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1 DISPARIDADES SOCIOECONÔMICAS NO CONTEXTO AGRÍCOLA DO OESTE BAIANO Bianca de Castro Duarte Moura Universidade Federal da Bahia – UFBA [email protected] Janes Terezinha Lavoratti Universidade Federal da Bahia – UFBA [email protected] Resumo Este trabalho é o resultado da pesquisa realizada em decorrência da disciplina Geografia Agrária no curso de Geografia do Instituto de Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável da Universidade Federal da Bahia em Barreiras (ICADS/UFBA), como análise da situação do proprietário de terras destinadas ao agronegócio e do pequeno produtor. Como objeto de estudo, buscou-se a comunidade de Benfica no assentamento rural de Angical, implantado em 1986 pelo Projeto de Assentamento de Reforma Agrária do estado da Bahia, realizado sob a influência do I Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), com 1.280 famílias assentadas, inicialmente, numa área de 56.000 ha. Para analisarmos a realidade de um grande produtor e estabelecer um contraponto, fomos visitar a Fazenda Santa Rosa, umas das seis unidades de produção do Grupo Mizote, que se dedica à produção de soja, algodão e milho, totalizando uma área de cultivo de 18.000 ha, no município de São Desidério, também integrante do Território de Identidade do Oeste Baiano. Aspectos que se apresentam no decorrer deste artigo. Palavra-chave: Assentamento. pequeno produtor. grande produtor. Agronegócio. propriedade da terra. Introdução A organização agrária brasileira está calcada em dois tipos distintos de produção: o agronegócio e a agricultura familiar. O presente artigo versa sobre essas duas realidades distintas na questão agrária, e analisa como ela se dá no Oeste Baiano, mediante visitas que foram realizadas à Fazenda Mizote, no município de São Desidério, e ao assentamento rural de Angical, na Associação do Benfica. As relações contraditórias existentes na questão agrária, provenientes da inserção do capital no campo, estão presentes na literatura sobre o tema e apontam contradições, injustiças e grandes desigualdades na estrutura agrária do Brasil, pela grande concentração de terras e sua influência no aumento da pobreza, nas diferenças nos incentivos do governo, na realização de reforma agrária insipiente. Ao longo desse

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DISPARIDADES SOCIOECONÔMICAS NO CONTEXTO AGRÍCOLA DO OESTE BAIANO

Bianca de Castro Duarte Moura Universidade Federal da Bahia – UFBA

[email protected]

Janes Terezinha Lavoratti Universidade Federal da Bahia – UFBA

[email protected] Resumo

Este trabalho é o resultado da pesquisa realizada em decorrência da disciplina Geografia Agrária no curso de Geografia do Instituto de Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável da Universidade Federal da Bahia em Barreiras (ICADS/UFBA), como análise da situação do proprietário de terras destinadas ao agronegócio e do pequeno produtor. Como objeto de estudo, buscou-se a comunidade de Benfica no assentamento rural de Angical, implantado em 1986 pelo Projeto de Assentamento de Reforma Agrária do estado da Bahia, realizado sob a influência do I Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), com 1.280 famílias assentadas, inicialmente, numa área de 56.000 ha. Para analisarmos a realidade de um grande produtor e estabelecer um contraponto, fomos visitar a Fazenda Santa Rosa, umas das seis unidades de produção do Grupo Mizote, que se dedica à produção de soja, algodão e milho, totalizando uma área de cultivo de 18.000 ha, no município de São Desidério, também integrante do Território de Identidade do Oeste Baiano. Aspectos que se apresentam no decorrer deste artigo.

Palavra-chave: Assentamento. pequeno produtor. grande produtor. Agronegócio. propriedade da terra.

Introdução

A organização agrária brasileira está calcada em dois tipos distintos de produção: o

agronegócio e a agricultura familiar. O presente artigo versa sobre essas duas realidades

distintas na questão agrária, e analisa como ela se dá no Oeste Baiano, mediante visitas

que foram realizadas à Fazenda Mizote, no município de São Desidério, e ao

assentamento rural de Angical, na Associação do Benfica.

As relações contraditórias existentes na questão agrária, provenientes da inserção do

capital no campo, estão presentes na literatura sobre o tema e apontam contradições,

injustiças e grandes desigualdades na estrutura agrária do Brasil, pela grande

concentração de terras e sua influência no aumento da pobreza, nas diferenças nos

incentivos do governo, na realização de reforma agrária insipiente. Ao longo desse

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trabalho, poderemos perceber a importância da valorização da agricultura familiar para

o desenvolvimento econômico e social da população.

A visita à campo de dois locais previamente escolhidos pela professora da disciplina de

Geografia Agrária, Janes Terezinha Lavoratti no semestre 2011.2, que através de debates

em sala de aula, orientou nosso olhar para percebermos a problemática que envolve a

questão agrária no Brasil, e principalmente no Oeste Baiano, nosso principal local de

estudo. Foram realizadas leituras de textos, artigos, revistas e livros para subsidiar a

discussão, e através de entrevistas realizadas com os moradores do assentamento e com

os trabalhadores da Fazenda Mizote, pudemos analisar como a inserção do capital no

campo impacta a sociedade rural e urbana na região.

A transformação capitalista na zona rural trouxe significativos impactos

socioeconômicos e ambientais, e se faz necessário identificar a gênese desse processo

para a melhor compreensão da atual realidade do campo brasileiro e do Oeste da Bahia.

Desde o período da colonização portuguesa, o Brasil tem se deparado com a grande

desigualdade da posse da terra, com ênfase no latifúndio, pelo sistema de sesmarias.

Nesse modelo, importado de Portugal e implantado no Brasil colônia, somente tinham o

direito à posse da terra os agricultores brancos e católicos, ficando excluídos os povos

de outras etnias e religiões. Segundo Miralha (2006), o modelo colonial do Brasil se

constituiu por meio de três componentes fundamentais na organização social, quais

sejam: a grande propriedade fundiária, a monocultura de exportação e o trabalho

escravo.

Porém, é necessário ressaltar que a agricultura familiar esteve presente nesse modelo de

produção, mas de maneira subalterna à monocultura, principalmente da cana-de-açúcar,

e essas famílias não escravas, mas ainda sim paupérrimas, produziam produtos básicos à

alimentação da época, comercializando o excedente da produção, abastecendo assim, o

pequeno mercado de outras localidades.

A relação construída entre os grandes proprietários de terra e os pequenos produtores

rurais era de dominação. Esta relação se caracterizava pela troca de favores, o agregado

mantinha a posse pela benevolência do senhor e em troca trabalhava na lavoura do café

gratuitamente ou por um pagamento irrisório, produzia alimentos, pegando em armas

para defender a fazenda nos conflitos de terras, vinganças de crimes cometidos contra a

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honra e nas disputas pelo poder local, motivos de costumeira violência no mundo rural

brasileiro.

Transformações e políticas no espaço agrário brasileiro

No século XIX, o Brasil sofreu fortes pressões internacionais para abolir a escravidão

em seu território, para que assim, os mercados das grandes potências pudessem se

expandir com o aumento da parcela de consumidores, já que os escravos não

consumiam. Como o Estado percebeu que não poderia prolongar a escravatura por um

longo período e como a sua economia dependia do cultivo do café, foi instituída, em

1850, a Lei de Terras, que impedia o acesso livre a terra pela população, e a mesma

somente poderia ser adquirida mediante a compra.

Segundo Martins (1997), com essa determinação surge a questão agrária quanto à

propriedade da terra, que, ao invés de ser atenuada para viabilizar o livre fluxo e

reprodução do capital, é enrijecida para viabilizar a sujeição do trabalhador livre ao

capital proprietário de terra. Ela se torna instrumento da criação artificial de um exército

de reserva, necessário para assegurar a exploração da força de trabalho e a acumulação.

A questão agrária foi surgindo, foi ganhando visibilidade, à medida que escasseavam as

alternativas de reinclusão dos expulsos da terra.

Com essa estratégia, engessou-se uma possível reforma agrária, beneficiando a pequena

parcela pertencente à classe dominante da época em detrimento da maioria da

população.

O Brasil, no início do século XX, começou a se industrializar-se e a burguesia, para

obter sucesso em seus empreendimentos, necessitava aumentar o mercado consumidor.

Mas a maioria da população trabalhava nas grandes fazendas e não tinha renda para

consumir.

Dessa maneira, o país vivia um segundo momento propício para a realização da reforma

agrária, visto que os interesses dos industriais se chocavam com o dos grandes

fazendeiros de café, surgindo no Brasil, então a oportunidade da burguesia industrial

entrar em um conflito com os grandes proprietários de terras e tentar promover uma

reforma agrária para o desenvolvimento do capitalismo no país, pois a democratização

do acesso a terra dinamiza a economia capitalista, pois inclui na economia produtores

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familiares que se tornam consumidores de produtos industriais e produtores de alimentos,

que, se produzidos em grande quantidade tem seu preço no mercado reduzido, rebaixando assim

o salário dos operários (MIRALHA, 2006, op cit).

Mas a oligarquia agrária e a burguesia industrial estabeleceram uma espécie de acordo

político, onde os industriais e comerciantes se tornaram clientes políticos das

oligarquias, às quais delegaram suas responsabilidades de mando e direção e

começaram a reproduzir o mesmo sistema dos grandes produtores agrícolas

(MARTINS, 1997, op cit) .

Com a quebra da bolsa de valores de Nova York, o café sofreu uma drástica queda nos

seus preços, e o eixo econômico do Brasil passa a ser a indústria nacional, com o

governo incentivando o fortalecimento do mercado interno. Essa crise obrigou a

oligarquia agrária a variar seu produto de exportação, cultivando outras culturas como

arroz, algodão, feijão, aumentando sua área agricultável e garantindo assim, uma

importância econômica. A partir da década de 1950, a produção se expande, começando

a industrialização do campo e causando a onda de migrações do Nordeste e Minas

Gerais para São Paulo. Os incentivos do Governo aos grandes produtores agrícolas só

fizeram ressaltar a ligação entre o campo e a indústria, numa relação entre

consumidores, os latifundiários e vendedores, a burguesia.

Com a industrialização do Brasil, a partir dos anos de 1950, o espaço rural começou a

receber inovações tecnológicas provenientes da indústria estimuladas pelo Governo

Federal através de financiamentos subsidiados pelo Banco do Brasil para os Grandes

proprietários. Essa ação do governo teve o objetivo de erradicar os velhos cafezais e

substituí-los por outras culturas com a utilização de tecnologias fabricadas pelas

indústrias, como o trator e máquinas modernas (MIRALHA, 2006, op. cit).

Concomitantemente com a modernização dos latifúndios, a agricultura familiar resistiu

e continuou a ter sua importância. Os incentivos se fossem oferecidos de maneira

ampla, como no caso do agronegócio, possibilitaria o desenvolvimento, dinamizando a

agropecuária brasileira.

A partir dessas contradições que a zona rural vivia, grupos políticos como as Ligas

Camponesas, representantes dos excluídos pela posse da terra, começaram a se

organizar no final da década de 1950 e início de 1960, para contestar a concentração de

terras e sua conseqüente desigualdade social e exigir do governo a realização da reforma

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agrária. Com a presidência de João Goulart, uma ampla reforma agrária foi visualizada.

Era do interesse do governo promover uma equidade na distribuição e posse da terra

para que a modernização brasileira fosse completa.

Com a crescente pressão exercida pelas organizações do campo, a oligarquia rural (com

representantes dentro do próprio governo) e a burguesia industrial, se unificaram em

torno do golpe de estado dando início à ditadura militar, que era contra as idéias

reformistas, interrompendo assim, o ensejo da reforma agrária.

Surgimento dos Complexos Agroindustriais (CAIs)

Com essa nova ligação entre latifúndio e indústria, percebe-se a expansão do capital no

campo, fazendo surgir uma nova classe de trabalhadores assalariados: os bóias-frias ou

volantes, trabalhadores sazonais que geralmente vivem na cidade e vão trabalhar no

campo. A modernização da agricultura, através do aprimoramento das bases técnicas,

vai priorizar, espacialmente, as regiões mais desenvolvidas, como o Sudeste e o Sul, em

detrimento do Norte e Nordeste, configurando o que se passou a chamar de

modernização desigual. Através do surgimento dos complexos agroindustriais (CAIs)

houve uma urbanização do campo, onde o campo se industrializa e se diluem as

fronteiras entre o rural e o urbano (LAVORATTI, 2002 apud GRAZIANO DA SILVA,

2000).

Segundo Balsan (2006), as modificações foram muitas, assim como os progressos

econômicos alcançados pela transformação da base técnica, que aumentou a

produtividade, graças aos insumos modernos. Mas os efeitos nocivos ao social e ao

ambiental não podem ser ignorados.

Seguindo esta autora, a expansão da agricultura “moderna” ocorre concomitante a

constituição do complexo agroindustrial, modernizando a base técnica dos meios de

produção, alterando as formas de produção agrícola e gerando efeitos sobre o meio

ambiente. As transformações no campo ocorrem, porém, heterogeneamente, pois as

políticas de desenvolvimento rural, inspiradas na “modernização da agricultura”, são

eivadas de desigualdades e privilégios.

O processo de modernização da agricultura, inserindo um novo padrão de

desenvolvimento econômico, tem demonstrado a exclusão do homem do campo da

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geração de emprego, diminuição de renda, entre outros, ocasionando desordem no

espaço rural, decorrente da competitividade do capitalismo (BALSAN, 2006, op cit).

Com esse processo agroindustrial houve a intensificação do êxodo rural, o que pode ser

visto na tabela abaixo:

Tabela 01 - Evolução da população rural e urbana no Brasil, 1950-1980 Anos População rural População urbana Número % Número % 1950 33.161.666 63,8 18.782.891 36,2 1960 38.987.526 54,9 32,004.817 45,1 1970 41.037.586 44,1 52.097.260 55,9 1980 38.573.725 32,4 80.437.327 67,6

Fonte: FIBGE, Censos Demográficos (1950, 1960, 1970 e 1980)

Outros fenômenos podem ser observados como a ampliação da concentração de terras,

aumento das desigualdades sociais e regionais (Sudeste versus Nordeste), ocasionou

sérios danos ambientais em alguns lugares, provocou danos à saúde humana pela

utilização de insumos químicos, alterou os hábitos alimentares da população, entre

outros.

Observa-se, então, que o processo de industrialização da agricultura brasileira trouxe

significativos ganhos econômicos em detrimento de perdas sociais e ambientais.

Desenvolvimento Rural na Nova República

Com o fim da ditadura, na metade da década de 1980, a esperança da realização da

reforma agrária se reacende. Grupos tiveram sua gênese nesse período, como o

Movimento dos Trabalhadores rurais Sem Terra (MST), e começaram a pressionar o

governo, agora democrático, para colocar em pauta a reforma agrária. A Nova

República, aliança democrática que tinha como presidente José Sarney, teve dificuldade

de executar o Primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) pelas fortes

pressões exercidas contra essa execução.

Terminou a ditadura e sobrou a questão agrária não resolvida e mal encaminhada. [...] a

ditadura resolvera modernizar a economia dos grandes proprietários de terra

promovendo uma associação entre o grande capital e a grande propriedade territorial,

através de incentivos fiscais. Qual foi o resultado? Foi o fortalecimento dos grandes

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proprietários de terra e a transformação do grande capital, supostamente comprometido

com a modernização do país e por ela orientado, também em proprietário de terra.

Portanto, um aliado a mais na resistência à reforma agrária (MARTINS, 1997, op cit).

A existência de uma legislação que fosse mais includente e que permitisse a

expropriação por interesse social também foi fortemente vetada. O boom da chamada

Revolução Verde – a produtividade a qualquer custo, só fez incentivar os grandes

produtores a adquirirem mais terras e investirem em mais tecnologia, sem pensarem nas

questões ambientais e sociais no campo.

Apesar de alguns retrocessos, algumas conquistas foram alcançadas, como a

implantação do assentamento de Angical, que ocorreu em 1986, no período da Nova

República. A partir da década de 1990, conforme Tabela 02, o número de assentamentos

no Brasil, aumentou significativamente, sendo uma vitória para os grupos que por eles

lutam, mas houveram vários problemas referentes à extensão das terras, ao crédito, à

educação, saúde e lazer.

Tabela 02 - Número de famílias assentadas no Brasil 1995-2002 Ano 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Famílias assentadas

30.716 41.717 66.837 98.740 99.201 69.929 73.754 43.486

Fonte: BRASIL/MDA, 2003.

Através desta análise histórica da questão agrária brasileira, podemos entender as

conjunturas estruturais que permeiam a produção das desigualdades existentes, quanto

econômicas, quanto tecnológicas, no espaço agrário, dando-nos subsídios para avaliar

como o Oeste Baiano se inseriu na rota da produção agrícola, e como trazer essas

reflexões para analisar a realidade encontrada nas saídas de campo.

O agronegócio e a agricultura familiar no Oeste Baiano

A Bahia, mais precisamente o Oeste Baiano, não foge da dinâmica agrária brasileira, onde o latifúndio é mais valorizado pelas políticas públicas que a pequena propriedade. As características físicas da região foram fundamentais para a implantação da agricultura, já que se encontra em planaltos sedimentares, com o predomínio da vegetação Cerrado. Com a presença de jazidas de calcário na região, a correção do solo é feita sem dificuldades, tal como se reporta Passos:

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No cerrado brasileiro, 46% da área é coberta por latossolos. Estes solos apresentam coloração variando do vermelho para o amarelo, são profundos, bem drenados na maior parte do ano, apresentam acidez, toxidez de alumínio e são pobres em nutrientes (cálcio, magnésio, potássio e alguns micronutrientes) para a maioria das plantas cultivadas. Essa extensa área de latossolos está relacionada à presença de relevo bastante plano ou suavemente ondulado, predominando na paisagem as chapadas e encostas de declividade suave, estendendo-se por imensos planaltos ou chapadões. (PASSOS, 2010).

O processo da utilização intensiva das terras do Oeste Baiano teve início nas décadas de 1960/70, sendo subsidiado pelo governo, através de créditos disponíveis e pelas melhorias em infra-estrutura. Nesse período, a chegada do 4º Batalhão de Engenharia e Construção (4º BEC) para a conclusão das rodovias BR 020/242, ligando Barreiras à Brasília e BR 020/135, ligando Barreiras ao Piauí, rotas importantes para o escoamento da produção, configurou-se como um facilitador ao cultivo agrícola. Aportes econômicos, inclusive internacionais, contribuíram para a implantação da agricultura extensiva, e atores sociais diversificados que detinham o know-how tecnológico foram sendo introduzidos no cenário da região, que antes era um grande espaço parcialmente vazio, assim como se manifesta Santos:

A região do Oeste baiano permaneceu até a primeira metade do século XX, como um imenso território de reserva, parcialmente ocupado e com baixo nível de atividade econômica. A partir da década de 70, a região foi marcada por um novo ciclo de desenvolvimento, com intenso e rápido processo de transformação além de vigoroso movimento populacional intra-regional e inter-regional (SANTOS, 2000)

As terras foram sendo adquiridas a preços irrisórios ou foram doadas pelo governo aos

imigrantes que foram sendo atraídos, com uma ênfase aos imigrantes sulistas. Os

antigos moradores dessas áreas, os chamados posseiros, por não terem a documentação

das mesmas, foram sendo expulsos das terras, por vários métodos, desde a grilagem à

violência e assassinato, e começaram a ocupar a periferia das cidades, e as grandes

fazendas os transformaram em trabalhadores com renumeração baixa, com a exploração

intensa do trabalho.

Segundo Passos (2010, op cit), o desenvolvimento desta agricultura foi beneficiado

pelos baixos custos das terras e pelo apoio do governo, num processo de incentivo à

“integração” da economia nordestina à nacional. Assim, foi observada uma ocupação

efetiva de novas regiões, com uma agricultura empresarial altamente capitalizada e

modificações no uso e ocupação do solo.

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Ainda segundo este autor, nas décadas de 1970/80, com o Programa de

Desenvolvimento dos Cerrados (PRODECER) o agronegócio é financiado pelo

Governo Japonês, que através de vários programas ofereceu suporte à infra-estrutura,

energia e transporte aos investidores na região, principalmente os descentes de

japoneses provenientes da Região Oeste do Paraná.

Resultado da pesquisa de campo

Para analisarmos a realidade de um grande produtor, fomos visitar a Fazenda Santa

Rosa, umas das seis unidades de produção do Grupo Mizote, cujos proprietários são

descentes de japoneses, provenientes do Estado do Paraná e para analisarmos a

realidade dos pequenos produtores fomos ao Assentamento Rural de Angical,

precisamente na Associação do Benfica, onde se encontram assentadas mais de 100

famílias e na agrovila está abrigado um grupo indígena proveniente do Estado de

Pernambuco, aguardando a cessão de pedaço de terra para desenvolver a agricultura de

forma coletiva, fato quer nem a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), nem o Instituto

Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), conseguem resolver.

A Fazenda Santa Rosa do Grupo Mizote se localiza no município de São Desidério, no

distrito de Roda Velha. São Desidério é o segundo município em extensão territorial da

Bahia, com 14,8 mil km² e abriga uma população de 25.158 habitantes, com a maior

parte vivendo na zona rural e sob assistência do Programa Bolsa Família, uma

contradição angustiante que se revela no contexto socioeconômico regional, atual.

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Figura 01 – Localização geográfica do Município de São Desidério (BA)

Fonte: SEI, Bahia (site atual) Trajeto de Barreiras a Fazenda Santa Rosa (Grupo Mizote)

Percorrendo o município de São Desidério, para chegar ao Distrito de Roda Velha,

percebemos que a pecuária é a atividade predominante exercida pelos pequenos

produtores em detrimento da agricultura, já que o solo necessita de correção e há poucos

incentivos para o pequeno agricultor nesses casos.

Vimos também, a presença de vários tanques destinados à piscicultura. Ao passarmos

pelo Rio Grande e pelo Rio das Fêmeas, observamos plantações de eucalipto destinadas

à produção de lenha e grandes áreas com plantações de soja e algodão, onde os

produtores utilizam até a beira da estrada para o cultivo, áreas essas pertencentes à

União. As grandes plantações começam a ser vistas a partir do início do planalto, e,

constituem imensos espaços de terra lavrada e a soja plantada.

Quanto às plantações, vários trechos da estrada pareciam similares, tanto em extensão,

quanto ao tipo de cultivo, o que nos chamou a atenção. A vegetação nesse trecho já se

encontra bastante antropoformizada, a presença das voçorocas e da vegetação que

comumente é chamada de capoeira, são significativas. Também presenciamos áreas

sendo preparadas para plantação através da supressão quase total do cerrado.

Chegando à sede da Fazenda Santa Rosa, fomos recebidos pela gerência e demais

funcionários colocados a nossa disposição pelo proprietário. Depois do café da manhã

fomos diretamente às plantações, para na parte da tarde visitar a agroindústria, o

carregamento da produção, máquinas, equipamentos, incluindo alojamentos, escritórios,

almoxarifado, entre outras instalações.

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Na sede da fazenda, há dois blocos de alojamentos para os funcionários, com lavanderia

coletiva e lavanderia exclusiva para a descontaminação dos trajes de aplicação de

defensivos e outros produtos químicos. Segundo o gerente, essa água residual é tratada

de maneira especial, não sendo descartada no solo, pois além desse descarte não

proceder de acordo com a legislação, a água que a fazenda utiliza para suas atividades é

água proveniente do aqüífero e há a preocupação com a contaminação.

Na Fazenda, que antes era um pasto, há um campo de futebol, com rede de vôlei,

estacionamento, lixeira com separação seletiva dos resíduos (que depois é enviado a

uma família de catadores de São Desidério). Possui uma horta que supre a demanda de

quase todas as fazendas do grupo, e a cozinha é industrial, para atender a todos os

funcionários, onde se anotam os nomes em um controle a cada refeição.

O método de cultivo na fazenda é o plantio direto, um método de produção mais

ecologicamente correto, segundo o gerente. O plantio direto consiste numa técnica de

cultivo conservacionista na qual se procura manter o solo sempre coberto por plantas

em desenvolvimento e por resíduos vegetais.

Essa cobertura tem por finalidade protegê-lo do impacto das gotas de chuva, do

escorrimento superficial e da erosão hídrica e eólica. Através da implantação dessa

técnica de cultivo, o Grupo Mizote pretende servir de modelo aos agroindustriais.

O plantio direto, ainda segundo o gerente da fazenda, se dá de maneira mais lenta e a

produtividade só vem a compensar essa técnica de plantio depois de 4 a 5 anos. Todas as

unidades de produção do Grupo utilizam o plantio direto. O plantio convencional é feito

na abertura de novas áreas, juntamente com a devida correção do solo com calcário e

fósforo, já que o Oeste Baiano tem a predominância de Latossolos vermelho-amarelo,

profundos e muito drenados.

E para se evitar ainda mais a erosão do solo causada pelas chuvas, o que prejudicaria a

fertilidade do mesmo, em toda área de plantação do Grupo existem as curvas de nível,

que elevam um pouco mais, faixas de terreno, para direcionar o escoamento das águas

para dentro da plantação.

Com relação ao mercado, cerca de 70% da produção de algodão é exportada para a

Ásia, para países como a China, Índia e Paquistão; no caso da soja metade é para

atender o mercado externo e a outra metade para suprir o mercado interno; e o milho

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praticamente todo é consumido dentro do próprio país. Grande parte da produção do

algodão é vendida em até cinco anos de antecedência.

Na utilização de sementes, o milho é transgênico e a soja, parte é convencional, parte é

transgênica. Para o algodão, as sementes são convencionais. Segundo os técnicos, ao se

utilizar sementes transgênicas do milho, diminui-se a aplicação de herbicidas na

plantação.

Os problemas enfrentados pela fazenda, segundo os funcionários, é o fornecimento de

energia e a falta de mão-de-obra. Quanto à energia, cada fazenda possui em média 8

geradores, já que a rede fornecedora é deficiente, deixando de atender as necessidades

produtivas quando há chuva (um problema enfrentado também por outros fazendeiros).

Em relação à mão-de-obra, há a reclamação da falta de interesse por parte dos

trabalhadores de permanecerem no campo. Algo que bastante recorrente é o fato do

funcionário contratado trabalhar por um período e recolher o FGTS. Depois sobrevive

com o seguro desemprego, para no ano seguinte voltar a trabalhar para a empresa. Por

isso, há uma política no Grupo Mizote de não-recontratação.

Os funcionários são contratados em Barreiras, mas são selecionadas pessoas de várias

partes do Brasil (visto que quase todos os funcionários que nos atenderam eram de

origem sulista). Esses trabalhadores ficam em alojamentos dentro da fazenda (num total

de 96, a maioria fixos), não há atendimento médico e os exames ocupacionais são

repetidos a cada ano. Os trabalhadores exercem sua função por turno, inclusive à noite,

8 horas por dia, podendo realizar 2 horas extras por semana.

De acordo com a gerência, são oferecidas palestras de conscientização sobre riscos

físicos, químicos e biológicos, treinamento para manipulação de produtos e há uma

comissão interna de prevenção de acidentes. Segundo o técnico de segurança, nunca

houve caso de contaminação de trabalhadores na fazenda.

O Grupo Mizote possui um total de 404 funcionários, 2 aeronaves para aplicação de

defensivos, uma área total de 85.000 hectares, com uma reserva legal de 21.250

hectares. Possui 45 ha destinados à pesquisa e experimentos de pequena escala, que se

dão resultado, começa-se a cultivar em grandes escalas.

A área cultivada na safra 2010/2011 foi de 17.600 ha; para 2011/2012, uma área de

22.300 ha. A meta para 2012/2013 é de 28.300 ha. O grupo tem a finalidade de dobrar o

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faturamento em 5 anos, através da agricultura de precisão, e abrindo novas áreas, como

uma nova fazenda Barra Velha, no município de Correntina (BA), onde terá corredores

ecológicos, uma preocupação a mais do Grupo, que não aparece nas fazendas que já

foram abertas, forma geral, no Oeste Baiano.

Histórico do grupo Mizote

A Família Mizote iniciou suas atividades no Oeste da Bahia em 1984, junto com os

pioneiros da colonização da região, vindo do Norte do Paraná, com cultivo de arroz e

soja, inicialmente com 03 colaboradores e cultivo de 140 hectares de soja, no distrito de

Roda Velha, no Município de São Desidério, hoje, sua sede principal. Em 1989, para

diversificação de cultura até então cultivada de arroz e soja iniciou-se o cultivo de

milho. Hoje a capacidade de armazenagem de grãos a granel do Grupo é de 63.000 ton.

Em 1996, devido à baixa rentabilidade dos grãos, iniciou-se o cultivo do algodão. A

partir de 2003, com a melhoria do processo produtivo e consequentemente da qualidade

do produto – o algodão, o Grupo Mizote iniciou a colocação de seu produto diretamente

no mercado externo.

Hoje conta com mais de 300 colaboradores fixos, uma média de 100 colaboradores

safristas e parcerias com diversas empresas prestadoras de serviços da região.

O Grupo Mizote é produtor de commodities agrícolas, focado na produção de algodão,

soja e milho no Oeste da Bahia. Sua sede administrativa é na cidade de Barreiras e suas

unidades de produção estão instaladas no Distrito de Roda Velha, no Município de São

Desidério.

Este apanhado geral sobre o Grupo Mizote, seu desenvolvimento e sua representatividade no

Oeste Baiano, no contexto nacional e mundial, tem a finalidade de estabelecer parâmetros de

comparação entre o grande produtor e os pequenos produtores do assentamento visitado, pois

entendemos que o geógrafo deve ser crítico e que os trabalhos de campo servem para

materializar as teorias vistas em sala de aula. Assim, temos a problemática da Associação do

Benfica, que vem a continuação, para dar ao leitor a oportunidade de fazer sua própria análise e

perceber a situação das disparidades sociais existentes, embora a agricultura tecnificada seja

vista como algo necessário à produção de alimentos para o mundo.

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Associação do Benfica (Assentamento de Angical) A associação do Benfica é uma parte do conhecido assentamento de Angical, implantado em 1986. Realizado pelo Projeto de Assentamento de Reforma Agrária do estado da Bahia, cuja localização do município se apresenta na Figura 02.

Figura 02 – Localização do município de Angical (BA)

Fonte: SEI, Bahia (site atual)

Este assentamento, conforme foi dito anteriormente, realizou-se sob a influência do I

Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) da Nova República.

No município de Angical, que possui 14.073 habitantes, 8.606 são da área rural, esse

assentamento, nasceu de um movimento local de antigos trabalhadores das fazendas,

seus familiares e amigos da região e também muitas famílias de outras localidades do

Estado e de estados vizinhos, que foram atraídas pelo movimento.

Foi por muito tempo considerado o maior assentamento da América Latina, pelo grande

número de famílias que foram assentadas, embora atualmente este número seja bem

menor. Inicialmente assentou-se em torno de 1.280 famílias, sob um processo de

reforma agrária numa área de 56.000 ha.

Hoje, os assentados estão organizados em 13 comunidades, e em todas elas existem

grandes dificuldades para o desenvolvimento agropecuário, devido a vários fatores, mas

os mais importantes são a baixa fertilidade do solo, escassez de água no período de

estiagem e falta de preparo dos novos proprietários para o cultivo da terra, com a

colheita e as dificuldades de colocação do produto no mercado. Fatores estes somados

ao abandono do governo de forma geral e a falta de atenção das autoridades em todas as

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esferas, o que faz com que esses pequenos proprietários optem pela pecuária bovina,

sobremaneira.

No caminho de Barreiras para o Benfica, observamos a existência de casas de farinha

comunitárias, para o uso comum dos assentados, mas muitas não funcionam mais. O

que se pode opinar que as iniciativas para o desenvolvimento social em comunidade, já

se encontra decadente.

A vegetação encontrada é transicional, com características de Cerrado, Caatinga e Mata

Atlântica, com presença da jurema, o que podemos supor que o espaço já foi modificado

pelo homem. Esses domínios vegetacionais estão situados em latossolos amarelo e

vermelho, bem drenados, com alto teor de salinidade.

No assentamento, há várias caixas d’água e poços artesianos porque no assentamento

não há água encanada. Na ocasião da visita, passamos pela barragem de Oiriçanga, que

foi feita na época da fazenda Sertaneja. Na ocasião do trabalho de campo, esta lagoa

estava coberta por plantas aquáticas promovendo a eutrofização, com vários peixes

mortos na água quase parada (fato percebido posteriormente, em outra visita).

No processo de eutrofização, que é o aumento da matéria orgânica no ambiente aquático

pode ter várias causas, como o despejo de esgoto e presença de defensivos agrícolas. A

eutrofização causa a proliferação de microorganismos, que formam uma camada

impedindo a entrada da luz solar, diminuindo a quantidade de oxigênio dissolvido na

água. Para a existência de peixes, é necessário um teor de, no mínino 4 mm/L de

oxigênio dissolvido, o que significa que naquele momento esse teor era menor que o

necessário. O preocupante é que a barragem fornece água à cidade de Angical, e não se

percebe esforços para enfrentar tal situação.

Parte dos assentados do Benfica, como nas outras associações, vivem em uma agrovila,

onde todos os moradores são agrupados numa mesma área, vivendo em comunidade e

cada um produz no seu pedaço de terra, fora da agrovila. Nessa forma de agrupamento,

surgem necessidades urbanas, como a energia elétrica, água encanada e os bares, que se

configuram como área de lazer.

A produção que predomina é a pecuária, já que o solo é pobre e os assentados não

possuem crédito, nem assistência técnica suficientes para plantar e vender o seu

excedente de produção nas feiras das cidades, entre outros fatores antes citados.

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Faz-se necessário ressaltar a dificuldade do escoamento da produção. O assentamento se

encontra longe da cidade e os acessos são precários, não havendo vontade política para

que o pequeno produtor possa ter uma maior viabilidade econômica com a produção.

No Benfica tem uma situação bastante peculiar: a existência de uma tribo indígena, os

Atikums. A tribo é originária de Pernambuco e migrou para a Bahia nas últimas décadas

do século XX, estando fixados em assentamentos nos município de Angical e Santa Rita

de Cássia, e em seguida também em Curaçá e Rodelas, à margem do submédio São

Francisco. A tribo vive basicamente da pesca e de algumas cabeças de gado.

No assentamento, a infra-estrutura se encontra deficiente. Isso vale tanto para as

estradas que ligam o assentamento à cidade, quanto para a área da educação e da saúde.

Existem duas escolas no assentamento: uma exclusivamente para as crianças da tribo

Atikum, e a outra para os alunos de educação tradicional, na Escola São João. Ambas

funcionam de maneira precária. As aulas são multisseriadas e não há livro didático. No

momento que visitamos a escola São João, a professora regular estava de licença e a

professora substituta era a merendeira da escola.

Não há posto de saúde no assentamento, mas há duas agentes comunitárias de saúde

(uma trabalha por Angical e a outra por Cotegipe - município vizinho), que tem o dever

de fazer o cadastro das famílias e encaminhar os enfermos para o médico, na cidade.

Segundo os assentados, esse serviço não funciona adequadamente.

Ao conversarmos com os assentados percebemos uma característica comum entre eles:

seus filhos não querem continuar na terra, vários, inclusive, migraram para os grandes

centros, como Brasília e Goiânia, demonstrando-nos uma realidade difícil de lidar.

Sabemos que em alguns lugares do país, há estudos que afirmam que os jovens querem

permanecer no campo, mas essa não foi a realidade encontrada por nós nessa visita.

Percebemos em campo, que as dificuldades que os assentados enfrentam são muitas,

muitos vivendo através do programa Bolsa Família e da aposentadoria dos mais velhos,

sendo esquecidos por políticas públicas que realmente garantam a possibilidade de

produção agropecuária e conseqüentemente a dignidade dessa população.

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Considerações finais

Podemos analisar, através da gênese da questão agrária brasileira e das saídas de campo

para a o Benfica, assentamento de Angical, e para a Fazenda Santa Rosa, do Grupo

Mizote, em São Desidério, que as desigualdades continuam se reproduzindo no campo

brasileiro e o Oeste da Bahia está incluído nesta dinâmica.

A inserção do capital no campo trouxe uma série de mudanças e ressaltou as

contradições que já existiam. Estamos em uma das regiões que mais se comete o crime

da grilagem, demonstrando que a violência ao direito de posse é algo corriqueiro no

modo de produção que mais defende a propriedade da terra.

O capitalismo, através da agroindústria trouxe uma nova problemática para a região,

que se apresenta à sociedade brasileira, no contexto nacional, principalmente nas

regiões onde se desenvolve o sistema de plantation, desde o êxodo rural intenso,

provocando o inchaço demográfico das cidades e o aumento da pobreza, à impactos

ambientais graves, como a má utilização de recursos hídricos, uso intensivo do solo,

abuso na utilização de defensivos agrícolas com prejuízos à saúde.

Podemos analisar que a falta de incentivos técnicos, de crédito, de infra-estrutura que

prejudica o pequeno produtor, encarece o produto final e não existe possibilidade de

competir com o latifundiário.

A soberania alimentar também aparece como uma das problemáticas. O Brasil é

alimentado pela agricultura familiar e é justamente esse segmento, que carece de

investimentos por parte do governo.

O fato de o governo oferecer pouca atenção à questão agrária em relação ao produtor

familiar, também dificulta a implantação de novos assentamentos de reforma agrária.

Mas para que os assentamentos sejam viáveis, é necessário que os terrenos escolhidos

sejam férteis, que possuam, ou que seja disponibilizada infra-estrutura para a produção e

colocação da mesma no mercado. É preciso investir também no acesso à educação, à

saúde e ao lazer.

Concluímos que a reforma agrária se faz necessária para o crescimento do país, para que

se alcance a equidade socioeconômica da população no campo, abarcando uma maneira

mais racional da utilização dos recursos naturais, inclusive.

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A reforma agrária não é somente oferecer um pedaço de terra a quem não a tem. A

reforma agrária é antes de tudo, uma reforma política.

Referências

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