Dispensa coletiva

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DISPENSA COLETIVA Alberto Emiliano de Oliveira Neto 1 Introdução O espírito de solidariedade perdeu espaço no mundo trabalho. Por conta da fragmentação decorrente do processo de terceirização, manifestação típica do toyotismo, em um único estabelecimento empresarial é possível apurar trabalhadores vinculados a diversos empregadores, muitos deles integrantes de categorias diversas. Tal quadro resulta em prejuízo à unidade dos trabalhadores e consequentemente remete a um individualismo próprio da sociedade de consumo. O trabalhador não reconhece a possibilidade de atuação coletiva. Não vislumbra o sindicato – direito de associação - como instrumento capaz de melhorar suas condições de trabalho. Esse trabalhador “Você S.A.” é incompatível com a atividade 1 Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP. Procurador do Trabalho.

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DISPENSA COLETIVA

Alberto Emiliano de Oliveira Neto1

Introdução

O espírito de solidariedade perdeu espaço no mundo trabalho.

Por conta da fragmentação decorrente do processo de terceirização,

manifestação típica do toyotismo, em um único estabelecimento empresarial é

possível apurar trabalhadores vinculados a diversos empregadores, muitos

deles integrantes de categorias diversas. Tal quadro resulta em prejuízo à

unidade dos trabalhadores e consequentemente remete a um individualismo

próprio da sociedade de consumo. O trabalhador não reconhece a

possibilidade de atuação coletiva. Não vislumbra o sindicato – direito de

associação - como instrumento capaz de melhorar suas condições de trabalho.

Esse trabalhador “Você S.A.” é incompatível com a atividade sindical.

Uma das consequências da perda do princípio da solidariedade

é a fragilidade do vínculo contratual trabalhista. Ao adotar uma postura

autônoma em relação ao empregador, o trabalhador se coloca em condição de

extrema debilidade. A dispensa pelo empregador é um risco constante a

atazanar o ânimo do trabalhador.

BAYLOS denuncia a dispensa como violência do poder privado

empresarial. Noticia, para tanto, o modelo jurídico espanhol que define

1 Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP. Procurador do Trabalho.

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mecanismo de controle jurisdicional das dispensas individuais e de controle da

administração pública laboral para as dispensas coletivas econômicas

(2009:35/45).

O sistema jurídico de países como Espanha, Itália e Peru

(Espanha. Tribunal Constitucional STC n. 22.1981. Itália. Corte Constitucional.

Sentença n. 45 de 1964. Peru. Artigo 22 da Constituição Peruana) trazem

previsão da exigência de justa causa ou de motivos empresariais objetivos

como condição de validade para a despedida (WANDELLI, 2012:311/312). A

esse respeito, a Convenção n. 158 da OIT estabelece como garantia a

motivação do ato de dispensa pelo empregador.

O sistema jurídico brasileiro, por sua vez, estabelece que a

relação de emprego é protegida contra despedida arbitrária ou sem justa

causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização

compensatória, dentre outros direitos. Na falta da lei complementar, estipulou-

se como garantia provisória o aumento da multa a ser paga pelo empregador

em caso de rescisão imotivada do contrato de trabalho - 40% sobre os

depósitos realizados na conta do FGTS do trabalhador (CF, artigo 7º, I; ADCT,

artigo 10, I).

Igualmente, o legislador constitucional expressamente

estabeleceu hipóteses de estabilidade provisória em benefício do dirigente

sindical e da trabalhadora gestante:

ADCT, artigo 10(...)II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:a) do empregado eleito para cargo de direção de comissões internas de prevenção de acidentes, desde o registro de sua candidatura até um ano após o final de seu mandato;b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

Ao contrário da dispensa individual, a dispensa coletiva ou em

massa, desprovida de regulamentação, resulta em repercussões econômicas e

sociais que extrapolam os limites da relação empregatícia.

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Crises financeiras globais, como a ocorrida no ano de 2008

decorrente da desregulamentação do mercado financeiro e da busca

incessante de altíssimos ganhos financeiros a partir de práticas especulativas,

impõem grandes danos à parte mais débil da relação trabalhista, o trabalhador.

Muitos trabalhadores, do dia para noite, perdem seus empregados e apuram a

ausência de perspectiva de recolocação no mercado de trabalho em curto

espaço de tempo.

Ao interpretar o sistema constitucional vigente, a Seção de

Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho firmou entendimento no

sentido de que a dispensa coletiva não constitui mero direito potestativo do

empregador, ao contrário da dispensa individual, uma vez que sua ocorrência e

a definição de seus termos devem ser submetidos a prévia negociação com o

correspondente sindicato de trabalhadores (TST - RO - 6-61.2011.5.05.0000 -

Data de publicação: 22/02/2013).

Caso EMBRAER

Em 19/02/2009, suscitando queda na demanda mundial por

jatos comerciais e executivos, a EMBRAER - Empresa Brasileira de

Aeronáutica anunciou a demissão de 4.200 trabalhadores, o equivalente a 20%

de seu quadro de 21.362 contratados2. Posteriormente, o Tribunal Superior do

Trabalho, em decisão histórica, reconheceu a necessidade de prévia

negociação coletiva, não obstante estabelecer tal requisito tão somente para

casos futuros. Trata-se de Dissídio Coletivo de natureza jurídica, atuada sob o

número 0030900-12.2009.5.15.0000, ajuizada pelo Sindicato dos Metalúrgicos

de São José dos Campos e Região em face da EMBRAER e outros.

A entidade sindical requereu a suspensão cautelar das

rescisões contratuais, bem como a declaração de nulidade das dispensas

2 http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,embraer-demite-4200-funcionarios,327121,0.htm, acessado em 18/02/1024.

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coletivas efetivadas por conta da ausência de negociação coletiva. Diante do

impacto sócio-econômico do ato do empregador, sustentou também a

inaplicabilidade, no caso de demissões coletivas, dos mesmos critérios da

dispensa individual e sem justa causa (EDRODC - 30900-12.2009.5.15.0000).

No âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 15º Região,

sob a relatoria do Desembargador José Antônio Pancotti, tendo por

fundamento uma visão pós-positivista que permite a utilização dos princípios

como fonte material diante da lacuna da lei, decidiu-se pelo conhecimento do

dissídio coletivo, pela declaração de abusividade da dispensa coletiva, não

obstante inexistir garantia de emprego ou estabilidade que justificasse a

reintegração. Para tanto, foi concedido a cada empregado uma compensação

financeira (EDRODC - 30900-12.2009.5.15.0000).

O Tribunal Superior do Trabalho, em sede liminar, concedeu

efeito suspensivo ao recurso. Posteriormente, na análise pelo órgão colegiado,

o Dissídio Coletivo foi conhecido, atribuindo-lhe a natureza mista (declaratória e

condenatória)3. Do voto do relator do recurso ordinário, Ministro Maurício

Godinho Delgado, extrai-se que, na vigência da Constituição de 1988, das

convenções internacionais da OIT ratificadas pelo Brasil relativas a direitos

humanos e, por consequência, direitos trabalhistas, e em face da leitura

atualizada da legislação infraconstitucional do país, é inevitável concluir-se pela

presença de um Estado Democrático de Direito no Brasil, de um regime de

império da norma jurídica (e não do poder incontrastável privado), de uma

sociedade civilizada, de uma cultura de bem-estar social e respeito à dignidade

dos seres humanos, tudo repelindo, imperativamente, dispensas massivas de

pessoas, abalando empresa, cidade e toda uma importante região (EDRODC -

30900-12.2009.5.15.0000).

Em prosseguimento, o Ministro Relator sustentou que a

3 Não obstante a finalidade específica do dissídio coletivo jurídico, qual seja interpretar e declarar o alcance das cláusulas de sentenças normativas, de instrumentos de negociação coletiva, acordos e convenções coletivas, de disposições legais atinentes à categoria profissional ou econômica e de atos normativo, o TST entendeu tratar-se de hipótese excepcionalíssima, não se enquadrando inteiramente na figura clássica do dissídio coletivo de natureza jurídica.

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dispensa coletiva consiste em ato/fato coletivo, inerente ao Direito Coletivo do

Trabalho, e não ao Direito Individual. Tem como requisito a negociação

coletiva, imprescindível, pois, para a dispensa em massa de trabalhadores.

Ainda, na hipótese dos autos, segundo o entendimento do Ministro Relator,

restou incontroverso que as dispensas foram efetivadas sem nenhuma

negociação prévia com o sindicato obreiro, bem como sem o necessário

estabelecimento de critérios objetivos e sociais para escolha dos trabalhadores

diretamente prejudicados, pelo que a conduta empresarial afrontou a ordem

jurídica pátria (EDRODC - 30900-12.2009.5.15.0000).

Entretanto, a maioria da Seção, vencidos o Ministro Relator e a

Ministra Kátia Arruda, entendeu pertinente apenas fixar a referida premissa,

com efeitos para casos novos, não se aplicando ao caso em análise. Decidiu-

se ainda, por maioria, dar provimento ao recurso ordinário EMBRAER,

afastando a declaração de abusividade das dispensas, não vendo também

afronta à boa-fé objetiva. Para a maioria, ainda, até então a jurisprudência era

pacífica em não restringir as dispensas coletivas; logo, não houve, para esta

interpretação, nem abusividade, nem falta de boa-fé objetiva (EDRODC -

30900-12.2009.5.15.0000).

RECURSO ORDINÁRIO EM DISSÍDIO COLETIVO. DISPENSAS TRABALHISTAS COLETIVAS. MATÉRIA DE DIREITO COLETIVO. IMPERATIVA INTERVENIÊNCIA SINDICAL. RESTRIÇÕES JURÍDICAS ÀS DISPENSAS COLETIVAS. ORDEM CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL DEMOCRÁTICA EXISTENTE DESDE 1988. A sociedade produzida pelo sistema capitalista é, essencialmente, uma sociedade de massas. A lógica de funcionamento do sistema econômico-social induz a concentração e centralização não apenas de riquezas, mas também de comunidades, dinâmicas socioeconômicas e de problemas destas resultantes. A massificação das dinâmicas e dos problemas das pessoas e grupos sociais nas comunidades humanas, hoje, impacta de modo frontal a estrutura e o funcionamento operacional do próprio Direito. Parte significativa dos danos mais relevantes na presente sociedade e das correspondentes pretensões jurídicas têm natureza massiva. O caráter massivo de tais danos e pretensões obriga o Direito a se adequar, deslocando-se da matriz individualista de enfoque, compreensão e enfrentamento dos problemas a que tradicionalmente perfilou-se. A construção de uma matriz jurídica adequada à massividade dos danos e pretensões característicos de uma sociedade contemporânea - sem prejuízo da preservação da matriz individualista, apta a tratar os danos e pretensões de natureza estritamente atomizada - é, talvez, o desafio mais moderno proposto ao universo jurídico, e é sob esse aspecto que a questão aqui proposta será analisada. As dispensas coletivas realizadas de maneira maciça e avassaladora, somente seriam juridicamente possíveis em um

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campo normativo hiperindividualista, sem qualquer regulamentação social, instigador da existência de mercado hobbesiano na vida econômica, inclusive entre empresas e trabalhadores, tal como, por exemplo, respaldado por Carta Constitucional como a de 1891, já há mais um século superada no país. Na vigência da Constituição de 1988, das convenções internacionais da OIT ratificadas pelo Brasil relativas a direitos humanos e, por conseqüência, direitos trabalhistas, e em face da leitura atualizada da legislação infraconstitucional do país, é inevitável concluir-se pela presença de um Estado Democrático de Direito no Brasil, de um regime de império da norma jurídica (e não do poder incontrastável privado), de uma sociedade civilizada, de uma cultura de bem-estar social e respeito à dignidade dos seres humanos, tudo repelindo, imperativamente, dispensas massivas de pessoas, abalando empresa, cidade e toda uma importante região. Em conseqüência, fica fixada, por interpretação da ordem jurídica, a premissa de que "a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores". DISPENSAS COLETIVAS TRABALHISTAS. EFEITOS JURÍDICOS. A ordem constitucional e infraconstitucional democrática brasileira, desde a Constituição de 1988 e diplomas internacionais ratificados (Convenções OIT n. 11, 87, 98, 135, 141 e 151, ilustrativamente), não permite o manejo meramente unilateral e potestativista das dispensas trabalhistas coletivas, por de tratar de ato/fato coletivo, inerente ao Direito Coletivo do Trabalho, e não Direito Individual, exigindo, por conseqüência, a participação do(s) respectivo(s) sindicato(s) profissional(is) obreiro(s). Regras e princípios constitucionais que determinam o respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), a valorização do trabalho e especialmente do emprego (arts. 1º, IV, 6º e 170, VIII, CF), a subordinação da propriedade à sua função socioambiental (arts. 5º, XXIII e 170, III, CF) e a intervenção sindical nas questões coletivas trabalhistas (art. 8º, III e VI, CF), tudo impõe que se reconheça distinção normativa entre as dispensas meramente tópicas e individuais e as dispensas massivas, coletivas, as quais são social, econômica, familiar e comunitariamente impactantes. Nesta linha, seria inválida a dispensa coletiva enquanto não negociada com o sindicato de trabalhadores, espontaneamente ou no plano do processo judicial coletivo. A d. Maioria, contudo, decidiu apenas fixar a premissa, para casos futuros, de que "a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores", observados os fundamentos supra. Recurso ordinário a que se dá provimento parcial (Processo: EDRODC - 30900-12.2009.5.15.0000, Data de Julgamento: 10/08/2009, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 04/09/2009).

Em 22/03/2013, o Supremo Tribunal Federal, por maioria,

vencido o Ministro Luiz Fux, reconheceu a existência de repercussão geral na

matéria constitucional tratada no Recurso Extraordinário com Agravo ARE

647651, no qual se questiona entendimento do Tribunal Superior do Trabalho

no caso EMBRAER (EDRODC - 30900-12.2009.5.15.0000). A reconhecer a

existência da repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal poderá dar

entendimento uniforme a matéria e delimitar os contornos da dispensa

arbitrária (CF, artigo 7º, I), cuja regulação pelo Congresso Nacional resta

pendente.

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OIT

A Organização Internacional do Trabalho - OIT, ao tratar da

dispensa arbitrária, acaba por abranger a dispensa coletiva em alguns de seus

instrumentos. Destacam-se a Convenção n. 158, a Recomendação n. 119 e a

Recomendação n. 166.

A Recomendação n. 119 da OIT, aprovada na 47ª reunião da

Conferência Internacional do Trabalho, datada de 26 de junho de 1963, ao

tratar do término da relação de emprego, estabelece em seu artigo 2º o

requisito causa justificada relacionada à capacidade ou conduta do

trabalhado, ou ainda baseada nas necessidades do funcionamento da

empresa.

Ao contrário do sistema jurídico brasileiro, a OIT rejeita a

dispensa imotivada, ao passo que estabelece a justa causa como requisito a

ser observado pelo empregador.

Com relação ao processo de dispensa, a Recomendação n.

119, artigos 12 a 17, estabelece obrigações a serem observadas pelo

empregador, dentre as quais merecem destaque: 1) Consulta prévia ao

representante dos trabalhadores; 2) A adoção de medidas alternativas, tais

como diminuição das horas extras, formação e readaptação dos trabalhadores,

transferência entre serviços e escalonamento das dispensas; 3) notificação da

autoridade pública; 4) a adoção de critérios, tais como a capacidade,

experiência, aptidões e qualificações profissionais de cada trabalhador,

antiguidade, idade e situação familiar; 5) prioridade de contratação dos

demitidos no caso de novas contratações.

Semelhantemente à Recomendação n. 119, o artigo 4º da

Convenção n. 158 da OIT condiciona o término da relação de trabalho a uma

causa justificada relacionada à capacidade ou conduta do trabalhador, ou ainda

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baseada nas necessidades de funcionamento da empresa.

A Convenção n. 158, que trata da terminação da relação de

trabalho por iniciativa do empregador, foi aprovada na 68ª reunião da

Conferência Internacional do Trabalho, ocorrida em 22 junho de 1982. Seu

texto foi promulgado pelo Governo Brasileiro através do Decreto n. 1.855/96.

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da

norma, suscitando ofensa ao disposto no artigo 7º, I, da Constituição Federal

que prevê a rescisão imotivada do contrato de trabalho pelo empregador.

Igualmente, o Governo Brasileiro acabou por denunciar a convenção através

do Decreto Declaratório n. 2.100/96.

A respeito da opção do Governo Brasileiro por não manter a

ratificação da Convenção n. 158 da OIT, destaca PANCOTTI que todos os

Países membros, mesmo quando não tenham ratificado as convenções,

mantêm o compromisso derivado do simples fato de pertencer à Organização

de respeitar, promover e tornar realidade de boa fé e de conformidade com a

Constituição, os princípios relativos aos direitos fundamentais que são objeto

dessas convenções (2009:63).

Sobre o direito à reintegração de empregados atingidos por

dispensa coletiva, o Ministro do TST Carlos Alberto Reis de Paula acredita

inexistir previsão no ordenamento jurídico brasileiro, destacando que o artigo

7º, inciso I, da Constituição Federal, reclamaria lei complementar para regular a

matéria, como expressamente previsto, o que fica patenteado com a análise

dos Anais da Constituinte de 1988 (2011:217).

Semelhantemente à Recomendação n. 119, a Convenção n.

158 da OIT estabelece a consulta prévia aos representantes dos trabalhadores

nas hipóteses de dispensa fundada em motivos econômicos, tecnológicos,

estruturais ou análogos. O procedimento de consulta objetiva proporcionar aos

representantes dos trabalhadores as informações pertinentes, dentre as quais

os motivos das rescisões, o número e categorias dos trabalhadores que

poderão ser afetados e o prazo para que ocorram. Poderão os representantes

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sugerir medidas destinadas a evitar ou liminar as rescisões, bem como para

atenuar seus efeitos (Convenção n. 158, artigo 13).

O artigo 13 da Convenção n. 158 da OIT expressamente

possibilita a adoção desse procedimento de consulta às hipóteses de dispensa

coletiva:

Artícolo 132. La aplicación del párrafo 1 del presente artículo se podrá limitar, mediante los métodos de aplicación mencionados en el artículo 1 del presente Convenio, a los casos en que el número de trabajadores cuya relación de trabajo se prevea dar por terminada sea por lo menos igual a una cifra o a un porcentaje determinados del personal.

Também há previsão de comunicação prévia à autoridade

administrativa das rescisões por motivos econômicos, tecnológicas, estruturais

ou análogos, inclusive nas hipóteses de dispensa de trabalhadores classificada

a partir de um número ou porcentagem determinada – dispensa coletiva

(Convenção n. 158, artigo 14).

Por fim, a Recomendação n. 166 sobre a terminação da

relação de trabalho por iniciativa do empregador, também aprovada na 68ª

reunião da Conferência Internacional do Trabalho, estabelece mecanismo de

tutela para as dispensas individuais ou coletivas decorrentes de motivos

econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos:

III. Disposiciones Complementarias sobre la Terminación de la Relación de Trabajo por Motivos Económicos, Tecnológicos, Estructurales o Análogos

19.(1) Todas las partes interesadas deberían tratar de evitar o limitar en todo lo posible la terminación de la relación de trabajo por motivos económicos, tecnológicos, estructurales o análogos, sin perjuicio para el funcionamiento eficaz de la empresa, establecimiento o servicio, y esforzarse por atenuar las consecuencias adversas de toda terminación de la relación de trabajo por estos motivos para el trabajador o los trabajadores interesados.(2) Cuando proceda, la autoridad competente debería ayudar a las partes a buscar soluciones a los problemas que planteen las terminaciones previstas.

Deverá o empregador comunicar previamente aos

representantes dos trabalhadores a respeito das possíveis repercussões, bem

como sobre medidas para prevenir ou atenuar os efeitos decorrentes de

mudanças na empresa capazes de resultar em demissões (Recomendação n.

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166, artigo 20).

Entre as medidas a serem consideradas para fins de limitar ao

máximo as rescisões contratuais fundadas em motivos econômicos,

tecnológicos, estruturais ou análogos poderão figurar a restrição a novas

contratações, o recuso à diminuição natural do número de contratados sem

recorrer a demissões em determinado período, transferências, requalificação

dos trabalhadores, incentivo às aposentadorias, diminuição do trabalho

extraordinário e redução da jornada de trabalho (Recomendação n. 166, artigo

21).

Os trabalhadores atingidos, durante determinado período,

deverão gozar de prioridade de recontratação caso o empregador pretenda

contratar trabalhadores com qualificações semelhantes. Caberá ainda à

autoridade competente, ao empregador e aos representantes dos

trabalhadores, na medida do possível, garantir a recolocação e requalificação

dos trabalhadores atingidos (Recomendação n. 166, artigos 24/26).

União Europeia

A Diretiva n. 98/59/CE do Conselho da União Europeia, de 20

de Julho de 1998, cujo texto foi precedido pelas Diretivas 75/129/CEE e

92/56/CEE, trata da aproximação das legislações dos Estados-membros no

que diz respeito à despedia coletiva e estabelece critérios específicos.

Além da tutela dos interesses dos trabalhadores, havia uma

preocupação no sentido de que a diversidade de leis sobre a matéria e a

ausência de um procedimento comum poderia afetar gravemente o mercado

comum europeu e, principalmente, a concorrência entre grupos empresariais,

ocasionando desequilíbrio nas relações entre os Estados-membros. Da mesma

forma, buscou-se, desde a edição da Diretiva 75/129/CEE, disciplinar as

hipóteses de empresas com filiais em mais de um Estado-membro

(MANNRICH, 1998:200/2002).

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Define a Diretiva n. 98/59/CE a dispensa como a extinção do

contrato de trabalho, por iniciativa do empregador e sem justa causa, em um

período de 30 dias, em prejuízo a no mínimo 10 trabalhadores, nos

estabelecimentos que empreguem habitualmente mais de 20 e menos de 100

trabalhadores; no mínimo 10 % do número dos trabalhadores, nos

estabelecimentos que empreguem habitualmente no mínimo 100 e menos de

300 trabalhadores; ou no mínimo 30 trabalhadores, nos estabelecimentos que

empreguem habitualmente no mínimo 300 (Diretiva n. 98/59/CE, artigo 1º).

Período de 30 dias - Iniciativa do empregador e sem justa causa

Trabalhadores demitidos Trabalhadores contratados

Mínimo de 10 trabalhadores 20 a 100

10% do número de trabalhadores 100 a 300

Mínimo de 30 trabalhadores < 300

Apresentam-se, pois, como requisitos: 1) iniciativa do

empregador; 2) ausência de falta grave praticada pelo trabalhador4; 3) período

de tempo; 4) número de trabalhadores atingidos.

Alternativamente, estabelece como dispensa coletiva a

demissão injusta de no mínimo 20 trabalhadores, independentemente do

número de contratados, em um período de 90 dias (Diretiva n. 98/59/CE, artigo

1º).

A Diretiva n. 98/59/CE expressamente condicional a dispensa

coletiva a prévia consulta ao representante dos trabalhadores para a busca

4 O motivo deve ser objetivo, decorrente de causas econômicas ou estruturais (MANNRICH, 1998:204).

Page 12: Dispensa coletiva

de alternativas menos prejudiciais aos interesses dos representados:

Artigo 2º1. Sempre que tenciona efetuar despedimentos coletivos, a entidade patronal é obrigada a consultar em tempo útil os representantes dos trabalhadores, com o objetivo de chegar a um acordo.2. As consultas incidirão, pelo menos, sobre as possibilidades de evitar ou de reduzir os despedimentos coletivos, bem como sobre os meios de atenuar as suas consequências recorrendo a medidas sociais de acompanhamento destinadas, nomeadamente, a auxiliar a reintegração ou reconversão dos trabalhadores despedidos.

Para que os representantes dos trabalhadores possam

formular propostas construtivas, o empregador deve facultar-lhes todas as

informações necessárias, bem como comunicar-lhes os motivos da dispensa,

o número e as categorias dos trabalhadores que serão despedidos, o número e

as categorias dos trabalhadores habitualmente empregados, o prazo para a

realização das dispensas, os critérios que serão utilizados e o valor das

indenizações (Diretiva n. 98/59/CE, artigo 3º).

Estabelece ainda a Diretiva n. 98/59/CE obrigação ao

empregador de notificar por escrito a autoridade pública competente, podendo

essa procurar soluções alternativas à dispensa dos trabalhadores:

Artigo 3º1. O empregador deve notificar por escrito a autoridade pública competente de qualquer projeto de despedimento coletivo.(...) Artigo 4º1. Os despedimentos coletivos, de cujo projeto tenha sido notificada a autoridade pública competente, não podem produzir efeitos antes de decorridos 30 dias após a notificação prevista no nº 1 do artigo 3º e devem respeitar as disposições reguladoras dos direitos individuais em matéria de aviso prévio de despedimento.Os Estados-membros podem conceder à autoridade pública competente a faculdade de reduzir o prazo referido no primeiro parágrafo deste número.2. A autoridade pública competente aproveitará o prazo referido no nº 1 para procurar soluções para os problemas criados pelos despedimentos coletivos previstos

Espanha

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A Diretiva n. 92/56 da Comunidade Europeia estabeleceu o

prazo máximo de dois anos para a implantação de medidas relacionados ao

procedimento de dispensa coletiva (MANNRICH, 1998:117). Através da Lei

11/1994, o artigo 51 do “Estatuto de los Trabajadores” teve sua redação

alterada para fins de regulação do referido procedimento.

Define o Estatuto dos Trabalhadores a dispensa coletiva como

a extinção de contratados de trabalho, em um período de 90 dias, fundada em

causas econômicas, técnicas, organizativas ou de produção, em prejuízo a 10

trabalhadores, nas empresas com menos de 100 contratados; 10% dos

trabalhadores nas empresas 100 a 300 contratados; 30 trabalhadores nas

empresas com mais de 300 contratados (Estatuto, artigo 51, § 1º).

Período de 90 dias

Causas econômicas, técnicas organizativas ou de produção

Trabalhadores demitidos Trabalhadores contratados

10 trabalhadores > 100

10% do número de trabalhadores 100 a 300

Mínimo de 30 trabalhadores < 300

O Estatuto dos Trabalhadores define causas econômicas

como aquela relacionada perdas, bem como diminuição de rendas, em um

período de 3 semestres consecutivas, ou perda de vendas, em comparação

entre o último trimestre e o trimestre respectivo do ano anterior. (Estatuto,

artigo 51, § 1º).

Já as causas técnicas seriam as mudanças dos meios ou

instrumentos de produção; as causas organizativas seriam as mudanças no

âmbito do sistema e métodos de trabalho ou ainda o método de organizar a

produção; e as causas produtivas as mudanças na demanda dos produtos e

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serviços que a empresa pretenda colar no mercado (Estatuto, artigo 51, § 1º).

Definiu-se também hipótese de dispensa coletiva decorrente da

extinção dos contratos de trabalho que afetam a totalidade de uma planta da

empresa, sempre que o número de trabalhadores afetados seja superior a 5,

quando presentes causas econômicas, técnicas, organizativas ou produtivas

(Estatuto, artigo 51, § 1º).

A dispensa coletiva deverá ser precedida de prévia consulta ao

representante dos trabalhadores em um período de 30, ou de 15 dias para as

empresas com menos de 50 trabalhadores contratados. Tal consulta deverá

versar sobre a possibilidade de evitar ou reduzir a dispensa coletiva, bem como

atenuar suas consequências mediante o recurso a medidas sociais de

acompanhamento, tais como recolocação, formação ou reciclagem profissional

para a melhora da empregabilidade. O procedimento de consulta será

executado por comissão negociadora composta por representantes do

empregador e dos trabalhadores (Estatuto, artigo 51, § 2º).

O procedimento de consulta deverá ser iniciado mediante

documento encaminhado pelo empregador aos representantes dos

trabalhadores, com cópia à autoridade do trabalho vinculada ao Ministério do

Emprego e Seguridade Social, cujo conteúdo deverá especificar: a) as causas

da dispensa coletiva; b) o número e a classificação profissional dos

trabalhadores atingidos; c) o número e a classificação profissional dos

trabalhadores que integraram os quadros da empresa no último ano; d) prazo

para a realização da dispensa; e) os critérios para a escolha dos trabalhadores

que serão dispensados; f) cópia da comunicação dirigida aos trabalhadores

versando sobre o início do procedimento de dispensa coletiva; g) relação dos

trabalhadores que integrarão a comissão negociadora (Estatuto, artigo 51, §

2º).

MANNRICH, a partir da lição de RODRÍGUEZ PIÑERO,

destaca que a participação dos representantes dos trabalhadores ocupa

posição central, cabendo à autoridade do trabalho o exercício de papel

Page 15: Dispensa coletiva

secundário no processo. Aos representantes dos trabalhadores outorga-se um

verdadeiro direito à informação, ao passo que poderão questionar a

existência da causa alegada e seu alcance, se se justificam as medidas de

dispensa, quantas serão, quando se verificarão e ainda quem será afetado pela

medida, as compensações econômicas devidas, a reinserção dos

trabalhadores no mercado de trabalho, dentre outros questionamentos

(1998:133)

Durante a negociação coletiva, empregador e representantes

dos trabalhadores poderão optar pela mediação e pela arbitragem. Ainda, o

resultado das negociações deverá ser comunicado à autoridade do trabalho

vinculada ao Ministério do Emprego e Seguridade Social (Estatuto, artigo 51, §

2º).

O procedimento de dispensa poderá ser impugnado mediante

ação coletiva proposta pelos representantes dos trabalhadores, merecendo

destaque a suspensão do trâmite de ações individuais propostas pelos

trabalhadores atingidos. Igualmente, a autoridade do trabalho poderá impugnar

acordos coletivos versando sobre dispensa em massa quando presente fraude,

dolo, coação ou abuso de direito, bem como nas hipóteses de obtenção

indevida de benefícios aos trabalhadores atingidos, quando inexistente a causa

justificadora da dispensa (Estatuto, artigo 51, § 6º).

As empresas com mais de 50 trabalhadores contratados

deverão ainda oferecer aos trabalhadores atingidos pela dispensa coletiva, sem

qualquer custo, um plano de recolocação por um período mínimo de 6 meses,

cujo conteúdo deverá contar com medidas de formação e orientação

profissional, atenção personalizada ao trabalhador e busca efetiva de um novo

posto no mercado de trabalho (Estatuto, artigo 51, § 10).

Alemanha

A proteção dos postos de trabalho e a tutela da relação de

Page 16: Dispensa coletiva

emprego é matéria de grande importância aos alemães. Seu ordenamento

jurídico admite como fundamento da rescisão do contrato de trabalho a

dispensa socialmente justificada (1), considerada como aquela ligada à pessoa

do empregado, ao seu comportamento ou às necessidades da empresa – ou

aquela motivada por conduta culposa do trabalhador (2) (MANNRICH,

1998:21).

A Lei Kündigungsschutzgesetz (KSchG), de 25 de agosto de

19695, regula a rescisão do contrato de trabalho no sistema jurídico alemão.

Trata da dispensa individual e da dispensa coletiva. Em relação a essa última,

o objetivo da norma é restringi-la às hipóteses de comprovada necessidade

econômica. Seu texto, igualmente, busca estabelecer procedimento capaz de

permitir a reflexão e o debate entre as partes envolvidas, possibilitando a

intervenção da autoridade estatal para fins de aplicar, quando possível,

medidas menos traumáticas que a extinção do contrato de trabalho em prejuízo

a vários trabalhadores (MANNRICH, 1998:27/28).

O § 17 da KSchG estabelece a obrigação de comunicação

prévia à autoridade administrativa e ao conselho de empresa (órgão de

representação dos trabalhadores) da dispensa coletiva, em um período de 30

dias corridos, em prejuízo a 5 trabalhadores em estabelecimentos com mais de

20 e menos de 60 trabalhadores; de mais 25 trabalhadores ou 10% dos

contratados nos estabelecimentos de pelo menos 60 e menos de 500

contratados; de 30 trabalhadores em estabelecimentos com mais de 500

contratados.

5 O texto da lei sofreu alterações com passar dos anos, dentre as quais destacam-se as realizadas para fins de adequação da redação ao disposto nas Diretivas 75/129/CEE e 92/58/CEE (MANNRICH, 1998:27).

Page 17: Dispensa coletiva

Período de 30 dias

Trabalhadores demitidos Trabalhadores contratados

5 trabalhadores 20 a 60

25 trabalhadores ou 10% do número

de contratados

60 a 500

30 trabalhadores < 500

O conselho de empresa, Betriebsrat, será comunicado pelo

empregador a respeito dos motivos da dispensa; número e as funções dos

demitidos; o prazo de realização das demissões; os critérios propostos para a

seleção dos demitidos; e o critério para calcular as indenizações respectivas.

Ao conselho de empresa caberá apresentar propostas

destinadas a reduzir ou mitigar as consequências da demissão coletiva. A

discussão poderá resultar em acordo que beneficie aos trabalhadores. Na

impossibilidade de acordo, o conselho de empresa emitirá parecer, cujo

conteúdo explicitará as propostas apresentadas e o resultado da negociação.

Este parecer atuará como requisito para o posterior procedimento a ser iniciado

perante a autoridade administrativa (MANNRICH, 1998:33).

Além do conselho da empresa, deverá o empregador noticiar à

autoridade administrativa sua intenção em iniciar procedimento de demissão

coletiva. Trata-se de notificação que deverá ser instruída com cópia da

informação feita ao conselho de empresa, bem como do respetiva parecer,

Stellungnahme, emitido pela representação dos trabalhadores (KSchG, § 17).

A autoridade estatal não poderá impedir o processo de dispensa coletiva. Não

obstante, durante o procedimento administrativo poderá apresentar soluções

alternativas em benefício dos trabalhadores, tais como a recolocação dos

dispensados, disponibilidade de financiamento para a empresa e autorização

para a redução da jornada de trabalho (MANNRICH, 1998:34/37).

Page 18: Dispensa coletiva

França

O modelo francês de tutela da dispensa coletiva caracteriza-se

pelo apego à concepção de despedida por motivo econômico (licenciement

économiques), restando afastada a modalidade dispensa por motivo pessoal

que se aplica tão somente às rescisões individuais (MANNRICH, 1998:66).

O Código de Trabalho Francês estabelece que a dispensa por

motivo econômico como aquela modalidade que, não decorrente de motivos

inerentes à pessoa do trabalhador, resulte da supressão ou transformação do

posto de trabalho, bem como de modificação substancial do contrato de

trabalho decorrente de dificuldades econômicas ou transformações

tecnológicas (Code du travail, Article L1233-3).

A supressão ou a transformação do emprego deve ter como

causa ordem conjuntural correspondente a eventos exteriores à empresa e que

apresentem um caráter suficientemente excepcional e imprevisível ao

empregador. Se a causa for enquadrada como dificuldade financeira, deverão

ser apurados os resultados apresentados pela empresa, dentre os quais a

queda do montante de negócios e a diminuição das atividades empresariais. Já

as mudanças tecnológicas têm como fundamento a modificação de origem

interna da empresa, tais como inovações tecnológicas ou modificações

técnicas. Posteriormente, a jurisprudência integrou ao conceito de mudanças

tecnológicas a reorganização empresarial como fator gerador da dispensa por

motivo econômico, desde que efetuada para salvaguardar a competitividade do

setor de atividade (MANNRICH, 1998:71/72).

Importante destacar que o controle jurisdicional do ato da

dispensa deverá apurar os motivos apresentados pelo empregador quando da

rescisão contratual. Muito distante, por tanto, do sistema jurídico brasileiro, cuja

dispensa imotivada ainda prevalece. A esse respeito, destaca MANNRICH:

Page 19: Dispensa coletiva

Uma vez escolhido o motivo, o empregador estará a ele vinculado. Assim, se optou por alegar uma causa econômica, não poderá invocar as regras de despedida por motivo pessoal; se invocou um motivo pessoal, não poderá demandar com sucesso perante os juízes, alegando o caráter econômico da despedida (1998:69).

Ressalvado o disposto em acordo coletivo, a dispensa coletiva,

precedida de consulta ao conselho de trabalhadores ou, na falta desse, do

representante de pessoal, deverá observar os seguintes critérios: a) a condição

familiar do trabalhador (presença de dependentes); b) o tempo de serviço; c)

trabalhadores com deficiência e idosos, tendo em vista a dificuldade de

reabilitação profissional; d) qualidades profissionais apreciadas por categoria

(Code du travail, Article L1233-5).

Na hipótese de demissão de 10 trabalhadores, em um período

de 30 dias, deverá o empregador consultar o conselho da empresa, nas

empresas com pelo menos 50 contratados, ou o representante dos

trabalhadores nas empresas como menos de 50 contratados (Code du travail,

Article L1233-8).

Período de 30 dias

Trabalhadores demitidos Trabalhadores contratados

10 trabalhadores ≤ 50 – consulta ao conselho de

empresa

10 trabalhadores >50 – consulta ao representante dos

trabalhadores

O empregador deverá comunicar ao representante dos

trabalhadores os motivos econômicos, financeiros ou técnicos da dispensa, o

número de trabalhadores atingidos, as categorias profissionais e os critérios

propostos para a ordem de demissão, o número de trabalhadores do

estabelecimento, o prazo estimado as dispensa, bem como as medidas

Page 20: Dispensa coletiva

econômicas previstas (Code du travail, Article L1233-10).

Portugal

O Código do Trabalho Português classifica a dispensa coletiva

como a cessação de contratos de trabalho promovida pelo empregador e

operada simultânea ou sucessivamente no período de três meses, abrangendo,

pelo menos, 2 ou 5 trabalhadores, conforme se trate, respectivamente, de

microempresa ou de pequena empresa, por um lado, ou de média ou grande

empresa, por outro, sempre que aquela ocorrência se fundamente em

encerramento de uma ou várias seções ou estrutura equivalente ou redução do

número de trabalhadores determinada por motivos de mercado, estruturais ou

tecnológicos (Código de Trabalho, artigo 359).

Período de 3 meses

Trabalhadores demitidos Tipo de estabelecimento

2 trabalhadores Microempresa ou pequena empresa

5 trabalhadores Média ou grande empresa

Nessas hipóteses, deverá o empregador comunicar por escrito

à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão intersindical ou às

comissões sindicais da empresa representativas dos trabalhadores. Da

comunicação devem constar os motivos da dispensa coletiva; a relação de

trabalhadores atingidos, os critérios para seleção dos atingidos; os prazos de

dispensa; e a indenização prevista (Código de Trabalho, artigo 360).

A negociação coletiva poderá resultar na redução do número

de trabalhadores atingidos; na possibilidade de suspensão dos contratos de

trabalho; redução da jornada de trabalho; reconversão ou reclassificação

Page 21: Dispensa coletiva

profissional; e reforma antecipada ou pré-reforma (Código de Trabalho, artigo

361).

Definiu-se, ainda, a participação do Ministério responsável pela

área laboral na negociação coletiva, com vista a promover a regularidade da

sua instrução substantiva e procedimental e a conciliação dos interesses das

partes. Por fim, merece destaque a obrigação do empregador, findado o

processo de negociação coletiva, de indicar, dentre outras questões, os

motivos da rescisão do contrato de trabalho, na linha do preconizado pela

Convenção n. 158 da OIT (Código de Trabalho, artigo 362 e 363).

Itália (Lei nº. 223/91)

Não obstante a tutela destinada à dispensa coletiva pela

Organização Internacional do Trabalho e pela Comunidade Europeia, a Itália

resistiu em regular a questão de forma uniforme, contando apenas com a

previsão em alguns instrumentos coletivos ou em decisões judiciais pontuais,

além da existência de instrumentos como a caixa de integração salarial e as

listas de mobilidade. Esta mora, inclusive, resultou em condenações proferidas

pela Corte de Justiça da Comunidade Europeia nos processos 91/81 e 131/84.

Com o advento da Lei n. 223/91, regulou-se duas modalidades de dispensa

coletiva: a dispensa por colocação em mobilidade (a) e a dispensa para a

redução de pessoal (b) (MANNRICH, 1998:48/49).

A colocação em mobilidade, regulada pelo artigo 4º da Lei n.

223/91, consiste em forma de dispensa em massa destinada tão somente às

empresas que adotaram programa de reestruturação específico que, no seu

término, apresentem excesso de trabalhadores com contratos de trabalho

suspensos e que não serão reintegrados. Para esses trabalhadores, restará a

inclusão em listas de mobilidade, cujos integrantes terão preferência na

recolocação profissional e receberão um benefício econômico (TATARELLI,

MAURIZIO. Il licentziamento individuale e collettivo. Milão, Cedam, 1997, p.

301, apud MANNRICH, 1998:52/53).

Page 22: Dispensa coletiva

Estabelece a Lei n. 223/91, artigo 4º: “Art. 4. Procedura per la

dichiarazione di mobilita. 1. L'impresa che sia stata ammessa al trattamento

straordinario di integrazione salariale, qualora nel corso di attuazione del

programma di cui all'articolo 1 ritenga di non essere in grado di garantire il

reimpiego a tutti i lavoratori sospesi e di non poter ricorrere a misure

alternative, ha facolta' di avviare ((la procedura di licenziamento collettivo))

ai sensi del presente articolo.”

Na dispensa por redução de pessoal, segundo o estabelecido

pelo artigo 24 da Lei n. 233/91, o procedimento da dispensa em massa será

aplicado às empresas com mais de 15 trabalhadores contratados e que, em

consequência de uma redução ou transformação da atividade ou trabalho,

pretendam demitir ao menos 5 trabalhadores no período de 120 dias em cada

uma das unidades de produção.

Seguindo as diretrizes da Comunidade Europeia, a Itália definiu

um procedimento com a participação dos interessados e acompanhamento

estatal para a formalização da dispensa em massa.

Argentina

Na Argentina foi estabelecido procedimento de negociação

prévia, entre o empregador e o sindicato dos trabalhadores, com a

intermediação do Ministério do Trabalho e Seguridade Social para os casos de

despedida ou suspensão de contratados de trabalho por razões de força maior,

causas econômicas ou tecnológicas que afetem a mais de 15% dos

trabalhadores nas empresas com menos de 400 contratados; mais de 10% nas

empresas com 400 a 1.000 contratados; e mais de 5% nas empresas que

tenham em seus quadros mais de 1000 trabalhadores contratados (Lei n.

24.013/91, artigos 98 e 99).

Page 23: Dispensa coletiva

Intermediação do Ministério do Trabalho e Seguridade SocialNegociação com o sindicato profissional

Trabalhadores demitidos Trabalhadores contratados

<15% > 400

< 10% 400 a 1000

<5 % < 1000

É interessante observar que o sistema argentino conta com

uma figura jurídica semelhante ao dissídio coletivo presente no sistema jurídico

brasileiro. No modelo em análise, o Ministério do Trabalho e Seguridade Social

poderá, inclusive, deixar de homologar o acordo entabulado entre as partes

interessadas mediante decisão fundamentada:

Ley n. 24.013/91ARTICULO 101. — En caso de no existir acuerdo en la audiencia prevista en el artículo anterior, se abrirá un período de negociación entre el empleador y la asociación sindical, el que tendrá una duración máxima de 10 días.(…)ARTICULO 103. — Si las partes, dentro de los plazos previstos en este capítulo, arribaren a un acuerdo, lo elevarán al Ministerio de Trabajo y Seguridad Social, quien dentro del plazo de 10 días podrá:a) Homologar el acuerdo con la misma eficacia que un convenio colectivo de trabajo;b) Rechazar el acuerdo mediante resolución fundada.Vencido el plazo sin pronunciamiento administrativo, el acuerdo se tendrá por homologado.

Limites à dispensa coletiva

Define ORLANDO GOMES a dispensa coletiva como a

rescisão simultânea, por motivo único, de uma pluralidade de contratos de

trabalho numa empresa, sem substituição dos empregados dispensados6.

Destacam-se, pois, como requisitos definidos pelo autor a causa uniforme, o

6 GOMES, Orlando. Dispensa coletiva na reestruturação da empresa. Revista LTR, São Paulo, v. 38, n. 7, p. 575-579, jul. 1974 apud PANCOTTI, 2009:51.

Page 24: Dispensa coletiva

número de trabalhadores atingidos e a não substituição por novos contratados7.

Com base no direito comparado, o Ministro do TST Carlos

Alberto Reis de Paula conceitua dispensa coletiva como o desligamento

simultâneo de número significativo de empregados, movida a empresa por

motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos (2011:210).

ROCHA (2010) alerta para a dispensa coletiva apurada através

de: “(...) dispensas realizadas não simultaneamente, mas com habitualidade,

ligadas sempre ao mesmo motivo. Por detrás dessas dispensas individuais

habituais e vinculadas, estaria caracterizada uma dispensa coletiva.”

As normas constitucionais referentes à tutela do trabalhador

compõem microssistema constitucional de proteção que reflete a própria

essência e finalidade do Direito do Trabalho, qual seja, a preservação e tutela

do hipossuficiente. Integram esse microssistema as normas constitucionais que

preveem a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e a

garantia do desenvolvimento nacional (DE PAULA, 2011: 213).

A Constituição Federal de 1988 estabelece como fundamentos

da República Federativa do Princípio, dentre outros, os princípios da dignidade

da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Também define como objetivos a busca por uma sociedade livre, justa e

solidária, além da erradicação da pobreza e da marginalização e redução das

desigualdades sociais e regionais (CF, art. 1º, III e IV, e art. 3º, I e III).

Igualmente, a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e

da livre iniciativa, tem por fim a existência digna, conforme os ditames da

justiça social, observados os princípios da função social da propriedade, da

redução das desigualdades sociais, da busca do pleno emprego, dentre outros

(CF, art. 170, caput, III, VII e VIII).

PANCOTTI alerta para o papel subsidiário atribuído aos

7 Cabe ressaltar que a substituição de trabalhadores antigos por novos trabalhadores pode ser classificado como ato discriminatório.

Page 25: Dispensa coletiva

princípios pelo artigo 8º da CLT, 4º da LICC e pelo artigo 126 do CPC. Em

sentido contrário, atribui-lhes a condição de protagonista a partir da ideia da

normatização dos princípios que protegem os valores magnos da sociedade

pós-moderna. Os princípios, portanto, devem ser encarados hierarquicamente

como norma jurídica, garantindo-lhes, pelo menos, o mesmo grau de

importância das regras legais nesta nova hermenêutica jurídica. As regras

postas estão assentadas nos princípios. Caso uma determinada regra seja

suprimida do ordenamento jurídico, porém, remanescerá vivo o princípio que

embasou a sua criação. Nessa perspectiva pós-positivista, não subsistem os

postulados da hermenêutica tradicional que reduziam a eficácia das normas

constitucionais a meramente programáticas (PANCOTTI, 2009:60/61).

A propósito, a dignidade, enquanto qualidade intrínseca da

pessoa humana, é algo que simplesmente existe, sendo irrenunciável e

inalienável, na medida que que constitui elemento que qualifica o ser humano

como tal e dele não pode ser destacado (SARLET, 1998:104).

O princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento dos

direitos fundamentais e do ordenamento jurídico como um todo, vincula tanto a

atividade estatal quanto a atividade do particulares. Certamente, o trabalhador

não pode ser equiparado aos elementos que integram o processo de produção

(matéria prima, estabelecimento, maquinário). A dignidade do trabalhador

requer o respeito pelo empregador e atuação do Estado a fim de que não

possa ser vítima de condutas que atentem contra os direitos fundamentais de

que goza a titularidade simplesmente por ser considerado pessoa humana.

A força de trabalho, objeto do contrato de trabalho, não pode

ser desvinculada do trabalhador, sujeito de direito. A dignidade deve ser

considerada, pois dela não se despe o indivíduo quando se coloca na condição

de trabalhador (GOSDAL, 2007:151).

Além da vida, liberdade e igualdade, também há outros direitos

fundamentais reconduzidos ao princípio da dignidade da pessoa humana,

podendo-se destacar os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa

Page 26: Dispensa coletiva

(SARLET, 1998: 114). Quer dizer, juntamente com o princípio da dignidade da

pessoa humana, o valor social do trabalho também atua como fundamento do

ordenamento constitucional. Os ideais trabalho e dignidade humana são

indissociáveis. A vida de trabalho sem dignidade é a redução do ser humano à

condição animal ou análoga à de escravo. Destaca-se, ainda, a função social

da propriedade (CF, art. 5º, XXIII), que incorpora necessariamente a ideia da

função social da empresa (PANCOTTI, 2009:42/46).

Além da dignidade da pessoa humana e do valor social do

trabalho, o legislador constitucional também estabelece como objetivo

fundamental a livre iniciativa, princípio esse sustentado por Julio Bernando

Carmo como fundamento para a dispensa de iniciativa do empregador, pois é

ele que assume os riscos da atividade econômica. Sustenta o Desembargador

do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, em contrapartida, a adoção de

critérios para que os trabalhadores mais jovens sejam atingidos primeiramente

em relação aos mais antigos, pois, não obstante mais qualificados, terão maior

dificuldade em conseguir um novo posto de trabalho8.

Da mesma forma, visando manter equilíbrio nas relações entre

o capital e o trabalho, o legislador constitucional reconheceu as convenções e

os acordos coletivos de trabalho (art. 7º, XXVI) e conferiu ao sindicato a defesa

dos direitos e interesses individuais e coletivos da categoria profissional (art. 8º,

III). Para tanto, o Brasil é signatário das Convenções n. 98, 135 e 154 da OIT,

que tratam da proteção em face de atos antissindicais, da figura do

representante dos trabalhadores e do incentivo à negociação coletiva9.

8 CARMO, Júlio Bernado. O ESTADO PODE OBSTAR A DISPENSA COLETIVA?http://www.trt3.jus.br/download/artigos/pdf/96_estado_dispensa_coletiva.pdf, acessado em 18/02/14.9 Resta pendente a ratificação da Convenção n. 87 da OIT que trata da liberdade sindical. Sua não ratificação decorre, dentre outros aspectos, da manutenção no modelo sindical brasileiro das figuras da unicidade sindical e da contribuição compulsória.

Page 27: Dispensa coletiva

A Constituição Federal veda a negociação direta entre

trabalhadores e empregador (CF, artigo 8º). Busca-se, portanto, estabelecer

mecanismo de proteção ao trabalhador, ao passo que se elege a entidade

sindical como figura indispensável ao processo de negociação coletiva.

Sendo imprescindível a participação do sindicato dos

trabalhadores em toda e qualquer discussão a versar sobre aspectos tendentes

a afetar diretamente a coletividade dos trabalhadores, o direito à negociação

coletiva não se afigura compatível com a dispensa em massa a critério

unilateral do empregador (ERBERT, 2009).

A negociação coletiva poderá ser prévia ou a posteriori,

inclusive perante o Poder Judiciário, mais precisamente a Justiça do Trabalho a

que está afeta a competência, quer por força do inciso III, quer do inciso II,

ambos do art. 114 da Constituição Federal, o último em condições muito

específicas (DE PAULA, 2011:216).

A recusa à negociação coletiva, igualmente, merece a

classificação de ato antissindical e, portanto, contrário à Convenção 98 da OIT

que estabelece:

Art. 4 — Deverão ser tomadas, se necessário for, medidas apropriadas às condições nacionais, para fomentar e promover o pleno desenvolvimento e utilização dos meios de negociação voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de trabalhadores com o objetivo de regular, por meio de convenções, os termos e condições de emprego.

A efetividade dos direitos sociais passa pelo incremento da

negociação coletiva. A atuação dos sindicatos, portanto, é crucial em todos os

processos que digam respeito a interesse de uma coletividade de

trabalhadores. Além da tutela individual do trabalhador, através da

homologação de rescisões contratuais e da assistência em reclamatórias,

compete às associações sindicais profissionais efetiva atuação em prol da

Page 28: Dispensa coletiva

defesa dos interesses dos trabalhadores contratados quanto vitimados por

processo de dispensa em massa.

A dispensa em massa sem prévia negociação coletiva, da

mesma forma, consiste em ato abusivo do empregador por afronta aos

princípios da função social do contrato e boa-fé objetiva norteadores do direito

privado, acolhidos pelo Código Civil de 2002, a partir dos valores contemplados

nos princípios constitucionais destacados, dentre os quais a dignidade da

pessoa humana, valores sociais do trabalho, a livre iniciativa e a cidadania

(PANCOTTI, 2009:64/65).

Em outras palavras, as empresas têm um compromisso social.

Portanto, a dispensa coletiva, para ser considerada lícita, deve ser socialmente

justificada, sendo causada por uma real e justa necessidade empresarial

(aquela capaz de colocar em xeque sua própria existência) e precedida de

negociação coletiva ou de um dissídio coletivo econômico, sob pena de ser

considerada ato arbitrário, o que causaria sua nulidade. A dispensa coletiva

praticada sem a participação prévia do sindicato, além da boa-fé objetiva (arts.

5º da LICC e 422 da CC), viola os princípios da confiança e da informação,

além de caracterizar abuso do direito (art. 187 do CC) decorrente do

desvirtuamento dos fins social e econômico pelo empregador (ROCHA, 2010).

Através da negociação coletiva será possível à entidade

sindical, a partir das informações e dos motivos apresentados pelo

empregador, sugerir medidas alternativas à dispensa, tais como a suspensão

dos contratados de trabalho, a supressão do trabalho extraordinário, a

instituição do banco de horas ou ainda a redução temporária da remuneração.

Caso inevitável a demissão de trabalhadores, poderá também a entidade

sindical, juntamente com empregador, definir critérios para a escolha dos

trabalhadores, tais como a qualificação, tempo de contrato e situação familiar

dos atingidos.

Enfim, sob o enfoque da autonomia da vontade (liberdade de

contratar), não se deve ignorar o direito fundamental social da proteção da

Page 29: Dispensa coletiva

relação de emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa (CF,

artigo 7º), bem como o paradigma da ilicitude contratual por abuso de direito,

nos moldes dos artigos 187 e 422 do Código Civil. Igualmente, a ordem jurídica

vigente não admite que o empregador exerça o direito potestativo de resilição

unilateral do contrato de trabalho, dispensando coletivamente seus

empregados, visto que o Texto Constitucional vigente, a partir dos pilares

magnos da dignidade humana e da construção do Estado de Bem-Estar Social,

autoriza a afirmação de que a dispensa coletiva deve ser evitada. A dispensa

coletiva representa, portanto, grave agressão aos princípios constitucionais

valorizadores do trabalho, da justiça social, do bem-estar e da segurança, entre

outros. Como alternativa jurídica e social para o enfrentamento da crise

econômica global, salienta-se a previsão constitucional de redução salarial via

negociação coletiva em busca da manutenção dos postos de trabalho, como

também, a alternativa da suspensão coletiva dos contratos de trabalho,

também através da negociação coletiva10.

Invoca-se a eficácia horizontal (vinculação entre as partes

contratantes) do direito fundamental vedação à dispensa arbitrária (CF, artigo

7º, I) para fins de limitação da dispensa coletiva, ainda que pendente a

regulamentação pelo Congresso Nacional.

Não obstante pendente a análise da repercussão geral

atribuída ao Dissídio Coletivo 0030900-12.2009.5.15.0000 (Caso Embraer), o

entendimento no âmbito do TST a respeito do requisito prévia negociação

coletiva está consolidado como demonstram as seguintes decisões:

A exigência de prévia negociação coletiva para a dispensa em massa de trabalhadores constitui requisito de eficácia do ato empresarial, tendo em vista as repercussões econômicas e sociais que extrapolam os limites da relação empregatícia, atingindo a coletividade dos empregados, bem como a comunidade em que ela se insere (TST - RO - 6-61.2011.5.05.0000 - Data de publicação: 22/02/2013).

10 PAGLIARINI, Alexandre Coutinho e STEPHAN, Cláudia Coutinho. INTERPRETAÇÕES CONSTITUCIONALISTAS E INTERNACIONALISTAS PARA A PROTEÇÃO DO TRABALHO EM FACE DAS DISPENSAS COLETIVAS EM ÉPOCAS DE CRISE ECONÔMICA GLOBALhttp://www.secal.edu.br/revista/pdf/056%20a%20072%20interpretacoes.pdf, acessado em 18/02/2014.

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RECURSO ORDINÁRIO EM DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE. DISPENSA TRABALHISTA COLETIVA. IMPERATIVA INTERVENIÊNCIA SINDICAL. ORDEM CONSTITUCIONAL. PROIBIÇÃO DE DESCONTO DOS DIAS PARADOS. INCIDÊNCIA DAS REGRAS ORIUNDAS DAS CONVENÇÕES DA OIT Nº 11, 98, 135, 141 E 151; E DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988 - ARTS. 1º, III, 5º, XXIII, 7º, I, 8º, III E VI, 170, III E VIII. A dispensa coletiva é questão grupal, massiva, comunitária, inerente aos poderes da negociação coletiva trabalhista, a qual exige, pela Constituição Federal, em seu art. 8º, III e VI, a necessária participação do Sindicato. Trata-se de princípio e regra constitucionais trabalhistas, e, portanto, critério normativo integrante do Direito do Trabalho (art. 8º, III e VI, CF). Por ser matéria afeta ao direito coletivo trabalhista, a atuação obreira na questão está fundamentalmente restrita às entidades sindicais, que devem representar os trabalhadores, defendendo os seus interesses perante a empresa, de modo que a situação se resolva de maneira menos gravosa para os trabalhadores, que são, claramente, a parte menos privilegiada da relação trabalhista. As dispensas coletivas de trabalhadores, substantiva e proporcionalmente distintas das dispensas individuais, não podem ser exercitadas de modo unilateral e potestativo pelo empregador, sendo matéria de Direito Coletivo do Trabalho, devendo ser submetidas à prévia negociação coletiva trabalhista ou, sendo inviável, ao processo judicial de dissídio coletivo, que irá lhe regular os termos e efeitos pertinentes. É que a negociação coletiva ou a sentença normativa fixarão as condutas para o enfrentamento da crise econômica empresarial, atenuando o impacto da dispensa coletiva, com a adoção de certas medidas ao conjunto dos trabalhadores ou a uma parcela deles, seja pela adoção da suspensão do contrato de trabalho para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador (art. 476-a da CLT), seja pela criação de Programas de Demissão Voluntária (PDVs), seja pela observação de outras fórmulas atenuantes instituídas pelas partes coletivas negociadas. Além disso, para os casos em que a dispensa seja inevitável, critérios de preferência social devem ser eleitos pela negociação coletiva, tais como a despedida dos mais jovens em benefício dos mais velhos, dos que não tenham encargos familiares em benefício dos que tenham, e assim sucessivamente. Evidentemente que os trabalhadores protegidos por garantias de emprego, tais como licença previdenciária, ou com debilidades físicas reconhecidas, portadores de necessidades especiais, gestantes, dirigentes sindicais e diretores eleitos de CIPAs, além de outros casos, se houver, deverão ser excluídos do rol dos passíveis de desligamento. Inclusive esta Seção de Dissídios Coletivos, no julgamento do recurso ordinário interposto no dissídio coletivo ajuizado pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região e outros em face da Empresa Brasileira de Aeronáutica - EMBRAER S/A e outra (processo n. TST-RODC-30900-12.2009.5.15.0000), em que também se discutiu os efeitos jurídicos da dispensa coletiva, fixou a premissa, para casos futuros de que a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores. No caso concreto - em que a empresa comunicou aos trabalhadores que promoveria a dispensa de 200 empregados, equivalente a 20% da mão de obra contratada -, a atuação do Sindicato foi decisiva para que fosse minimizado o impacto da dispensa coletiva. A interferência da entidade sindical propiciou aos desligados um implemento das condições normais da dispensa, com o estabelecimento de diversos direitos de inquestionável efeito atenuante ao

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abalo provocado pela perda do emprego, entre eles, a instituição de um PDV. Nesse contexto, a greve foi realizada pelos empregados dentro dos limites da lei, inexistindo razão para que a classe trabalhadora seja prejudicada em razão do exercício de uma prerrogativa constitucional. Reafirme-se: o direito constitucional de greve foi exercido para tentar regulamentar a dispensa massiva, fato coletivo que exige a participação do Sindicato. Destaque-se a circunstância de que, conforme foi esclarecido na decisão dos embargos de declaração, a Suscitante já iniciara o processo de despedida de alguns empregados, prática cuja continuidade foi obstada pela pronta intervenção do Sindicato. Considera-se, por isso, que a situação especial que ensejou a greve autoriza o enquadramento da paralisação laboral como mera interrupção do contrato de trabalho, sendo devido o pagamento dos dias não laborados, nos termos da decisão regional. Recurso ordinário desprovido. (Processo: RO - 173-02.2011.5.15.0000 Data de Julgamento: 13/08/2012, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 31/08/2012).

DISPENSA COLETIVA. NEGOCIAÇÃO COLETIVA. A despedida individual é regida pelo Direito Individual do Trabalho, que possibilita à empresa não motivar nem justificar o ato, bastando homologar a rescisão e pagar as verbas rescisórias. Todavia, quando se trata de despedida coletiva, que atinge um grande número de trabalhadores, devem ser observados os princípios e regras do Direito Coletivo do Trabalho, que seguem determinados procedimentos, tais como a negociação coletiva. Não há proibição de despedida coletiva, principalmente em casos em que não há mais condições de trabalho na empresa. No entanto, devem ser observados os princípios previstos na Constituição Federal, da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da função social da empresa, previstos nos artigos 1º, III e IV, e 170, caput e III, da CF; da democracia na relação trabalho capital e da negociação coletiva para solução dos conflitos coletivos, (arts. 7º, XXVI, 8º, III e VI, e 10 e 11 da CF), bem como as Convenções Internacionais da OIT, ratificadas pelo Brasil, nas Recomendações nos 98, 135 e 154, e, finalmente, o princípio do direito à informação previsto na Recomendação nº 163, da OIT, e no artigo 5º, XIV, da CF. No caso dos autos, a empresa, além de dispensar os empregados de forma arbitrária, não pagou as verbas rescisórias, deixando de observar os princípios básicos que devem nortear as relações de trabalho. A negociação coletiva entre as partes é essencial nestes casos, a fim de que a dispensa coletiva traga menos impacto social, atendendo às necessidades dos trabalhadores, considerados hipossuficientes. Precedente. Todavia, não há fundamento para deferimento de licença remunerada pelo prazo de sessenta dias, principalmente porque a empresa encontra-se em processo de recuperação judicial. Recurso ordinário a que se dá provimento parcial (Processo: RODC - 2004700-91.2009.5.02.0000 Data de Julgamento: 14/11/2011, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 16/12/2011).

Conclusão

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Em conclusão, sustenta-se a presença de requisito essencial

para a dispensa em massa de trabalhadores. Trata-se da negociação coletiva a

ser realizada entre o empregador e o sindicato profissional .

A prévia negociação coletiva tem como fundamento princípios

constitucionais, dentre os quais destacam-se a dignidade da pessoal humana,

os valores sociais do trabalho e a função social da propreidade. A falta da

previsão normativa regulamentar em absoluto não justifica a conduta do

empregador que pretenda adotar o regramento da dispensa individual para

tratar de questão de tamanha magnitude.

Através da convenção coletiva, proporciona-se ao sindicato a

condição de protagonista na defesa dos interesses dos trabalhadores

representados. Primeiramente, caberá à associação propor medidas

alternativas à dispensa. Caso inevitável, restará ao sindicato, juntamente com o

empregador, definir critérios para a escolha dos trabalhadores, os quais

deverão considerar as condições sociais e familiares do trabalhador, bem como

as suas reais condições de breve retorno ao mercado de trabalho.

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