Displasia coxofemoral em cães -Avaliação radiográfica

download Displasia coxofemoral em cães -Avaliação radiográfica

of 11

Transcript of Displasia coxofemoral em cães -Avaliação radiográfica

Displasia coxofemoral em ces - Avaliao radiogrficaRenato Cesar Sacchetto Trres

ResumoA displasia coxofemoral uma doena articular freqente em ces, principalmente em raas de mdio e grande portes. Caracteriza-se por ser de natureza polignica, quantitativa e multifatorial. Os sinais clnicos variam amplamente, desde claudicao intermitente at dor aguda e paresia voluntria. Os achados radiolgicos no so compatveis com a sintomatologia. O diagnstico definitivo feito somente atravs do exame radiogrfico, obedecendo padres de execuo e interpretao. Para uma boa avaliao so necessrias tomadas radiogrficas corretas e alta qualidade tcnica, sendo esses os principais objetivos desta reviso. Unitermos: Radiologia veterinria, displasia coxofemoral, co.

AbstractHip dysplasia is a very frequent articular condition in dogs, mainly in those of medium and large breeds and is a poligenic quantitative and multifatorial disease. The clinical signs are quite variable and go from intermittent lameness to acute pain and voluntary paresis. There are no correlation between radiological findings and sintomatology, The definitive diagnosis is made through radiographic examination, but one must follow rigid execution and interpretation patterns. High quality and correct radiographs are substantial for proper evaluation. Keywords: Veterinary radiology, hip dysplasia, dog

ndiceIntroduo Aspectos radiolgicos Consideraes finais Referncias bibliogrficas

IntroduoA displasia coxofemoral (DCF) uma malformao de origem gentica, cujo as bases no esto bem definidas. Entretanto, o modelo de herana parece ser polignico e de natureza

quantitativa, no seguindo as leis mendelianas bsicas. Mltiplos fatores podem influenciar ou modificar sua manifestao gentica, dentre eles as dietas com alto teor de energia, protena, clcio e fsforo, os fatores hormonais nos quais esto envolvidos o estrgeno, a relaxina e outros hormnios, a deficincia de vitamina C e demais fatores (Lust et al., 1985; Fox et al., 1987; Brass, 1989). Os sinais clnicos da DCF variam amplamente, podendo-se observar desde um pequeno desconforto articular at dor aguda nos casos de osteoartrite grave. As manifestaes clnicas nem sempre so compatveis com os achados radiolgicos (Wallace, 1987; Brass, 1989). Estudos estatsticos mostram que 70% dos animais radiograficamente afetados no apresentam sintomas e somente 30% necessitam de algum tipo de tratamento (Gerosa, 1995). Os animais doentes podem apresentar claudicao uni ou bilateral, dorso arqueado, peso corporal deslocado em direo aos membros anteriores, com rotao lateral desses membros e andar bamboleante (Wallace, 1987; Brass, 1989; Montgomery, 2000). Nos ltimos anos, as associaes de criadores das diferentes raas caninas tm demonstrado maior preocupao com a DCF e, da mesma forma, os proprietrios esto mais bem informados quanto aos problemas que ela pode causar. Assim, os veterinrios esto cada vez mais envolvidos com exames radiogrficos para a displasia. Entretanto, para se fazer uma boa avaliao so necessrias tomadas radiogrficas corretas e alta qualidade tcnica (Tellhelm & Brass, 1989, Trres, 1993).

Aspectos radiolgicos2.1 - Posicionamento e conteno O exame radiogrfico deve ser feito na posio ventro-dorsal com os membros posteriores bem estendidos e rotacionados internamente de modo que a patela fique sobreposta medianamente em relao ao plano sagital do fmur. Os fmures devem ficar paralelos entre si e em relao coluna vertebral e a plvis em simetria. Procedendo-se desta forma, a radiografia poder revelar anormalidades articulares que no seriam facilmente vistas em outras posies (Ticer, 1975; Lust et al., 1985; Hunter, 1986; Wallace, 1987; Brass, 1989; Farrow & Back, 1989; Trres, 1993). O tamanho do filme deve ser suficiente para abranger a rea compreendida entre as asas dos lios e as articulaes dos joelhos e o feixe primrio de raios-X centrado entre as articulaes coxofemorais (Burns et al., 1987; Tellhelm & Brass, 1989). Para um correto posicionamento utiliza-se anestesia geral ou sedao profunda. So poucos os animais que toleram uma condio to desconfortvel como o decbito dorsal, principalmente mantendo-se os membros sob trao e rotao interna, procedimento que pode ser doloroso para os animais acometidos (Ticer, 1975; Lust et al., 1985; Hunter, 1986; Burns et al., 1987; Wallace, 1987; Trres, 1993). 2.2 - Aspectos anatmicos e idade para o exame radiogrfico A articulao coxofemoral normal possui uma perfeita relao entre a cabea do fmur e o acetbulo (Lust et al., 1985). Ao nascimento, o lio, o squio e o pbis so visveis radiograficamente. O centro de ossificao da cabea do fmur torna-se visvel somente por volta dos 12 dias de vida (Begon et al., 1985-1986). As articulaes coxofemorais de ces, que eventualmente desenvolvem displasia, so estrutural e funcionalmente normais ao nascimento. O diagnstico radiogrfico pode ser feito, inicialmente, entre 6 e 9 meses de idade, dependendo da gravidade do caso. Cerca de

80% dos ces displsicos mostram evidncias radiolgicas aos 12 meses e, em alguns casos, s so identificadas aos 2 anos. O aumento do lquido sinovial, a hipertrofia do ligamento redondo, a sinovite proliferativa e as leses da cartilagem articular ocorrem antes das evidncias radiolgicas (Lust et al., 1985). A probabilidade de se fazer um diagnstico incorreto grande em animais jovens, especialmente antes do fechamento das placas epifisrias, uma vez que as alteraes radiolgicas so mais perceptveis nos animais adultos (Rendano & Ryan, 1985; Wallace, 1987). Do ponto de vista clnico, a radiografia poder ser feita em qualquer idade pois, 95% dos ces displsicos tero sinais radiolgicos aps 2 anos de idade e nos severamente afetados, podem ser observados entre 2 e 4 meses (Wallace, 1987). Recomenda-se o exame radiogrfico de rotina, para efeito de seleo e controle reprodutivo, com a idade mnima de 1 ano nas raas de mdio e grande portes e 1 ano e meio para as raas gigantes (Brass, 1989). 2.3 - Avaliao das alteraes radiolgicas As anormalidades estruturais podem ser detectadas no acetbulo, no colo e na cabea do fmur. A articulao considerada displsica quando a cabea do fmur ajusta-se, inadequadamente ao acetbulo e tanto a luxao quanto a sub-luxao so consideradas confirmativas da DCF. Os ostefitos so observados em todos os estgios, principalmente nos mais avanados (Lust et al., 1985; Trres et al., 1999 a). Destacam-se como alteraes iniciais o aumento do lquido sinovial, da espessura do ligamento redondo e sub-luxao, sendo que somente a ltima poder ser vista no exame radiogrfico. Posteriormente, observam-se osteofitose pericondral junto insero da cpsula articular, remodelao e esclerose sseas da cabea, do colo e do acetbulo. A cabea do fmur perde sua forma esferoidal ficando achatada em sua superfcie articular, o colo torna-se espesso, com superfcie e densidade irregulares devido formao de ostefitos. Ocorre o arrasamento do acetbulo porm, nem sempre visto em todos os casos (Burns et al., 1987). A DCF predominantemente bilateral, no entanto, em um pequeno percentual de ces, pode ocorrer de modo assimtrico, ou seja, unilateral onde uma articulao normal e a outra afetada ou bilateral em diferentes graus. Deve-se ter o cuidado para no cometer erros de interpretao nesses casos (Morgan, 1986; Trres et al. 1999b). Algumas tcnicas auxiliares so utilizadas na avaliao radiogrfica. Dentre elas, destaca-se a de Norberg onde mede-se na radiografia, utilizando-se uma escala, o ngulo formado por: a) linha ideal que une as duas cabeas femorais e b) linha que une o centro da cabea do fmur sujeita a exame, com a borda acetabular crniolateral do mesmo lado. Qualquer medida constatada, inferior a 105o mostra uma inadequada relao entre a cabea do fmur e o acetbulo, demonstrando sinais de subluxao ou luxao, o que pode ser caracterizado como DCF (Douglas & Williamson, 1975). A Fig. 01 mostra a escala de Norberg. Foi proposta pela Federao Cinolgica Internacional (FCI) e adotada no Brasil, a classificao em graus da DCF, de acordo com as caractersticas radiolgicas observadas (Brass et al., 1978), conforme descrito a seguir: a) Nenhum indicativo para DCF: A cabea do fmur e o acetbulo congruentes e o ngulo de Norberg = a 105. Acetbulo crniolateral ntido e arredondado, acompanhando o contorno da cabea do fmur. O espao articular apresenta-se fechado e regular.(Fig 2.)

Figura 2 - Radiografia de articulaes coxofemorais normais

b) Suspeito de DCF: A cabea do fmur e o acetbulo discretamente incongruentes, ngulo de Norberg = a 105 ou ngulo < que 105 porm, cabea do fmur e acetbulo congruentes. (Fig. 3).

Figura 3 - Suspeito de displasia coxofemoral. Lado esquerdo incongruente (seta azul) e sem sinais osteoartrticos

c) Displasia discreta ou leve: A cabea do fmur e o acetbulo incongruentes, ngulo de Norberg > que 100 e < que 105, aparecimento de sinais osteoartrticos. (Fig. 4).

Figura 4 - Displasia coxofemoral discreta ou leve. Bordas crniolaterias dos acetbulos achatadas cranialmente (seta branca), formao de ostefitos na insero da cpsula articular (seta amarela), espao articular divergente (seta azul).

d) Displasia mdia: Incongruncia ntida entre a cabea do fmur e o acetbulo, com subluxao, ngulo de Norberg > que 90 e < que 100 e sinais osteoartrticos evidentes. (Fig. 5).

Figura 5 - Displasia coxofemoral mdia (unilateral direita) com sinais osteoartrticos acentuados. O acetbulo est raso e achatado cranialmete (seta branca), a cabea do fmur achatada (seta azul), o colo curto e com formao de ostefitos (seta amarela).

e) Displasia grave: Alteraes osteoartrticas bem evidentes, ngulo de Norberg < que 90, subluxao ou luxao. (Fig. 6).

Figura 6 - Displasia coxofemoral grave. Observam-se sinais osteoartrticos muito acentuados destacando-se o achatamento da cabea do fmur (seta branca), o colo largo e curto (seta amarela), a formao de ostefitos (seta vermelha) e o acetbulo raso e achatado cranialmente (seta azul).

Consideraes finaisA displasia coxofemoral tem sido amplamente estudada e pesquisada, principalmente devido a alta freqncia com que tem se manifestado e a complexidade de sua gnese. Baseandose na evidncia de que, os achados radiolgicos no so compatveis com a sintomatologia clnica, a radiografia fundamental na avaliao e primeiro passo na tentativa de se controlar o problema. O controle feito a partir da seleo de animais para acasalamento, que deve ser realizado preferencialmente entre animais normais. Deve-se ter cuidado quanto aos critrios e padres preestabelecidos para o exame radiogrfico, notadamente em relao ao posicionamento, ao uso de adequados meios de restrio e idade ideal pois, esses fatores so de grande importncia para uma avaliao correta, segura e menos sujeita a erros.

Referncias bibliogrficas

BEGON, D., MIALOT, J.P., GURIN, C. Aspectos radiographiques de la hanche du chien em croissance. Le Point Vtrinaire, v.17, n.94, p.703-713, 1985-1986. BRASS, W., FREUDIGER, U., MULLER, L.F. et al. Bericht der huftgelenkdysplasie-komission. Kleintierpraxis, v.23, n.4, p.169-180, 1978. BRASS, W. Hip dysplasia in dogs. Journal of Small Animal Practice, v.30, n.3, p.166-170, 1989. BURNS, J., FOX, S.M., BURT, J. Diagnostic radiography: the only definitive determination of chd. Veterinary Medicine, v,82, n.7, p.694, 696-700, 1987. DOUGLAS, S.W., WILLIAMSON, H.D. Diagnstico radiolgico veterinario. Zaragoza: Acribia, 1975. 330p. FARROW, C.S., BACK, R.T. Radiographic evaluation of nonanesthetized and nonsedated dogs for hip dysplasia. Journal of the American Veterinary Medical Association, v.194, n.4, p.524526, 1989. FOX, S.M., BURNS, J., BURT, J. The dysplastic hip: a crippling problem in dogs. Veterinary Medicine, v.82, n.7, p.684-688, 690-693, 1987. GEROSA, R.M. La displasia de la cadera canina desde una visin biomecnica. Revista de Medicina Veterinria, v. 76, n.1, p.69-71, 1995. HUNTER, A.C. Radiography for hip dysplasia evaluation. New Zealand Veterinary Journal, v.34, n.4, p.43-45, 1986. LUST, G., RENDANO, V.T., SUMMERS, B.A. Canine hip dysplasia: concepts and diagnosis. Journal of the American Veterinary Medical Association, v.187, n.6, p.636-640, 1985. MONTGOMERY, R.D. Toma de decisiones en el manejo de la displasia de cadera canina. Walthan Focus, v.10, n.1, p.26-31, 2000. MORGAN, J.P. Canine hip dysplasia: asymmetry of change. California Veterinarian, v.40, n.2, p.17-20, 1986. MORGAN, J.P. Canine hip dysplasia: significance of early bony spurring. Veterinary Radiology, v.28, n.1, p.2-5, 1987. RENDANO, V.T., RYAN, G. Canine hip dysplasia evaluation. A positioning and labeling guide

for radiographs to be submitted to the orthopaedic foundation for animals. Veterinary Radiology, v.26, n.6, p.170-186, 1985. TELLHELM, B., BRASS, W. HD-rntgenaufnahmen-qualitt und beurteilung. Kleintierpraxis, v.34, n.11, p.551-560, 1989. TICER, J.W. Radiographic technique in small animal practice. Philadelphia: Saunders, 1975. 450p. TRRES, R.C.S. Prevalncia da displasia coxofemoral em ces da raa Pastor Alemo. Belo Horizonte, 1993. 69p. Dissertao (Mestrado) - Escola de Veterinria. Universidade Federal de Minas Gerais. TRRES, R.C.S.; FERREIRA, P.M.; ARAJO, R.B., MARTINS, A.S. Presena de "Linha Morgan" como indicador de displasia coxofemoral em ces da Raa Pastor Alemo. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinria e Zootecnia., v.51, n.2, p.157-158, 1999a. TRRES, R.C.S., FERREIRA, P.M., SILVA, D.C. Freqncia e assimetria da displasia coxofemoral em ces Pastor-Alemo. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinria e Zootecnia, v.51, n.2, p.153-156, 1999b. WALLACE, L.J. Canine hip dysplasia: past and present. Seminars in Veterinary Medicine and Surgery (Small Animal), v.2, n.2, p.92-106, 1987.