à proteção do grupo formado por seus membros, para se tornar um ambiente propício às manifestações dos direitos inerentes à personalidade, ao desenvolvimento das potencialidades de cada um e às diferenças individuais. Ademais, ela promove um alargamento de possibilidades, sonhos e ideais de cada uma das pessoas que a integram e nela interagem (PINHEIROS, 2009).

3 As consequências do abandono afetivo

Com a constitucionalização do Direito de Família, a valorização do vínculo de afetividade e Solidariedade entre as pessoas, os atos cometidos, em detrimento uns dos outros, geram consequências. Ainda que vivamos em mundo completamente globalizado, é no afeto que as relações familiares buscam o alicerce do crescimento da personalidade da pessoa humana. O instituto da responsabilidade civil adentra-se, no direito de família, para justamente impedir a impunidade frente aos atos considerados ilícitos, seja ele um

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 152 -

abandono meramente afetivo, um abuso de um direito alheio ainda que dentro do âmbito familiar. A reparação de ordem puramente moral tem o condão de compensar o ofendido, ao passo que representa, também, uma sanção para o outro causador do dano (CARDIN e FROSI, 2010).

Segundo Giselda Hironaka,

O dano causado pelo abandono afetivo é antes de tudo um dano à personalidade do indivíduo. Macula o ser humano enquanto pessoa, dotada de personalidade, sendo certo que essa personalidade existe e se manifesta por meio do grupo familiar, responsável que é por incutir na criança o sentimento de responsabilidade social, por meio do cumprimento das prescrições, de forma a que ela possa, no futuro, assumir a sua plena capacidade de forma juridicamente aceita e socialmente aprovada (HIRONAKA, 2010 apud, CARDIN e FROSI, 2010, p.9).

Convém esclarecer que o dano moral destina-se, na

sua forma de reparação, essencialmente a compensar um mal-estar ou uma indisposição de natureza espiritual. Visto que, enquanto, no caso dos danos materiais, a reparação tem como finalidade repor as coisas lesionadas ao seu status quo ante ou possibilitar à vitima a aquisição de outro bem semelhante ao destruído, o mesmo não ocorre com relação ao dano eminentemente moral. A reparação, em tais casos, reside no pagamento de uma soma pecuniária, arbitrada pelo consenso do juiz, que possibilite ao lesado uma satisfação compensatória da sua dor íntima. Assim, a fixação de uma quantia indenizatória por gravames morais, deve atender à duplicidade de fins a que a indenização se presta e atentar para a condição econômica da vitima, bem como para a capacidade do agente causador do dano (VIAFORE, 2007).

Page 77: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 153 -

Hodiernamente, há uma demanda significativa de ações que tramitam no judiciário, por reparação civil de abandono afetivo pelos pais ao filho (a). Essa reparação pela falta de afetividade ante o filho, embora expressa em pecúnia, não busca qualquer vantagem patrimonial em benefício da vítima. Na verdade, revela-se como uma forma de compensação diante da ofensa recebida que, em sua essência, é de fato irreparável, atuando, ao mesmo tempo, em seu sentido educativo, na medida em que representa uma sanção aplicada ao ofensor, irradiando, daí, seu efeito preventivo.

Como ensina Calderan (2012, p. 354): Os pedidos de reparação de danos na relação paterno-filial têm como fundamento principal o direito à convivência familiar, dever de vigilância e educação. O dano causado em virtude da ofensa à dignidade humanada pessoa do filho poderá ser passível de reparação, por ofensa ao direito da própria personalidade, podendo a mãe ou o pai omisso ser condenado a indenizar o filho, pelo dano que lhe causou ao ignorar sua existência.

Para a concessão da indenização por danos morais,

no caso de abandono afetivo, necessário se faz preencher alguns requisitos como a presença do dolo/culpa, o dano efetivamente comprovado principalmente por perícia técnica, a fim de constatar sua profundidade com o intuito de se averiguar a potencialidade do abalo, na dignidade humana da vítima, capaz de obstar sua vida; omissão voluntária; nexo de causalidade entre a conduta do agente e o resultado do dano psicológico, pois, de acordo com os artigos 186 e 927 do Código Civil, devendo todos restar comprovados (SKAF, 2013).

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 154 -

Por isso não há dúvidas de que a aplicação da responsabilidade civil consista em uma dessas eficazes formas de proteção familiar. Proteger a família consiste em defender a própria dignidade da pessoa humana. Sendo assim, os deveres dos pais não se limitam apenas à prestação de auxílio material do filho. Tal dever vão muito além do mero apoio financeiro, devendo abranger, também, o auxílio emocional e afetivo. O abandono imaterial de uma criança poderá ocasionar imensuráveis danos morais e atingir, de forma brutal, o seu psicológico e prejudicá-lo, de maneira severa, na própria formação. 4 Considerações finais

O instituto de direito de família passou por profundas

mudanças, sobretudo após o advento da Constituição Federal, quando o Estado passou a ampliar a tutela das relações familiares, tendo em vista que à margem dessa mudança, a realização pessoal, no ambiente de convivência, com base no afeto, tornou-se a função básica da família contemporânea.

A Constituição Federal de 1988 fornece total proteção do Estado justamente a essa família baseada em relações de afeto. Os artigos 226 e 227 da Constituição foram inovadores ao Direito de Família contemporâneo, abordando questões não tratadas anteriormente pelo sistema jurídico brasileiro. O artigo 226 delineia a família como um porto-seguro, digno de proteção do Estado e o artigo 227 exclui qualquer desigualdade entre os filhos e assegura direitos à criança e ao adolescente por parte da família, da sociedade e do Estado. A família contemporânea não mais possui todas as classificações e teorias impostas pelas doutrinas e legislações

Page 78: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 155 -

anteriores. A unidade familiar é baseada, fundamentalmente, em amor e afeto.

A pluralidade de formas de constituição de família admitidas na Constituição foi uma das grandes transformações do Direito de Família, demonstrando que, ao aplicar o princípio da afetividade, todas as famílias merecem a proteção do Estado. Haja vista que, muitas vezes, o direito de família não possui previsão legal para as demandas inesperadas e, progressivamente, complexas que surgem. Dentre as conjunturas infimamente instigantes a um sistema que não as regula previamente, podem-se citar, como exemplo, as uniões estáveis - homo e heteroafetivas - os parentescos socioafetivos, as famílias anaparental, entre diversos outros casos (CALDERON 2011).

É com fundamento na Constituição Federal de 1988 que houve a possibilidade de sustentar o reconhecimento da afetividade no sistema jurídico, ainda que de forma implícita, já que o código de 1916 não previa espaço para a valorização das realidades afetivas. O Código de 2002 abordou a afetividade, ao expressar isso em alguns dispositivos. Houve, também, o apoio da grande construção jurisprudencial que reconhece a afetividade em várias situações; portanto esse amparo é vital para a solidificação da leitura jurídica da afetividade. A transformação paradigmática vivenciada, na família, ocorreu de forma demorada e a passos lentos, mas, ainda assim, foram acompanhadas pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Deste modo, na oscilação entre os limites e as perspectivas decorrente da leitura principiológica da afetividade, é possível se certificar de que as projeções jurídicas podem colaborar para um inovado futuro do Direito de Família brasileiro, com um propósito de construção e reconstrução incessante (CALDERON 2011).

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 156 -

5 Referências bibliográficas

ALMEIDA, Lara Oleques de. A função social da família e a

ética do afeto: transformações jurídicas no direito de

família.Regrar: Revista Eletrônica de Graduação / Fundação – UNIVEM – Centro Universitário Eurípides de Marília.v1, n 1, jul/dez. 2008.

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios da definição á

aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed.ampl. São Paulo: Malheiros, 2011.

BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, Racionalidade e

atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

BARCELLOS, Ana Paula de; BARROSO, Luís Roberto. O Começo da História. A Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro. Revista da Emerj, v. 6, n. 23, 2003.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 16. ed. Atual. São Paulo: Malheiros, 2005.

BRASIL, Código Civil Brasileiro e legislações correlatas. Brasília, DF, Senado, 2011.

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República

Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 2011.

BRASIL, Tribunal De Justiça do Paraná. Apelação Cível 108.417-9, 2ª Vara de Família, Curitiba. Apelante: G.S. /

Page 79: Discussões jurídicas Dados Internacionais de Catalogação ...funorte.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Discussoes_juridicas... · DISCUSSÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS. COLETÂNEA

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 157 -

Apelado: A.F.S. / Relator: Desembargador AccácioCambi, julgado em 12.12.2001

BRASIL, STF. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de

Inconstitucionalidade – ADIN 4.277/DF e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 132/RJ, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, j. em 05.05.2011, unânime.

CABRAL, Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat. A afetividade

como fundamento na parentalidade responsável. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, nov., 2009.

CALDERON, Ricardo Lucas. O percurso construtivo do

Princípio da Afetividade no Direito de Família Brasileiro

contemporâneo: contexto e efeitos. Curso de Pós-Graduação em Direito – Mestrado. (Universidade Federal do Paraná) Curitiba, dez. 2011.

CALDERAN, ThanabiBellenzier. Abandono Afetivo e Suas

Consequências Jurídicas. Revista da Faculdade de Direito de Uberlândia, v.40, 2012.

CARDIN, Valéria Silva Galdino; FROSI, Vitor Eduardo. O

afeto como valor jurídico. Encontro Nacional do conpedi, Fortaleza, Junho, 2010.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2010.

LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias / Paulo Lôbo. 4. ed. São Paulo : Saraiva, 2012.

Discussões jurídicas contemporâneas

..........................................................................

- 158 -

LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de

família. In: BITTAR, Carlos Alberto. O direito de família e a Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989.

MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Direito das

famílias: amor e bioética. Rio de Janeiro: Elsevier,2012.

PINHEIRO, AlcyvaniaMaria Cavalcante de Brito. Ave Sem

Ninho: O Princípio da Afetividade no Direito à Convivência

Familiar. Universidade de Fortaleza, 2009.

SKAF, Samira. Responsabilidade Civil Decorrente de

Abandono Afetivo Paterno – filial. Ibdfam.org.br, 2013.

SOUZA, Paula Feijó Pereira de. A relevância do princípio da

afetividade nas relações familiares. Pucrs.br, Rio Grande do Sul, Junho 2013.

TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito civil,

v.5: direito de família. -7.ed.rev.atual.e ampl.- Rio de Janeiro: São Paulo: Método,2012.

VIAFORE, Vanessa. O Abandono Afetivo e a

Responsabilidade Civil Frente ao Afeto.Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Novembro de 2007.

VILLELA, João Baptista. A Desbiologização da Paternidade. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, UFMG, ano XXVII, n. 21, maio 1979.