Dislexia
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Transcript of Dislexia
A primeira edição em inglês deste livro ocorreu cem anos depois do pri-meiro caso de dislexia desenvolvimental ter sido descrito pelo Dr. Pringle-Morgan em um artigo publicado no British Medical Journal, em 1896. O relato
de Pringle-Morgan dizia respeito a um inteligente adolescente que não haviaconseguido aprender a ler, e Pringle-Morgan especulou que o menino sofriade “cegueira vocabular” congênita. Durante muitos anos após esse relato, a
perspectiva predominante era que as dificuldades de leitura dos disléxicoseram causadas por deficiências no processamento visual, e a condição atraiumuita atenção de oftalmologistas, como, por exemplo, Hinshelwood (1917).
Somente cerca de 30 anos mais tarde, a importância dos fatores dalinguagem na determinação da dislexia tornaram-se reconhecidos, com a pu-blicação do influente livro de Samuel Orton, Reading, Writing and Speech Pro-
blems in Children (1937). É interessante notar que muitos pontos para osquais Orton chamou a atenção são fundamentais para nossas preocupaçõesatuais. O termo que ele utilizou para o que atualmente conhecemos como
dislexia foi strefossimbolia – literalmente, uma distorção dos símbolos. E o im-portante é que ele reconheceu que a strefossimbolia tinha tendência a ocorrerem famílias e estar associada a outras formas de deficiências de linguagem.
Ele achava que as causas da dificuldade seriam encontradas na lateralizaçãoincompleta dos hemisférios cerebrais (uma teoria que não interessa aqui),mas que sua remediação requeria ensino especializado.
Embora variantes de uma hipótese de déficit visual ainda sejam conside-radas hoje (ver Willows, Kruk e Corcos, 1993), a perspectiva mais aceita é quea dislexia pode ser considerada parte do contínuo das desordens da lingua-
gem e é um déficit do processamento verbal (Vellutino, 1979). Na verdade, háevidências convergentes corroborando uma teoria mais específica, de queos leitores disléxicos têm fragilidades na área fonológica ou, dito de maneira
Dislexia desenvolvimental:
uma introdução
e visão teórica geralMargaret J. Snowling
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mais simples, no processamento da fala (Hulme e Snowling, 1992b; Sta-novich e Siegel, 1994). Antes de abordarmos esta teoria, vamos primeiro ana-
lisar as potencialidades e as deficiências das atuais definições de dislexia.
A DEFINIÇÃO DE DISLEXIA
Uma dificuldade importante envolvendo o diagnóstico de dislexia é quesua própria definição é contestada (Stanovich, 1994). Em 1968, a Federação
Mundial de Neurologia recomendou que o termo fosse aplicado às crianças“que não conseguem ler, apesar de possuírem uma inteligência adequada,receberem instrução convencional e oportunidades socioculturais”. Entretan-
to, a insatisfação com esse modelo médico, associada a uma falta de consensosobre os sinais positivos de dislexia, demonstra que essa perspectiva há muitotem sido rejeitada. Em vez disso, na prática clínica, a maioria dos profissionais
tem adotado uma definição que é conhecida como discrepância dada à disle-xia. A definição de discrepância leva em conta a existência de uma correlaçãoimportante entre a capacidade cognitiva e a realização educacional na popu-
lação normal. Por isso, é razoável esperar que as crianças de capacidade aci-ma da média estejam lendo acima da média da sua faixa etária, e as criançasde capacidade abaixo da média estejam abaixo da norma. As crianças que
estão lendo significativamente abaixo do nível esperado têm dificuldades deleitura inesperadas ou, como são freqüentemente descritas, Dificuldades deAprendizagem Específicas (dislexia).
A maior parte dos profissionais sente-se confortável com a definição dediscrepância dada á dislexia, pelo menos como um ponto de partida para suainvestigação das estratégias de leitura e ortografia, assim como das habili-
dades de processamento cognitivo de um indivíduo portador de dificuldades.Possivelmente, como conseqüência disso, pouca atenção tem sido dada àimportante questão: se as crianças com dificuldades específicas de leitura di-
ferem das crianças com problemas de leitura no contexto de uma aprendi-zagem, em geral, mais lenta ou, na verdade, de dificuldades de linguagemmais globais. A visão leiga da dislexia é de uma pessoa criativa que é boa em
muitas coisas, exceto na leitura e na escrita. Entretanto, nem todas as criançasdisléxicas são assim. As crianças com as quais estaremos lidando neste livrosão aquelas que têm, ou correm o risco de ter, dificuldades de leitura, inde-
pendente dos seus talentos. Esperamos discutir uma ampla série de dificul-dades que, em geral, acompanham ou prognosticam um fracasso de leitura econsiderar estratégias efetivas para sua remediação. Começaremos nos con-
centrando na criança disléxica como uma maneira de articular nossa estru-tura teórica. As crianças com dificuldades específicas de leitura apresentam-nos uma ilustração clara da constelação mínima de problemas experienciados
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por crianças que têm dificuldade para aprender a ler, pois estas criançastendem a trazer para essa tarefa toda uma série de forças cognitivas. Por isso,
as crianças que têm dificuldades maiores de fala ou de linguagem têm menosproblemas claramente definidos. É controvertido se essas crianças têm menosrecursos que lhes permitam compensar suas dificuldades; seu desenvolvi-
mento da leitura é em geral muito lento e, às vezes, atípico (Stackhouse eSnowling, 1992a).
A NATUREZA DESENVOLVIMENTAL DA DISLEXIA
Sem dúvida, o quadro mais abrangente que possuímos da dislexia está
localizado na criança em idade escolar. A maior parte das crianças disléxicassão encaminhadas quando não conseguiram aprender a ler, e a maior parte dapesquisa tem sido feita com essas crianças. Entretanto, é importante lembrar
que a dislexia é uma dificuldade vitalícia e os sintomas que estão presentesem um ponto do desenvolvimento não estão necessariamente evidentes emoutro. Também é importante lembrar que não é raro determinados déficits
serem compensados com o passar do tempo. Os problemas de leitura tendema ser a principal dificuldade nos primeiros anos da escola, mas muitos adultosdisléxicos transformam-se em leitores fluentes, embora com uma ortografia
deficiente. Alguns disléxicos adultos têm uma dificuldade particular emdecodificar palavras que não encontraram antes, e, em geral, têm dificuldadespersistentes com a consciência fonológica, nomeação rápida e tarefas verbais
de memória de curto prazo (Bruck, 1990; 1992; Pennington et al., 1990).
A Hereditariedade da dislexia
Há muitos anos se sabe que a leitura deficiente tende a ocorrer em
famílias e, hoje em dia, há evidências conclusivas de que a dislexia é heredi-tária (DeFries, 1991, para uma revisão). Os geneticistas do comportamentotêm mostrado que há até 50% de probabilidade de um menino se tornar
disléxico se seu pai for disléxico (cerca de 40% se sua mãe for afetada); aprobabilidade de uma menina desenvolver dislexia é um pouco menor. Oque é herdado não é a deficiência de leitura per se, mas aspectos do proces-
samento da linguagem. Os resultados de estudos em grande escala realiza-dos com gêmeos sugerem que há uma hereditariedade maior de aspectosfonológicos (fônicos) do que aspectos visuais da leitura. Além disso, as habi-
lidades fonológicas de leitura compartilham uma variação hereditária com aconsciência fonológica: a capacidade de refletir sobre a estrutura sonora daspalavras faladas (Olson et al., 1989).
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Com os estudos genéticos como pano de fundo, a menor idade em que ascrianças disléxicas têm sido estudadas é a de 2 anos (Scarborough, 1990).
Scarborough cercou o problema do diagnóstico precoce realizando um estudolongitudinal de crianças que estavam “em risco” de dislexia em virtude de terempai ou mãe disléxicos. Ela comparou o desenvolvimento dessas crianças com
aquele de crianças de famílias não-disléxicas dos 2 aos 7 anos de idade. Quandoas crianças estavam com 7 anos e suas habilidades de leitura puderam seravaliadas, foi possível observar, retrospectivamente, os dados da pré-escola e
comparar as crianças que vieram a se tornar disléxicas com crianças que nãodesenvolveram dificuldades de leitura. Uma importante diferença entre osgrupos estava na produção da fala. Embora as crianças disléxicas usassem uma
variedade tão grande de vocabulário nas conversas com suas mães quanto suascontrapartes não-disléxicas, elas cometiam mais erros de fala e seu uso dasintaxe era mais limitado. Aos 5 anos, as crianças disléxicas tinham mais difi-
culdade com a nomeação dos objetos e com as tarefas de consciência fonoló-gica. Suas habilidades de alfabetização emergentes também eram mais defi-cientes; estavam menos familiarizadas com as letras do alfabeto e tinham um
desempenho pior na correspondência das imagens com a palavra impressa.Um estudo recente, por nós realizado, vai em direção à ratificação dos
resultados encontrados por Scarborough. Gallagher, Frith e Snowling recruta-
ram 73 crianças de famílias em que havia um parente de primeiro grau comdislexia e as avaliaram em uma série de tarefas de linguagem pouco antes decompletarem 4 anos. Embora não diferissem na sua habilidade não-verbal, as
crianças em risco de dislexia tiveram um desempenho em geral mais fraco nostestes de fala e processamento da linguagem do que as crianças das famílias-controle, sem história de dislexia. Elas exibiram, particularmente, déficits em
sua compreensão do vocabulário e em sua habilidade de nomeação, assim comona repetição de palavras novas (não-palavras de duas sílabas). Em termos dehabilidades anteriores à alfabetização, as crianças em risco apresentaram um
conhecimento mais fraco das letras e das rimas infantis.Esses dois estudos das deficiências nas crianças em risco de dislexia reali-
zados bem antes da época tradicional do diagnóstico, na idade escolar, sugerem
que as crianças disléxicas exibem déficits de linguagem precoces. Os dados sãoconsistentes com a teoria de que a dislexia é um déficit do processamentofonológico; deficiências no sistema de produção da fala foram reveladas em
ambos os estudos, assim como problemas de consciência fonológica emergen-tes. Entretanto, esses estudos também nos alertam para a possibilidade de difi-culdades de linguagem mais diversificadas nas histórias dessas crianças. Os
atrasos ou dificuldades revelados no desenvolvimento de sintaxe produtiva e devocabulário raramente são discutidos com referência à criança disléxica emidade escolar. Pode ser que eles sejam compensados com o desenvolvimento ou,
pelo menos, fiquem fora do alcance da vista (cf. Stackhouse e Wells, 1991).
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As evidências dos estudos de dislexia realizados durante o tempo de vidados pacientes são bastante consistentes com aqueles das comparações de gru-
pos de crianças disléxicas e normais. Passaremos, agora, a examinar a pesqui-sa que contribui para a visão geralmente aceita de que os déficits de processa-mento fonológico são déficits básicos na dislexia. Assim fazendo, continua-
mos cientes do fato de que a manifestação comportamental dos déficits subja-centes à dislexia dependerá da idade da criança e da extensão em que elestêm sido remediados, quer através do ensino ou através de outras formas de
intervenção, incluindo a fonoaudiologia (Frith, 1995; Morton e Frith, 1995).
A HIPÓTESE DO DÉFICIT FONOLÓGICO DA DISLEXIA
É possível supor que, durante todo o desenvolvimento da linguagem, ascrianças liguem a fala que ouvem às expressões que produzem. Falando de
maneira ampla, esse é um aspecto fundamental do desenvolvimento fonoló-gico. À medida que o sistema fonológico da criança se desenvolve, tais víncu-los ou “representações” tornam-se pouco a pouco aperfeiçoados (Nittrouer e
Studdert-Kennedy, 1987). É provável que os aperfeiçoamentos tragam comeles melhorias em algumas habilidades cognitivas subjacentes ao desenvolvi-mento da leitura, como, por exemplo, melhorias no acesso às formas faladas
das palavras, como é requerido nas tarefas de consciência fonológica, e au-mentos na capacidade da memória verbal de curto prazo, porque esta se ba-seia em códigos fonológicos (baseados na fala) (Snowling e Hulme, 1994).
Para a maioria das crianças, o sistema fonológico é totalmente formado naépoca em que elas iniciam o aprendizado da leitura. Pode, por isso, proporcionaruma base para o sistema de leitura, que pode ser considerado como parasítico
daquele. Na verdade, várias teorias recentes do desenvolvimento da leitura pro-põem que as crianças estabelecem conexões diretas entre as representações depalavras impressas e as representações de palavras faladas no seu sistema de
linguagem (Ehri, 1992; Goswami, 1994; Rack et al., 1994). Em um estágio pos-terior, o conhecimento incorporado nestas representações se generaliza parapermitir que novas palavras sejam “decodificadas” (cf. Seidenberg e McClelland,
1989). Neste ponto, terá sido criado um sistema de leitura mais flexível.Portanto, a partir dessas teorias de desenvolvimento da leitura, a situa-
ção das representações fonológicas básicas das crianças determina a facilida-
de com que elas conseguem aprender a ler (Hulme e Snowling, 1992b). Odesempenho em uma série de tarefas de processamento fonológico, incluindotestes de consciência fonológica, memória verbal de curto prazo ou nomeação
verbal, também requer acesso a representações fonológicas. Provavelmente,seja por essa razão que o desempenho nessas tarefas tenda a ser extremamen-te relacionado com o desempenho na leitura.
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Desde 1980, surgiu na literatura um grande número de estudos apon-
tando para as dificuldades de linguagem em crianças disléxicas, especifi-
camente no nível da fonologia (Shankweiler e Crain, 1986). Talvez a
dificuldade relatada de forma mais consistente seja os problemas com a cons-
ciência fonológica (Bradley e Bryant, 1978; Manis, Custodio e Szeszulski,
1993) e com a memória verbal de curto prazo (Siegel e Linder, 1984;
Johnston, Rugg e Scott, 1987; Torgeson et al., 1988). Há também evidências
de que as crianças disléxicas têm problemas com a aprendizagem verbal de
longo prazo, como, por exemplo, a memorização dos meses do ano ou as
tabelas de multiplicação.
Outra tarefa que requer a recuperação de informações fonológicas da
memória de curto prazo é a nomeação. As dificuldades para encontrar pala-
vras são freqüentemente relatadas em crianças disléxicas, e os estudos expe-
rimentais que usam tarefas de nomeação rápida relatam deficiências nos
disléxicos (Denkla e Rudel, 1976). Estendendo esse trabalho à nomeação de
objetos, Katz (1986) descobriu que as crianças disléxicas eram menos capazes
do que as crianças-controle de rotular os objetos do Boston Naming Test e
tinham uma dificuldade particular com palavras de baixa freqüência e com
polissílabas. Da mesma maneira, Snowling, van Wagtendonk e Stafford
(1988) descobriram que os disléxicos cometeram mais erros de nomeação do
que as crianças da mesma idade e de vocabulário similar quando foi solicitado
que nomeassem objetos após a apresentação de figuras ou após definição
falada. No geral, esses achados são consistentes com a visão de que as crian-
ças disléxicas experimentam problemas específicos na recuperação de infor-
mações fonológicas da memória de longo prazo e são compatíveis com os
estudos das crianças em risco que apontam para dificuldades similares preco-
ces no desenvolvimento.
Vários estudos têm usado testes de percepção da fala e produção da fala
para explorar as possíveis bases das dificuldades que as crianças disléxicas
encontram com o processamento da linguagem. Brandt e Rosen (1980) inves-
tigaram a percepção das consoantes explosivas, como, por exemplo, [d] e [p],
por parte de leitores disléxicos e leitores normais. Descobriram que os leitores
disléxicos desempenhavam-se como crianças em um estágio inicial de desen-
volvimento, um achado similar àquele de Godfrey e colaboradores (1981).
Reed (1989) descobriu que as crianças disléxicas tinham mais dificuldade
para determinar a ordem em que duas consoantes ou dois sons breves eram
apresentados do que leitores normais da mesma idade. Em contraste, os julga-
mentos de ordem temporal que envolviam vogais em situação fixa não cau-
saram dificuldade. As crianças disléxicas também tiveram mais dificuldade
com uma tarefa de identificação de palavras em que a palavra apresentada po
meio auditivo tinha de ser relacionada com uma de duas figuras, diferindo
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por um único fonema (por exemplo, goal-bowl*). Elas também eram menos
consistentes em suas categorizações fonêmicas dos estímulos.
Consideradas juntas, essas descobertas sugerem que as crianças disléxi-
cas têm dificuldade com a percepção de sugestões auditivas breves, uma difi-culdade que poderia plausivelmente ser responsável por seu desempenho pre-judicado em várias tarefas de processamento fonológico. Essa dificuldade tem
sido há muitos anos considerada por Tallal e seus colegas (Tallal e Piercy,1973; Tallal et al., 1980) como fundamental para a causa de desordens espe-cíficas da linguagem.
As crianças disléxicas também têm relatado ter dificuldades com aprodução da fala (Snowling, 1981, Brady, Shankweiler e Mann, 1983).Snowling, Goulandris, Bowlby e colaboradores (1986) estenderam essas
descobertas e mostraram que as crianças disléxicas têm dificuldades es-pecíficas com a repetição de não-palavras. Essa dificuldade foi interpretadacomo um problema dos processos de segmentação que medeiam entre a
percepção da fala e a produção da fala. É discutível se os déficits de lingua-gem observados nestas experiências estão relacionados a dificuldades, pri-meiro em estabelecer, depois em acessar, representações fonológicas ade-
quadas. Tais dificuldades podem, enfim, explicar déficits cognitivos maisabrangentes nas crianças disléxicas.
DIFICULDADES DA LINGUAGEM ESCRITA NA DISLEXIA
Para entender o efeito das dificuldades fonológicas no domínio da lin-
guagem falada sobre a aquisição das habilidades da linguagem escrita, é ne-cessário considerar o que o desenvolvimento da leitura envolve. Aprender aler em uma escrita alfabética, como o inglês, requer uma apreciação das cor-
respondências entre as letras e os sons – o princípio alfabético. Ainda quemuitas crianças pequenas comecem lendo palavras inteiras pelo reconheci-mento visual, elas precisam aprender como as letras nas palavras impressas
representam os sons das palavras faladas, se quiserem ser leitores flexíveis. Oprimeiro passo nesse processo requer a capacidade para refletir sobre a fala,isto é, a “consciência fonológica”. Por isso, as crianças disléxicas que têm difi-
culdades no domínio fonológico estão desde o início em desvantagem. Ascrianças disléxicas, freqüentemente, continuam a confiar em um vocabuláriode reconhecimento visual na leitura e, assim, cometem muitos erros de leitura
visual, como, por exemplo, GRANDMOTHER → gentleman; FROM → for;
* N. de R.T. Em todo o livro, serão mantidos em inglês os exemplos cuja tradução não seja
necessária para a compreensão do texto.
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ORGAN → orange (ver Goulandris, neste volume). Elas são incapazes de abs-trair as correspondências entre letra e som da sua experiência com palavras
impressas e, por isso, não conseguem desenvolver estratégias de leiturafonológica (fônica) (Manis et al., 1993; Snowling, 1980; 1981). Na verdade,há muitas evidências de que as crianças disléxicas têm dificuldades na leitura
de não-palavras que estão em descompasso com suas habilidades de leituravisual (Rack, Snowling e Olson, 1992).
Segundo Frith (1985), o disléxico desenvolvimental clássico não conse-
gue realizar a transição para a fase alfabética do desenvolvimento da alfabeti-zação. Além de suas dificuldades com a leitura, tais crianças também tendema ter problemas para soletrar as palavras da maneira como elas soam. En-
quanto os erros de ortografia fonética são comuns na escrita de criançaspequenas, como, por exemplo, PACKET → pakit; YELLOW → yelo, as criançasdisléxicas freqüentemente fazem tentativas não-fonéticas, como, por exem-
plo, pagit, yorol. As crianças que lêem e falam desta maneira têm sido, àsvezes, descritas como disléxicas fonológicas desenvolvimentais (Temple eMarshall, 1983; Seymour, 1986).
Entretanto, há também crianças disléxicas que parecem ter dominado habi-lidades alfabéticas. Segundo Frith, essas crianças estão falhando em realizar atransição para a fase ortográfica do desenvolvimento. Essas crianças são, às vezes,
referidas como disgráficas desenvolvimentais ou disléxicas desenvolvimentaissuperficiais (Coltheart, Masterson, Byng et al., 1983; Seymour, 1986). Em inglês,soletrar alfabeticamente não constitui uma ortografia precisa, pois há muitas
exceções às regras que as crianças precisam dominar (ver Cootes e Simpson, nes-te volume). A característica clássica dessas crianças é que elas lêem muito bem nocontexto, mas, na leitura de palavras soltas, confiam muito na emissão do som.
Elas têm dificuldades específicas com homófonos como PEAR-PAIR e LEEK-LEAK,que confundem e cuja ortografia é em geral fonética.
Embora haja uma carência visível de evidências em prol de subtipos distin-
tos (cf. Bryant e Impey, 1986), muitos estudos sistemáticos de diferenças indivi-duais entre disléxicos têm revelado variações em suas habilidades de leitura(Castles e Coltheart, 1993). Em um estudo recente, comparamos duas crianças
que exibiam um estilo disléxico fonológico de leitura (lendo palavras de maneirasignificativamente melhor do que não-palavras), com duas crianças que pare-ciam disléxicas superficiais (lendo palavras irregulares de maneira significativa-
mente pior do que as palavras regulares). Avaliando o desenvolvimento dessascrianças durante dois anos, descobrimos que elas diferiam na gravidade dosseus problemas de processamento fonológico (Snowling e Goulandris, no pre-
lo). As duas crianças que mostraram um perfil disléxico fonológico tiveram maisdificuldade com o processamento fonológico do que as duas que mostraram umperfil disléxico superficial, avaliado por testes de rima, repetição de não-pala-
vras e ortografia. Entretanto, até mesmo os disléxicos superficiais tiveram um
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desempenho pior nas tarefas fonológicas do que os leitores normais da mesmaidade. Tais descobertas corroboram a hipótese de que as dificuldades de leitura
dos disléxicos originam-se de problemas de processamento fonológico. Entre-tanto, sugerem que a gravidade das dificuldades fonológicas das criançaspodem afetar a maneira em que o seu sistema de leitura torna-se estabelecido –
e se elas parecem disléxicas fonológicas ou superficiais.
DIFICULDADES COMUMENTE ASSOCIADAS À DISLEXIA
A visão da dislexia que defendemos aqui é semelhante ao modelo dadislexia da diferença fonológica de cerne variável (phonological core-variable
difference), desenvolvida por Stanovich em uma série de artigos (Stanovich,1986; Stanovich, 1994; Stanovich e Siegel, 1994). Colocado de maneira sim-ples, o cerne da dislexia é um déficit do processamento fonológico, e quanto
mais próximo do cerne está uma determinada habilidade de processamento,maior a certeza de que os leitores deficientes diferirão dos leitores normais comrespeito a essa habilidade. As habilidades próximas ao cerne da dislexia in-
cluem a leitura de não-palavras e aspectos da consciência fonológica; as habili-dades não tão próximas incluem avaliações da memória de trabalho e da com-preensão auditiva. É com relação a estas duas últimas habilidades que espe-
ramos encontrar diferenças entre os leitores disléxicos e outros tipos de leitoresdeficientes, como, por exemplo, aqueles com dificuldades gerais de linguagem.
Crianças com dificuldades de fala e de linguagem
Tendo em mente a idéia de um cerne fonológico na dislexia, convém retor-nar à questão das crianças que têm dificuldades de fala e de linguagem. Infeliz-mente, a literatura apresenta um quadro confuso que pode não nos ajudar no
momento. Enquanto os estudos retrospectivos apontam caracteristicamente parauma história de dificuldades de fala e de linguagem nas crianças disléxicas(Rutter e Yule, 1975), os estudos prospectivos de crianças com dificuldades de
fala e de linguagem contradizem tal posição. Não parece verdade que as criançasque têm deficiências de linguagem na pré-escola vão ter dificuldades específicasde leitura (dislexia); ao contrário, elas têm problemas de leitura mais gerais,
abrangendo dificuldades com a compreensão da leitura que, em geral, não sãoexperimentadas pelas crianças disléxicas (Bishop e Adams, 1990; Magnusson eNaucler, 1993; Stothard, Snowling e Bishop, em preparação).
Uma resolução razoável para esse enigma é que as crianças com dificul-dades óbvias na linguagem falada têm problemas fonológicos similares àque-les que estão no cerne da dislexia, mas são diferentes das crianças disléxicas,
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pois têm problemas concomitantes em outros domínios da linguagem. Porexemplo, dificuldades com a gramática e com o significado colocariam essas
crianças em risco de dificuldade na compreensão da leitura. Não trataremosmais de observações certamente especulativas. Basta dizer que vários padrõesdiferentes de desenvolvimento da leitura podem ser observados em crianças
com dificuldades de fala e de linguagem, sendo razoável supor que o perfilda dificuldade observada dependerá do nível de comprometimento das suashabilidades de processamento fonológico, em interação com outras habili-
dades de linguagem (Snowling, 1987; Snowling, Stackhouse e Rack, 1986;Stackhouse, neste volume).
O papel dos fatores visuais na dislexia
Assim como uma consideração das deficiências sutis de linguagem nascrianças disléxicas é importante para se entender a natureza precisa de suasdificuldades de leitura e ortografia, também devem ser levadas em conta suas
habilidades de processamento visual. Entretanto, não há evidência conclusivade que as deficiências de processamento visual em si causem dislexia. Masisso não exclui a possibilidade de que essas dificuldades possam aumentar o
problema da leitura. Acredita-se que as habilidades visuais contribuem para odesenvolvimento da leitura; na verdade, elas podem ser particularmente im-portantes nas crianças que têm dificuldades de linguagem na provisão de um
conjunto alternativo de estratégias compensatórias para elas.Há duas linhas principais a serem seguidas na pesquisa atual sobre os
fatores visuais na dislexia. Stein e seus colegas (Stein, 1991) têm sugerido que
as crianças disléxicas têm controle motor ocular deficiente. Grande parte dasua pesquisa usou o Dunlop Test como parte de uma avaliação ortóptica emostrou que menos crianças disléxicas do que leitores normais têm um olho
de referência estabelecido. Eles recomendam a oclusão monocular como ummeio de se estimular o controle binocular e facilitar a aprendizagem da leitura(ver Bishop, 1989, para uma crítica).
Lovegrove e seus colegas buscaram outra possibilidade, qual seja, de queas crianças disléxicas tenham deficiências de nível baixo do sistema visual tran-sitório (Lovegrove e Williams, 1993). Essas dificuldades levariam as crianças a
experimentar embaçamento do texto impresso e, por isso, afetariam suas leitu-ras. Os dados que o grupo de Lovegrove apresentam são convincentes, mas, aocontrário dos dados sobre os déficits fonológicos, não há evidências sugerindo
que tais deficiências visuais estejam causalmente relacionadas a problemas deleitura. O que está faltando é um estudo longitudinal que examine o papel dosfatores visuais na aprendizagem da leitura. Acreditamos que, até que essa
evidência esteja disponível, é importante que os profissionais estejam alertas
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para a possibilidade de que deficiências no processamento perceptual e déficitsda memória visual exacerbem as dificuldades dos disléxicos. Onde existem
problemas perceptuais pode-se prever também problemas de controle mental.Algumas crianças disléxicas têm dificuldades com as habilidades motoras finas,as quais impedem o desenvolvimento da caligrafia e das habilidades a ela rela-
cionadas (ver Taylor, neste volume).Em uma veia similar, muitas crianças disléxicas têm problemas de con-
centração, particularmente nas salas de aula. Talvez a explicação mais simples
seja que as crianças não conseguem enfrentar os materiais escritos apresenta-dos e, por isso, suas mentes se desviam. Entretanto, algumas crianças disléxi-cas têm dificuldades mais profundas com o controle da atenção. Estas reque-
rem uma investigação à parte, porquanto, caso não sejam tratadas, exacerba-rão a condição disléxica
CONCLUSÕES
Embora o uso do termo “dislexia” permaneça em discussão, há evidên-
cias consideráveis de que os problemas inesperados de leitura nas criançassão causados por deficiências de linguagem no domínio fonológico. Grandeparte da pesquisa realizada nos últimos anos tem mostrado que as crianças
que têm um bom desempenho nos testes de consciência fonológica antes deirem para a escola, tornam-se bons leitores (ver Muter, neste volume). O co-rolário disso é que os disléxicos têm déficits fonológicos que os impedem de se
alfabetizarem no ritmo normal. A teoria é também corroborada por descober-tas que comprovam que o treinamento das habilidades fonológicas tem umefeito benéfico sobre o desempenho na leitura e na ortografia, especialmente
quando combinado com o ensino dos relacionamentos entre letra e som (verHatcher, neste volume). Os profissionais que estão na fronteira entre a dis-lexia, a fala e a linguagem precisam estar prontos para avaliar a extensão em
que a dificuldade de leitura de uma criança pode ser atribuída à fonologiadeficiente, e a extensão em que outros déficits de linguagem e de processa-mento cognitivo podem ter um papel a desempenhar.